POF E FOME-ZERO

Os dados da POF foram e são ansiosamente aguardados pela área social do governo Lula. Quando a pesquisa for totalmente liberada, teremos um importante instrumento de orientação para organizar diversas estratégias para atender a prioridade anunciada pelo Presidente Lula no seu discurso de posse: o combate à fome e uma política de segurança alimentar. 1

A POF, especificada em parceria com o Ministério da Saúde, demonstrou os maus hábitos alimentares perpassando os grupos organizados em distintas faixas de renda, o aumento da obesidade e as dificuldades da população, particularmente a de baixa renda, para ter uma dieta regular e saudável.

No campo das políticas públicas, de saúde e educação, sobretudo, a POF irá orientar campanhas de educação alimentar e de vida saudável.

É importante que o bolsa-família não deixe de fora da sua cobertura nenhuma família que apresente sinais antropométricos causados pela fome. Há bolsões no país onde esta situação está mais presente. Haverá que se concentrar esforços com as prefeituras e governos estaduais na identificação destas famílias. E mobilizar todas as esferas da saúde para acompanhar a superação do estado doentio da fome, tal e qual os padrões internacionais exigem quando esta vem acompanhada de repercussões antropométricas.

É preciso esclarecer, entretanto, que é indevida a associação entre as informações trazidas pela POF e as metas do bolsa-família. O programa tem como objetivos: incluir de forma mais duradoura as crianças e adolescentes das famílias pobres na rede de educação e estender a inclusão dos membros das famílias na rede de saúde; a oferta de um conjunto de programas dirigidos aos componentes das famílias de modo a criar possibilidade de construção de “rotas de saída” e da incorporação de “ativos” que agregue capacidades e aumente a segurança e a liberdade dos indivíduos. Em resumo, os membros das famílias pobres como portadores de direitos e, entre estes, o direito humano à alimentação.

A POF foi equivocadamente saudada, pelos atores políticos contrários ao Fome Zero, como se pudéssemos voltar ao passado quando os governos ignoravam o fenômeno da fome no Brasil ou não tratavam dele na sua dimensão política. O Presidente Lula, no entanto, dará curso ao seu

1 Lembremos aqui que no discurso de posse, o PR, afirmou que estava lançando “um programa de segurança alimentar denominado fome zero”.

compromisso, basta ler seu discurso de posse, quando diz “Enquanto houver um irmão brasileiro ou uma irmã brasileira passando fome, teremos motivo de sobra para nos cobrirmos de vergonha”.

Evidentemente não temos no Brasil algo parecido com a Somália. O nosso mais ilustre desbravador da temática da fome, Josué de Castro, não ignorava as diferentes situações da fome, ao contrário, sabia o quanto era perigosa a ignorância acerca da fome não total. A fome total conta com um nome próprio na língua inglesa, “starvation” expressando um “fenômeno, em geral, limitado a áreas de extrema miséria e a contingências excepcionais”.

Josué de Castro revelou no seu trabalho um “fenômeno muito mais freqüente e mais grave, em suas conseqüências numéricas, da fome parcial, da chamada fome oculta, na qual pela falta permanente de determinados elementos nutritivos, em seus regimes habituais, grupos inteiros de populações se deixam morrer lentamente de fome, apesar de comerem todos os dias”, o que nem sempre é, como se sabe, capturado pela antropometria. Infelizmente ainda hoje há atores políticos importantes no país que ignoram a dimensão política e social da fome no nosso país e querem limitá-la apenas aos casos extremos de saúde pública.

O bolsa-família não é programa específico da saúde. É um programa de transferência de renda com forte compromisso com a educação, a saúde e os programas complementares de superação da pobreza.

O Brasil, desconsiderando a população de 15 milhões de habitantes de uma meia dúzia de países subsaarianos, é o país mais desigual do mundo.

As resistências contra a distribuição de renda no nosso país são recorrentes e ardilosas. A defesa do bolsa-família não pode ser menosprezada por todos que têm compromisso com um projeto nacional. É neste campo que se trava a principal luta política hoje.

Que venha, o mais rápido possível, o restante da POF. Avançaremos a discussão das linhas de pobreza. E, oh horror, mais facilmente, discursaremos sobre a pobreza relativa.