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A PROMESSA
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XXIV – Pela Xisneira
A 6 de Março de 1826, D. João VI nomeou um conselho de regência, tendo como
regente a infanta D. Isabel Maria. O monarca definiu ao pormenor os termos da
regência para que jamais a rainha Carlota Joaquina tomasse o poder.
D. Isabel Maria era muito segura de si, mais capaz do que qualquer um dos
irmãos, com a única infelicidade de ser mulher em terra de homens afoitos e ávidos
pelo poder.
Quatro dias depois, D. João VI faleceu e mesmo valendo pouco como rei e pessoa, o
povo sentiu profundamente o vazio. O país parecia caminhar de mal para pior,
sem eira nem beira.
A regente sentia-se isolada e nem de punhos cerrados, olhar frontal e voz forte
conseguia impor fosse o que fosse. Instabilidade, conspiração, indefinição foram as
palavras mais usadas por essa altura. Os conservadores eram ignorados ou
desrespeitados e os liberais não deixavam que alguma coisa se compusesse.
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Todos sabiam que o herdeiro tinha cuspido no prato da sopa e era agora
imperador do Brasil. Mesmo assim, todos viam legitimidade em D. Pedro e mesmo
que o não quisessem como rei, queriam-no ver a pronunciar sobre os factos e a não
desprezar Portugal. Uma espécie de “não falo contigo, mas fala-me por favor!”.
D. Pedro tinha no sangue a mistura dos ingénuos e dos valentes e não ficou quieto.
A consciência e a alma dos egrégios avós não o deixaram sossegado.
A 29 de Abril de 1826, ainda no Brasil, D. Pedro I outorgou a Carta
Constitucional. A Carta, inspirada na Constituição Francesa com fortes influências
do modelo brasileiro, foi a Lei que mais tempo vigorou em Portugal, para além das
Ordenações Filipinas. A Carta Constitucional de D. Pedro vigorou de 1826 a 1828,
de 1834 a 1836 e de 1842 até à implantação da República. Obviamente
acompanhada e servida com confusões, foguetes e barulho.
A Carta de D. Pedro garantiu à nobreza hereditária as velhas regalias de sempre.
Estabeleceu a existência de quatro poderes. O poder legislativo pertencia às
Cortes, estas compostas por duas Câmaras, a dos Deputados e a dos Pares. O
poder moderador estava na posse do rei. O poder executivo era dividido pelo
monarca e o governo. Portanto, o monarca reforçou o seu poder e a nobreza
conservadora e tradicionalista ocupou uma das câmaras, sendo que a outra
câmara ficou preenchida por todos os grandes proprietários e os mais ricos
burgueses, pondo em causa tudo o que foi a Revolução Vintista. Mas não era só o
imperador do Brasil que contrariava a sua veia liberal, também muitos dos
deputados, agora ricos e com palacetes, renegavam tudo o que tinham defendido
quando eram pobres e viviam descansos. Muitos deles, eram agora mais
conservadores do que os que antes atacaram.
Na Serra da Estrela a vida compunha-se, fosse por onde fosse.
Quem conhece a rua do Vinhô, em Loriga, sabe que ele começa na fonte e acaba na
ponte, mas talvez não saiba que antigamente, por de trás da fonte, existiam dois
grandes tanques de água, onde muita gente, a troco de tostões, lavava a roupa e
colhia água. Os tanques pertenciam a uma viúva de um mercador e com esse
dinheiro, sem outros meios ou família, a senhora ia vivendo. Nas primeiras casas
da rua do Vinhô também alugavam quartos aos mercadores de fora e foi ali que
Sebastião ficou por uns tempos. Coisa para dois meses, mas falada por vários anos.
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Nesse Maio quente de 1826, o ‘Patas-de-Lacrau’ fez a sua última viagem até Tajo-
Salor-Almonte, chefiando aquela que era sempre a maior das caravanas de
mercadores. No regresso, sentiu-se mal e com aquela voz que se sentia bem longe,
ainda ecoou um grito que se espanhol do Açôr à Estrela. Estava só naquele
momento, pois seguia avançado da restante comitiva, marcando o chão e
adivinhando perigos para os companheiros. Depois muito se contou e inventou,
mas o tio Garcia jurou que o ‘Patas-de-Lacrau’ tinha a testa ferida de uma queda
e a boca ao lado, quando deram por ele, na metade nascente da Selada.
Ele há coisas que só Deus ou ninguém consegue explicar. O Achadiço era o cavalo
do ‘Patas-de-Lacrau’. O macho ao sentir o dono malhar da sela, deixou-o tombado
no lugar e foi à procura de ajuda. A sério e toda a gente jurou que foi assim que
aconteceu, nem menos nem mais. O animal encontrou o tio Garcia mais dois
rapazes, perto da Eira do Mendes.
Puxou-lhes pelas roupas e não desistiu enquanto não lhe prestaram atenção. Estes,
quando encontraram o corpo e viram a inteligência do animal, persignaram-se e
rezaram um Padre-Nosso de comoção. Quanto ao ‘Patas-de-Lacrau’ não houve
nada a fazer, pois jazia mais frio do que granito. Teve missa e muita gente no
velório da capela de Santo António, mas família não era quase nenhuma. Três
irmãos partiram miúdos para o Brasil e restava-lhe o irmão gémeo, o
‘Lamparinas’. O caixão acabou por ser dado, pois o ‘Lamparinas’ deu a madeira
que o Manuel Augusto talhou sem cobrar.
Por fim, já todos tinham partido, quando o ‘Lamparinas’ baixou-se, agarrou com
a mão direita um torrão de terra e atirou sobre o caixão que descera por cordas à
cova. Vendeu o cavalo e lá foi a pé até Casal do Rei. Não chegou a ser triste,
porque a vida era assim e assim se repetia muitas vezes, em várias casas e famílias.
Podia ser uma das muitas histórias do costume e que acabasse ali, não fosse o
animal do ‘Patas-de-Lacrau’ ter fugido do novo dono e ter ido ter à porta do
‘Lamparinas’, várias vezes, por vários dias e várias noites, ao ponto deste ter
devolvido o dinheiro e ter ficado com o animal. Um cabo dos trabalhos, pois tostão
era coisa que não abundava e o que sobrava ia para a pinguinha.
No final, o animal também sobreviveu ao ‘Lamparinas’ e um dia foi visto morto
sobre a campa dos dois donos, onde agora é o jardim de Santo António, em Loriga.
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Nesse fatídico Maio, começaram-se a fazer sentir presentes uma nova vaga de
salteadores, onde o Douro começa a ser português, ligados à família Marçal.
Chegavam histórias de gente roubada e enterrada viva. Outros mortos e
queimados por coisa pouca ou nenhuma.
Um Symington substitui o falecido Guimaraens e não interessava agora a Warre
continuar o negócio da lã. Mesmo assim, com algum prejuízo e muito sacrifício, o
apoio desses ingleses manteve-se até 1835, por uma amizade que se confundia com
família. Uma amizade que continuou por gerações, mesmo que o apelido fosse
mudando.
A 2 de Maio de 1826, D. Pedro abdicou da coroa de Portugal, a favor da sua filha
D. Maria II que deveria casar com o tio D. Miguel, pacificando o reino e jurando,
também ele, ser fiel à Carta Constitucional. O juramento fez-se no dia 31 de Julho
de 1826 e foi valentemente celebrado em Lisboa e no Porto por muitos liberais e
conservadores. O país parecia unido e assim estava, nem que fosse pelos festejos.
Por essa altura, o ‘Major’ Rechau casou-se pela segunda vez e assentou perto do
Bazágueda. Lá, construiu uma quinta, hoje em ruínas, conhecida pela ‘Quinta do
Major’. Lá, para trás-de-Serra, perto de Penamacor.
Sentia-se velho e queria descansar. Por volta de 1840 ainda regressou à Serra da
Estrela, para ajudar a defender os serranos e os Montes Hermínios dos
salteadores. A ele se deve um dos mais famosos caminhos da Serra, o Trilho do
Major. Mas, meses antes de casar, quase perdeu a vida, na região de Barca d’Alva,
no concelho de Figueira de Castelo Rodrigo.
Tudo se passou numa propriedade que agora se encontra à venda. Sessenta e tais
hectares de olival e muita terra vazia, onde aqui e acolá, se via uma videira ou uma
amendoeira. Duas casas de xisto isoladas no meio de tudo aquilo. Nenhum bicho se
via e apenas se ouvia, de vez em quando, um melro.
A 2 de Agosto de 1826, os homens desmontaram as bestas e os machos. Esperavam
apenas por um pouco de água dos donos da casa, quando um grupo organizado de
homens montados, vindos do nada, começou a gritar e a disparar. A brigada do
‘Major’, acoitou-se como pode e em pouco tempo, apesar de serem em maior
número, ficou cercada. O Sol tinha-se acabado de pôr e a casa principal estava
vazia.
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Os mercadores acederam lume, com o que encontraram para que vissem os rostos
de cada um e estivessem atentos a qualquer intruso. Os salteadores ameaçaram
deitar fogo a tudo e queimá-los vivos, se não se rendessem. Passaram duas ou três
horas, quando o resto da caravana se aproximou e deparou com a brigada do seu
chefe, em tamanha aflição.
O ‘Sábio’ mandou o ‘Abrólio’ reunir os homens. Enrolaram vários cobertores a
uma oliveira e de seguida, cascaram-lhe o fogo. Puseram-se aos gritos em pontos
distantes da propriedade. O bando dos Marçais ao verem tão bizarro
acontecimento, temeram serem almas do outro mundo e depressa partiram.
A história foi contada, por muito tempo, à garotada de Loriga, que buscavam
sempre os relatos aventureiros das viagens dos mercadores, mas o susto e o medo
de voltar lá, também se prolongou no tempo.
Talvez, velhas arcas esconsas e mal abandonadas escondam entre o granito das
lojas, entre cadernos encadernados e pedaços de papel solto, algumas dessas
histórias, pois que nem os ciscos que se intrometiam na visão sobram nas campas
onde foi sepultada tão simples e valente gente.
Há sempre coisas que ninguém compreende e quando se explica, ainda mais
confusas ficam. Umas, têm compostura. Outras, o tempo remenda. E, ainda outras
há, que nem os anos, nem a melhor das cerzideiras conseguem debruar e disfarçar
o estragado. Aconteceu assim por esses dias na vida de Sebastião e acompanhou-o
até ao último suspiro de vida.
Proibido de entrar em casa e de ver o filho recém-nascido, durante um mês, por
culpa dos costumes estranhos de D. Francisca, Sebastião azedou de dia para dia e
aquilo foi-lhe dando cabo do juízo. Ameaçava trocá-la por outra mulher e mais
nova. Dizia-o a quem fosse de Alvoco da Serra e passasse por Loriga.
A gente de Alvoco da Serra bem o contava a D. Francisca e espalhava pelo
povoado, mas D. Francisca era imune a comentários e ditos. Quando alguma
vizinha insistia na conversa, D. Francisca dizia, “Ele que se atreva e verá!”
Irado e fora de si, Sebastião consumou a ameaça com uma bela e jovem rapariga
de Loriga, chamada Maria. Tudo num dia em que ele quis esquecer para o resto da
vida.
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Depois, já se sabe, por mais que se esconda, tudo se descobre, diz e acrescenta.
De Julho a Outubro desse ano de 1826, os políticos não foram de férias.
Organizou-se um plano contra-revolucionário que juntou portugueses e espanhóis
para a criação de uma união ibérica, num amplo movimento de contestação ao
liberalismo, dinamizado por uma Junta Apostólica Ibérica e que tinha como sua
maior apoiante a rainha Carlota Joaquina.
Em Agosto, a polícia de Lisboa tentou um golpe de Estado para substituir a
regente pela rainha, mas o exército não deixou. Foram muitos os mortos do lado
dos perdedores, em julgamentos sumários e enterrados em valas comuns.
Também os liberais, refugiados em Gibraltar e em Inglaterra, a 14 de Agosto de
1826, elaboram um plano conspirativo com o mesmo intuito de unir a Península
Ibérica e colocando o Imperador do Brasil como dono de meio mundo.
Maria era jovem, bela e podia ter a seus pés qualquer rapaz da vila de Loriga, mas
muitas vezes, é o fruto proibido o mais apetecido. Também ela se arrependeu do
sucedido com Sebastião. O que aconteceu, começou a ser falado e de boca em boca
se acrescentaram coisas que nunca aconteceram. Pese embora a evolução da
sociedade, um homem é admirado ou invejado se andar com muitas mulheres, já
uma mulher se andar com um homem e depois com outro, se não for casada, deixa
facilmente de ser séria e virtuosa, com menos pedras, mas com igual ofensa. É
assim desde que o mundo é mundo e Maria Madalena ter escapado a um selvático
apedrejamento.