A SOCIALIZAÇÃO PROFISSIONAL DE DOCENTES UNIVERSITÁRIOS
Marlei José de Souza Dias
Instituto Federal do Triângulo Mineiro/Universidade Federal de Uberlândia
Eliane de Souza Silva Bueno
Instituto Federal do Triângulo Mineiro/Universidade Federal de Uberlândia
Leila Márcia Costa Dias
Instituto Federal do Triângulo Mineiro/Universidade Federal de Uberlândia
Resumo
O presente artigo contribui para a divulgação da pesquisa intitulada “A Socialização
Profissional de Professores e o Desenvolvimento da Identidade”, realizada com o apoio
financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG). O estudo
investiga a socialização profissional dos docentes que atuam no ensino superior,
fundamentado nas relações entre a formação docente, os saberes e as práticas, buscando
compreender os processos pelos quais os professores se apropriam dos saberes e como a
formação inicial e continuada repercutem nas ações educativas e na constituição desses
saberes. A pesquisa foi norteada pelo questionamento: Como os novos professores
socializam-se profissionalmente? Temos como objetivos identificar e analisar as
concepções de formação presentes em suas práticas, os saberes considerados mais
importantes e as principais dificuldades encontradas.Os docentescompreendem que
existem lacunas formativas com relação às questões próprias da docência universitária,
entendida como uma profissão complexa, num contexto dinâmico e multifacetado que é
a Universidade. Porém, há o entendimento que para exercer a docência os saberes
específicos são os mais importantes.Em resposta aos desafios colocados pelo estudo é
que evidenciamos a importância da discussão coletiva, do espaço fecundo criado no
interior da instituição: o Programa Institucional de Desenvolvimento Profissional
Docente. A implementação desse Programa contemploua questão das subjetividades, da
construção da identidade profissional, dos diferentes saberes que irão contribuir para a
melhoria da prática pedagógica. Acompanhar o desenvolvimento deste programa
constitui a segunda parte desta pesquisa que está em andamento.
Palavras-chave: docência universitária; socialização profissional; formação
continuada.
As perspectivas da socialização profissional e da formação docente
O presente estudoi investiga o processo de socialização profissional dos
docentes que atuam no ensino superior, fundamentado nas relações entre a formação
docente, os saberes e as práticas, buscando compreender os processos pelos quais os
professores do ensino superior se apropriam dos saberes e como a formação inicial e
continuada repercutem nas ações educativas e na constituição desses
saberes.Socialização profissional é entendida aqui como o processo por meio do qual os
Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores
EdUECE- Livro 201423
2
profissionais constroem valores, atitudes, conhecimentos e habilidades que lhes
permitam e justifiquem ser e estar numa determinada profissão. E, sob o aspecto
subjetivo, na efetiva identificação e adesão à profissão.
Historicamente, a formação de professores tem sido objeto de
diferentespesquisas que exigem um esforço pessoal e coletivo no sentido de buscar, a
partir da reflexão, propostas que se traduzam na superação dos desafios enfrentados
pelos professores ao assumirem a docência.Embora a universidade se constitua no
principal espaço formativo para profissionais de diferentes áreas, tem se mostrado
ineficaz na formação de professores, principalmente para atuação no ensino superior.
Suas práticas baseiam-se no entendimento de que o domínio dos referenciais aprendidos
na formação específica e na pós-graduação strictu sensu sejam suficientes para autorizar
legalmente o exercício da docência como profissão.
Esse contexto tem como pressuposto a ideia de que para essa atuação basta ter o
“domínio” do conteúdo a ser ensinado, situação referendada pela ausência de políticas
públicas de formação específica para o ingresso na carreira do magistério superior. A
Lei nº 9.394/1996, que define as Diretrizes e Bases da Educação Nacional,apenas
mencionaque “a preparação para o exercício do magistério superior far-se-á em nível de
pós-graduação, prioritariamente em programas de mestrado e doutorado.” (BRASIL,
1996).
No contexto dessa realidade, que se estende à Universidade Federal de
Uberlândia – UFU, é que foi realizado um levantamento das principais necessidades
formativas de 115 professores admitidos, em diferentes cursos, no período de 2008 a
2009, buscando responder a pergunta que norteia esta investigação: Como os novos
professores socializam-se profissionalmente?
Percurso metodológico: dialogando com os dados
Em resposta à problemática enunciada,iniciou-se um estudo envolvendo uma
etapa teórico-bibliográfica e outra de pesquisa de campo, por meio da aplicação de
questionários, realização de entrevistas e análise documental. Optou-se pela abordagem
qualitativa, que possibilita uma diversidade de enfoques sobre o objeto de estudo e,
segundo Bogdan e Biklen, "exige que o mundo seja examinado com a ideia de que nada
é trivial, que tudo tem potencial para constituir uma pista que nos permita estabelecer
uma compreensão mais esclarecedora do nosso objeto de estudo" (1994, p. 49).
Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores
EdUECE- Livro 201424
3
Através do questionário foi possível identificamos sexo, idade, experiência no
magistério superior e unidade acadêmica de atuação. Foram aplicados 215
questionários, porém para participar da segunda etapa da pesquisa selecionamos 115
professores que declararam ter entre zero e três anos de experiência no ensino
universitário, pois consideramos ser o período de identificação e adesão à profissão.
Dentre eles, 41 não têm experiência docente ou lecionam há menos de um ano. Antes de
ingressarem na docência universitária contavam com pouca ou nenhuma experiência no
mundo do trabalho.Em cerca de 40% dos professores que responderam “não ter
experiência docente”, a Universidade é o primeiro emprego.
A partir desses dados foi definida a amostragem dos que participariam das
entrevistas reflexivas, organizadade acordo com as áreas do conhecimento: Humanas,
Exatas e Biomédicas. O estudo objetiva identificar as concepções de formação presentes
em suas práticas, os saberes considerados mais importantes no exercício da docência e
as principais dificuldades encontradas. Foi necessário delimitar o grupoe optou-se por
uma amostra de três de cada área, correspondendo a, aproximadamente, 10% do número
de professores dos cursos, com experiência entre zero e três anos.
Ao tomarmos o processo de socialização profissional docente como objeto de
estudo e ampliarmos nossa compreensão, recorremos a Tardif e Raymond, os quais
observam que tal socialização “refere-se a um processo de formação do indivíduo que
se estende por toda a história de vida e comporta rupturas e continuidades” (2000, p.
217). A inserção na carreira do magistério superior, a forma como os professores se
desenvolvem profissionalmente, como constroem sua identidade profissional, seus
saberes e como estruturam suas práticas, são questões que se relacionam diretamente
com o seu processo de socialização.
Nessa perspectiva, compreender os processos formativos, as experiências, as trajetórias
de vida, permite esclarecer uma série de questões que vão desde a forma como o
professor ensina, quanto ao modo como ele organiza os conteúdos, os procedimentos e
como lida com os alunos. Isso faz com que se valorize o saber que brota da experiência,
é validado por ela e que está diretamente ligado à maneira como o professor age, toma
determinadas decisões e se posiciona diante dos problemas cotidianos. Conforme Tardif
(2000), os saberes da experiência dão segurança ao professor, porque já foram testados
e validados no cotidiano de sua prática profissional.
As entrevistas realizadas possibilitaram analisar que no processo de
socialização profissional dos professores ingressantes um aspecto comum é a
Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores
EdUECE- Livro 201425
4
dificuldade quanto à organização da aula, principalmente no que concerne à relação
professor-aluno. A maior parte tem entre 25 e 30 anos, aspecto apontado nas entrevistas
como dificultador, uma vez que os alunos “não respeitam os professores mais novos”.
Outro ponto foi à dificuldade de adaptação à localidade, visto que muitos vieram de
outras regiões/cidades, demonstrando que a dimensão pessoal não se desvincula da
dimensão profissional. A dificuldade de adaptação se dá também pelo enfrentamento de
uma realidade diferente: ter que lidar com a aula, o ensino, a pesquisa, a extensão, além
de saber dos trâmites, das leis, de resoluções e etc.
Os primeiros seis meses são críticos! Realmente as aulas que eu dei
nos primeiros seis meses foram péssimas comparadas com as aulas
que eu dou agora (...) (Entrevista P9mPhD)ii.
Um aspecto recorrente nas entrevistas, principalmente, no caso dos professores
das áreas de Exatas e Biomédicas diz respeito à sobrevalorização da pesquisa em
detrimento da docência.
Eu gosto demais de pesquisa e a minha motivação maior é pesquisa.
E aí eu fui percebendo que o que mais me agradava mesmo era
continuar na linha de pesquisa, desenvolver pesquisa e a docência em
si. (Entrevista P1mED).
Os professores revelaram dificuldades tais como: não dominarem as técnicas
pedagógicas, em conciliarem ensino e pesquisa, necessidade de melhorar o processo de
avaliação discente, de maior interação entre alunos e professores e entre os próprios
professores. Foramapontadas, também, a dificuldade em lidar com o inesperado e a
necessidade de mostrar resultados, na forma de publicações, pois consideram que há
uma “pressão, excessiva, sufocante e frustrante”.
Os depoimentos demonstraram que os professores esperam que a Universidade lhes
ajude na formação docente por meio de “incentivo à pesquisa, ensino e extensão, bem
como de cursos interdisciplinares que promovam a troca de experiências e
potencializem outros atributos inerentes à prática profissional docente”.Com relação à
formação inicial e continuada os docentes destacaram que o contanto “com diferentes
professores, com personalidades e estilos muito diferentes” contribui com o modo de ser
professor .Na pós-graduação, foi destacada a experiência adquirida com a pesquisa que,
segundo a docente entrevistada, “contribui muito para a formação do professor”.
Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores
EdUECE- Livro 201426
5
Considerações finais
A pesquisa realizada possibilita inferir, de modo geral, queos professores
compreendem que há lacunas na formação inicial para o exercício da docência
universitária, profissão entendida como de extrema complexidade e que requer o
domínio de vários saberes para enfrentar o contexto dinâmico e multifacetado que é a
universidade.No entanto, a maioria dos docentesentende que os saberes específicos são
os mais importantes. Certamente o domínio dos conteúdos é essencial para quem se
propõe a ensinar. Porém, o ensino e a aprendizagem decorrem de uma relação entre
sujeitos, sendo de suma importância, além do conhecimento dos conteúdos, saber quem
são os sujeitos e qual a melhor a forma por meio da qual aprendem.
Os desafios apontados neste estudo nos fazem refletir sobre a relevância de
existirem espaços de discussão e de trocas coletivas no interior das instituições de
ensino. Na instituição em questão esse espaço consiste no Programa Institucional de
Desenvolvimento Profissional Docenteque contemplou, dentre outros aspectos, a
questão das subjetividades, da construção da identidade profissional e dos diferentes
saberes que, entendemos, contribuem para a melhoria da prática pedagógica. O presente
estudo constituiu a base para construção desse programa. Acompanhar o
desenvolvimento desteprograma constitui a segunda parte desta pesquisa que está em
andamento.
Referências
BOGDAN, Roberto e BIKLEN, Sari K. Investigação Qualitativa em Educação. Trad.
Maria João Alvarez, Sara B. Santos e Telmo Baptista. Porto: Editora Porto, 1994.
BRASIL. Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da
Educação Nacional. Diário Oficial da União. Brasília, DF, v. 134, n. 248, p. 27833-841,
23 dez. 1996.
TARDIF, Maurice e RAYMOND, Danielle.Saberes, tempo e aprendizagem do trabalho
no magistério. Educação & Sociedade, Campinas, v. 21, nº 73, p. 209-244, Dezembro,
2000.
________________. Saberes profissionais dos professores e conhecimentos
universitários. Revista Brasileira de Educação. ANPED, nº 13, 2000, pp. 5-23.
iO presente estudo é parte integrante da pesquisa "Socialização profissional de professores e o
desenvolvimento da identidade docente no Ensino Superior", coordenada pela Profa. Dra. Geovana
Ferreira Melo, com financiamento do CNPq e FAPEMIG.
Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores
EdUECE- Livro 201427
6
iiSigla utilizada para organizar as entrevistas, preservando a identidade dos professores. P: Professor;
Sexo: m – masculino/f – feminino;Área: E – Exatas/H – Humanas/B – Biomédicas; Titulação: M –
Mestre/D – Douto /PhD – Pós-Doutor.Exemplo: P1mED – Professor, sexo masculino, Exatas, Doutor.
Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores
EdUECE- Livro 201428