A presença do símbolo na estrutura narrativa onírica de Cidade dos Sonhos¹
Bruno de Castro Lino², Thiago Lopes da Rocha Queiroz²
¹ Artigo apresentado para disciplina de Teorias da Comunicação ministrada pela Professora Georgia
Cynara no curso de Comunicação Social/Audiovisual da Universidade Estadual de Goiás.
² Graduandos do curso de Comunicação Social/Audiovisual da Universidade Estadual de Goiás
Resumo: Análise filmica da obra Cidade dos Sonhos de David Lynch, aplicada a semiótica de Pierce e a interpretação dos sonhos de Freud. O Artigo apresenta o filme e seu autor, depois explica os principais fundamentos da Interpretação dos Sonhos de Freud, após faz uma análise do filme a luz da interpretação do sonhos dando exemplos para cada mecanismo de distorção do sonho. Passa para análise semiótica do filme a partir dos fundamentos da matriz do pensamento de Pierce. Relaciona as duas teorias, que levam a criação do conceito de dualidade simbólica.
Palavras Chave: Cidade dos Sonhos, David Lynch, Freud, Pierce, Semiótica, Psicanálise
“Uma função psíquica encarregada de compensar, de
suavizar, de substituir, mesmo, uma realidade que
nos é hostil, por outra, totalmente diferente, onde
um novo mundo se descortina diante da alma e onde
todas as nossas ações parecem absurdas, justamente
porque as mais censuráveis, na sociedade em que
vivemos, gozam, enquanto dormimos, de uma espécie
de liberdade condicional, quando se expandem nos
sonhos.”
(Gastão Pereira da Silva, Psicanalista, sobre o sonho)
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I. INTRODUÇÃO
David Lynch e a busca pelo onírico
Estadunidense, nascido em Missula, Montana em 1946. David Keith Lynch
desde muito cedo queria ser pintor, mais tarde entrou em uma academia de artes
plásticas, que não chegou a concluir. Partiu para Europa em busca de inspiração para
seu trabalho. De volta ao Estados Unidos da América entrou novamente nos estudos das
Artes Plásticas, ingressando a Academia de Belas Artes da Pensilvânia, fato que marcou
a sua linguagem em todos seus filmes. De 1968 a 1974 produziu curtas ditos "bizarros"
e bastante provocativos como Six Men Getting Sick (1966) e The Grandmother (1970).
Em 1971 dirigiu e produziu Eraserhead, considerado um fracasso de público,
porém foi graças a este filme que Lynch dirigiu The Elephant Man (no Brasil "O
Homen Elefante"), o qual lhe rendeu premiações e projeção internacional. Em 1984
dirigiu Dune(Duna), um filme não muito bem sucedido, fato que o diretor creditou às
intervenções arbitrárias de seu produtor. Desde então, Lynch não se envolveu na
realização de super produções, o que lhe permitiu o retorno à linguagem surreal e
onírica. Isso se comprova a partir de 1986 em Blue Velvet (Veludo Azul), Wild at Heart
(Coração Selvagem) e em 1990, na série de TV de sucesso Twin Peaks . Mais tarde, em
2001, uma nova série de tv foi produzida, porém os produtores não gostaram do
material. Lynch teve que transformá-lo em um longa que é o objeto de estudo deste
artigo: Mulholland Drive (no Brasil "Cidade Dos Sonhos").
Christian Dubuis Santini refere-se a David Lynch em seu artigo no site francês
LeMonde.com como "um cineasta fiel ao curso inexorável da estética que orienta o seu
trabalho e, provavelmente, a sua vida, do qual nunca se esquivou do abismo
aterrorizante do mistério que e ele dispôs a sondar para investigar a revelação de sua
vocação artística: a psiquismo humano!" Para isso, nada mais justo do que ser um
cineasta marcado por certa obscuridade, tal qual a mente humana.
Analisando a filmografia de David Lynch e sua constante recorrência a
elementos do suerrealismo, podemos perceber que Lynch, em seus filmes, parece
sempre encontrar um ponto de convergência em elementos divergentes: o real e o
suerreal, o sonho e a realidade, o fantástico e o comum. Em seu livro "Em Águas
Profundas", em comentário sobre o filme Inland Empire(2006), Lynch fala sobre seu
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objetivo de buscar um ponto de convergência: “Foi uma luta até perceber que essa
unidade podia funcionar em meio à diversidade (...) bem, claro que deve haver um jeito
de essas coisas se relacionarem – por causa desse grande campo unificado”
Ainda que complexa, a estética de David Lynch, especialmente em Cidade dos
Sonhos, consegue deixar vários elementos abertos à discussão do público, fomentando a
reflexão e a crítica. Geralmente utiliza de atuações inverossímeis, que chegam a beirar o
bizarro, liguagem sonora sofisticada cheia de elementos graves, que criam uma
atmosfera de suspense e terror, "troca" de rostos dos protagonistas, narrativa lenta, e
outros elementos, que evindencia um carater onírico e simbólico da obra.
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II. OBJETIVO
O Objetivo deste artigo é analisar o filme Mulholland Drive, de David Lynch,
utilizando a interpretação dos sonhos de Freud e as matrizes do pensamendo de Pierce,
possibilitando uma aproximação entre as duas teorias através do filme.
III. OBJETO
Mulholland Drive (2001) - David Lynch
O filme começa com um acidente de carro em Los Angeles, a primeira vista parece ser
mais uma trama convencional. O acidente é no lugar onde dá o nome ao filme - Mulholand
Drive. No acidente, a personagem Rita (Laura Elena Harring) perde a memória e é ajudada por
Betty Elms (Naomi Watts), uma aspirante à atriz de Hollywood, a descobrir sua verdadeira
identidade.
Em outra parte de Los Angeles, o diretor de cinema Adam Kesher (Justin Theroux)
tem um dia de cão. Primeiro ele é forçado pelo que parece ser um poderoso da insdústria
cinematográfica a escolher uma atriz específica para seu próximo filme. Estranhamente
pressionado, ele destrói o carro dos produtores e foge para sua casa onde acaba flagrando sua
mulher lhe traindo com o limpador de piscinas e na sequência é expulso de sua própria casa.
A trama seria linear e lógica se não fosse uma misteriosa chave e caixinha azul. Ela é a
ligação para uma reviravolta da história de duas mulheres que fazem referência a estereótipos de
hollywood - Rita é a morena sexy e fatal, que adota esse nome ao ver um pôster de Gilda,
clássico do cinema protagonizado por Rita Hayworth, enquanto Betty é a loira ingênua e
sorridente que sonha ser uma estrela. Elas se apaixonam e vivem um romance perigoso.
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A partir daí os espectadores descobrem que nada parece é o que parece ser. A
realidade fica difusa e o espectador se pergunta o que poderia ser real na Cidade dos Sonhos. O
roteiro de Lynch propõe um quebra-cabeça, já que os personagens não são o que aparentam ser.
Tudo é uma ilusão e a realidade se transforma em um pesadelo, ao som de Crying, em espanhol.
Lynch aproveita para montar sua atmosfera onírica, com personagens inesperados
surgindo de repente e cenas aparentemente desconexas. Aparentemente, pois em determinado
momento todo esse jogo de enganos convergirá para o entendimento do filme. Onde se
descobre, a partir de um ponto chave, que toda a trama apresentada não passa de um sonho. Na
verdade a história real é simples: A jovem Diane vence um concurso de dança em sua pequena
cidade natal e resolve ir para Los Angeles em busca do sonho de ser uma famosa atriz.
Consegue uma entrevistada para um papel em um filme, e o perde para Camilla Rhodes, uma
bela atriz que parece já possuir certo reconhecimento na indústria e casada com o diretor Adam
Kesher. Camilla lhe ajuda fornecendo pequenos papéis em seus filmes. Diane se apaixona
verozmente por Camilla, porém esta se demonstra insensível aos sentimentos de Diane. Em uma
cena, ela faz questão que Diane fique e assista ela beijando o diretor do filme. Diane, em uma
crise emocional, causada pelas frustrações amorosas e profissionais, contrata um atirador para
matar Camilla, ele diz que não terá volta e quando terminasse o serviço llhe deixaria uma chave
azul. Ele a mata. Porém, Diane mergulha em profundo arrependimento e acaba se matando após
um grande delírio onírico.
A maior parte do filme se passa dentro do sonho da personagem Diane, confundindo o
espectador e dando ao trama uma forma muito interessante de ser contada. Isso é evidenciado
quando a caixinha é aberta pela chave e a obscuridade do filme (aonde os personagens são
distantes da realidade, os cenários não possuem pronfudidade de campo a os espaços são mal
definidos e não delimitados) é convertida em uma narrativa normal, com atuações próximas a
realidade, e com o tempo e espaço melhor definidos. Mostrando que, a partir daí, a sequência
passa a ter como função justificar todas os eventos sonhados pela protagonista.
Mulholand Drive teve granda clamor crítico recebendo trinta e três prêmios em
festivais de todo o mundo e mais trinta indicações, uma delas para o Oscar de melhor diretor em
2002.
IV. A ANÁLISE SEGUNDO A INTERPRETAÇÃO DOS SONHOS DE FREUD
O Sonho e sua estrutura
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O sonho é um processo fisiológico que resulta do funcionamento do cérebro a
partir de atividades inconscientes que são manifestadas no período de sono. Essas
manifestações são compostas por imagens geradas, geralmente absurdas, que tem uma
relação parcial com a realidade do indivíduo, seus impulsos sexuais, suas experiências
recentes e os estímulos externos a que está submetido enquanto dorme.
De todos os trabalhos referentes ao sonho, com certeza a obra A
Interpretação dos Sonhos, de Sigmund Freud, é a mais relevante sobre o tema. Foi a
primeira vez que se pode utilizar o sonho como objeto de estudo para a compreensão do
inconsciente humano. Freud fala sobre o processo de formação do sonho a partir de
vários fatores, que de alguma forma contribuem para a criação desse “universo
paralelo” e absurdo.
Para a compreensão do sonho é necessário dividí-lo em quatro etapas:
Conteúdo Latente – é a primeira etapa do processo de sonhar, para a sua
formação são somadas as impressões sensoriais, os pensamentos sobre acontecimentos
do dia e os impulsos do id.
As impressões sensoriais são aquelas que o sentido capta durante o sono, como
por exemplo: barulho de automóveis na rua, som de um inseto voando, vontade de
urinar, calor, fome, ou qualquer outro estímulo.
Os acontecimentos do dia abrangem todas as recordações que são acessíveis ao
ego (pensamento do indivíduo), além de sentimentos como medo, esperança,
humilhação, ou qualquer coisa esteja sentindo.
Os impulsos da id são aqueles reprimidos pelo superego, geralmente relativos
a infância pré-edipiana, que é o período no qual o indivíduo é submetido à proibição de
seus desejos.
O Conteúdo Manifesto do Sonho – O sonho é distituido de ética, coerência,
ou lógica. Quando se está sonhando, ocorre a indistição de aspectos, como a paixão da
agressão física, a alegria da reprovação, a insegurança do prazer físico, dentre outros,
que são separados pelo indivíduo enquanto acordado. A relação do conteúdo latente
com o manifesto poder ser muito complexa, já que não há distinção, por exemplo, entre
uma preocupação da fase infantil ou da atual.
A Elaboração do Sonho – nesse processo, os impulsos reprimidos do id são
disfarçados, a partir de distorções que geram as fantasias ocorridas nos sonhos. Essas
deformações são uma espécie de sensura da parte inconsciente do ego que age sobre os
impulsos até que estes se tornem completamente irreconhecíveis na forma de sonho.
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Existem vários mecanismos que proporcionam essa distorção: dramatização ou
concretização, condensação, desdobramento ou multiplicação, deslocamento,
representação pelo oposto, representação pelo nímio e representação simbólica.
A Elaboração Secundária - É a última fase do sonho, no qual ele é
reestruturado pelo indivíduo depois de acordar, para que ele possa ser interpretado em
forma de história, com uma certa coerência. Além de ser uma espécie de censura, pois é
uma forma de não deixar que os impulsos do id sejam expostos.
Aplicação dos mecanismo de distorção no enredo do filme.
O filme Cidade dos Sonhos se passa todo em estrutura onírica, como se
ocorresse dentro da mente da personagem Diane Selwyn, por isso não dá para não
relacionar quase que inteiramente sua estrutura narrativa com os mecanismos de
distorção do sonho, da elaboração do sonho. Estes são:
Dramatização ou concretização – os pensamentos, por mais que abstratos, no
sonho são convertidos para imagens concretas, sem preocupação com a lógica. Quando
a personagem Diane estava sofrendo porque estava decepcionada com a sua vida,
apareceram dois velhinhos para assombrá-la. Os mesmos dois velhinhos que
apareceram no início do filme para o alter ego de Diane, Betty, e representavam a
esperança de sucesso e contemplação de sua nova vida em Holywood.
Condensação – nesse caso os pensamentos, desejos e sensações que fazem
parte do conteúdo latente, tendem a se condençar, de maneira que uma pessoa no sonho
possa representar características de várias pessoas da vida do indivíduo. No filme isso
pode ser observado na presença de uma personagem da cena do teste de elenco, que está
vestida exatamente da mesma forma que o personagem Adam Kesher, isso
provavelmente ocorreu porque a protagonista omitiu a presença de Adam, que não a
escolheu para o papel principal e, ao invés disso, o substituiu por uma personagem
completamente apática , mas com suas características físicas.
Desdobramento – ocorre quando uma pessoa ou objeto do conteúdo latente é
correspodido por duas ou mais do conteúdo manifesto. Em Cidade dos Sonhos isso
ocorre a partir da própria personagem Diane, que em cada parte do filme se transforma
em uma personagem diferente, porque ela se identifica com cada uma dessas. Diane é
ela mesma, é a garçonete Betty e a atriz Camilla Rhodes, por quem se apaixona.
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Deslocamento ou projeção – tem uma função defensiva no sonho do
indivíduo. Ocorre a substituição de uma imagem ou acontecimento para manifestar um
sentimento que estava guardado. Causando assim, conforto no mesmo. No filme isso se
percebe claramente a partir do personagem Adam Kesher, que era a pessoa pela qual a
protagonista Diane sentia mais raiva. Por isso, no decorrer da narrativa o personagem é
totalmente apático, sem reação e passa por vários problemas, é forçado a escolher uma
atriz que não quer (que acaba sendo Diane só que com nome de Camilla, também por
projeção, já que Diane não foi escolhida para o papel), é traído pela mulher e perde todo
o seu dinheiro. Mais tarde é mostrado que Adam na verdade é o diretor que não deu o
papel principal para Diane e ainda era namorado de sua paixão, Camilla.
No Representação pelo oposto – isso ocorre quando um personagem ou o
próprio sonhante tem a reação oposta ao que está sentindo na realidade. Isso ocorre, por
exemplo, no próprio personagem Adam, que testemunha sua mulher tendo uma relação
sexual com o limpador da piscina e ao invés de ficar nervoso e demonstrá-lo
fisicamente, fica completamente tranquilo inexpressivo.
Representação simbólica – em diferentes sonhos um determinado elemento
concreto do conteúdo manifesto está relacionado com o elemento reprimido do
conteúdo latente. Isso ocorre diversas vezes no decorrer do filme, mas o maior exemplo
que se pode dar é o da chave azul, que representa algo que está trancado (reprimido) no
sonho da personagem, a mesma é depois utilizada para abrir a caixa aonde se situam os
fatos reais. Além disso, a chave ainda é a representação de uma diferente chave azul,
que foi usada para esconder o corpo de Camilla, que Diane mandou matar.
V. APLICAÇÃO DA ANÁLISE SEMIÓTICA DE PIERCE.
Por ser um filme, e, logo, uma obra audiovisual, podemos perceber o
predomínio das matrizes icônicas (áudio – linguagem sonora – primeiridade) e
indiciais (linguagem visual – secundidade) em Cidade dos Sonhos. Considerando o que
se vê do filme, temos também a presença marcante da submatriz simbólica
(terceiridade), já que se trata de uma narrativa onírica, na qual estão presentes símbolos
(a chave) que são criados na própria diegese do filme, passando de secundidade para
terceiridade a partir de sua repetição em contextos associáveis.
O som grave e constante, com notas longas e ruídos estranhos, causa ao
espectador um impacto sensorial de primeiridade, neles estão inseridos os sentimentos
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mais imediatos dos personagens. Um exemplo é o aumento brusco da intensidade da
trilha na parte inicial do filme, quando uma figura assustadora aparece de repente a um
dos personagens, causando susto tanto no personagem quanto, supostamente, no
espectador. Outro exemplo é na parte final, onde Diane irá se matar. Um pouco antes há
uma composição sonora confusa e tensa, mostrando nitidamente uma sensação de
desespero do personagem.
Pode-se observar na luz da fotografia uma submatriz da primeiridade em
momentos onde, no sonho, a protagonista se deslumbra com a cidade de Los Angeles.
Na chegada da personagem ao aeroporto, a fotografia fica difusa, uniforme, clara e
radiante, aliada a expressões de extrema felicidade dos personagens.
As representações imagéticas são exemplos de secundidade, pode-se
interpretar como índice objetos que indicam o contexto da própria diegese do filme,
como na cena em que dois personagens estão conversando em uma lanchonete e a
câmera desce mostrando um café da manhã, para situar o espectador quanto ao período
do dia em que a cena ocorre. Isso também pode ser percebido na cena em que Diane
está no seu quarto e uma personagem vai buscar caixas fechadas no chão, que indicam
um possível relacionamento entre as duas.
Através do figurino desarrumando e sujo e do cabelo bagunçado da
personagem Diane, dá para concluir que seu estado psicológico é de transtoro e
infelicidade ao se separar de Camilla.
A direção de arte e cenografia propiciam ao espectador concluir em qual
espaço estão, e ainda, a partir da iluminação e da paleta de cor, os sentimentos que a
personagem está vivendo.
Há vários elementos onde a terceiridade é evidenciada no filme. O roupão
(figurino) vermelho de Rita aliado ao seu cabelo preto (ainda no sonho da personagem),
representa a sensualidade, o amor e, ao mesmo tempo, o perigo. Mostrando que a
personagem seria sexy e fatal. Na mesma cena, o roupão (figurino) rosa da Betty aliado
ao seu cabelo loiro, representa a ingenuidade e pureza, assim como a felicidade. Logo,
a personagem teria como características psicológicas a inocência, simplicidade e alegria.
Na cena em que elas começam a ter relações sexuais, há uma fusão em que
aparece o plano de suas mão dadas. Betty com unhas rosas, ainda simbolizando a
inocência e simplicidade, e Rita com unhas vermelhas, simbolizando a sensualidade e
perigo. As mão dadas, nesta cena nos remete a idéia de união e pacto entre ambas, na
busca pela identidade de Betty na trama, bem como a paixão recíproca.
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Ainda na trama, há elementos que se repetem, afim de se criar um símbolo
representativo que associa com um outra parte da trama. Uma sofisticada chave azul
encontrada na bolsa de Rita no sonho, na verdade simboliza o ponto crucial do filme, a
principio ela representa um indice de algo que está fechado, a ser revelado. Porém
quando Diane contrata o assassino para matar Camilla, ele mostra uma simples chave
azul e diz que quando o trabalho for finalizado ele lhe mandaria esta chave. O fato é que
na trama a chave passou a representar a morte e o arrependimento, sentimento que
desencadeiaria no suícidio da protagonista.
Ainda neste pensamento, o dinheiro encontrado também na bolsa de Rita,
poderia ser um índice de que ela poderia ser uma ladra, ou uma pessoa muito rica, em
uma leitura mais imediata da cena. Porém, quando Diane vai pagar o assassino de
aluguel, ela retira um maço de dinheiro muito parecido com os maços que ela tinha
achado em seu sonho. O maço passa de índice para símbolo, que agora remete ao
pagamento do assassino, não mais como indício de algum aspecto da indentidade de
Rita.
No início do filme (no início do sonho), Rita, provavelmente uma atriz, está
sendo levada em uma limosine para um lugar, do qual não sabemos, ela é abordada pelo
motorista com uma arma. De repente um acidente ocorre com essa limosine que está na
avenida homonima ao título do filme: Mulholland Drive, interrompendo a cena. Na
primeira vista, não passa de um fato comum ocorrido em uma avenida qualquer. Porém,
o espectador percebe mais tarde, que o pedido de casamento do diretor para Camilla é
realizado neste mesmo trecho na mansão dele. Quando os dois começam a demonstrar
seu amor em público, Diane chora como seu mundo tivesse caído. A estrada passa para
uma característica de símbolo, em que o acidente representava em seu sonho, toda sua
desgraça e tristeza.
VI. A RELAÇÃO ENTRE A SEMIÓTICA E A PSICANÁLISE A PARTIR DO FILME
É possível identificar pontos em comum entre as duas teorias com a
interpretação da obra cinematográfica Cidade dos Sonhos. O ponto mais crucial é o da
representação simbólica no sonho, que acaba por coincidir com a terceiridade (símbolo)
das matrizes de pierce por meio do significado que a narrativa dá a este objeto.
No primeiro momento em que a chave azul aparece em cena, não passa de um
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mero índice, mas esta é mostrada mais uma vez abrindo uma caixa e depois mais uma
vez quando o assassino a entrega para a protagonista, fazendo o espectador associá-la a
um elemento simbólico que passa a ser concreto e este já era uma representação
simbólica na diegese do filme, pois ela queria esconder para si mesma o que tinha feito
com a sua amante. O mesmo acontece com a avenida Mulholland Drive, que acaba por
fazer uma associação com a o momento do acidente (que passa a ser terceiridade), mas
no final é vista como uma representação simbólica, pois para a personagem era o
momento que gerou todos os seus conflitos, pois era a avenida aonde ela teve sua
decepção amorosa, pois Camilla iria se casar.
A simbologia no sonho não acontece por meio de elementos que de alguma
forma se tornaram convenção social, mas por aqueles que representam alguma relação
entre o conteúdo latente e o conteúdo manifesto na vida do indivíduo. Logo, quando se
trata de um filme que tem como tema o universo onírico do personagem, os dois
símbolos acabam por se coincidir.
Essa relação pode ser denominada “dualidade simbólica”, pois a interpretação
de símbolo transita entre os dois conceitos e nos permite criar uma possibilidade para a
interpretação de filmes com essa abordagem.
VII. CONCLUSÃO
Foram apresentados textos de carater biográfico sobre o diretor David Lynch,
sintético sobre a teoria da interpretação dos sonhos de Freud, analítico sobre o filme
Cidade dos Sonhos tanto na ótica da interpretação dos sonhos de Freud quanto nas
matrizes de pensamento de Pierce.
A partir disso, podemos concluir que o filme Mulholland Drive permite, ao
mesmo tempo, uma análise semiótica de Pierce e uma análise da interpretação de
sonhos do Freud. É por meio desse objeto de estudo que podemos criar o conceito de
dualidade simbólica, que interrelaciona as duas teorias.
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VIII. BIBLIOGRAFIA
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LYNCH, David. Em Águas Profundas: Criatividade e Meditação, Rio de Janeiro: Gryphus, 2008.
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SANTINI, Christian Dubuis. INLAND EMPIRE de David Lynch (ou ma vie de critique d’amateur de cinéma : disponível em <//cdsonline.blog.lemonde.fr/2007/02/. Acesso em 27/11/2010, Paris: LeMonde.com/Tradução própria.
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