Transcript

Trabalho descentralizado. A terceirizao sob uma perspectiva humanista.por Jorge Luiz Souto MaiorAs fbricas, seguindo o modelo toyotista, se pulverizaram. A produo no mais se faz, integralmente, em um mesmo local, ganhando relevo a terceirizao da produo, assim como a atividade de prestao de servios. A terceirizao, apresenta-se, assim, como uma tcnica administrativa, que provoca o enxugamento da grande empresa, transferindo parte de seus servios para outras empresas. Argumenta-se que a terceirizao permite empresa preocupar-se mais intensamente com as atividades que se constituem o objetivo central de seu empreendimento. Esta tcnica transformou-se em uma realidade incontestvel por todo o mundo do trabalho, desafiando os estudiosos do direito do trabalho a encontrarem uma frmula jurdica para sua regulao. Para conferir um padro jurdico ao fenmeno da descentralizao do trabalho, o Eg. TST editou o Enunciado 331, pelo qual se passou a considerar lcita a terceirizao, com a limitao de que esta no atinja a atividade-fim da empresa, preservando, ainda, uma responsabilidade subsidiria da empresa tomadora dos servios. Dentro do modelo jurdico brasileiro atual, ditado pelo Enunciado 331, do TST, portanto, uma empresa pode oferecer mo-de-obra a outra empresa, para executar servios no mbito da primeira, desde que estes servios no se vinculem atividade-fim da empresa que contrata a empresa que lhe fornece a mo-de-obra e desde que no haja subordinao direta dos trabalhadores empresa tomadora. Alm disso, no caso de no pagamento dos crditos trabalhistas desses trabalhadores, por parte da empresa prestadora, a tomadora ser considerada responsvel, subsidiariamente, na obrigao de adimplir tais crditos. O critrio jurdico adotado, no entanto, no foi feliz. Primeiro porque, para diferenciar a terceirizao lcita da ilcita, partiu-se de um pressuposto muitas vezes no demonstrvel, qual seja, a diferena entre atividade-fim e atividade-meio. plenamente inseguro tentar definir o que vem a ser uma e outra. O servio de limpeza, por exemplo, normalmente apontado como atividade-meio, em se tratando de um hospital, seria realmente uma atividade-meio?1 Mas, o mais grave que a definio jurdica, estabelecida no Enunciado 331, do TST, afastou-se da prpria realidade produtiva. Em outras palavras, o Enunciado 331, do TST, sob o pretexto de regular o fenmeno da terceirizao, acabou legalizando a mera intermediao de mo-de-obra, que era considerada ilcita, no Brasil, conforme orientao que se continha no Enunciado n. 256, do TST. A terceirizao trata-se, como visto, de tcnica administrativa, para possibilitar a especializao dos servios empresarias. No entanto, o Enunciado 331, do TST, no vincula a legalidade da terceirizao a qualquer especializao. Isto tem permitido, concretamente, que empresas de mera prestao de servios sejam constitudas; empresas estas sem qualquer finalidade empresarial especfica e, pior, sem idoneidade econmica.

O padro jurdico criado desvinculou-se da funo histrica do direito do trabalho, que o da proteo do trabalhador. A perspectiva do Enunciado foi apenas a do empreendimento empresarial. Isto permitiu que a terceirizao, que em tese se apresentava como mtodo de eficincia da produo, passasse a ser utilizada como tcnica de precarizao das condies de trabalho2. Alis, a idia de precarizao da prpria lgica da terceirizao, pois, como explica Mrcio Tlio Viana, as empresas prestadoras de servio, para garantirem sua condio, porque no tm condies de automatizar sua produo, acabam sendo foradas a precarizar as relaes de trabalho, para que, com a diminuio do custo-da-obra, ofeream seus servios a um preo mais accessvel, ganhando, assim, a concorrncia perante outras empresas prestadoras de servio3. Vrios so os exemplos desta precarizao. As experincias de formao das empresas de prestao de servios, no Brasil, demonstram que aquela pessoa que antes se identificava como o gato, aquele que angariava trabalhadores para outras empresas (ttica que inviabilizava o adimplemento dos crditos trabalhistas, pela dificuldade de identificao do real empregador, reforado pela ausncia de idoneidade econmica do gato), foi, como um passe de mgica, transformado em empresrio, titular de empresas de prestao de servios. Legalizou-se a prtica, mas no se alterou o seu efeito principal: o desmantelamento da ordem jurdica protetiva do trabalhador. Em concreto, a terceirizao, esta tcnica moderna de produo, nos termos em que foi regulada pelo En. 331, do TST, significou uma espcie de legalizao da reduo dos salrios e da piora das condies de trabalho dos empregados. Os trabalhadores deixam de ser considerados empregados das empresas onde h a efetiva execuo dos servios e passam a ser tratados como empregados da empresa que fornece a mo-de-obra, com bvia reduo dos salrios que lhes eram pagos, com nova reduo cada vez que se altera a empresa prestadora dos servios, sem que haja, concretamente, soluo de continuidade dos servios executados pelos trabalhadores. O feixe de fornecimento de mo-de-obra entre empresas, alis, parece no ter fim: o fenmeno da terceirizao j se transformou em quarteirizao e algumas vozes j comeam a sustentar a necessidade de se extrair o limite fixado no En. 331, para fins de permitir o oferecimento de mode-obra em todo tipo de atividade. Sob o prisma da realidade judiciria, percebe-se, facilmente, o quanto a terceirizao tem contribudo para dificultar, na prtica, a identificao do real empregador daquele que procura a Justia para resgatar um pouco da dignidade perdida ao perceber que prestou servios e no sabe sequer de quem cobrar seus direitos. A Justia do Trabalho que tradicionalmente j se podia identificar como a Justia do ex-empregado, dada a razovel incidncia desta situao, passou a ser a Justia do ex-empregado de algum, s no se sabe quem. Alis, este algum, em geral, depois de algum tempo de atuao na realidade social, e quando seus contratos de prestao de servios no mais se renovam, comea a no mais comparecer s audincias e vai para LINS (lugar incerto e no sabido), provocando, em geral, adiamento das audincias, para que se tente a sua localizao e no raras vezes a tentativa acaba se revertendo em citao por edital. Custo e demora processual, 10, efetividade, 0. Quando tudo d certo, ou seja, a empresa prestadora comparece, junto com a empresa tomadora (isto quando no se acumulam pretenses em face de mais de uma tomadora, que teriam se utilizado de forma subseqente dos trabalhos do reclamante, em face de contrato com a mesma empresa prestadora, instaurando-se um verdadeiro tumulto processual) e o juiz consegue ultrapassar as mil e uma preliminares de mrito apresentadas pelas empresas tomadoras, que assumem a postura do num t nem a, preliminares estas que se repetem nas defesas das empresas prestadoras, profere-

se deciso condenatria, com declarao da responsabilidade subsidiria da empresa tomadora. Na fase de execuo, que a mais complexa, para fins de real efetivao dos direitos declarados judicialmente, inicia-se com a tentativa de executar bens da empresa prestadora (o que pode levar tempo razovel), para somente no caso de no ser esta eficaz buscarem-se bens da empresa tomadora, com nova citao etc. No bastassem essas dificuldades jurdicas e econmicas, o fenmeno da terceirizao tem servido para alijar o trabalhador ainda mais dos meios de produo. Sua integrao social, que antes se imaginava pelo exerccio de trabalho, hoje impensvel. O trabalhador terceirizado no se insere no contexto da empresa tomadora; sempre deixado meio de lado, at para que no se diga que houve subordinao direta entre a tomadora dos servios e o trabalhador. H, ainda, outro efeito pouco avaliado, mas intensamente perverso que o da irresponsabilidade concreta quanto proteo do meio-ambiente de trabalho. Os trabalhadores terceirizados, no se integrando a CIPAs e no tendo representao sindical no ambiente de trabalho, subordinam-se a trabalhar nas condies que lhe so apresentadas, sem qualquer possibilidade de rejeio institucional. O meio-ambiente do trabalho, desse modo, relegado a segundo plano, gerando aumento sensvel de doenas profissionais. Essa foi a realidade criada, ou pelo menos incentivada, pelo Enunciado 331 do TST, razo pela qual torna-se urgente repens-lo. Para tanto, a de se enfrentar o desafio proposto pela seguinte indagao: h no ordenamento jurdico uma frmula que possa ao mesmo tempo proteger os trabalhadores, sem negar a realidade do fenmeno da terceirizao? Parece-me que sim. Alis, para se chegar a esta resposta no preciso sequer muita criatividade. Em verdade, o Enunciado 331, do TST, ao dar guarida reivindicao da economia, no que tange necessidade da implementao da terceirizao, fez letra morta do artigo 2o. da CLT, segundo o qual foi consagrado que se considera empregador a empresa que assume os riscos da atividade econmica4. Ora, quem se insere no contexto produtivo de outrem, com a mera prestao de servios, seja de forma pessoal, seja na forma de uma empresa de prestao de servios, no assume qualquer risco econmico atinente produo, da porque, segundo a definio legal, no pode ser considerado empregador. A vinculao da figura do empregador ao risco da atividade econmica tem sentido porque este que, gerindo a produo, possui os bens corpreos e incorpreos necessrios consecuo dos fins empresariais. Estes bens, por sua vez, ao mesmo tempo, possibilitam a satisfao do fim empresarial e constituem-se como os garantes naturais do passivo trabalhista que gerado. Uma terceirizao, ou seja, a transferncia de atividade que indispensvel realizao empresarial, de forma permanente seja ela considerada meio ou fim, pouco importa, - no pode, simplesmente, se transferir a terceiro, sem que se aplique a tal negcio jurdico a regra de definio do empregador fincada no artigo 2o., da CLT, isto , a considerao de que aquele que se utiliza de trabalhador subordinado e que assume os riscos da atividade econmica o real empregador, sendo este, no caso, evidentemente, a empresa tomadora dos servios. Neste sentido, a seguinte Ementa: Terceirizao Atividade indispensvel. Salvo situaes expressamente previstas na Lei n 6.019, o instituto da terceirizao no pode alcanar atividade indispensvel ao empreendimento econmico, porque desvirtua a aplicao da lei trabalhista (art. 9). Nesta situao a relao de

emprego forma-se com o tomador dos servios. (TRT 3 R 1 T RO n 164/96 Rel. Cunha Avellar DJMG 19.07.96 pg. 16) Ainda que a transferncia da atividade se faa em estabelecimentos distintos de pessoas jurdicas diversas, a situao pouco se altera, pois a identificao da efetivao de uma produo organizada em cadeia, mesmo sem a formao de uma empresa controladora, gera a configurao do grupo de empresas, com responsabilidade solidria entre as empresas pelos crditos trabalhistas. Assim, a terceirizao s se concretiza, validamente, no sentido de manter a relao de emprego entre os trabalhadores e a empresa prestadora, quando a prestadora de servios possua uma atividade empresarial prpria, assumindo o risco econmico, que prprio da atividade empresarial, e a sua contratao se destine realizao de servios especializados, isto , servios que no sejam indispensveis ou permanentes no desenvolvimento da atividade produtiva da empresa contratante (tomadora), configurando-se, por isso, uma situao excepcional e com durao determinada dentro do contexto empresarial da empresa tomadora. Alm dessa situao, a terceirizao continuaria sendo possvel nas hipteses legalmente previstas do trabalho temporrio (Lei n. 6.019/74) e servios de vigilncia (Lei n. 7.102/83), respeitados os limites ali fixados5. Alis, nos pases europeus, as intermediaes de mo-de-obra so restritas as hipteses do trabalho temporrio [6]. Na Frana, por exemplo, a intermediao de mo-de-obra, com fim de lucro da empresa prestadora, considerada como trfico de mo-de-obra, nos termos das definies dos artigos 125-1 e 125-3, do Code du Travail7. Na Espanha, segundo informa Roberto Vieira de Almeida Rezende8 , a jurisprudncia acolhe como autntica a subcontratao de trabalhadores quando verifica que, alm de deter o poder de comando e gerenciamento diretos do trabalho, a empresa subcontratada tem atividade empresarial prpria, com patrimnio e instrumental suficiente e compatvel para consecuo de seus fins. E, prossegue, o mesmo autor: Para o Direito Espanhol, a subcontratao de trabalhadores considerada lcita, mas, normalmente, vir acompanhada da responsabilidade solidria da empresa principal quanto s obrigaes da subcontratada com seus trabalhadores e com a Seguridade Social. O art. 42 do Estatuto dos Trabalhadores estabelece que os empresrios que contratem ou subcontratem com outros a realizao de obras ou servios correspondentes prpria atividade daqueles devero comprovar que ditos contratados estejam com o pagamento das cotas de Seguridade Social em dia. Ainda, que no se queira aplicar a regra trabalhista que impede a transferncia do vnculo jurdico da empresa produtiva (tomadora) para a empresa agenciadora (prestadora), no se pode negar a vocao do direito do trabalho, extraindo de suas normas e princpios uma resposta humanista prtica da terceirizao, como forma de reserv-la para as situaes concretas em que ela se justifica como forma de maximizao da produo e no como mera tcnica de reduo dos custos do trabalho. A implementao desta tcnica administrativa no pode, em hiptese alguma, representar a impossibilidade dos trabalhadores adquirirem e receberem integralmente os seus direitos trabalhistas pelos servios que prestem. Como conseqncia, ainda que se permita a terceirizao, considerando que o trabalhador seja empregado da empresa prestadora e no da empresa tomadora, h se fixar alguns parmetros jurdicos, chamados de limites civilizatrios por Gabriela Neves Delgado9 , para impedir que a

terceirizao aniquile toda a histria de conquistas da classe trabalhadora. O primeiro efeito jurdico a ser fixado o de que se devem respeitar os mesmos direitos para os trabalhadores da empresa tomadora e os da empresa prestadora, nos termos das seguintes Ementas: A evoluo que admite a terceirizao no pode, validamente, implicar em desigualdade social, ou em acirrar a sociedade injusta para atrair a prevalncia de menor custo em detrimento do trabalhador com aumento de lucratividade do empreendimento. Os objetivos da terceirizao no se lastreiam em lucro maior ou menor. Utiliz-la para pagar salrios menores que os observados pela tomadora quanto aos seus empregados que exercem a mesma atividade ilegtimo, constituindo-se em prtica voltada distoro dos preceitos protetivos da legislao trabalhista. Dentre as suas vantagens no se inclui a diversidade salarial ou de direitos individuais do empregado e independente da pessoa que seja seu empregador. O empregado de terceirizante, que desenvolve seu trabalho em atividade terceirizada, tem os mesmos direitos individuais e salrios dos empregados da tomadora dos servios exercentes da mesma funo. (TRT - 3 R - 2 T - RO n 16763/95 - Rel. Ricardo A. Mohallem - DJMG 29.03.96 - pg. 40) A analogia legis implica no reconhecimento de que a questo sub judice, apesar de no se enquadrar no dispositivo legal, deve cair sob sua gide por semelhana de razo (ubi eadem legis ratio, ibi eadem dispositio). Se os trabalhadores temporrios, por fora do artigo 12, a, da Lei n 6.019/74, fazem jus a remunerao equivalente paga aos empregados da mesma categoria profissional da empresa tomadora de seus servios, com muito maior razo os trabalhadores contratados de forma permanente por empresa interposta para a prestao de servios essenciais empresa cliente tero direito a todas as vantagens asseguradas categoria dos empregados da mesma. A terceirizao de mo-de-obra, mesmo quando lcita, no pode servir de instrumento de reduo dos custos de mo-de-obra se isto implicar em violao do princpio constitucional da isonomia. (TRT - 3 R - 3 T - RO n 08157/94 - Rel. Freire Pimenta - DJMG 29.08.95 - pg. 56) Alm disso, se verdade que o pressuposto tcnico da idia de terceirizao a especializao dos servios, em nome da qualidade, para atendimento desta caracterstica de tal modelo produtivo essencial que a empresa prestadora tenha uma atividade empresarial prpria, sendo, portanto, especializada no servio a que se prope prestar. Isto, sob o prisma do direito do trabalho, no pode resultar em reduo do ganho do trabalhador ou eliminao de responsabilidades das empresas pelo adimplemento dos direitos trabalhistas. Assim, quando no se puder vislumbrar, juridicamente, a formao de um grupo econmico entre as diversas empresas que se utilizam dos servios de um mesmo trabalhador, h de se identificar o fenmeno da terceirizao jurdica. A formao de uma cadeia produtiva, que se faz horizontalmente, implica, necessariamente, a construo, na mesma proporo, de uma teia jurdica que possibilite a fixao de uma responsabilidade entre todos aqueles que se aproveitam, conjuntamente, do trabalho exercido pelo trabalhador, seja pelo instituto do grupo econmico (art. 2o., pargrafo 2o., da CLT), seja pela terceirizao. A responsabilidade imaginada, seja na terceirizao interna, quanto na externa, deve ser sempre solidria. Previso no sentido pode ser encontrada no artigo 249, da Lei de Contrato de Trabalho da Argentina: La responsabilidad solidaria consagrada por este artculo, ser tambin de aplicacin cuando el cambio de empreador fuese motivado por la transferencia de un contrato de locacin de obra, de explotacin u otro anlogo, cualquiera sea la naturaleza y el carter de los mismos. Vale lembrar que h solidariedade quando existe pluralidade de credores ou de devedores. No caso

de pluralidade de devedores, a solidariedade, denominada passiva, ocorrer quando cada um dos devedores for responsvel pelo pagamento de toda a dvida. Nos termos do art. 896, do Cdigo Civil (artigo 265, do novo Cdigo Civil), a solidariedade no se presume e resulta da lei ou da vontade das partes. No entanto, no que se refere solidariedade passiva, que nos interessa mais de perto, tem ganhado fora entre os doutrinadores a noo que admite a presuno da solidariedade, para satisfao mais eficiente da obrigao, como se d em outros pases10 , muito embora tal noo ainda no tenha sido incorporada pelo nosso ordenamento. O En. 331, do Eg. TST, alude a uma responsabilidade subsidiria. O termo, data venia, infeliz. Quando h pluralidade de devedores e o credor pode exigir de todos a totalidade da dvida, se est diante da hiptese de solidariedade, instituto jurdico que traduz tal situao. Quando a sentena reconhece a responsabilidade do tomador dos servios, a sua responsabilidade, perante a Justia do Trabalho, por toda a dvida declarada e no por parte dela11 . H, portanto, uma hiptese de solidariedade, indiscutivelmente, pois o credor (reclamante) pode exigir de ambos (prestador e tomador) a totalidade da dvida. O que poderia haver, na relao entre tomador e prestador, como ocorre no caso da fiana, seria o exerccio daquilo que se denomina, benefcio de ordem (art. 1491, CC), pelo qual o fiador tem direito a requerer que primeiro se executem os bens do devedor principal. Mas, o benefcio de ordem depende de iniciativa do fiador - parte no processo - e deve ser requerido, nos moldes do art. 1491, do Cdigo Civil, conforme lembra Caio Mrio da Silva Pereira: Demandado, tem o fiador o benefcio de ordem, em virtude do qual lhe cabe exigir, at a contestao da lide, que seja primeiramente executado o devedor, e, para que se efetive, dever ele nomear bens a este pertencentes, sitos no mesmo municpio, livres e desembargados, suficientes para suportar a soluo do dbito (Cdigo Civil, art. 1491).12 Mesmo assim, essa hiptese no se configura no caso da terceirizao, pois no h previso legal expressa neste sentido e uma vez declarada a solidariedade o benefcio de ordem se exclui, como regra. Ensina Caio Mrio: da essncia da solidariedade que o devedor possa ser demandado pela totalidade da dvida (totum et totaliter) e sem benefcio de ordem13. Assim, por imperativo jurdico, a responsabilidade do tomador dos servios trata-se de uma responsabilidade solidria, sem benefcio de ordem. Solidariedade esta que no seria presumida, mas declarada judicialmente, com base no postulado jurdico da culpa in eligendo. Alis, mesmo o elemento culpa pode ser abandonado, atraindo-se a noo de culpa objetiva decorrente de responsabilidade civil, nos termos do artigo 927 do novo Cdigo Civil e seu pargrafo nico, que passaram a considerar o ato que antes ato meramente culposo (vide o artigo 186, do novo Cdigo) como ato ilcito. E, para aqueles mais renitentes, que se apegam a um formalismo jurdico, extrado do teor do art. 896, do Cdigo Civil, formalismo este que em concreto no existe, vale lembrar o disposto no artigo 455, da CLT, que pode ser aplicado analogicamente ao presente caso. Dispe tal artigo: Nos contratos de subempreiteira responder o subempreiteiro pelas obrigaes derivadas do contrato de trabalho que celebrar, cabendo, todavia, aos empregados, o direito de reclamao contra o empreiteiro principal pelo inadimplemento daquelas obrigaes por parte do primeiro. Pargrafo nico. Ao empreiteiro principal fica ressalvada, nos termos da lei civil, ao regressiva

contra o subempreiteiro e a reteno de importncias a este devidas, para a garantia das obrigaes previstas neste artigo. V-se, portanto, que a lei trabalhista fixou a solidariedade nas relaes de terceirizao, na medida em que conferiu ao trabalhador o direito de ao em face do tomador dos servios - empreiteiro - e sem benefcio de ordem, pois o que se garantiu a este foi a ao regressiva contra o prestador subempreiteiro. Neste sentido, a seguinte Ementa: Destituda a intermediadora de mo-de-obra de idoneidade econmica e financeira, tem-se a empresa tomadora do servio como responsvel solidria pelos nus do contrato de trabalho, pelo princpio da culpa in eligendo, o mesmo que informa e fundamenta a regra do art. 455, do estatuto obreiro. (TRT - 8 R - Ac. n 4947/95 - Rel. Juiz Itair S da Silva - DJPA 23.01.96 - pg. 05) Alis, a solidariedade entre tomador e prestador de servios est expressamente prevista em outros dispositivos legais, a saber: art. 15, pargrafo 1. da Lei n. 8.036/90 e art. 2., I, do Decreto n. 99.684/90, sobre FGTS; e Ordem de Servio n. 87/83, sobre contribuies previdencirias. Frise-se ainda que eventual clusula do contrato firmado entre as empresas, que negue qualquer tipo de solidariedade, nula de pleno direito, pois sua aplicabilidade pode impedir o adimplemento de obrigaes trabalhistas (art. 9., da CLT). Neste sentido, alis, merece destaque o disposto no artigo 187, do novo Cdigo Civil: Tambm comete ato ilcito o titular de um direito que, ao exerc-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econmico ou social, pela boa-f ou pelos bons costumes. Ora, realizar negcios jurdicos cujo propsito afastar-se de responsabilidade pelo adimplemento de direitos de terceiros, evidentemente, no pode ser considerado como ato lcito, nos termos da atual viso social do prprio direito civil. Neste aspecto da responsabilidade civil por ato ilcito, merece relevo o artigo 934 do novo Cdigo Civil, que estabelece o direito de ressarcimento para aquele que indenizar o dano provocado por ato de outrem, conduzindo idia de que no h benefcio de ordem possvel no que tange busca de indenizao quando na prtica do ato ilcito concorrerem mais de uma pessoa. Esta concluso, alis, inevitvel quando se verifica o teor do artigo 924, que assim dispe: Art. 924. Os bens do responsvel pela ofensa ou violao do direito de outrem ficam sujeitos reparao do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos respondero solidariamente pela reparao. Pargrafo nico. So solidariamente responsveis com os autores os co-autores e as pessoas designadas no art. 932. (grifou-se). Essas regras, obviamente, possuem pertinncia total no fenmeno da terceirizao. Assim, uma empresa que contrata uma outra para lhe prestar servios, pondo trabalhadores sua disposio, ainda que o faa dentro de um pretenso direito, ter responsabilidade solidria pelos danos causados aos trabalhadores pelo risco a que exps os direitos destes, tratando-se, pois, de uma responsabilidade objetiva (pargrafo nico do art. 927). No h incidncia possvel nesta situao da regra de que a solidariedade no se presume, resultando de lei ou da vontade das partes (art. 896, antigo CC; art. 265, atual Cdigo), porque a solidariedade em questo fixada por declarao judicial de uma responsabilidade civil, decorrente da prtica de ato ilcito, no seu conceito social atual. Alis, neste sentido, a regra do artigo 265 no parece nem mesmo ser afastada, vez que a solidariedade declarada, com tais parmetros, decorre, agora, da prpria lei (art. 924 e seu pargrafo). Lembre-se, ademais, que j na Declarao dos Objetivos da Organizao Internacional do Trabalho,

de 1944, foi firmado o princpio, at hoje no superado no contexto jurdico internacional, de que o trabalho no mercadoria. Tal sentido pode ser encontrado, tambm, na Declarao da OIT, relativa aos princpios fundamentais do trabalho, ao dispor que a justia social essencial para assegurar uma paz universal e durvel e que o crescimento econmico essencial mas no suficiente para assegurar a eqidade, o progresso social e a erradicao da pobreza, e que isto confirma a necessidade para a OIT de promover polticas sociais slidas, a justia e instituies democrticas. Esses preceitos, alis, foram o fundamento para que a OIT, em 1949, adotasse a Conveno n. 96, estabelecendo que as agncias de colocao de mo-de-obra, com finalidade lucrativa, deveriam ser suprimidas da realidade social dos pases membros de forma progressiva e definitiva Mas, como esclarece Bruno Siau: Une pays, le Brsil, nest plus signataire de la convention n. 96 mais la t de 1957 1972. Les raisons de la dnonciation de cette convention par le Brsil ne sont pas une surprise : ce pays na pas russi tenir la date limite de suppression des bureaux de placement payants but lucratif 14 15 O fato concreto que, no se reservando um tratamento jurdico terceirizao, que preserve a funo primordial do direito do trabalho de proteo da dignidade do trabalhador, ao mesmo tempo em que lhe garanta a possibilidade da melhoria de sua condio social, esta, a terceirizao, continuar sendo utilizada como mera tcnica para fraudar direitos trabalhistas - e, muitas vezes, para desviar obrigaes administrativas, quando formuladas no setor pblico16 O manuseio dos fundamentos, princpios e normas do Direito do Trabalho, sob uma perspectiva humanista, permite que se mantenha a vocao protetiva deste ramo do direito mesmo diante de novos e cada vez mais criativos modelos de produo que se criam para atender apenas aos reclamos da economia, dos empresrios e de todos ns, vorazes consumidores. Notas de rodap convertidas em notas de fim 1. Terceirizao. Servios de limpeza e conservao. Atividade-fim x atividade-meio. Compreenso. A atividade-meio no se confunde com servios desvinculados do complexo que deve necessariamente atender, ainda que subsidiariamente, o objetivo final. Vale dizer, no pode a estrutura empresarial prescindir do servio de limpeza e conservao para que possa razoavelmente completar a atividade-fim. (TRT/SP 20020158739 RO Ac. 8a. T. 20020521167 DOE 27/08/2002, Rel. Jos Carlos da Silva Arouca). 2. Mrcio Tlio Viana afirma que, do ponto de vista das empresas, a terceirizao apresenta vantagens: reduo de custos, crescimento de lucros, ingresso rpido e simples de mo-de-obra, elevao da produtividade com a concentrao de foras no foco principal de atividade. Contudo, adverte que, para os trabalhadores, comporta a tcnica imensa gama de desvantagens: reduo de postos de trabalho, aumento da carga de subordinao, destruio do sentimento de classe, degradao de condies de higiene e segurana e reduo de valores salariais. (Fraude lei em tempos de crise. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 9 Regio, v. 21, p. 61-70, jul./dez. 1996). 3. O novo contrato de trabalho: teoria, prtica e crtica da lei n. 9.601/98, em coautoria com Luiz Otvio Linhares Renault e Fernanda Melazo Dias. So Paulo, LTr, 1998, p. 27, 4. Como explica Evaristo de Moraes Filho, "Em nossa legislao fica para a emprsa o tratamento

abstrato, incorpreo, de bem complexo, de coisas materiais e imateriais, inclusive relaes do trabalho, para o exerccio da atividade econmica" (Do Contrato de Trabalho como Elemento da Empresa, So Paulo, LTr, 1993, p. 214). 5. Esses limites impedem, por exemplo, que sejam aplicadas no trabalho rural : Trabalhador rural Servios de plantio, cultivo e colheita da erva-mate Terceirizao da mo-de-obra Vedao. A utilizao de mo-de-obra terceirizada nas atividades de plantio, cultivo e colheita da erva-mate no encontra resguardo na Lei n 6.019/74, que trata do trabalho temporrio nas empresas urbanas. A atividade do trabalhador rural vem disciplinada pela Lei n 5.889/73, que expressamente inibe a intermediao no campo ao considerar que a utilizao de qualquer trabalhador rural, ainda que de forma triangular, gerar o vnculo com o tomador dos servios. A assertiva de que a sentena afrontou a Carta Magna ao impor bice ao livre exerccio do trabalho ou a de que nas pocas de colheita necessria a contratao temporria de um nmero maior de trabalhadores ou, ainda, a de que o Poder Judicirio Trabalhista deve ter presente a necessidade de preservao de empregos no passam de meras alegaes, j que a prpria Lei n 5.889/73 estabelece a forma como deve se dar a relao entre o proprietrio rural/tomador dos servios e o trabalhador do campo, restando evidente que essa no se far mediante o instituto da terceirizao. (TRT 12 R 3 T Ac. n 6725/99 Rel. Juza gueda Maria L. Pereira DJSC 07.07.99 pg. 339) (RDT 08/99, pg. 65) 6. Vide, a respeito, La rglementation des conditions de travail dans les tats membres de lUnion europenne, vol. 1, Commission europenne, 1999, p. 28. 7. Toute opration but lucratif de fourniture de main-doeuvre qui a pour effet de causer un prjudice au salari quelle concerne ou dluder lapplication des dispositions de la loi, de rglement ou de convention ou accord collectif de travail, ou merchandage, est interdite. (1251) 8 . Em sua dissertao, com a qual obteve o ttulo de mestre junto Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo. 9. Em sua dissertao de mestrado, intitulada, Terceirizao : paradoxo do Direito do Trabalho contemporneo, com a qual obteve o ttulo de mestre em direito do trabalho junto Faculdade de Direito da PUC-Minas, em novembro de 2002. 10. "Alguns sistemas, notadamente o francs e o belga, admitem uma extenso da solidariedade afora os casos legalmente previstos, a qual recebeu a denominao anfibolgica de solidariedade jurisprudencial ou costumeira." (Caio Mrio da Silva Pereira, Instituies de Direito Civil, Vol. II. Rio de Janeiro, Forense, 1978, p. 77). 11 . No seria divisvel a obrigao porque nas prestaes divisveis, ocorrendo insolvncia de um dos co-devedores o credor perde a cota-parte do insolvente (Caio Mrio, p. 72), e isso, notoriamente, no ocorre nas dvidas trabalhistas. Lembre-se, ademais, que a indivisibilidade no material, mas jurdica. "s vezes importa, e outras no importa que o objeto possa fracionar-se." (Caio Mrio, p. 67) 12 13. . Op. Ibidem, cit., Vol. p. III, p. 462. 463.

14 . Bruno Siau, Le travail temporaire en droit compar europen et international, L.G.D.J.,Paris, 1996, p. 57.

15. Um pas, o Brasil, no mais signatrio da conveno n. 96, embora o tenha sido de 1957 a 1972. As razes da denncia desta conveno pelo Brasil no so uma surpresa : este pas no conseguiu cumprir a data limite para supresso das agncias de colocao com objetivo lucrativo . 16. Terceirizao ilcita efetivada por entidades estatais Efeitos jurdicos diferenciados. A terceirizao ilcita perpetrada por entes do Estado propicia trs efeitos jurdicos distintos: em primeiro lugar, no autoriza o reconhecimento do vnculo empregatcio diretamente com o tomador de servios estatal, em virtude de expressa proibio constitucional a respeito (art. 37, II e pargrafo 2, CF/88; Enunciado n 331, II, TST). Em segundo lugar, implica na induvidosa responsabilidade subsidiria da entidade estatal tomadora dos servios pelas verbas devidas ao empregado pelo empregador terceirizante (Enunciado n 331, IV, TST). Nesta linha, ineficaz a iseno de responsabilidade pretendida pela Lei n 8.666/93 (art. 71) por afrontar critrio de responsabilidade clssico do Estado existente no direito do pas (art. 37, pargrafo 6, CF/88). Por fim, em terceiro lugar, a ilicitude da terceirizao repara-se atravs do pagamento ao obreiro de todas as verbas incidentes sobre empregados da empresa estatal que realizem funo semelhante ou sejam da mesma categoria (salrio eqitativo), conforme critrio isonmico classicamente incorporado pela ordem jurdica (art. 12, a, Lei n 6.019/74, por analogia; art. 5, caput e I, CF/88; art. 7, XXXII, CF/88). (TRT 3 R 3 T RO n 20515/97 Rel. Maurcio J. Godinho Delgado DJMG 21.07.98 pg. 12) Terceirizao Sociedade de economia mista Responsabilidade subsidiria. A sociedade de economia mista deve responder, subsidiariamente, pelos crditos trabalhistas do empregado contratado pela empresa fornecedora de mo-de-obra para prestar-lhe servios. A licitao, se existente, que teria precedido a celebrao do contrato pelas empresas, pode excluir a culpa in eligendo, mas no a culpa in vigilando, vez que cumpre beneficiria dos servios fiscalizar o cumprimento do contrato de trabalho pela empresa interposta. A iseno de responsabilidade prevista no art. 71 da Lei n 8.666/93 constitui privilgio inadmissvel, por afrontar o disposto no art. 5 e art. 173, 1, da Constituio Federal. (TRT 3 R 4 T RO n 1707/2000 Rel. Juiz Luiz Otvio L. Renault DJMG 23.09.2000 pg. 18) (RDT 10/00, pg.63) Minhas observaes sobre o artigo: A terceirizao legtima apenas se tiver por objetivo a idia de obter maior eficincia no servio terceirizado por meio da especializao da empresa terceirizante, sem reduzir os direitos e os salrios dos trabalhadores desta, com relao aos que teriam e ganhariam caso fossem empregados diretos da empresa tomadora. Admitir a terceirizao para baratear a mo-de-obra implica numa desvirtuao do aspecto protetivo do direito do trabalho, bem como em violao do princpio da isonomia entre os empregados diretos das empresas tomadoras e os terceirizados. Ademais, faz-se necessrio a empresa terceirizante possuir atividade realmente especializada, bem como patrimnio e recursos suficientes para sua adequao ao elemento conceitual de empregador relativo assuno dos riscos da atividade econmica. de salutar relevncia, igualmente, o estabelecimento de responsabilidade solidria entre as empresas tomadora e terceirizante, para que se viabilize o resguardo efetivo dos direitos trabalhistas dos empregados desta.


Top Related