A PERÍCIA SOCIAL COMO POSSIBILIDADE DE ACESSO AO BPC NA ESFERA
JUDICIAL
Anayara Raissa Pereira de Souza1
Bruna de Melo Vitorino2
Adriana Giaqueto3
RESUMO:
O Serviço Social é uma profissão que vem se afirmando como uma “especialização do
trabalho” inscrita na divisão sócio técnica do trabalho. Os assistentes sociais têm como objeto
de trabalho as diversas manifestações da questão social, devido a isso, ampliam-se as
demandas sociocupacionais para este profissional. O Juizado Especial Federal (JEF) é um
desses espaços de atuação e foi criado para agilizar os processos de pequeno valor em que a
União, suas fundações e autarquias sejam rés. Quando ocorre o indeferimento da solicitação
do Benefício de Prestação Continuada (BPC) administrativamente no Instituto Nacional de
Seguridade Social (INSS), o usuário tem direito a recorrer ao Juizado e solicitar recurso.
Desta forma, quando o processo é instaurado, os Assistentes Sociais peritos inscritos no
Juizado desenvolverão a Perícia Social, que terá como resultado o Laudo Social, que será
apresentado ao Juiz e juntado aos autos processuais. Assim, o presente estudo objetiva
compreender a atuação destes profissionais que prestaram serviços ao Juizado Especial
Federal nos anos de 2001 a 2006, enquanto peritos sociais nos processos de solicitações de
BPC. Para isso, primeiramente foi realizado estudo para evidenciar a importância da proteção
social no Brasil. Em seguida, foram realizados questionários para a apreensão do processo de
trabalho do assistente social no contexto sociojuridico e por fim, a análise e discussão das
categorias elencadas do roteiro das entrevistas. Os dados obtidos demonstram algumas
dificuldades como precarização das condições de trabalho, ausência de conhecimentos sobre
perícia na graduação, aumento crescente da demanda por solicitações de BPC na esfera
judicial, como também demonstram que a perícia social pode ser uma forma de intervenção
no cotidiano dos usuários.
Palavras-chave: Benefício de Prestação Continuada; Perícia Social; Trabalho do Assistente
Social.
1 Assistente social da universidade Federal de Alfenas, discente do mestrado do programa de pós- graduação em serviço
social pela UNESP-Franca. Membro do GEDUCAS – Grupo de Estudos e Pesquisas sobre a Dimensão Educativa no Trabalho
Social
2 Assistente social, Discente do mestrado do programa de pós-graduação em serviço social pela UNESP-Franca. Membro do
GEDUCAS – Grupo de Estudos e Pesquisas sobre a Dimensão Educativa no Trabalho Social
3 Prof.(a) Dr.(a) da UNESP-Franca. Orientadora vinculada ao programa de pós-graduação em serviço social pela UNESP-
Franca. Líder do GEDUCAS – Grupo de Estudos e Pesquisas sobre a Dimensão Educativa no Trabalho Social
2
1. Introdução
O presente trabalho tem por intento apresentar a perspectiva do trabalho do assistente
social no Juizado Especial Federal de Franca (JEF), como perito social nas solicitações de
Benefício de Prestação Continuada (BPC).
Esse artigo é fruto de uma pesquisa realizada com os profissionais de Serviço Social
que trabalharam no JEF na cidade de Franca nos anos de 2001 a 2006. Este órgão tem como
função julgar causas de pequeno valor em que a União e seus equipamentos sejam réus. O
objetivo foi conhecer o processo de trabalho neste órgão da justiça justifica-se pelo fato da
importância em analisar a demanda por profissionais para desenvolver perícias, considerando
que o número de indeferimentos no Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) ratifica a
negatória de direitos. Considera-se que o trabalho do assistente social é fundamental neste
espaço, pois possui instrumentais que podem colaborar na compreensão de carência para além
da ausência material, para que a análise possa ir além do aparente, não restringindo apenas aos
recursos financeiros da família.
Através da pesquisa realizada muitos dados foram obtidos, nesse sentido, considera-
se necessário que se socialize as informações da pesquisa com os demais profissionais
assistentes sociais, para que no coletivo sejam repensadas as demandas profissionais e as
estratégias de enfrentamento a essas demandas. Esse artigo propõe, assim, instigar uma
reflexão acerca do trabalho das assistentes sociais que prestaram serviços ao Juizado Especial
Federal de Franca em casos de solicitações de BPC, assim como se faz necessário um olhar
para as condições de trabalho desses profissionais, inseridos no cenário desfavorável
neoliberal, em que o Estado não tem como prioridade o direito social e sim a manutenção do
mercado, fazendo com que os/as assistentes sociais comprometidos/as com o código de ética
profissional e o projeto ético político, sejam capazes de buscar estratégias de enfrentamento à
barbárie.
2. Caminho da pesquisa: técnicas e métodos
Antes da reflexão acerca do tema pesquisado, é necessário que se mostre e entenda o
cominho percorrido para realização da pesquisa. Inicialmente foi realizada uma pesquisa
bibliográfica e documental ao redor da temática sobre diversas fontes do saber, já em segundo
momento priorizou-se a pesquisa de campo junto às profissionais.
Todo o processo de construção da pesquisa utilizou-se do método qualitativo, que
visa compreender a totalidade, a valorização dos sujeitos como autores e transformadores da
história e da realidade em que estão inseridos.
A pesquisa qualitativa é defina por Minayo (1994, p.22):
[...] se preocupa, nas ciências sociais, com o nível de realidade que
não pode ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com o universo de
significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que
corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e
dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de
variáveis.
Para a coleta dos dados foram utilizados questionários, as quais contaram com roteiro
pré-estabelecido, com questões abertas, a fim de obter informações dos sujeitos entrevistados.
Os mesmos foram realizados via comunicação eletrônica, devido ao fato que duas das
entrevistadas não residiam em Franca.
Com o objetivo de preservar a identidade dos sujeitos da pesquisa, foi mantido em
sigilo o nome das profissionais, sendo substituídos pelos seguintes nomes fictícios: Rosa,
Vânia e Fernanda.
As análises das entrevistas são baseadas na utilização de categorias, que segundo
Minayo (1994) é um método a fim de estabelecer classificações e agrupar ideias que
estabelecem afinidades e possuam um mesmo conceito.
2.1 Dados da pesquisa: análise e interpretação
O processo de trabalho do assistente social é polarizado por interesses de classes, que
se recriam contraditoriamente além da intencionalidade dos sujeitos individuais, não podendo
ser eliminados as condições de trabalho do profissional. Como trabalhador assalariado, o
assistente social é contratado predominantemente pelo Estado e por empresários, para atuar
junto aos vários segmentos de trabalhadores, por intermédio da mediação de organizações
atuantes no campo das políticas sociais públicas e empresariais, geralmente articuladas à
4
órbita do poder econômico, político e cultural, por meio das quais são recriados interesses
divergentes.
A ideologia neoliberal divulga o sucesso do mercado auto regulável, entretanto
desmistifica-se esta economia perversa, quando pensamos que:
Essa explicação é totalmente incorreta, pois não é verdade que a economia
capitalista esteja passando por uma situação favorável. Pelo contrário. Os
países que aplicaram mais as políticas neoliberais têm tido, inclusive, certo
recuo histórico. É o caso da Inglaterra, de Margareth Tacher, que é celebrada
como uma das grandes lideranças dessa concepção. Todos os indicadores
econômicos apontam o fato de que a Inglaterra, primeiro país imperialista,
que liderou o capitalismo desde a época da Revolução Industrial [...] A
Inglaterra, cada vez mais, é uma potência capitalista de segunda categoria.
Não apenas está ultrapassada pelos Estados Unidos, pela Alemanha, pelo
Japão, como pela França, Itália e por uma série de outros países europeus,
em termos de produtividade do trabalho e de eficiência. (Machado 2008,
p.37)
Diante do exposto, observamos o crescimento da demanda pela intervenção do
assistente social, que como um profissional inserido na divisão sócio-técnica do trabalho,
também tem rebatimentos das transformações ocorridas em nível de organização do trabalho
que se evidenciam na precarização das condições de sua realização. São reflexos dessa
reestruturação a contratação informal, terceirização, achatamento dos salários entre outros; os
profissionais se veem duplamente excluídos por possuírem cada vez menos condições
materiais de trabalho e por perceberem que a demanda por suas competências, mesmo que de
forma precária, é crescente.
Esses aspectos podem ser percebidos na vivência relatada pelas assistentes sociais
que prestaram serviços ao JEF de Franca e em suas falas ficam claramente demonstradas a
precarização do trabalho e os reflexos do neoliberalismo.
Somos profissionais autônomos e recebemos por laudo realizado, os quais
são descontados INSS, IR e ISS, todas as despesas são da nossa total
responsabilidade, temos que atender todos os municípios que fazem parte da
área de jurisprudência e não importa se é zona urbana ou rural, os
pagamentos são efetuados após quarenta dias ou muito mais da entrega do
laudo (às vezes demora até seis meses) em depósito em conta corrente,
nunca sabemos quando vamos receber. (VÂNIA).
Sobre os contratos de trabalho estabelecidos, as entrevistadas se referiram à
indicação:
Fui indicada pelo diretor da UNESP, pois na época estava prestando serviços
no Centro Jurídico Social e com a Justiça Federal solicitou a indicação de 02
assistentes sociais, ele nos indicou a Rosa e eu. (VÂNIA).
Aos onze dias do mês de setembro do ano dois mil e um, chegou ao meu
conhecimento por meio de uma analista judiciária da Justiça Federal de
Franca a necessidade de preencher uma vaga de assistente social para
realizar laudos socioeconômicos na primeira vara federal. Com o
interesse em fazer parte dessa atuação profissional entreguei
currículo, como também de cópias de documentações pessoais, inscrição
no Conselho específico, inscrição de cadastro na Prefeitura como
trabalhador autônomo (ISS), assinatura de termo de compromisso na qual
o juiz federal deferiu o compromisso de bem e fielmente sem dolo e sem
malícia, desempenhar as funções de perita judicial (assistente
social). Prestado, assim, o compromisso, prometeu cumpri-lo com
fidelidade, sob as penas da lei. Para constar, lavrei este termo que,
lido e achado conforme, vai devidamente assinado. Assim, uns trinta
dias após fui nomeada por meio de diário oficial a realizar perícia em
um caso de aposentadoria por invalidez. (FERNANDA).
Tais falas evidenciam a informalidade na contratação dos serviços, e ainda como tal
serviço não efetiva o princípio da Impessoalidade contido no § I do art.37 da Constituição
Federal de 1988, por este princípio, o agente público deve conduzir suas atividades de forma
genérica e abstrata, sem visar interesses próprios ou de terceiros. Ou seja, a administração
pública não pode agir com intuito de beneficiar ou prejudicar pessoas ou grupos. Assim, a lei
8112 – que institui o Regime Jurídico dos Servidores Públicos da União, afirma que a
prestação de serviços sem vínculo empregatício com a união só deve acontecer em casos
excepcionais de calamidade pública, o qual não pode se esperar o provimento por via de
concurso público.
A Constituição Federal de 1988 promulga, dentre outros, os direitos sociais:
Educação, Saúde, Lazer, Trabalho, Moradia, Segurança, Previdência Social, Proteção à
maternidade, à Infância e a Assistência aos desamparados. Assim que foram garantidos
direitos pela constituição magna, o país na década de 1990 ingressou nos ajustes para inserção
no sistema neoliberal.
Desta forma, há muitas dificuldades para efetivação dos direitos, tendo como
consequência uma nova tendência, a judicialização dos direitos sociais, que transformam
problemas coletivos em demandas individuais que acumulam processos na Justiça.
Como já dissemos, a diversidade do conhecimento dificulta a apreensão do juiz de
determinadas situações, assim ele pode solicitar ser assistido por outros profissionais que irão
fornecer suporte a sua decisão; o assistente social desenvolve estes trabalhos como perito da
Justiça. As solicitações por perícia social no JEF- Franca são realizadas como citadas a seguir:
Quanto às perícias do Juizado Especial as solicitações são feitas online por
E-mail, através de uma senha que cada perito tem consegue-se entrar no
processo, sendo que o laudo é emitido e protocolado da mesma forma, as das
varas os funcionários dos cartórios ligam e o profissional tem que ir
6
pessoalmente ao cartório da vara, assinar a distribuição e levar o processo,
após a conclusão do laudo protocola-se no cartório distribuidor uma via, mas
segundo os cartórios os juízes é que indicam quais profissionais irão atuar no
processo e quais os prazos e honorários estabelecidos, todas são publicadas
em Diário Oficial. (VÂNIA).
Quanto ao conteúdo do pedido por perícia enviado pelo juiz foi identificado que o
objetivo é conhecer a realidade da parte autora. Destacaram também, que o perito ainda deve
estar atento aos prazos, pois o laudo pericial compõe provas que serão anexadas aos autos
processuais.
Ele (o Juiz) determina o profissional que irá realizar a perícia, o prazo de
entrega e honorários,. Os quesitos, geralmente, são solicitados pelo INSS e
os próprios advogados do réu (VÂNIA).
De acordo com Pizzol (2006), a perícia no judiciário tem a finalidade de conhecer,
analisar e emitir parecer sobre situações vistas como conflituosas ou problemáticas. Pode
constituir-se em um meio de prova, pois se trata de uma declaração técnica. Assim descreve
uma das entrevistadas:
Com tais dados inicio a coleta de dados e investigo a situação
socioeconômica do requerente. Utilizo de ficha social que a cada dia englobo
mais informações que possa dar suporte à construção do laudo
socioeconômico. Ainda considero que há autonomia para o desenvolvimento
do trabalho, ainda que há cerca de um ano e meio, com a entrada de uma
profissional assistente social que utiliza de máquina fotográfica para registrar
o que já deveria estar compreendido por meio da escrita, houve na
renovação de cadastramento de peritos judiciais do juizado especial
federal cível da 13ª subseção judiciária de Franca-seção judiciária do
Estado de São Paulo teve a menção do uso desse instrumental baseado no
código de processo cível art. 429. (Fernanda)
Quando ocorreu a publicização do fato de que estavam sendo usadas máquinas
fotográficas para a realização de perícias sociais no ano de 2007, em Franca, houve discussões
do que isso poderia significar num plano futuro para a categoria, vários foram os
posicionamentos que partiam da pressuposição de que representava a perda de espaço
ocupacional, pois não se faz necessário ter formação acadêmica para desenvolver tais
atividades; outros apontavam na direção de falhas no processo de formação/ capacitação
continuada, logo desconsiderando o compromisso de prestação de serviços com qualidade aos
usuários e principalmente o abandono do coletivo. Consideramos que embora a utilização da
máquina fotográfica seja permitida pelo art.429 do Código de Processo Civil, tal instrumental
descaracteriza o propósito do trabalho e a competência da profissão.
A multidisciplinaridade é uma constante no trabalho, ela acontece quando a solução
do problema necessita obter informação de duas ou mais ciências ou setores do conhecimento
sem que as disciplinas envolvidas no processo sejam elas mesmas modificadas ou
enriquecidas. Ela acontece com interação entre o Serviço Social e a Medicina. Vejamos os
relatos:
Sempre após a perícia médica, há o encaminhamento dos laudos ao perito
social. E sempre que necessário tínhamos abertura para discutir os casos.
(FERNANDA).
A discussão dos processos, quando ocorre, é sempre com os profissionais da
área médica. (VÂNIA).
Para a realização da perícia são utilizadas as ferramentas de trabalho (o instrumental
técnico-operativo do Serviço Social) e a postura política desenhada no código de ética
profissional.
Embora saibamos que não há receitas para a realização de atividades inerentes à
profissão, consideramos importante resgatar os instrumentais utilizados para que possamos
compreendê-los. Assim, de acordo com Fávero; Melão; Jorge (2008), as ferramentas de
trabalho para a realização da perícia podem ser assim apresentas: Entrevista, Visita
domiciliar, Estudo Social, Estudo socioeconômico e Laudo Social.
As Assistentes sociais relatam não terem obtido qualquer tipo de conhecimento
sobre perícia social na graduação. A abordagem sobre o ensino do método foi extinta dos
currículos dos cursos de Serviço Social quando houve o rompimento com o Serviço Social
tradicional, o que trouxe evidentemente uma lacuna no que se refere aos instrumentais de
trabalho. Vejamos o que diz uma das entrevistadas:
Eu não recebi especificamente conhecimentos sobre perícia não, apesar que
na minha época [década de 70] o Serviço Social de Caso era muito estudado
e trabalhado e isto nos deu muita base, principalmente na abordagem do
usuário, na coleta de dados e relatórios.(VANIA).
No que refere aos instrumentais:
Realizo a leitura e entendimento da situação, do objeto da ação requerida e
desde o início tabulei uma ficha social da qual preencho por meio da
investigação realizada in loco, onde subsidia a construção do laudo
socioeconômico. (FERNANDA)
8
Considerando que o estudo social é realizado para conhecer a realidade vivida pelo
usuário, ele consiste numa utilização articulada de vários outros instrumentos que nos
permitem a abordagem dos sujeitos envolvidos na situação. Tais instrumentos são as
entrevistas individuais ou conjuntas, a observação, a visita domiciliar e a análise de
documentos. Eles se constituem nos meios pelos quais o perito operacionaliza a abordagem da
situação.
Precisamos observar a situação particular apresentada na sua totalidade. Para
se realizar o estudo socioeconômico é preciso ir além do imediato, num
exercício constante da mediação. (ROSA)
O laudo social é muito específico de cada perito, pois representa seu parecer sobre o
caso solicitado. Assim os depoimentos evidenciam como são feitos por cada uma das
profissionais:
Considero que os laudos são individuais e a critério do profissional. (Vânia).
Especificamente o meu é composto de preâmbulo onde pontuo fatos
relevantes de forma sucinta, depois segue a ficha social onde consta
nome/data de nascimento/endereço/escolaridade/atividade laboral do
requerente, acrescido da sua composição familiar, situação
habitacional, atendimento médico e medicações ingeridas, quadro
financeiro, situação econômica, contendo orçamento receita/despesas e
eventual saldo, nível financeiro, assistência social (se a família é
atendida por benefício de transferência de renda (...) (Fernanda)
Os laudos são elaborados com base na ficha que foi preenchida durante o
estudo social e através dos registros que foram feitos na entrevista. É
composto pela Identificação, Histórico Social e Situação Apresentada,
Composição Familiar, Situação Habitacional, Situação de Saúde, Situação
Econômica e Conclusão. (Rosa).
No que tange ao processo de perícia ser também um processo de intervenção na vida
dos usuários. Assim apreendemos que toda vez que um agente entra em interação com uma
situação ou com elementos que nela se encontra, ele já está interferindo na situação. Neste
contexto, isto quer dizer que à medida que o assistente social entra em contato com uma
situação social a ser descoberta, ou com os sujeitos nela envolvidos, ele intervém e mais que
isso, produz modificações, quando realiza orientações, encaminhamentos e outros
procedimentos. Essas intervenções podem ser analisadas tanto do ponto de vista do momento
de sua realização como dos possíveis impactos que o parecer emitido poderá causar na vida
das pessoas. Tais aspectos são evidenciados na pesquisa realizada, a exemplo da fala da Vânia
Considero que seja intervenção na realidade dos indivíduos sim, pois na
maioria das vezes são pessoas desprovidas de atenção,
condições psicossociais, necessitando de humanização e direcionamento
sobre a rede de assistência social do município, como de saúde pública e
privada. (VÂNIA)
O Benefício de Prestação Continuada consiste na garantia de um salário mínimo ao
idoso (com 65 ou mais), com renda per capita familiar inferior a ¼ de salário e a pessoa com
deficiência incapacitada para o trabalho que não possua meios de manutenção e nem de tê-los
providos por sua família. De fato, é o maior benefício da Assistência Social, no entanto, é
gerido pelo INSS. Este vem passando por constantes reformas para se ajustar às políticas
neoliberais, que atingem de forma direta o princípio da universalidade da cobertura do
atendimento, equidade e da desburocratização do cidadão ao bem público.
De acordo com Demo (1995) é possível considerar que a política social no contexto
contemporâneo está cada vez mais focalizada, seletiva e com ações residuais. O autor ainda
afirma que é “a política pobre feita para o pobre”.
Assim, o que se observa é a negação de direitos. O BPC, neste cenário, não atinge a
população em risco de vulnerabilidade social, a qual se destina. E o acesso está cada vez mais
burocratizado para proteger os interesses da burguesia. Segundo ilustrado pela fala a seguir:
O BPC trouxe para a previdência um significativo aumento de sua
demanda, que já é grande. Por ser um benefício assistencial, não
contributivo, não gera arrecadação para os cofres previdenciários.
Porém, por ser um Direito Social conquistado, necessita ser melhor
informado para a população poder ter conhecimento desse benefício.
(ROSA)
De acordo com Faleiros (2008), o assistente social tem suas ações profissionais
direcionadas aos mais pobres e mais excluídos (sem bens e sem poder), reservas,
“imprestáveis para o capital”. Faleiros (1997) complementa que para trabalhar com os pobres,
em geral, não há muitos recursos e poder. Desta forma as questões teóricas estão articuladas
às questões políticas, culturais e ideológicas e econômicas, num processo complexo de
mediações (Faleiros, 2008, p.180).
Ao longo da história as categorias de classificação de pobreza sofreram alterações.
Na idade média a classificação era feita por noções que distinguiam os pobres em bons e
maus: os bons eram os que não se revoltavam contra sua miséria e as condições de trabalho.
A revolução de 1848 reivindicava, não direito à assistência, mas o direito ao trabalho
que nunca foi garantido na ótica liberal. No bojo da chamada “questão social” do século XIX
10
emerge com força a figura do trabalhador no processo da Revolução Industrial. O trabalhador
se inscreve numa relação contratual de troca de força de trabalho por salário direto ou indireto
(FALEIROS, 2008, p 183).
Com a distinção do trabalhador e do beneficiário, surgiu uma terceira: a dos
vagabundos que não queriam trabalhar, aos quais se destinavam a repressão.
Com o agravamento das manifestações da questão social e a crise econômica
mundial, conforme Pereira (2002), desde os anos 1930 Keynes fundamenta e propaga a
necessidade de intervenção do Estado na economia para assegurar o público, o trabalho
intensivo, a propensão ao consumo e o pleno emprego. No plano social, Keynes ainda postula
a instauração e a organização de sistema de seguridade pública como direito do cidadão e
obrigação do Estado. A principal iniciativa neste sentido foi o Plano Beveridge, elaborado em
plena Segunda Guerra Mundial (1942) que incluiu no sistema de Seguridade Social todos os
cidadãos e todas as necessidades sociais importantes da vida moderna. Entendemos que foi
instituída uma cobertura universal, diferente da noção Bismarckiana de Previdência que
assegurava somente os trabalhadores formais.
A intervenção do Estado para estabelecer certos mínimos sociais de
Previdência Social sem, contudo, afetar as transações do mercado e do
contrato capitalista de trabalho leva em conta não só o trabalhador como
indivíduo isolado e contribuinte, mas também o controle de certo nível de
miséria e pobreza pela obrigatoriedade do seguro social. (FALEIROS, 2008,
p.86)
Como vimos, os critérios para categorização da pobreza são históricos. Em 1988,
quando a Assistência Social passa a configurar como um direito de quem dela necessitar,
contraditoriamente elenca critérios de elegibilidade que determinam critérios de pobreza no
cotidiano do usuário solicitante. Sendo definidos pelas participantes os critérios de pobreza
como:
Baixa renda, empobrecimento escolar, condições precárias de moradia,
dependência e utilização da aposentadoria da pessoa idosa encontrada
sempre nesses lares e a visão crítica da realidade. (Fernanda)
Na verdade, para caracterização da “pobreza” na ocasião do estudo social,
utilizamos desse instrumental para conhecimento da realidade é análise da
conjuntura. Portanto, não temos como generalizar, pois esses critérios são
postos mediante estudo de cada situação específica. (Rosa)
O BPC é considerado repleto de contradições, entre estas está a consideração da renda
familiar como um dos requisitos para se ter direito ao benefício, embora este seja um
benefício individual destinado aos cuidados do idoso e do deficiente. Diante disto, as
entrevistadas fazem algumas considerações sobre os usuários:
A grande maioria dos periciados encontra-se em situações difíceis com
problemas de saúde, moradia, desemprego, idade avançada, estando
totalmente incapacitados para suprirem suas necessidades básicas e muitas
vezes sem perspectiva nenhuma de melhora, outros se encontra em situações
de vulnerabilidade social sem acesso a recursos sociais por total
desconhecimento e falta de orientações, mas tem sempre aqueles que
usufruem dos benefícios sociais e que tem plenas condições de se manterem,
mas são orientados e muitas vezes “iludidos” pelos seus advogados a
solicitarem os benefícios. (Vânia)
Os depoimentos ratificam os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios- PNAD, de 1998, divulgados pela revista da Associação Nacional dos Auditores
Fiscais da Previdência Social (ANFIP) “o rendimento dos idosos corresponde a 66,9% da
renda familiar. Nas famílias em que são chefes, os idosos são responsáveis por 75,2% da
renda total percentual que é ainda mais elevado nas áreas rurais onde os idosos respondem
81,7% da renda total da família”.
No que se refere ao conhecimento do usuário sobre o BPC, analisamos pelas
entrevistas que muitos confundem o BPC com aposentadoria, ou seja, não sabem que é um
benefício da Assistência Social, também não possuem conhecimento sobre a avaliação que
ocorre a cada dois anos para continuar recebendo, que não têm direito ao 13º pagamento.
E que o mesmo cessará caso sejam superadas as condições que lhe deram início ou
ocorra o falecimento do beneficiário. Os indivíduos que solicitam o benefício,
predominantemente, parafraseando Pedro Demo (2005), vivem em condições de pobreza
política, onde a implicação da pobreza é desdobrada também em sua dimensão política, a
destituição material é algo muito grave, mas mais grave ainda é ser massa de manobra, não
poder comandar seu destino, depender em tudo dos outros. Logo, a falta de cidadania é a
pobreza mais aguda. De acordo com Demo (2005, p. 96), Passar fome é uma questão de
extrema gravidade, inconcebível em qualquer democracia ligada aos direitos humanos. Mas
não saber que a fome é inventada, imposta, manipulada, é uma questão ainda pior, porque se
extermina o sujeito, tornando-o objeto de forças externas e estranhas.
Fulcro fundamental é a ignorância cultivada, no sentido de manter as pessoas na
inconsciência política, de tal sorte que não saibam reagir e confrontar-se com o
processo de marginalização. Trata-se de reconhecer a “politicidade” da pobreza,
para além de sua marca material entendida como “carência”. O pobre não tem
apenas carência material- falta de comida, emprego, renda, casa – mas antes de tudo
12
é “marginalizado”, no sentido dialético do termo: é incluído na margem, como
massa de manobra. Faz parte intrínseca do sistema capitalista periférico, no
movimento da politicidade da realidade. (DEMO, 2005, p.95)
Daí a importância de destacar a intervenção do Assistente Social, pois diferente de
outros profissionais, este trabalha a dimensão educativa e a compreensão do solicitante como
sujeito de direitos. Assim as entrevistadas elucidaram esta situação:
Eu considero que nem sempre eles sabem o que é o BPC, e também
normalmente o advogado é que acompanha todo o processo e não orienta
corretamente o usuário, é muito difícil você encontrar usuário que tem pleno
conhecimento do seu processo. (Vânia)
Foram anos de luta da categoria para reaver o espaço do Serviço Social no INSS que foi
extinto no primeiro governo do presidente Fernando Henrique Cardoso por ter identificado o
potencial e a militância dos profissionais que desenvolviam os serviços compromissados com
a efetivação dos direitos dos usuários. Deste então, as intervenções foram pontuais e sem
melhoria nas condições de acesso do usuário ao BPC. Em 2009 foi realizado o concurso para
a contratação de 900 assistentes sociais para trabalharem com o BPC no INSS. Indagamos às
entrevistadas se elas acreditam se com esta conquista a demanda por perícias no JEF irá
diminuir. Vejamos o que elas responderam:
Considero que foi uma conquista para a categoria. Se o trabalho for
desenvolvido com competência e desde que sejam respeitadas e aceitas as
intervenções das profissionais as perícias deverão diminuir pela metade.
(Vânia)
Evidenciam-se nas falas as dúvidas quanto à atuação do assistente social, se este será
mais um instrumento de burocratização e restrição ou se o trabalho, desenvolvido por um
profissional crítico propositivo, será uma possibilidade de acesso ao BPC, considerando que
dificuldades estruturais continuam se agravando.
São muitos os desafios para a realização do processo de trabalho do assistente social
no âmbito da justiça, a busca da essência do complexo social se faz incessante no cotidiano
profissional. São inúmeras as dificuldades para que as políticas públicas existentes possam
viabilizar proteção social ao segmento mais necessitado, bem como ao conjunto da população
no atual estágio do sistema capitalista. Entretanto, ao profissional cabe o desafio de atuar nos
liames das contradições em que está inserido e imprimir ao seu trabalho a perspectiva do
projeto ético-político da profissão.
3. Considerações finais
Pelo estudo realizado foi possível perceber como o neoliberalismo, caracterizado
pela escassez de recursos e o Estado Mínimo (para o Social) tem repercutido na vida do
trabalhador e no trabalho dos assistentes sociais. Destacamos nesse cenário, o ataque aos
direitos de cidadania conquistados às duras penas pelos movimentos sociais e setores políticos
engajados com a luta dos trabalhadores.
O Benefício de Prestação Continuada constitui-se o maior benefício da Assistência
Social, destinado à população em estado de extrema pobreza. No entanto, seu histórico de
regulamentação e gestão foi repleto de incoerências e descontinuidades. Tudo isso, ocasionou
dificuldades de acesso ao mesmo.
O estudo possibilitou-nos constatar que as assistentes sociais que prestaram serviços
ao Juizado Especial Federal de Franca em casos de solicitações de BPC, apresentaram
precárias condições de trabalho, materializando-se na ausência de vínculo empregatício,
irregularidades nos vencimentos percebidos pelas mesmas e utilização de recursos próprios
para a realização de atividades relacionadas ao processo pericial.
As profissionais empenham-se na realização de perícias sociais com
comprometimento ético e com qualidade, embora não tenham recebido as diretrizes deste
trabalho na graduação.
A compreensão que as mesmas demonstram a respeito dos usuários e suas famílias
solicitantes nos chamou a atenção, devido à evidência do comprometimento com a efetivação
de direitos destes sujeitos espoliados dos meios de produção e reprodução de sua
sobrevivência.
Além disso, foi destacada a burocracia como meio de defesa dos interesses das
classes dominantes como forma de cercear ou ocultar uma problemática de grande dimensão
como são os indeferimentos do INSS.
Embora existam restrições e exigências ao trabalho do assistente social como Perito
Judicial, a intervenção deste profissional configura-se como uma possibilidade de inclusão do
beneficiário, visto que a categoria se compromete com ações crítico propositivas, que
apreendam a questão da pobreza para além da ausência de recursos materiais.
4. Referências:
BRASIL. Ministério da Previdência Social. Disponível em: <http://www.mpas.gov.br>.
Acesso em: 2009.
14
_______. Constituição da República Federativa do Brasil de 5 de outubro de 1988.
Brasília/ DF: Senado Federal, 2004.
DEMO, Pedro. Cidadania tutelada e cidadania assistida. Campinas: Autores Associados,
1995.
FALEIROS, Vicente de Paula. Estratégias em Serviço Social. 8. ed. São Paulo: Cortez,
2008.
______. Pesquisa: princípio científico e educativo. 5. ed. São Paulo: Cortez, 1997.
______Dureza: pobreza política de mulheres pobres. São Paulo: Autores Associados,
2005.
MINAYO, Maria Cecília de Souza(org). Pesquisa Social: teoria, método e criatividade.Rio
de Janeiro: Vozes, 1994.
PEREIRA, Potyara A. P: Estado, regulação social e controle democrático. In: ______Política
Social e democracia. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2002.
PIZZOL, Alcebir Dal. Estudo social ou Perícia social: um estudo teórico-prático na Justiça
Catarinense. Florianópolis: Insular, 2006.