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A Reclamao Constitucional no Direito Comparado

Marcelo Navarro Ribeiro Dantas Mestre e Doutor em Direito (PUC/SP) Desembargador Federal (TRF5) Professor de Cursos de Graduao e Ps-Graduao em Direito (UFRN e UnP)

SUMRIO: 1. Introduo; 2. Direito Americano; 3. Direito Alemo; 4. Direito Austraco; 5. Direito Espanhol; 6. Direito Francs; 7. Direito Italiano; 8. Direito Portugus; 9. Direito Comunitrio.

1. Introduo

At por sua peculiar origem entre ns nascida na jurisprudncia do Supremo Tribunal em meados do sculo passado, com base no princpio dos poderes implcitos, para fazer face a alguns problemas observados no cumprimento de decises judiciais daquela Corte pode-se dizer que, em princpio, a reclamao constitucional um , instituto jurdico genuinamente brasileiro.

Conseqentemente, a pesquisa no Direito Comparado, a priori, seria provavelmente baldada, quanto a encontrar, em outros pases, medida efetivamente homloga.

Apesar disso, prevaleceram os conselhos de MARC ANCEL, em seu excelente Utilidade e Mtodos do Direito Comparado1, valendo, portanto, imaginar que, no seria infrutfero o esforo, porque

a ausncia, pelo menos aparente, [nos ordenamentos jurdicos estrangeiros] de uma instituio diretamente correspondente [ que se est tomando como referncia] (...), no significa necessariamente uma lacuna de tal legislao estudada, e ela no conduz forosamente a uma divergncia fundamental das solues positivas na prtica. ... ... preciso sempre insistir, se esforar para encarar o sistema em sua realidade funcional e operacional.2

Assim, mesmo prevendo que no se iria achar algo exatamente parificvel reclamao constitucional, buscar-se-ia ver, em cada um dos sistemas estrangeiros escolhidos, como funcionam e operam os meios jurdicos existentes, para atingir as finalidades aqui desempenhadas por ela, e, com isso, perceber como, em cada parte, o Direito acomodou-se s condies locais da sociedade, da economia, da mentalidade, das tradies jurdicas e do grau de fora das instituies, especialmente as judicirias.

A outra questo refere-se eleio dos sistemas jurdicos a pesquisar. No poderia jogar-se este trabalho numa busca genrica, a todos os ordenamentos estrangeiros. Procurou-se, ento, dentre eles, os mais interessantes sob o ponto de vista da jurisdio constitucional onde se cr situar-se a reclamao, consoante em outro tpico vai

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Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris, 1980, trad. Srgio Jos Porto. ANCEL, Marc, Utilidade e Mtodos do Direito Comparado, cit., p. 117.

ser exposto , e que mais influncias e ligaes tiveram ou tm com o Direito Brasileiro, principalmente nos aspectos mais pertinentes ao tema sob estudo.

Assim, foram escolhidos os Estados Unidos, bero da judicial review e da teoria dos poderes implcitos, to importantes na formao da reclamao em nosso pas; a Alemanha e a Itlia, matrizes doutrinrias da nossa doutrina processual; a ustria, ptria do controle concentrado da constitucionalidade; a Frana, pelo peso de sua tradio jurdica no sistema romano-germnico, a que somos filiados; Portugal e a Espanha, pelas profundas razes que em nas instituies ibricas, em face do processo de colonizao, deita o direito indgena; e, finalmente at por uma questo de atualidade do tema o ordenamento comunitrio europeu, que pode ser um espelho onde se mirar o Brasil, na busca de sua insero em realidade semelhante, mesmo que ainda muito embrionria, o Mercosul.

Evidentemente, se se tivesse divisado, no curso da investigao, algum instituto muito curioso ou realmente assemelhado reclamao, oriundo de outra nao, terse-ia feito meno especial, mas isso no ocorreu.

Ainda, resta dizer que a diretriz maior da pesquisa foi estudar a estrutura judiciria e processual de cada um dos pases antes listados, para verificar o que que existe, em termos de medidas, administrativas ou jurisdicionais, tendentes a preservar a competncia ou impor o cumprimento das decises de suas respectivas cortes supremas ou tribunais superiores, consoante cada caso. O nomen juris reclamao, em si, no foi utilizado como guia para essa investigao3.3

Se nem c no Brasil o vocbulo serve para identificar um instituto jurdico, imagine-se valer-se dele

Com efeito, h reclamaes no Direito Processual Portugus, mas nenhuma delas sequer se parece com a que o objeto deste estudo. Algumas so similares a certas reclamaes administrativas que existem entre ns; mas a maioria se parece com alguns dos nossos recursos.4 Em outras legislaes pode haver medidas cujo nome, traduzido literalmente, seja tambm reclamao. No Direito Alemo, v.g., existe a Beschwerde, que se pode verter, em lngua portuguesa, por queixa ou reclamao, um recurso jurdico com o objetivo de fazer a instncia superior reexaminar a deciso ou medida recorrida, em geral uma Beschluss (deciso interlocutria proferida por tribunal) ou uma Verfugung (medida ou providncia, geralmente de natureza cautelar, estabelecida por uma corte).5 Nenhuma das que se viu, porm, realmente comparvel de que ora se trata6.

As diferenas entre os sistemas enfocados so grandes, tanto de um para outro, como em relao ao nosso; por outro lado, h diversas similitudes, at pelos motivos h pouco expostos. Mas sobre isso se falar a partir de agora, referindo o que foi encontrado.

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(ou das equivalentes tradues) como norte para uma busca no estrangeiro... SILVEIRA, Jos dos Santos, Impugnaes das Decises em Processo Civil Reclamaes e Recursos, Coimbra, Coimbra Editora, 1970, esp. s pp. 35/105: existem reclamaes para retificao de erros materiais em decises judiciais, para esclarecimento de dvidas (parece com os embargos de declarao), para suprimento de nulidades, para reforma de custas e multas, por defeitos da especificao e do questionrio, por vcios nas decises sobre matria de fato, contra os despachos do relator (semelha-se ao agravo regimental), da deciso que no admita recurso ou retenha o agravo (esta chega a lembrar um pouco a reclamao constitucional para preservao de competncia, mas em verdade seu papel o do nosso agravo de instrumento). Cf. MACHADO, Luiz, Pequeno Dicionrio Jurdico Alemo-Portugus, Rio de Janeiro, CLC, 1981, pp. 106, 107 e 334. Isso para no falar na Verfassungsbeschwerde, literalmente reclamao constitucional exatamente o ttulo deste trabalho que reveste caractersticos distintos da reclamao constitucional brasileira (em geral, traduz-se em portugus o nome desse remdio como recurso constitucional), ainda que alguns traos comuns entre ambas possam ser vagamente similares, conforme se vai mostrar.

2. Direito Americano A anlise da Constituio americana, por sua conciso, diz-nos pouco do sistema judicial daquele pas7. Evidentemente, tratando-se os Estados Unidos de um Estado Federal, possuem Justia no mbito da Unio e na dos Estados. A Suprema Corte , ao mesmo tempo como nosso Supremo Tribunal Federal rgo de cpula do Judicirio e corte constitucional. Mas a Constituio simplesmente previu (art. III, seo 1) a existncia da Suprema Corte e dos tribunais inferiores que fossem oportunamente estabelecidos por determinaes do Congresso. A maior parte da matria normativa atinente ao Judicirio americano, por conseguinte, est no plano da legislao, quando no do costume.

Vale lembrar, neste passo, o esclarecimento de GORDON S. WOOD:

um engano se pensar que os norte-americanos tm somente uma Constituio escrita... ... tm, alm de sua Constituio escrita que, por sinal, bem curta, realmente cerca de 6.000 palavras uma Constituio no-escrita. (...) porque muito do que acontece no constitucionalismo norte-americano no escrito... ... ... Ela um conjunto de costumes e prticas crescendo em volta da gente. Um documento de 6.000 palavras viabilizando o seu funcionamento. Nenhum documento de 6.000 palavras pode, por si s, responder a todas as perguntas que precisam ser respondidas por um governo moderno.8

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Cf. Constituio dos Estados Unidos da Amrica, in Constituio do Brasil e Constituies Estrangeiras, v. I, Braslia, Senado Federal, 1987, trad. Jorge Miranda, pp. 413/458. WOOD, Gordon S. A Constituio dos Estados Unidos da Amrica, in Seis Constituies: Uma Viso Comparada, (Joo Paulo M. Peixoto et Walter Costa Porto, orgs., s. i. de trad.), Braslia, Insituto Tancredo Neves Fundao Friedrich Naumann, 1987, p. 33 e 44.

No que tange ao interesse deste trabalho, destaca-se a competncia da Suprema Corte dos Estados Unidos para a apreciao do writ of certiorari, regulado em seu Regimento Interno9, nos arts. 10 a 16, onde desponta o primeiro desses dispositivos, verbis,

Art. 10. Consideraes a respeito da apreciao de writ of certiorari. A apreciao de um writ of certiorati [pela Suprema Corte] no uma matria de direito, mas de escolha judicial. Uma petio de writ of certiorari s ser admitida por razes fortes.10

Entre essas razes, as alneas a a c do referido dispositivo listam vrias hipteses, quase todas referentes a conflitos de deciso entre tribunais de apelao em questes importantes, ou decises em questes de relevncia federal tomadas em conflito com deciso de tribunal de ltima instncia ou divergentes do usual, que meream a apreciao da Suprema Corte; decises de tribunais estaduais de ltima instncia, de relevncia federal, conflitantes com decises de outro tribunal estadual de ltima instncia ou de um tribunal federal; ou deciso de um tribunal, estadual ou federal, a respeito de questo federal relevante, que ainda no tenha sido, mas deva ser, estabelecida pela Suprema Corte, ou que conflite com deciso relevante desta.119

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The Supreme Court of the United States Rules, normas adotadas em 26 de julho de 1995 para viger em 2 de outubro de 1995 (cf. http://www.lsu.edu/guests/poli/public_html/ctrules.htm, informao eletrnica na internet). Traduziu-se livremente. No original: Rule 10. Considerations Governing Review on Writ of Certiorari. Review on a writ of certiorari is not a matter of right, but of judicial discretion. A petition for a writ of certiorari will be granted only for compelling reasons. Na ntegra: (a) a United States court of appeals has entered a decision in conflict with the decision of another United States court of appeals on the same important matter; has decided an important federal question in a way that conflicts with a decision by a state court of last resort; or has so far departed from the accepted and usual course of judicial proceedings, or sanctioned such a departure by a lower court, as to call for an exercise of this Court's supervisory power; (b) a state court of last resort has decided an important federal question in a way that conflicts with the decision of another state court of last resort or of a United States court of appeals; (c) a state court or a United States court of appeals has decided an important question of federal law that has not been, but should be,

Trata-se de uma espcie de mandamus que, ao mesmo tempo, alm de caractersticas avocatrias, pode servir para a uniformizao da jurisprudncia (a includa aquela a respeito de competncia), incluindo, em muitos casos, uma argio de relevncia da questo federal.12

As outras competncias da Suprema Corte, as originrias previstas no art. 17 desse Regimento Interno13; as recursais14, no art. 18; as tocantes a uma certified question15, no art. 19, e as relativas a writ extraordinrio16, no art. 20.

, muito possivelmente, certified question, que ROBERTO ROSAS se refere, em seu livro Processos da Competncia do Supremo Tribunal Federal, quando falasettled by this Court, or has decided an important federal question in a way that conflicts with relevant decisions of this Court. 12 A deciso de aceitar o caso exige que a Corte manifeste sua deciso deferindo um certiorari. A propsito de seus procedimentos, os juzes so discretos na escolha dos casos que devem estudar. A cada ano, eles decidem examinar pouco menos de duzentos dos cinco mil caso que so propostos. WOODWARD, Bob et ARMSTRONG, Scott, Por Detrs da Suprema Corte, So Paulo, Saraiva, 1985, pp. 2/3. No mesmo local, em nota de rodap: A Suprema Corte tem ampla discricionariedade para julgar ou no uma causa. De milhes de sentenas anuais de primeira instncia e uns 500 mil recursos proferidos pelos tribunais superiores que saem os nmeros do texto. (...) mesmo os casos selecionados para exame so sumariamente, em sua grande maioria, decididos pela Suprema Corte sem sustentao oral nem sentena, seno com apenas uma de duas palavras: confirmada ou reformada. S a extrema minoria dos casos abertamente julgada. ROSAS, Roberto, Suprema Corte Americana: Acompanhamento da Realidade Poltica e Econmica, in Arquivos do Ministrio da Justia n. 187, jan/jun 1996, diz, p. 95, com fulcro em EDWARD CORWIN, que a liberdade de deciso o mais destacado resultado do exerccio, pela Suprema Corte, do poder de reviso judicial. 13 A teor do art. III da Constituio Americana, sendo a maior parte relativa a aes que envolvam os Estados Unidos e outros entes internacionais, ou Estados da Federao, ou um cidado e um Estado, etc., bem assim as relativas a writ extraordinrio, detalhadas posteriormente, no art. 20. 14 Recursos provenientes de tribunais inferiores, na forma das leis de processo. 15 Curioso procedimento em que um tribunal inferior como que consulta a Suprema Corte relativamente a um caso que est apreciando, podendo disso resultar a orientao pleiteada, ou mesmo uma avocao do feito pela Suprema Corte, para decidi-lo inteiramente. 16 Os writs extraordinrios esto previstos no 1.651, a, do United States Code, dentro do amplo poder que tem a Suprema Corte e todos os demais tribunais americanos de expedir quaisquer writs necessrios ou apropriados em suporte s respectivas jurisdies, de acordo com os princpios de direito usuais.

de providncia do direito americano, semelhante reclamao para a preservao de competncia.17 Maxima venia, cuida-se de procedimento diverso, que apenas alguns traos pode guardar com a reclamao que objetiva o resguardo competencial. Assemelha-se mais, por um lado, a uma consulta, como a que existe na Justia Eleitoral; por outro, a uma avocatria genrica, porque a Suprema Corte, atravs dela pode chamar a si processos que estejam fluindo perante outros juzos, ainda quando sua competncia no esteja sendo ferida, diferentemente do que se pode dar em virtude da reclamao.

Nesse sentido, alguns dos demais writs do Direito Americano o prprio certiorari entre eles tambm so suscetveis de, longinquamente, ou sob tal ou qual ngulo, lembrar a reclamao18.

Em suma: alguns desses meios podem servir para veicular, perante a Suprema Corte, algum tipo de pretenso que, aqui no Brasil, seria objeto de reclamao. Mas no h nenhum com as caractersticas e finalidades especficas desta.

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ROSAS, Roberto, Processos da Competncia do Supremo Tribunal, cit., So Paulo, Revista dos Tribunais, 1971, p. 7, em nota de rodap n. 5. Sobre esses writs, cf., na doutrina nacional, entre outros, PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti, Histria e Prtica do Habeas Corpus, 4. ed., Rio de Janeiro, Borsoi, 1962, p. 41; OTHON SIDOU, Jos Maria, Do Mandado de Segurana, 3. ed., So Paulo, Revista dos Tribunais, 1969, pp. 16 e 21; BARBI, Celso Agrcola, Do Mandado de Segurana, 3. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1977, pp. 40/42; ACKEL FILHO, Diomar, Writs Constitucionais, So Paulo, Saraiva, 1988, pp. 8/10; BUZAID, Alfredo, Mandado de Segurana, Injunctions e Mandamus, in RePro 53, p. 7; CRETELLA JR., Jos, Os Writs na Constituio de 1988, Rio de Janeiro, Forense Universitria, 1989, pp. 1/7; FIZA, Ricardo Arnaldo Malheiros, Mandado de Segurana: Notcia Histrica, in Mandados de Segurana e Injuno (Slvio de Figueiredo Teixeira, coord), cit., pp. 51/52; RIBEIRO DANTAS, Marcelo, Legitimao Ativa em Mandado de Segurana Coletivo, So Paulo, PUC, 1992, p.14; ASSIS, Carlos Augusto de, Sujeito Passivo no Mandado de Segurana, So Paulo, Malheiros, 1997, pp. 63/64; GOYOS JR., Durval de Noronha, Noronhas Legal Dictionary Noronha Dicionrio Jurdico, 3. ed., So Paulo, Observador Legal, 1998, p. 292.

Alis, JOS REINALDO DE LIMA LOPES, estudioso do direito americano, assevera que a Suprema Corte no tem poder de controle (exceto atravs de reviso via certiorari) sobre os demais tribunais.19

Os demais conflitos de competncia jurisdicional que no esto relacionados nas atribuies da Suprema Corte, so regulados pelas leis processuais federais e estaduais, com precedncia das primeiras, consoante o clssico trabalho de THOMAS COOLEY, que a propsito assinala:

Deve sempre constar do registro que o caso que se agita no tribunal federal, da sua jurisdio; a presuno contrria, at que se prove a competncia.20

Ainda, de acordo com o mesmo autor, podem as partes, com poucas excees, iniciar suas causas, quaisquer que sejam, perante tribunais estaduais. Ao mesmo tempo, porm, a lei permite que se remetam para os tribunais federais, antes ou depois de ajuizados, todos os pleitos de competncia federal.21

Isso tudo, at agora, somente traduz alguma relao com a reclamao que visa a resguardo de competncia.

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LOPES, Jos Reinaldo de Lima, Direitos Sociais e Justia A Experincia Norte-Americana, texto de palestra proferida em junho de 1997, na Procuradoria da Repblica de So Paulo, p. 1. 20 COOLEY, Thomas, Princpios de Direito Constitucional dos Estados Unidos da Amrica do Norte, 2. ed., reproduo fac-similar parcial da ed. de 1909, trad. de Alcides Cruz, p. 129. 21 COOLEY, T., ob. cit., p. 130.

No que tange a medida que imponha a autoridade das decises, quer da Suprema Corte, quer dos demais tribunais e juzes, no se acha nada. Talvez porque, nesse mbito, nos Estados Unidos, ainda conforme COOLEY,

Os diversos departamentos governamentais so iguais em dignidade e em autoridade, que coordenada, no podendo nenhum deles submeter a outro a sua jurisdio, nem o privar de qualquer poro de seu poder constitucional. Mas o poder judicirio a autoridade suprema na interpretao da Constituio e na interpretao das leis, e as suas interpretaes devem ser aceitas e observadas pelos outros departamentos. Isto o que resulta da natureza da sua jurisdio; as questes (...) surgidas nas controvrsias legais e resolvidas pelos tribunais, uma vez resolvidas, tm estes autoridade para fazer efetivas suas resolues..22

Talvez por isso, no se cogite de providncia especializada para obrigar a que se cumpram os julgados das cortes, como a reclamao. Todavia, embora dela distinto, tem a ver com essa finalidade o instituto do contempt of court (desacato ao tribunal)23, em face do qual podem caber as mais variadas disposies, vista compreenso muito vasta que ele possui no Direito Americano. Abrange desde as mais elementares expresses do poder de polcia jurisdicional, passando por medidas assemelhadas nossa condenao por litigncia de m-f, e pode desaguar em determinao para que a pessoa ou instituio sujeita a uma dada deciso tenha de pagar uma multa, fazer ou no fazer

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COOLEY, T., ob. cit., pp. 165/166. Uma boa definio se contm no Blacks Law Dictionary: any act which is calculated to embarrass, hinder, or obstruct court in administration of justice, or which is calculated to lessen its authority or dignity, or tending to impede or frustrate the administration of justice, or by one who, being under the courts authority as a party to a proceeding therein, willfully disobeys its lawful orders or fails to comply with an undertaking wich he has given. (cf. BLACK, Henry Campbell, ob. cit. (verso abreviada), 5. ed., St. Paul, West, 1983, p. 168.

determinada coisa (mandatory ou prohibitory), chegando mesmo priso.24 Na expresso de WALTER PEYRANO,

o contempt of court visa a preservar os tribunais do efeito corrosivo, sobre a hierarquia e a dignidade do poder judicirio, que produz o no-acatamento s providncias jurisdicionais.25

V-se, pois, que, mesmo l, nem sempre to tranqila a obedincia s decises judiciais, mesmo da Suprema Corte, principalmente quando se trata de rgos de outros Poderes, e, em especial, do Executivo, ainda que a situao seja bem melhor mormente nos ltimos tempos do que entre ns. Veja-se o que diz BERNARD SCHWARTZ, em seu Direito Constitucional Americano:

Aqui, tambm, o poder do Judicirio americano tem sido menor do que muitos noamericanos supem. Os prprios tribunais no dominam diretamente a fora da sociedade politicamente organizada. o Executivo, como Alexander Hamilton acertadamente salientou, quem empunha a espada da comunidade. O Judicirio deve finalmente depender do auxlio do brao do Executivo mesmo para obter a eficcia dos seus julgamentos. ... ... o Judicirio federal tem s vezes levado desvantagem em conseqncia do fato de que a execuo de sua vontade depende inteiramente da vontade simult6anea do Executivo. Todo mundo sabe, declarava um tpico de um jornal da Pensilvnia em24

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BLACK, H. C., ob. e loc. cit., esclarece que o contempt pode ser civil ou penal, neste ltimo caso suscetvel de multa ou priso. O no cumprimento de um writ enquadra-se nesse caso, e qualquer tribunal americano pode estabelecer a punio que julgar adequada. PEYRANO, Walter, Medida Cautelar innovativa, Buenos Aires, Depalma, 1975, pp. 113 a 114. Traduzi. No original: el contempt of court apunta a preservar a los tribunales del deletreo efecto rosivo sobre la jerarqua y la dignidad del Poder Judicial, que produce el no acatamiento de las providencias jurisdiccionales. Praticamente todos os autores que se dedicam ao Direito Americano tratam do assunto, e, em geral muitos processualistas, europeus e brasileiros.

1936, que a Corte Suprema nada pode fazer quando os funcionrios eleitos finalmente lhe dizem: A sua deciso estpida e no faz qualquer sentido, de acordo com a nossa opinio... Portanto, ns a ignoraremos. Na realidade, tal desafio autoridade judiciria pelo Executivo tem ocorrido vrias vezes na histria americana. Assim podemos citar a famosa recusa do Presidente Jackson em executar uma deciso da Corte Suprema em que se diz que ele afirmou o seguinte: Bem, John Marshall tomou sua deciso; agora ele que a execute! E, durante a Guerra Civil, uma ordem de habeas corpus expedida pelo Presidente da Corte Suprema Taney foi desacatada por autoridades militares que agiam sob ordens expressas do Presidente Lincoln. Em face de tal desconsiderao de sua autoridade pelo Executivo, o Judicirio pouco pode fazer. Nesses encontros, o Judicirio no tem outras armas a no ser o escudo de sua prpria integridade e o apoio que pode obter, em conseqncia disso, de um pblico revoltado em virtude do perigo que correm as suas liberdades. Que essas armas, embora sobretudo morais, so, na verdade, poderosas, demonstrado pelo fato de que os exemplos dos desafios diretos aos tribunais feitos pelo Executivo (...) so relativamente raros na histria do Direito americano, e felizmente no ocorreu nenhum de grandes conseqncias durante quase um sculo. A aceitao da Corte Suprema e sua autoridade na esfera constitucional est atualmente to arraigada na conscincia americana quanto a aceitao da competncia dos tribunais em questes de Direito Privado na Inglaterra... ... A Corte Suprema tem conseguido manter o seu papel (...) somente porque, de modo geral, tem continuado a conservar sua reputao (...) perante a opinio pblica...26

3. Direito Alemo

A estrutura judiciria alem , como a brasileira, bastante complexa27.26

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SCHWARTZ, Bernard, Direito Constitucional Americano, trad. Carlos Nayfeld, Rio de Janeiro, Forense, 1966, pp. 181, 184/185 e 186. As informaes do prximos pargrafos quando no houver indicao diversa foram retiradas de Alemanha Constituio e Ordem Jurdica, Bonn, Departamento de Imprensa e Informao do Governo Federal, 1993, trad. Jos Camura, e de THORNELOE, David, The German Court Structure, texto em ingls, datado de 5.12.96, colhido no site da Internet http://www.jura.uni-

Conforme os arts. 92 a 96 da Lei Fundamental alem (Grundgesetz)28, a Alemenha, como Estado Federal, possui cortes da Federao (Bund) e dos Estados (Lnder).

Primeiramente, h que se falar da Jurisdio Constitucional (Verfassungsgerichtsbarkeit), representada, no plano federal, pelo Tribunal Constitucional Federal o famoso Bundesverfassungsgericht, ou BVerfG29 e, nos Estados, pelos respectivos Tribunais Constitucionais dos Estados (Landesverfassungsgerichte, LVerfG). Curiosamente, no h uma obrigao, mas apenas o direito de cada Land estabelecer um LVerG, se assim o desejar, de modo que alguns Estados preferem estabelecer um Tribunal Estadual Superior que exerce tanto as atribuies de corte constitucional como de corte judicial ordinria de ltima instncia, no patamar local.

Depois, h a Jurisdio Ordinria (ordentliche Gerichtsbarkeit), cvel (Zivilgerichtsbarkeit) e criminal (Strafgerichtsbarkeit) e criminal. Os tribunais, a, em ordem hierrquica descendente, so o Supremo Tribunal Federal (Bundesgerichtshof, BGH), um Superior Tribunal Estadual Regional (Oberlandesgerichte, OLG), depois osb.de/english/Publications/court.html. Cf. Constituio da Repblica Federal da Alemanha, in Constituio do Brasil e Constituies Estrangeiras, v. I, Braslia, Senado Federal, 1987, trad. publ. pelo Depto. de Imprensa e Informao do Governo Federal alemo, pp. 124/184. Independente e parte dos rgos dos trs Poderes do Estado (cf. GNTHER, Ulrich N., A Constituio da Repblica Federal da Alemanha, in Seis Constituies: Uma Viso Comparada, (Joo Paulo M. Peixoto et Walter Costa Porto, orgs., s. i. de trad.), Braslia, Insituto Tancredo Neves Fundao Friedrich Naumann, 1987, p. 75. Ele no desempenha funo de corte revisora, como um tribunal comum (cf. MENDES, Gilmar F., Jurisdio Constitucional O Controle Abstrato de Normas no Brasil e na Alemanha, Saraiva, S. Paulo, 1996, p. 14, onde se encontram detalhes e aprofundamentos sobre sua competncia e atuao e, do mesmo autor, Controle de Constitucionalidade Aspectos Jurdicos e Polticos, So Paulo, Saraiva, 1990, pp. 139 e ss.).

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Tribunal Estadual Regional (Landesgerichte, LG) e o Juzo de Comarca (Amtsgerichte, AG). Sua competncia diz respeito a todos os ramos do chamado Direito Comum, bem assim jurisdio volutria.

Enfm, h as Justias Especiais, sendo: a Administrativa (Verwaltungsgerichtbarkeit), , competente para os litgios de Direito Pblico em geral (exceto questes constitucionais), como aes contra autoridades e entes pblicos, integrada por um Supremo Tribunal Administrativo, um Superior Tribunal Administrativo e Tribunais Administrativos; a do Trabalho (Arbeitsgerichtsbarkeit), que se ocupa dos dissdios entre assalariados e empregadores, tanto individuais como coletivos, integrada por um Supremo Tribunal do Trabalho, um Superior Tribunal do Trabalho e Tribunais do Trabalho; a Social (Sozialgerichtsbarkeit), qual cabem as demandas em matria de seguridade social, previdncia, etc., composta de um Supremo Tribunal Social, de Tribunais Sociais Estaduais e de Tribunais Sociais; e a Fiscal, ou Financeira (Finanzgerichtsbarkeit), que decide problemas tocantes a impostos e taxas, formada por um Supremo Tribunal Fiscal e Tribunais Fiscais.

A Constituio ainda menciona os tribunais militares e o Tribunal Federal de Patentes.

No que diz respeito ao assunto sob estudo, no se encontrou nada especfico nem na Constituio, nem no Direito Processual germnico, salvo no que toca identidade vocabular (Beschwerde e Verfassungsbeschwerde) j menconada.

Evidentemente, quanto finalidade de preservao de competncia das cortes alis, de quasiquer juzos , existem meios para alcan-la.

LEO ROSENBERG, tratando da jurisdio alem, d notcia de que sua complexa rede de competncias, que envolve jurisdies ordinrias, contenciosas e voluntrias, e especiais, alm das vias administrativas, e um tremendo entrelaamento entre legislao federal e estaduais, requer um trabalho delicado para determinar o carter da controvrsia em questo, e, dentro de cada caso, a deciso dos conflitos de competncia (die Kompetenzkonflikten) entre juzos e tribunais os mais diversos, que assume, no Direito Alemo, grande interesse e complexidade altura dos problemas que suscita. 30

Assim como no em nosso sistema, e na maioria dos ordenamentos jurdicos ocidentais, a par das peculiaridades de cada um, a competncia estabelecida mediante alguns critrios clssicos (material, territorial, funcional, etc.), e pode ser absoluta ou relativa, com lineamentos bsicos e alguns assuntos correlatos que no nos so desconhecidos (conexo, prorrogao, e afins), sendo as decises a respeito recorrveis para os rgos superiores da hierarquia judiciria, na conformidade do que determinem as leis processuais prprias. 31

Na Lei de Organizao dos Tribunais (Gerichtsverfassungsgestz, GVG) da Alemanha, seus 17 e 17a cuidam das questes de competncia e dos possveis conflitos, podendo-se resolver estes atravs de organismos especiais para tal fim.3230

ROSENBERG, Leo, Tratado de Derecho Procesal Civil, t. I, , trad. Angela Romera Vieira, Buenos Aires, EJEA, 1955, pp. 405/102, passim. 31 ROSENBER, L., ob. cit., pp. 161 e ss. 32 Cf. WITTHAUS, Rodolfo E., Poder Judicial Alemn, s. ind. de trad. (parece que cada captulo, ou

Conseqentemente, os conflitos de competncia, resolvidos na forma do Direito Processual daquele pas, atendem a parte das finalidades que, aqui, podem ser atingidas pela reclamao.

No se identifica, porm, medida administrativa ou processual sequer remotamente parecida reclamao, para preservar a autoridade das decises judiciais na Alemanha, muito menos de suas cortes superiores ou supremas. Existe, to-somente, uma figura talvez similar ao contempt of court americano, no 888 do Cdigo de Processo Civil (Zivilprocessordnung, ZPO), com o nome de Zwangsstraf.33

Ainda, em termos do que pode interessar a este trabalho, no texto da Lei do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha34, consta, a respeito da competncia dessa corte, em princpio, o seguinte: Artigo 13 O Tribunal Constitucional Federal ditar resolues (entscheidet) em todos os casos especificados pela Lei Fundamental35, concretamente: ...

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lei citada, foi traduzida por pessoas diferentes), 1. ed., Buenos Aires, Ad-Hoc, 1994. Cf. MARINONI, Luiz Guilherme, Novas Linhas do Processo Civil, So Paulo, Revista dos Tribunais, 1993, p. 93. Gesetz ber das Bundesverfassungsgericht (BVefGG), De 12 de maro de 1951 (publicado no Boletim de Legislao Federal, ou BGBl, I, 1951, pp. 1243 e ss.), texto atualizado de 11 de agosto de 1993 (publ. no BGBl, I, 1993, pp. 1473 e ss.), cf. BLE Boletn de Legislacin Extranjera n. 155156, set/out 1994, Madri, publ. pelas Cortes Generales (Secretara General de Congreso de los Diputados Secretara General del Senado), trad. para o espanhol de Mariano Daranas Pelez, pp. 3/22. Trata-se da Constituio Federal Alem, em alemo Grundgesetz, abreviadamente GG, de 23 de maio de 1949, tambm conhecida como Lei Fundamental de Bonn.

8a) sobre recursos de inconstitucionalidade (ber Verfassungsbeschwerden) (art. 93, 1, 4a e 4b, da Lei Fundamental); 9) sobre acusaes judiciais contra magistrados federais e juzes regionais (art. 98, 2 e 5, da Lei Fundamental); ... 13) quando o Tribunal Constitucional de um Estado regional (wenn das Verfassungsgericht eines Landes...) tiver a inteno de afastar-se (abweichen), ao interpretar a Lei Fundamental (bei der Auslegung des Grundgesetzes) de alguma sentena do prprio Tribunal Federal ou do Tribunal Federal de outro Estado regional, a instncias, em todo caso, do dito Tribunal Constitucional regional (art. 100, 3, da Lei Fundamental); ... Artigo 31 1. As resolues do Tribunal Constitucional Federal sero vinculantes para os rgos constitucionais da Federao e dos Estados regionais, assim como para quaisquer tribunais e autoridades.36 2. Nos casos dos nmeros 6, 11, 12 e 14 do artigo 13, a resoluo do Tribunal Constitucional Federal ter fora de lei (hat... Gesetzeskarft). T-la- mesmo nos casos do prprio artigo 13, nmero 8a, quando o Tribunal Constitucional Federal declare uma lei compatvel ou incompatvel com a Lei Fundamental (als mit dem Grundggesetz vereinbar oder unvereinbar... erklrt), ou como nula (oder fr nichtig). Quando uma lei for declarada compatvel ou incompatvel com a Lei Fundamental ou outras normas do ordenamento federal, ou nula, o dispositivo da sentena (die Entscheidungsformel) ser pulicada pelo Ministrio Federal da Justia no Boletim de Legislao Federal... Artigo 32 1. O Tribunal Constitucional Federal poder em um litgio determinado regular uma situao (einen Zustand regln) mediante deciso interlocutria provisional (durch36

A propsito, anota STERN, Klaus, Derecho del Estado de la Repblica Federal Alemana, trad. para o espanhol de Javier Prez Royo e Pedro Cruz Villaln, Madri, Centro de Estudios Constitucionales, p. 373: Con ello quedan afianzados notablemente la vigencia, la fuerza de obligar y la capacidad de imponerse del Estado constitucional. No h lugar a, v-se, para uma reclamao para preservao da autoridade das decises desse tribunal...

einstweilige Anordnung), quando for necessrio para prevenir prejuzos graves (zur Abwehr schwerer Nachteile), para impedir uma ameaa de violncia (zur Verhinderung drohender Gewalt) ou para o bem comum (zum gemeinen Wohl) por outra razo importante. ... Artigo 35 O Tribunal Constitucional Federal poder dispor em sua resoluo quem haver de execut-la (wer sie vollstreckt), e poder tambm regular em cada caso o modo e a forma da execuo (die Art und Weise der Volstreckung).3737

Cf. BLE 155-156, set/out 1994, cit., pp. 7, 10 e 11. Traduziu-se para o portugus. Na verso consultada, consta: Artculo 13 El Tribunal Constitucional Federal dictar resolucin (entscheidet) em todos los casos especificados por la Ley Fundamental, concretamente: ... 8a) sobre recursos de inconstitucionalidade (ber Verfassungsbeschverden) (art. 93, apdo. 1, nm. 4a y 4b, de la Ley Fundamental); 9) sobre acusaciones judiciales contra magistrados federales y jueces regionales (art. 98, apdos. 2 y 5, de la Ley Fundamental); ... 13) cuando el Tribunal Constitucional de un Estado regional (wenn das Verfassungsgericht eines Landes...) tuviere la inetncin de aparatarse (abweichen), al interpretar la Ley Fundamental (bei der Auslegung des Grundgesetzes), de alguna sentencia del prprio tribunal Constitucional Federal o del Tribunal Federal de outro Estado regional, a instancias en todo caso de dicho Tribunal Constitucional (art. 100, apdo. 3, de la Ley Fundamental); ... Artculo 31 1. Las resoluciones del Tribunal Constitucional Federal sern vinculantes para los rganos constitucionales de la Federacin y de los Estados regionales, as como para cualesquiera tribunales y autoridades. 2. En los casos de los nmeros 6, 11, 12 y 14 del artculo 13 da resolucin del Tribunal constitucional Federal tendr fuerza de ley (hat... Gesetzeskarft). La tendr asimismo en los casos del prprio artculo 13, nmero 8a, cuando el Tribunal Constitucional Federal declare una ley compatible o incompatible con la Ley Fundamental (als mit dem Grundgesetz vereinbar oder unvereinbar... erklrt) o bien como nula (oder fr nichtig). Cuando una ley fuere declarada compatible o incompatible com la Ley Fundamental u otras normas del ordenamiento federal o bien como nula, la clusula dispositiva de la sentencia (die Entscheidungsformel) ser publicada por el Ministerio Federal de Justicia (durch das Bundesjustizministerium) en el Boletn de Legislacin Federal... ... Artculo 32 1. El Tribunal Constitucional Federal podr en un litigio determinado recular una situacin (einen Zustand regeln) mediante auto provisional (durch einstwilige Anordnung) quando fuere necesario para prevenir perjuicios graves (zur Abwehr schwerer Nachteile), para impedir una amenaza de violencia (zur Verhinderung drohender Gewalt) o para el bien comn (zum gemeinen Wohl) por outra razn importante. ... Artculo 35 El Tribunal Constitucional Federal podr disponer en su resolucin quin habr de ejecutarla (wer sie vollstreckt), y podr asimismo regular en cada caso el modo y forma de la ejecucin (die Art und

Quanto ao art. 13, 8a referente ao afamado recurso constitucional do direito germnico , disciplinado longamente pelos arts. 90 a 85 da lei em pauta, necessrio dizer-se, em primeiro lugar, que ele tem amplitude bem larga. Mal comparando, faz as vezes do nosso recurso extraordinrio, do mandado de segurana perante o STF e muito mais, embora no haja nenhuma correspondncia plenamente exata. Esse remdio constitucional, o Verfassungsbeschwerde38, pode ser interposto contra autoridade da Administrao, em geral quando esgotada a via administrativa, embora isso possa ser dispensado (Cf. BVegGG, arts. 90, 2, e 94, 2), contra lei ou outro ato de soberania (idem, arts. 93, 3; 94, 4; 95, 3) ou contra deciso judicial39.

Portanto, no medida, de modo algum, exatamente parificvel reclamao.

Certo, porm, que, atravs dele, e dependendo do caso concreto, podese atingir algum dos fins que aqui se alcanam com a reclamao, porque, estando aberto a qualquer pessoa que invoque leso de qualquer autoridade a um seu direito fundamental, ou diversos outros por ele amparados, na forma da constituio alem, inclusive os arts. 20, 4 (que protege os cidados contra violaes de direitos por rgos pblicos), 101 (que encarta o princpio do juiz natural) e 103 (que, entre outras coisas, garante a todos o acesso aoWeise der Vollstreckung). A respeito do qual j se noticiou que, literalmente traduzido, pode dar, em portugus, algo como queixa ou reclamao constitucional. A propsito da medida, ver BURRIEZA, ngela Figueruelo, El Derecho a la Tutela Constitucional Efectiva, Madri, Tecnos, 1990, pp. 38/39. MENDES, Gilmar Ferreira, Controle de Constitucionalidade Aspectos Jurdicos e Polticos, cit., p. 140.

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judicirio), pode ser manejado por algum que, tendo sido beneficirio de uma deciso, seja ela do Tribunal Federal Constitucional ou de outra corte qualquer, esteja prejudicado por sua desobedincia por um tribunal ou qualquer ente estatal, ou ainda verifique que um determinado processo est correndo em invaso competncia constitucional do BVerG ou de outro tribunal alemo, como o Tribunal Federal Supremo (der Oberste Gerichtshof), que, em paralelo talvez grosseiro, corresponde ao nosso STJ.

Ressalte-se, nesse passo, a possibilidade de edio de liminar pelo Tribunal Constitucional Federal, quando caracterizados os pressupostos expressamente previstos pelo art. 32, 1, transcrito anteriormente. Isso, com efeito, lembra vagamente a nossa reclamao.

No que toca ao disposto no art. 13, 9 (acusao contra magistrado), a lei do BVefG contm disciplina em seus arts. 58 a 68, que mostra ser esse assunto completamente diverso de uma reclamao. Trata-se de processo e julgamento de juiz por infraes no desempenho do cargo, podendo resultar em absolvio, ou em caso de condenao, perda do cargo, transferncia para outro, ou aposentadoria. Enquanto o feito estiver sob julgamento do Tribunal, fica suspenso qualquer processo administrativo que contra ele porventura estivesse correndo. Sua condenao torna referido processo administrativo sem efeito. Mas, curiosamente, se absolvido, isto , indene s mencionadas sanes judiciais, o processo administrativo torna a fluir.40

40

Parece, ento, no haver possibilidade de cumulao entre a sano judicial e a administrativa, nesse caso.

V-se, portanto, que esse caso sequer se aproxima da reclamao brasileira.

No que se refere ao art. 13, 13 (tendncia a interpretao diversa, por um Tribunal Constitucional de um Estado, quela dada por sentena do Tribunal Constitucional Federal que, como se viu, vinculante ou mesmo por deciso de Tribunal Constitucional de outro Estado), a lei em foco dispe em seu art. 85.

Em princpio, o problema pode aparentar-se com a reclamao constitucional do direito indgena, j que, sendo vinculantes as decises do BVerG, tribunal inferior pronunciar-se de modo discrepante delas consistiria, de alguma forma, em desobedincia. Mas o exame dos dispositivos especficos mostra tratar-se, em verdade, no de um procedimento para obrig-lo a cumprir o decisum superior, e sim algo como um conflito interpretativo, mediante consulta, que se resolve de modo a uniformizar a jurisprudncia. Em ponto algum sequer se cogita de que qualquer corte ou rgo extrajudicirio descumpra o determinado pelo Tribunal Constitucional Federal. At porque a lei fala em pretender afastar-se da interpretao, e no interpretar diferentemente...

Ento, tambm no providncia com os mesmos atavios da reclamao.

4. Direito Austraco

Nas mesmas passagens mencionadas no item acima, da obra de ROSENBERG, d-se notcia de que a competncia das cortes austracas onde h, semelhana da Alemanha, ao lado da Justia Constitucional, que tem como cpula um Tribunal Constitucional (Verfassungsgerichtshof), a Justia Ordinria, cujo pice um Supremo Tribunal (Oberster Gerichtshof)41 , diante de qualquer discusso a respeito, preservada por meio de conflitos competenciais.

Quanto ao resguardo da autoridade de suas decises, na Lei do Tribunal Constitucional da ustria42, destaca-se o dispositivo que lhe d competncia para resolver sobre a execuo de suas prprias sentenas (art. 19, 5). Isso se faz na forma do art. 145 da Constituio Austraca, que encarrega o prprio Presidente da Repblica da execuo das resolues daquela corte, o qual dever confiar as providncias materiais respectivas aos competentes rgos da Federao, ou, se for o caso, dos Estados, a includo o prprio exrcito, se necessrio. O Presidente do Tribunal Constitucional entrega ao Presidente da Repblica a petio correspondente para que se execute sua resoluo.43

muito difcil, com uma tal regra, imaginar-se descumprimento a decisum desse tribunal supremo, que carea de medida como a nossa reclamao, para efetivar-se... Quanto aos demais tribunais, nada se encontrou de significativo para este trabalho. Porm, dada a similitude entre o ordenamento alemo e o austraco, tambm h41

Cf. FIZA, Ricardo Arnaldo Malheiros, Direito Constitucional Comparado, 3. ed., Belo Horizonte, Del Rey, 1997, p. 33. 42 Verfassungsgerichtshofgesetz (VerGGG), de 1953 (publicada originalmente no n. 85 do Boletim de Legislao Federal, Bundesgesetzblatt ou BGBl.), parcialmente modificada vrias vezes, sendo a ltima em setembro de 1993 (BGBl, 1993, 510), cf. BLE Boletn de Legislacin Extranjera n. 155156, set/out 1994, Madri, publ. pelas Cortes Generales (Secretara General de Congreso de los Diputados Secretara General del Senado), trad. para o espanhol de Mariano Daranas Pelez, pp. 23/44. 43 Cf. BLE 155-156, set/out 1994, cit., p. 30, especialmente a nota de rodap 22.

neste medidas coativas para reforar o cumprimento das sentenas, como a Zwangsstraf germnica.

Quanto ao recurso constitucional44 por infrao de direitos constitucionalmente garantidos ou infrao do ordenamento jurdico por aplicao de decretos ilegais, de leis inconstitucionais ou de tratados internacionais ilegais, a teor do art. 144 da Constituio Federal da ustria, dispem os arts. 82 e segs., sendo que, no 87, 2, consta a determinao de que, provido tal apelo pelo Tribunal Constitucional, todas as autoridades esto obrigadas, por todos os meios jurdicos a seu dispor, e sem demora, a restabelecer a situao de direito.

No h, portanto, espao para se pensar em reclamao por descumprimento de ordem da corte.

H, no entanto, na mesma lei, uma srie de sanes (die Ordnungsstrafen und Mutwillensstrafen), que vo de advertncias e multas a prises contra condutas perturbadoras dos trabalhos do tribunal, utilizao de expresses injuriosas, atentatados dignidade da corte, litigncia temerria ou procrastinatria, as quais, quando de carter financeiro, so tidas como dbito federal e executadas pelos tribunais ordinrios (art. 28, 1 a 4). Algo, pois, como o contempt of court americano ou a Zwangsstraf alem. A

44

O termo recurso, aqui, como no caso alemo, no tem a estrita significao que lhe d o processo brasileiro. Entenda-se como um writ. Esse recurso, porm, no tem a mesma amplitude do seu congnere da Alemanha. Ele somente produz um controle abstrato de constitucionalidade, sem levar em considerao a situao particular do requerente. Assim tambm seus similares belga (art. 142 da Constituio belga) e hngaro (art. 32 A da Constituio da Hungria), por exemplo (cf. FROMONT, Michel, La Justice Constitutionnelle dans le Monde, Paris, Dalloz, 1996, pp. 54/55).

Justia Austraca, assim, parece ser muito ciosa de sua autoridade, no que est mais do que certa.

No que tange preservao de sua competncia, nada h de especfico como a reclamao, salvo dispositivos que do ao tribunal constitucional poder para decidir conflitos entre um outro tribunal e uma autoridade administrativa (art. 42), entre o Tribunal Administrativo Superior e outro tribunal, ou entre o Tribunal Administrativo Superior e ele prprio, ou ainda entre um tribunal ordinrio e outro tribunal, atravs de recurso prprio, tanto em casos de conflito positivo de competncia (art. 43), como negativo (art. 46).

5. Direito Espanhol

O Judicirio espanhol tem uma estrutura bastante complexa, em que se destaca uma forte independncia, garantida por seu governo prprio, que se exerce atravs do Conselho Geral do Poder Judicial (Constituio da Espanha, art. 122, especialmente seu n. 2).45

Dentro do Poder Judicirio, conforme a Lei Orgnica respectiva46 (art. 117), integram-se os seguintes juizados (rgos unipessoais): de Paz, de Primeira Instncia e Instruo, Penais, do Contencioso Administrativo, do Social, de Menores, e de Vigilncia Penitenciria; e os tribunais (colegiados): Audincias Provinciais, Tribunais Superiores de Justia, Audincia Nacional, e, como rgo de cpula, um Tribunal Supremo.45

Cf. Constitucin Espaola, in Constituio do Brasil e Constituies Estrangeiras, v. I, Braslia, Senado Federal, 1987, pp. 355/411. 46 Ley Orgnica del Poder Judicial, ou LOPJ.

Todavia, fora do Poder Judicirio, alm de um Tribunal de Contas, h um Tribunal Constitucional (Constituio Espanhola, arts. 159 a 165), ao qual se atribuem funes especficas de corte destinada a solver questes de constitucionalidade.47

Existe, pois, uma jurisdio constitucional ao lado da ordinria. Alm disso, a Espanha um Estado Regional, alis com regies autnomas.48

Diante de tal intricada rede de cortes e juzos e legislaes nacionais e locais, pe-se a questo da preservao da competncia respectiva. Isso se resolve por meio dos conflitos de competncia (conflictos jurisdiccionales), existindo Lei Orgncia dos Conflitos de Jurisdio, que instituiu um Tribunal de Conflitos (arts. 9 a 12 do referido diploma), integrado pelo Presidente do Tribunal Supremo, pelos integrantes da Seo (Sala) do Contencioso-administrativo deste, e por trs Conselheiros permanentes de Estado, exatamente para indicar a quem corresponde a jurisdio (rectius, competncia) controvertida. Isso, quanto s disputas competenciais, positivas ou negativas, que ocorram no seio do Judicirio propriamente dito. 49

No entanto, conforme CATENA, DOMNGUEZ e SENDRA, esses conflitos no se devem confundir com aqueles que podem ocorrer entre o governo, o47

Cf. CATENA, Vctor Moreno; DOMNGUEZ, Valentn Corts; et SENDRA, Vicente Gimeno, Introduccin al Derecho Procesal, 2. ed., Valencia, Tirant lo Blanch, 1995, pp. 46/48 e 11/130. Para um mergulho mais aprofundado sobre a detalhada estrutura e competncia dos rgos da jurisdio espanhola, ver NAVARRETE, Antonio Mara Lorca, Derecho Procesal Orgnico, 2. ed., Madri, Tecnos, 1989; ou, de modo ainda mais minudente, do mesmo autor, Introduccin al Derecho Procesal, Organizacin Judicial Espaola y Principios Rectores del Proceso Espaol, cit. passim. 48 Constituio da Espanha, arts. 137/158. 49 Cf. CATENA, V. M. et alii, ob. cit., pp. 55/56.

Congresso dos Deputados ou o Senado, e o conselho Geral do Poder Judicirio, porquanto estes devem suscitar-se perante o Tribunal Constitucional.50

No mesmo sentido, ANTONIO MARA LORCA NAVARRETE, que detalha os procedimentos e a composio dos Tribunais de Conflitos, que na Espanha se dividem em conflitos de jurisdio, conflitos de competncia, e questes de competncia, em sua obra Derecho Procesal Orgnico51

De fato, a Lei Orgnica do Tribunal Constitucional da Espanha52, d competncia corte, entre outras matrias, para conhecer do recurso de amparo por violao dos direitos e liberdades pblicas relacionadas no art. 53.2 da Constituio Espanhola, e dos conflitos entre os rgos constitucionais do Estado (art. 2., 1, b e d, da LOTC).

O art. 4., 1, afirma que em caso algum se poder promover questo de jurisdio ou competncia quele tribunal. No entanto, conforme o n. 2 do mesmo artigo, ele aprecia, de ofcio ou por provocao da parte, sua falta de jurisdio ou competncia. Quero crer que, por sua posio de preeminncia, no considera entrar em conflito competencial com nenhuma outra corte, embora seja juiz de sua prpria competncia.

50

Cf. CATENA, V. M. et alii, ob. cit., pp. 56, parte final. Pp. 169/176. O mesmo autor, em Introduccin al Derecho Procesal, Organizacin Judicial Espaola y Principios Rectores del Proceso Espaol, cit., trata do tema s pp. 249/257. 52 Ley Orgnica del Tribunal Constitucional ou LOTC (Lei Orgnica 2/1979, de 3 de outubro), cf. BLE Boletn de Legislacin Extranjera n. 155-156, set/out 1994, Madri, publ. pelas Cortes Generales (Secretara General de Congreso de los Diputados Secretara General del Senado), pp. 45/61.51

O recurso53 de amparo constitucional, est regulado nos arts. 41 a 58. Os conflitos constitucionais, nos arts. 59 a 75.

Por tais meios, resolvem-se questes que aqui so prprias da reclamao.

Pelo amparo constitucional, interponvel por qualquer pessoa fsica ou jurdica, bem assim ao Defensor do Povo54 e ao Ministrio Pblico55, fazem-se valer-se as pretenses de restabelecimento de direitos ou liberdades previstos na Constituio espanhola. E esta, como se sabe, garante no s o amplo acesso ao Judicirio, como de modo explcito, diferentemente do que infelizmente faz a brasileira o direito tutela judicial efetiva, estampado no art. 24.1, que reza:

Todas as pessoas tm direito a obter a tutela efetiva dos juzes e tribunais no exerccio de seus direitos e interesses legtimos...5653

Uma vez mais: trata-se de uma ao constitucional, alis bastante similar ao Verfassungsbeschverde alemo (cf. BURRIEZA, ngela Figueruelo, ob. cit., p. 33). 54 rgo tpico do Direito Constitucional da Espanha, inexistente entre ns, embora o Ministrio Pblico, no Brasil, possua atribuies bem mais largas que seu similar espanhol, nelas estando englobadas pelo menos a maior parte daquelas l atribudas a essa figura. 55 L denominado Ministrio Fiscal. 56 No original: Todas las personas tienen derecho a obtener la tutela efectiva de los jueces y tribunales en el ejercicio de sus derechos e intereses legtimos... (cf. BURRIEZA, ngela Figueruelo, El Derecho a la Tutela Constitucional Efectiva, Madri, Tecnos, 1990, p. 29). Aqui no Brasil, no so poucos os processualistas que defendem a existncia do princpio da tutela constitucional efetiva. Entretanto, necessrio observar que, infelizmente, nossa Constituio no tem uma redao clara, a esse respeito, como a da Espanha. A exmia CARMEN LCIA ANTUNES ROCHA afirma que o direito jurisdio se desdobra em fases que s se completam com a eficcia da deciso jurisdita, pois No basta que se afirme o direito no litgio dado a exame do Estado. necessrio que a deciso seja executada, que o seu contedo se realize e que o direito nela afirmado seja aplicado. (...) Sentena sem eficcia jurisdio sem vida. A ineficcia da deciso jurisdicional frauda o direito afirmado e, principalmente, frustra o prprio direito jurisdio constitucionalmente assegurado. Porm, com a agudeza de sempre nota que infelizmente o Texto Ptrio (art. 5., XXXV) no afirma diretamente o direito jurisdio, tornando como sujeito principal da norma o seu titular, que o cidado, como a melhor tendncia do constitucionalismo contemporneo, embora pregue que isso no deve ensombrecer-lhe o contedo (cf. O Direito Constitucional Jurisdio, in As Garantias do

Ora, se um julgado ainda mais provindo do prprio Tribunal Constitucional Espanhol, ou de outra corte superior, ou mesmo de um tribunal ou juiz qualquer resta descumprido, por certo est violada essa garantia que a Constituio da Espanha confere. De modo que, atravs desse meio jurdico, atinge-se a finalidade de preservao da autoridade das decises, que aqui deve ser veiculada pela reclamao.

Quanto a isso, h afirmao expressa da doutrina espanhola, referindo, alis, diversas decises do Tribunal Constitucional daquele Pas:

Dentro da amplitude do contedo do artigo 24.1 da CE, o mximo intrprete da Constituio tem tido ocasio de afirmar em vrias oportunidades (sentenas do TC 32/182, de 7 de julho; 67/1984, de 7 de junho; 109/1984, de 26 de novembro; 176/1985, de 17 de dezembro) que o direito tutela judicial efetiva compreende tambm o direito a que a deciso judicial se cumpra, havendo configurado a execuo das resolues judiciais firmes como um direito fundamental de carter subjetivo, incorporado ao artigo 24.1. da CE, porque o obrigado cumprimento do acordado pelos Juzes e Tribunais no exerccio da potestade jurisdicional uma das mais importantes garantias para o funcionamento e desenvolvimento do Estado de Direito (sentena do TC 15/1986, de 31 de janeiro).57Cidado na Justia (coord. Slvio de Figueiredo Teixeira), So Paulo, Saraiva, 1993, pp. 31/51, especialmente 33, 41 e 50). Deve-se, porm talvez em tom mais pessimista acrescentar que, alm de no se ter conferido diretamente ao cidado o direito jurisdio, garantiu-se apenas o acesso ela, no sua efetiva proteo. Assim, em vez de a lei no excluir do judicirio nenhuma leso ou ameaa a direito, podia-se ter dito todos tm direito proteo judiciria efetiva, que podem pleitear diante do que considerem leso ou ameaa a seu direito, por exemplo. Ficando assim expresso, como est na Carta espanhola, o princpio em causa, qui no dependssemos apenas do Supremo Tribunal para afirm-lo, diante das agresses que a ele fazem o Executivo (via medidas provisrias) ou o Legislativo (atravs de leis), quando o frustram, por exemplo, atravs de normas que restringem ou impedem a concesso de liminares ou tutelas antecipatrias, em geral relativas ao Poder Pblico, nem nos decepcionssemos tanto, quando no vssemos tal principiologia triunfar. BURRIEZA, ngela Figueruelo, El Derecho a la Tutela Constitucional Efectiva, Madri, Tecnos, 1990, p. 126. Traduziu-se. No original: Dentro de la amplitud del contenido del artculo 24.1 de la C.E., el mximo intrprete de la Constitucion h tenido ocasin de afirmar en varias ocasiones

57

Mais: na Espanha, conforme JESS GONZLEZ PREZ, A obrigao de cumprir as sentenas e resolues judiciais firmes dos Juzes e Tribunais, assim como prestar a colaborao requerida por estes, constitucionalizouse (art. 118 da Constituio). ... Adquire especial relevo o cumprimento do julgado quando a parte obrigada um [rgo da] Administrao Pblica, uma entidade investida de poder, e, especialmente, quando o prprio Estado.58

No que diz respeito preservao da competncia, similares consideraes podem ser construdas. A violao, seja por parte de quem for, a includo outro rgo do Judicirio, da competncia de qualquer juzo ou tribunal compreendendose que isto ainda mais grave se se tratar daquela atribuda a Tribunais Superiores, ao Tribunal Supremo ou ao Tribunal Constitucional viola, frontalmente, o princpio do juiz natural (juez predeterminado por la ley), igualmente consagrado na Constituio espanhola (art. 24.2), autorizando, por parte do prejudicado, a utilizao do amparo constitucional ou de

58

(sentencias del T.C. 32/1982, de 7 de julio; 67/1984, de 7 de junio; 109/1984, de 26 de noviembre; 176/1985, de 17 de diciembre) que ele derecho a la tutela judicial efectiva comprende tambin el derecho a que el fallo judicial se cumpla, habiendo configurado la ejecucion de las resoluciones judiciales firmes como un derecho fundamenatal de carcter subjetivo incorporado al artculo 24.1 de la C.E., porque el obligado cumplimiento de lo acordado por los Jueces y Tribunales en el ejercicio de la potestad juridiccional es una de las ms importantes garantas para el funcionamiento y desarollo del Estado de Derecho (sentencia del T.C. 15/1986, de 31 de enero). Na mesma obra, cf. deciso do TCE s pp. 75/76. Idntica afirmativa acha-se em PREZ, Jess Gonzlez, El Derecho a la Tutela Jurisdiccional, 2. ed., Madri, Civitas, 1989, pp. 227/232, igualmente com ampla citao de jurisprudncia. PREZ, J. G., ob. cit., p. 232/234, com arrimo em jurisprudncia do Tribunal Constitucional Espanhol. Traduziu-se. O original consigna: La obligacin de cumplir las sentencias y resoluciones judiciales firmes de los Jueces y Tribunales, as como prestar la colaboracin requerida por stos, se h constitucionalizado (art. 118 de la Constitucin). (...) Adquiere especial relieve el cumplimiento del fallo cuando la parte obligada es una Administracin pblica, una entidad revestida de poder, y, particularmente, cuando es el propio Estado.

qualquer outro meio hbil, para preserv-la, diante de qualquer ferimento a ela, como confirma tambm JESS GONZLES PREZ:

Atenta-se contra a garantia constitucional [do juiz natural] sempre que se modifica a competncia ou a composio do rgo jurisdicional, tanto por norma com fora de lei como por atos do Executivo ou dos rgos dirigentes do Poder Judicirio, a fim de subtrair um litgio do conhecimento do tribunal ao qual naturalmente corresponda.59

Tratando-se da competncia do Tribunal Constitucional da Espanha, basta parece mencionar os seguintes dispositivos de sua lei orgnica, dentro do ttulo referente aos conflitos de competncia:

Artigo 61 ... 3. A deciso do Tribunal Constitucional vincular a todos os poderes pblicos e ter plenos efeitos frente a todos. ... Artigo 75 ... 2. A sentena do Tribunal determinar a que rgo correspondem as atribuies constitucionais controvertidas e declarar nulos os atos executados por invaso de atribuies, e resolver, neste caso, o que proceder sobre as situaes jurdicas produzidas ao amparo destes.6059

60

PREZ, J. G., ob. cit., p. 129. Traduziu-se. No original, Se atenta contra la garanta constitucional siempre que se modifica la competencia o la composicin del rgano jurisdiccional, tanto por norma con fuerza de ley como por actos del Ejecutivo o de los rganos rectores del Poder Judicial, a fin de sustraer un litigio del conocimiento del Tribunal al que naturalmente le correspondera. Cf. BLE 155-156, set/out 1994, cit., pp. 55 e 57. Traduziu-se. No original: Artculo 61 ... 3. La decisin del Tribunal Constitucional vincular a todos los poderes pblicos y tendr plenos efectos frente a todos. ...

Ainda que se recorra leitura de outros autores, mais crticos com relao s decises do Tribunal Constitucional espanhol, ainda assim se terminar por concluir que os meios processuais existentes na Espanha, so mais que suficientes para que as decises de suas cortes sejam cumpridas e sua competncia resguardada, mesmo sem a existncia de um instrumento para tanto especfico, como a reclamao brasileira.

Assim, JESS MARA SANTOS VIJANDE registra uma tenso entre o Tribunal Constitucional espanhol e o Poder Judicirio, por conta da pretensa submisso dos tribunais ordinrios doutrina constitucional ditada pelo primeiro.61 (na Espanha, como em Portugal, o TC uma corte que no se acha inserta na estrutura desse Poder). Afirma, ento, que, se um tribunal comum contraria a interpretao da Constituio, feita pelo Tribunal Constitucional, o jurisdicionado afetado merece, no seio da prpria jurisdio ordinria, a proteo cassacional prevista pelas diversas leis processuais, que estipulam como fundamento desse recurso a divergncia jurisprudencial62, embora no descarte a possibilidade de interposio, caso se deseje, do j mencionado amparo.63

Ou seja: uma via processual a mais.

Artculo 75 ... 2. La sentencia del Tribunal determinar a qu rgano corresponden las atribuciones constitucionales controvertidas y declarar nulos los actos ejecutados por invasin de atribuciones y resolver, en su caso, lo que procediere sobre las situaciones producidas al amparo de los mismos. 61 VIJANDE, Jess Mara, Doctrina y Jurisprudencia del Tribunal Constitucional Su Eficacia Respecto a los Tribunales Ordinarios, Granada, Comares, 1995, p. 52. 62 VIJANDE, J. M., ob. cit., p. 122. 63 VIJANDE, J. M., ob. cit., pp. 124/125.

Paralelamente a isso, EDUARDO GARCA DE ENTERRA, interpretando o art. 163 da Constituio da Espanha, acrescenta que o monoplio jurisdicional do Tribunal Constitucional espanhol s alcana a declarao de

inconstitucionalidade das leis, e no qualquer aplicao da Constituio, primeiro porque a declarao de inconstitucionalidade pode ser feita por qualquer juiz ou tribunal, se se trata de norma infralegal (regulamentos e at decretos legislativos, bem como atos jurdicos, pblicos ou privados); depois porque no est proibido aos magistrados e cortes ordinrias antes, seu dever fazer um juzo positivo de constitucionalidade, isto , dizer se uma norma, mesmo uma lei, est de acordo com a Constituio.64

No entanto, no deixa de afirmar que o Tribunal Constitucional, como todas as outras cortes e juzos, no exerccio de suas respectivas competncias, estando vinculados s normas constitucionais, vinculam a todos os os sujeitos pblicos e privados, porque estes tambm esto submissos Constituio.65

Alis, em outra obra, falando especificamente sobre a efetividade das decises jurisdicionais em face da Administrao Pblica, luz da Carta Constitucional da Espanha, afirma que o princpio da legalidade que como entre ns vinculante para os rgos administrativos, impe-lhes uma submisso plena s determinaes judiciais.6664 65

ENTERRA, Eduardo Garca, La Constitucin como Norma y el Tribunal Constitucional, pp. 65/66 ENTERRA, E. G., La Constitucin como Norma y el Tribunal Constitucional, cit., p. 68. 66 ENTERRA, E. G., Democracia, Jueces y Control de la Administracin, Madri, Civitas, 1995, pp. 119/120, in verbis: Esa vinculacin de la Administracin al Derecho no es un mero concepto retrico o desiderativo. Como todos los conceptos constitucionales, es, estrictamente, un concepto normativo, al que hay que atribuir la plenitud de efectos jurdicos. Ahora bien, un sometimiento pleno a la Ley y al Derecho no puede tener sentido alguno si no implicase una sumisin plena al juez, que es elemento indispensable para que cualquier Derecho pueda ser eficaz. Sera incomprensible interpretar que la Ley y el Derecho, que someten plenamente a la Administracin, tuvieran para sta, no obstante, un mero valor indicativo, el de una recomendacin moral que sus rganos democrticos pudiesen seguir

De todo modo esclarece o j citado LORCA NAVARRETE os rgos jurisdicionais que se considerem perturbados ou cerceados em sua atividade, devem levar o fato ao Conselho Geral do Poder Judicirio ou ao Ministrio Pblico, o qual, como garante da independncia e sobranceria dos rgos jurisdicionais deve, por provocao ou de ofcio, promover as medidas pertinentes em sua defesa. A desobedincia a resolues judicirias por parte de autoridades dos poderes pblicos tem seu caminho natural de soluo nos recursos, que o Parquet pode interpor.67

6. Direito Francs

O Judicirio francs muito distinto do nosso. At porque sua Constituio, de 4 de outubro de 1958, no utiliza a expresso Poder Judicirio, mas tosomente Autoridade Judiciria, o que leva a discusses a respeito da efetiva potestade a ele conferida, sendo que, de acordo com seu art. 64, o Presidente da Repblica, portanto um rgo do Executivo, quem garante a independncia judicial.68o no, o seguir en una medida mayor o menor, segn su buen e ilustre arbitrio. No hay Derecho sin juez. El juez es una pieza absolutamente esencial en toda la organizacin del Derecho (...) cuando se trata de la observancia del Derecho por la Administracin. El juez es la boca que pronuncia las palabras de la Ley, no en el sentido que Montesquieu pens, esto es, como limitado en su funcin a una funcin particularizadora, meramente automtica, del texto literal de las leyes formales, sino en el ms tradicional de iurisdictio, de decir el Derecho cuando las partes de cualquier relacin regida por ste discrepan sobre el alcance de su vinculacin efectiva. Cf. Introduccin al Derecho Procesal, Organizacin Judicial Espaola y Principios Rectores del Proceso Espaol, cit., pp. 47/48. Entre os recursos possveis l-se na mesma obra est o de cassao (casacin) com a finalidade de manter o mbito de exerccio funcional de todos os rgos judiciais, atravs do qual se leva a cabo uma funo de controle (p. 910). Cf. Constituio da Frana, in Constituio do Brasil e Constituies Estrangeiras, v. I, Braslia, Senado Federal, 1987, trad. Jorge Miranda, pp. 437/458. HAURIOU, Andr; GICQUEL, Jean; et GLARD, Patrice, Droit Constitucionnel et Institutions Politiques, 6. ed., Paris, Montchrestien, depois de falarem do Poder Executivo e do Parlamento, tratam do assunto do Judicirio francs sob a epgrafe Conseils Spcialiss, sem referir-se em nenhum momento a Poder, mas apenas a organes jurisdictionnels. MARCEL PRELOT, referindo-se expresso Autoridade Judiciria, categrico: La formule a en soi une signification prcise. Elle vise marquer, par lemploi dune terminologie

67

68

Alm da dualidade da jurisdio jurisdio administrativa, cujo rgo de cpula a Corte de Cassao, e jurisdio jurisdicional, encimada pela Alta Corte de Justia, e dividida em vrios ramos e escales69 , o que no incomum, principalmente nos Pases europeus70, tem-se uma outra corte, especfica para a matria constitucional em abstrato, o Conselho Constitucional.71

O sistema francs de controle da constitucionalidade, tambm bastante distinto do nosso, s d ao Conselho Constitucional atribuies para a fiscalizao prvia da compatibilidade entre a lei em projeto e a Constituio72. Ainda assim, a legislao que o rege73 deixa clara a inexistncia, at por desnecessidade, de medida como a reclamao, aoadministrative, que la justice na pas dans ltat la qualit dun pouvoir au mme titre que le lgislatif et lexecutif. Cette conception (...) remonte la Rvolution franaise (cf. Institutions Politiques et Droit Constitutionnel, 6. ed., Paris, Dalloz, 1972, p. 851). GEORGES BURDEAU, apesar disso, fala em pouvoir judiciaire como um terceiro poder, apesar da letra da Constituio de 1958, e diz: le statut des juges, dans la mesure o il est un pice des liberts publicques, prsente une indniable signification constitutionnele (...). La constitution en garantit le respect par lindpendence de lautorit judiciaire, elle-mme assur par le Conseil de la magistrature. (Droit Constitutionnel et Institutions Politiques, 15. ed., Paris, Librairie Gnrale de Droit et de Jurisprudence, 1972, pp. 609/610). 69 Na primeira instncia, os tribunais detm competncias especializadas: em matria civil, as causas de menor valor so julgadas pelos tribunaux dinstance, e as de maior, pelos tribunaux de grande instance; em matria comercial, pelos tribunaux de commerce; em matria laboral, pelos conseils de prudhommes, formados paritariamente por juzes eleitos entre trabalhadores e empregadores (similarmente aos juzes classistas da Justia do Trabalho no Brasil); em matria penal, pelos tribunaux de police (contravenes) ou tribunaux correctionnels (delitos na diviso trplice francesa, figura penal entre a contraveno e o crime), ou ainda cours dassises, de composio mista (juzes togados e jurados), para os crimes. Na segunda instncia, h as cours dappel, que recebem os recursos dos rgos precedentes, exceto as cours dassises. Acima destas, a Cour de Cassation, dividida em cmaras cveis, especializadas nas vrias matrias correspectivas aos rgos de primeiro grau, e numa cmara criminal. Compete-lhe apreciar os recursos das cours dappel e das cours dassises. Mas especialmente relevante sua funo de uniformizao de jurisprudncia. Cf. ALMEIDA, Carlos Ferreira, Introduo ao Direito Comparado, Coimbra, Almedina, 1994, pp. 57/58. 70 Portugal, Espanha, Itlia, etc. 71 Conseil Constitutionnel 72 Constituio francesa, art. 61 (cf. FROMONT, Michel, La Justice Constitutionnelle dans le Monde, Paris, Dalloz, 1996, p. 70). 73 Ordonnance n. 58-1067, du 7 novembre 1958, portant loi organique sur le Conseil constitutionnel, modifie par lordonnance n. 59-223, du 4 fvrier 1959, par la loi organique n. 74-1101 du 26 dcembre 1974 et par la loi organique n. 95-63, du 19 janvier 1995 (publicada nos

menos para preservar-lhe a autoridade das decises, como se tem de seu art. 22, o qual determina que se o Conselho declarar que a lei inconstitucional, esta simplesmente no poder ser promulgada, e o 22, contemplando a hiptese de declarao parcial de inconstitucionalidade, probe expressamente a promulgao dos dispositivos considerados inconstitucionais.

Nada se achou na legislao ou literatura jurdica francesas sobre qualquer medida parificvel reclamao, salvo quanto preservao da competncia dos tribunais os bvios conflitos de competncia.

No tocante imposio sobre a obrigatoriedade dos julgados, o que h na Frana e hoje est incorporado a nossa legislao a astreinte, multa por dia de atraso no cumprimento de uma obrigao, originria do Direito Material (contratos), mas que chegou ao Direito Processual, consoante lio de vrios processualistas.

Enfim, pde-se ainda achar um comentrio crtico ainda que em obra bastante antiga sobre a resistncia dos rgos administrativos franceses em cumprir as decises da Justia:

H uma estratgia administrativa para resistir ao legal e judiciria (...): silncios sistemticos ou atrasos voluntrios. ...Boletins Oficiais de 9 de novembro de 1958, 7 de fevereiro de 1959, 27 de dezembro de 1974 e 20 de janeiro de 1995, respectivamente), cf. BLE Boletn de Legislacin Extranjera n. 155-156, set/out 1994, Madri, publ. pelas Cortes Generales (Secretara General de Congreso de los Diputados Secretara General del Senado), trad. para o espanhol de Mariano Daranas Pelez, pp. 63/68.

Por outras palavras, (...) a legalidade da ao administrativa no ter em ltima anlise outra garantia seno a moralidade da administrao e dos administradores. ... Assim, e para concluir, pela prpria natureza das coisas, a administrao relativamente independente da legalidade; isto, mais ou menos, mas independente em certo modo, por toda a parte e sempre.74 (pp. 124/127).

E, em obra um pouco mais recente, o jurista espanhol CASTN TOBEAS assinala que, na Frana, existiu sempre uma decidida preveno contra a organizao do Judicirio como Poder efetivo, e, de fato, tem sido vtima de ingerncias no s do Executivo como do Legislativo.75 Disso se conclui que alguns dos problemas solvveis aqui, em alguma medida, pela reclamao, tambm existem no direito francs.

7. Direito Italiano

O sistema italiano prev, ao lado da jurisdio ordinria integrada pelos Juzes de Paz (Giudici di Pace), Pretores (Pretori), Tribunais (Tribunali), Cortes de Apelao (Corti dApello) e a Corte de Cassao (Corte di Cassazione)76, seu rgo de cpula , rgos de justia administrativa, encabeados pelo Conselho de Estado, mencionando ainda um Tribunal de Contas, e tribunais militares, uma jurisdio constitucional, investida na Corte Constitucional (Corte Costituzionale), como se v da Constituio (arts. 101/113 e 134/137).7774

CRUET, Jean, A Vida do Direito e a Inutilidade das Leis, s. ind. trad., Lisboa (?), Antigas Livrarias Aillaud e Bertrand, s. ind. data (informao da biblioteca onde foi colhida, manuscrita na folha de rosto, noticia haver sido escrito publicado? em 1908). 75 CASTN TOBEAS, Jos, Poder Judicial e Independencia Judicial, nova ed., Madri, Reus, 1947, p. 33. 76 Cf. MANDRIOLI, Crisanto, Corso di Diritto Processuale Civile, t. I, 10. ed., Turim, G. Giappichelli, 1995, p. 200. 77 Cf. Constituio da Repblica Italiana, in Constituio do Brasil e Constituies Estrangeiras, v. II,

Quanto a esta, a prpria Carta Magna j prev sua competncia para julgar conflitos de constitucionalidade, de atribuies entre Poderes do Estado, bem assim as acusaes contra o Presidente da Repblica e os Ministros.

No tocante s demais jurisdies, a Constituio muito sucinta, no que tange a suas competncias.

Na Lei de Constituio e Funcionamento do Tribunal Constitucional da Itlia78, detalham-se, alm da seu poder para apreciar as questes de constitucionalidade (questioni di legittimit costituzionale), previsto nos arts. 23 a 36 desse diploma, h, nos arts. 37 a 40, competncia para apreciar os conflitos de atribuio (conflitti di attribuzione) entre Poderes do Estado, que sero resolvidos, se a corte entender que lhe cabem, pelos procedimentos vigentes para questes de jurisdio (competncia).79

Conseqentemente, a Corte Constitucional italiana senhora da preservao de sua prpria esfera competencial.

E, com referncia ao resguardo da autoridade de seus julgados, parece suficiente fazer referncia a disposies dessa lei, como a do art. 30, de acordo com o qual,Braslia, Senado Federal, 1987, trad. da Embaixada da Itlia no Brasil, pp. 514/544. Lei n. 87, de 11 de maro de 1953, que aprovou as Norme sulla Costituzione e sul Funzionamento della Corte Costituzionale (publicada na Gazetta Ufficiale della Repubblica Italiana, GU, n. 63, de 14 de maro de 1953), cf. BLE Boletn de Legislacin Extranjera n. 155-156, set/out 1994, Madri, publ. pelas Cortes Generales (Secretara General de Congreso de los Diputados Secretara General del Senado), trad. para o espanhol de Mariano Daranes Pelez, pp. 69/75. Ver, a propsito do tema, BASSI, Antonino Pensovecchio Li, Conflitti Costituzionali, in Enciclopedia del Diritto, v. VIII, Milo, Giuffr, 1961, pp. 998/1015, esp. 1007.

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79

declarada, pela corte, a inconstitucionalidade de uma lei, ela deixar de ter aplicao a partir do dia seguinte ao da publicao da deciso, e, no caso de sentena baixada com base em norma declarada inconstitucional, cessar sua execuo e todos os seus efeitos.

Assim, no se enxerga qualquer medida efetivamente parificvel reclamao, quer para a finalidade de defesa da competncia, quer para a de assegurao do cumprimento de seus julgados.

Os processualistas do notcia, no tocante s jurisdies ordinria e administrativa, de procedimentos de conflitos de competncia, acompanhados dos respectivos recursos, para que se decida a respeito. Comumente, no h maiores preocupaes com a obedincia s decises judidiciais, emanadas de quaisquer juzos ou tribunais.80

Diz, a propsito, FAZZALARI:

A eficcia do provimento jurisdicional, isto , a projeo da vontade do juiz na esfera substancial, acompanhada de uma particular fora (...). Essa promana da superposio do juiz com respeito a todos os osutros sujeitos, no mbito da sua prpria competncia, a qual no seno um aspecto da soberania do Estado (...), A80

Sobre o regulamento da competncia, cf. COMOGLIO, Luigi Paolo; FERRI, Corrado et TARUFFO, Michele, Lezioni Sul Processo Civile, Bolonha, Il Mulino, 1995, pp. 119/120. A respeito da efetividade jurisdicional, na mesma obra, pp. 58/64. Ainda no mesmo livro, s pp. 711 e ss. (especialmente at a 722), acerca do processo na Corte de Cassao, notam-se algumas hipteses do recurso respectivo que podem atingir finalidades aparentadas com aquelas que persegue, aqui, a reclamao (mormente, segundo se afigura, atravs do ricorso nellinteresse della lege, cf. pp. 714/715). MANDRIOLI, Crisanto, Corso di Diritto Processuale Civile, v. I, 10. ed., Turim, G. Giappichelli, 1995, cuida dos problemas de competncia s pp. 198/255 e sobre as statuizioni sulla competenza e regolamento di competenza, especificamente, s pp. 226/237. Do recurso de cassao trata no v. III, s pp. 406 e ss. LIEBMAN, Enrico Tullio, Manuale di Diritto Processuale Civile, v. I, 4. ed., Milo, Giuffr, 1980, f-lo s pp. 47 e ss., especialmente p. 66; no v. II, cf. pp. 333 e e 363/368. Tambm DEL POZZO, Carlo Umberto, Conflitti di Giurisdizioni e di Competenza, in Enciclopedia del Diritto, cit., pp. 1026/1035.

fora em comento se si indicar como imperatividade ou como autoridade; assiste, entre outros, os provimentos que, impondo um dever, exigem obedincia, legitimando a execuo coativa (executividade).81

8. Direito Portugus

A Constituio de Portugal82, ao estruturar seu Judicirio, estabeleceu a existncia de um Tribunal Constitucional, como rgo de jurisdio constitucional, ao lado da jurisdio comum, composta pelos tribunais judiciais de primeira e segunda instncias, e do Supremo Tribunal de Justia, bem assim outros tribunais, como o de Contas, os militares e outros tribunais administrativos e fiscais, martimos e arbitrais (art. 212).

O modo de soluo das querelas competenciais atravs dos conhecidos mecanismos processuais de conflitos de competncia. Tanto assim, que a prpria Constituio Portuguesa prev a hiptese, a ser determinada por lei, da constituio de tribunais de conflitos.

Na Lei da Orgnizao, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional portugus83, tambm nada se encontra encontra, que possa ter alguma relao

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82

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FAZZALARI, Elio, ob. cit., p. 460. No original: La efficacia del provvedimento giurisdizionale, cio la poiezione della volont del giudice nella sfera sostanziale, acompagnata da una particolare forza (...). Essa promana dalla sovraordinazione del giudice rispetto a tutti gli altri soggetti, nellambito della propria competenza; la quale non se non un aspetto della sobranit dello Stato (...). La forza in discorso si suole indicare come imperativit o come autoritariet; assiste, fra laltro, i provvedimenti che, imponendo un dovere, esigono obbedienza, legittimando la esecuzione coattiva (esecutivit). Cf. Constituio de Portugal, in Constituio do Brasil e Constituies Estrangeiras, v. II, Braslia, Senado Federal, 1987, pp. 755/851. Lei n. 28, de 15 de novembro de 1982, cf. informao eletrnica colhida na pgina da internet http://publico.pt/ar95/legisl/leitribunais.html.

com a reclamao. H uma confiana aparentemente absoluta na autoridade dos julgados da corte, e na intocabilidade de sua competncia, expressa nas seguintes disposies, algumas das quais so as primeiras que figuram nesse diploma:

Artigo 1. (Jurisdio e sede) O Tribunal Constitucional exerce a sua jurisdio no mbito de toda a ordem jurdica portuguesa e tem sede em Lisboa. Artigo 2. (Decises) As decises do Tribunal Constitucional so obrigatrias para todas as entidades pblicas e privadas e prevalecem sobre as dos restantes tribunais e de quaisquer outras autoridades. ... Artigo 4. (Coadjuvao de outros tribunais e autoridades) No exerccio das suas funes, o Tribunal Constitucional tem direito a coadjuvao dos restantes tribunais e das outras autoridades. ... Artigo 61. (Efeitos da deciso) A deciso em que o Tribunal Constitucional se pronuncie pela inconstitucionalidade em processo de fiscalizao preventiva tem os efeitos previstos no artigo 279. da Constituio.84 ... Artigo 66. (Efeitos da declarao)

84

E esses efeitos so que o texto considerado inconstitucional dever ser concretamente vetado pelo Presidente da Repblica, ou o Ministro, se se tratar de texto regional, e devolvido ao rgo que o haja aprovado, para que este elimine a norma.

A declarao de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com fora obrigatria geral tem os efeitos previstos no artigo 282. da Constituio.85 ... Artigo 68. (Efeitos da verificao) A deciso em que o Tribunal Constitucional verifique a existncia de inconstitucionalidade por omisso tem o efeito previsto no n. 2 do artigo 283. da Constituio.86

Assim como na Espanha, em Portugal, a garantia do acesso ao Judicirio, consagrada na Carta portuguesa, arts. 20., 202, 2, e 268, 4, engloba o direito execuo das decises dos tribunais, conforme doutrina de ningum menos que CANOTILHO, segundo o qual deve

o Estado fornecer todos os meios jurdicos e materiais necessrios e adequados para dar cumprimento s sentenas do juiz. Esta dimenso da proteco jurdica extensiva, em princpio, execuo de sentenas proferidas contra o prprio Estado (CRP, artigo 205./2 e 3, e, em termos constitucionalmente claudicantes, o DecretoLei n. 256/A/77, de 17 de Junho, artigo 5. ss., e Decreto-Lei n. 267/85, de 12 de Julho, artigo 85. ss). Realce-se que, no caso de existir uma sentena vinculativa reconhecedora de um direito, a execuo da deciso do tribunal no apenas uma dimenso da legalidade democrtica (dimenso objectiva), mas tambm um direito subjectivo pblico do particular, ao qual devem ser reconhecidos meios compensatrios (indemnizao), medidas compulsrias ou aces de queixa (cfr. Conveno Europeia dos Direitos do Homem, artigo 6.), no caso de no execuo ilegal de decises dos tribunais.87

85

Fundamentalmente, o restabelecimento das normas derrogadas por aquela considerada inconstitucional. 86 Dar conhecimento ao rgo legislativo competente. 87 CANOTILHO, J. J. Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituio, cit., p. 456

Conseqentemente,

em

princpio,

as

decises

dos

tribunais

portugueses, sejam quais forem, e portanto, por maior fora de razo, os mais altos, so cumpridas, tout court, sem a necessidade de qualquer instrumento processual especfico, como a reclamao.

No entanto, caso uma deciso no seja cumprida, o prejudicado poder valer-se de aes de indenizao ou outras medidas compulsrias previstas na legislao nacional, ou comunitria (aes de queixa)88.

Apesar desse quadro primeira vista bastante positivo, ainda possvel encontrar zonas de sombra. Em Portugal, a questo da eficcia e do integral cumprimento das decises dos tribunais tambm ainda no atingiu um estgio de perfeio.

Num alentado e completssimo estudo a respeito da atuao real dos cortes jurisdicionais portuguesas Os Tribunais nas Sociedades Contemporneas: O Caso Portugus est o seguinte registro:

os tribunais no dispem de meios prprios para fazer executar suas decises sempre que estas, para produzir efeitos teis, pressupem uma prestao activa de um qualquer sector da administrao pblica. Nestes domnios, que so aqueles em que a politizao dos litgios judiciais ocorre com mais freqncia, os tribunais esto merc da boa vontade de servios que no esto sob sua jurisdio e, sempre que tal boa vontade falha, repercute-se directa e negativamente na prpria eficcia da tutela judicial. ...88

De que se falar a seguir.

... A independncia dos tribunais um dos princpios bsicos do constitutucionalismo moderno pelo que pode parecer estranho que seja objecto de questionamento. E em verdade (...), o questionamento da independncia tende a ser levantado pelo prprio poder judicirio sempre que se v confrontado com medidas do poder legislativo ou do poder executivo que considera atentatrias da sua independncia (...) sempre que o poder judicirio (...) se v dependente dos outros poderes (...) para o bom desempenho das suas funes. ... ... o desempenho dos tribunais (...), num determinado pas ou momento histrico concreto, no depende to s de factores polticos (...). Depende de modo decisivo de outros factores e nomeadamente dos trs seguintes: do nvel de desenvolvimento do pas (...); da cultura jurdica dominante (...); e do processo histrico por via do qual essa cultura jurdica se instalou e se desenvolveu...89

9. Direito Comunitrio

no Direito Comunitrio Europeu onde se pode encontrar algo que se aproxima um pouco mais da nossa reclamao constitucional. E isso apenas no que tange preservao da autoridade das decises90, nesse caso do Tribunal de Justia das Comunidades Europias.

Antes de prosseguir, porm, convm que se procure entender, ainda que superficialmente, o que essa corte, que papel ela exerce, e em que contexto, especialmente para clarificar-lhe a realidade diante de ns brasileiros, para quem o Direito Comunitrio ainda pouco estudado e at pouco percebido.89

90

SANTOS, Boaventura de Sousa; MARQUES, Maria Manuel Leito; PEDROSO, Joo et FERREIRA, Pedro Lopes, ob. cit., Porto, Afrontamento, 1996. No possuindo, portanto, ao menos no especificamente, a outra finalidade da reclamao, qual seja a de preservar a integridade da competncia da corte.

JOEL RIDEAU, a propsito, ensina:

Com a reserva do papel assegurado s jurisdies nacionais, o Tribunal de Justia da Comunidade Europia um juiz nico com funes mltiplas. Exerce, a um s tempo, a jurisdio administrativa, fiscal, comercial, social e rgo consultivo. No marco dessas atividades, vela pelo respeito aos tratados constitutivos [da Comunidade]... ... Os tratados constitutivos so textos obsoletos (...) comportam disposies materiais que se aplicam a situaes ultrapassadas pela evoluo econmica e poltica. Foram redigidos pelos Estados segundo conceitos cuja coerncia nem sempre resulta evidente, deixando de lado numerosas questes que no podiam ser resolvidas no momento da negociao ou que, mais simplesmente, no haviam sido percebidas. Desde sua elaborao, o constituinte comunitrio (dos Estados) no remediou ainda as lacunas ou insuficincias dos tratados. Tal situao se v agravada por uma certa incapacidade do legislador comunitrio (dos Estados tambm), com freqncia paralisados pelas divergncias entre as oposies e os interesses nacionais. O Direito comunitrio se aplica a uma Comunidade de Estados cujos conceitos e sistemas jurdicos nem sempre coincidem, situao portadora de riscos contnuos e de divergncias em sua aplicao.9191

RIDEAU, Joel, El Papel del Tribunal de Justicia de las Comunidades Europeas, in FAVOREAU, L. et alii, Tribunales Constitucionales Europeos y Derechos Fundamentales, cit., pp. 540/541. Traduziuse da verso espanhola consultada, onde consta: Con la reserva del papel asegurado a las juridicciones nacionales, el Tribunal de Justicia de la Comunidad Europea es un juez nico con funciones mltiples. Es, a la vez, jurisdiccin administartiva, fiscal, comercial, social y rgano consultivo. En el marco de esas actividades vela por el respeto de los tratados constitutivos... (...) Los tratados constitutivos son textos obsoletos (...) comportan disposiciones materiales que se aplican a situaciones sobrepasadas por la evolucin econmica y poltica. Han sido redactados por los Estados segn conceptos cuya coherencia no siempre resulta evidente, dejando a un lado numerosas cuestiones que no podan ser resueltas en el momento de la negociacin o que, ms simplemente, no haban sido percibidas. Desde su elaboracin, el constituyente comunitario (los Estados) no h remediado las lagunas o insuficiencias de los tratados. La situacin se ve agravada por una cierta incapacidad del legislador comunitario (los Estados tambin), con frecuencia paralizado por las divergencias entre las oposiciones y los intereses nacionales. El Derecho comunitario se aplica a una Comunidad de Estados cuyos conceptos y sistemas jurdicos no siempre coinciden, situacin

Feita essa advertncia, volta-se ao assunto. H uma medida que a literatura portuguesa, na palavra de MARIA JOS RANGEL DE MESQUITA chama de recurso, processo, queixa92 ou ao por incumprimento, meio contencioso previsto nos arts. 169 a 17 do Tratado que instituiu a Comunidade Europia93.

Apesar de registrar todos esses nomes, porque com todos eles aparece tal mecanismo processual em vrios dos tratados que que formam a tessitura jurdica da Comunidade Europia, a autora acima citada ao que parece, com toda a razo afasta a denominao recurso, porque, em Portugal, como tambm aqui no Brasil, esse vocbulo reservado para designar os meios de impugnao das decises judicirias, destinados a provocar o reexame e novo julgamento da matria por um tribunal superior, o que, no caso, no existe, tratando-se de meio destinado a obter apenas uma deciso de um nico rgo jurisdicional o Tribunal de Justia das Comunidades. Aceita que se fale, porm, em processo, at porque a espcie em questo, que tem duas fases, contenciosa na segunda, apesar de graciosa na primeira. Considera cabvel o nome processo, mesmo quando apreciado no sentido estrito de causa, litgio ou pleito. Quanto expresso queixa, no a considera perfeita, porque diante das peculiares caractersticas do procedimento, acha que ela somente se referiria a uma parte do todo. Enfim, assume, como sua preferida, a designao ao, porque se destina a obter, de um rgo judicial competente, a definio e salvaguarda de um determinado direito94portadora de riesgos continuos y de divergencias en su aplicacin. Este foi o termo empregado por CANOTILHO, no trecho transcrito pouco antes. 93 MESQUITA, Maria Jos Rangel de, Efeitos dos Acrdos do Tribunal de Justia das Comunidades Europeias Proferidos no mbito de uma Aco por Incumprimento, Coimbra, Almedina, 1997. 94 MESQUITA, M. J. R., ob. cit., p. 20/23.92

Indubitavelmente, a ao por incumprimento faz lembrar a reclamao, principalmente no que se destina a fazer com que se cumpra com exatido uma deciso.

Ela objetiva fazer com que os Estados da Comunidade Europia cumpram as obrigaes decorrentes do Direito Comunitrio, mas serve tambm para que se obtenha, do Tribunal da Comunidade, a interpretao exata de disposies controversas inclusive em relao a conflitos de competncia.95

A maior similaridade com a reclamao constitucional d-se quando, diante de uma deciso do Tribunal da Comunidade, um rgo nacional mesmo do Poder Judicirio recusa-se a cumpri-la, ensejando a ao por incumprimento para obrig-lo estrita submisso ao julgado anterior.

Referindo-se ao art. 171 do Tratado de Roma, que instituiu a Comunidade Europia, teve ocasio de dizer o TJCE, em acrdo de 10 de julho de 1980, que todos os rgos do Estado membro em causa tm obrigao de assegurar, nos domnios do


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