Download - A POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL NO BRASIL
MARIA CONCEIÇÃO GUIMARÃES DOS ANJOS FERREIRA
A POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL NO BRASIL – ONTEM E HOJE:
ALTERNATIVAS E POSSIBILIDADES
FACULDADE SÃO VICENTE DE PÃO DE AÇÚCAR – FASVIPA
PÃO DE AÇÚCAR – AL, NOVEMBRO DE 2007 MARIA CONCEIÇÃO GUIMARÃES DOS ANJOS FERREIRA
A POÍTICA DE SAÚDE MENTAL NO BRASIL – ONTEM E HOJE: ALTERNATIVAS E POSSIBILIDADES
Trabalho solicitado como requisito parcial à disciplina Sociologia Aplicada à Enfermagem da Faculdade São Vicente de Pão de Açúcar – FASVIPA, sob a orientação da professora Terezinha para fins avaliativos.
FACULDADE SÃO VICENTE DE PÃO DE AÇÚCAR - FASVIPA
PÃO DE AÇÚCAR – AL, NOVEMBRO DE 2007 A POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL NO BRASIL – ONTEM E HOJE:
ALTERNATIVAS E POSSIBILIDADES
Nos últimos cinqüenta anos, após a Segunda Grande Guerra Mundial, o mundo
vem experimentando mudanças nas formas de assistência à saúde mental de sua
população, especialmente nos países da Europa e nos EUA. Tentativas que buscam a
transformação do modelo Clássico instituído a partir de Philippe Pinel, que privilegiava
o espaço asilar como local de intervenção na loucura.
Pinel, no fim do século XVIII, foi um dos pioneiros em aplicar esta mentalidade
de tratamento aos doentes, calcado em três princípios: isolar o louco do mundo exterior,
ordem asilar e relação de autoridade entre médico e doente.
O período de ouro do asilismo, (1852 a 1890), é a época do advento e expansão
de um saber psiquiátrico brasileiro. Neste período o Visconde de Sabóia cria a Cátreda
de Psiquiatria nas duas Faculdades de Medicina existentes no país – no Rio de Janeiro e
Bahia.
O início deste período é demarcado com a inauguração do Hospital D.Pedro II
(1852), no Rio de Janeiro, com capacidade para atender 350 pacientes. Primeiro hospital
psiquiátrico do Brasil, e seu término pela criação da Assistência Médica Legal
Alienados (1890), órgão que estabeleceu as diretrizes para o funcionamento das
instituições destinadas ao asilamento e tratamento dos doentes mentais.
Resende coloca que “... as primeiras instituições psiquiátricas no Brasil surgiram
em meio a um contexto de ameaça à ordem e à paz social, em resposta aos reclamos
gerais contra o livre trânsito de “doidos” pelas ruas das cidades” (1994: 38). Três
proposições contraditórias entre si justificam as instituições psiquiátricas: indicação
prioritariamente social, a remoção e a exclusão do elemento perturbador, preservação
dos bens e segurança dos cidadãos e uma indicação clínica com o propósito de curar os
doentes mentais.
Como se vê, há uma íntima conexão entre a concepção de doença mental
enquanto determinação de exclusão social e a instituição hospitalar que com sua fase
asilar, possibilitou concretamente a separação do homem da sociedade, ocupando
muitas vezes os motivos econômicos e sociais desta exclusão de grandes segmentos
populares.
Tendo surgido na França, após a Revolução Francesa, a psiquiatria instituiu-se
sobre pano de fundo de uma nova sociedade contratual. Nesta, o louco é uma nódoa.
Insensato; ele não é sujeito de direito; irresponsável; não pode ser objeto de sanções;
incapaz de trabalhar ou de servir, não entra no circuito regulado das trocas. (Castel,
1978).
Estudos realizados sobre o processo de desenvolvimento desse ramo da ciência
médica, embora fundamentados em diferentes paradigmas, apontam para o fato
inequívoco: a psiquiatria só se desenvolveu após a criação dos asilos e o corolário da
superlotação. Castel (1978), afirma tratar-se de uma “reforma administrativa”, como o
próprio Pinel, a cima, se referiu a sua obra. O isolamento do mundo exterior, a
constituição de um novo ordenamento interno e peculiar ao hospício com a finalidade
de uma correção pedagógica dos internados, foram as bases para a imposição da ordem,
atemática principal no trato, com os alienados. A respeito da cientificidade da
psiquiatria, Castel (1978), afirma que este novo ramo da ciência não provocou nenhuma
mudança na organização do saber médico que se constituía, entretanto, soube marcar,
com o selo médico, práticas que dizem mais respeito às técnicas disciplinares do que às
operações de exploração clínica da medicina moderna.
Foi, portanto, neste cenário dos primórdios da modernidade, no qual o homem
ocupava a centralidade, a partir do deslocamento de Deus do centro do Universo e no
qual a racionalidade humana era reconhecida como a única possibilidade de construção
do conhecimento, que surgiu e se institucionalizou a psiquiatria.
Por volta da metade do século 20, e, portanto, decorridos um século e meio após
o surgimento da psiquiatria, vários movimentos de contestação a este saber e prática
instituídos se fizeram notar no cenário mundial, dos quais se destacam os movimentos
denominados Psiquiatria de Setor, na França; as Comunidades Terapêuticas, na
Inglaterra; e a Psiquiatria Preventiva; nos EUA. Esses movimentos se caracterizaram
por visar uma reforma do modelo de atenção psiquiátrica, constituíram-se em
rearranjos técnicos-científicos e administrativos da psiquiatria, entretanto, sem a
radicalidade da desinstitucionalização proposta pelo movimento italiano a partir de 1960
(Rotelli et al., 1990).
A partir dos trabalhos de Michael Foucault e autores afins, sobre a História da
Loucura, buscou-se demarcar o surgimento da psiquiatria como modelo disciplinar. Ela
surgiu como especialidade da medicina para dar conta de uma população de indivíduos
que não era possível sua integração na nova ordem social que se estabelecia no mundo
ocidental, com a Revolução Francesa.
O método de análise desenvolvido por Michael Foucault é conhecido como
“arqueologia do saber”. Um dos vários objetivos da análise era de estabelecer relações
entre saberes, sem ser julgado a partir de um saber posterior ou superior. (Machado,
1979).
Foucault também desenvolveu a noção de que o exercício do poder não está no
Estado como órgão central e único, mas, que penetra e se reproduz em seus elementos
mais atomizados.
Em nível internacional, o debate sobre a mudança no modelo de atenção à saúde
mental ocorreu em 1990, com a Declaração de Caracas; estabelecendo, como eixo da
reestruturação da assistência psiquiátrica; a estratégia da Atenção Primária à Saúde
(APS), no quadro dos Sistemas Locais de Saúde (SILOS); como forma de viabilizar
modelos de atenção centrados nas populações locais e dentro de suas redes sociais,
garantindo os direitos dos portadores de sofrimento psíquico.
Vários países da América Latina começaram a revisar suas legislações que
versam sobre a matéria nos âmbitos federal, estadual e municipal.
No Brasil, nas últimas décadas, um conjunto de iniciativas políticas, científicas,
sociais, administrativas e jurídicas tem lutado para transformar a cultura e a relação da
sociedade com as pessoas que apresentam transtornos mentais.
O processo da reforma psiquiátrica no país teve início na década de 70, com o
surgimento do Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental. Vários fatores sociais e
econômicos contribuíram para desencadear, em todo Brasil, um processo de construção
de uma nova política de saúde mental, que pudesse oferecer ao indivíduo, portador de
transtorno mental, uma atenção mais humanizada e efetiva, dando-lhe alternativas de
tratamento extra-hospitalar. Este movimento incluiu outros elementos na equipe de
saúde; retirando, do médico, a exclusividade das decisões com relação à atenção ao
portador de sofrimento psíquico (OGATA; FERUGATO, 2000). Neste contexto, a
psiquiatria sai em busca de uma nova forma de tratar o indivíduo com sofrimento
mental, iniciando-se a derrubada dos muros que aprisionam a loucura. (GONÇALVES,
2002).
O hospital psiquiátrico é o símbolo maior de um modelo de atenção à saúde
mental que reproduz a violência e impede os mais elementares direitos de cidadania aos
portadores de distúrbios psíquicos. Em todo o mundo, o papel do hospital psiquiátrico
está progressivamente perdendo a importância e sendo substituído por uma rede de
atenção integral em saúde mental que seja descentralizada, hierarquizada e integrada às
demais ações de saúde.
Com a Constituição de 1988, o povo brasileiro conquistou a saúde como um
direito de todos e foi instituído o Sistema Único de Saúde (SUS) e, em 1990, foram
aprovadas as Leis 8.080 e 8.142, que regulamentam a legislação básica da área da
saúde.
Com a promulgação da nova Constituição Brasileira em 1988, que tem como um
de seus fundamentos “a dignidade da pessoa humana”; aliado ao movimento de
desospitalização psiquiátrica, novos horizontes se abrem para que o doente mental
venha resgatar sua cidadania, volte a ser sujeito pleno de “direitos”.
O processo de desinstitucionalização surge no Brasil, respaldado pelo Decreto-
Lei 3657/ 1989, de autoria do deputado Paulo Delgado (PTMG), objetivando alterar a
Legislação de 1934, que privilegia o modelo segregador e dissocializante do hospital
asilar, como único recurso “terapêutico” e, enfatiza ser o hospital psiquiátrico a única
alternativa de tratamento, facilitando a cronicidade e a exclusão dos doentes mentais em
todo o país. Porém, somente em 06 de abril de 2001, foi promulgada como Lei Federal
10.216, que estabelece os direitos dos pacientes, limita e regula as internações
psiquiátricas, tornando-se, esta, a Lei da Reforma Psiquiátrica Brasileira, como refere
Dias (2001, p. 88) “este projeto foi construído com base na mobilização do Movimento
Nacional da Luta Antimanicomial, [...] somente em 2001 foi aprovado e sancionado,
após 12 anos de disputas entre setores envolvidos”.
Esperidião (2001), afirma que a aprovação desta lei constituiu um avanço
histórico, culminado pelo empenho de uma série de segmentos sociais engajados no
Movimento Nacional de Luta Antimanicomial, embora ainda insista em que há um
longo caminho pela frente, a fim de incorporar as alterações decorrentes da lei nas ações
de saúde coletiva.
Na década de 90, observa-se a presença cada vez mais marcante de usuários e
familiares como protagonistas no cenário da reforma psiquiátrica brasileira. Venâncio
apud Almeida e Escorel (2001), comenta que, nos anos 90, assistimos à criação e à
consolidação de propostas como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Núcleos
de Atenção Psicossocial (NAPS), Lares Abrigados, Hospital-Dia, etc.
Os CAPS – Centros de Atenção Psicossocial, instituídos juntamente com os
NAPS – Núcleos de Assistência Psicossocial, através da portaria/SNAS Nº 224 –
29/01/1992, são unidades de saúde local- regionalizadas, que contam com uma
população descrita definida pelo nível local e que oferecem atendimento de cuidados
intermediários entre o regime ambulatorial e a internação hospitalar, em um ou dois
turnos de 4 horas, por equipe multiprofissional, constituindo-se também, em porta de
entrada da rede de serviços par as ações relativas à saúde mental.
O primeiro CAPS - Luiz da Rocha Cerqueira, surgiu no ano de 1987, em São
Paulo, e os NAPS em 1989 em Santos; considerados as principais referencias para se
pensar o novo contexto das experiências atuais no campo da saúde mental. Sabemos que
os serviços evoluíram, incorporaram novas questões e sofreram transformações, mas
marcaram certo campo de intervenção. O percurso de mudança do modelo assistencial
em saúde mental pode ser observado pela evolução e o aumento desses “novos”
serviços nomeados de CAPS/NAPS; pelo país, deixando de ser nomes próprios para se
tornares modalidades de serviços de acordo com as portarias ministeriais, citadas
anteriormente.
Por um lado, essas portarias possibilitaram o avanço na construção e
proliferação dos chamados novos serviços, proporcionando o aumento dos recursos
financeiros repassados aos municípios. Por outro; ao normalizarem os novos serviços
como CAPS/NAPS, atualmente, somente CAPS, homogeneizaram experiências e
propostas distintas, onde a mais significativa referência ao modelo substitutivo é
retirada de vez do texto ministerial. Nesse sentido, a ampliação e o fortalecimento
desses serviços, propostos na perspectiva da Reforma Psiquiátrica, constituem um dos
principais desafios para a sua efetivação no contexto do SUS. Nem sempre pautados
pelas diretrizes da Reforma Psiquiátrica e suas políticas de saúde mental, os “novos”
serviços vêm freqüentemente se colocando ao lado e em paralelo aos hospitais
psiquiátricos.
Com relação à Política de Saúde Mental, o Movimento dos Trabalhadores em
Saúde Mental recorre ao lema: “Por uma sociedade sem manicômios”, sendo que, no
Rio Grande do Sul, o Movimento Nacional da Luta Antimanicomial denominou-se
Fórum Gaúcho de Saúde Mental, formado por trabalhadores de saúde, familiares e
pessoas portadoras de sofrimento psíquico, caracterizando-se como um dos pioneiros,
na história do Brasil, em estabelecer uma legislação psiquiátrica que contemplasse a
nova lógica de saúde mental, por meio da Lei n.º 9.716, de 7 de agosto de 1992, que
dispõe sobre a Reforma Psiquiátrica no estado. Esta lei estabelece a substituição dos
leitos em hospitais psiquiátricos por uma Rede de Atenção Integral em Saúde Mental, e
determina regras de proteção aos que padecem de sofrimento psíquico, especialmente
quanto às internações psiquiátricas compulsórias. (DIAS, 2001).
No século XXI, mais precisamente no ano de 2001, o Dia Mundial da Saúde,
teve por tema “Cuidar, sim. Excluir, não”, com a mensagem de que não se justificam
excluir, de nossas comunidades, as pessoas que têm doenças mentais. De acordo com a
Comissão Organizadora da III CNSM (BRASIL, 2002), a Organização das Nações
Unidas, (ONU), comemorou, em 2001, o 10º aniversário dos direitos dos doentes à
proteção e assistência, dando ênfase a alguns princípios como, por exemplo, de que não
deverá existir discriminação em virtude de doenças mentais; de que, na medida do
possível, deve-se conceder a todo paciente; o direito de ser atendido em sua própria
comunidade, com tratamento o menos intrusivo e, num ambiente o menos restritivo
possível.
Assim, acreditamos que a assistência psiquiátrica no Brasil, nos últimos 20 anos,
vem sofrendo um processo de transformações, colocando em pauta a discussão da
superação do modelo hospitalocêntrico e psiquiatrocêntrico de tratamento e a criação de
uma outra lógica de atenção: psicossocial, comunitária e territorializada, a partir da
construção de uma rede de serviços de saúde mental de forma descentralizada,
municipalizada e com caráter multiprofissional, tendo como pressupostos básicos os
direitos de cidadania; a desinstitucionalização e a promoção da saúde mental.
O modelo de assistência que predominava no país, nos anos 90, tinha suas
práticas centradas no atendimento terciário, tendo o hospital como meio e fim do
cuidado aos indivíduos que sofrem agravos à saúde. Para modificar esta realidade, e,
buscando a reorientação do modelo tradicional vigente; o Ministério da Saúde, em
1994; institui uma nova proposta de atenção à saúde representada pelo PSF. O princípio
operacional de adstrição da clientela, preconizado pelo programa, proporciona vínculo
das unidades básicas de saúde com a comunidade; possibilitando o resgate da relação de
compromisso e co-responsabilidade entre profissionais e usuários dos serviços. Esse
vínculo é o que constitui o diferencial em relação ao modelo tradicional de prestação de
serviços de saúde.
Essa importante mudança, no Sistema de Saúde do país, caracteriza um cenário
privilegiado para implementação de transformações significativas das práticas e saberes
na área de Saúde Mental. Afinal, são quatrocentos milhões de pessoas que sofrem,
atualmente, no mundo; de perturbações mentais e neurológicas ou problemas
psicológicos. Além do sofrimento e da falta de cuidados, essas pessoas vivenciam o
estigma, a vergonha, a exclusão e, com muita freqüência, a morte. (OPAS, 2001).
Acreditamos que qualquer tentativa de tratar o indivíduo isoladamente de sua
família é inútil para ele, pois os principais passos para a promoção da saúde mental e
seu tratamento devem ser planejados dentro do contexto familiar. Isso porque, quando
uma pessoa apresenta um problema mental, não apenas ela sofre, mas também toda a
sua família e, assim todos precisam de apoio e acompanhamento. (SARACENO, 1999).
As famílias demonstram dificuldades em lidar com a noção de doença mental,
ou seja; pedem esclarecimentos sobre a mesma e orientações sobre o relacionamento no
domicílio. Dessa forma, se o profissional investir nas potencialidades da família, ela
poderá lidar com as limitações que a doença mental lhes impõe, valendose da rede de
apoio disponível na sua comunidade, tais como serviços de saúde mental, rede básica de
saúde, grupos de socialização, associações de familiares e de usuários, etc. (OLIVEIRA;
COLVERO, 2001).
A Reabilitação Psicossocial representa um conjunto de programas e serviços que
se desenvolvem para facilitar a vida de pessoas com problemas severos e persistentes de
saúde mental (PITTA, 1996). Implica, ainda, reabilitação psicossocial, mudança total
em toda política dos serviços de saúde mental, devendo englobar os trabalhadores de
saúde mental, todos os usuários, todas as famílias dos usuários e, finalmente, a
comunidade inteira. (OLIVEIRA; COLVERO, 2001).
A reabilitação psicossocial tem sido integrada às políticas oficiais, não podendo
ser um mero e voluntário tratado de intenções. De acordo com Pitta (1996), a
reabilitação psicossocial implica uma ética de solidariedade que facilite aos sujeitos
com limitações, decorrentes de transtornos mentais severos e persistentes, os afazeres
cotidianos, o aumento da contratualidade afetiva, social e econômica, que viabilize o
melhor nível possível de autonomia para a vida na comunidade.
O tratamento aos portadores de sofrimento psíquico requer um projeto
individualizado, que não perca de vista a noção de conjunto, devendo demonstrar-se
atento ao tempo de cada um, com perspectivas de possibilitar, ao longo do processo, o
aumento de seu coeficiente de autonomia, de escolha. Há diversas maneiras de se
abordar tal questão, e elas dependem do perfil dos profissionais e de sua capacitação
para a proposta, das características físicas e institucionais do local de trabalho, da
cultura regional, da vontade política e, principalmente, deste dado incógnito, que é a
resposta dos usuários. Entretanto, as perspectivas de tratamento destas pessoas têm
como objetivo prepará-los para que atinjam patamares cada vez mais altos de
gerenciamento de suas vidas, possibilidades sempre maiores de autonomia, aumentar-
lhes, enfim, a capacidade de escolha. (LOBOSQUE, 1997; SARACENO, 1999).
É imprescindível em qualquer análise utilizarmos no processo saúde/doença
mental, a cidadania.
No contexto social brasileiro, a partir dos anos 80, sob influência de todos esses
movimentos mundiais de reforma e, internamente, a superação da ditadura militar pelo
processo de redemocratização, a cidadania foi incorporada à linguagem de movimentos
sociais de vanguarda e também na área de saúde e de saúde mental.
A referência à cidadania dos doentes mentais está presente nos textos das três
Conferências Nacionais de Saúde Mental realizadas no Brasil a partir do final do século
20 (Brasil, 1987; 1992 e 2001) e em inúmeros textos de articuladores técnico-políticos
envolvidos com o processo de Reforma Psiquiátrica Brasileira. A cidadania é abordada
com enfoques diversificados, referenciados, principalmente, aos diferentes
momentos/fases da trajetória da Reforma Psiquiátrica.
Uma característica fundamental do novo "local social" da doença mental,
relacionada diretamente a essa possibilidade de cidadania para os doentes mentais, é a
substituição dos termos "doença" e "doente mental" por "sofrimento psíquico" e
"pessoas portadoras de sofrimento psíquico". Essa diferença pretende ir além de uma
mera adequação técnica ou semântica. Trata-se, como consta na descrição dos marcos
conceituais da II Conferência Nacional de Saúde Mental, de construir uma mudança no
modo de pensar a pessoa com transtornos mentais em sua existência sofrimento, e não
apenas a partir de seu diagnóstico (Brasil, 1992), contextualizando o processo
saúde/doença mental e vinculando o conceito de saúde ao exercício da cidadania.
Analisando esse período da Reforma Psiquiátrica, Bezerra Jr. (1994) afirma que
a perspectiva de cidadania como sinônimo de igualdade e liberdade apresenta pelo
menos dois equívocos: a exclusão pode ser muito mais refinada e sutil (e mais eficaz)
do que os muros e grades concretamente identificados no tecido social, e o princípio da
igualdade pode se configurar como injusto; não é o caso de tratar todos igualmente, mas
de identificar e respeitar as diferenças, pois sempre haverá aqueles para quem a vida é
mais difícil, o sofrimento mais penoso e a necessidade de ajuda mais constante (Bezerra
Jr., 1994).
A partir de análises que buscam ir além da mera afirmação dos direitos de
cidadania como a necessidade daquele momento para a melhoria da assistência aos
doentes mentais, Birman (1992), Bezerra Jr. (1992) e Delgado (1992b) destacam a
situação aparentemente paradoxal implícita na relação cidadania & doença mental tão
presente nos discursos da Reforma Psiquiátrica. Tal paradoxo se explicita na concepção
de que a cidadania, fundada em princípios liberalizantes, pressupõe a liberdade e a
igualdade como seus atributos básicos, enquanto que a assistência (médica, jurídica) ao
doente mental pressupõe o amparo social do Estado, muitas vezes incluindo a interdição
e a imposição de um tratamento baseado na negação de direitos civis (liberdade). Esse
mecanismo de exclusão foi estruturante na psiquiatria, como já referimos anteriormente.
E, em sendo estruturante, negá-lo significaria, no limite, negar toda a "instituição-
Psiquiatria". Trata-se, portanto, de algo muito mais profundo do que mudanças
administrativas e legais, é uma "nova construção social/ cultural", para um "novo
objeto". Não mais o doente mental a ser excluído da sociedade, mas a convivência com
uma pessoa que pode ser radicalmente diferente dos padrões culturais, mas que, ainda
assim, pode ter direitos de cidadania, ou seja, de estar "incluído" como sujeito de
direitos nesta sociedade. Isso implica alterações profundas nas relações sociais em geral,
muito mais amplas do que modificações nas instituições que tratam os doentes mentais
(Birman, 1992).
A Reforma Psiquiátrica, que além de redefinir práticas terapêuticas e
administrativas no trato com pessoas que sofrem mentalmente, admite, pelo menos ao
nível do discurso oficial programático, um novo lugar social para o sofrimento mental,
pode ousar a busca de uma outra relação, a da doença mental e cidadania.
A ampliação da compreensão da cidadania, não mais restrita ao reconhecimento
de direitos, mas ao processo ativo de ampliação da capacidade de todos e de cada um
agirem de modo livre e participativo (Bezerra Jr., 1992), permite e compõe a idéia de
loucura/doença mental não mais como defeito, falha ou desqualificação. Entretanto, as
condições sociais a partir das quais é possível a concretização dessas construções
teóricas exigem aprofundamento conceitual e autocrítica, além de condições objetivas
que permitam o seu desenvolvimento.
O movimento de Reforma Psiquiátrica é conformado nos diferentes locais mais
ou menos determinado pelo exercício ativo de cidadania de profissionais e usuários dos
serviços. A essa conformação - conquistada ou outorgada pela imposição de um novo
modelo assistencial - corresponderá uma maior ou menor efetividade do exercício de
práticas descentralizadas, integradas e democráticas, que respeitem a pessoa portadora
de transtorno mental, enfim, que o inclua como sujeito de sua vida e de seu tratamento.
Imprescindivelmente o processo saúde/doença mental deverá ser entendido a
partir de uma perspectiva contextualizada, onde qualidade e modo de vida são
determinantes para a compreensão do sujeito; sendo importância fundamental vincular o
conceito de saúde ao exercício de cidadania, respeitando-se as diferenças e as
diversidades. A rede de atenção deve substituir o modelo hospitalocentrico por uma
rede de serviços, diversificada e qualidade implantando novas praticas sociais em saúde;
através de programas multidisciplinares que visem o resgate dos elos familiares e,
principalmente, a ressocialização, entendida como o direito à cidadania e às condições
humanas de vida e tratamento.
O Brasil vive hoje um momento de grande inquietação frente às reivindicações
de garantia dos direitos conquistados e adquiridos na Constituição, nas leis e nos
estatutos. Ao mesmo tempo, sente-se confiante diante da possibilidade de realização de
um novo projeto social – a consolidação da reforma em saúde mental.
QUADRO ESQUEMÁTICO, BASEADO NA HISTÓRIA DA LOUCURA
DE FOUCALT ([1961]1993)
RENASCIMENTO
Fins da I.M. ao séc. XVI
Início da ruptura entre razão e desrazão, mas ainda há lugar para esta ultima. A
desrazão fecunda, de certa forma, a própria razão. Por sua vez, a Loucura não esta
totalmente identificada com a perda da razão, como desrazão, nem como pura
negatividade. Ao contrário, a loucura, ao ser dessacralizada (ruptura com a I.M.), passa
a habilitar o mundo humano, a inquietar os espíritos. Por isso, encontrar um lugar
fulgurante na literatura e nas artes; são exemplos eloqüentes o Quixote de Xavantes, o
Rei de Lear de Shakespeare, a pintura de Jerôme Bosch. Há um diálogo, ainda que
como balbucio, como diz Foucalt, entre razão e loucura. A “Nau dos insensatos”,
embarque dos loucos, sem qualquer destino, fazendo-os vagar indefinidamente pelos
rios em mares europeus, tem o sentido simbólico de um inicio de isolamento da loucura,
mas por meio de uma errância, de um desterro do louco, que corresponderia à própria
enigma da loucura, a qual não se sabe da onde vem, o que é, onde habita. Domina um
olhar trágico sobre a loucura.
IDADE CLÁSSICA
Séculos XVII e XVIII
Era do grande enclausuramento do louco junto com todo tipo de indesejados
sociais: pobres, malfeitores, indigentes, licenciosos, vagabundos. Em 1656 é criado o
Hospital Geral em Paris. Os hospitais gerais, herdeiros dos antigos leprosários, nada têm
de instituição médica, são apenas casas de reclusão. Nesses lugares a loucura mistura-se
a todo tipo de desvio social. Em termos de pensamento, o Iluminismo bane a desrazão.
A loucura, agora totalmente identificada com a desrazão (e esta com o oposto da razão),
é percebida como insanidade, como perda da razão, como animalidade e desvio
inaceitável. A loucura não é diferenciada ou destacada de outros desvios, apenas torna-
se um; dentre outros objetos da Caridade leiga ou religiosa. Ocorre o que Foucalt chama
de silenciamento da loucura.
MODERNIDADE
Fins do século XVIII e século XIX
Era do Nascimento do Hospital Médico, do Asilo e da Psiquiatria. A crítica ao
grande internamento no hospital geral leva à separação dos loucos, sua diferenciação
como doentes mentais ou, no termo científico da época, como alienados. Carregando as
marcas da instituição carcerária que era o hospital geral; surge nesse espaço, agora
saneado, o asilo para alienados. Philippe Pinel (1792), nasce a Psiquiatria como saber da
loucura, transformada em objeto de ciências, e como prática especializada. Os loucos
são desacorrentados, ganham direito a um novo estatuto de doentes e a um tratamento
médico especial. Na Idade de Ouro do Alienismo, (expressão de Robert Castel), o
século XIX verá o modelo manicomial reinar soberano, apenas oscilando em uma
gangorra instável entre um humanismo terapêutico, iniciado pelo Tratamento Moral de
Pinel, que procurará resgatar a humanidade do louco, e um biologismo cético e
eugenista, que verá na doença uma degeneração irreparável. De todo o modo, seja pela
via da docilização do louco; seja pela mera contenção, aprisionamento ou abandono.
Sua institucionalização responderá às necessidades de uma sociedade disciplinar
moderna, em que o poder é exercido pela ordenação e disciplinarização dos corpos e
mentes. Os dispositivos institucionais da psiquiatria acompanham, consolidam e
resultam (tudo isto ao mesmo tempo) da interiorização da loucura no homem como
perturbação mental doentia, dando origem à sua medicalização, psicologização,
confinamento e controle. Nesse silenciamento da desrazão, reduzida à patologia, o que
resiste fica relegado à coisa de poetas “loucos” e filósofos “malditos” (Nerval, Sade,
Holderlin, Nietzsche).
Quadro elaborado por Izabel Friche Passos
Psychê – Ano VII – nº12 – São Paulo – jul-dez/2003 – p. 137-158.
ARTETERAPIA, CRIATIVIDADE A FAVOR DA VIDA
Todos sabem que um desenho ajuda a concentrar, que a dança estimula o
movimento, que a pintura pode acalmar e que a modelagem permite que o real e o
concreto sejam vividos com mais intensidade. No entanto, de atividade artística para
métodos de tratamento há um pulo muito grande.
Nosso século presenciou a sistematização deste conhecimento: como tratar
terapeuticamente através do trabalho artístico? Vários pesquisadores e várias
abordagens contribuíram no desenvolvimento deste tema. Que de artista e de louco
todos nós temos um pouco, todo mundo sabia, porém tratar a loucura através da arte,
nem todos sabiam.
Foi através destas questões e do uso de materiais na terapia que autores como
Carl Gustav Jung, Margaret Naumburg (Freud), Janie Rhyne (Gestalt), Natalie Rogers
(Rogers) e os estudos de Antroposofia contribuíram para sistematizar a prática e a teoria
da Arteterapia. As imagens puderam ser mais facilmente compreendidas na análise.
A Força da Expressão
A comunidade do terapeuta com o paciente, e do paciente consigo mesmo, ficou
mais ampla e rica através de outras formas de comunicação; que não a verbal. Os
sentimentos e emoções puderam melhor servir e ser vivenciados através da expressão
artística. O trabalho artístico permitiu maior compreensão do outro. A cosmogonia, com
a fundamentação dos quatro corpos, aliada ao conhecimento de Rudolf Steiner, permite
que o ser humano chegue mais facilmente a si mesmo e se relacione melhor com a
realidade externa.
Por que funciona tão bem assim? Acreditamos que a base do processo é a
criação estética. Nada funciona mais como um antidepressivo do que a observação e a
conclusão de uma obra, por menor que seja; que tenha um cunho estético. A vontade de
acertar e de produzir, aliada à vontade do autoconhecimento faz com que a arte seja um
processo catalizador e canalizador adequado de energia.
Qualquer paciente que tenha um mínimo de capacidade para elaborar pode se
beneficiar da arteterapia. Para pacientes profundamente doentes é melhor aula de arte,
psicomotricidade e jogos simples. À medida em que ele começa a elaborar, poderá fazer
uso da reflexão do interjogo, da atividade artística sobre si mesmo, inserido em
tratamento psicoterápico.
Pessoas cm dificuldade de expressão e de comunicação lucram com a atividade
artística na terapia. Deficientes físicos, mentais, casos psiquiátricos, desordens
psicomotoras, deficiências pedagógicas, pacientes com moléstias graves, pacientes
terminais, ganham muito com a Arteterapia.
A Arteterapia atua na organização do corpo em vários tipos de problemas
orgânicos, de postura e de coordenação viso-motora. A elaboração através de desenho,
pintura e modelagem faz com que o paciente tenha maior consciência da realidade. As
formas, cores e movimentos atuam com sua especificidade, como medicamentos
psíquicos e orgânicos.
A criação tem sido um santo remédio e a participação ativa do paciente no
processo diminui a dependência, reduzindo o tempo de tratamento. O que é estético
costuma, geralmente, ser ético. Esta ética é que costuma preservar a saúde e o
equilíbrio.
Sentimento na Palma das Mãos
“A poesia é indispensável. Se eu ao menos soubesse para quê...”. É com essa
frase, emprestada do cineasta e poeta francês Jean Cocteau, que o escritor Ernest
Fischer inicia o livro A necessidade da arte. Para o autor, essa forma de expressão,
quase tão antiga quanto à existência da humanidade, tem uma função que extrapola o
limite do divertimento. “Milhões de pessoas lêem livros, ouvem música, vão ao teatro e
ao cinema” para preencher um desejo inerente ao fato de estar vivo. A arte é importante
para que o “homem se torne capaz de conhecer e mudar o mundo”, escreve Fischer.
Se a observação de uma obra, com suas cores, formatos e conteúdos, enriquece a
alma humana; praticar a arte é uma forma de fazer terapia. Toda vez que alguém é
estimulado a criar, tem de puxar informações do seu mundo inteiro e entrar em contato
consigo mesmo para poder se expressar. Nesse processo, a pessoa traz seus problemas e
suas angústias para fora. É o primeiro passo da busca pelo bem-estar.
Joya Eliezer,
psicóloga, artesã e presidente da Associação
Brasileira de Arteterapia.
COQUETEL DA FELICIDADE
Em três ocasiões, a bióloga Marina, 32 anos, duas filhas, buscou refúgio nos
antidepressivos. A primeira vez foi quando o psiquiatra do marido lhe receitou
fluoxetina (princípio ativo de medicamentos como o Prozae). Os dois tinham uma
relação difícil, ela foi ao consultório para fazer terapia de casal e saiu com a receita do
remédio. “Tomei por quatro meses, me sentia bem. Mas, quando algo me irritava, a
explosão era desproporcional”. Na gravidez da segunda filha, enfrentou uma depressão
leve e,seu obstetra lhe prescreveu cloridrato de sertralina (Zoloft). Tomou na gestação e
nas primeiras semanas após o parto. “Como a nenê chorava o dia inteiro, o pediatra
desconfiou que fosse irritação pela droga. Preocupada, parei de uma vez. Durante 15
dias passei mal”. Marina procurou outro psiquiatra, que prescreveu escitalopram
(Lexapro). “Usei por um ano. Fiquei passiva, nada me abalava. Soube que meu marido
ma traía e nem reagi. Com a ajuda da psicanálise, fui percebendo que vivia de
“mentirinha”. Estava anestesiada. Resolvi pôr um ponto final; larguei o remédio aos
poucos. Quando voltei a ser eu mesma, pedi a separação. Dói, mas quero sentir essa
emoção. Em vez de lidar com as dificuldades, apelava para os remédios. Chega de me
iludir!”
Não se trata de um caso isolado. O aumento do uso de drogas psicotrópicas, que
alteram o comportamento e o humor, a partir do advento da flouxetina, em 1988, está
gerando uma multidão de alienados, alerta o anestesiologista americano Ronald W.
Dworkin. No livro FELICIDADE ARTIFICIAL (EDITORA PLANETA), ele critica a falsa
sensação de felicidade proporcionada pelos remédios: “As pessoas conseguem não se
sentir miseráveis mesmo quando sua vida é miserável”. O autor condena a tendência de
suprir a tristeza do cotidiano. “Quando tocamos uma chapa quente, sentimos dor e
recuamos: não fosse pela dor, continuaríamos tocando a chapa. O medo e a infelicidade
são igualmente protetores. Eles nos sinalizam que há algo errado.” Para ele, a felicidade
artificial elimina o impulso de mudança. “Usar medicamentos para lidar com questões
existenciais cria uma ilusão de bem-estar”, diz a filósofa clínica Mônica Aiub,
professora do Centro Universitário São Camilo, em São Paulo. “A dor não traz
necessariamente crescimento, mas pode ensinar. Percebemos o que não vai bem e nos
reestruturamos. Essas ações tornam-se inviáveis se a pessoa fica entorpecida.”
Dworkin e Monica questionam um dogma da sociedade contemporânea: a
obrigação de ser feliz. Não há espaço para um dia de mau humor ou um momento de
crise. O padrão é a felicidade incondicional. “As pessoas não têm mais o direito de
sofrer. Então, sofre-se em dobro”, adverte o escritor francês Pascal Bruckner no livro A
EUFORIA PERPÉTUA (AD. BERTRAND BRASIL). De acordo com o autor, a felicidade deixou
de ser um direito para se tornar um dever a partir do século 18; inversão que se
consolidou no século 20, depois de 1968, quando o prazer passou a ser o principal valor
da sociedade ocidental. Daí houve uma distorção no conceito de felicidade, hoje ligado
a uma sucessão de episódios efêmeros de bem-estar e emoções de curto prazo.
Quem não corresponde à exigência de ser feliz é tido como doente. Para cada
estado de espírito, confundido com sintomas, há uma solução fácil: a tristeza é aliviada
com antidepressivos; a ansiedade, com tranqüilizantes. Por isso, entre 2001 e 2005
ocorreu uma exploração no consumo de psicotrópicos no Brasil, sobretudo entre
mulheres, conforme pesquisa do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas
Psicotrópicas realizada em 108 cidades. “A mulher tem mais probabilidade de sair do
consultório com a receita de tranqüilizante ou antidepressivo que o homem”, avisa a
psiquiatra Florence Kerr Corrêa, da Faculdade de Medicina da Unesp em Botucatu (SP).
As principais usuárias têm entre 35 e 45 anos, então insatisfeitas com o casamento, com
o trabalho, com o corpo ou vive sob tensão; diz a médica. A pedagoga Denisa, 45 anos,
casada, dois filhos, pode estar nessa lista: “Tomo Valium há dez anos. Sou preocupada:
fico programando o dia seguinte e não consigo dormir. O remédio me ajuda a desligar,
relaxar. Na escola onde trabalho, quase todas as mulheres usam algum remédio. Sei que
fiquei dependente, mas adoro tomar o tranqüilizante e desmaiar”.
O pior é que nem os pequenos escapam. No ano passado, 1,6 milhão de crianças
e adolescentes americanos tomaram pelo menos duas drogas psiquiátricas combinadas.
No Brasil, alunos com dificuldades de aprender são medicados com o polêmico
metilfenidato (Ritalina), que trata o déficit de atenção e a hiperatividade. “Às vezes é
necessário”, diz a psicopedagoga paulista Adriane Cirelli. “A reflexão e o pensar, que
pareciam inatingíveis, tornam-se possíveis. Mas há crianças apáticas devido aos
remédios.” Ela explica que as drogas atrapalham quando são pretexto para acomodação
familiar: medicou, tudo está resolvido.
Um trabalho divulgado em abril concluiu que 25% dos diagnósticos de
depressão estão errados. Após acompanhar 8 mil americanos, o professor Jerome
Wakefield, da New York University, percebeu que uma entre quatro pessoas
aparentemente deprimidas na verdade sofria de tristeza profunda decorrente de
separação, desemprego ou prejuízos nos negócios. “Não dá para cair na armadilha de
tratar a tristeza e banalizar o uso dos remédios”, afirma o psiquiatra Leonardo Gama
Filho, chefe do Serviço de Saúde Mental do Hospital Municipal Lourenço Jorge, no
Rio. Eles têm efeitos colaterais: o tranqüilizante pode causar dependência física e danos
à memória se não for usado com critério e por tempo determinado. Os antidepressivos
engordam, provocam queda de desejo sexual, náuseas e prisão de ventre.
Segundo a psiquiatra Elisabeth Sene-Costa, autora do livro UNIVERSO DA
DEPRESSÃO – HISTÓRIAS E TRATAMENTO PELA PSIQUIATRIA E PSICODRAMA (ED.AGORA), a
prescrição excessiva deve ser avaliada sob duas perspectiva: a do paciente que,
desesperado com o sofrimento, espera soluções rápidas, como no aperto de botões; e a
do médico, que introduz logo o remédio por não suportar a ansiedade declarada. Com a
“pílula da felicidade” a “melhora” é rápida. Mas, quando vier uma nova crise, é
provável que o paciente necessite outra vez da “magia”, sem aprender a lidar com os
próprios problemas.
Quando Tomar
Luto, tristeza e irritação devem ser medicados quando a situação se arrasta
indefinidamente; sinal de que pode estar sendo complicada pela depressão, informa o
psiquiatra Leonardo Gama Filho. “O que vai determinar se alguém precisa ou não de
tratamento é a intensidade das manifestações.” Ficar arrasado porque terminou um
casamento é natural. Mas, com o tempo, a pessoa tem de a elaborar a perda, e a vida
segue adiante. Quem está deprimido continua imobilizado: a tristeza é desproporcional e
toma conta da vida, mexendo com o apetite, o sono, a memória e a capacidade de
concentração. Isso é depressão, quarta causa de incapacidade, segundo a Organização
Mundial da Saúde. No quadro, há ainda pessimismo, perda de prazer, sensação eterna
de vazio. Nos casos mais graves, diz Gama Filho a medicação é necessária para afastar
o risco de suicídio.
Olhar Para Si
Entender as próprias necessidades e dar prioridade ao que ele faz bem são as
sugestões da filosofa Mônica Aiub para passar longe dos remédios. Invista em alto
conhecimento e previna-se contra a depressão:
Converse com um amigo. Alguém que não julga nem diz o que deve ser feito.
Apenas ajuda a ver a situação por outro ângulo e você toma as decisões.
Faça psicoterapia. Você descobrirá o que a deixa triste ou ansiosa. Sabendo como
funciona seu interior; mobilizara recursos para reverter o quadro.
Controle o stress. Faça ioga, relaxamento ou meditação. Essas atividades
favorecem o equilíbrio emocional e contribuem para o alivio das tensões.
Pratique exercícios físicos. Nade, ande ou dance. Os movimentos estimulam a
produção de endorfinas, mensageiros químicos que geram bem-estar.
Drible a rotina. Tente trabalhar com prazer. Descanse, reserve momentos para
conversar com a família, leia bons livros, vá mais vezes ao cinema...
REVISTA CLAUDIA
Cristina Nabuco
REFERÊNCIAS
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Saúde Mental e Atenção Psicossocial. Rio de Janeiro: Nau editora. Coleção
Archivos. Pp 67-88.
REVISTA CLAUDIA, Julho de 2007 – Brasil. São Paulo-SP:
Artigo:
Coquetel da Felicidade.
MUNDO JOVEM, um jornal de idéias. Ano 45, Nº376, Maio de 2007:
Artigo:
Arteterapia, Criatividade a Favor da Vida.
BEZERRA, Benilton. 1992. Cidadania e Loucura: um paradoxo?
AMARANTE, P; BEZERRA, B. (org) In: Psiquiatria Sem Hospício.
Relume-Dará: Rio de Janeiro.
Brasil MS 1987. Relatório Final da I Conferência Nacional de Saúde Mental. Brasília.
Brasil MS 1992. Relatório Final da II Conferência Nacional de Saúde Mental. Brasília.
Brasil MS 2001. III Conferência Nacional de Saúde Mental. Caderno de Textos. Brasília.
FOUCAULT, Michel. 1984. A Constituição Histórica da Doença Mental. In:
Doença Mental e Psicologia. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. Cap V.
FOUCAULT, Michel. 1972. A História da Loucura na Idade Clássica. São Paulo:
editora Perspectiva S. A.