A produção das desigualdades: análise da correlação entre trabalho infantil e indicadores sociais 1
A produção das desigualdades: análise da correlação entre trabalho infantil e indicadores sociais 2
NATÉRCIA JANINE DANTAS DA SILVEIRA
A PRODUÇÃO DAS DESIGUALDADES: ANÁLISE DA
RELAÇÃO ENTRE TRABALHO INFANTIL E
INDICADORES SOCIAIS
Natal/RN
2014
www.posgraduacao.ufrn.br/ppgscol [email protected]
A produção das desigualdades: análise da correlação entre trabalho infantil e indicadores sociais 3
NATÉRCIA JANINE DANTAS DA SILVEIRA
A PRODUÇÃO DAS DESIGUALDADES: ANÁLISE DA
RELAÇÃO ENTRE TRABALHO INFANTIL E
INDICADORES SOCIAIS
Dissertação de mestrado apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da UFRN.
Linha de pesquisa: Distribuição e fatores
determinantes dos agravos à saúde nas
populações humanas.
Orientador: Prof. Dr. Angelo Giuseppe Roncalli
da Costa Oliveira.
Natal/RN
2014
A produção das desigualdades: análise da correlação entre trabalho infantil e indicadores sociais 4
DEDICATÓRIA
Ao céu que brilha mais forte....
Ao longo desses dois anos de mestrado, “ o meu céu” encontra-se mais estrelado, brilhando mais forte com a presença de três
pessoas especiais, que me iluminam, me guiam, dando-me força, motivação e determinação para seguir, mostrando que é
possível superar, apesar das adversidades da vida e do viver....
Não poderia deixar de dedicar este momento sonhado, esperado, no mínimo especial, In Memoriam, a uma pessoa
especial na minha vida, que nos deixou precocemente, e contribuiu significativamente para esta conquista.
A “Valtércio Silveira”... Painho, este trabalho tem sua expressão, através de suas palavras, pensamentos, estímulo de
crescimento... Você esteve presente durante todo esse período, em cada
processo de construção e (des) construção destas páginas proporcionando-me, principalmente, força! …
Certamente hoje seria um dia em que você diria: “Minha branca amada, você tem capacidade!”
A você, que tive a oportunidade de falar apenas que tinha sido aprovada no mestrado, dedico o fruto desta conquista!
“Saudade é a expressão que fica”......
Dedico este trabalho também aos meus avós: Antônio Jales Dantas e Raimunda Matos Rebouças (In Memoriam) ...
Simplesmente dizendo: “ As mãos que nos embalaram hoje nos
guiam...” Vocês são os maiores exemplos de amor que tive....
Como o amor é fundamental em todo processo de construção... Vocês, meus amores, estão nessa construção....
Dedico também este trabalho a todas as crianças e adolescentes em situação de risco e vulnerabilidade social, foco
A produção das desigualdades: análise da correlação entre trabalho infantil e indicadores sociais 5
de minha paixão especial que vivem ou simplesmente sobrevivem nas ruas, nos sinais, nas feiras livres, nos lixões...
Espero poder contribuir para minimizar esta problemática!
AGRADECIMENTOS
A força maior que nos move, agradeço simplesmente por sentir que você existe e me impulsiona a seguir...
A minha família, agradeço em especial a minha mãe... Por ter
me dado, principalmente força, motivação, determinação, bem como suporte para continuar esta caminhada, apesar das
adversidades da vida e do viver...
Ao meu sobrinho-afilhado Igor Dantas, agradeço pelo presente que DEUS nos deu com sua existência que faz com que nossas
vidas sejam no mínimo mais felizes.. Tia, ama você no coração!
Ao meu orientador Angelo Roncalli, agradeço por estar presente, apesar da distância física, e principalmente por ter
me ensinado a ser paciente, bem como a visualizar novos horizontes da estatística...
A pessoa que faz a vida ser mais bonita, Raniery de Oliveira, muito grata, por me fazer visualizar a beleza do: céu, mar,
areia...Sempre na grandiosidade da simplicidade, e ainda por ser cúmplice e companheiro ... Agradeço de coração!!!
Aos meus amigos, não deveria nomeá-los para não correr o risco de esquecer alguém, mas em especial a: Alessandra
Aniceto, Halline Iale e Isaac Alencar, simplesmente pela amizade, isso já é tudo...
A produção das desigualdades: análise da correlação entre trabalho infantil e indicadores sociais 6
A vida.... por se apresentar e expressar através de vocês...
EPÍGRAFE
Prezo insetos mais que aviões. Prezo a velocidade
Das tartarugas
Mais que a dos mísseis. Tenho em mim
Esse atraso de nascença. Eu fui aparelhado
Para gostar de passarinhos. Tenho abundância
De ser feliz por isso. Meu quintal
A produção das desigualdades: análise da correlação entre trabalho infantil e indicadores sociais 7
É maior do que o mundo.
(Manoel de Barros – In Memorian a Ivontonio Gomes Vianna)
A produção das desigualdades: análise da correlação entre trabalho infantil e indicadores sociais 8
Resumo
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que haja cerca de 118 milhões de
crianças em todo o mundo submetidas ao trabalho infantil. No Brasil, há 3,5 milhões de
trabalhadores entre 5 e 17 anos. Esse exercício de exploração constitui um grave problema da
sociedade, inclusive de Saúde Pública, já que esses trabalhadores estão expostos a uma gama
de riscos, quais sejam à saúde, à integridade física e até à vida, podendo torná-los adultos
doentes e/ou interrompendo precocemente suas vidas. Diante do exposto, esta pesquisa tem
como objetivo investigar a relação entre a frequência de trabalho infantil na faixa etária de 10
a 13 anos e alguns indicadores socioeconômicos. Trata-se de uma pesquisa quantitativa em
um desenho ecológico cujos níveis de análise são os municípios brasileiros agrupados em 161
regiões, definidas a partir de critérios socioeconômicos. A variável dependente deste estudo
foi a prevalência de trabalho infantil na faixa etária de 10 a 13 anos. As variáveis
independentes foram selecionadas após realizada uma correlação entre o Censo de 2010 do
trabalho infantil na faixa etária de 10 a 13 anos e dados secundários, adotando duas variáveis
independentes principais: recursos do Programa Bolsa Família (PBF) por 1000 habitantes e
Recursos do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) por mil habitantes. Foi
realizada inicialmente uma análise descritiva das variáveis do estudo, posteriormente, uma
análise bivariada, e construída a matriz de correlação. Por fim, foi feita a análise de Regressão
Liner Múltipla Estratificada pelo IDH. Os resultados desta pesquisa indicaram que as
políticas públicas, a exemplo dos Recursos do Programa Bolsa Família por 1000 habitantes e
Recursos do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil ao serem alocados em municípios
com IDH<0,697 representam uma diminuição na taxa de trabalho infantil; Já os recursos
desses programas ao serem investidos em municípios com IDH>=0,697 não apresentam efeito
na taxa de trabalho infantil. Outras variáveis de ajuste mostraram significância, entre elas o
IDH municipal, anos de Estudos aos 18 anos, empregados sem carteira com 18 anos.
Compreende-se que a questão do trabalho infantil é complexa. O problema está associado,
embora não esteja restrito à pobreza, à desigualdade e à exclusão social existentes no Brasil,
mas há outros fatores de natureza cultural, econômica e de organização da produção,
respondem também pelo seu agravamento. Para enfretamento do trabalho infantil necessita de
uma ampla articulação intersetorial compartilhada e integrada com diversas políticas públicas
entre elas saúde, esporte, cultura, agricultura, trabalho e direitos humanos, tendo, como
horizonte, a garantia da integralidade dos direitos de crianças e adolescentes em situação de
trabalho e de suas respectivas famílias.
Palavras-chave: Trabalho Infantil, Indicadores Socioeconômicos e Estudo Ecológico.
A produção das desigualdades: análise da correlação entre trabalho infantil e indicadores sociais 9
ABSTRACT
The International Labor Organization (OIT) estimates that there are around 118 million
children subjected to child labor around the world. In Brazil, there are 3.5 million workers
aged between 5 and 17. This exploitation practice constitutes a serious social problem,
including of Public Health, since these workers are exposed to a wide range of risks, such as
those related to health, physical integrity and even to life, which may cause them to become
sick adults and/or interrupt their lives prematurely. Therefore, this research aims to investigate
the relationship between the frequency of child labor in the age group of 10 to 13 years and
some socio-economic indicators. It is a quantitative research in an ecological study whose
levels of analysis are the Brazilian municipalities grouped in 161 regions, defined from socio-
economic criteria. The dependent variable of this study was the prevalence of child labor in
the age group of 10 to 13 years. The independent variables were selected after a correlation
between the 2010 Census of child labor in the age group of 10 to 13 years and secondary data
had been conducted, adopting two main independent variables: funds from the Family
Allowance Program (PBF) per 1,000 inhabitants and Funds from the Child Labor Eradication
Program (PETI) per a thousand inhabitants. Initially, it was conducted a descriptive analysis
of the variables of the study, then, a bivariate analysis, and the correlation matrix was built. At
last, the Multiple Linear Regression stratified analysis was performed. The results of this
survey indicate that public policies , like the Bolsa Familia Program Features per 1000
inhabitants and Resources Program for the Eradication of Child Labour to be allocated to
municipalities with HDI < 0.697 represent a decrease in the rate of child labor ; These
programs have the resources to be invested in municipalities with HDI > = 0.697 have no
effect on the rate of child labor. Other adjustment variables showed significance, among these
the municipal Human Development Index (IDH), years of schooling at 18 years of age,
illiteracy at 15 years of age or more, employees without employment contract at 18 years of
age and the Gini Index. It is understood that the child labor issue is complex. The problem is
associated, although not restricted to, poverty, the social exclusion and inequality that exist in
Brazil, but other factors of cultural and economic nature, as well as of organization of
production, also account for its aggravation. Fighting child labor involves a wide intersectoral
articulation, shared and integrated with several public policies, among them health, sports,
culture, agriculture, labor and human rights, with a view to guaranteeing the integrality of the
rights of children and adolescents in situation of labor and of their respective families.
Keywords: Child Labor, Socio-Economic Indicators and Ecological Study.
A produção das desigualdades: análise da correlação entre trabalho infantil e indicadores sociais 10
LISTA DE QUADROS, FIGURAS E TABELAS
Quadro 1. Marco histórico de luta e erradicação contra trabalho infantil. ............................. 22
Quadro 2. Variáveis independentes, com respectivas dimensões, descrições e escalas de medida. ............................................................................................................ 453
Figura 1. Divisão socioeconômica baseada em áreas de articulação urbana. Linhas
em cinza indicam as 161 Regiões Intermediárias de Articulação Urbana e as linhas
em preto referem-se aos limites das 14 Regiões Ampliadas de Articulação Urbana.
Fonte: IBGE,
2013..................................................................................................................39
Figura 2. Mapa Conceitual do Trabalho Infantil com os Indicadores
Socioeconômicos........................................................................................................41
Tabela 1. Estatísticas descritivas das variáveis do estudo. Brasil, 2010. ............................. 47
Tabela 2. Matriz de Correlação para as variáveis utilizadas no estudo. Brasil, 2010.......... 486
Tabela 3. Análise de Regressão Linear Múltipla para a taxa de trabalho infantil de 10 a 13 anos, considerando os recursos per capita no Programa Bolsa Família como variável independente principal e como variável de estratificação, o IDH < 0,697. Brasil, 2014 .......................................................................................................................... 49
Tabela 4. Análise de Regressão Linear Múltipla para a taxa de trabalho infantil de 10 a 13 anos, considerando os recursos per capita no Programa Bolsa Família como variável independente principal e como variável de estratificação, o IDH >= 0,697. Brasil, 2014. ......................................................................................................................... 51
Tabela 5. Análise de Regressão Linear Múltipla para a taxa de trabalho infantil de 10
a 13 anos, considerando os recursos per capita no Programa de Erradicação do
Trabalho Infantil (PETI) como variável independente principal e como variável de
estratificação, o IDH < 0,697. Brasil,
2014...................................................................49
Tabela 6. Análise de Regressão Linear Múltipla para a taxa de trabalho infantil de 10
a 13 anos, considerando os recursos per capita no Programa de Erradicação do
Trabalho Infantil (PETI) como variável independente principal e como variável de
estratificação, o IDH >= 0,697. Brasil, 2014................................................................50
A produção das desigualdades: análise da correlação entre trabalho infantil e indicadores sociais 11
Sumário
Resumo ................................................................................................................................. 8
ABSTRACT ........................................................................................................................... 9
LISTA DE QUADROS, FIGURAS E TABELAS ..................................................................... 10
1. INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 12
2. REVISÃO DA LITERATURA ......................................................................................... 14
2.1 QUADRO ATUAL DO TRABALHO INFANTIL NO BRASIL E NO MUNDO ............... 14
2.2 A CONSTRUÇÃO DE CONCEITOS: TRABALHO INFANTIL ................................... 16
2.3 O TRABALHO INFANTIL E OS DISPOSITIVOS LEGAIS PARA SUA
ERRADICAÇÃO ............................................................................................................... 19
2.4 DETERMINANTES SOCIAIS DO TRABALHO INFANTIL ........................................... 24
2.5 AS IMPLICAÇÕES DO TRABALHO PARA VIDA DE CRIANÇAS E
ADOLESCENTES ............................................................................................................ 30
2.6 CENÁRIOS, HISTÓRICO E CONTEXTOS DOS PROGRAMAS DE
TRANSFERÊNCIAS DE RENDA ..................................................................................... 33
3. OBJETIVOS .................................................................................................................. 39
3.1 OBJETIVO GERAL .................................................................................................. 39
3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ................................................................................... 39
4. MÉTODO ...................................................................................................................... 40
4.1 CARACTERÍSTICAS DA PESQUISA ...................................................................... 40
4.2 FONTES DOS DADOS .............................................................................................. 41
4.3 VARIÁVEIS ................................................................................................................ 42
4.4 ANÁLISE DOS DADOS .............................................................................................. 45
4.5 CONSIDERAÇÕES ÉTICAS ...................................................................................... 46
5. RESULTADOS .............................................................................................................. 47
6. DISCUSSÃO ................................................................................................................. 52
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 58
8. REFERÊNCIAS ............................................................................................................ 60
A produção das desigualdades: análise da correlação entre trabalho infantil e indicadores sociais 12
1. INTRODUÇÃO
É fato nos depararmos cotidianamente com uma variedade de crianças e adolescentes
compondo diversos cenários da cidade de Natal. Geralmente, estão exercendo atividades
laborais diversificadas, tais como flanelinhas, vendedores ambulantes, frentistas, dentre outras
funções.
Esse exercício de exploração da infância e da adolescência através do trabalho constitui um
grave problema da sociedade, inclusive de Saúde Pública, já que esses trabalhadores infantis
estão expostos a uma gama de riscos, tais como: à saúde, à integridade física e até à vida que,
além de comprometer o desenvolvimento integral de forma saudável, também interferem nos
aspectos subjetivos e coletivos de suas socializações, podendo torná-los adultos doentes e/ou
interrompendo precocemente suas vidas.
A existência desse fenômeno demonstra dramaticamente que as garantias prometidas pela
Constituição de 1998, a destacar art.196 que diz: “a saúde como direitos de todos e dever do
Estado, mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença e de
outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde” (p.01), ainda
são proibitivos para um grande número de pessoas.
Pode-se afirmar que tratam-se de sujeitos que estão sendo “usurpados” de seus direitos
básicos, como saúde, alimentação, educação, convivência familiar, lazer e o direito de viver a
infância, sem qualquer forma de negligência, violência e exploração. O que ocorre com essas
crianças e adolescentes demonstra que estes não estão sendo atendidos pela sociedade, nem
pelo Estado, inclusive a própria Constituição está sendo violada (SILVEIRA, 2007).
No Brasil existem uma série de medidas de enfrentamento ao trabalho infantil – por parte do
poder público brasileiro, da sociedade civil e das organizações internacionais – que
contribuíram significativamente para a redução do problema no País.
No que diz respeito aos dispositivos legais relacionados à proteção da infância e da
adolescência, o Brasil tem uma legislação considerada avançada, sendo os três principais a
Constituição Federal (1988), a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e o Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA) (BRASIL, 2010a). Ressalta-se que esses dispositivos,
demarcam toda uma política de proteção integral à infância e a adolescência.
A produção das desigualdades: análise da correlação entre trabalho infantil e indicadores sociais 13
Emerge neste contexto o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI, que se
configura como uma importante política de combate ao trabalho de crianças e adolescentes
(ALBERTO et al., 2010).
Assim, destaca-se uma variedade de discussões no cenário atual, em que, por um lado, há uma
legislação vigente que proíbe o trabalho infantil de forma penosa, insalubre e degradante e,
por outro, deparamo-nos, cotidianamente, com suas novas facetas instauradas nos cenários
das cidades.
Existe um quadro contraditório, na perspectiva de que há uma grande quantidade de
trabalhadores infantis, apesar da construção de políticas públicas para seu enfrentamento e a
sua erradicação ainda ser utópica (MORAIS, 2008).
Tal desafio requer congregar totalmente a sociedade, os governos, as famílias, as comunidades
para que juntos encontrem as soluções requeridas. A Academia também é chamada a
contribuir na busca por soluções e esta pesquisa se insere nesse esforço.
Considera-se, também, que qualquer pesquisador, ou até mesmo, iniciante da arte de
pesquisar, está em situação de risco se não encontra relevância em seu trabalho. Assim, os
desejos e as expectativas, nesta pesquisa, visam à relevância teórica e social.
Diante do exposto, esta pesquisa tem como objetivo geral analisar a relação existente entre
trabalho infantil, na faixa etária de 10 a 13 anos, e os indicadores socioeconômicos. Tendo
como marco teórico-metodológico o quadro atual do trabalho infantil no Brasil e no mundo, a
construção de conceitos, o trabalho infantil e os dispositivos legais para sua erradicação,
fatores condicionantes para o trabalho infantil, as implicações do trabalho para a vida de
crianças e adolescentes e Cenários, histórico e contextos dos programas de transferências de
renda. Para tanto, adota como metodologia uma pesquisa do tipo ecológica, os níveis de
análise são os municípios brasileiros e a variável dependente é a taxa de trabalho infantil na
faixa etária de 10 a 13 anos, no período de 2010.
A produção de conhecimento, neste estudo, tem também o intuito de contribuir com
informações que possam ser utilizadas pela sociedade, gestores públicos, municipais,
estaduais e, federal. Estes podem através desta pesquisa planejar conjuntamente políticas
públicas e, intervir com eficiência na prevenção e manejo dessa situação, de modo condizente
com as realidades dos trabalhadores infantis.
A produção das desigualdades: análise da correlação entre trabalho infantil e indicadores sociais 14
2. REVISÃO DA LITERATURA
2.1 QUADRO ATUAL DO TRABALHO INFANTIL NO BRASIL E NO
MUNDO
Ninguém ambiciona viver em um mundo onde mais
de 200 milhões de crianças são obrigadas a
trabalhar, sacrificando assim o seu futuro e o nosso
(ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO
TRABALHO- OIT, 2010).
Em todo o mundo existe um número demasiado elevado de crianças que continuam
“armadilhados” no trabalho infantil, comprometendo, assim, o futuro individual e o coletivo.
A partir da década de 1990, o país obteve expressiva redução dos índices de trabalho infantil,
devido, principalmente, ao avanço em legislação e políticas públicas, conseguindo uma forte
mobilização da sociedade civil e de representantes do poder público contra a entrada precoce
de crianças e adolescentes no mercado de trabalho. Em 1992, segundo a Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílios (PNAD) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
havia no Brasil 8,4 milhões de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos (19,6% do total) em
atividades remuneradas.
Destaca-se que no período de 12 anos, iniciado em 2000, o quadro do trabalho infantil vem
apresentando progressos significativos, na medida que, houve redução de cerca de 78
milhões crianças trabalhadoras durante o período, número que representa um decréscimo de
um terço (OIT, 2013).
De 2000 a 2010, a redução foi de 13,4%, mas a ocorrência do problema chegou a aumentar
1,5% entre crianças de 10 a13 anos, justamente na faixa etária mais vulnerável dessa
população, para a qual todo tipo de trabalho é proibido. De acordo com o Censo de 2010, 3,4
milhões de crianças e adolescentes de 10 a 17 anos estavam trabalhando (REPÓRTER
BRASIL, 2011).
A produção das desigualdades: análise da correlação entre trabalho infantil e indicadores sociais 15
A Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar (PNAD,2013) demonstrou que existem 3,5
milhões de crianças e adolescentes com faixa etária entre 5 e 17 anos trabalhando. Apesar
deste número permanecer alto, houve uma redução de 156 mil crianças no período entre 2011
e 2012, o que representa uma diminuição de 21%, ressaltando que esses números não caíram
em todas as regiões, em algumas até aumentou.
Ao se verificar a realidade regional, constatou-se que apenas na região Norte ocorreu uma
queda no trabalho infantil em todas as faixas etárias, tendo o indicador geral recuado 11,86%,
o que implica em uma redução de 58 mil no número de crianças e adolescentes submetidas ao
trabalho. Na região Nordeste o número global teve uma queda de 9,26% em números
absolutos (1,2 milhões para 1,16 milhões). O indicador se reduziu entre os jovens das faixas
de 5 a 15 anos, mas aumentou o número de trabalhadores no grupo de 16 a 17 anos. A região
Centro-Oeste foi a região onde o trabalho infantil mais cresceu em um número maior de
faixas etárias. Apenas no grupo de 10 a 13 anos houve redução. Na região Sudeste houve
aumento em Minas Gerais na faixa etária entre 5 a 9 anos, fato não constatado nos demais
Estados. Já na região Sul, houve um aumento no número total nos grupos de 5 a 9 anos, e de
16 para 17 anos (PNAD, 2013).
No exame por Estado da região, é possível constatar que, no grupo de 5 a 9 anos, houve
crescimento no número de trabalhadores na Paraíba e em Sergipe, queda em Maranhão, Piauí,
Ceará, Pernambuco, Alagoas e Bahia e estabilidade do Rio Grande do Norte (PNAD, 2013).
Destaca-se que no Rio Grande do Norte existem 82.195 crianças e adolescentes exercendo
trabalho infantil, sendo as maiores concentrações nos municípios de Natal, Parnamirim,
Macaíba, Ceará-Mirim, São José do Mipibu e São Gonçalo do Amarante (PNAD, 2010).
A Organização Internacional do Trabalho (OIT, 2013) estima que haja atualmente cerca de
118 milhões de crianças submetidas ao trabalho infantil em todo mundo, número que
representa 11% da totalidade da população de crianças e adolescentes.
As crianças submetidas às piores formas de trabalho perfazem a metade de trabalhadores, com
um total de 85 milhões em números absolutos, destacando-se que as maiores concentrações
encontram-se na Ásia-Pacífico (OIT, 2013).
Constata-se que este tipo de exploração não se limita aos países em desenvolvimento. E,
existem evidências de que nos Estados Unidos e na Europa existe uma elevada
A produção das desigualdades: análise da correlação entre trabalho infantil e indicadores sociais 16
vulnerabilidade dos jovens submetidos ao trabalho e a acidentes relacionados a esse. Embora
a incidência seja maior nos países mais pobres, não se encontra limitada a eles (OIT, 2010)
Acrescenta-se que, de forma oportuna, a situação começa a ficar caótica, pois o trabalho
infantil está concentrado em situações nas quais o Estado não consegue chegar ou que ficam
meio ocultas. O Estado intensificou suas ações de fiscalização em 2013, priorizando as piores
formas, mas mesmo assim não houve um número expressivo de crianças afastadas entre 10 a
13 anos, sendo necessária, assim, maior mobilização de toda sociedade em face do
enfrentamento e erradicação desta problemática social que se constitui em um grave problema
de saúde pública, negligenciado por grande parte da sociedade (BRASIL, 2013a).
2.2 A CONSTRUÇÃO DE CONCEITOS: TRABALHO INFANTIL
As crianças ajudam desde cedo suas famílias nos
afazeres do lar, no campo e em lojas etc. Essas
atividades, porém não são as que chamamos de
trabalho infantil (REPÓRTER BRASIL, 2011).
A concepção de trabalho infantil pode não ser tão simples quanto parece, pois a própria
definição de infância difere de um país para outro, assim como a concepção de trabalho
relacionado à criança.
De acordo com a OIT (2001), a designação trabalho infantil, refere-se ao trabalho realizado
por crianças e adolescentes. Destaca-se, entretanto, que a permissão ou a proibição para o
ingresso desses sujeitos no mercado de trabalho é definida por lei, tendo como critério a
idade. Não obstante, esse procedimento varia conforme a idade e a compreensão que esta
apresenta sobre o que seja a infância e a adolescência. Para a OIT, o termo trabalho infantil
refere-se ao trabalho realizado por crianças e adolescentes até 18 anos de idade.
O Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA (lei 8069/90) define as categorias crianças e
adolescentes. A criança é a pessoa que têm até doze anos de idade, e adolescente aquele que
está entre os doze e dezoito anos de idade (Art. 2º). Portanto, a terminologia trabalho infantil,
encontra-se limitada.
Para Alberto (2002), no tocante à discussão sobre a menoridade para o exercício do trabalho, a
proibição do trabalho até os dezesseis anos atinge tanto a infância como a adolescência. Nesse
sentido, a categoria correta não seria a de trabalho infantil, mas trabalho precoce.
A produção das desigualdades: análise da correlação entre trabalho infantil e indicadores sociais 17
Compreende-se então, que as categorias trabalho infantil e trabalho precoce não se encontram
ainda definidas sociologicamente de maneira uniforme, segundo Alberto (2010, p.161),o
trabalho precoce é entendido como o exercício da atividade socialmente útil ou esquemas de
profissionalização divergentes: tráfico e prostituição, praticados com a intenção de se receber
alguma forma de pagamento. Nesse sentido, conforme aponta a referida autora, o que o
trabalhador e a trabalhadora precoce fazem são atividades variadas, cuja ação, está inerente ao
propósito de se obter pagamento que pode ser em espécie ou em gênero.
Entretanto, apesar de alguns autores considerarem a terminologia do trabalho infantil
limitada, não se pode deixar de considerar que a concepção desse termo foi reformulado em
2011 pelo Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (BRASIL, 2011a),
sendo assim, adotado por essa pesquisa, que compreende o “trabalho infantil” como sendo
aquele que se remete às atividades econômicas e/ou atividades de sobrevivência, com ou sem
a finalidade de lucro, remuneradas ou não, realizadas por crianças ou adolescentes em idade
inferior a 16 (dezesseis) anos, independentemente de sua condição ocupacional. Para efeitos
de proteção ao adolescente trabalhador, será considerado todo trabalho desempenhado por
pessoas com idades entre 16 e 18 anos e, ressalvada a condição de aprendiz a partir dos 14
(quatorze) anos, independentemente da sua condição ocupacional.
Este conceito está em consonância com o marco normativo atual, que considera como
trabalho infantil no Brasil todo trabalho realizado antes dos 14 anos de idade, por adolescentes
com idade entre 14 e 16 anos, que não se configure como aprendizagem, cumprindo assim, os
requisitos legais dessa modalidade de profissionalização (BRASIL, 2010b).
Acrescenta-se também que é considerado trabalho infantil todo trabalho realizado por crianças
e adolescentes, ou seja, antes dos 18 anos de idade que seja caracterizado como perigoso,
insalubre, penoso, prejudicial à moralidade, noturno, realizado em locais e horários que
prejudiquem a frequência escolar ou que tenham possibilidade de provocar prejuízos ao
desenvolvimento físico e psicológico (BRASIL, 2010a).
É salutar afirmar, que esse conceito é resultado de consenso construído na Comissão Nacional
de Erradicação do Trabalho Infantil – CONAETI – composta por representantes do Governo
Federal, das Centrais e Confederações de Trabalhadores, das Confederações Patronais, do
Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA –, do Fórum
A produção das desigualdades: análise da correlação entre trabalho infantil e indicadores sociais 18
Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil – FNPETI –, do Ministério Público
do Trabalho – MPT – e da OIT e UNICEF na condição de observadores (OLIVEIRA, 2014).
Acrescenta-se que seus fundamentos legais estão previstos no inciso XXXIII, art. 7º da
Constituição Federal de 1988, alterado pelo Emenda Constitucional nº 20/1998; no art. 60 do
Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA – (Lei Federal nº 8.069/1990) e na Convenção nº
138 da OIT, ratificada pelo Brasil (Decreto nº 4.134/2002) (OLIVEIRA,2014).
A referida autora acrescenta que ainda persistem elevados índices de trabalho infantil e que
não há estratégias eficazes para o enfrentamento do trabalho infantil doméstico, na
agricultura, à exploração sexual comercial, como exemplos – não é, com certeza, buscar
“conceitos inovadores” de trabalho infantil.
Acrescenta-se que são, pois, amplas e inesgotáveis as possibilidades de ocorrência do trabalho
infantil, e, compreende-se que a sua existência poderá descortinar uma realidade de
exploração, abuso, negligência ou violência, diante da qual refletirá a responsabilidade na
própria família, de terceiros beneficiários do labor desenvolvido e também do Poder Público,
podendo alcançar as esferas civil, penal, trabalhista e administrativa (MEDEIROS NETO;
MARQUES, 2013).
Não há espaço legítimo, tanto do ponto de vista da legislação como da ética, para se redefinir
ou flexibilizar o conceito de trabalho infantil, e para propor “conceitos inovadores”. Seja
pelos compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro (ratificação das
Convenções da OIT, a Cooperação Sul-Sul, a realização da III Conferência Global sobre
Trabalho Infantil em 2013), seja pelos avanços alcançados com a aprovação da Lista das
Piores Formas (Decreto 6.481/2008); com a revisão do Plano Nacional, propondo uma maior
articulação das políticas públicas, buscando o fortalecimento da articulação entre governo e os
setores sociais comprometidos com o interesse superior da criança; com a rejeição, pela
Câmara Federal, das Propostas de Emenda à Constituição – PECs – que propunham a redução
da idade mínima para trabalho, fundamentada no princípio do não retrocesso social e da sua
inconstitucionalidade.
A produção das desigualdades: análise da correlação entre trabalho infantil e indicadores sociais 19
2.3 O TRABALHO INFANTIL E OS DISPOSITIVOS LEGAIS PARA
SUA ERRADICAÇÃO
São deveres da família, da sociedade e do Estado:
“Assegurar à criança e ao adolescente, com
absoluta prioridade, o direito: à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda e
qualquer forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão” (Art.
227- ECA).
Pelo o art. 227 do Estatuto da Criança e do Adolescente supracitado, o trabalho infantil é
inconstitucional, estando as crianças e adolescentes submetidas ao trabalho usurpadas de seus
direitos fundamentais, de modo que esta problemática torna-se uma questão de Direitos
Humanos.
Dessa forma, a implantação do PETI guarda ressonância com forte mobilização da sociedade
brasileira, na década de 1980, em torno dos direitos da infância e da adolescência no país, que
culminou na Constituição de 1988. O art.227 elencou a criança e o adolescente como
prioridade absoluta e o art.7, inciso XXXIII, modificado pela Emenda Constitucional nº
20/1998, proíbe o trabalho noturno, perigoso e insalubre a menores de 18 anos de idade e de
qualquer trabalho a menores de dezesseis anos de idade, salvo na condição de aprendiz, a
partir de 14 anos (BRASIL, 2011a).
No que diz respeito aos dispositivos legais relacionados à proteção da infância e da
adolescência, existem três mecanismos principais a Constituição Federal (1988), a
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)
(BRASIL, 2010).
No tocante à Constituição Federal de 1988, esta possui o artigo 227 que determina que são
deveres da família, da sociedade e do Estado:
“Assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta
prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência
A produção das desigualdades: análise da correlação entre trabalho infantil e indicadores sociais 20
familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda
forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão”.
Destaca-se também o art. 7º, inciso XXXIII (alterado pela Emenda nº 20, de 15 de dezembro
de 1998) que estabelece como idade mínima de 16 anos para o ingresso no mercado de
trabalho, exceto na condição de aprendiz a partir dos 14 anos (BRASIL, 2011a).
Em relação à Consolidação das Leis do Trabalho, refere-se a arcabouço legal de decretos,
portarias e resoluções para tratar dos mais variados aspectos que a proteção ao trabalho
infantil enseja, tais como o quadro de serviços e locais perigosos em que o adolescente não
pode trabalhar, relação aos serviços leves que até 1998 poderiam ser realizados entre 12 e 14
anos na situação de aprendiz; normas relativas à segurança e à saúde do trabalhador, à
aprendizagem e à regulamentação das agências de formação profissional, dentre outros
(BRASIL, 2010a).
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) tece importantes contribuições acerca da
temática. Em seus artigos de 60 a 69 (Lei nº8.069, de 13 de julho de 1990) tratam da proteção
ao adolescente trabalhador. O ECA prevê a implementação de um Sistema de Garantia de
Direitos (SGD). Os Conselhos de Direitos, de âmbito nacional, estadual e municipal são
responsáveis pela formulação das políticas de combate ao trabalho infantil, proteção ao
adolescente trabalhador e pelo controle social. Os Conselhos Tutelares são corresponsáveis na
ação de combate ao trabalho infantil, cabendo a eles cuidar dos direitos das crianças e
adolescentes em geral, em parceria com o Ministério Público e o Juizado da Infância e da
Adolescência. Também trata do assunto a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), no seu
Título III, Capítulo IV, “Da Proteção do Trabalho do Menor”, alterada pela Lei da
Aprendizagem (Lei nº 10.097 de 19 de dezembro de 2000).
O ECA proíbe o trabalho de crianças e adolescentes nas seguintes condições: (a) noturno,
realizado entre 22 horas de um dia e 5 horas do dia seguinte; (b) perigoso, insalubre ou
penoso; (c) realizado em locais prejudiciais à sua formação e ao seu desenvolvimento físico,
psíquico, moral e social e (d) realizado em horários e locais que não permitam a frequência à
escola (ALBERTO et al., 2010).
Por fim, o ECA (1990) estabelece a aprendizagem profissional vinculada às diretrizes e bases
da legislação educacional, a garantia de uma bolsa-aprendizagem ao adolescente de até 14
A produção das desigualdades: análise da correlação entre trabalho infantil e indicadores sociais 21
anos e os direitos trabalhistas e previdenciários ao adolescente-aprendiz, maior de 14 anos
(ALBERTO et al., 2010).
Neste sentido, muitos foram os avanços e dispositivos lançados contra o trabalho de crianças e
adolescentes. Na prática, entretanto, contata-se que ainda não foram suficientes. O Quadro 1
apresenta uma incursão histórica acerca do processo de luta para erradicação do trabalho
infantil.
A produção das desigualdades: análise da correlação entre trabalho infantil e indicadores sociais 22
Quadro 1. Marco histórico de luta e erradicação contra trabalho infantil.
ANO EVENTO RESULTADOS 1919 1ª Conferência Internacional do Trabalho Idade Mínima para inserção de crianças e adolescentes no “mundo do
trabalho”. 1930 1ª Convenção sobre o trabalho forçado
1973 Convenção sobre a idade para ingresso no trabalho
1989 Declaração Universal dos Direitos da Criança Consagrou a doutrina de proteção integral e de prioridade absoluta aos direitos da infância.
1992 Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil (IPEC)
1997 Conferências Internacionais de Amsterdam e Oslo Conscientização internacional sobre o problema do trabalho infantil e a necessidade de estratégias futuras.
1998 Adoção da Declaração relativa aos princípios e direitos fundamentais no trabalho.
Os países membros da OIT se comprometem a respeitar e promover os princípios de: liberdade sindical, abolição do trabalho forçado, eliminação da discriminação no local de trabalho e eliminação do trabalho infantil.
1999 Adoção da Convenção sobre as piores formas de trabalho infantil (C.182)
Alerta para a necessidade de ações mundiais imediatas para erradicar todas as formas de trabalho infantil perigosas ou que prejudiquem o bem-estar físico, mental ou moral das crianças. Ratificada por 9 de cada 10 países membros da OIT.
2002 Publicação do primeiro relatório mundial sobre trabalho infantil da OIT
Mais de 80 países têm o apoio da OIT na formulação de seus programas contra o trabalho infantil.
2004 1º Estudo mundial da OIT sobre custos e benefícios da eliminação do trabalho infantil
Indicou que os benefícios para a erradicação do Trabalho infantil superam os custos na proporção de 6 para 1.
2006 2ª Relatório Mundial sobre o Trabalho Infantil Apontou a redução do trabalho infantil em todo o mundo, lança uma campanha mundial para eliminar as piores formas de trabalho infantil até 2016.
2008 Declaração sobre a justiça social para uma globalização equitativa,
Reconhece a especial importância dos direitos fundamentais, incluindo a abolição efetiva do trabalho infantil.
2009 Pacto Mundial para o Emprego Os 183 países membros da OIT adotam por unanimidade o como um guia para a recuperação da crise econômica. O Pacto apela para que seja aumentada a vigilância da eliminação e prevenção do trabalho forçado, do trabalho infantil e da discriminação no trabalho.
2010 3º Relatório Global sobre Trabalho Infantil Adverte que o ritmo e características do progresso não são suficientemente rápidos para cumprir o prazo de eliminar as piores formas de trabalho infantil até 2016.
2010 Conferência mundial sobre trabalho infantil de Haia Avaliar o progresso em direção à meta de 2016 e a ratificação das Convenções 138 e 182.
Fonte: 3º Relatório Mundial da OIT (2010)
Dentre os dispositivos elencados no Quadro 1, destaca-se como grande marco no Brasil a
implantação do Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil (IPEC,1992),
uma vez que, por meio deste dispositivo, o trabalho infantil adquiriu status de questão social,
tornando-se objeto de esforços específicos, articulados e significativos, desempenhados
através de parcerias estabelecidas entre organizações governamentais e não-governamentais,
órgãos multilaterais, entidades da sociedade civil e até mesmo por instituições do setor
privado (OIT, 2010).
Destaca-se também a Convenção nº 182 da OIT (1999) que estabelece que os Estados-
membros devem tomar medidas imediatas e eficazes para abolir as piores formas de trabalho
infanto-juvenil, classificadas em quatro categorias, segundo Brasil (2011):
A produção das desigualdades: análise da correlação entre trabalho infantil e indicadores sociais 23
a) todas as formas de escravidão ou práticas análogas à escravidão, como vendas e tráfico de
crianças, sujeição por dívida e servidão, trabalho forçado ou compulsório, inclusive
recrutamento forçado ou compulsório de crianças para serem utilizadas em conflitos armados;
b) utilização, procura e oferta de criança para fins de prostituição, de produção de material ou
espetáculos pornográficos;
c) utilização, procura e oferta de crianças para atividades ilícitas, particularmente para
produção e tráfico de drogas, conforme definidos nos tratados internacionais pertinentes;
d) trabalhos que, por sua natureza ou pelas circunstâncias em que são executados, são
suscetíveis de prejudicar a saúde, a segurança e a moral da criança.
A Convenção 182 da OIT (1999) estabelece ainda que cada país signatário deve elaborar a
descrição dos trabalhos que por sua natureza ou pelas condições em que são executados,
podem prejudicar a saúde, a segurança ou a moral das crianças e portanto devem ser
proibidos.
No que concerne à área de Saúde, o Ministério da Saúde elaborou a Política Nacional de
Saúde para Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção do Trabalhador Adolescente
(SILVEIRA; SILVA, 2006). Como desdobramento, pode-se destacar a elegibilidade de
crianças e adolescentes acidentadas no trabalho, como evento passível de notificação
compulsória, segundo a portaria MS/GM n.º 777, de 28 de abril de 2004.
Cabe mencionar que, o governo brasileiro aprovou o Decreto nº 6.481, de 12 de junho de
2008, que define a Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil (Lista TIP), anteriormente
descrita pela Portaria 20/2001 da Secretaria de Inspeção do Trabalho, do Ministério do
Trabalho e Emprego – MTE. O Decreto estabelece que a Lista TIP será revista
periodicamente, se necessário, mediante consulta com as organizações de empregadores e
trabalhadores interessadas.
Os avanços no ordenamento jurídico brasileiro sobre o tema e os resultados significativos
obtidos são reconhecidos internacionalmente. Porém, a consolidação desses avanços esbarra
ainda nas inadequações e limitações dos mecanismos responsáveis por assegurar o
cumprimento dessa legislação. Ao mesmo tempo, a proposição de mudanças na legislação tem
gerado com certa frequência riscos de retrocessos no que diz respeito à consolidação do
arcabouço normativo relativo à proteção dos direitos de crianças e adolescentes (BRASIL,
2011a).
A produção das desigualdades: análise da correlação entre trabalho infantil e indicadores sociais 24
2.4 DETERMINANTES SOCIAIS DO TRABALHO INFANTIL
Na perspectiva das populações em situação de
precariedade econômica e social, observa-se uma
importante vulnerabilidade e desqualificação social
que, não raras vezes, evolui para um estado de
exclusão propriamente dita. A pobreza intensa, além
da carência de bens materiais, coloca o indivíduo
numa realidade de vulnerabilidade e degradação.
Os pobres são cidadãos incompletos e os excluídos
não são cidadãos. Portanto, há uma diferença
substancial entre o pobre que está incluído no
mercado de trabalho, embora com baixos e injustos
salários, e o excluído deste mercado. Um dos
grandes problemas que enfrenta o Brasil é, sem
dúvida, o desemprego crescente e, portanto, o
aumento da vulnerabilidade e de situações de
exclusão de um número, também crescente, de
grande parte da população. O desemprego
permanente, as dificuldades de inserção profissional
e a desqualificação social são experiências muito
humilhantes e perigosas (BRASIL, 2005).
Os determinantes do trabalho infantil se referem às razões que levam uma criança e
adolescentes a disponibilizar mão de obra no mercado de trabalho. É consenso na literatura
que a oferta de trabalho por crianças e adolescentes é motivada por um conjunto de fatores
relacionados às características da família e outras externas ao domicílio (GUEDES FILHO et
al., 2013).
Ao se remeter a essa problemática, devem ser considerados fatores políticos, econômicos e
sociais. Acredita-se que, em parte, esse fenômeno seja explicado pelas condições de renda da
família. No entanto, outros afirmam que a entrada da criança no mercado de trabalho também
está fortemente associada às condições do próprio mercado de trabalho, às expectativas de
retornos futuros e às demais características sociais e econômicas (GUEDES FILHO et al.,
2013).
São fatores que podem culminar em pobreza, desemprego ou salários insuficientes para o
sustento das famílias, implicando, muitas vezes, na expulsão de crianças e adolescentes para o
mundo do trabalho (BRASIL, 2011a).
A produção das desigualdades: análise da correlação entre trabalho infantil e indicadores sociais 25
O trabalho infantil deve ser encarado como um fenômeno social complexo e sujeito a
múltiplos determinantes, de distintas naturezas e que podem ser observados através de duas
perspectivas complementares, a da “oferta” de mão-de-obra infantil, ou seja, por quais
motivos as crianças começam a trabalhar desde cedo, e a da “demanda”, relacionada às razões
pelas quais o mercado procura e absorve as crianças como força de trabalho (ALBERTO et
al., 2010).
Na perspectiva da “oferta” de trabalho pelas crianças, cinco fatores podem ser destacados: 1)
a pobreza, que obriga as famílias a ofertar a mão-de-obra dos filhos pequenos, fazendo com
que o trabalho infantil seja necessidade econômica de manutenção da família; 2) a ineficiência
do sistema educacional brasileiro, que torna a escola desinteressante para os alunos e não atrai
o estudante para as aulas; 3) o sistema de valores e tradições da nossa sociedade, fortemente
marcado pela “ética do trabalho”; 4) o desejo de muitas crianças de trabalhar desde cedo e 5)
a falta de universalização de algumas políticas de atendimento aos direitos de crianças,
adolescentes e suas famílias (ALBERTO et al., 2010).
2.4.1) A pobreza como determinante do trabalho infantil
A pobreza até 1990 era considerada o principal fator associado ao trabalho infantil em âmbito
mundial, devido ao fato de maior parte dos pobres serem crianças. Acrescenta-se que estas
vivenciam de modo particular a pobreza, sendo um dos grupos sociais mais afetados por ela.
As crianças que vivem nesta situação sofrem uma privação de recursos materiais, espirituais e
emocionais necessários para sobreviver, desenvolver-se e prosperar, o que lhes impede de
usufruir de seus direitos, e alcançar seu pleno potencial e participar como membros plenos e
em iguais condições na sociedade (UNICEF, 2012).
Afirma-se que famílias com baixa renda buscam realocar o seu tempo no intuito de garantir o
consumo e a subsistência de todos os membros. Entretanto, constatou-se que a maior
incidência de trabalho na infância ocorre em países com menor nível de renda. No entanto, os
autores destacam que a pobreza só é motivadora da oferta de trabalho infantil em crianças
mais novas, e à medida que crescem, o desejo por um consumo mais sofisticado é o que move
esse tipo de trabalho (GUEDES FILHO et al., 2013).
Conforme aponta o Censo de 2010 existe um quadro bastante diferente daquele que se
observava nos anos 1990, em que a maior parte da população trabalhava porque estava em
A produção das desigualdades: análise da correlação entre trabalho infantil e indicadores sociais 26
situação de extrema pobreza. Os dados apontam que quase 40% das pessoas menores de 18
anos em situação de trabalho não estão em famílias que vivem abaixo da linha de pobreza.
Outro fator novo é que a maior parte da população infanto-juvenil em atividades remuneradas
frequenta a escola simultaneamente.
Dessa forma, se a pobreza era considerada em 1990 um dos determinantes do trabalho
infantil, a partir de 2010 essa relação ficou menos direta, muitos adolescentes não trabalham
para garantir a sobrevivência de suas famílias, mas para aceder a bens de consumo tais como
tênis, roupas de marca, videogames, celulares, ou fazer atividades de cultura e lazer, como
shows, cinema e viagens (REPÓRTER BRASIL, 2011).
São aspirações materiais que nem suas famílias e nem os programas de transferência de renda
podem satisfazer. Eles entram no mercado de trabalho, muitas vezes, em empregos precários e
informais em busca de inclusão social, autonomia e independência econômica. Mas vale
ressaltar que por mais que essas famílias prescindam dos rendimentos desses adolescentes
para o sustento familiar, isso não significa que não sejam de baixa renda (REPÓRTER
BRASIL, 2011).
Apesar de a pobreza estar entre os principais fatores associados ao trabalho infantil, é também
um determinante em certo ponto controverso. Se por um lado, diversos estudos apontam que
sob maiores níveis de renda há menor probabilidade de uma criança entrar no mercado de
trabalho (dedicando-se à educação e à acumulação de capital humano), por outro, em outros
estudos as evidências empíricas indicam que a relação entre trabalho infantil e renda não é tão
clara (GUEDES FILHO et al., 2013).
Os referidos autores acrescentam em níveis macroeconômicos, que um aumento da renda per
capita tende a ser acompanhado por uma redução no nível de trabalho infantil, a exemplo de
países como China, Tailândia e Índia, regiões historicamente conhecidas pela elevada
proporção de crianças trabalhando, mas que com o aumento do PIB, assim como do PIB per
capita, passaram a apresentar menores índices de trabalho infantil. Por outro lado, analisando
a área rural de Gana e do Paquistão, foi observado que famílias mais ricas, detentoras de
terras, tendem a incentivar seus filhos a trabalharem ainda crianças com o intuito de ampliar a
produtividade da terra.
[…] Por isso, a pobreza infantil já não pode ser analisada, exclusivamente, mas através de
uma perspectiva multidimensional e inter-relacionada, como parte de um conjunto de fatores e
A produção das desigualdades: análise da correlação entre trabalho infantil e indicadores sociais 27
conformam e caracterizam o modo particular através do qual as crianças a vivenciam
(UNICEF, 2012, p.45).
2.4.2) A ineficiência do sistema educacional Brasileiro, que torna a escola
desinteressante.
A literatura frequentemente aborda a relação de “trade-off” entre trabalho e educação, sendo a
educação vista como meio de acumulação de capital humano. Assim, ao entrar no mercado de
trabalho na infância, a criança estaria abrindo mão de capital humano. Estudos econômicos
buscam, portanto, analisar as preferências das crianças, de modo a entender as razões que
fazem uma criança ofertar mão de obra em detrimento de educação (GUEDES FILHO et al.,
2013).
Em relação à educação, a visão dominante até 1990 era a de que ela deveria ser orientada pela
perspectiva econômica que legitimava o trabalho infantil, como forma de fazer a criança
“aproveitar o tempo útil”, ensinando-lhe ao mesmo tempo “uma profissão” e “o valor do
trabalho”. Assim, as situações de trabalho infantil, nas quais os abusos e a exploração eram
evidentes, não eram visualizadas como problema, mas como uma violação dos direitos de
crianças e adolescentes. Tal concepção manteve milhões de crianças e adolescentes ligados a
atividades que, além de marginalizá-los de toda possibilidade de desenvolvimento físico,
psíquico e espiritual, reproduziam todos os vícios de uma sociedade desigual e excludente
(BRASIL, 2010a).
Acrescenta-se ao fato de que as crianças e adolescentes que apresentam uma dupla jornada
(trabalham e estudam) apresentam altos níveis de defasagem escolar, sobretudo os que
exercem atividades remuneradas, submetidos às longas jornadas de trabalho e pouco tempo
para dedicarem-se aos estudos e lazer. Enfim há grandes chances de haver implicações
negativas na vida das crianças e adolescentes que estão nesta condição (ALBERTO et al.,
2011).
Porém, apesar de as crianças que trabalham irem à escola, o aprendizado delas é prejudicado
pelo fato de trabalharem. Verifica-se que o desempenho escolar dessas crianças é, em média,
inferior ao desempenho daquelas que não trabalham. Estima-se que a probabilidade de obter
aprovação na escola reduz aproximadamente 17,2%, a de progresso diminui 24,2% e a de
evasão aumenta 22,6% quando a criança exerce algum tipo de atividade econômica, mesmo
A produção das desigualdades: análise da correlação entre trabalho infantil e indicadores sociais 28
que não remunerada. Além disso, afirma-se que apesar de trabalho e escola não se mostrarem
atividades excludentes, o fato de a criança trabalhar é determinante na decisão de largar os
estudos (GUEDES FILHO et al., 2013).
Pesquisa realizada por Alberto et al. (2011), buscou verificar a relação entre o Trabalho
Infantil Doméstico o processo de escolarização na cidade de João Pessoa-PB, revelou que
80,0% dos participantes apresentavam repetência escolar e 85,0% defasagem escolar; que o
maior motivo da repetência era a dificuldade com a estrutura escolar. Conclui-se, então, que
há implicações do trabalho executado no processo de escolarização, sendo a relação entre
trabalho doméstico e processo de escolarização de influência mútua.
Menezes-Filho et. al. (2009) analisaram as variáveis que impactam no aprendizado da criança
a partir dos resultados da Prova Brasil, realizada em 2007, e do Saresp (Sistema de Avaliação
do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo), realizado em 2008. Os autores verificam
que as características inerentes ao aluno, aos pais e à escola são conjuntamente determinantes
do desempenho escolar das crianças nos exames de proficiência. Dentre as características dos
alunos, os autores destacam que a entrada cada vez mais cedo no sistema de ensino gera
benefícios em termos de aprendizado e que o fato de o aluno trabalhar tem relação negativa e
significante com sua nota na prova. Isto é, os alunos que trabalhavam apresentaram, em
média, desempenho pior nas provas de proficiência, em comparação com os que não
trabalhavam.
Nesta perspectiva, o governo federal vem desenvolvendo programas, a exemplo do Mais
Educação do MEC que busca ampliar a jornada em escolas públicas para um mínimo de 7
horas diárias (REPÓRTER BRASIL, 2011).
Torna-se preocupante ainda o número de crianças e adolescentes que estão fora da escola,
apesar dos avanços na política de universalização da educação nas últimas décadas. De acordo
com o Censo de 2010, 3,3% da população na faixa etária correspondente ao ensino
fundamental obrigatório, entre 6 e 14 anos, estão fora da escola, o que corresponde a 966 mil
crianças e adolescentes. Nesta perspectiva, merece destaque a Emenda Constitucional
aprovada pelo Congresso Nacional em 2009, que amplia o ensino básico gratuito e
obrigatório, que até 2016 deverá ser progressivamente oferecido para alunos dos 4 aos 17
anos. Considerando que a maior parcela do trabalho infantil está entre 14 e 17 anos, é um
passo importante para o cumprimento das metas de erradicação.
A produção das desigualdades: análise da correlação entre trabalho infantil e indicadores sociais 29
Para retirada de crianças e adolescentes dos cenários de trabalho é realmente necessário que
se tenha uma escola atraente, acolhedora, que encante meninos e meninas e promova uma
educação completa, com atividades esportivas, culturais, de lazer (CENTRAL ÚNICA DOS
TRABALHADORES - CUT, 2012).
2.4.3) O sistema de valores e tradições da nossa sociedade, fortemente marcado pela
"cultura do trabalho" e o desejo de muitas crianças de trabalhar desde cedo.
Até a década de 1980, havia um certo “consenso” na sociedade brasileira em torno da
compreensão de que o trabalho era um fator positivo para crianças que, dada sua situação
econômica e social, viviam em condições de pobreza, de exclusão e de risco social. Tanto a
elite como as classes mais pobres compartilhavam plenamente essa forma de justificar o
trabalho infantil (BRASIL, 2011a).
Essa concepção, cuja influência atualmente diminuiu, mas que ainda persiste em muitos
setores da sociedade se expressa na reprodução acrítica, muitas vezes, de que o trabalho
dignifica o ser humano, molda o caráter, portanto, é benéfico às crianças e adolescentes. O
trabalho infantil é utilizado em larga escala por se tratar de uma mão-de-obra barata, dócil e
disciplinada, não estando separada das estratégias globais de precarização das condições de
vida dos trabalhadores e da redução do custo do trabalho (BRASIL, 2010a).
Na realidade, crianças e adolescentes também trabalham, em grande parte, em razão dos mitos
criados em torno do trabalho infantil, decorrentes de uma cultura de concordância que
legitima e reproduz a exploração e exclusão social. Esses mitos culturais produzidos ao longo
de gerações apresentam relação com a legitimação da exploração da mão-de-obra de milhões
de crianças e adolescentes. Seguem algumas situações ilustrativas: “o trabalho de crianças e
adolescentes ajuda a família! ”, “É melhor trabalhar do que ficar nas ruas! ”, “É melhor
trabalhar do que roubar! ”, “A criança e ao adolescente que trabalha fica mais esperto! ”,
“Quem começa a trabalhar cedo garante o futuro! ” (BRASIL, 2010a).
A inserção precoce de crianças e adolescentes nos cenários de trabalho compromete o tempo
disponível da criança para seu lazer, vida em família, educação, e de estabelecer relações de
convivência. Além disso, eles experimentam um papel conflitante na família, no local de
trabalho e na comunidade, pois, como trabalhadores, os adolescentes e as crianças são levados
a agir como adultos, porém não podem escapar do fato de que são sujeitos em
A produção das desigualdades: análise da correlação entre trabalho infantil e indicadores sociais 30
desenvolvimento. Estes fatores são uma fonte de desgaste e podem afetar o desenvolvimento
emocional, cognitivo e físico desses sujeitos (SILVEIRA, 2007).
2.4.4) A falta de universalização de algumas políticas de atendimento aos direitos de
crianças, adolescentes e suas famílias
Os fatores que contribuem para a existência do trabalho infantil na sociedade atual são
agravados pela incapacidade do Estado de assegurar a garantia dos direitos civis desses
sujeitos em processo de desenvolvimento.
Para atingir as metas de erradicação assumidas internacionalmente considera-se como
fundamental uma atuação articulada por parte do poder público. Há ampla defesa de uma
integração entre diferentes setores para o desenvolvimento de ações intersetoriais (BRASIL,
2011a).
O trabalho infantil é a antítese do trabalho decente, pois não permite a qualificação
profissional, a organização sindical, nem qualquer outra forma de representação. As condições
de trabalho são penosas, os salários, muito baixos, além de apresentar péssimas condições de
Saúde, jornada exaustiva, atividades perigosas. É, ainda, um trabalho dócil e de fácil
manipulação.
2.5 AS IMPLICAÇÕES DO TRABALHO PARA VIDA DE CRIANÇAS E
ADOLESCENTES
O Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu Artigo 67, Inciso III, proíbe o trabalho
realizado em locais prejudiciais à formação e ao desenvolvimento físico, psíquico, moral e
social.
O trabalho infantil tem efeitos complexos, principalmente nas condições econômicas, sociais,
educacionais, bem como no desenvolvimento físico, psíquico e cognitivo de crianças e
adolescentes (BRASIL, 2010b).
A produção das desigualdades: análise da correlação entre trabalho infantil e indicadores sociais 31
Nas condições socioeconômicas, o trabalho pode trazer reflexos na precarização das relações
de trabalho, na remuneração inferior e exploração do trabalho, na redução das oportunidades
de emprego e na ocupação e inserção profissional aos adultos (BRASIL, 2010b).
No âmbito educacional ressalta-se que as situações de trabalho produzem um efeito negativo
sobre a educação infanto-juvenil, inclusive porque a associação do trabalho com a escola,
muitas vezes, representa uma sobrecarga para ambos, o que pode ocasionar o abandono da
escola, bem como implicações no rendimento escolar. Crianças e adolescentes, geralmente,
realizam suas atividades em detrimento da educação, o que acresce no número de
trabalhadores com qualificação educacional insuficiente para as exigências do mercado de
trabalho. O trabalho infantil impacta diretamente no acesso às oportunidades e no
desempenho escolar com qualidade. O trabalho de crianças e adolescentes também pode
ocorrer em exposição à insalubridade, à periculosidade e às doenças, violando e retardando o
desenvolvimento físico, psíquico e cognitivo (ZADRA, 2008).
Como consequências físicas, as crianças são submetidas a esforços, muitas vezes,
incompatíveis com o seu peso e estatura, provocando lesões graves e doenças que carregarão
para o resto de suas vidas. Como estão em processo de desenvolvimento, crianças e
adolescentes são mais vulneráveis às condições de trabalho. Por terem capacidade de
resistência limitada, sujeitam-se à fadiga, ao envelhecimento precoce, ao cansaço, à maior
ocorrência de doenças decorrentes da exposição às árduas condições climáticas ou de
realização de atividades repetitivas (BRASIL, 2010b).
Em relação às implicações do trabalho na saúde de crianças e adolescentes, a maioria das
crianças sofre também de má nutrição, devido à ingestão de comidas inadequadas, que baixam
sua resistência e as tornam ainda mais vulneráveis às doenças. A prevalência de anemia,
nutrição pobre e longas horas de trabalho facilitam a redução da capacidade de trabalho de
crianças. A fadiga também contribui para a frequência de acidentes e enfermidades
(MORAIS, 2008).
Acrescenta-se que os trabalhadores infantis estão mais susceptíveis a acidentes de trabalho.
Conforme aponta a OIT, a cada minuto uma criança em regime de trabalho sofre um acidente,
doença ou trauma psicológico. São mais de 1.400 acidentes por dia e um total de quase 523
mil por ano. Esse número é preocupante principalmente porque ele é silencioso (PYL, 2011).
A produção das desigualdades: análise da correlação entre trabalho infantil e indicadores sociais 32
Em relação a problemática, dados do Ministério da Saúde apontam que 5,3% das crianças e
adolescentes que estavam trabalhando sofreram acidente de trabalho ou apresentaram doença
laboral . Esse dado causa inquietação, pois entre os trabalhadores adultos com carteira
assinada, a proporção de acidentados no mesmo ano foi bastante inferior (2,0%) (MEDEIROS
NETO: MARQUES, 2013).
De fato, as crianças estão muito mais expostas aos riscos no trabalho do que os adultos, uma
vez que, em seu peculiar estágio de desenvolvimento, suas capacidades ainda estão em
processo de formação, e a natureza e as condições em que as atividades laborais ocorrem são
frequentemente insalubres e inadequadas do ponto de vista ergonômico (MEDEIROS NETO:
MARQUES, 2013).
Em relação aos efeitos psicológicos destaca-se que o trabalho infantil obriga crianças e
adolescentes a assumirem responsabilidades incompatíveis com as etapas de seu
desenvolvimento. Isso interfere, na autoestima das crianças, e faz com que tenham
dificuldades de estabelecer vínculos afetivos em razão da exploração a que foram submetidas.
Essa exploração abrange formas de violência, tais como maus-tratos e adultização (ZADRA,
2008).
As consequências psicológicas podem ser muito graves, pois exigem-se das crianças e
adolescentes no mundo do trabalho comportamentos próprios de adultos (substituindo as
etapas essenciais do desenvolvimento) tais como o amadurecimento precoce, a perda da
capacidade lúdica, que pode gerar desequilíbrios na fase adulta, limitação do direito de brincar
e da manifestação do lúdico, que são essenciais para o desenvolvimento da afetividade
(BRASIL, 2010b).
A desagregação do núcleo familiar, a falta de perspectivas futuras, a redução de postos de
trabalho para adultos, a força de trabalho desqualificada e comprometida, bem como o
aumento da marginalização e criminalidade são também consequências do trabalho precoce
que repercutem tanto na família quanto na sociedade. A situação do trabalho infanto-juvenil
não é restrita somente a aspectos relacionados à saúde ou à educação, mas passa,
necessariamente, por aspectos políticos e econômicos (MORAIS, 2008).
A produção das desigualdades: análise da correlação entre trabalho infantil e indicadores sociais 33
2.6 CENÁRIOS, HISTÓRICO E CONTEXTOS DOS PROGRAMAS DE
TRANSFERÊNCIAS DE RENDA
Apesar de crianças e adolescentes brasileiros terem seus direitos assegurados nos marcos
normativos do País, a realidade mostra que muitos ainda são expostos às suas diversas formas
de violação, com sua cidadania comprometida pelo silêncio e pela convivência de uma parte
da sociedade, que ainda se omite (BRASIL, 2010b).
A exploração do trabalho infantil é um fenômeno social inequívoco de profunda violação de
direitos, que vem se configurando com faces complexas, uma vez que representa grande
diversidade em termos de incidência regional, expressão de suas formas, gênese e dos grupos
sociais que atinge. Esse tipo de exploração insere-se num contexto de vulnerabilidade que tem
por expressão imediata a violação dos direitos humanos de crianças e adolescentes. Por isso,
requer políticas públicas voltadas para o atendimento integral, visando garantir o pleno
desenvolvimento humano (BRASIL, 2010b).
Compreende-se por política social como sendo um conjunto de programas e ações do Estado,
que se manifestam na oferta de bens e serviços e transferência de renda, com o objetivo de
atender as necessidades e os direitos sociais que afetam os vários componentes das condições
básicas de vida da população, até mesmo aqueles que dizem respeito a pobreza e a
desigualdade (BRASIL, 2011b).
Assim, a assistência social é parte integrante da seguridade social responsável por garantir
alguns direitos e acessos das populações vulneráveis a uma série de serviços e as
transferências, ressalta-se que no campo de prestação de serviços, ainda está em processo de
consolidação, sendo a implementação do Sistema Único da Assistência Social (SUAS) uma
tentativa de enfrentamento de seus problemas crônicos como o subfinanciamento e
necessidade de maior regulação e produção estatal para que a cobertura se estenda ao campo
de prestação de serviços, (BRASIL, 2011b).
Cresceram assim, no âmbito do SUAS, os gastos sociais as áreas de assistência social e de
trabalho e renda, consequência direta da drástica reformulação destas políticas públicas.
Ocorrendo a substituição de um modelo “assistencialista” por um modelo de direitos – com
uma atuação cada vez mais abrangente sobre a população brasileira, sendo que mais
A produção das desigualdades: análise da correlação entre trabalho infantil e indicadores sociais 34
recentemente, entrou em curso nova ampliação com a criação do Bolsa Família e a
implementação do Sistema Único da Assistência Social (SUAS) (BRASIL, 2011b)
O Programa Bolsa Família (PBF), foi criado em outubro de 2003. Destaca-se que há dez anos
o PBF era regulamentado pela Lei no 10.836, de 9 de janeiro de 2004, e pelo Decreto no
5.209, de 17 setembro de 2004. A constituição do programa era um marco nas políticas
públicas, tendo em vista ser a primeira vez que se desenhava uma política pública nacional
voltada ao enfrentamento da pobreza, visando garantir o acesso de todas as famílias pobres
não apenas a uma renda complementar, mas a direitos sociais. O programa surgia como
estratégia integrada de inclusão social e de desenvolvimento econômico. Um modelo de
desenvolvimento com inclusão, que se assentava em um conjunto relevante de iniciativas, tais
como: a política de valorização real do salário mínimo, os programas de fortalecimento da
agricultura familiar, a defesa e proteção do emprego formal e a ampliação da cobertura
previdenciária (BRASIL, 2013a).
O Bolsa Família tinha como objetivo contribuir para a inclusão social de milhões de famílias
brasileiras premidas pela miséria, com alívio imediato de sua situação de pobreza e da fome.
Além disso, também almejava estimular um melhor acompanhamento do atendimento do
público-alvo pelos serviços de saúde e ajudar a superar indicadores ainda dramáticos, que
marcavam as trajetórias educacionais das crianças mais pobres: altos índices de defasagem
idade-série. Pretendia, assim, contribuir para a interrupção do ciclo intergeracional de
reprodução da pobreza (BRASIL, 2013a).
Atualmente, o programa atende a cerca de 13,8 milhões de famílias em todo o país, o que
corresponde a um quarto da população brasileira, contando com um sólido instrumento de
identificação socioeconômica, o Cadastro Único. O Bolsa Família e o Cadastro Único são
importantes para garantir a melhoria das condições de vida das famílias mais pobres do Brasil
e constituem, portanto, iniciativas prioritárias do Plano Brasil Sem Miséria. A gestão é
descentralizada, com a parceria entre o Governo Federal, estados, municípios e o Distrito
Federal (BRASIL, 2013b).
Desde sua instituição, o PBF é um programa de transferência de renda, com um benefício para
as famílias em extrema pobreza e outros relacionados à presença de crianças em famílias
pobres. Ou seja, o programa emprega dois recortes de renda para a concessão de benefícios –
atualmente, R$ 70,00 e R$ 140,00 mensais per capita. O benefício básico, para a extrema
A produção das desigualdades: análise da correlação entre trabalho infantil e indicadores sociais 35
pobreza, tem sua elegibilidade definida tão somente pela insuficiência de renda, estando
desvinculado de qualquer composição familiar, como a presença de crianças ou de
condicionalidades (BRASIL, 2013a).
O PBF tem seu respaldo em monitoramento das condicionalidades assumidas pela população,
que dizem respeito a compromissos assumidos pelas famílias beneficiárias do programa
quanto pelo poder público para ampliar o acesso a seus direitos fundamentais básicos, isto é,
por um lado as famílias devem assumir os compromissos, por outro as condicionalidades
responsabilizam o poder público pela oferta de serviços públicos de saúde, educação e
assistência social (BRASIL, 2013b).
As condicionalidades do programa abrangem a educação, a saúde e a assistência social. Na
educação elas dizem respeito a: matricular as crianças e adolescentes de 6 a 15 anos em
estabelecimento regular de ensino; garantir a frequência escolar de no mínimo 85% da carga
horária mensal do ano letivo, informando sempre à escola em casos de impossibilidade do
comparecimento do aluno à aula e apresentando a devida justificativa; e informar de imediato
ao setor responsável pelo PBF no município, sempre que ocorrer mudança de escola e de série
dos dependentes de 6 a 15 anos, para que seja viabilizado e garantido o efetivo
acompanhamento da frequência escolar. Na área da saúde para gestantes e nutrizes:
inscrever-se no pré-natal e comparecer às consultas na unidade de saúde mais próxima da
residência, portando o cartão da gestante, de acordo com o calendário mínimo do Ministério
da Saúde; participar das atividades educativas ofertadas pelas equipes de saúde sobre
aleitamento materno e promoção da alimentação saudável. Para os responsáveis pelas
crianças menores de 7 anos: levar a criança às unidades de saúde ou aos locais de vacinação
e manter atualizado o calendário de imunização, conforme diretrizes do Ministério da Saúde;
levar a criança às unidades de saúde, portanto o cartão de saúde da criança, para a realização
do acompanhamento do estado nutricional e do desenvolvimento e outras ações, conforme
calendário mínimo do Ministério da Saúde. Na assistência social, as condicionalidades dizem
respeito à participação nos programas socioassistenciais (BRASIL, 2013b).
Cabe ressaltar que o descumprimento das condicionalidades pode levar ao bloqueio do
benefício. A partir da Portaria nº666, de 28 de dezembro de 2005, ocorreu a integração do
PETI com o Programa Bolsa Família, a qual não se pautou na extinção, mas na integração,
dos dois programas, mantendo suas especificidades. A integração concretiza a garantia de
direitos de UNIVERSALIZAÇÃO DO PETI e maior diálogo com o PBF. A integração teve
A produção das desigualdades: análise da correlação entre trabalho infantil e indicadores sociais 36
como objetivos Brasil (2010b): racionalização e aprimoramento dos processos de gestão do
Programa Bolsa Família e do PETI, ampliação da cobertura do atendimento das crianças e
adolescentes em situação de trabalho infantil e extensão das ações dos Serviços de
Convivência e Fortalecimento de Vínculos para crianças e/ou adolescentes do Programa Bolsa
Família em situação de trabalho infantil.
O PETI compõe o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e tem três eixos básicos: (a)
transferência direta de renda a famílias com crianças ou adolescentes em situação de trabalho,
(b) serviços de convivência e fortalecimento de vínculos (SCFV) para crianças/adolescentes
até 16 anos e (c) acompanhamento familiar através do Centro de Referência de Assistência
Social (CRAS) e Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS)
(BRASIL, 2013a).
O Programa reconhece a criança e adolescente como sujeito de direito, protege-os contra as
formas de exploração do trabalho e contribui para seu desenvolvimento integral. Com isso, o
PETI oportuniza o acesso à escola formal, saúde, alimentação, esporte, lazer, cultura, bem
como a convivência familiar e comunitária (BRASIL, 2013a)
O enfrentamento ao trabalho infantil, coordenado pelo PETI é potencializado nos Serviços de
Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV), que integra a Proteção Social Básica
(Resolução CNAS Nº 01/2013) o trabalho social com as famílias, por meio dos serviços
continuados do PAIF e Centros de Referência de Assistência Social.
O trabalho continuado com as famílias também deve ocorrer através do PAEFI/CREAS
(Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos), ofertados nos
Centros de Referência Especializada da Assistência Social (CREAS).
Outro eixo do PETI é a transferência de renda, que deve garantir, sobretudo no Cadastro
Único e inclusão da família no programa Bolsa Família, a realização e busca ativa das
crianças e adolescentes em situação de trabalho pelo Serviço Especializado de Abordagem
Social (ofertado pelos CREAS e Centro Pop), e pelas equipes volantes (vinculadas ao CRAS)
(BRASIL, 2013a).
O desafio de combater o trabalho infantil é composto de ações cuja implementação é
compartilhada entre o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome - MDS, o
Ministério do Trabalho e Emprego – MTE, a Subsecretaria de Direitos Humanos, o Fundo
A produção das desigualdades: análise da correlação entre trabalho infantil e indicadores sociais 37
Nacional de Assistência Social FNAS e o Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT (BRASIL,
2013a).
Redesenhando o PETI: mudanças de cenário
A secretaria nacional de assistência demonstra que no momento o PETI está passando por
mudanças que buscam modernizar as estratégias de enfrentamento, qualificando as ações da
assistência social e potencializando a intersetorialidade. Congregar esforços dos entes
federados, das diversas políticas, órgãos de defesa de direitos, sociedade civil e organismos
internacionais será fundamental para o enfrentamento, pelo Brasil, deste cenário do trabalho
infantil (BRASIL, 2013).
Para melhor compreensão desse processo de mudança, intensificou-se em abril de 2013, com
a resolução nº 08 que dispõe sobre ações estratégicas do Programa de Erradicação do
Trabalho Infantil – PETI no âmbito do Sistema Único da Assistência Social – SUAS,
ocorreram modificações na configuração do Programa que foram respaldadas no CENSO
2010 do IBGE, no qual possibilitou atualizar o cenário do trabalho infantil permitindo a
elaboração de um diagnóstico mais preciso da realidade dos territórios e de atividades
predominantes.
Os resultados desse Censo (2010) possibilitaram a construção do perfil das crianças e
adolescentes em condição de trabalho, revelaram ainda que ocorreu uma expressiva
diminuição do trabalho infantil no Nordeste, embora se tenha verificado uma ampliação no
Norte e Centro-Oeste e elevada concentração nas regiões Sul e Sudeste. Observa-se também
um aumento do trabalho infantil nas regiões metropolitanas.
Constatou-se pelo referido censo que o Brasil chega ao “núcleo duro” do trabalho infantil isto
é onde a incidência encontra-se em atividades produtivas desenvolvidas em empreendimentos
informais, familiares, em territórios urbanos e rurais. Tais atividades são desenvolvidas em
locais fora do alcance dos órgãos de fiscalização, exigindo a construção de novas estratégias e
de ações intersetoriais no processo de erradicação do trabalho infantil (BRASIL, 2013a).
Assim, o redesenho do PETI foi pactuado pela resolução de Nº 05 (12 de abril de 2013). As
mudanças no programa foram organizadas a partir do Plano Nacional de Prevenção e
Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao adolescente Trabalhador e da Carta de
Constituição de Estratégias em Defesa da Proteção Integral dos Direitos da Criança e do
Adolescente, publicada em 9 de outubro de 2012, que compreende estratégias para garantir a
A produção das desigualdades: análise da correlação entre trabalho infantil e indicadores sociais 38
erradicação do trabalho infantil a partir de ações estruturantes do SUAS, bem como, da
necessidade de compor com as demais Políticas Públicas para realizar ações intersetoriais ante
aos desafios da nova dimensão da incidência de trabalho infantil no Brasil, apresentada pelo
diagnóstico já descrito (BRASIL, 2013a).
A produção das desigualdades: análise da correlação entre trabalho infantil e indicadores sociais 39
3. OBJETIVOS
3.1 OBJETIVO GERAL
Investigar a relação existente entre trabalho infantil na faixa etária de 10 a 13 anos e
alguns indicadores socioeconômicos no Brasil em 2010, destacando os programas de
transferência de renda e de combate ao trabalho infantil.
3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
a) Investigar a relação existente entre trabalho infantil na faixa etária de 10 a 13 anos e
os recursos do programa Bolsa Família e do Programa de Erradicação do trabalho
infantil (PETI).
b) Investigar a relação existente entre trabalho infantil na faixa etária de 10 a 13 anos e
indicadores de desenvolvimento humano e qualidade de vida;
c) Investigar a relação existente entre trabalho infantil na faixa etária de 10 a 13 anos e
indicadores de educação, renda e pobreza; e
d) Investigar a relação existente entre trabalho infantil na faixa etária de 10 a 13 anos e
indicadores de desigualdade de renda.
A produção das desigualdades: análise da correlação entre trabalho infantil e indicadores sociais 40
4. MÉTODO
4.1 CARACTERÍSTICAS DA PESQUISA
Trata-se de uma pesquisa quantitativa, cujo desenho de estudo é o ecológico, no qual as
variáveis expressam propriedades de grupos. Neste estudo, os níveis de análise são os
municípios brasileiros e a variável dependente é a taxa de trabalho infantil na faixa etária de
10 a 13 anos, no período de 2010.
Os estudos ecológicos são frequentemente realizados combinando-se bases de dados
referentes a grandes populações. Nesta perspectiva, procuram avaliar como os contextos
sociais e ambientais podem afetar a saúde de grupos populacionais (MEDRONHO et al.,
2009). Assim, uma área ecológica pode estar sintetizando um enorme conjunto de variáveis e
processos em um alto grau de complexidade, aproximando este tipo de estudo à realidade
social concreta (BARRETO; ALMEIDA FILHO, 2011).
Quanto à posição do observador, trata-se de um estudo agregado de base territorial e
observacional. Em relação ao seu papel, trata-se de um estudo passivo, com mínimas
interferências nos objetos concretos estudados, uma vez que foram utilizados dados
secundários. Finalmente, no que diz respeito à temporalidade do estudo, trata-se de uma
pesquisa transversal.
O estudo foi realizado com dados secundários agregados, com os municípios brasileiros.
Entretanto, não foram utilizados os 5565 municípios que compõem o território, mas 161
regiões que foram definidas a partir de critérios socioeconômicos pelo IBGE e denominadas
Regiões de Articulação Urbana (IBGE, 2013). Este procedimento foi necessário devido à
existência de municípios de pequeno porte, onde poucos casos poderiam tornar a taxa
artificialmente alta ou artificialmente baixa.
Segundo o IBGE (2013), a Divisão Urbano-Regional constitui uma contribuição à análise da
dinâmica territorial brasileira, fornecendo uma visão regional do Brasil a partir dos fluxos
articulados á rede urbana. A identificação e delimitação dos novos desenhos regionais são
designados de Regiões de Articulação Urbana e encontram-se associadas à compreensão das
transformações socioespaciais que ocorrem no país e também à maneira como se apreende
essas transformações. Assim, todas as regiões identificadas são formadas a partir de uma
A produção das desigualdades: análise da correlação entre trabalho infantil e indicadores sociais 41
cidade que comanda a sua região, estabelecendo relacionamentos entre agentes e empresas
nos respectivos territórios.
Abaixo segue uma figura que ilustra a divisão socioeconômica por áreas de articulação
urbana.
BoaVista
Manaus
RioBranco PortoVelho
Cuiabá
Belém
Parin ns
Santarém
Macapá
SãoLuís
Imperatriz
Fortaleza
Natal
JoãoPessoa
Recife
Quixadá
Maceió
Aracaju
Salvador
VitóriadaConquista
FeiradeSantana
Gov.Valadares
RiodeJaneiro
SãoPaulo
Santos
Florianópolis
CaxiasdoSul
PortoAlegre
Pelotas
SantaCruzdoSul
Cascavel
Araraquara
CampoGrande
Brasília
Palmas
Rondonópolis
BeloHorizonte
Alfenas
Figura 1. Divisão socioeconômica baseada em áreas de articulação urbana. Linhas em cinza
indicam as 161 Regiões Intermediárias de Articulação Urbana e as linhas em preto referem-se
aos limites das 14 Regiões Ampliadas de Articulação Urbana. Fonte: IBGE, 2013.
4.2 FONTES DOS DADOS
Foram utilizados dados secundários relacionados ao Trabalho Infantil provenientes do Censo
do Trabalho Infantil do IBGE (2010), na faixa etária de 10 a 13 anos. A escolha da faixa etária
de 10 a 13 anos foi respaldada no fato de que é considerada na literatura como a mais
vulnerável dessa população, para qual o trabalho é proibitivo. Acrescentando-se ao fato dos
trabalhadores infantis de 10 a 13 anos estarem concentrados em suas piores formas, isto é, nas
A produção das desigualdades: análise da correlação entre trabalho infantil e indicadores sociais 42
mais difíceis de serem combatidas. Tornou-se assim, fundamental estabelecer relações entre
os indicadores sociais e o trabalho infantil nessa faixa etária, tendo em vista que esses
resultados podem se tornar subsídios para a construção de políticas públicas que possam
contribuir para o enfrentamento e erradicação do trabalho infantil.
4.3 VARIÁVEIS
A variável dependente deste estudo foi a prevalência de trabalho infantil na faixa etária de 10
a 13 anos, que consiste no número de crianças e adolescentes que estão trabalhando em
relação ao total de crianças nesta mesma faixa etária.
As variáveis independentes foram selecionadas após realizada uma correlação entre o Censo
de 2010 do Trabalho Infantil na faixa etária de 10 a 13 anos e dados secundários do Atlas de
Desenvolvimento Humano e dos Sistemas de Informações em Saúde (DATASUS) e os dados
do Ministério de Desenvolvimento Social e de Combate à Fome (MDS). Feita a correlação
foram excluídas as que apresentaram maior colinearidade entre si. Depois elas foram
agrupadas em dimensões, de modo a ser construído um mapa conceitual. A partir de então,
foram selecionadas duas variáveis independentes principais, sendo elas: Recursos do
Programa Bolsa Família por 1000 habitantes e Recursos do Programa de Erradicação do
Trabalho infantil por mil habitantes, uma vez que se vislumbrou verificar o efeito dessas
variáveis para o trabalho infantil, ocorrendo posteriormente a estratificação através do IDH.
As demais variáveis foram utilizadas como ajuste.
A Figura 2 mostra o Mapa Conceitual que expressa o modelo de estruturação das variáveis.
A produção das desigualdades: análise da correlação entre trabalho infantil e indicadores sociais 43
Figura 2. Mapa Conceitual do Trabalho Infantil com os Indicadores Socioeconômicos
As variáveis encontradas representadas no mapa conceitual (Figura 2) e descritas no Quadro 2
foram consonantes com os estudos que apontaram as variáveis de ordem sociológica,
conforme descrito no Relatório da OIT (2010), como determinantes do trabalho infantil, a
saber: as de ordem interna ligadas ao núcleo familiar e as de ordem externa, as quais foram
subdivididas.
Quanto às variáveis internas associadas ao núcleo familiar e ao município em que residem,
destacam-se a renda da família e a pobreza (baixo nível de renda dos indivíduos), uma vez
que, em função, da baixa renda, os pais se veem obrigados a impulsionar o trabalho dos filhos
para complementar a renda familiar (MUNIZ, 2012). Nesta perspectiva, foram incluídas,
como variáveis independentes, a renda per capita média das famílias, a proporção de crianças
pobres, percentual de pessoas que vivem em domicílio com densidade de mais de 2 pessoas
por dormitório.
Já no segundo fator abrange ainda características cuja influência no trabalho infantil ocorre
fora do núcleo familiar (OIT, 2010), destacam-se duas variáveis independentes principais, os
recursos do programa Bolsa família e os recursos do PETI, uma vez que a literatura apontou
como extremamente relacionadas ao trabalho infantil.
Outras variáveis tais como: ensino/educação foram consideradas como a principal forma de
diminuir a incidência do trabalho infantil. Nesta pesquisa, foram representadas pela
A produção das desigualdades: análise da correlação entre trabalho infantil e indicadores sociais 44
expectativa de anos de estudo aos 18 anos de idade, taxa de analfabetismo da população de 15
anos ou mais de idade, taxa de atendimento escolar da população de 6 a 17 anos de idade e a
proporção de crianças de 6 a 14 anos que não frequentam a escola.
Outros fatores externos ao núcleo familiar foram fundamentais para a escolha das variáveis,
sendo: fatores econômicos, sociais e contextuais. Como expressão desses fatores obteve-se a
desigualdade de renda, representada nesta pesquisa, pelo Índice de Gini. O desenvolvimento
humano e qualidade de vida envolve o próprio Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).
No Quadro 2 são apresentadas as variáveis independentes utilizadas no estudo, bem como sua
descrição e a unidade utilizada.
A produção das desigualdades: análise da correlação entre trabalho infantil e indicadores sociais 45
Quadro 2. Variáveis independentes, com respectivas dimensões, descrições e escalas de
medida.
Dimensão Variável Descrição Escala Desenvolvimento
Humano e Qualidade
de Vida (*)
Índice de
Desenvolvimento
Humano (IDH)
Média geométrica dos índices das dimensões Renda,
Educação e Longevidade, com pesos iguais.
0 a 1
Educação (*) Expectativa de anos de
estudo aos 18 anos de
idade
Número médio de anos de estudo que uma geração de
crianças que ingressa na escola deverá completar ao atingir
18 anos de idade, se os padrões atuais se mantiverem ao
longo de sua vida escolar.
0 a 16 anos
Taxa de analfabetismo
da população de 15
anos ou mais de idade
Razão entre a população de 15 anos ou mais de idade que não
sabe ler nem escrever um bilhete simples e o total de pessoas
nesta faixa etária multiplicado por 100.
Percentual
Taxa de atendimento
escolar da população de
6 a 17 anos de idade
Razão entre população de 6 a 17 anos de idade que estava
frequentando a escola, em qualquer nível ou série e a
população total nesta faixa etária multiplicado por 100.
Percentual
% de crianças de 6 a 14
anos que não frequenta
a escola
Razão entre as crianças de 6 a 14 anos que não frequenta a
escola e o total de crianças nesta faixa etária multiplicado por
100.
Percentual
Renda e Pobreza (*) Renda per capita média Razão entre o somatório da renda de todos os indivíduos
residentes em domicílios particulares permanentes e o
número total desses indivíduos. Valores em reais de 01/agosto
de 2010.
Reais
Proporção de crianças
pobres
Proporção dos indivíduos com até 14 anos de idade que têm
renda domiciliar per capita igual ou inferior a R$ 140,00
mensais, em reais de agosto de 2010. O universo de
indivíduos é limitado àqueles com até 14 anos e que vivem
em domicílios particulares permanentes.
Percentual
Percentual da população
que vive em domicílios
com densidade superior
a 2 pessoas por
dormitório
Razão entre a população que vive em domicílios particulares
permanentes com densidade superior a 2 e a população total
residente em domicílios particulares permanentes
multiplicado por 100. A densidade do domicílio é dada pela
razão entre o total de moradores do domicílio e o número
total de cômodos usados como dormitório.
Percentual
Desigualdade (**) Índice de Gini Mede o grau de desigualdade existente na distribuição de
indivíduos segundo a renda domiciliar per capita. Seu valor
varia de 0, quando não há desigualdade (a renda domiciliar
per capita de todos os indivíduos tem o mesmo valor), a 1,
quando a desigualdade é máxima (apenas um indivíduo
detém toda a renda). O universo de indivíduos é limitado
àqueles que vivem em domicílios particulares permanentes.
0 a 1
Transferência de
renda (***)
Recursos do Programa
Bolsa Família
Valor total, em reais (R$), do repasse do Programa Bolsa
Família, feito diretamente às famílias beneficiárias, expresso
em taxa por 1.000 habitantes
1:1.000
Recursos do PETI Valor total (R$), repassado ao programa / população total Reais
Fontes: (*) Atlas de Desenvolvimento Humano – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento; (**) Sistemas de Informação em
Saúde do Ministério da Saúde (DATASUS) e Ministério de Desenvolvimento Social e Combate a Fome (***).
4.4 ANÁLISE DOS DADOS
Foi realizada inicialmente uma análise descritiva das variáveis do estudo, com a finalidade de
se conhecer como se encontrava o quadro brasileiro em relação aos indicadores utilizados.
Posteriormente, foi realizada uma análise bivariada, objetivando verificar a correlação entre a
variável dependente e as variáveis independentes que foram representadas através de uma
A produção das desigualdades: análise da correlação entre trabalho infantil e indicadores sociais 46
Matriz de Correlação. Por fim, foi realizada uma análise de Regressão Liner Múltipla,
utilizando como variável de estratificação o IDH.
4.5 CONSIDERAÇÕES ÉTICAS
Esta pesquisa envolveu dados secundários, não sendo necessária a submissão ao Comitê de
Ética.
A produção das desigualdades: análise da correlação entre trabalho infantil e indicadores sociais 47
5. RESULTADOS
A Tabela 1 traz as estatísticas descritivas de todas as variáveis com a finalidade de obtenção
de conhecimento sobre o quadro brasileiro de trabalho infantil e os indicadores utilizados na
pesquisa.
Tabela 1. Estatísticas descritivas das variáveis do estudo. Brasil, 2010.
Variável Média D.P. Mediana Mínimo Máximo Taxa de Trabalho Infantil entre 10 e 13
anos de idade
4,87 4,40 3,13 0,00 75,5
Índice de Desenvolvimento Humano
(IDH)
0,718 0,079 0,737 0,418 0,862
Expectativa de anos de estudo aos 18
anos de idade
9,63 0,85 9,72 4,34 12,83
Taxa de analfabetismo da população de
15 anos ou mais de idade
9,96 8,91 6,00 1,00 44,40
Taxa de atendimento escolar da
população de 6 a 17 anos de idade
93,35 2,19 93,62 52,55 100,00
% de crianças de 6 a 14 anos que não
frequenta a escola
3,17 1,98 2,95 0,00 48,23
Renda per capita média
794,24 424,52 737,29 96,25 2.043,74
Proporção de crianças pobres
23,27 19,12 15,36 0,00 84,66
População em domicílios com densidade
superior a 2 pessoas por dormitório
27,83 11,39 27,16 0,70 88,60
Índice de Gini
0,532 0,068 0,530 0,280 0,800
Recursos do Programa Bolsa Família
para cada 1000 habitante
204,90 118,33 166,59 29,10 424,69
Recursos do PETI para cada 1000
habitante
2,45 2,20 1,98 0,00 11,82
D.P.= Desvio-Padrão
Na descrição das variáveis a taxa média de trabalho infantil dos municípios brasileiros por
Regiões de Articulação Urbana foi de 4,8 ao ser comparada com os dados do PNAD/2009 em
que a taxa média nessa faixa etária é de 5,7% do total é considerada uma taxa relativamente
mais baixa, entretanto foram estabelecidas metas no Plano Nacional de Erradicação do
Trabalho Infantil (2011) de se atingir uma redução até 2015 para atingir uma taxa inferior a
3%, o que demanda priorizar a prevenção e a erradicação do trabalho infantil e proteção ao
adolescente trabalhador nas agendas políticas e sociais dos municípios.
A produção das desigualdades: análise da correlação entre trabalho infantil e indicadores sociais 48
Em relação ao IDH os municípios brasileiros agrupados em Regiões de Articulação Urbana
apresentam um valor de aproximadamente 0,718, ocupando assim, a 79ª posição no mundo,
seguindo atrás de nações vizinhas, como a Argentina, o Uruguai, o Chile e a Venezuela.
Destaca-se que esse indicador, estar relacionado: a expectativa de anos de vida que é de 73,9
anos , a média de anos de estudo que é de 7,2 anos e a renda nacional bruta que foi de
14.275/ano (PNAD/2009). Ressalta-se que o Brasil com esses valores não chegou a lista de
países com alto Desenvolvimento Humano, onde destaca-se o Chile e a Argentina, liderados
pela Noruega, Austrália e Suíça.
A pesquisa supracitada acrescenta que esse valor de IDH é reflexo de suas políticas sociais, a
exemplo da alocação de recursos do Programa Bolsa Família e Recursos do Programa de
Erradicação do Trabalho Infantil.
Na Tabela 2 é apresentada a Matriz de Correlação entre a variável dependente e as
independentes.
Tabela 2. Matriz de Correlação para as variáveis utilizadas no estudo. Brasil, 2010.
IDH AES AN15 NAES RPC CPOB DENS CART GINI RPBF RPETI
TTI R -0,677 -0,423 0,549 -0,469 -0,620 0,635 0,387 0,432 0,410 0,553 0,305
P <0,001 <0,001 <0,001 <0,001 <0,001 <0,001 <0,001 <0,001 <0,001 <0,001 <0,001
IDH R 0,729 -0,918 0,453 0,957 -0,971 -0,663 -0,854 -0,638 -0,917 -0,611
P <0,001 <0,001 <0,001 <0,001 <0,001 <0,001 <0,001 <0,001 <0,001 <0,001
AES R -0,562 0,518 0,641 -0,671 -0,607 -0,617 -0,628 -0,648 -0,344
P <0,001 <0,001 <0,001 <0,001 <0,001 <0,001 <0,001 <0,001 <0,001
AN15 R -0,306 -0,885 0,916 0,508 0,854 0,505 0,889 0,677
P <0,001 <0,001 <0,001 <0,001 <0,001 <0,001 <0,001 <0,001
NAES R 0,374 -0,391 -0,568 -0,276 -0,442 -0,346 -0,185
P <0,001 <0,001 <0,001 <0,001 <0,001 <0,001 0,019
RPC R -0,933 -0,603 -0,870 -0,553 -0,874 -0,577
P <0,001 <0,001 <0,001 <0,001 <0,001 <0,001
CPOB R 0,715 0,850 0,711 0,960 0,604
P <0,001 <0,001 <0,001 <0,001 <0,001
DENS R 0,519 0,833 0,721 0,379
P <0,001 <0,001 <0,001 <0,001
CART R 0,561 0,827 0,585
P <0,001 <0,001 <0,001
GINI R 0,756 0,394
P <0,001 <0,001
RPBF 0,703
<0,001
TTI=Taxa de Trabalho Infantil entre 10 e 13 anos de idade; IDH=Índice de Desenvolvimento Humano (IDH); AES=Expectativa
de anos de estudo aos 18 anos de idade; AN15=Taxa de analfabetismo da população de 15 anos ou mais de idade;
NAES=Taxa de atendimento escolar da população de 6 a 17 anos de idade; RPC=Renda per capita média; CPOB=Proporção
de crianças pobres; DENS=População em domicílios com densidade superior a 2 pessoas por dormitório; GINI=Índice de
Gini; RPBF=Recursos do Bolsa Família; RPETI = Recursos do PETI. r=Coeficiente de Correlação de Pearson; p=valor de “p”.
A produção das desigualdades: análise da correlação entre trabalho infantil e indicadores sociais 49
Percebe-se pela Matriz de Correlação que todas as variáveis independentes apresentam uma
correlação com a variável dependente.
Destaca-se a colinearidade entre as variáveis, principalmente com o IDH, o que aponta para a
possibilidade de análise de regressão estratificada.
As Tabelas 3, 4, 5 e 6 apresentam modelos de Regressão Linear Múltipla, estratificadas pelo
IDH > 0,697 e IDH<=0,697, tendo as Tabelas 3 e 4 os Recursos per capita do Programa
Bolsa Família por 1000 habitantes como variável independente principal e as Tabelas 5 e 6
apresentam os Recursos do Programa Erradicação do Trabalho Infantil por mil habitantes
como variável independente principal.
Tabela 3. Análise de Regressão Linear Múltipla para a taxa de trabalho infantil de 10 a 13
anos, considerando os recursos per capita no Programa Bolsa Família como variável
independente principal e como variável de estratificação, o IDH < 0,697. Brasil, 2014
Taxa de Trabalho Infantil de 10 a 13 anos Não-ajustado Ajustado
Variáveis Independentes P R2 P R2
Recursos per capita do Programa Bolsa-Família
por 1000 habitantes
0,014 <0,001 0,306 -0,011 0,031 0,505
Anos de estudo em 18 anos ou mais -1,756 <0,001 0,179 - -
Analfabetismo em 15 anos ou mais 0,186 <0,001 0,302 - -
Frequência de 6 a 17 anos na escola 0,848 <0,001 0,220 -0,430 0,004
Renda per capita -0,007 <0,001 0,384 -0,023 <0,001
Percentual de crianças pobres 0,098 <0,001 0,403 - -
Domicílios com densidade > 2 0,095 <0,001 0,150 -0,108 0,002
Trabalho sem carteira assinada 0,170 <0,001 0,187 -0,258 <0,001
Índice de Gini 29,009 <0,001 0,168 33,800 0,008
A Tabela 3 demonstra que o modelo de Regressão Linear Múltipla Estratificada, pode explicar
50,5% de toda variação do Trabalho Infantil. As variáveis independentes Frequência de 6 a 17
anos na escola, Renda per capita, Domicílios com densidade >2, Trabalho sem carteira
assinada e Índice de Gini foram variáveis de ajuste. As demais variáveis perderam a
significância estatística.
Conforme os resultados obtidos nos municípios de IDH<0,697, na medida em que ocorre a
alocação de Recursos do Programa Bolsa Família por 1000 habitantes pode ocorrer a
diminuição na Taxa de Trabalho Infantil.
A produção das desigualdades: análise da correlação entre trabalho infantil e indicadores sociais 50
Tabela 4. Análise de Regressão Linear Múltipla para a taxa de trabalho infantil de 10 a 13
anos, considerando os recursos per capita no Programa Bolsa Família como variável
independente principal e como variável de estratificação, o IDH >= 0,697. Brasil, 2014
Taxa de Trabalho Infantil de 10 a 13 anos Não-ajustado Ajustado
Variáveis Independentes P R2 P R2
Recursos per capita do Programa Bolsa-Família
por 1000 habitantes
0,014 <0,001 0,306 - - 0,407
Anos de estudo em 18 anos ou mais -1,756 <0,001 0,179 1,220 0,003
Analfabetismo em 15 anos ou mais 0,186 <0,001 0,302 - -
Frequência de 6 a 17 anos na escola 0,848 <0,001 0,220 -0,660 0,001
Renda per capita -0,007 <0,001 0,384 - -
Percentual de crianças pobres 0,098 <0,001 0,403 0,225 <0,001
Domicílios com densidade > 2 0,095 <0,001 0,150 -0,118 <0,001
Trabalho sem carteira assinada 0,170 <0,001 0,187 - -
Índice de Gini 29,009 <0,001 0,168 - -
O modelo apresentado na Tabela 4 pode explicar 40,7% de toda variação do trabalho infantil.
Neste modelo foram significantes as variáveis: Anos de estudo em 18 anos ou mais,
Frequência de 6 a 17 anos na escola, Percentual de crianças pobres e Domicílios com
densidade >2 tornaram-se variáveis de ajuste. As demais, perderam a significância estatística.
É salutar, a compreensão de que os municípios que apresentam o IDH>=0,697, não foi
constatado um efeito das políticas públicas, na diminuição da taxa de trabalho infantil, isto é,
a alocação dos Recursos do Programa Bolsa Família gera um aumento da Taxa de Trabalho
Infantil.
A produção das desigualdades: análise da correlação entre trabalho infantil e indicadores sociais 51
Tabela 5. Análise de Regressão Linear Múltipla para a taxa de trabalho infantil de 10 a 13
anos, considerando os recursos per capita no Programa de Erradicação do Trabalho
Infantil (PETI) como variável independente principal e como variável de estratificação, o
IDH < 0,697. Brasil, 2014.
Taxa de Trabalho Infantil de 10 a 13 anos Não-ajustado Ajustado
Variáveis Independentes P R2 P R2
Recursos do PETI por 1000 habitantes 0,405 <0,001 0,093 -0,251 0,012 0,507
Anos de estudo em 18 anos ou mais -1,756 <0,001 0,179 - -
Analfabetismo em 15 anos ou mais 0,186 <0,001 0,302 - -
Frequência de 6 a 17 anos na escola 0,848 <0,001 0,220 -0,463 0,001
Renda per capita -0,007 <0,001 0,384 -0,019 <0,001
Percentual de crianças pobres 0,098 <0,001 0,403 - -
Domicílios com densidade > 2 0,095 <0,001 0,150 -0,061 0,021
Trabalho sem carteira assinada 0,170 <0,001 0,187 -0,280 <0,001
Índice de Gini 29,009 <0,001 0,168 - -
O modelo de Regressão representado na Tabela 5 pode explicar 50,7% de toda a variação de
trabalho infantil. Em relação aos municípios que apresentam o IDH< 0,697 constatou-se que
na medida em que são alocados Recursos do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil
por 1000 habitantes ocorre uma diminuição na taxa de trabalho infantil. De fato, constata-se o
efeito da política pública, mais específica para Erradicação do Trabalho Infantil na diminuição
desta forma de exploração da infância e adolescência. As variáveis Frequência de 6 a 17 anos
na escola, Renda per capita, Domicílios com densidade >2, Trabalho sem carteira assinada
tornaram-se variáveis de ajuste, destaca-se que as demais perderam a significância estatística.
A produção das desigualdades: análise da correlação entre trabalho infantil e indicadores sociais 52
Tabela 6. Análise de Regressão Linear Múltipla para a taxa de trabalho infantil de 10 a 13
anos, considerando os recursos per capita no Programa de Erradicação do Trabalho
Infantil (PETI) como variável independente principal e como variável de estratificação, o
IDH >= 0,697. Brasil, 2014.
Taxa de Trabalho Infantil de 10 a 13 anos Não-ajustado Ajustado
Variáveis Independentes P R2 p R2
Recursos do PETI por 1000 habitantes 0,405 <0,001 0,093 - - 0,407
Anos de estudo em 18 anos ou mais -1,756 <0,001 0,179 1,220 0,003
Analfabetismo em 15 anos ou mais 0,186 <0,001 0,302 - -
Frequência de 6 a 17 anos na escola 0,848 <0,001 0,220 -0,660 0,001
Renda per capita -0,007 <0,001 0,384 - -
Percentual de crianças pobres 0,098 <0,001 0,403 0,225 <0,001
Domicílios com densidade > 2 0,095 <0,001 0,150 -0,188 <0,001
Trabalho sem carteira assinada 0,170 <0,001 0,187 - -
Índice de Gini 29,009 <0,001 0,168 - -
Este modelo explica 40,7% de toda a variação do trabalho infantil. As variáveis independentes
Anos de estudo em 18 anos ou mais, Frequência de 6 a 17 anos na escola, Percentual de
crianças pobres, Domicílios com densidade >2 permaneceram no modelo como variáveis de
ajuste. As demais variáveis independentes perderam a significância.
Constatou-se assim que não há efeito da política pública Recursos do Programa de
Erradicação do Trabalho Infantil nos municípios com IDH >=0,697.
6. DISCUSSÃO
Os resultados desta pesquisa indicaram que as políticas públicas, a exemplo dos Recursos do
Programa Bolsa Família por 1000 habitantes e Recursos do Programa de Erradicação do
Trabalho Infantil por 1000 habitantes ao serem alocados em municípios com IDH<0,697
representam uma diminuição na taxa de trabalho infantil. Já os recursos desses programas ao
serem investidos em municípios com IDH>=0,697 não apresentam efeito na taxa de trabalho
infantil.
O que de fato traz uma série de reflexões acerca das políticas públicas no Brasil, que vem
vivenciando modificações quanto aos direitos dos seus cidadãos, a ampliação e a
diversificação dos programas sociais trouxeram resultados expressivos para a população
caracterizada por indicadores de vulnerabilidade. Ocorreu no país uma intensa mobilização
A produção das desigualdades: análise da correlação entre trabalho infantil e indicadores sociais 53
política para a construção de políticas públicas que expressassem o desenvolvimento social, a
exemplo do PBF e do PETI. Os programas sociais, apresentam-se como importante
mecanismo para a redução da miséria, que pode possibilitar uma melhoria da qualidade de
vida das populações (BRASIL, 2011 b).
Nesta direção, pesquisa realizada por Campello e Neri (2013) que objetivam fazer uma
trajetória histórica dos últimos 10 anos do PBF, concluiu que por meio dos mais diversos
indicadores, que os objetivos do programa Bolsa Família foram alcançados e, na maioria dos
casos, superados, possibilitando que as camadas mais vulneráveis da sociedade brasileira
tenham melhoras expressivas em suas condições de vida e em suas perspectivas de futuro.
Fato este que foi constatado na presente pesquisa, na medida em que as alocações de recursos
do PBF nos munícipios mais vulneráveis ocasionaram uma diminuição na taxa de trabalho
infantil.
Pesquisa realizada por Ferro, Kassouf e Levinson (2010) sobre os efeitos do Bolsa Escola na
frequência à escola e na participação infanto-juvenil no mercado de trabalho mostram
efetividade, tanto no primeiro como no segundo indicador. Os autores concluem que o
programa incrementa a taxa de matrícula escolar das crianças entre 8 e 15 anos em 2,7, e
reduz a participação destas crianças no mercado de trabalho em 3,2.
Acrescenta-se que a principal política pública do governo federal na perspectiva de
enfrentamento e erradicação do trabalho infantil é o Programa de Erradicação do Trabalho
Infantil (PETI). Atualmente, está presente em mais de 3,5 mil municípios de todo o país e
atende a mais de 800 mil crianças e adolescentes (REPÓRTER BRASIL, 2011).
A avaliação geral que é feita é a de que o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil teve
um forte impacto na diminuição do trabalho (REPÓTER BRASIL, 2010), o que foi
comprovado em nossa pesquisa na medida em que a alocação de recursos do PETI em
municípios mais vulneráveis ocasiona uma diminuição na taxa de trabalho infantil, mas no
atual contexto apresenta fortes limitações e precisa ser atualizado para eliminar as novas
formas de trabalho.
Os programas de transferências condicionadas (PTCs), ou programas “com
corresponsabilidade” têm se destacado como os principais processos da inovação no âmbito
da política social latino-americana nos últimos quinze anos. Estes programas vêm se
mostrando capazes de dar cobertura às populações historicamente excluídas de qualquer
A produção das desigualdades: análise da correlação entre trabalho infantil e indicadores sociais 54
benefício de proteção social, articulando diversas ações intersetoriais, particularmente no que
diz respeito à educação, saúde e nutrição, com vistas a reduzir a pobreza a partir de uma visão
multidimensional (CAMPELLO; NERI, 2013).
Eles têm sido também inovadores por apresentar um modelo de gestão diferente que adota
mecanismos técnicos de seleção das famílias participantes, o que significa uma ruptura em
relação aos mecanismos clientelistas tradicionais da política social latino-americana,
contribuindo também para a modernização da política social mediante inovações tecnológicas,
tais como a introdução dos cadastros de beneficiários e sistemas de gestão informatizados
(CAMPELLO; NERI, 2013).
Apesar dos avanços nas políticas de distribuição de renda frente ao trabalho infantil, a
literatura destaca que o Brasil possui altos índices históricos de concentração de renda e de
desigualdade social e que no atual ciclo de crescimento econômico ainda não eliminou as
desigualdades entre as diversas regiões e setores econômicos. A distribuição de renda ocorre
em ritmo lento, o próprio impacto da integração dos programas PETI e Bolsa Família no
trabalho infantil é limitado por problemas de articulação entre setores e esferas de governo e
permanece a exclusão ou a inserção precária dos membros adultos das famílias mais pobres
no mercado de trabalho (BRASIL, 2011a).
No modelo desta pesquisa outras variáveis mostraram explicar o trabalho infantil, entre elas
IDH municipal, anos de estudos aos 18 anos, analfabetismo em 15 anos ou mais, empregados
sem carteira com 18 anos e Índice de Gini.
O trabalho infantil é uma importante questão global associada com a pobreza, falta de
educação, desigualdade de oportunidades entre homens e mulheres, e uma gama de riscos à
saúde (CAMPELLO; NERI, 2013).
Assim, a pobreza continua sendo um dos principais problemas do Brasil. De uma forma geral,
ela está relacionada a situações de carência e de vulnerabilidade. Atualmente ela é tratada por
um conjunto de políticas e intervenções governamentais, dentre as quais se destacam o
Programa Bolsa Família, Segurança Alimentar e Nutricional, o Sistema Único de Assistência
Social – SUAS (BRASIL, 2014).
Podemos considerar como enfoque multidimensional da pobreza as pessoas em condição de
insegurança alimentar e nutricional, baixa escolaridade, pouca qualificação profissional,
fragilidade de inserção no mundo do trabalho, acesso precário à água, energia elétrica, saúde e
A produção das desigualdades: análise da correlação entre trabalho infantil e indicadores sociais 55
moradia. A pobreza também pode ser uma categoria política, na medida em que se traduz pela
carência de direitos, de oportunidades, de informações e de possibilidades, situação que
envolve os trabalhadores infantis.
Na avaliação dos programas de transferência de renda, os efeitos sobre o desempenho escolar
e inserção no mundo do trabalho de crianças e adolescentes têm papel central. Isto porque
foram concebidos com vistas a combater a chamada “armadilha da pobreza”.
A oferta de um conjunto de transferências diretas de renda à população em situação de
pobreza, principalmente o Programa Bolsa Família, ajudou na diminuição da taxa de
indigência e de pobreza ao longo dos últimos anos (BRASIL, 2011b).
Segundo Muniz (2012) a educação é analisada por alguns autores como sendo dentre os
determinantes sociais o principal responsável pela redução da prevalência e incidência do
trabalho infantil, associada a questões como o acesso, a relevância, a qualidade e o custo da
escola/educação.
O autor mencionado anteriormente acredita que a dificuldade de acesso, a pouca relevância
(falta de perspectivas futuras, tanto dos pais como das crianças dos benefícios oriundos de
uma maior escolaridade), a baixa qualidade do sistema educacional (falta de profissionais
preparados, segurança, merenda, infraestrutura e material didático), e o alto custo da educação
são fatores que elevam a incidência do trabalho infantil, principalmente nos países em
desenvolvimento, onde não existem escolas para todas as crianças, e em particular no meio
rural, onde o problema do trabalho infantil e a precariedade do sistema educacional são mais
acentuados.
Com relação a variável anos de estudos aos 18 anos, as taxas de frequência à escola ou creche
mostram melhora na efetivação o do direito à educação para a população com até 17 anos.
Resultado de um esforço conjunto da União, Estados e Municípios, constatou-se um
crescimento constante nas taxas de frequência, em todas as faixas etárias. Destaca-se o
crescimento na faixa de 4 a 5 anos, de 55,1% em 2001 para 78,2% em 2011, e a
universalização do ensino fundamental, com 98,3% das crianças com 6 a 14 anos
frequentando a escola (BRASIL, 2013b).
De fato, a inserção de crianças e adolescentes nas escolas é um critério importante para sua
inserção social e retirada do trabalho infantil, entretanto o Censo de IBGE (2010) aponta que
grande parte da população infanto-juvenil que participa de atividades remuneradas frequenta a
A produção das desigualdades: análise da correlação entre trabalho infantil e indicadores sociais 56
escola. Problemática que está sendo atribuída, atualmente, à integração do PETI ao Programa
Bolsa Família, visto que a inclusão na escola é uma condicionalidade do Programa para o
benefício no Programa Bolsa Família (BRASIL, 2011b).
O que precisa ser feito, com eficácia e efetividade, é centralizar o enfrentamento do trabalho
infantil na educação de qualidade, que assegure a todas as crianças e adolescentes o direito de
aprender. Que seja ampliada progressivamente a oferta de escola em tempo integral,
combinando com a ampliação do tempo educativo como estratégia para evitar a repetência e o
abandono da escola, na maioria das vezes causados pela inserção precoce no trabalho, e ainda
pela combinação do trabalho com afazeres domésticos (OLIVEIRA, 2014).
Prioridade deve ser dada à implementação de medidas para garantir a todas as crianças e
adolescentes do campo, onde há maior incidência de trabalho infantil, escola de qualidade que
tenha um projeto político-pedagógico que atenda as suas especificidades e potencialidades. É
preciso assegurar, também, a prestação de serviços sócioeducativos que respondam à
realidade do campo (OLIVEIRA, 2014).
Em relação a variável “empregados sem carteira com 18 anos”, Brasil (2013b) acrescenta que
houve melhoria qualitativa das novas oportunidades de trabalho criadas. O percentual de
trabalhadores do setor privado com carteira assinada se elevou no período, passando de 32%
do total da população ocupada em 2001 para 42% em 2011 e o percentual de trabalhadores
sem carteira caiu, de 24% para 20%. Esta maior formalização é importante porque garante a
um número maior de trabalhadores com renda mensal não inferior ao salário mínimo e mais
proteção em casos de perda do emprego, acidente de trabalho, gravidez, doença e
incapacidade, o que pode ocasionar um decréscimo nas taxas de trabalho infantil.
Com relação à desigualdade de renda representada na pesquisa pelo Índice de Gini, constatou-
se que está relacionada ao trabalho infantil. O índice de Gini vem caindo de forma
significativa ao longo dos anos 2000, passando de 0,553 para 0,500 entre 2001 e 2011. Esses
resultados positivos são complementados por diversas conquistas no campo da redução da
pobreza, do mercado de trabalho, da educação, da saúde e do acesso a bens e serviços
(BRASIL, 2013b).
A este respeito pesquisa realizada por Brasil (2011), demonstra que a redução da desigualdade
e da ocorrência do trabalho infantil estão associadas. Entretanto, a vinculação entre ambas não
A produção das desigualdades: análise da correlação entre trabalho infantil e indicadores sociais 57
pode ser considerada automática, na medida em que se verifica uma inflexão mais acentuada
na primeira, indicando um aprofundamento de uma tendência de longo prazo.
O enfrentamento e a erradicação do trabalho infantil não são assumidos efetivamente como
prioridade pela sociedade, nem pelo poder público. Um sinal desse fato é que o Sistema de
Garantias de Direitos de Crianças e Adolescentes é pouco capacitado para lidar com essas
questões. Esse conjunto de fatores se reflete no fato de que a articulação entre os diversos
programas e planos referentes à área da infância e da adolescência permanece insatisfatório,
implicando em graves prejuízos (BRASIL, 2011a).
Fala-se, então, da promoção de políticas públicas de combate ao trabalho infantil, nas
suas múltiplas facetas, isto é, na província da educação, da saúde, da assistência social,
do trabalho, da cultura, do esporte e do lazer, dentre outras. Ergue-se, pois, o papel do
sistema de Justiça, em especial do Ministério Público, diante deste mister promocional, em
direção ao preenchimento do conteúdo material do direito fundamental ao não trabalho
(MEDEIRO NETO; MARQUES, 2013).
A produção das desigualdades: análise da correlação entre trabalho infantil e indicadores sociais 58
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa demonstra expressivos resultados para as políticas públicas, na medida em que
se reafirmam como estratégicas, não apenas para enfrentar situações de vulnerabilidade, mas
como de enfrentamento da pobreza e da desigualdade. Os resultados demonstram que a
alocação de recursos pelos programas Bolsa Família e PETI possui uma correlação
significativa com o trabalho infantil, sendo determinantes para explicar o seu modelo, embora
essas correlações não possam ser analisadas de forma isolada.
Outras variáveis demonstraram também correlação com trabalho infantil, a saber: IDH
municipal, anos de Estudos aos 18 anos, analfabetismo em 15 anos ou mais, empregados sem
carteira com 18 anos, Índice de Gini.
Compreende-se que a questão do trabalho infantil é complexa. O problema está associado,
embora não esteja restrito à pobreza, à desigualdade e à exclusão social existentes no Brasil,
mas há outros fatores de natureza cultural, econômica e de organização da produção, que
respondem também pelo seu agravamento.
Destaca-se as dificuldades de enfrentamento e erradicação do trabalho, o fato do Brasil ser um
país com altos índices históricos de concentração de renda e desigualdade social. A
distribuição de renda ocorre em ritmo lento, o próprio impacto da integração dos programas
PETI e Bolsa Família sobre o trabalho infantil é limitado por problemas de articulação entre
setores e esferas de governo e permanece a exclusão ou a inserção precoce no trabalho.
Limitar-se o seu enfrentamento é erradicação a único fator, é ter uma visão simplista da
situação e pode acarretar em políticas econômicas e sociais mal sucedidas ou com pequeno
impacto no seu combate.
É de vital importância que as políticas sociais que visam o seu combate, sejam desenhadas de
forma que não se busque apenas a retirada de crianças do trabalho, mas que, além disso,
visem criar ações preventivas junto as instituições pertinentes, as crianças e as suas famílias.
Assim, enfrentar até 2016 as piores formas de trabalho infantil e erradica-las até 2020, como
foi compromisso do Brasil, torna-se no mínimo um desafio, que exigem que além da sinergia
de esforços com o Programa Bolsa Família, o PETI necessita de uma ampla articulação
intersetorial, compartilhada e integrada com diversas políticas públicas – especialmente com
A produção das desigualdades: análise da correlação entre trabalho infantil e indicadores sociais 59
as políticas de educação, saúde, esporte, cultura, agricultura, trabalho, direitos humanos,
dentre outras – e órgãos de defesa de direitos (Ministério Público, Conselhos Tutelares, entre
outros), tendo como horizonte a garantia dos direitos de crianças e adolescentes em situação
de trabalho e de suas famílias (BRASIL, 2010b).
A produção das desigualdades: análise da correlação entre trabalho infantil e indicadores sociais 60
8. Referências
ALBERTO, M.F.P. et al. O trabalho infantil na rua. Cadernos de Psicologia Social do
Trabalho, v.13, n. 1, p. 59-71, 2010.
ALBERTO, M. F. P. As Dimensões Subjetivas do Trabalho Precoce de Meninos e
Meninas em Condição de Rua de João Pessoa-PB. 2002. Tese (doutorado em sociologia) -
Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Universidade Federal de Pernambuco, Recife,
300f.
ALBERTO, M.F.P et al. O trabalho infantil doméstico e o processo de escolarização.
Psicologia & Sociedade. v.23, n. 2, p.293-302, 2011.
BARRETO, M. L; ALMEIDA FILHO, N. Epidemiologia & Saúde: Fundamentos, Métodos,
Aplicações. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan. 2011.699p..
BRASIL, MINISTÉRIO DE DESENVOLVIMENTO E COMBATE A FOME. Caderno de
Orientações e Legislação do Programa Bolsa Família e Cadastro Único: Informações
importantes para a gestão municipal. Brasília: 2013a.
______. “Indicadores de Desenvolvimento Brasileiro”. Brasília: 2013b.
______. Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI). Redesenho pactuado
na CIT e aprovado no CNAS em abril de 2013, Brasília, DF, 2013c.
______. Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção do
Adolescente Trabalhador . Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil. 2ed –
Brasília: Ministério do Trabalho e emprego, 2011a. 95p
______. Revista Brasileira de monitoramento e avaliação. Secretaria de avaliação e gestão
de informação, n.1, Brasília: 2011b. 140p.
______. Orientações técnicas sobre o serviço de convivência e fortalecimento de vínculos
para crianças e adolescentes de 6 a 15 anos: prioridade para crianças e adolescentes
integrantes do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil. Brasília, DF: MDS – Secretaria
Nacional de Assistência Social, 2010a.
______. Orientações técnicas: Gestão do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil no
SUAS. Brasília, DF: MDS- Secretaria Nacional de Assistência Social, 2010b.
BRASIL, MÍNISTÉRIO DA SAÚDE. Decreto nº6.481 de 12 de junho de 2008, Brasília,
2008.
BRASIL, TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Monitoramento-Avaliação do impacto
do Trabalho Infantil. Programa de Erradicação a portaria nº 666, que efetivou a integração
A produção das desigualdades: análise da correlação entre trabalho infantil e indicadores sociais 61
do PETI com o Programa Bolsa Família (PBF). Secretaria de Fiscalização e avaliação de
programas do Governo (SEPROG), 2005.
BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE. Portaria nº 777, de 28 de abril de 2004. Brasília,
2004.
BRASIL. Estatuto da criança e do adolescente (1990): Lei federal nº 8.060, de 13 de julho de
1990. Rio de Janeiro: Imprensa Oficial, 2002.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília,
DF: Senado,1995. 168p.
CAMPELO, T.; NERI, M. C. Programa Bolsa Família: uma década de inclusão e cidadania.
Brasília : Ipea, 2013.
CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES (CUT). Lugar de criança é na escola: diga
não ao trabalho infantil! Campanha Nacional pela Erradicação do Trabalho Infantil. Central
Única dos Trabalhadores, Secretaria de Políticas Sociais. São Paulo: Central Única dos
Trabalhadores, 2012.
FERRO, A.R.; A.L. KASSOUF, A.L.;LEVISON, D. ‘The impact of conditional cash
transfer programmes on household work decisions in Brazil’ in R.K.Q. Akee, E.V. Edmonds and K.
Tatsiramos (eds), Child Labour and the Transition Between School and Work. Research in
Labour Economics, Vol. 13. Bradford, Emerald Group Publishing Limited, 2010.
GUEDES FILHO et al. Trabalho infantil e adolescente: impacto econômico e os desafios
para a inserção de jovens no mercado de trabalho no cone sul. São Paulo: Tendências:
consultoria integrada, 2013.
GUIMARÃES, R. M.; ASMUS, C. I. R. F. Desigualdades sociais e trabalho infantil.
Cadernos de Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, v. 18, n.4, p.572-7, 2010.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA ESTATÍSTICA. Dados do censo
demográfico 2000/2010. Fórum Nacional para prevenção e eliminação do Trabalho Infantil;
2010.
______. Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar, 2013.
MEDEIROS NETO, X. T.; MARQUES, R. D. Manual de Atuação do Ministério Público
na Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil. Conselho Nacional do Ministério
Público. Brasília: CNMP, 2013.
MEDRONHO, R. A. et al. Epidemiologia. São Paulo: Editora Atheneu, 2009.
MORAIS, F.K.R.O. Avaliação do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil de
Mossoró. 2008.123f. Dissertação (Curso de Mestrado Profissional em Políticas Públicas)
Universidade Federal do Ceará, Ceará, 2008.
A produção das desigualdades: análise da correlação entre trabalho infantil e indicadores sociais 62
MUNIZ, A.L.P. Os Determinantes do Trabalho Infantil: Uma revisão Bibliográfica. Estudos
do Trabalho, n.12, 2012.
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Convenções 138, 182 e 190.
Brasília: OIT, 1992.
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Combatendo o trabalho Infantil:
guia para educadores. IPEC. Brasília, 2001.
______. Medir o progresso na luta contra o Trabalho Infantil. Estimativas e Tendências
mundiais 2000-2012. Bureau international do Trabalho, Programa Internacional para
eliminação para o trabalho infantil (IPEC). Genebre: IPEC, 2013.
______. Relatório global no quadro do seguimento da Declaração da OIT sobre os
Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho. Conferência Internacional do Trabalho.
Brasília: DF, 2010.
PESQUISA NACIONAL POR AMOSTRA DOMICILIAR. Ministério da Fazenda. Instituto
Brasileiro de Geografia Estatística. Brasil, 2013.
______. Ministério do Planejamento. Orçamento e Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia
Estatística. Brasil, 2009. Disponível em: <http://www.ibge.com.br/home/
estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2006/brasilpnad2006.pdf>. Acesso em 01 Nov
2013.
OLIVEIRA, I. Trabalho infantil: conceitos e desafios. Disponível em:
http://www.promenino.org.br/trabalhoinfantil/trabalho-infantil-conceito-e-desafios. Acesso
em: 09 de agosto de 2014.
PYL, B. A cada minuto uma criança sofre acidente de trabalho. São Paulo 2011.
Disponível em: <www.reporterbrasil.org.br.>. Acesso em: 1 nov. 2011.
REPÓRTER BRASIL. Brasil livre do trabalho infantil: Contribuições para debate sobre a
eliminação das piores formas de trabalho de crianças e adolescentes. São Paulo: Repórter
Brasil, 2011. Disponível em:< http://reporterbrasil.org.br/trabalhoinfantil/>. Acesso em: 08 de
março 2014.
SILVEIRA, N.J.D.; SILVA, E.F. “A vida no lixo e o lixo na vida”: Os fatores de riscos que
envolvem o trabalho precoce no lixão de Campina Grande – PB.2006. 60f. Relatório de
Iniciação Científica (Graduação em Psicologia) – Universidade Estadual da Paraíba, Campina
Grande- PB, 2006.
SILVEIRA, N.J.D da. Teoria da Mente: Análise de criança em situação de rua.2007. 105f.
Monografia (Graduação em Psicologia) – Universidade Estadual da Paraíba, Campina
Grande, 2007.
UNICEF. Crianças em um mundo urbano. Situação mundial da infância 2012. Brasília:
Unicef, 2012.
A produção das desigualdades: análise da correlação entre trabalho infantil e indicadores sociais 63
ZADRA, C.C.P.S. Trabalho infantil: contextualização e análise comparativa das avaliações
do programa de erradicação do trabalho infantil – PETI. 2008. Dissertação. (Curso de Pós-
Graduação em Desenvolvimento Econômico), Universidade Federal do Paraná – UFPR,
Paraná, 2008.