UNI FMUCURSO DE DIREITO
A VALIDADE DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL
ESTATUTO DE ROMA
Tatiana Alves Raymundo
R.A. 441.658-3E-mail: [email protected]
Telefone: (011) 3622-6958
Orientador: Prof. M. Lair da Silva Loureiro Filho
UNI FMUCURSO DE DIREITO
A Validade do Tribunal Penal InternacionalEstatuto de Roma
Monografia apresentada ao Curso
de Direito do UniFMU, como
requisito parcial para obtenção do
grau de Bacharel em Direito, sob a
orientação do Professor. M. Lair da
Silva Loureiro Filho.
São Paulo, março de 2004.
Banca Examinadora
Professor Orientador: _______________________________
M. Lair da Silva Loureiro Filho
Professor Argüidor: ________________________________
Professor Argüidor: _________________________________
“Há cinco maneiras de atacar com fogo.
A primeira é queimar os soldados com seus acampamentos;
a segunda é queimar armazéns;
a terceira é queimar comboios de mantimentos;
a quarta é queimar arsenais e paióis;
a quinta é lançar fogo, continuamente, sobre o inimigo”
(Sun Tzu, A Arte da Guerra, Século VI, a.C.)
“A paz é o fim que o direito tem em vista.
A luta é o meio de que se serve para o conseguir.
Por muito tempo, pois que o direito ainda esteja ameaçado
pelos ataques da injustiça – e assim acontecerá enquanto o mundo
for mundo – nunca ele poderá subtrair-se à violência da luta. A vida do
direito é uma luta: luta dos povos, do Estado, das classes, dos indivíduos.
Todos os direitos da humanidade foram conquistados na luta”.
(Rudolf Von Jhering, A Luta pelo Direito, 1888)
Dedico este trabalho para minha mãe, que nunca
permitiu que eu desistisse de meus sonhos, em
especial daquele de um dia me graduar no Curso de
Direito; dedico também este trabalho à Deus, Nossa
Senhora da Medalha Milagrosa e todos os membros do
Centro Comunitário Maranata de São Paulo e do Grupo
da Academia Ballerine Ballet, que sempre me
proporcionaram as coisas mais belas da vida; em
especial, dedico esta monografia aos meus padrinhos,
que são todos aqueles que me auxiliaram de alguma
forma para que eu pudesse chegar aos bancos
acadêmicos; por fim dedico este trabalho para o notável
Paulo, que muito me ensinou sobre a vida e o amor.
Agradeço a cada um dos professores que lecionaram
suas experiências no UniFMU. Tenho a plena certeza
de que todo o meu conhecimento é especialmente
devido a cada um deles. Agradeço a todos, de forma
especial os Professores Carlos Alberto Gasquez Rufino,
Flávio Katinskas e Leonardo Musumecci Filho, no qual
obtive a honra de praticar a gratificante atividade de
monitora; aos Professores Antonio José Eça, Álvaro
Edauto, Nivaldo Sebastião Vícola, Adriano Conceição
Abílio, Amauri Renó do Prado, Rogério Ives Braghtonni,
Anamaria Valiengo Lowenthal, Pedro Henrique Távora
Niess, que além de excelentes mestres, tornaram-se
grandes amigos. Por fim, agradeço ao Ilustre Mestre e
Professor Lair Loureiro da Silva Filho, que desde o
primeiro ano tornou-se um exemplo de ética e
conhecimento na ciência do Direito, e que me honrou
ao aceitar a orientação deste novo trabalho.
SINOPSE
Este trabalho busca trazer alguns conceitos que facilitem a análise
do Estatuto de Roma, que instituiu a criação do Tribunal Penal Internacional,
órgão que trata de um dos objetivos de conquista da Comunidade Internacional.
Desta forma, nossa análise busca muito mais do que a simples
verificação dos principais institutos previstos no Tratado, mas especialmente
analisar a sua inserção dentro de nosso Ordenamento Jurídico, o que se verificou
através do Decreto Legislativo 47.388/2002, avaliando sua validade e aceitação
por parte do Sistema Jurídico Pátrio.
Por fim, pretende-se ainda ressaltar a relevância deste instituto
multidisciplinar, com gênese dada pelo Direito Internacional, bem como sua
relevância, de forma especial no futuro, para toda a Comunidade Internacional.
ÍNDICE
Introdução
Capítulo 1 - O Direito Internacional................................................................p.3
1.1 - Fontes de Direito Internacional..................................................................p.4
1.2 - Conflito entre Direito Internacional e Direito Interno..................................p.6
Capítulo 2 - Histórico.......................................................................................p.8
2.1 - Considerações Gerais sobre os Direitos Humanos...................................p.8
2.1.1 - Análise Histórica dos Direitos Humanos ...........................p.9
2.1.2 - Evolução Histórica dos Direitos Humanos e os
conceitos de Geração ..................................................................p.11
2.2 - A luta da Comunidade Internacional pela criação de um Tribunal ...........p.17
2.3 - A criação do Tribunal Penal Internacional – Estatuto de Roma ................p.18
Capítulo 3 - Validade da Norma Jurídica do Tratado....................................p.21
3.1 - Conversão do Tratado em Norma do Sistema Jurídico.............................p.22
3.2 – Procedimento ...........................................................................................p.23
3.3 - Decreto Legislativo 47.388 de 25 de setembro de 2002 ...........................p.23
3.3.1 - Análise Preambular do Decreto 47.388/2002 ...................p.24
3.3.2 - Procedimento Legal do Decreto Legislativo......................p.25
3.4 - Tratado no Ordenamento Jurídico Brasileiro.............................................p.27
3.5 - Procedimento para inserção do Tratado ...................................................p.30
3.6 - Controle de Constitucionalidade................................................................p.32
3.7 - Validade da Norma....................................................................................p.33
Capítulo 4 - O Tribunal Penal Internacional ..................................................p.36
4.1 - Aspectos Gerais do Tribunal ....................................................................p.37
4.1.1 - Hierarquia de Normas de Acordo com o Estatuto.............p.37
4.1.2 - Competência.....................................................................p.38
4.2 - Crimes em Espécie ...................................................................................p.39
4.2.1 - Crime de Genocídio ..........................................................p.40
4.2.2 - Crimes Contra a Humanidade...........................................p.41
4.2.3 - Crimes de Guerra..............................................................p.43
4.2.4 - Crime de Agressão ...........................................................p.44
4.3 - Regulamentação do Tribunal ....................................................................p.45
4.4 - Aplicação da Pena pelo TPI ......................................................................p.47
4.5 - O Julgamento ............................................................................................p.48
4.6 - Extradição ................................................................................................p.51
Capítulo 5 - Princípios para aplicação do TPI em âmbito Penal..................p.53
5.1 - "Ne Bis In Idem" ........................................................................................p.54
5.2 - "Nullum Crimen Sine Lege" .......................................................................p.54
5.3 - "Nulla Poena Sine Lege" ...........................................................................p.55
5.4 - Não retroatividade "ratione personae”.......................................................p.56
Capítulo 6 - Alguns Aspectos Polêmicos do Tribunal Penal
Internacional ....................................................................................................p.57
6.1 - Tribunal de Exceção?................................................................................p.57
6.2 - Participação da ONU – Organização das Nações Unidas.........................p.61
6.2.1 - Conselho de Segurança....................................................p.61
6.2.2 - Corte Internacional de Justiça...........................................p.62
6.2.3 - Relacionamento com o Tribunal .......................................p.63
6.3 - Definição do Crime de Agressão...............................................................p.65
6.3.1 - Procedimento Atual – Crime de Agressão ........................p.66
6.4 - Prisão Perpétua.........................................................................................p.68
Capítulo 7 - Conclusão....................................................................................p.70
Bibliografia
INTRODUÇÃO
Este trabalho busca demonstrar diversos aspectos sobre um recente
instituto de Direito Internacional: O Tribunal Penal Internacional.
Apesar de recente, o tema traz entre os juristas diversas dúvidas e
discussões. Este foi um dos motivos no qual decidimos por abordar este tema.
De qualquer forma, é importante ressaltarmos que a compreensão
deste Tribunal enseja a análise de diversos institutos, o que resulta em um estudo
multidisciplinar. Portanto, poderemos verificar neste trabalho monográfico
diretrizes em diversas áreas do Direito, como o Constitucional, Penal, Processual
Penal, e disciplinas extras como a História.
É por esta razão que a compreensão do papel do Tribunal Penal
Internacional não pode ser restringida a uma análise apenas do Direito
Internacional. De tal sorte, pode-se verificar do conteúdo desta tese que por
diversas vezes temos que nos voltar à análise do Direito Interno.
Resumidamente, traremos uma pequena análise dos capítulos
insertos ao trabalho, para entendermos melhor o escopo da monografia e a
ligação entre cada um dos temas abordados.
O Capítulo 1 visa introduzir este estudo em sua principal área, no
qual o Tribunal Penal Internacional irá se manifestar: o cenário internacional.
Portanto, buscamos explicar o que é o Direito Internacional, e como devemos nos
portar na existência de conflitos entre estas espécies de normas com o previsto
em nosso Ordenamento Jurídico.
O Capítulo 2 traça um histórico, sobre dois prismas: inicialmente na
busca na criação de uma proteção jurídica que pudesse amparar de forma global
as violações aos Direitos Humanos. Em segundo momento, fazemos uma
pequena análise acerca do surgimento destes direitos.
O Capítulo 3 visa inserir o conceito do Tribunal Penal Internacional
dentro de nosso Sistema Jurídico. Desta forma aborda o conceito de validade da
norma, qual o procedimento necessário para que o Tratado possa ingressar no
país como norma, e a análise do Decreto Legislativo que instituiu o Tribunal Penal
Internacional no Brasil.
Já no Capítulo 4, mencionamos os principais dispositivos do TPI,
explicando como ocorre o julgamento, quais são os tipos penais previstos, e
conseqüentemente sua competência. Verifica-se que o Capítulo 5 é uma
decorrência do posterior, posto que trata exclusivamente da análise dos princípios
penais que norteiam sua aplicação.
Finalmente, o Capítulo 7 busca trazer para análise e discussão
alguns dos diversos pontos polêmicos previstos no Estatuto de Roma. Evidente
que não seria possível tratarmos de todos os pontos existentes, mas buscamos
mencionar aqueles que conotam de relevância face ao nosso Ordenamento.
Encerramos após este capítulo o trabalho, elaborando nossa conclusão, que visa
demonstrar os pontos positivos e negativos do Tribunal, e o porque de
entendermos valiosos futuros estudos a respeito deste instituto internacional.
Capítulo 1- O DIREITO INTERNACIONAL
Com o escopo de fazer com que seja visualizado o objetivo deste
trabalho, entendemos necessária a análise da matéria proposta, inicialmente por
sua base.
Desta forma, para que possamos entender o Tribunal Penal
Internacional, devemos nos voltar para a sua gênese, qual seja, o Direito
Internacional. Neste raciocínio, entende-se de extrema relevância verificarmos
quais são as fontes que emanam o Direito Internacional, e no decorrer do trabalho,
como os Estados e em especial o Brasil acabam se portando face o cumprimento
de uma norma nascida de um direito com cunho transcendental, como é o caso de
estipulação do Tribunal Penal Internacional.
Outro aspecto que nos chama a atenção são os motivos
historicamente verificáveis que trouxeram à baila a necessidade de estipulação de
um órgão que visasse garantir os direitos da humanidade em face da existência de
uma guerra.
Com base nestes pontos essenciais para o entendimento da
existência e missão do TPI, passemos a abordar os pontos relacionados.
1.1- Fontes de Direito Internacional
O Direito Internacional surge através de três fontes distintas: (I)
costumes; (II) tratados; (III) princípios gerais de Direito.
Iniciamos esta análise através dos Tratados, que é a fonte que gerou
o Tribunal Penal Internacional.
Segundo ensina Carlos Roberto Husek, tratado é “acordo formal
concluído entre sujeitos de Direito Internacional destinado a produzir efeitos
jurídicos na órbita internacional”1. Simplificando, entendemos que o Tratado é o
instrumento capaz de emanar efeitos jurídicos dentre aqueles países soberanos
que, através do ato de ratificação, se submetem ao seu cumprimento e
observância, ou seja, um acordo firmado entre pessoas de Direito Internacional
Público. Por tratar-se de extrema relevância ao tema, voltaremos a abordar mais
sobre o Tratado no Capítulo 3.
Os costumes devem ser analisados da mesma forma que no Direito
em geral, mas devemos analisa-lo de maneira mais ampla, de tal sorte que seja
praticado por Estados Soberanos e pelos sujeitos internacionais em geral2.
Desta forma, classificamos costume como ‘ato consciente de
determinado sujeito que por atender determinada exigência social, passa a ser
novamente observado, até que se transforme em ato consciente por um grupo’3.
Portanto, trata-se de ato praticado de forma reiterada pelo sujeito de Direito
Internacional, e desta forma pacificado, em virtude de sua compatibilidade e ética
dentro das relações internacionais. Assevera ainda Carlos Roberto Husek, dentro
da ótica internacionalista, que a “repetitividade dos atos revela uma consciência
jurídica”4.
Por fim, os Princípios Gerais do Direito são a base do Direito
Internacional. Perceba que as demais fontes são criadas dentro dos princípios. É
através destes princípios que verificamos a ‘diferença primordial entre o Direito
Internacional e o Interno’5.
1 Curso de Direito Internacional Público. 4ª Edição, Editora LTR: São Paulo, 2002, p.51.2 Segundo Husek, estes são dotados de subjetividade internacional, ou sejam, facultados do exercício deDireitos e Obrigações na órbita internacional. Exemplo é a Santa Sé, que é formada pelo Papa e pela Cúria .3 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito.4 Curso de Direito Internacional Público, p. 32.5 Idem, p. 33.
Na lição de Miguel Reale, princípio consiste em “enunciados lógicos
admitidos como condição ou base de validade das demais asserções que
compõem dado campo do saber”6.
É por este motivo que afirmamos anteriormente que os Tratados e os
Costumes devem estar acorde com os Princípios do Direito Internacional, caso
contrário não seriam dotados de conteúdo relacionado ao bem comum pregado na
Comunidade Internacional. Estes são elaborados com base nos Princípios.
Em decorrência, firma-se que os Princípios devem ser norteados de
ética, “fiéis, na vida prática, às suas convicções de ordem moral”7.
Conforme aludimos, estes conceitos de princípios e costumes, estão
sendo traçados como em qualquer ramo do Direito. Entretanto, entendemos que
na órbita internacional, estes possuem um significado ainda mais forte, pois
versam, em regra, sobre normas que visam o bem comum global e, em grande
parte das ocasiões (como no caso do Estatuto de Roma) a garantia e a
observância dos Direitos Humanos.
1.2- Conflito entre Direito Internacional e Direito Interno
6 Lições Preliminares de Direito, p. 305.7 Idem.
Poderá ocorrer na vigência de um Tratado no Ordenamento Jurídico
a existência de conflito entre o conteúdo normativo existente na norma interna e o
trazido à colação por advento da transformação do Tratado em norma pátria.
Inicialmente, basta analisar a hierarquia da norma: se há norma
superiormente hierárquica de conteúdo diverso daquele estabelecido no Tratado,
este primeiro deverá prevalecer.
Interessante é o posicionamento de Hans Kelsen acerca da
existência de conflito entre estas normas. Afirma que esta hipótese não se trata de
um conflito propriamente dito, mas que “tal situação pode ser descrita em
proposições jurídicas que de modo algum se contradizem logicamente”8. Desta
forma, Kelsen afirma que não há uma invalidade normativa, podendo a norma se
adequar ao Sistema conforme sua hierarquia (acorde citamos acima), ou no caso
de previsão expressa poderia ocorrer a anulação de uma das normas. Todavia,
este não é o caso que podemos adotar perante o Estatuto de Roma.
De qualquer forma, nosso entendimento é que a norma pátria deverá
prevalecer. Este ponto será melhor abordado no item 3.4 – “Tratado no
Ordenamento Jurídico Brasileiro”.
Capítulo 2 - HISTÓRICO
A análise histórica que busco vem em encontro não apenas com a
criação de um Tribunal Internacional que atendesse aos anseios das Nações
Soberanas perante a violação dos mínimos direitos humanos. Esta análise visa
precipuamente verificar a necessidade dos Estados Soberanos em se adequarem
aos preceitos mínimos de Direitos Humanos, sendo estes voltados para todos os
seus povos, independentemente de religião, forma de governo, ou qualquer outro
aspecto. Note, de forma relevante, que estes históricos simplesmente se
encontram em uma das encruzilhadas traçadas pelo Direito.
Não obstante a criação do Tribunal Penal Internacional ter sido
motivada pelos acontecimentos da 1ª Grande Guerra, o seu auge pode ser
facilmente observado após os fatos da 2ª Guerra Mundial.
2.1. - Considerações Gerais sobre os Direitos Humanos
Levando-se em consideração que a criação do Tribunal Penal
Internacional, com competência internacional, visa garantir essencialmente o
Direito à vida de todos os povos, sem qualquer distinção entre eles, cumpre-nos
traçar estas breves linhas acerca dos Direitos Humanos.
8 Teoria Pura do Direito. 6ª Edição, Martins Fontes.
Para entender melhor o que são os Direitos Humanos, deve-se
desenvolver uma linha de raciocínio que demonstre a tamanha relevância deste
instituto. Para isto, elaboraremos uma análise histórica, e na seqüência
verificaremos sua evolução frente aos acontecimentos da Humanidade.
2.1.1. – Análise Histórica dos Direitos Humanos
O grande paradigma que nos fez iniciar esta análise é extremamente
vetusto e conhecido – o Cristianismo. E é através deste que o termo humanidade9
começou a se tornar importante.
Além do Cristianismo, a lei também visava a existência de alguns
Direitos diferenciados, que pudessem abranger os povos em geral, de forma que
não haveria discriminação em face da nacionalidade ou demais aspectos. Neste
parâmetro, Fábio Konder Comparato em sua obra “A Afirmação Histórica dos
Direitos Humanos” ensina que esta distinção legal era verificada desde os gregos,
que se preocupavam em destacar determinadas normas, cuja relevância e
obrigatoriedade deveria ser imputada “erga omnes”. Assim, ao citar Aristóteles,
Fábio Konder menciona que o filósofo as classificava como “leis comuns que eram
conhecidas pelo consenso universal, por oposição às leis particulares, próprias de
cada povo”10.
9 Segundo Soares Amora (in Minidicionário da Língua Portuguesa), a palavra humanidade possui os seguintessignificados: 1) conjunto de homens; 2) natureza humana; 3) benevolência, complacência, clemência,compaixão.10 Op. Cit, p. 13 e 14.
Comparato ainda afirma que com base nestes critérios gregos, os
romanos desenvolveram a expressão “ius gentium”, que consiste no Direito
comum a todos os povos, sendo que podemos considera-los como um esboço do
Direito Internacional.
Foi com base na doutrina Cristã que a Igreja Católica desenvolveu o
conceito de “pessoa humana”, quando explicou que a natureza de Jesus Cristo
era mista, posto que Ele era considerado um ser humano como qualquer outro, e
ao mesmo tempo divino, pelo fato de ser o Filho de Deus. E desta forma, mesmo
dentre diferentes povos, Cristo pregava a igualdade universal entre os seus irmãos
(todos são considerados filhos de Deus), sem que houvesse distinção entre raças,
idade, sexo, ou até mesmo religião.
Ainda na esteira da origem dos Direitos Humanos, o filósofo
Grundlegung, mencionado na obra do Professor Fábio Konder, menciona que
“todo homem tem dignidade, e não um preço, como as coisas”. Nesta afirmação
encontramos outro aspecto relevante para análise: a dignidade, que temos por um
dos direitos fundamentais essenciais ao homem.
De forma mais ampla, a obra “A Afirmação Histórica dos Direitos
Humanos” ensina que os Direitos relativos a condição humana não se tratam de
um direito face sua positivação. Estes devem preceder uma luta empenhada pelos
povos para que seja afirmado.
Relevante também mencionar que estes Direitos nem sempre são
obtidos de forma ideal e, portanto, necessitam de modificações para que se
aperfeiçoe. Isto é o que podemos verificar quando da luta pelo Direito à Igualdade.
A primeira conquista sobre este direito não era dirigida para todos, mas para uma
categoria específica – que foi concedida para o clero e a nobreza. Apenas
posteriormente ocorrera a verificação deste direito para as demais classes, ao
término do Século XVIII.
Porém, o homem percebeu que para este direito se tornar pleno, não
bastaria por si só. Desta maneira, iniciou-se a luta pelos Direitos Humanos em
geral.
2.1.2. – Evolução Histórica dos Direitos Humanos e os conceitos de Geração.
Tomando por base a obra “Direitos Humanos Fundamentais”, escrita
pelo Prof. Alexandre de Moraes11, é possível iniciar este estudo verificando que no
Egito e na Mesopotâmia já existiam civilizações que possuíam meios de proteção
de indivíduo em face do Estado. Por sua vez, na cultura grega verifica-se o berço
da discussão sobre a necessidade de ser estipulado ao homem direitos especiais,
como a liberdade e a igualdade. Neste mesmo período já se defendia a existência
de um Direito Natural, ou seja, um direito superior e anterior às leis escritas. Estas
normas também possuíam por característica a imutabilidade, em virtude da sua
relevância. Desta forma, seriam direitos que mesmo ao passar do tempo,
deveriam continuar a existir.
Posteriormente, como aludimos no item anterior, surge o
Cristianismo, que traz o conceito de igualdade entre os homens indiferentemente
de suas condições subjetivas. Foi exatamente o Cristianismo influenciou a
consagração dos Direitos Humanos Fundamentais.
Entretanto, no período da Idade Média, que foi marcado pela
indiferença entre os homens, em face da violência e ausência de compaixão,
verifica-se a existência de documentos que visavam assegurar o reconhecimento
de determinados direitos humanos.
A eficácia inicial de um dispositivo que buscava amparar o cidadão
em face do Estado apenas deu-se com a redação da Magna Carta Libertatum, de
15 de junho de 1215, outorgada pelo Rei João Sem Terra. Resumidamente,
instituía este documento um compromisso entre o Rei e seu povo, que se
comprometera, por exemplo, a não cobrar aumento de impostos sem que fosse
dada a devida publicidade, e outorgando um prazo razoável para o pagamento do
tributo. Isto modificou a relação entre o Rei (na figura do Estado) e o povo, que
não mais temia perder tudo o que possuía através de um confisco inesperado.
11 Direitos Humanos Fundamentais. 5ª Edição.
Outro fato instituído pela Magna Carta Libertatum foi o Direito à
Liberdade. Vale mencionar o seguinte trecho da Carta: “nenhum homem livre será
detido ou sujeito a prisão, ou privado de seus bens(...)”.
No mesmo sentido, o Habeas Corpus Act, de 1679, regulamentou
este direito, possibilitando com que juízes dos tribunais superiores pudessem
conceder a providência do “habeas corpus” para benefício de pessoas presas,
através de requerimento ou reclamação de qualquer indivíduo em seu favor.
Já em 1689, surgiu o Bill of Rights que simbolizou enorme restrição
ao poder do Estado, ao prever, dentre outros, o fortalecimento do Princípio da
Legalidade, sendo que o Rei não poderia suspender a execução de leis sem
anteriormente possuir consentimento por parte do Parlamento. Reafirmando
também o Princípio da Legalidade, surge em 1701 o Act of Seattlemente.
Posteriormente, ocorreu a Revolução dos Estados Unidos da
América, que importou em fortes influências no conceito de Direitos Humanos,
sendo que podemos mencionar, dentre outros, a Declaração dos Direitos de
Virgínia, que proclamou o direito à vida, liberdade e propriedade.
Nesta esteira, verificou-se a Declaração de Independência dos
Estados Unidos da América, que novamente trouxe dispositivos de controle ao
poder estatal. Posteriormente, foram editadas as Dez Primeiras Emendas,
aprovadas em 1789 prevendo a separação do poder, e expressamente consagrou
direitos fundamentais como a liberdade religiosa e a inviolabilidade de domicílio.
Todavia, o marco da consagração dos Direitos Fundamentais
ocorreu na França em 1789, com a promulgação da Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão. Ainda na França, a sua Constituição de 1791 consagrou
diversos direitos fundamentais, como a igualdade e a liberdade.
Neste mesmo período, a França assistiu a luta entre classes sociais,
que resultou na Revolução Francesa, que possuía o seguinte lema: Liberdade,
Igualdade e Fraternidade12.
A Constituição Portuguesa de 1822 também é considerada um marco
na luta para a proclamação dos Direitos individuais com a positivação de diversos
direitos, dos quais destacamos o livre acesso a cargos públicos e a proibição de
penas cruéis e infames.
Ampliando ainda a proclamação destes direitos, surge a Constituição
Francesa de 1848, que previa, dentre diversos direitos, a liberdade do trabalho e
da indústria.
12 Interessante mencionar que o lema da Revolução Francesa, que trouxe a Declaração dos Direitos doHomem elencou os direitos de primeira, segunda e terceira gerações.
Após este período ocorreu uma profunda modificação na sociedade
da época, em virtude do surgimento dos meios de produção industriais. Esta foi a
chamada revolução industrial, marcado, em especial, pelo descaso ao ser
humano nas relações laborais. Homens, mulheres, crianças e idosos trabalhavam
em condições precárias, por longo período, e com remuneração que por vezes
não era suficiente para o sustento alimentar.
Tal situação resultou na elaboração de diversos diplomas
constitucionais versando sobre a preocupação social. Dentre estes, podemos citar
a Constituição Mexicana de 1917, e a Constituição de Weimar de 1919.
O nazismo foi um movimento criado na Alemanha por Adolf Hitler,
que buscava o reconhecimento da superioridade da raça ariana (os alemães)
modificando o país para que a riqueza fosse voltada para seu povo, e dizimando
os demais povos que supostamente atrapalhavam este progresso, como foi o caso
dos judeus. O movimento resultou na 2ª Grande Guerra Mundial, e trouxe ao
mundo diversas cenas de crueldade e extermínio de pessoas. Este foi o maior
estopim para que os países passassem a se organizar para buscar um organismo
de defesa aos direitos humanos.
Posteriormente, em 1945, foi criada a Organização das Nações
Unidas, que por sua vez elaborou em 1948 a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, que se tornou um marco na criação de Direitos Humanos em todo o
Mundo. Esta declaração influenciou inquestionavelmente todas as legislações
mundiais. De tal sorte, a declaração trouxe em seu artigo 1º: “Todos os homens
nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e
consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”.
Igualdade entre as pessoas, mesmo que de classes sociais distintas13.
Com base nesta evolução dos Direitos Humanos, a doutrina elaborou
uma classificação, nomeando-os por gerações. Desta forma, temos: (I) Direitos de
1ª Geração, que consistem nas liberdades concedidas aos indivíduos, o direito a
liberdade como um todo. Esta concessão de direitos exige uma prestação
negativa por parte do Estado, ou seja, este obriga-se a respeitar a liberdade; (II)
Direitos de 2ª Geração, que são os direitos sociais, econômicos e culturais, ou
seja, a saúde, a educação, o trabalho. Este feixe de direitos já exige uma
prestação positiva por parte do Estado; (III) Direitos de 3ª Geração, que consiste
na fraternidade entre os seres humanos, bem como a solidariedade, etc. São
direitos de titularidade coletiva, ou seja, difusos.
Por fim, Celso Lafer ainda classifica uma 4ª Geração de Direitos, que
resguarda o direito da biotecnologia, como por exemplo, o material geneticamente
coletado, o esperma que será inserido ao óvulo, etc. Desta forma, Celso Lafer
defende que estes direitos devem ser também preservados, trazendo a idéia de
sobrevivência do homem na terra.
13 Vide no subitem anterior nossas considerações acerca do surgimento do direito à liberdade.
2.2. - A luta da Comunidade Internacional pela criação de um Tribunal.
Analisando a história do Direito Humanitário Internacional,
encontramos diversos antecedentes para a efetiva criação de um órgão que
pudesse julgar crimes no âmbito internacional, sem ferir a soberania dos Estados,
e buscando evitar a ocorrência de atrocidades contra o homem, e contra o mundo,
como um todo.
Muitas pessoas entendem que os principais eventos para a formação
do Tribunal foram as duas Grandes Guerras Mundiais. Evidente que estes foram
de fundamental importância para tal passo, mas não as únicas forças motoras
para a manifestação dos movimentos que geraram o Tribunal Internacional.
Temos outros fatos, verificados antes destes eventos, que já buscavam tal
iniciativa.
Verifica-se, dentre as tentativas de criação do Tribunal Penal
Internacional, o estabelecimento de diversos Tribunais de atuação Internacional,
criados em caráter temporário. Neste parâmetro, damos especial ênfase para o
Tribunal Militar Internacional de Nuremberg, e o Tribunal Militar Internacional para
o Extremo Oriente (Tribunal de Tóquio). Vale mencionar que estes foram os dois
primeiros Tribunais da História para o conhecimento, o procedimento e a eventual
condenação de criminosos envolvidos com crimes de guerra.
O Tribunal de Nuremberg foi criado com o objetivo de julgar nazistas
envolvidos nos crimes de guerra ocorridos durante este regime. A maioria dos
julgadores eram magistrados de países que se envolveram na Guerra (como os
EUA). O resultado foi a decretação de sentença de morte para a grande maioria
dos nazistas julgados, e o meio de execução utilizado foi a forca.
Em análises mais recentes, podemos citar o Tribunal Penal
Internacional para Ruanda, criado pelo Conselho de Segurança da ONU mediante
a Resolução 955/94.14
Estes Tribunais foram elogiados por alguns e também severamente
criticados, pois caracterizariam verdadeiros Tribunais de Exceção: criados para o
julgamento apenas de casos específicos e já ocorridos, ou seja, Tribunais “ad
hoc”.
Por fim, não podemos deixar de mencionar que também se verificou
outras tentativas de resolução dos crimes de guerra, mediante a elaboração de
diversos Tratados Internacionais.
2.3. - A criação do Tribunal Penal Internacional - Estatuto de Roma
O Tribunal Penal Internacional difere profundamente dos demais,
reconhecidos como Tribunais de Exceção criados para exercício de jurisdição em
âmbito internacional.
De forma resumida, vamos traçar o procedimento que gerou o
Tribunal Penal Internacional (TPI). Após todos os precedentes descritos, o TPI
começou a ser definido no cenário mundial.
Criado por intermédio do Estatuto de Roma aos 17 dias do mês de
julho do ano de 1998, o TPI foi estruturado com a competência de verificar delitos
previstos em seu Estatuto, porém aplicáveis apenas após o início de seu
funcionamento perante a comunidade internacional, que ocorreria com a
sexagésima ratificação ao Tratado.
A ONU, por intermédio da Assembléia Geral, baixou a Resolução
43/53, de 09 de dezembro de 1994, no qual constituiu um Comitê "ad hoc" para a
criação de um Tribunal Penal Internacional. Após, foi criado um Comitê
Preparatório, com a precípua função de analisar os resultados obtidos em virtude
da indicação do comitê "ad hoc". Foram realizadas seis sessões e no interregno
destas, elaboradas propostas para criação e atuação do Tribunal. Desta forma, foi
marcado uma convenção, com duração de cinco semanas, na sede da FAO –
Food and Agriculture Organization. Em 17 de julho de 1998 foi adotada a
14 MORE, Rodrigo Fernandes. "A prevenção e solução de litígios internacionais no Direito Internacional", pág.18. Trabalho disponível no site http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2819.
Conferência Diplomática das Nações Unidas de Plenipotenciários, para o
estabelecimento de uma corte penal internacional, de âmbito definitivo15.
Com a apresentação da proposta de criação do novo Tribunal, 71
países assinaram o Estatuto. Inicialmente, foi pequena a prática de ratificações
pelos países que efetivaram sua assinatura ao Tratado. Mas, em 01 de julho de
2002, foi atendida a condição de procedibilidade do Tribunal, com o registro
ratificação de número 6016. Atualmente, 90 países já ratificaram o Tratado do
Tribunal, sendo que alguns destes Estados, como por exemplo o Afeganistão,
Dominica e Timor Leste efetuaram sua ratificação posteriormente, posto que
inicialmente não aceitaram uma vinculação ao Tratado.
Ficou também manifesto no cenário internacional a não aceitação do
Tribunal, por parte de grandes e influentes Estados, como os EUA17, e a China.
Evidente é a manifestação do Estado Norte Americano acerca da rejeição de
atuação do Tribunal, fato claramente verificável desde a posse do Presidente
George W. Bush. A impossibilidade de imposição de controle por um órgão geral18
ao país, quando este órgão for manifestamente contra os objetivos manifestados
pelo governo americano, é a fundamentação desta decisão do governo Norte-
Americano. E esta é a hipótese que poderia ser verificada na prática, caso o país
ratificasse o Estatuto de Roma.
15 Dados colhidos no mês de julho de 2003, no site do Comitê Internacional da Cruz Vermelhahttp://www.circ.org/eng/party_icc16 Ibidem.17 Note que os Estados Unidos assinaram o Tratado, no período do Governo Clinton, mas não ratificou, já quetal manifestação incumbia ao Governo Bush.
Capítulo 3- Validade da Norma Jurídica
Para que possamos estabelecer critérios de aplicação da norma
jurídica, bem como seus pressupostos de atuação prática, mister faz-se definir o
que vem a ser validade da norma jurídica aplicável.
Preliminarmente, apenas ressaltamos que validade e vigência da
norma envolvem conceitos distintos. A vigência da norma será verificada,
conforme ensinamento de Tercio Sampaio Ferraz Jr., quando ‘após realizados os
procedimentos necessários e previstos legalmente para sua elaboração, dar-se a
sua publicação, sendo portanto a vigência o período de validade da norma’19.
Entendemos que, além da publicação, a vigência da norma verificar-se-á quando
observado o período da “vacatio legis” estipulado, independentemente da data da
publicação.
No que pertine à validade normativa, temos que a norma deverá
passar pelo crivo do devido processo legislativo, ou seja, a própria Carta Magna
prescreve o procedimento para que o legislador crie e inove acerca de novas
disposições normativas, ou até mesmo trate de modificar aquelas já existentes,
dentro do Ordenamento Jurídico. Estaremos analisando estes aspectos no
decorrer deste Capítulo.
18 Como de forma frustrada tentou a ONU.
3.1. - Conversão do Tratado em Norma do Sistema Jurídico
Para classificarmos a validade do Estatuto de Roma, devemos
explicitar qual é o procedimento que deve ser observado para que haja a inserção
de um Tratado em nosso Sistema Jurídico.
Inicialmente, a Carta Magna de 1988 prevê, em seu art.5º, § 2º, que
os direitos e garantias expressos em seu texto, não excluem os definidos por
Tratados Internacionais. Nesse aspecto, há uma discussão doutrinária acerca da
hierarquia do Tratado que for aprovado ao ingressar no Ordenamento. Alguns
defendem que a hierarquia da norma será equivalente a uma Emenda
Constitucional, enquanto outros defendem que sua aplicação deve ser idêntica a
de um Decreto Legislativo20.
Mas, para que seja verificado o Devido Processo Legislativo,
devemos classificar o que o mesmo efetivamente vem a ser. Trata-se de todo o
trâmite necessário, conforme o estabelecido na Constituição Federal, para a
elaboração de uma norma. A não observância destas especificações resulta na
invalidação formal da norma, ou seja, a sua não validade em virtude da ausência
das exigências legalmente previstas.
19 Introdução ao Estudo do Direito. 2ª Edição, Atlas.
20 Este assunto será aprofundado no tópico “Tratado no Ordenamento Jurídico Brasileiro”.
3.2 - Procedimento.
A criação de uma norma, conforme acima abordamos, deve seguir
uma seqüência pré-estabelecida.
O ato que dá início à criação de uma norma21 é a iniciativa. Acorde a
lição de Manuel Gonçalves Ferreira Filho, ‘a iniciativa não se trata de uma fase do
processo legislativo, mas sim o ato que desencadeia tal procedimento, resumindo-
se em uma declaração de vontade direcionada à autoridade competente para a
elaboração da norma’22.
Posteriormente, a proposta será analisada e votada pelos membros
da Casa Legislativa (ou do Congresso Nacional dependendo do caso), e mediante
aprovação, remetido ao Presidente da República para que se dê a sanção ou o
veto. Caso seja verificada a sanção, a norma será promulgada e publicada para
que desta forma seja aplicada dentro do Sistema Jurídico correspondente.
3.3. - Decreto Legislativo 4.388 de 25 de setembro de 2002.
21 Entenda-se por norma todas as espécies normativas previstas no art. 59 da CFR: Emenda Constitucional,Lei Complementar; Lei Ordinária; Lei Delegada; Medida Provisória; Decreto Legislativo e Resoluções.22 Curso de Direito Constitucional, p. 185 e 186.
Não obstante analisarmos o Estatuto de Roma (o Tratado em si),
entendemos ser de relevância a análise do Decreto Legislativo que instituiu o
Tribunal Penal Internacional no Sistema Jurídico Brasileiro.
Nesta esteira, iremos analisar dois suportes sobre a norma: (i) o conteúdo
inserido preambularmente pelo legislador nacional; (ii) o procedimento de
transformação do tratado em Decreto Legislativo.
3.3.1 Análise Preambular do Decreto 47.388/2002
A leitura do texto preambular do Decreto Lei 47.388/2002 traz alguns
pontos que geram discussão no que pertine aos termos da aprovação legislativa.
Como será demonstrado ao decorrer deste trabalho, as normas do
Ordenamento Jurídico pátrio e as previstas no Estatuto de Roma possuem
divergências e necessidade de adequação para aplicação prática. Todavia, não
obstante esta realidade, o legislador pátrio trouxe no texto de promulgação, no artº
1º, a seguinte expressão: “O Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional
(...) será executado e cumprido tão inteiramente como nele se contém”.
Note-se, como comentamos acima, que a aplicação do Estatuto aos
casos práticos em nosso Sistema Jurídico, será contemplado de diversas
dificuldades. Em especial quando verifica-se que o legislador estabelece que as
normas promulgadas do Tratado deverão ser “executadas” e “cumpridas” nos
termos do Decreto. Todavia, conforme estudaremos ainda neste trabalho, este
dispositivo não poderia ser elaborado de maneira diversa.
3.3.2. – Procedimento Legal do Decreto Legislativo
O Estatuto de Roma foi inserido ao Ordenamento Jurídico Brasileiro
na forma de Decreto Legislativo (Decreto 4.388 de 25 de setembro de 2002). O
Decreto é uma das modalidades de Processo Legislativo, conforme prescreve o
art. 59, VI da Constituição Federal.
Esta é uma espécie de norma que tramita para votação e aprovação
apenas em âmbito Legislativo. Não cabe ainda para este processo legislativo a
sanção por parte do Presidente da República. Tal circunstância é verificada posto
que o chefe de Estado (o Presidente da República) já efetuou a ratificação ao
Tratado, e por este motivo não há necessidade de novamente expressar sua
concordância em forma de sanção. Este ponto será melhor analisado juntamente
com o procedimento do Tratado Internacional.
De tal sorte, Manoel Gonçalves traz em sua obra a classificação
dada por Pontes de Miranda para o Decreto: “Decretos legislativos são as leis a
que a Constituição não exige a remessa ao Presidente da República para
sanção”23. Verifica-se expressamente esta previsão consultando o art. 48, “caput”
da CF, que estipula:
“Art. 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do
Presidente da República, não exigida esta para o
especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as
matérias de competência da União (...)” (grifos nossos).
O caso do TPI, como verifica-se, trata-se de matéria de competência
exclusiva do Congresso Nacional, e por este motivo adentrou em nosso
Ordenamento como norma na espécie de Decreto Legislativo, consoante prevê a
Constituição Federal, em seu art. 49,I, “in verbis”:
“Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso
Nacional”:
I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos
internacionais que acarretam encargos ou compromissos
gravosos ao patrimônio nacional; “. (grifos nossos).
Conforme analisado, o Estatuto de Roma, ou Decreto 4.388/2002, já
foi devidamente aprovado enquanto norma jurídica (processo legislativo).
Portanto, afirmamos que o TPI é dotado de validade e eficácia formais. A partir
desta premissa, buscaremos analisar a validade material do Tribunal, e discutir
23 Ibidem, p.211.
sua eventual aplicação prática no território nacional, o que se verificará no
decorrer deste trabalho.
3.4. - Tratado no Ordenamento Jurídico Brasileiro
Antes de tecermos qualquer consideração acerca dos Tratados,
cumpre-nos recordar que este é uma das fontes emanadoras do Direito
Internacional, conforme abordamos ao início deste trabalho.
Existe entre a doutrina especializada certa discussão acerca da
hierarquia do Tratado ao ingressar no Sistema Jurídico Brasileiro. O respaldo para
a existência desta discussão pode ser observado no próprio texto Constitucional.
O legislador constituinte estabeleceu uma norma de “competência”24
que já verificava o crescimento de um “ordenamento jurídico supranacional”25.
Desta forma, visou o constituinte regulamentar a existência de uma relação
internacional entre o Brasil e os demais entes internacionais, já que sabemos que
diversas normas jurídicas não possuem fronteiras, como seria o caso dos Direitos
Humanos (Fundamentais) como um todo.
24 BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. 3ª Edição, Editora Saraiva: 2001, p. 359.25 Ibidem.
Evidente que acima de tudo, a “mens legis” visou a possibilidade do
Brasil se relacionar com outros Estados, com o afinco de aprimorar o cumprimento
de normas que visem melhorar os países, em aspecto global. Nestes termos
explica o Professor Uadi Lammêgo Bulos, que o § 2º do art. 5º da Constituição de
1988, “desempenha função integrativa, propiciando o liame entre as normas
constitucionais e os direitos previstos nos tratados internacionais de que o Brasil
faça parte”26.
Para tanto, há duas correntes que tentam definir a posição destas
normas que passam a ser parte de nosso Sistema Normativo. A primeira defende
que ao ingressar o Tratado no Ordenamento Pátrio, os dispositivos “adquirem
s̀tatus` de autênticos atos normativos infraconstitucionais”27. Esta corrente é
defendida pela doutrinadora Flávia Piovesan.
Desta forma, o direito inserido em nosso Sistema deverá obedecer
ao disposto em nossa Magna Carta, não podendo feri-la em qualquer momento.
Este, inclusive, é o entendimento do STF ao julgar a Ação de Inconstitucionalidade
(ADin 1480-3). Em outras oportunidades o Supremo também se manifestou a
respeito do não ferimento à Soberania Nacional o fato de um Tratado tornar-se
parte das normas jurídicas em vigor no país. Este entendimento é majoritário
sobre a matéria. Pedimos para tanto permissão para trazermos à colação o
seguinte julgado exarado pelo Excelso Supremo Tribunal Federal:
26 Idem, p. 358.
“EMENTA: "HABEAS-CORPUS" PREVENTIVO. PRISÃO
CIVIL DE DEPOSITÁRIO INFIEL DECRETADA EM AÇÃO DE
DEPÓSITO DE BEM ALIENADO FIDUCIARIAMENTE (ART.
66 DA LEI Nº 4.728/65 E DECRETO-LEI Nº 911/69): ART. 5º,
LXVII, DA CONSTITUIÇÃO E CONVENÇÃO AMERICANA
SOBRE DIREITOS HUMANOS (PACTO DE SÃO JOSÉ DA
COSTA RICA), DECR. Nº 678/92. ALEGAÇÃO DE
PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. (...) 4- Os
compromissos assumidos pelo Brasil em tratado
internacional de que seja parte (§ 2º do art. 5º da
Constituição) não minimizam o conceito de Soberania do
Estado-povo na elaboração da sua Constituição; por esta
razão, o art. 7º, nº 7, do Pacto de São José da Costa Rica,
("ninguém deve ser detido por dívida": "este princípio não
limita os mandados de autoridade judiciária competente
expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação
alimentar") deve ser interpretado com as limitações impostas
pelo art. 5º, LXVII, da Constituição.”28 (grifos nossos).
A outra corrente por sua vez entende que as normas provenientes
dos Tratados possuirão “status” constitucional, gerando efeitos como se
27 Idem, p. 360.
consideradas Emenda à Constituição, caso seu conteúdo versasse acerca de
estipulação de Direitos e Garantias Fundamentais. Entretanto, os demais tratados
deveriam seguir a mesma ordem da corrente diversa, configurando, portanto,
norma de natureza infraconstitucional.
Para que seja verificada a aplicação do Tratado dentro do
Ordenamento Jurídico de um Estado, deverão ser verificados determinados
procedimentos. Efetuaremos este estudo em seguida para analisar o que deverá
ser observado para o ingresso do Tratado no Sistema Jurídico Nacional, antes
mesmo de seu processo legal, bem como sua hierarquia perante as demais
normas existentes.
3.5. – Procedimento para inserção do Tratado.
O Tratado começa a ser esboçado através de negociações e
reuniões entre os Estados soberanos e entes internacionais, que buscam uma
determinada adequação dos fatos existentes em âmbito internacional a uma
regulamentação especifica para determinados assuntos. No caso em tela, temos
diversos precedentes históricos que buscavam um órgão capaz de solucionar
conflitos em âmbito internacional, sem o envolvimento de um Estado soberano
específico. Desta forma, como já explicitamos, a ONU criou um comitê
preparatório para discutir a elaboração de um Tratado, que criasse um órgão
28 STF: HC 73044/SP – São Paulo. Relator Ministro Maurício Correa. Julgamento 19/03/1996. Órgão Julgador:2ª Turma. Publicação DJ Data 20/09/1996. PP 34534 – EMENT VOL-01842-02 PP 00196.
internacional com competência para julgar crimes que causassem repúdio perante
a comunidade internacional.
Após a reunião, observando-se um consenso, é elaborado o Tratado
(neste caso o Estatuto de Roma) que será assinado pelos países que participaram
da reunião e que entendem que os termos ali inseridos estão de acordo com o
discutido. Portanto, note que a assinatura por si só não obriga o Estado a cumprir
as normas ali previstas, hipótese que será verificada apenas mediante a
ratificação. É importante ressaltar que este ato significa uma manifestação de
vontade do Estado Soberano, que de acordo com o ensinamento de Husek deve
ser “livre e puro”29, caso contrário poderia ser verificada a nulidade do Tratado.
Desta forma, a assinatura dos Estados representa a autenticidade das normas
expressadas, e não o compromisso para seu cumprimento.
O próximo ato referente à aplicação do Tratado é a ratificação, que
consiste no ato praticado pelo Estado com o objetivo de demonstrar sua efetiva
manifestação e concordância acerca do cumprimento das normas previstas no
Tratado. É o ato pelo qual o Estado se posiciona positivamente para a execução
das normas. Este ato é expresso, ou seja, formal. Husek ainda classifica este ato
de forma unilateral (pois é elaborado pelo Estado sem a dependência ou auxílio
dos demais países que assinaram o Tratado), discricionário (já que a assinatura
por si só não obriga o Estado nos termos do Tratado) e irretratável (sua
29 Curso de Direito Internacional Público, 4ª Edição, Editora LTR, p.61.
manifestação de aceitação expressa implica em seu cumprimento). No Brasil, a
ratificação corresponde à inserção do Tratado no Ordenamento, ou seja, sua
transformação em espécie normativa (Decreto Legislativo). Após a elaboração da
norma, o Presidente da República deverá elaborar e assinar uma Carta de
Ratificação, que também deverá ser referendada pelo Ministro das Relações
Exteriores. Esta carta deverá ser depositada juntamente ao órgão ou Estado que
estiver encarregado deste protocolo.
Não podemos deixar neste caso de mencionar a possibilidade de
adesão, ou seja, a participação de um país que não assinou inicialmente o
Tratado, mas que posteriormente demonstrou interesse em ratificá-lo. Este ato
possui a mesma eficácia da ratificação, porém depende de autorização da maioria
dos Estados membros do Tratado (dois terços dos presentes ou votantes, ou com
base em decisão realizada em conferência internacional).
3.6. – Controle de Constitucionalidade
Apesar da possibilidade de uma norma ser apreciada e aprovada
para que seja considerada obrigatória e vinculatória perante nosso Sistema,
devemos recordar que há determinados procedimentos que visam o não
encaminhamento desta espécie de norma para observância prática no mundo do
Direito. Um destes procedimentos é o Controle de Constitucionalidade, no qual
desejamos apreciar em poucas linhas, já que se trata de assunto externo ao tema
proposto, mas também de relevância ao caso.
É evidente no Estatuto de Roma (bem como em diversas outras
normas que já fazem parte de nosso Ordenamento) a existência de preceitos
inconstitucionais. No caso do Estatuto, hipoteticamente teríamos uma
possibilidade de modificar (ou suprimir) os dispositivos que ferem o texto
constitucional: o Controle de Constitucionalidade Preventivo, que deve ser
exercido em duas esferas – na do Poder Executivo e na do Poder Legislativo.
No caso em tela, o controle preventivo realizado pelo Executivo foi
descartado, posto que o Presidente ratificou o Tratado sem expressar nenhuma
ressalva. Cumpre-nos mencionar que o Estatuto também não expressava tal
possibilidade, face o previsto no art. 120, que determina defeso a ratificação ao
tratado com qualquer espécie de reservas. Além disto, como o tratado é inserido
no Sistema em forma de Decreto Legislativo, não há o que se mencionar acerca
de controle executivo por meio de veto presidencial.
Já o controle do legislativo também foi inicialmente descartado, posto
o mencionado no art. 120, e que portanto foi inserido no art.1º do Preâmbulo do
Decreto, que é explícito no sentido de cumprimento integral do Tratado,
inteiramente como previsto no Estatuto de Roma.
Desta forma, evidente que apenas haverá controle de
constitucionalidade neste caso se realizado na modalidade repressiva, ou seja,
efetuado pelo Poder Judiciário (na figura da Suprema Corte) face o requerimento
de um dos legitimados para questioná-lo, ou em virtude de necessidade de
aplicação prática do Decreto.
3.7. – Validade da Norma
Entendemos ser a validade um ponto relevante acerca da aplicação
do Estatuto de Roma no Brasil. Acima de tudo, a questão da validade por si só já
denota discussões.
Inicialmente, mister faz-se a conceituação do termo “validade”. Na
lição de Tercio Sampaio Ferraz Junior, validade é “uma qualidade da norma que
designa sua pertinência ao Ordenamento, por terem sido obedecidas as condições
formais e materiais de sua produção e conseqüente integração no sistema”30.
Validade é ligada diretamente aos efeitos que possam ser exarados
da norma jurídica, bem como à sua implementação ao Ordenamento.
Para uma melhor análise, classificaremos a validade de duas formas
distintas: a validade no aspecto formal e a validade no aspecto material.
A validade formal refere-se ao procedimento necessário para que a
norma seja inserida dentro do Ordenamento. O ponto que nos remete a esta
30 Introdução ao Curso de Direito, p. 202.
espécie de validade encontra-se no item 3.5. – Procedimento para inserção do
Tratado. Podemos desta forma simplificar o que temos por validade formal:
necessidade de verificação e adequação da proposta para que esta seja
transformada em espécie normativa. Nas palavras de Tercio Sampaio Ferraz
Junior, a validade formal significa “que a norma seja integrada no Ordenamento”31.
Mas como já mencionamos, a validade formal da norma não é de todo suficiente,
pois podemos verificar a existência de normas que atendam à validade formal,
porém que não atendam a material, e vice-versa.
No caso do Tribunal Penal Internacional, caso seja verificada a
observância das regras descritas para a elaboração de um Decreto Lei, teremos
que o Estatuto de Roma possuirá a validade formal, no que pertine ao
Ordenamento Jurídico Pátrio.
A validade material irá se referir ao conteúdo da norma. Desta forma,
seus preceitos deverão ser verificados, tanto no que se referir a normas
procedimentais, como normas materiais. Confronta-se na norma elaborada os
seus mandamentos, face as normas anteriormente existentes, desde que de
hierarquia superior, especialmente quanto aos preceitos constitucionais.
Lembramos que as normas de inferior hierarquia não terão problemas referentes à
antinomia32, já que norma superior revoga inferior, especial revoga geral, e se de
igual hierarquia, norma posterior revoga a anterior.
31 Idem, p. 196.
Em suma, para que a norma seja válida materialmente, deverá
possuir um conteúdo compatível com os preceitos constitucionais, bem como não
trazer contrariedade a qualquer norma de maior hierarquia dentro do esquema da
pirâmide Kelseniana. Para Tercio Sampaio, ‘esta validade irá se referir aos efeitos
que poderá produzir, e também quanto ao momento em que poderá produzir tais
efeitos’33.
Não haveria possibilidade de atribuição de validade de uma norma
sem que esta correspondesse às previsões pré-existentes no Ordenamento, caso
contrário não se poderia estipular a existência de segurança jurídica.
Podemos simplificar o conceito de validade, como um todo, como a
norma que foi produzida conforme a indicação legal, e que possui conteúdo
plausível de aplicação prática, sem ferir as normas jurídicas no qual deve
obediência quanto ao conteúdo.
Definindo a questão da validade, até o presente momento, apenas
poderemos afirmar que o Tribunal Penal Internacional possui validade plena se
preencher os critérios de validade formal e material.
32 Conflito entre conteúdos normativos.33 Introdução ao Curso de Direito, p. 196.
Capítulo 4 – O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL
Neste capítulo buscamos explicar, de forma geral e resumida, como
funciona o Tribunal, através de seus órgãos e procedimentos.
Estaremos também abordando a competência de julgamento do
Tribunal, bem como elaborando uma sucinta análise dos tipos penais previstos no
Estatuto de Roma.
4.1. Aspectos Gerais do Tribunal
O TPI possui sede em Haia, na Holanda, também chamado de “País
Anfitrião”. O Tribunal é composto de: I) Presidência; II) Seção de Recursos; III)
Seção de Julgamentos em primeira instância; III) Seção de Instrução; IV) Gabinete
do Procurador; V) Secretaria.
Os juizes do Tribunal desempenham esta função especificamente
para o TPI, sendo escolhidos através de eleição feita por membros dos Estados-
Parte. Para tanto, devem ser competentes para atuar na área criminal como um
todo, possuir conhecimentos notórios na área de Direito Penal e ter fluência em
pelo menos um dos idiomas34 de Trabalho do TPI.
Interessante esclarecer que o Brasil possui uma representante no
TPI: é a juíza federal do TRF da 3ª Região, Sylvia Steiner, que foi uma das eleitas
para integrar o corpo de magistrados do Tribunal.
4.1.1. - Hierarquia de Normas de Acordo com o Estatuto
Não obstante tudo o que mencionamos até o momento, o Estatuto
traz de maneira expressa a hierarquia normativa que deverá ser aplicada para os
casos em que incidir a competência do Tribunal. Determina o art. 21, parágrafo 1º
do Estatuto que sempre deverão prevalecer as regras previstas no Tratado de
Roma, os elementos constitutivos do crime e o Regulamento Processual35.
Posteriormente, poderão ser utilizados os Tratados, Normas e Princípios do Direito
Internacional. Por fim, na existência de lacuna do fato analisado, poderá o juiz
valer-se dos Princípios Gerais do Direito. Interessante menção é que o TPI deverá
se valer dos princípios gerais de direito inerentes ao do Estado que iria, na
ausência do TPI, aplicar sua tutela jurisdicional ao caso, desde que tais princípios
não causem afronta aos princípios que regem o Estatuto de Roma. Estes
princípios serão ainda discutidos neste trabalho.
34 São os idiomas oficiais do TPI: árabe, chinês, espanhol, francês, inglês e russo. Dentre estas, o inglêse o francês serão aquelas utilizadas corriqueiramente nos Trabalhos. As sentenças prolatadas deverãoser publicadas nas línguas oficiais (art. 50 Estatuto de Roma).35 O Regulamento Processual será criado posteriormente, através de reunião entre representantes dosEstados Membros.
4.1.2. - Competência
O Tribunal Penal Internacional possui competência para julgar os
seguintes crimes, previstos no art. 5º, n.1 do Estatuto de Roma: a) Crime de
Genocídio; b) Crimes contra a Humanidade; c) Crimes de Guerra; e d) Crime de
agressão.
Note-se que, apesar da previsão de 4 tipos específicos, cada um
destes é explicado quanto ao seu conteúdo, de forma que engloba diversas
condutas no mesmo tipo36.
Independente da previsão elaborada no estatuto, poderão ser
realizadas modificações nos tipos penais, conforme prevê o art. 9º, nº.2. Estas
alterações somente poderão ser verificadas mediante a existência de uma
proposta, que deve ser elaborada por qualquer Estado Parte, bem como pelos
juizes do Tribunal (desde que constituam maioria absoluta) e também pelo
procurador do TPI.
Muitas discussões surgem neste ponto, pois o próprio Estatuto
deixou diversas premissas (inclusive pertinentes aos elementos constitutivos do
36 De tal sorte, verifica-se que o artigo 6º traz a previsão do que é o crime de genocídio; o artigo 7º prevê porseu turno as condutas dos crimes contra a humanidade, enquanto o artigo 8º elenca os atos que tipificam ocrime de guerra. Todavia, o crime de agressão não traz uma especificação, sendo determinado quefuturamente ocorrerá a tipificação dos atos mediante uma comissão do Tribunal, que reunirá membros detodos os Estados Parte.
crime) para análise em posterior oportunidade. Inicialmente, trata-se de uma
afronta ao princípio da Legalidade37, inerente e inafastável ao Direito Penal. Este é
um dos pontos que deverá ser analisado, em especial pelo próprio legislador
pátrio, para que possa efetivamente ser aplicado o Estatuto do TPI em nosso
Ordenamento Jurídico. Essas lacunas do TPI se revelam não apenas no campo
material, mas em especial no campo instrumental.
Outro aspecto extremamente relevante é que os crimes de
competência do TPI são imprescritíveis, ou seja, poderá ser realizada a
persecução penal a qualquer momento. Portanto, com fulcro no Direito Brasileiro,
verifica-se diversas normas inconstitucionais do TPI.
4.2. - Crimes em espécie
O Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional delimita quais
são os crimes no qual incidirá sua competência, acorde já comentado neste
capítulo.
Podemos analisar o Estatuto, portanto, de duas formas distintas: sua
parte geral, em que verificamos os procedimentos e normas gerais para aplicação
aos crimes; e a parte especial, que elenca quais crimes poderão ser julgados pelo
Tribunal, além de especificarem, sempre em rol objetivo, quais condutas
37 O Princípio da Legalidade determina que apenas considera-se conduta criminosa, e portanto passível deaplicação de pena, aquela previamente cominada pela lei.
configuram os crimes previstos. Isto nos dá uma idéia comparativa aproximada do
sistema adotado no Código Penal Brasileiro – uma parte especial, e uma parte
geral.
Temos que todos os tipos penais previstos no Estatuto devem
possuir como sujeito ativo pessoa física, e não o Estado, posto que no ambiente
de Guerra, são as pessoas envolvidas que irão delimitar e praticar as condutas
previstas – sejam estes soldados a serviço de seu Estado, ou mesmo aqueles
responsáveis pela emanação de uma ordem (nessa hipótese podemos até mesmo
prever um chefe de Estado como sujeito ativo).
Iniciaremos, portanto, uma análise dos crimes previstos no art. 5º do
Estatuto de Roma.
4.2.1 – Crime de Genocídio
O crime de genocídio está previsto no art. 6º do Estatuto de Roma.
Sua descrição é a mais breve, em comparação aos demais crimes do Estatuto.
De forma geral, qualquer das condutas, nos termos do Estatuto, são
praticadas com Dolo Específico, ou seja, a vontade livre e consciente de efetuar
aquela conduta, em virtude de um determinado resultado. Este resultado está
expresso no “caput” do artigo, consistente em um destruir de forma total ou parcial
um grupo étnico, racial ou religioso.
Verifica-se que o bem juridicamente tutelado é a proteção às classes
étnicas, não apenas no que se refere sobre a proteção da vida das pessoas, mas
também à sua integridade, condição de vida38, etc. A integridade prevista não visa
apenas o físico, mas também o psicológico do ser humano, enquanto que parte de
determinada etnia.
4.2.2 – Crimes Contra a Humanidade
Os crimes contra a humanidade possuem previsão no art. 7º do
Estatuto de Roma. São crimes que podem ser normalmente encontrados com
previsão em normas penais dos Sistemas Jurídicos de diversos países, e que
normalmente podem ocorrer.
Todavia, a competência para apuração destes crimes pelo TPI
apenas será conhecida quando estas condutas forem praticadas em um “quadro
de ataque”, ou seja, perante situação de guerra. Ainda nesta esteira, a conduta
deve ser direcionada para uma população civil.
Temos neste tipo penal a previsão dos seguintes crimes: homicídio;
extermínio; escravidão; deportação ou transferência forçada de população, prisão
ou qualquer espécie física de privação de liberdade; agressão sexual, escravatura
sexual, prostituição, gravidez ou esterilização forçadas, ou qualquer espécie de
violência sexual de gravidade comparável; perseguição de grupo em face de
motivos políticos, raciais, étnicos, culturais, religiosos ou outros do mesmo gênero;
desaparecimento forçado; crime de apartheid; outros atos desumanos de caráter
semelhante que gerem grave sofrimento ou afetem a integridade física ou a saúde
física ou mental.
No parágrafo 2° deste artigo verificamos a existência de uma norma
explicativa. Assim, temos nas alíneas “b” à “i” a previsão de condutas que resultam
na tipificação de alguns dos crimes que ora mencionamos.
Esta previsão foi de excelente conduta por parte do legislador, pois
se não houvesse tal expressão alguns crimes não poderiam de forma alguma ser
levados a julgamento, na medida em que nosso Sistema não possuiria previsão
para que houvesse o devido enquadramento legal, fato que resultaria em
ferimento ao Princípio da Anterioridade. É o que ocorre, “verbi gratia” nos crime de
escravidão, perseguição e apartheid.
4.2.3- Crimes de guerra
Os crimes de guerra pertencem à previsão do art. 8º do Estatuto.
Este tipo penal é particularmente extenso, face os demais crimes previstos no
38 Entendemos que ao estabelecer o termo “condição de vida”, o legislador objetivou proteger não apenas aspremissas mínimas para sobrevivência da pessoa, mas em especial tudo o que for considerado necessário e
Estatuto. Desta forma, traremos à colação apenas as principais características do
tipo.
Podemos inicialmente elaborar uma análise tripartite sobre as
condutas que ensejam a prática deste crime: (I) são crimes de Guerra aqueles
previstos na Convenção de Genebra de 1949; (II) são crimes de guerra as
condutas descritas de forma objetiva no art. 8º do Estatuto de Roma; (III) são
crimes de guerra as violações às leis e costumes estabelecidos em âmbito
internacional.
Citamos que inicialmente algumas condutas previstas são repetidas
nos crimes contra a humanidade, como é o caso do homicídio. Todavia, podemos
definir algumas pequenas diferenças. No caso de homicídio enquadrado no art. 7°,
mister faz-se a existência de um quadro de ataque estabelecido, o que não ocorre
nos crime de guerra. Outro aspecto é que o art. 7° refere-se a conduta voltada
diretamente para a população civil.
Para visualizarmos tais diferenças de forma mais clara,trazemos à baila alguns trechos do art. 8°, a saber:
“Alínea c). Em caso de conflito armado que não seja de
índole internacional, as violações graves do artigo 3.º
comum às quatro Convenções de Genebra de 12 de Agosto
de 1949, a saber, qualquer um dos atos que a seguir se
relevante para a continuidade de sua raça, como cultura, religião, entre outros.
indicam39, cometidos contra pessoas que não participem
diretamente nas hostilidades, incluindo os membros das
forças armadas que tenham deposto armas e os que tenham
ficado impedidos de continuar a combater devido a doença,
lesões, prisão ou qualquer outro motivo.” (grifos nossos).
Temos, portanto, que os crimes de guerra não se resumem aos
casos em que se verifica guerra declarada entre Estados Soberanos, mas também
em casos de Guerra Civil.
4.2.4 – Crime de Agressão
O crime de agressão é um caso “sui generis” no que pertine à análise
dos crimes previstos no art. 5º do Tribunal Penal Internacional. Como observamos
nos artigos anteriores, os demais crimes previstos possuem um rol objetivo de
definições, cada qual trazendo à baila os casos em que será verificada a prática
do delito, possibilitando que o TPI exerça sua jurisdição, nos termos do Estatuto.
Em suma, até o momento, não há definição legal do que se trata do
crime de agressão.
39 Nomenclaturas da alínea C do Estatuto: (i) Atos de violência contra a vida e contra a pessoa, em particular
o homicídio sob todas as suas formas, as mutilações, os tratamentos cruéis e a tortura; (ii) Ultrajes à
dignidade da pessoa, em particular por meio de tratamentos humilhantes e degradantes; (iii) A tomada de
reféns; iv) As condenações proferidas e as execuções efetuadas sem julgamento prévio por um tribunal
Os aspectos de validade e conformidade com o Sistema Penal
Brasileiro desta norma serão analisados no capítulo referente aos pontos
controvertidos do Estatuto de Roma.
4.3. - Regulamentação do Tribunal
Apesar de anteriormente vislumbrarmos neste trabalho que a
aplicação dos termos do Estatuto de forma inalterada a todos os Estados parte se
trata de difícil situação de amolde para a realidade, encontramos no Tratado de
Roma previsões de alterações de seus termos, ao longo de suas disposições
gerais.
Desta forma, há uma possibilidade de que os Estados possam tentar
transformar as normas do TPI em realidade dentro de seu Sistema Jurídico.
Porém, conforme verificarmos, esta hipótese não será facilmente verificada.
As alterações poderão ser efetuadas mediante requerimento de
qualquer Estado parte. Ainda podemos classificar que a modificação do Estatuto
poderá ser de naturezas diversas. O Estado poderá propor mudanças nas normas
processuais e materiais do Tratado, bem como propor alterações de caráter
regularmente constituído e que ofereça todas as garantias judiciais geralmente reconhecidas como
indispensáveis(...).
institucional do Tribunal (funcionamento, vencimento dos magistrados,
organização hierárquica, etc.).
Todavia, para que a modificação possa ser implantada, mister a
análise da proposta pelo Secretário Geral das Nações Unidas, que por seu turno
irá providenciar a comunicação da eventual alteração para os demais Estados
parte. Após este procedimento, os próprios Estados definirão, por meio de
votação, a aprovação ou não. Considera-se aprovada a proposta mediante 7/8 dos
países efetuarem a ratificação da proposta40.
Entendemos, “data máxima vênia”, que apesar da existência de uma
brecha normativa para a alteração do Estatuto, esta possibilidade será dificilmente
verificada na prática, tendo em vista dois aspectos relevantes: (I) o número de
países necessários para a aprovação da proposta, que podemos considerar alto;
(II) a dificuldade de amoldar uma proposta de um país para os 7/8 restantes,
número necessário para a aprovação.
Cumpre-nos também salientar que a possibilidade de oferecimento
de propostas para a alteração do Tribunal apenas poderá ser feita, nos termos do
art. 121 do Decreto Legislativo 4.388/2002, após sete anos, contados da entrada
em vigor do TPI, qual seja, a data de 21/07/2009. Portanto, anteriormente a esta
data, não vislumbraremos sequer pequenas alterações no Estatuto. E, desta
forma, recordamos que na eventualidade de aplicação do Tratado em nosso
território, deveremos tão somente atender a regra legislativa de ‘cumpri-lo e
executá-lo tão inteiramente como determinado em seu conteúdo’ – situação esta
que verificada na prática trará diversas contradições com as normas do
Ordenamento Jurídico Brasileiro, consoante o exposto até o momento.
4.4. - Aplicação da pena pelo TPI
A aplicação de pena aplicada pelo Tribunal Penal Internacional
poderá ser das seguintes modalidades: (I) pena restritiva de liberdade; (II) pena
pecuniária – multa; (III) perda de bens e valores.
A pena pecuniária será aplicada e revertida para um fundo existente
e destinado para as vítimas dos crimes cometidos, ou para suas famílias. Os bens
que forem perdidos em virtude de decisão judicial prolatada pelo TPI, ou valores
provenientes de ações praticadas ou dos próprios bens também podem ser
revertidos para o mesmo fundo41.
No que pertine à aplicação da pena privativa de liberdade, devemos
nos voltar à análise da prisão perpétua, que consiste na pena máxima aplicada
pelo TPI. Não sendo este o critério aplicado ao caso concreto, a pena não poderá
40 Neste procedimento, os países deverão observar os mesmos passos necessários para a ratificação de umTratado comum, não obstante tratar somente da alteração do Estatuto, ou das normas institucionais do TPI.
41 Perda de bens e valores.
ultrapassar o prazo de 30 anos. Sempre poderá ocorrer a revisão da pena
privativa de liberdade, desde que observados critérios de natureza objetiva e
subjetiva. Estes requisitos estão esculpidos no art. 110.
O critério objetivo refere-se ao “quantum” verificado no cumprimento
da pena aplicada. A pena de prisão perpétua poderá ser revista mediante
cumprimento de 25 anos de reclusão. Se a pena for igual ou inferior a 30 anos,
poderá ser revista quando cumprido 2/3 do estabelecido. Frisamos que, para a
redução e verificação da pena, não basta o critério objetivo, sendo este
suplementar ao subjetivo.
Já o critério subjetivo consiste nas seguintes hipóteses: (I) que ocorra
cooperação por parte do condenado para com o Tribunal, desde o período em que
verificava-se o julgamento; (II) o acusado auxiliar a execução das decisões e
despachos proferidos pelo TPI, de forma voluntária; (III) quaisquer outros fatores
que ensejem circunstância justificativa para a redução da pena aplicada42.
4.5. - O Julgamento.
O procedimento do julgamento está previsto a partir do art. 62 do
Decreto 4.388/2002. Em regra, o julgamento deverá ser realizado na sede do
Tribunal (Haia), mas poderá, nos casos em que for verificada tal necessidade, ser
realizado em outra localidade.
Anteriormente ao julgamento em si, poderá o Procurador instaurar
um inquérito para apurar se o fato relatado deverá ser de competência do TPI.
Caso o procedimento tenha resultado positivo, dar-se-á início ao processo no
Tribunal Penal Internacional.
Inicialmente, o julgamento consistirá na oitiva das partes, a
especificação de qual dos idiomas oficiais será adotado no processo, e a coleta de
provas documentais. Estas tarefas são de competência dos juízes que formam a
primeira instância no Tribunal. Caso seja necessária a produção de mais provas,
estas serão requeridas, e posteriormente providenciadas para o juízo de
instrução43.
A audiência realizada pelo TPI será pública, mas em algumas
hipóteses da fase de instrução poderá ser estabelecido o sigilo de informações.
Na audiência, o juiz determinará a leitura da peça acusatória para o
réu, certificando-se que este entendeu os atos que lhe foram imputados. Em
seguida, o réu poderá se manifestar indicando sua inocência, ou confessando os
atos narrados.
42 Este critério está vinculado com previsões que serão observadas no Regulamento Processual do Tribunal.
43 Esta função, embora determinada para os juízes de instrução, também poderá ser efetuada pelos juízes deprimeira instância.
Ao alegar sua inocência, verificamos semelhanças nos institutos
penais aplicáveis em nosso país. Desta forma, reina no processo penal do
Tribunal o Princípio da Presunção de Inocência. O ônus de comprovar os atos
eventualmente praticados pelo réu incumbe ao Procurador do TPI, e apenas será
verificada sentença penal condenatória quando não houver dúvidas quanto às
imputações dos crimes previstos no Estatuto.
Também poderá ser realizada a oitiva de testemunhas e das vítimas,
que dependendo do caso poderão contar com a integração no programa de
proteção às testemunhas e vítimas do Tribunal Penal Internacional, previsto no art.
68 do Estatuto. Estas deverão depor mediante promessa de aferir a verdade dos
fatos.
Posteriormente, as partes poderão apresentar as provas que
entenderem relevantes, desde que estas não sejam configuradas como ilegais, e
que causem ferimento aos princípios de Direito Internacional. Relembramos que
algumas provas poderão ser efetuadas de forma confidencial. Serão ainda
protegidas as provas fornecidas por Estado Soberano, quando verificada que sua
divulgação resultará em prejuízo para a Segurança Nacional.
O Tribunal ainda será competente para verificar crimes contra a
administração da justiça, como o caso de falso testemunho, suborno e provas
falsificadas. Ainda poderá ser aplicada pelo TPI sanção administrativa por
desrespeito.
Quanto à decisão, o magistrado deverá fundamentar sua conclusão,
baseado nas provas produzidas, bem como nos atos ocorridos dentro do
processo. É por este motivo que o Estatuto expressamente proíbe o julgamento
“extra petita”, prendendo o magistrado nos pleitos e nas provas contidas
exclusivamente nos autos. Esta decisão deve ser proferida por todos os juízes de
julgamento de 1º grau do Tribunal, que inclusive deverão buscar a unanimidade.
Todavia, nada obsta a condenação por maioria. Não ocorrendo unanimidade do
julgamento, será publicado integralmente o voto de cada um dos magistrados. A
leitura da decisão deverá ser proferida em audiência pública.
O Estatuto ainda prevê a possibilidade de interposição de recurso,
não apenas da decisão dos juízes de primeira instância, mas também de questões
incidentais, como por exemplo, a competência do Tribunal sobre o caso em
julgamento.
Os procedimentos para interposição destes recursos serão descritos
pelo Regulamento Processual do TPI.
Por fim, apenas mencionamos que há previsão no Estatuto44 de
possibilidade de decretação de prisão preventiva do acusado, sempre que
verificado caso de urgência.
4.6 – Extradição
Cumpre-nos trazer ao trabalho estas breves linhas acerca da
extradição, posto que este é um procedimento de extrema relevância para que se
possa efetivamente realizar julgamentos diretamente pelo TPI.
Observamos na leitura do Estatuto de Roma que a expressão
extradição em momento algum é utilizado. O legislador preferiu utilizar o termo
“entrega”, que, porém, de forma prática, acaba se tratando exatamente do
procedimento de extradição.
Extradição é o ato pelo qual um Estado efetua a entrega de um
indivíduo estrangeiro para outro Estado, com o escopo de, em regra, ser o
extraditado encaminhado para julgamento.
Há algumas formas possíveis de se efetuar a extradição. Temos,
portanto, como sistema de extradição:
- O Tratado – é o normalmente praticado pelo Brasil. Há menção em Tratados
assinados que mediante a verificação de certas circunstâncias, o país se obriga a
efetuar a entrega do indivíduo para outro Estado.
44 Artigo 92 do Decreto 4.388/02.
- A Reciprocidade – consiste no sistema de troca de cidadãos, ou seja, o país que
solicita a extradição de um indivíduo para o Estado oferece em troca um cidadão
proveniente do mesmo, nos casos em que houver interesse.
- O Asilo – consiste na mudança de Estado como residência do extraditado.
O asilo ainda pode ser subdividido em: (I) Asilo Político, que ocorre
no caso do ‘estrangeiro estar sendo perseguido em seu próprio país, em virtude
de fato político, de opinião ou de crimes de segurança, que são aqueles que
normalmente não configuram a existência de um delito penal’45; (II) Asilo
Diplomático, que ocorre quando o cidadão deixa o Estado em que se encontra
(podendo ou não tratar-se do Estado em que é nacional), através de pedido de
asilo junto a uma embaixada, que analisando o caso prático poderá o enviar
(extraditar) para outro Estado.
Evidentemente que apenas será caso de extradição no Tribunal
Penal Internacional a previsão expressa do Tratado do Estatuto de Roma.
Capítulo 5 – PRINCÍPIOS PARA APLICAÇÃO DO TPI EM ÂMBITO PENAL
O TPI traz expressamente quais são os princípios adotados em
âmbito penal para a verificação dos crimes cuja competência poderá ser exercida.
Trataremos destes Princípios de maneira simplificada, traçando apenas seus
aspectos gerais. Note que estes princípios são inerentes ao Direito Penal como
um todo, sendo alguns expressos no Código Penal Brasileiro e na Constituição
Federal de 1988.
5.1. - "Ne Bis In Idem"46.
Este princípio expressa que não se pode aplicar uma pena mais de
uma vez sobre uma mesma conduta. Assim, se o agente já tiver sido julgado pela
conduta praticada por um Estado, mesmo que este seja ratificante do Estatuto, o
TPI não poderá julgá-lo novamente. Independe de condenação ou absolvição. O
contrário também deve ser respeitado - aquele que for julgado pelo TPI não
deverá ser julgado por outro Tribunal.
Podemos simplificar o conceito deste princípio utilizando a lição de
Damásio Evangelista de Jesus, que ensina que “ninguém pode ser punido duas
vezes pelo mesmo fato”47. Outra lição interessante dada pelo Professor Damásio,
é que o “ne bis in idem” não pode ser verificado nem em âmbito material (duas
penas referentes à um crime único), ou processual (processado duplamente pelo
mesmo fato).
5.2- "Nullum Crimen Sine Lege"48.
45 HUSEK, Carlos Roberto, Curso de Direito Internacional Público, 4ª Edição, LTR.46 Expresso no art. 20 do Estatuto de Roma.
O agente não pode ter realizado um crime, sem que este seja
tipificado anteriormente, ou seja, a realização de fato considerado criminoso, para
gerar o crime e lhe impor uma sanção, deve ter sido previamente cominado pelo
Estatuto de Roma. Desta forma, aquele que comete crime de agressão, não
poderá ter sido imputado como criminoso, pois o Estatuto não prevê qual conduta
enseja este delito. De tal sorte, poderá ser incriminado por esta conduta a partir do
dia em que for expressamente determinado o que vem a ser este crime, e o
pratique posteriormente à cominação legal. Neste exemplo, aquele que cometeu o
crime em momento anterior à sua previsão, mesmo com uma regularização, não
poderá ser incriminado, pois praticou a conduta antes da vigência da norma penal
incriminadora, o que fere o Princípio da Anterioridade da Lei Penal.
Este princípio é fortemente verificado para a existência de crimes na
esfera penal. De tal sorte, está previsto expressamente no art. 1º do Código Penal,
e na Constituição Federal – art. 5º, XXXIX: “não há crime sem lei anterior que o
defina, nem pena sem prévia cominação legal”
5.3.- "Nulla Poena Sine Lege"49.
Este princípio prevê que apenas poderá ser imposta uma pena ao
agente se existir expressa previsão de aplicação da mesma pelo Estatuto. Este
princípio é extremamente ligado ao anterior, posto que, se não há de crime em
47 Direito Penal, Volume 1-Parte Geral, p.11.48 Expresso no art. 22 do Estatuto de Roma.
razão da inexistência de cominação legal, pode-se afirmar que não existe
imputação de pena. Mesmo que a conduta seja considerada ofensiva pela
sociedade, se o legislador não havia anteriormente elaborado uma norma penal
prevendo tal conduta, e mais, se esta não se encontrava em vigor (em razão, por
exemplo, da vacatio legis) não há crime, e por sua vez não se pode aplicar
qualquer sanção (pena, no sentido lato) à pessoa que teria praticado esta conduta.
5.4.- Não retroatividade "ratione personae"50.
Por força deste princípio, aquele que comete a conduta antes da
existência do Tribunal, não poderá ser julgado por este. O TPI possui competência
para julgar os crimes ocorridos após o início de sua vigência.
Este é um dos maiores aspectos que o diferencia dos demais
Tribunais Internacionais criados, pois estes, em regra, apenas julgavam delitos já
verificados.
O princípio da não retroatividade é intrinsecamente ligado ao
princípio penal da Irretroatividade da Lei Penal mais severa, que está previsto no
art. 2º, § único do Código Penal, bem como no 5º, XL da Carta Magna: “a lei penal
não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”.
49 Expresso no art. 23 do Estatuto de Roma.50 Expresso no art. 24 do Estatuto de Roma.
A exceção ao princípio trata-se na verificação da norma
posteriormente elaborada trazer ao réu benefício, o que não se verifica no caso da
aplicação das normas do TPI.
Capítulo 6 – ALGUNS ASPECTOS POLÊMICOS DO TRIBUNAL PENAL
INTERNACIONAL
Buscamos neste capítulo trazer para debate alguns dos diversospontos polêmicos existentes no Estatuto de Roma.
Verifica-se que esta abordagem é elaborada de forma genérica e
resumida, posto que as polêmicas do Estatuto, quando analisadas de forma geral,
devem ser elaboradas em trabalho específico, dada a profundidade e
extensividade da matéria. Desta forma, a análise deste tópico irá versar sobre o
fato de considerarmos ou não o TPI como Tribunal de Exceção, face os
mandamentos Constitucionais, a análise da ONU no contexto do Tribunal, o crime
de agressão, e por final a discussão acerca da aplicação de pena de prisão
perpétua.
Passamos a partir deste momento analisar cada título de forma
específica.
6.1. - Tribunal de Exceção?
Como já verificado anteriormente, embora mediante breves linhas,
entendemos necessária uma explicação do conceito do que vem a ser um Tribunal
de Exceção. Nosso Ordenamento Jurídico expressamente veda, na Carta Magna,
a existência de um Tribunal de Exceção51.
A discussão da aplicação de Tribunal de Exceção não é portanto
travada apenas no âmbito internacional (evidentemente mais verificada, em
virtude da existência de diversos precedentes52), bem como no âmbito interno.
De tal sorte, hodiernamente o Supremo Tribunal Federal vem
prolatando julgamentos em que se verifica a discussão acerca de existência de
Tribunal de Exceção. Para melhor abordagem deste tema, pedimos a devida vênia
para trazer à baila um dos julgados do Egrégio Tribunal Pleno:
“Ementa
Extradição. Executória. Natureza do Processo Extradicional.
Limitação ao Poder Jurisdicional do Supremo. Tribunal de
Exceção. Crime Político Relativo. Prescrição da Ação.
Processo de extradição, no exame do pedido extradicional o
STF ater-se-á a legalidade da pretensão formulada. Em se
tratando de extradição para a execução da pena imposta em
sentença condenatória, não se pode examinar irregularidades
51 Prevê o inciso XXXVII do art.5º da CFR: “não haverá juízo ou tribunal de exceção”.
e nulidades ocorridas na Ação Penal, nem rever o mérito da
decisão condenatória. Impossibilidade de revisão da decisão
preferida pela corte do País requerente. Crime Político. Exame
de sua configuração, como exceção impeditiva da concessão
da extradição (...). Tribunal de Exceção. Não caracterização
quando o julgamento se dá com fundamento de conformidade
com leis, desde há muito vigentes, e por integrantes da
Suprema Corte de Justiça do País. Na ocasião, regularmente
investido de suas funções. (...)”53 (grifos nossos).
Com base na decisão proferida pela Suprema Instância Nacional,
verificamos alguns elementos que caracterizam a existência de um Tribunal de
Exceção.
Assim, para que o Tribunal não seja considerado como Tribunal de
Exceção, este deverá estar vigente anteriormente à verificação do fato que poderá
ser-lhe atribuído para competência, estando, portanto o seu funcionamento acorde
à lei.
52 Como o Tribunal de Nuremberg e o Tribunal de Tóquio, como mencionamos na parte histórica do trabalho.53 STF - Extradição 615/BO – Bolívia. Relator Min. Paulo Brossard. Julgamento em 19/10/1994. ÓrgãoJulgador: Tribunal Pleno do Supremo. Publicação: DJ Data 05-12-94 PP-33480 EMENT VOL-01770-01 PP-00133.
Outrossim, para a análise da existência de Tribunal de Exceção,
voltemos nossos sentidos para a verificação de dois princípios: o Princípio do Juiz
Natural e o Princípio do Promotor Natural.
Na lição de Uadi Lammêgo Bulos, juiz natural ‘é aquele pré-
constituído pela lei, existindo anteriormente ao fato que deverá ser apreciado, o
que lhe garante a existência de imparcialidade’. Para que o princípio do juiz
natural seja observado, não se pode portanto admitir a criação de um Tribunal “ad
hoc” para a apreciação do caso concreto.
Quanto ao princípio do promotor natural, a lei deverá estabelecer
antecipadamente as funções do membro acusatório no processo.
Cumpre por final deste tópico ressaltar que não se pode confundir
Tribunal de Exceção com Tribunal que contenha normas inconstitucionais. Este
último possui regramentos e previsões que ferem o texto constitucional, porém
não como um todo. Diferentemente do Tribunal de Exceção, que já nasce
maculado, indiferentemente do que pode ser analisado sobre seus regramentos e
previsões. Se, de forma analógica, pudéssemos creditar tais institutos na órbita
civil para definir sua natureza, entenderíamos que o Tribunal de Exceção tratar-se-
ia de um ato nulo, enquanto que o de normas parcialmente inconstitucionais seria
um ato anulável, podendo ser ratificado entre as partes, ou seja, modificando seus
dispositivos inconstitucionais.
Com análise aos comentários supra citados, em especial destes dois
princípios, entende-se que o TPI não se trata de Tribunal de Exceção, posto que
pré-constituído e legalmente previsto.
6.2. - Participação da ONU – Organização das Nações Unidas
A ONU entrou em vigor através do advento de sua Carta,
promulgada na data de 24 de outubro de 1945. Sua finalidade precípua foi sempre
promover a paz, e fazer com que os Estados Soberanos voltassem sua atenção
para os Direitos Humanos.
Sua sede encontra-se na Cidade de Nova Iorque, nos Estados
Unidos.
Em linhas gerais, a ONU possui a seguinte estrutura: (I) Assembléia
Geral; (II) Conselho de Segurança; (III) Conselho Econômico e Social; (IV)
Conselho de Tutela; (V) Corte Internacional de Justiça; (VI) Secretariado.
Dentre estes órgãos, iremos nos ater especialmente ao Conselho de
Segurança e a Corte Internacional de Justiça.
6.2.1. - Conselho de Segurança.
O Conselho de Segurança é o órgão responsável pelas decisões da
ONU em geral, sendo portanto responsável pela análise e aprovação das
questões que são colocadas, em especial quando possuem por conteúdo
decisões de divergências entre Estados soberanos. Este órgão é formado por
quinze Estados, que possuem uma subdivisão: cinco Estados são considerados
permanentes54, enquanto os demais Estados passam por uma espécie de
“rodízio”.
Todas as decisões dos Estados membros do Conselho são postas
para “aceitação” dos membros permanentes. Ou seja, mesmo que a votação de
um artigo resulte em maioria dos Estados para aprovação, o voto dos membros
permanentes poderá derrubar a decisão, posto que sua posição possui valor
maior. Portanto, sem a aprovação destes cinco países, não poderá ser aprovada a
matéria pela ONU. Por esta razão há uma dificuldade em se estabelecer um órgão
supranacional, posto que a ONU poderá sempre ser imparcial face às decisões
que lhe forem competentes.
6.2.2. – Corte Internacional de Justiça.
O outro órgão há pouco mencionado foi a Corte Internacional de
Justiça. Trata-se do principal órgão judiciário da ONU, tendo sede em Haia. Esta é
a razão pela qual muitas pessoas confundem o Tribunal Penal Internacional.
Como por exemplo, o caso do julgamento do ex-presidente da Bósnia, Slobodan
54 São membros permanentes da ONU: EUA, Rússia, China, França e Grã-Bretanha.
Milosevic, está sendo apurado pela Corte Internacional de Justiça desde 1991.
Como normalmente os informativos e a imprensa apenas citam que ele está sendo
julgado em “Haia”, as pessoas logo fazem uma ligação ao TPI, e portanto alguns o
apontam como Tribunal de exceção (se criado em 2002, como julgar fatos desde
1991?). Portanto, esta Corte permanece sediada na mesma localidade do TPI,
mas tratam-se de órgãos absolutamente distintos. Frisamos que o Tribunal Penal
Internacional do Estatuto de Roma apenas irá exercer sua jurisdição aos fatos
verificados após a sua ratificação plena, o que se verificou em 01 de julho de
2002.
Desta forma, indivíduos de países que fazem parte ou não das
Nações Unidas podem ser julgados pela Corte Penal Internacional, diferentemente
do que se verifica no caso do TPI.
6.2.3. – Relacionamento com o Tribunal
A ONU possui um relacionamento próximo ao Tribunal. O Estatuto
prevê que a relação entre a ONU e o TPI será estipulada mediante um acordo,
que deverá ser celebrado pelos Estados Parte.
Entretanto, há previsões específicas insertas no texto do Decreto,
que inicialmente independem desta posterior regulamentação.
Tais previsões são voltadas em especial para atribuições ao
Secretário Geral das Nações Unidas. Além da previsão sobre as funções do
Secretário, temos outras previsões diferenciadas: (I) quanto aos fundos do
Tribunal, posto que parte da subsistência do Tribunal será de responsabilidade da
ONU ao TPI55; (II) legitimidade do Conselho de Segurança para apresentar ao
Procurador fatos que possam ser julgados pelo Tribunal.
Voltando para a figura do Secretário, verifica-se que a este incumbe
atribuições e faculdades. Temos que, após sete anos da vigência do TPI, cabe ao
Secretário informar aos Estados parte de qualquer proposta de modificação do
Estatuto (estas propostas deverão ser endereçadas ao Secretário). Além disto, o
Secretário é responsável pela guarda dos textos do Estatuto em todas as línguas
oficiais do tribunal, na sede da ONU em Nova Iorque. Da mesma forma, o
Secretário deverá receber futuras ratificações ao Estatuto, que não foram
protocoladas até o momento. Eventual pedido de retirada por um Estado do
Tratado, deverá igualmente ser destinado ao Secretário Geral.
Por fim, independente de propostas de modificação do texto do
Tratado, decorrido o prazo de sete anos, nos termos do art. 123, deverá o
Secretário convocar uma Conferência de Revisão para examinar as mudanças
indicadas, ou na inexistência destas, a verificação do texto do TPI.
Desta forma, verifica-se que apesar do TPI não se tratar de órgão
vinculado diretamente à ONU, estes possuem relações muito próximas, inclusive
no que pertine ao sustento material do Tribunal. Para alguns, este ponto pode
resultar em uma influência negativa quanto à jurisdição e imparcialidade do TPI.
Todavia, esta suspeita apenas poderá ser confirmada quando o Tribunal estiver
exercendo ativamente sua competência.
6.3. – Definição do crime de Agressão.
De acordo com o analisado no subitem 5.2.4., o crime de agressão
não teve definição jurídica formulada até o momento. Desta forma, não há como
se verificar qualquer condenação pelo Tribunal que possua fundamentação na
pratica deste crime.
Nesta feita, afirma-se que não há tampouco possibilidade de efetuar
qualquer espécie de analogia, utilizando “verbi gratia” uma definição existente por
outro Ordenamento Jurídico, sendo este parte ou não do Tratado que instituiu o
Tribunal Penal Internacional.
Tal situação também não se coaduna ao Sistema Penal Brasileiro
que possuiu como um de seus princípios basilares o Princípio da Anterioridade da
55 Estes fundos deverão ser aprovados pela Assembléia Geral da ONU.
Lei Penal, conforme se observa na Carta Magna56, e no art. 1° do Código Penal
Brasileiro, “in verbis”:
“Art. 1°. Não há crime
sem lei anterior que o
defina. Não há pena
sem prévia cominação
legal”.
Portanto, para que o crime possa ser verificado, e posteriormente
julgado, “é necessário que o fato tenha sido cometido depois de a lei entrar em
vigor”57.
Desta maneira, como o Decreto Legislativo 4.388/2002 não trouxe a
previsão legal sobre a configuração do crime de agressão, não há o que se falar
em vigência, nem tampouco validade.
Em suma, mesmo que o Tratado de Roma faça parte de nosso
Sistema Jurídico, o crime de agressão previsto em seu bojo não possui validade
formal, posto que o crime NÃO existe. Não foi legalmente definido, e não pode ser
considerado de forma analógica. Como não há validade formal (a norma em si),
não há o que se considerar acerca da validade material (no mundo fático).
56 Art. 5°, inciso XXXIX.57 Jesus, Damásio E. Direito Penal – Volume 1. Editora Saraiva, p.10.
6.3.1. – Procedimento Atual – Crime de Agressão.
O crime de agressão não possui artigo próprio, como podemos
verificar nos demais tipos penais previstos no Estatuto.
No art. 5º, o item número dois determina que o TPI apenas poderá
exercer sua jurisdição no caso do crime de agressão quando for aprovada sua
definição mediante reunião da Assembléia dos Estados Parte, que por sua vez
deverão convocar a Conferência de Revisão. As propostas e discussões acerca
destas deliberações, para que entrem em vigor, deverão respeitar os
procedimentos previstos no Estatuto de Roma.
Atualmente, já existem pautas para deliberar sobre a elaboração do
tipo penal Agressão. Conforme os dados apurados no site da ONU58, as
discussões para a definição do crime tiveram início em fevereiro de 1999 (antes
mesmo de o Estatuto entrar em vigor) e a última proposta foi entregue em julho de
2002.
Países como a Rússia, Alemanha, Grécia, Portugal e Colômbia
apresentaram propostas para criação do tipo penal. Estas discussões se
encontravam em seu 10º período, sendo que as propostas estão sendo verificadas
58 Informações disponíveis no endereço eletrônico:http://www.un.org/spanish/law/icc/documents/aggression/aggressiondocs.htm. Consultada efetuada em
por uma comissão preparatória, que ao findar os trabalhos e definir qual será a
definição legal acolhida, deverá submeter tais termos para aprovação dos
Estados-Membros do TPI. Portanto, os debates para a definição da infração já se
iniciaram, e após sua devida aprovação, e só a partir de então, poderão ser de
competência do Tribunal para exercício de “jurisdictio”.
Concluindo, o crime de agressão previsto no Estatuto de Roma não
existe perante o Brasil, nem para qualquer outro Estado soberano que tenha
ratificado o Tratado, até que se verifique a positivação e expressa previsão de
seus termos. A partir de então é que o TPI poderá ser competente para julgar esta
hipótese. E, como o próprio Estatuto prevê a necessidade de definição do crime
para que se possa efetuar qualquer julgamento, não há o que se mencionar
acerca do ferimento ao Princípio da Anterioridade da Lei Penal, posto que não há
ofensa ao mesmo.
6.4.– Prisão Perpétua
A pena de caráter perpétuo é uma das modalidades de aplicação de
pena privativa de liberdade do TPI, conforme anteriormente explicitamos.
Entendemos que este se trata de um dos pontos mais polêmicos
verificados no Decreto 47.388/02, com expressa previsão no art. 77, § 1º, alínea
“b”.
28/01/2004, com atualização até abril de 2002.
Entretanto, nossa Carta Constitucional prevê em seu art. 5º o
seguinte:
“Art. 5º, inciso XLVII – não haverá penas:
(...)
b) de caráter perpétuo.”
Esta vedação constitucional, na lição do Prof. Alexandre de
Moraes59, visa garantir o direito à liberdade e dignidade humana. Nesta esteira,
podemos ainda mencionar que não há o cumprimento do objetivo da pena que,
conforme Paulo José da Costa Junior60, consiste em caráter de função retributiva,
intimidativa e ressocializante. Se não podemos vislumbrar a possibilidade de
retorno do indivíduo para a sociedade, não há o que se considerar cerca da
ressocialização.
Todavia, em nosso entendimento, consideramos que a previsão de
prisão perpétua para aplicação pelo TPI não se trata de dispositivo
inconstitucional. Isto porque o TPI não é um órgão de aplicação obrigatória para o
país, tendo em vista que sua jurisdição é suplementar, ou seja, apenas será
aplicada quando o país em que se encontra o acusado não deseje realizar o
julgamento, o que resultará na atuação do TPI. E mesmo desta forma, o acusado
59 Direitos Humanos Fundamentais. 5ª Edição. São Paulo: Editora Atlas, 2003.60 Direito Penal – Curso Completo. 7ª Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2000.
será julgado e eventualmente condenado fora do solo e da jurisdição brasileira,
posto que o compromisso do Brasil consiste na entrega do indivíduo através da
extradição, e o cumprimento das normas de cooperação. Entendemos apenas que
não será possível o Brasil se oferecer para efetuar o cárcere do condenado
quando houver cumprimento da pena de caráter perpétuo.
De tal sorte, a aplicação da prisão perpétua será aplicada pelo TPI e
não pela Justiça Pátria, havendo apenas os deveres que acabamos de mencionar.
Entretanto, entendemos que esta possibilidade não deixa de ferir o caráter de
ressocialização do acusado.
Capítulo 7 - CONCLUSÃO
Inicialmente, conforme o tema sugerido, enfrentamos a problemática
da validade. Quanto à formal, já verificamos sua existência. No que pertine a
material, insisto que conseguimos alcança-la, com base neste estudo.
Não obstante verificarmos diversos dispositivos inconstitucionais no
bojo do Decreto Legislativo 4.388/2002, estes não ferem as normas já
estabelecidas no Sistema Jurídico Nacional. Ocorre que estes dispositivos serão
aplicados pelos magistrados dotados de poder jurisdicional do TPI, ou seja, a
obrigação do Brasil trata-se de colaboração, e isto, quando expressamente o fixar,
tendo em vista que a competência do TPI é complementar, nos termos do art. 2º
do Tratado de Roma.
Desta forma, se o Brasil ceder um indivíduo para julgamento ao TPI,
recebendo pena de prisão perpétua, não há ferimento algum aos nossos princípios
constitucionais, tendo em vista que o país cumpriu para com sua obrigação de
extraditar, que é gerada por intermédio de um Tratado. Evidentemente que dentro
dos deveres de cooperação para com o Tribunal, o Brasil não poderá permitir que
seja cumprida uma pena de prisão perpétua em seu território, mas nada obsta ao
oferecimento de cárcere quando for decretada pena de reclusão de até trinta anos.
Portanto, no que tange a validade, entendemos que o TPI é válido
tanto no sentido formal, quanto no material. E entendemos isto não apenas para o
Brasil, mas para todos os Estados que ratificaram o Estatuto, desde que
respeitados os procedimentos de inserção do Tratado em cada Sistema Jurídico.
Ainda nesta corrente, fundamentamos que a nossa Constituição
Federal de 1988 clama pelos princípios de auxílio aos entes internacionais, e
busca sua participação efetiva na atividade de um Tribunal Internacional, nos
termos do art. 4º, incisos II, V, VI, VII, VIII e IX a Carta Magna, bem como o art. 7º
do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, o qual pedimos a devida
vênia para transcrever:
“Art. 7º. O Brasil propugnará pela formação de um
tribunal internacional dos direitos humanos”.
Veja que o próprio legislador constituinte trouxe sua preocupação e o
interesse de que o país contribuísse pela melhora dos direitos humanos, entrando
na luta pela formação de um instituto internacional voltado a resguardar estes
interesses, que especialmente são agredidos em tempo de guerra. Assim, o Brasil
possuía uma obrigação de cunho constitucional para participar do TPI, e em nosso
entendimento, este dever se estende à cooperação estipulada no Tratado.
Por outro lado, entendemos que a aplicação do TPI, não só no Brasil,
mas no Mundo como um todo, é um trabalho árduo, que não depende apenas da
ratificação dos demais países ao Estatuto, mas em especial de uma vontade
política que objetive o seu funcionamento, e o encerramento de diversas situações
que podem versar sobre interesses dos Estados em período de guerra, e que
portanto dificilmente são interrompidos, por constituir resultados em especial de
cunho econômico.
Evidentemente que deve existir um esforço entre os membros da
comunidade internacional que ratificaram o Estatuto, em parceria com a ONU,
para inicialmente comover e convencer os demais Estados que se abstiveram ao
procedimento de ratificação do Estatuto. Penso que este procedimento pode ser
verificado através de contatos internacionais entre entes políticos, discussão entre
países ratificantes ou não acerca de temas que podem ser objeto de modificação
e aprimoramento do Tratado, mas em especial ressalva à necessidade de
observância pelos Estados em zelar pelos Direitos Humanos em tempos de
guerra. Especificamente, este procedimento deverá ser verificado inicialmente
com Estados de menor poder econômico, para que no final venha a atingir
grandes potências que em dado momento não se curvaram à vontade da
comunidade internacional majoritária.
O que causa grande insatisfação não é exatamente a não adesão
aos termos do Tratado por parte de grandes Nações, mas em especial aquelas em
que os benefícios da jurisdição do TPI seriam incontáveis. Este é o caso dos
países do Oriente Médio, como o Irã, Israel, que vivem em constante conflito, o
mais longo da humanidade, e que não podem contar com um órgão imparcial para
resolver o problema, tamanho ódio existente entre estes povos, o que nos causa
dúvida acerca da existência de imparcialidade dos magistrados desta região.
Israel ainda chegou a assinar o Estatuto, mas até o momento não se interessou
por ratifica-lo.
Outra conclusão que alcançamos versa sobre a confusão existente
sobre a competência do TPI. Não são poucos os meios de comunicação que lhe
atribuem críticas indevidas e fatos inverídicos. Cito um caso: Saddam Husseim.
Este cidadão, especialmente conhecido no Mundo, esteve cotado
como provavelmente ‘novo réu em potencial para o Tribunal Penal Internacional,
do Estatuto de Roma61’, conforme citado em diversas manchetes de jornais
quando da verificação de sua captura pelos EUA .
Todavia, esta informação não é correta, posto que o Iraque não
ratificou o Estatuto, nem tampouco os EUA. Saddam Husseim seria posto no
banco dos réus de um Tribunal não reconhecido pelos Estados Unidos?
Portanto deve-se ter bem diferenciado o TPI e a Corte Internacional
de Justiça da ONU, posto que ambos tratam-se de Tribunais com competência
Internacional, com sede na mesma localidade: Haia. A menção feita para o caso
Saddam certamente é voltada para a competência da Corte Internacional de
Justiça da ONU.
Por fim, entendemos que o Brasil deve zelar pelo cumprimento e
funcionamento do TPI, de tal sorte que os fatos atualmente existentes em seu
território, em especial nos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo em face da
atuação do crime organizado possam futuramente necessitar da atuação de um
ente externo, com competência para atuar diretamente no caso. Citamos esta
hipótese por entender que, se em mais ou menos dez anos o Brasil não conseguir
reverter sua situação frente tais fatos, se encontrará provavelmente em estado de
guerra civil, o que legitima a atuação do TPI.
61 Informações observadas em manchetes de diversos jornais quando da captura de Saddam.
Por fim, entendemos que o Tribunal Penal Internacional instituído
pelo Tratado do Estatuto de Roma é um instituto de grande relevância e
pertinência no cenário mundial, devendo cada um dos Estados soberanos e dos
entes internacionais zelar e lutar pelo seu funcionamento, não apenas entre os
países que efetuaram sua ratificação, mas para o Cenário Mundial como um todo.
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