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Este o nosso mundo, o que demais nunca o bastante. A primeira vez sempre a ltima
chance. (Renato Russo Teatro Dos Vampiros).
1. INTRODUOOs meios de comunicao, de forma geral, veiculam manchetes, notcias e artigos a
respeito de substncias psicoativas reforando a ideia de que o abuso de drogas um sintoma
da clnica contempornea1. No entanto, muitos so os que contemplam uma viso reduzida de
tal acontecimento, negligenciando o contexto social, a histria e as caractersticas do
indivduo, dando nfase apenas s drogas. O uso dessas substncias no algo que acontece
apenas no contexto da contemporaneidade. Deve-se entender que esse fenmeno acontece h
muito tempo, em todo o mundo e para inmeras finalidades (PRATTA; SANTOS, 2006).
Quanto s formas desse consumo, existem alguns aspectos que distinguem o uso de
povos antigos e de usurios da contemporaneidade. Um desses aspectos est relacionado ao
fato de que, antes, o uso de drogas era coletivo e fazia parte de um ritual de um certo grupo
social (PRATTA; SANTOS, 2006). Hoje, o consumo acontece de forma mais abusiva e
tentando explicar tal fenmeno, Teixeira (2005) escreve:
ao contrrio do que ocorria em pocas anteriores, o sujeito no tem entre si e o objeto um
tempo de espera, uma distncia geogrfica, no tem de passar por nenhuma prova nem
tampouco demonstrar merecimento (p. 158)
Ou seja, devido ao imediatismo e diminuio da distncia entre o fornecedor e o
consumidor mudaram-se as formas de consumo da droga. Tal consumo tambm passou a ser
mais individual, principalmente pelo fato de um discurso capitalista em que se ressalta o
individualismo (TEIXEIRA, 2005).
O outro aspecto relaciona-se s diferentes razes desse uso que, antes, era buscada
para se conseguir coragem e fora na busca por maneiras de conseguir mais prazer e prevenirsofrimento (PRATTA; SANTOS, 2006). Na perspectiva de alguns autores como Lilany V.
Pacheco, o uso de drogas na modernidade trata da obteno de experincias, a partir da
alterao artificial dos estados de conscincia e percepo (1996; p. 11). Para Pacheco, seria
uma forma de lidar com as dificuldades e problemas colocados pela cultura. Freud j afirmara
que existiriam apenas trs sadas para lidar com o mal-estar na cultura: o uso de drogas, a
1 No intuito deste trabalho explicar o que a clnica contempornea, mas parece ser importante enfatizar que aclnica contempornea aquela que lida com os aspectos do homem considerado ultramoderno que, segundo
Mendes e Paravidini (2007), se sente frgil devido s vrias escolhas que ele obrigado a tomar j que umaescolha sempre implica em uma perda e, quando se escolhe algo, deixa-se de escolher outras possibilidades.Outro motivo seria o aumento de exigncias, expectativas e responsabilidades que esse indivduo encontra emsua vida.
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neurose e a sublimao (LEITE, 2001). A neurose poderia ser explicada como uma forma de
tentativa de diminuir a angstia advinda das dificuldades impostas ao tentar se viver em
sociedade e a sublimao no sentido de obter outro sentido para o mal-estar, especialmente na
produo de objetos/comportamentos reconhecidos socialmente.
Existem alguns critrios que diferenciam o uso, do abuso de drogas. O uso abusivo,
normalmente, est relacionado a no realizao ou fracasso nos compromissos escolares e
ocupacionais, riscos de leso ou alterao fsica pelo uso da droga, problemas legais
envolvidos no consumo da substncia e uso contnuo da droga mesmo que haja problemas
sociais envolvidos (LEITE, 2001). Dessa maneira, parece ser importante ter uma viso um
pouco mais abrangente da histria que existe acerca das drogas.
Histrico das drogas
No cabe a este trabalho explicar, em detalhes, o histrico da droga, porm no se
pode esquecer que os primeiros registros sobre drogas datam de milnios atrs. O lcool, por
exemplo, parece ter sido usado h, aproximadamente, 5000 anos antes de Cristo. H registros
tambm entre os chineses, sumrios e hindus a respeito de cnhamo (maconha) e pio. Um
perodo histrico muito estudado a respeito da droga o sculo XIX, porque quando comea
sua sntese, ou seja, quando foi possvel fabricar frmacos que tinham um maior efeito nosistema nervoso.
Entre as dcadas de 1920 e 1940, outras substncias como as anfetaminas tambm
estavam entre as drogas sintetizadas pela cincia (NOGUEIRA FILHO, 2005). O propsito de
se fabricar tais substncias em laboratrio foi, por exemplo, o de combater alguns sintomas,
como problemas estomacais (no caso dos opiceos) e asma, melancolia e ganho de peso, no
caso das anfetaminas (NOGUEIRA FILHO, 2005). Ou seja, havia um discurso corrente de
que a fabricao era indispensvel para se obter a cura de algumas doenas. Nessa mesmalinha, uma droga que chama bastante ateno na atualidade o ecstasy.
Ecstasy
Ele foi patenteado em 1914, na Alemanha e era usada para moderao de apetite, mas,
devido a seus efeitos colaterais, a droga foi esquecida. Em 1965, um bioqumico norte-
americano, chamado Alexander Shulgin, argumentou ter sintetizado a droga e, aps seu
consumo, ter sentido prazer, e, treze anos depois, o mesmo bioqumico defendeu o uso do
ecstasy como um auxiliar psicoteraputico (ALMEIDA; SILVA, 2000).
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No Brasil, a histria do ecstasy bem mais recente. A droga chegou a So Paulo vindo
da Holanda, em 1994 e era usada, principalmente, em clubes noturnos. Em seguida, ela foi
levada s festas chamadas raves, que eram organizadas por DJs brasileiros (ALMEIDA;
SILVA, 2000). Atualmente, principalmente na mdia, o ecstasy est relacionado a prises,
trfico e delinquncia e seus efeitos so diversos: entre os imediatos esto euforia, aumento da
autoconfiana e alterao da motricidade; enquanto entre os tardios esto inapetncia,
agitao e insnia (ALMEIDA; SILVA, 2000). Outro aspecto interessante da abordagem que
se tem feito do ecstasy pela mdia a associao entre a droga, a adolescncia e as festas-
rave. Parece ser importante, ento, entender um pouco mais sobre esses dois outros
elementos.
Festas-rave
A rave tem sua origem na Espanha, onde ocorreu um evento musical em Ibiza, uma
ilha localizada no Mar Mediterrneo, pertencente ao arquiplago das Ilhas Baleares, onde os
participantes experimentaram o ecstasy e acharam-no extremamente interessante (ALMEIDA;
SILVA, 2000). Logo depois, em Manchester Inglaterra, alguns empresrios passaram a
organizar festas com msica eletrnica em casas noturnas a mais famosa chamava-se
Factory e os ravers (participantes das raves) usavam ecstasy ou LSD. Desde ento, asfestas-rave foram ficando mais sofisticadas.
Elas deixaram de acontecer dentro do permetro urbano e passaram a acontecer em
lugares mais remotos e amplos, devido ao nmero de pessoas que participavam das festas. No
Brasil, as raves acontecem em aeroportos, fazendas ou praias desertas, ao som de msica
eletrnica e permeado de drogas psicoativas, onde milhares de pessoas tentam se divertir
(ROCHA, 2006). Ainda de acordo com Rocha (2006), as festas-rave brasileiras no tiveram o
mesmo percurso que as da Europa, ou seja, elas j comearam a acontecer fora do permetrourbano (nas praias desertas do litoral baiano e carioca, por exemplo).
Hoje, um outro movimento parece estar ocorrendo em relao s festas-rave,
principalmente na Europa, que a sua volta ao permetro urbano (ABREU, 2006). Nas
principais capitais da Europa Ocidental, j acontecem festas gigantescas que chamam
milhares de pessoas, porm a msica eletrnica e o uso de drogas ainda so elementos
presentes.
Muitos que compem esse pblico de raves so adolescentes. Ou seja, so pessoas que
esto passando por um perodo de mudanas fsicas, psicolgicas e sociais (PEREIRA, 2005).
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Assim, imprescindvel um maior enfoque na adolescncia para que se entenda melhor o uso
de drogas, e suas possveis relaes com esse fenmeno.
Adolescncia e Uso de drogas
Silvia Brasiliano (2006) discute a ideia do conceito de adolescncia na sociedade
contempornea refletindo sobre as possveis razes para se relacionar o uso de drogas ao
adolescente. Concordando com Nogueira Filho (1999), Brasiliano (2006) afirma que a
adolescncia uma fase de transgresso, tentativa de se desconectar da famlia. Mas a
adolescncia um construto terico tambm recente, de forma que alguns dizem que sua
importncia demasiadamente superestimada. Para Brasiliano (2006), o uso de drogas est
diretamente relacionado tentativa do jovem de lidar com a obscuridade da fase de sua vidapela qual est passando. Tambm nessa direo de pensamento, Lemos (2007) e Birman
(2003) afirmam que o uso das drogas, em raves, por exemplo, uma das nicas sadas
encontradas pelo jovem no mundo ps-moderno.
Nesse ltimo sentido, parece haver um outro elemento que, ao ser melhor analisado,
pode ajudar no entendimento do uso de drogas, principalmente na obscuridade da
adolescncia que o discurso da cincia.
Discurso da Cincia
O discurso das cincias, como elemento conformador de sentido nas sociedades,
influenciam diretamente o sujeito. Para Teixeira (2005), na sociedade regida pelo
Capitalismo, as pessoas so reguladas por uma instncia que tem como funo dar as normas
e as regras e existe uma espcie de articulao entre o indivduo que regulado e aquele que o
regula. Ento, por influncia tambm do Capitalismo, em que qualquer coisa pode ser
transformada como um objeto de desejo e de consumo, a droga um excelente exemplo detamponamento2e combustvel psquico (PRATTA; SANTOS, 2006).
Inez Lemos (2004) diz que:
A toxicomania, como mtodo qumico de intoxicao, prova cabal do efeito do discurso
da cincia nos interstcios do saber, que cria um novo produto tanto para o mercado de bens,
como para o mercado do gozo3 (p. 52).
2 De forma geral, o tamponamento pode ser entendido como aquilo que preenche a falta do sujeito, mas tais
aspectos sero mais bem tratados adiante.3H em Lacan uma distino entre gozo e prazer. O prazer est ligado repetio de experincias primeiras desatisfao que ocorreram na vida infantil. O gozo est para alm do princpio do prazer e sempre indicaprocessos de transgresso de limites que tocam o sofrimento e a morte .. (SAFATLE, 2001: 10).
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Ou seja, para Lemos, existem aspectos do discurso cientfico vigente que satisfazem
duplamente: tanto financeiramente aos fornecedores quanto corporalmente aos usurios.
Diante dessa dupla satisfao, parece ser interessante tomar como objetos de investigao
tanto as festas-rave quanto o uso de ecstasy para entender, primeiro, um dos lados: a dos
fornecedores. possvel entender que os fabricantes e traficantes da droga so os mais
interessados em propagar a ideia de que, com o uso da substncia, o usurio teria um poder
indescritvel e uma satisfao incrvel. A satisfao seria de tal ordem que o usurio, no raro,
tende a se isolar, uma vez que ele no precisa de mais ningum para alcanar a felicidade
(CAVALCANTE, 2003), assim, oferecendo uma forma de gozo aos sujeitos inseridos na
lgica do mercado de consumo.
Em relao s festas-rave, autores as descrevem como uma festa em que existemmilhares de pessoas, porm a maioria delas encontra-se sozinha, como se essas pessoas
fossem ilhas que fizessem parte de um mesmo arquiplago. Outra caracterstica dos
participantes dessas festas a de que eles parecem estar num estado de tdio absoluto
(ROCHA, 2006). Fica evidente, ento, que o uso de substncias psicoativas passa a ter outro
sentido e, assim, outras consequncias. Para entender melhor as consequncias de uso,
necessrio entender, anteriormente, como o discurso da Cincia tem influenciado o corpo,
seria necessrio entender tambm quais so as caractersticas do toxicmano e datoxicomania.
Para que isso seja feito, parece que um caminho a ser percorrido seria o de entender os
conceitos de toxicomania e toxicmano a partir de uma leitura psicanaltica, uma vez que a
Psicanlise, como teoria que busca entender as ligaes subjetivas entre elementos
aparentemente dispares, poderia talvez ajudar no entendimento desses aspectos.
Uma leitura psicanaltica da toxicomania e do toxicmanoA toxicomania, de acordo com Brasiliano (2006), um sintoma contemporneo e para
um melhor entendimento sobre ela e sobre o toxicmano, numa perspectiva psicanaltica,
parece ser importante retomar o conceito lacaniano do estgio do espelho4.
Claude Olievenstein, psicanalista francs, explica que para o toxicmano, acontece
mais ou menos alguma coisa intermediria entre um estgio do espelho bem sucedido, e um
estgio do espelho impossvel (1985: 84). Ou seja, o indivduo no se desliga totalmente da
4 Expresso cunhada por Jacques Lacan, em 1936, para designar um momento psquico e ontolgico daevoluo humana, situado entre os primeiros seis e dezoito meses de vida, durante o qual a criana antecipa odomnio sobre sua unidade corporal atravs de uma identificao com a imagem do semelhante e da percepode sua prpria imagem num espelho. (ROUDINESCO, 1997: 194).
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me e nem permanece totalmente no estgio fusional com ela. Ele passaria por uma espcie
de estgio do espelho quebrado, em que seu narcisismo despedaado, de forma que o
indivduo teria um desligamento parcial da me, em que alguns vazios seriam percebidos
como partes que no se distinguem, no imaginrio, me/filho.
No entanto, ainda existem duas outras condies, segundo Olievenstein, necessrias
para que um indivduo se torne toxicmano. Uma que deve haver o encontro entre ele e a
droga, a outra est associada relao que existe entre o indivduo e a transgresso da Lei.
Para Olievenstein, a Lei entendida tanto como a lei simblica quanto a lei real, ou seja,
pensando tanto em uma lei subjetiva, quanto naquela existente no sistema legislativo.
Explicando tal relao entre o indivduo e a sua transgresso da Lei, Olievenstein
(1985) afirma que,A relao do futuro toxicmano com a Lei modifica-se (...) por necessidade absoluta de
organizar em outra parte o narcisismo destrudo (...), ou porque a presso ldica para existir
mais imperativa que a presso legalesta ltima sentida como inoperante, pois aqueles que
a encarnam so renegados (pai idoso, impotente, homossexual, por exemplo, (...) sentido como
incapaz de satisfazer a me) , ou ento porque o nico modo de ser no mundo, primrio e
biolgico, reside no masoquismo como tentativa de organizao da auto-imagem, ou,
finalmente o caso mais freqente , porque, como para o gro de areia, todos esses
elementos se combinam (p. 82).
Em outras palavras, o consumo da droga teria quatro explicaes. A primeira seria no
sentido de tentar se organizar psiquicamente como se a droga fosse uma espcie de argamassa
que juntaria os pedaos do narcisismo destrudo do indivduo no estgio do espelho quebrado.
A segunda e a terceira, para Olievenstein (1985), esto relacionadas a uma tentativa do
indivduo de jogar com a sua prpria vida no sentido de tentar resolver o problema
insolvel do ego e da identidade (p. 86), ou seja, o futuro toxicmanojogaria com a sua vida
para tentar solucionar a questo de sua identidade e organizar a imagem que tem de si mesmo,chegando at a praticar aes que o fazem sofrer. A quarta, ento, seria uma combinao
dessas explicaes anteriormente explicitadas, ou seja, as trs primeiras.
Em relao droga, tomando-a como um objeto de consumo, existe uma caracterstica
que torna clara sua contemporaneidade: ela de fcil acesso. Usando um vocabulrio
lacaniano, Teixeira (2005) conclui que uma implicao desse fcil acesso no caso dos
toxicmanos que, para eles, a droga funciona como objeto a5,ou seja, algo no simbolizvel,
5Termo introduzido por Jacques Lacan, em 1960, para designar o objeto desejado pelo sujeito e que se furta aele a ponto de ser no representvel, ou de se tornar um resto no simbolizvel. Nessas condies, ele apareceapenas como uma falha-a-ser, ou ento de forma fragmentada, atravs de quatro objetos parciais desligados do
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que se furta ao sujeito. No entanto, embora a droga falhe-a-ser, ela faz parte da realidade do
sujeito a droga no est ausente e isso faria com que a onipresena avassaladora do
objeto [a droga], que se apresenta como capaz de tapar toda falta, pe em suspenso a prpria
castrao simblica. Diante dessa presena excessiva o prprio sujeito que se apaga (p.
160). Em outras palavras, a droga, ao se apresentar como onipresente a evocao do desejo,
coloca em cheque qualquer iluso de autonomia para o sujeito.
Uso de drogas x Toxicomania
A partir disso, fica mais fcil distinguir a toxicomania do uso de drogas. Para os
toxicmanos a droga vital, enquanto para os usurios de droga, ela parece ser vista apenas
como uma forma de lazer e recreao. Logo, ficam evidentes as diferentes formas de o sujeitose relacionar com o que consumido.
Na perspectiva de Claude Olievenstein, a diferena entre o usurio de drogas e o
toxicmano est na infncia. O primeiro no teve um evento especfico em sua infncia, de
forma que, caso ele experimente a droga, ela no se tornaria vital, porque o indivduo no
teria uma tendncia definida nesse sentido da necessidade toxicmana de tentar juntar os
pedaos do narcisismo destrudo. Assim, aquele que tem de lidar com situaes de solido,
separao, aniquilao, perda e luto poderia conseguir, por meio da droga, uma defesa rpidacontra a angstia. Alm disso, muitos psicanalistas tm estudado as relaes entre o corpo e o
discurso da cincia, entendendo que os sentimentos anteriormente nomeados (solido,
separao, aniquilao, perda e luto) so hoje, alvos tambm da cincia.
A questo do corpo na contemporaneidade
O que parece acontecer, de acordo com Pacheco (2000) e Forbes (2003) que, diante
de situaes em que o indivduo se sente mal, em vez de tentar lidar com elas lanando moda palavra, ou seja, tendo contato com aspectos internos, a cincia tem, cada vez mais, dado
condies para que as pessoas faam uso do prprio corpo paraaparentementeresolver
seus problemas e, assim, evitar contedos inconscientes. Essa explicao poderia ser vlida
tambm no caso do uso de drogas, ou seja, assim como uma pessoa triste tem a possibilidade
de tomar um antidepressivo e achar que acabou com seus problemas, outra pessoa que tem
problemas com as exigncias sociais resolveria seus problemas ao usar uma droga, usando
seu corpo nos moldes que a cincia usa hoje.
corpo: o seio, objeto de suco, as fezes (matria fecal), objeto de excreo, e a voz e o olhar, objetos do prpriodesejo (ROUDINESCO, 1997: 551).
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Assim, percorrido o caminho na tentativa de um melhor entendimento a respeito do
uso de drogas, preciso que se explique uma das principais razes para lidar com esse assunto
que exatamente a questo da sade pblica.
O uso de drogas e a sade pblica
Existe um esforo para tentar entender o uso de drogas, porque h tambm uma
preocupao com a sade pblica devido s altas incidncias de consumo e trfico. Pensando
nessa questo social e tendo descrito alguns aspectos da toxicomania e do uso de drogas,
pode-se tentar chegar a respostas por meio daquilo que dito entre um pblico jovem a
respeito dessas substncias. Mais especificamente, o uso de ecstasy em raves.
As estatsticas mostram que o consumo de ecstasy no Brasil cresceuconsideravelmente e os dados mostram que esse consumo tem aumentado, principalmente
entre os jovens. Essas informaes seriam to preocupantes que at a Organizao das Naes
Unidas (ONU) vem alertando o governo brasileiro em relao a essa situao.6
Possveis respostas da pesquisa podem mostrar as razes para o aumento de
publicaes sobre o tema em jornais e revistas. Alm disso, no so todos os jovens que vo a
essas festas. E entre aqueles que vo, no so todos que fazem uso de ecstasy. No entanto,
muitos deles tm opinies formadas a respeito de tal assunto. Pode-se pensar, ento, numainvestigao sobre uma possvel relao entre o discurso comum sobre o ecstasy e aquilo que
exposto por esses jovens que no fazem uso dessas substncias, podendo, assim, chegar a
outras respostas em relao demanda que existe no seu consumo.
Tais respostas podem ser teis na construo de programas preventivos e ajudar a
entender qual o impacto do discurso vigente sobre aqueles que consomem o ecstasy. Essa
construo de conhecimento faz parte exatamente daquilo que chamado de clnica
contempornea.
6 Dados obtidos pelo site [http://200.144.91.102/cebridweb/default.aspx] pertencente ao Centro Brasileiro deInformaes sobre Drogas Psicotrpicas (CEBRID), vinculado a Universidade Federal de So Paulo(UNIFESP).
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2. DESENVOLVIMENTO2.1.ASPECTOS DA PESQUISA
Parece ser necessrio entender que o objeto de investigao do presente trabalho da
ordem da subjetividade, ou seja, algo que est em constante mudana por estar sensvel ao que
acontece na atualidade (REY, 2002), contrastando com tal ideia, existem grandezas que
podem ser medidas numericamente, ter um valor absoluto e, assim, testar constructos e
hipteses (DIAS, 2000). Para o primeiro tipo de investigao, costuma-se adotar mtodos do
tipo qualitativo para que se consiga ter resultados mais satisfatrios enquanto, para o segundo,
tende-se a usar mtodos quantitativos.
Pode-se ter um melhor entendimento de mtodos qualitativos ao pensar que existem
trs princpios que apoiam a epistemologia qualitativa. Um desses princpios est relacionadoao conhecimento que produzido de forma construtiva-interpretativa. Isso significa que existe
uma integrao e reconstruo de indicadores que aparecem na pesquisa e, ao serem
apresentados, eles passam por um processo de construo que envolve a interpretao do
pesquisador.
O segundo diz respeito ao participante da pesquisa. Parte-se do suposto de que todos
os indivduos possuem algo singular em sua constituio subjetiva e a forma como ele
expressa tal subjetividade aquilo que ser significativo para a pesquisa.Um terceiro princpio o fato de que tal construo de conhecimento feita
interativamente, uma vez que existe, para tais mtodos qualitativos, a relao entre quem faz a
pesquisa e os participantes desta pesquisa.
Dentre as metodologias qualitativas existem as entrevistas semi-estruturadas e no
diretivas, as tcnicas projetivas, os grupos focais (DIAS, 2000), entrevistas episdicas,
grupais, observao participante e pesquisa documental (BUNCHAFT; GONDIM, 2004). O
presente estudo lanou mo da tcnica de grupos focais, por ser aquela que possibilita ummaior contato com o discurso de um grupo mais homogneo de pessoas e, assim, leva a
concluses mais claras e anlises mais profundas.
Metodologia
Carlini-Cotrim (1996), concordando com Krueger (1988), escreve que o grupo focal
um mtodo de pesquisa qualitativa que pode ser utilizado no entendimento de como se
formam as diferentes percepes e atitudes acerca de um fato, prtica, produto ou servios
(p. 286).
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Pode-se entender o grupo focal como uma espcie de entrevista feita com um grupo de
pessoas, mas de forma que o pesquisador tenha uma mnima participao na discusso, ou
seja, no uma espcie de sesso de perguntas feitas por quem estiver conduzindo o grupo e
respostas dadas pelos participantes (CARLINI-COTRIM, 1996).
Baseado nisso e, de acordo com Brunchatf e Gondim (2004), o pesquisador moderou o
grupo tentando fazer com que existisse uma discusso entre os participantes de forma que ele
interviesse pontualmente para esclarecer as opinies emitidas, introduzir e concluir tpicos
de discusso (p. 66).
Bunchaft e Gondim explicam, ainda, que existem algumas regras para a conduo de
um grupo focal,
i) somente uma pessoa deve falar de cada vez; ii) conversas paralelas devem ser evitadas; iii)ningum deve dominar a discusso; iv) todas tm o direito de falar o que pensam e v) o papel
da moderadora apenas introduzir novos temas ou perguntas e facilitar a discusso entre as
participantes (p. 69).
Seguindo essas regras, tentou-se formar um grupo focal de forma que os participantes
interagissem e falassem exatamente aquilo que pensavam, sem que se sentissem julgados
(CARLINI-COTRIM, 1996). O moderador foi capaz ento de levantar tpicos que lhe
interessassem para a pesquisa aquilo que tentou ser investigado entre aqueles que fizeram
parte do grupo.
Para isso, o moderador tomou alguns cuidados como deixar os participantes o mais
vontade possvel, deixar claras as regras sempre que necessrio, tentar extrair o mximo dos
participantes em relao quilo que lhe interessava e evitar assuntos que fizessem com que os
participantes se distanciassem dos principais tpicos (BUNCHAFT; GONDIM, 2004).
Os assuntos foram abordados de forma crescente, ou seja, aprofundando-se cada vez
mais naquilo que se queria investigar (DIAS, 2000) e de forma a se tentar aproximar do tema
no diretamente.
Quanto ao nmero de participantes que compuseram o grupo, o pesquisador tentou
seguir o que a literatura traz que so grupos focais geralmente compostos por seis a dez
pessoas e com o tempo de durao de aproximadamente uma hora e meia por reunio
(CARLINI-COTRIM, 1996).
Com o uso de equipamento e material adequados, foi possvel fazer o recrutamento
dos participantes da pesquisa e coletar os dados obtidos em reunies numa sala do Servio
Escola do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de So Carlos (UFSCar) de
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forma que nenhum critrio tico tenha sido desprezado ou infringido. Os maiores detalhes
sobre procedimento de pesquisa encontra-se no APNDICE A.
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3. RESULTADOS E DISCUSSOO presente estudo investigou o discurso de jovens universitrios acerca do ecstasy e,
de forma mais aprofundada, do consumo dessa droga no contexto de festas-rave. Aps a
transcrio das discusses que foram gravadas, as declaraes foram categorizadas em trsprincipais categorias, uma vez que, de forma geral, foram os temas que mais apareceram no
discurso dos participantes: as razes para que um indivduo faa uso do ecstasy, as
caractersticas do ecstasy em vrios mbitos e a relao entre as festas-rave e a subjetividade
das pessoas que participam dessas festas. Os participantes foram identificados pela letra P e
um nmero (entre 1 e 6) sorteado de forma aleatria.
As declaraes indicaram que, de forma mais ampla, os jovens, por mais que no
tenham uma experincia de uso da droga ou de participao numa rave (apenas duas pessoasrelataram ter ido a uma festa desse tipo), eles conhecem os principais efeitos da droga e as
caractersticas do contexto da rave e isso se deve, de acordo com os relatos, s informaes
presentes na mdia ou s conversas informais com colegas e amigos.
3.1.RAZES PARA O USO DOECSTASYDentre as razes para o uso do ecstasy, pde-se perceber que o discurso girou em
torno de duas principais: os efeitos produzidos pela droga e o preenchimento de uma faltaadvinda de diversos fatores. Tambm foram discutidas quais as consequncias da ps-
modernidade para que haja uma demanda para o consumo da droga. Assim, enumeraram-se
algumas razes indicadas pelos participantes para que um indivduo use o ecstasy,
inicialmente, focando para os seus efeitos.
3.1.1. Efeitos da drogaUm aspecto que apareceu no relato dos participantes quando questionados a respeito
das razes para o uso de ecstasy foi em relao aos efeitos que essa droga produz no usurio.
As declaraes dos participantes, ao descreverem tais efeitos, foram no mbito fsico e
psicolgico. No mbito fsico, alguns participantes levantaram a questo da potencializao
dos sentidos e euforia. J no sentido psicolgico, as declaraes foram em relao
diminuio da represso interna (desinibio) e at represso sexual e o uso da droga estaria
relacionado a novas possibilidades de pensamento. Um tema que pareceu relacionar esses dois
mbitos foi o da perda de limite, pois alguns participantes relataram a perda de limite fsico eoutros, a perda de limite psicolgico. De acordo com Almeida e Silva (2000) e Almeida e
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Eugenio (2004), esses efeitos so os efeitos imediatos e positivos. Dessa maneira, pode-se
afirmar que os participantes tm algum conhecimento sobre a droga, porm no descrevem os
efeitos tardios da droga que tm caractersticas mais negativas como a hipertermia, o
bruxismo e a nusea.
A maioria dos participantes admitiu que o conhecimento que tinha sobre os efeitos do
ecstasy era algo indireto, ou seja, porque tinha lido ou escutado sobre o assunto. Isso pode
mostrar que os participantes no deram importncia para os aspectos negativos da droga, ou
que conversaram com amigos e colegas que apenas levantaram questes positivas em relao
droga ou, por fim, pode indicar que leram revistas tendenciosas que ressaltaram apenas
esses aspectos positivos. Outra hiptese seria de que a situao da reunio tendia para que os
participantes falassem apenas sobre os aspectos positivos, uma vez que o objetivo eraentender o porqu de um indivduo usar a droga e, por isso, a ligao com o prazer (os
aspectos positivos).
Dentre os efeitos da droga, os que foram mais focados durante as reunies foram
listados abaixo.
3.1.1.1. Perda de limiteO primeiro participante a levantar a questo da perda de limite, ao faz-lo, passava a
mo direita sobre o brao esquerdo como uma forma de mostrar os limites do corpo. Como se
a pele deixasse de ser aquilo que o separava do mundo. No entanto, seu relato diz respeito
participao em uma rave. Em seguida, ele direciona tal percepo em relao ao uso da
droga destacando a potencializao causada pela mesma:
s vezes, a sensao que dava de, muitas vezes, voc no ter muito limite. (...) Com
o uso da droga, essa perda de limite fica potencializada (P4)
O participante, ento, usou a ideia mais comum de limite, ou seja, o limite material,
corporal. Ainda neste mbito, porm avanando um pouco mais na questo do limite, um
outro participante, ao se referir ao uso do ecstasy, relatou que a maioria dos usurios faz parte
de uma classe econmica especfica e explicou que a perda de limite , tambm, psicolgica
ao mencionar aquilo que deve passar pela cabea do usurio e o sentimento que a droga leva
ao indivduo. A perda de limite, para este participante, ficou clara ao afirmar que existe umadespreocupao a respeito dos efeitos do ecstasy:
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Acho que porque uma droga bem dessa gerao de classe mdia e que... tudo
bem. Existe uma despreocupao em relao aos efeitos. Voc vai l, compra.
como se voc comprasse a felicidade por um dia. Voc toma e fica assim... nossa!.
(...) bem assim: voc compra felicidade. Vale um dia feliz. (P5)
Em outras palavras, o participante falou sobre um limite imposto pela cultura e pelo
corpo. A expresso tudo bem pode indicar a forma como o participante acha que funciona a
mente do usurio do ecstasy no sentido de que todas as coisas esto e podem ser certas,
corretas (culturalmente) e que tal percepo levaria a uma felicidade, e que os efeitos que
podem ser causados pela droga no preocupam o usurio. O limite, neste caso, seria traado
pelas regras e pela suposta invulnerabilidade do corpo.Outra forma de encarar os limites pode ser a de que eles, de alguma forma,
aprisionam, numa perspectiva interna. Estar limitado pode levar a uma ideia de estar
enclausurado internamente. Nessa perspectiva, a perda de limite poderia estar prxima
liberdade. Tomando, ento, essa perspectiva, a perda de limite como uma sensao de
liberdade tambm apareceu nas declaraes dos participantes como algo que leva o indivduo
a fazer o uso da droga. Um dos participantes afirmou que, em sua percepo, um dos efeitos
da droga seria diminuir a represso do usurio sexualmente. Com a interveno de outroparticipante, eles chegaram concluso de que seria uma espcie de desinibio:
(...) uma vez que a droga te libera, te deixa mais away do mundo, acho que a
sexualidade fica mais fcil, porque no vai ter nada te reprimindo, voc no vai ficar
pensando muito nas consequncias das coisas. Ento, talvez fique mais fcil nesse
sentido: de conseguir... (P1)
Se desinibir. (P2). De no ficar se reprimindo o tempo todo. (P1)
Ou seja, os participantes, neste momento, relacionam a sexualidade e a droga no no
sentido de que o efeito do ecstasy seja o de levar ao prazer sexual, mas no sentido de que uma
das consequncias de se usar a droga a sensao de desinibio que, supostamente, levaria a
uma forma mais fcil de abordar as pessoas para ter uma relao sexual.
Continuando no mbito da liberdade, o uso de termos derivados desse conceito
apareceu na declarao dos participantes no sentido de desinibio, como uma forma de se
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Isso me levar a pensar que seria uma forma de ver as coisas de outro jeito. No uma
coisa sem nexo. Com qualquer problema que voc esteja, quando voc usa a droga...
pode at no resolver mas... (P5)
Mas faz voc pensar em outras coisas. (P2)
. Se abrir para outras coisas. (P5)
Essa discusso parece ter sido a que mais se distanciou da conotao corporal dos
efeitos do ecstasy. No entanto, ela parece remeter ao mbito material no sentido de que se
deve usar o corpo para que tal experincia possa existir.
Um efeito que parece ter uma relao mais direta com o corpo o de agitao.
3.1.1.2. AgitaoAlguns participantes relataram que, para eles, o uso do ecstasy estaria relacionado a
um estado de agitao do usurio, diferente de outras drogas:
uso do ecstasy diferente da maconha que deixa a pessoa mais tranquila, relaxada e
com o ecstasy, vem uma ideia de agitao. (P2)
Concordando com P2, ainda em relao ao estado fsico de quem usa o ecstasy, agora,
especificamente no contexto das raves, um dos participantes declarou que tal uso, em sua
perspectiva, se dava com o intuito de permanecer na festa, ou seja, uma vez que as raves
duram bastante tempo, para que os frequentadores pudessem ficar esse tempo todo danando,
eles precisariam consumir a droga:
O que eu ouvi tambm nesse sentido. Mas parece que, no sei, a droga quepossibilita a pessoa de ficar na festa vrias horas, porque o seu corpo, fisicamente, no
aguenta ficar pulando com o mesmo tipo de msica, ento seria um meio da pessoa
aguentar, se sustentar ali naquele meio (P1)
Alm da agitao, o participante parece tocar tambm no aspecto dos sentidos
(msica) e do movimento (ficar pulando). Para ele, no entanto, esse efeito da droga
parece estar diretamente ligado rave, ou seja, existe uma necessidade para que o usurio
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consiga lidar com a situao da festa: usar o ecstasy. Ainda em relao aos sentidos, um outro
efeito bastante mencionado pelos participantes foi a potencializao dos mesmos.
3.1.1.3. Potencializao dos sentidosAlguns relatos em relao aos efeitos causados pelo uso do ecstasy se deram na
direo de ressaltar as mudanas na percepo, em como as coisas ao redor so sentidas de
uma forma mais potente. A primeira vez que este tema apareceu, quatro participantes estavam
envolvidos na discusso. Um dos participantes declara que existe um padro de consumo da
droga em festas-rave, porm acaba tendo dificuldades para terminar o seu relato, ento, outros
participantes tentam terminar usando a lgica e acabam tendo a aprovao do participante que
iniciou a discusso a respeito da potencializao. Existe um relato tambm de que
necessrio que se tenha tal potencializao:
E da, existe um padro de consumo bem louco. Assim: tem gente que toma trs
balas e algo voraz. meio que consumir a loucura de jeito meio... no sei dizer...
(P5)
Algo mais rpido. (P2)
! (P5)
Assim, mais intenso. (P1)
! (P5)
Eu acho que essa coisa da intensidade uma coisa que est muito ligada ao uso dessa
droga e de frequentar esses lugares. isso que voc falou. sentir tudo de uma
maneira potencializada. (...) (P4)
Mesmo porque necessrio. (P1)
Sim. Claro. E a, o que acontece, ... a potencializao de tudo. (P4)
A expresso bala muito utilizada para designar o ecstasy. Isso acontece devido
forma de consumo da droga, ou seja, consome-se o ecstasy da mesma forma que se
consumiria uma bala (CARRIEL, 2009).
Em outro momento, um dos participantes relata uma conversa que teve com um amigo
que consumiu a droga e, ento, lembra-se de que o amigo afirmou que seus sentidos ficaram
mais aguados, como se ele estivesse mais sensvel:
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De ficar mais sensvel. Porque, agora, eu lembrei. Um amigo meu, ele no estava em
uma rave, mas eu acho que ele tinha experimentado e comeou a descrever: Nossa!
Voc toca assim... qualquer toque j ... super... e beijar muito bom, no sentido de
sentir as coisas to aguadas que percebe as coisas de uma forma totalmente diferente
(P2)
Apesar de no ser necessrio declarar-se usurio ou no da droga, um dos participantes
relatou j ter feito o uso do ecstasy e clarificou a questo da potencializao dos sentidos
expondo sua prpria experincia com a droga e como o sentido do tato ficou modificado.
Eu j tomei ecstasy uma vez e essa questo da sensao muito forte mesmo. No nosentido de querer ficar com algum, mas na sensao, mesmo. (P6)
. Acho que o toque. (P5)
Isso. O toque. (P6)
Mas no no sentido de voc ficar loucamente com vontade de... (P5)
Sair? (P2)
. No como algum no cio, porque eu me lembro de uma reportagem da Veja: A
droga do sexo (...). E que parece isso, mesmo. Que voc toma e... Nossa!.(P5)E no . (P6)
E eu acho que no bem isso. Eu vejo como algo bem mais amplo, mesmo. Como o
toque, de querer estar junto. (P5)
Pode-se perceber, por meio desses relatos, que os participantes discutem utilizando
falas de percepes fsicas, somente. Um dos participantes at tenta enfatizar o quanto fsico
com a expresso no no sentido de quererficar, mas na sensao, ou seja, corporal e nomental. Parece ficar marcada uma questo bastante importante em relao ao uso do ecstasy
que a questo do corpo. Ela ser mais bem discutida adiante.
Ainda em relao potencializao dos sentidos, mas envolvendo a mdia, um dos
participantes ressaltou que, em sua percepo, existe um aumento da procura pelo ecstasy
diante de informaes que tratam dos efeitos causados na percepo do usurio, porque a
descrio de tais efeitos est diretamente relacionada curiosidade de quem ainda no fez o
uso dessa droga:
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Ento, eu acho que essa imagem que a mdia faz e essas informaes que so
difundidas que aumentam a busca pela droga, talvez essa imagem de que voc vai
querer sair e ficar com as pessoas, a droga do sexo que aumente a procura pelo
ecstasy, para ter uma experincia, porque aumenta a curiosidade da pessoa. (P2)
A busca pela droga, o fato de consumi-la, para esse participante, tem relao direta
com as informaes que se tm da droga e uma das sensaes destacadas por ele exatamente
o do efeito corporal de ficar mais sensvel que retratado, nessa declarao, pela rotulao do
ecstasycomo a droga do sexo. Porm, parece haver uma distino quanto ao uso de termos
em relao sexualidade neste momento. Para os participantes, a mdia parece divulgar uma
ideia de que um dos efeitos do ecstasy seria o de aumentar o prazer sexual, o desejo e no ofato do indivduo se tornar mais desinibido e, assim, ficar mais propenso a tentar encontrar
outro indivduo para a relao.
Uma segunda razo que predominou nas discusses dos participantes para que um
indivduo faa o uso do ecstasyfoi o de preenchimento de uma falta.
3.1.2. Preenchimento de uma faltaOutro motivo para que se faa uso do ecstasy, na perspectiva dos participantes, est
relacionado a uma falta existente no indivduo. Muitas vezes, os participantes no fizeram uso
da palavra falta (embora tenha ocorrido), porm o contexto era esse. As declaraes giraram
em torno de sentimento de pertencimento a um grupo; de exigncias sociais, muitas vezes,
sufocante; de instabilidades em relaes interpessoais que poderiam levar a uma angstia e de
uma noo que existe entre a falta e a realidade. Em relao a esse tema, vrios autores
(BIRMAN, 2003; CAVALCANTE, 2003; LEMOS, 2004, NOGUEIRA FILHO, 1999,
PACHECO, 1996; 2005; PRATTA; SANTOS, 2006; ROCHA, 2006; SANTIAGO, 2001;SOUZA, 2003; 2007; TEIXEIRA, 2005; ZIZEK, 1999) a discutem de pontos de vista
diferentes. Zizek (1999), por exemplo, trabalha com o conceito psicanaltico de superego no
sentido de tentar diferenciar a lei simblica e a forma como o superego opera. Para ele,
enquanto a lei simblica repressora; o superego manda voc sentir prazer naquilo que
voc obrigado a fazer. Assim, o autor conclui, em relao felicidade, que as pessoas se
sentem na obrigao de se divertir (...) como se isso fosse uma espcie de dever (p. 8),
sentindo-se, assim, culpadas caso no sejam felizes.
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Birman (2003), Cavalcante (2003), Lemos (2007) e Nogueira Filho (1999) no
trabalham de forma to refinada. Eles tocam num aspecto, tambm levantado pelos
participantes, que diz respeito exigncia social de ser feliz, ou seja, existe uma congruncia
entre o discurso dos jovens e a literatura de que a sociedade ps-moderna exige que um
indivduo seja feliz e que o encontro de alguns indivduos com o ecstasy seja uma das formas
de se tentar ser feliz. Pode-se perceber, ento, a diferena entre essas duas formas de lidar
com a questo das exigncias sociais e a felicidade. Uma no sentido de que o superego opera
para que o sujeito encontre o prazer em seu dever e que isso levaria a um sentimento de culpa
caso esse sujeito no seja feliz e outra no sentido de que a sociedade que impe esse dever.
3.1.2.1. Falta e exigncias sociaisAs exigncias sociais de que se deve ser feliz, ser o melhor para que se tenha destaque,
ser totalmente eficiente naquilo que se faz, ser independente tendo sua individualidade
apareceram bastante nas declaraes dos participantes.
Isso aconteceu de diversas formas. Uma delas foi da forma mais clara possvel, ou
seja, com o uso de expresses como exigncias da sociedade ou vigncias sociais. Um
dos participantes declara que, na sua percepo, o fato de que todos devem ser felizes seria
uma das implicaes para que um indivduo tivesse um sentimento de falta:
(...) o uso pode ser visto como (...) uma maneira de insero nessas vigncias sociais
de que todo mundo deve ser feliz. Quem no , vai ser excludo. (P2)
Outro participante declarou que o uso da droga seria uma forma de se tentar preencher
uma falta advinda das exigncias sociais:
Eu acho, assim, que pode vir como uma necessidade de suprimir uma falta, entrar em
algum lugar que est vazio, mas... talvez, em ltima instncia, seja isso, voc ser
adaptado na sociedade, cumprir as exigncias da sociedade. (P1)
Em relao felicidade, um dos participantes usou a metfora de que o ecstasy a
prpria felicidade e que essa felicidade apareceria no momento em que o indivduo
consumir a droga.
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Eu acho que o ecstasy bem esse troo: voc pagar por uma felicidade instantnea.
Voc tomar e... (P5)
Uma discusso aconteceu entre alguns participantes no sentido de se tentar estabelecer
uma diferena entre aquilo que uma exigncia social daquilo que algo inerente ao
indivduo. Ou seja, para um participante, o uso de droga, quando relacionado a uma tristeza
ou depresso, aconteceria como uma forma de autocuidado; porm, ao expor tal ideia, alguns
participantes no concordaram plenamente afirmando que o autocuidado seria mais um
produto da exigncia social de que o indivduo deve ser feliz:
Eu no acho que assim, por exemplo, essa obrigao de ser feliz, ento o sujeitorecorre ou poder recorrer ao um uso de ectasy ou de outro tipo de droga para ser feliz.
No necessariamente ele pode estar com uma falta. Ele pode estar se sentindo meio...
enfim, e a ele vai procurar preencher essa falta com um outro recurso e, a, o que
acaba acontecendo que ele preenche isso com o uso da droga. Ele no estava sendo
obrigado a ser feliz, mas um sujeito quando no masoquista, ele pode no sentir
prazer em se ver deprimido. Todos ns temos esses traos, mas... (P4)
Mas, a, ele vai fazer alguma coisa para no se sentir deprimido. Que voc se sentirfeliz. (P1)
verdade. (P5)
Mas ser que, ento, no est procurando, ento... No s que ele est comprando a
ideia de que ele tem de ser feliz, mas ele est cuidando de si, de certa maneira. Eu no
estou me sentindo bem e gostaria de me sentir bem. (P4)
E ele gostaria por qu? Porque algum falou que ele deveria se sentir bem. No sei.
Eu no vejo isso como inerente da pessoa. (P1)As pessoas querendo ver a gente bem. Da, voc fica com a sensao de que... (P2)
. Quanta gente a gente no conhece que... Ah... Tudo bem, eu sou depressivo e...
no faz nada. Eu no sei se d para isolar como... no que eu esteja sendo radical, mas
eu no sei, no d para isolar como uma necessidade interna s. Porque, querendo ou
no, exigido isso. O que que a gente v em comercial de televiso, em novela, em
filme... (P1)
Continuando a discusso acima, ela acabou sendo conduzida a um outro aspecto das
exigncias sociais: a de que existe um ideal estabelecido pela sociedade e que os indivduos
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devem alcanar esse ideal. Para alguns participantes, o uso da droga estaria diretamente
relacionado a essa busca pelo ideal ou a uma tentativa de lidar com essa situao:
Todo mundo tem um vazio, alguma parte que est errada. No d para pensar em um
ser humano como um... um ser ideal. Eu ainda no conheci ningum que no tivesse
esse vazio. (P1)
A questo assim: eu acho que a gente vai... a gente faz vrios... a gente tem vrios
caminhos, a gente cria vrios recursos para ir a um fim, chegando a esse ideal, que se
modifica, eu acho, ou no. O que acaba acontecendo que alguns desses indivduos
caiam no uso de drogas como mais um dos recursos deles. E quando voc inicia, acaba
se tornando o nico. Eu acho. (P4)
Durante uma das reunies, foi necessria uma interveno do pesquisador no sentido
de tentar fazer com que as discusses no sassem muito do mbito da pesquisa. Assim, num
certo momento, enquanto os participantes estavam falando sobre o uso da droga estar
relacionado a um preenchimento de uma falta, perguntou-se o que causa essa falta. Ento,
ainda em relao s exigncias sociais, um dos participantes levanta a questo da
individualidade e da cobrana que existem no mundo contemporneo:
No sei. E parece tambm que voc tem que ser o cara. Tudo perfeito. A cobrana
que existe muito forte. Cada vez menos coletivo. Cada vez mais... sozinho.(P5)
Vocs estavam falando e eu fiz uma associao a uma coisa que lembrei de um livro
em que o autor, logo no prefcio, ele j fala que a gente nasce sozinho, vive sozinho e
morre sozinho. Isso uma coisa que para o ser humano aguentar muito difcil.
Ento, ela falou: muito instvel, no tem estabilidade nas relaes e voc falou agente est muito... indivduo, muito sozinho, ento a que eu acho que elas po dem
se juntar, nessa questo de ... Porque ela est falando que voc no tem garantia de ser
apoiado... (P4)
Esses relatos parecem remeter a um conceito que vem surgindo na literatura
contempornea (FANTINI, 2009; KEHL, s.d.; TEIXEIRA, 2002), principalmente no Brasil,
no sentido de explicar formas da sociedade lidar com aquilo que Joo A. Fantini (2009)
chama de o declnio da figura do pai simblico (p. 130), concordando com uma afirmao
bastante contundente feita por Maria R. Kehl (s.d.): O Brasil um pas que se considera,
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tradicionalmente, rfo de pai. Este conceito o conceito de fratria e ele aponta
exatamente para a formao de um grupo de pessoas semelhantes na tentativa de se criar um
lugar em que exista confiana em si e que as necessidades de todas as pessoas desse grupo
possam ser satisfeitas (KEHL, s.d.), alm de haver uma identificao entre os parceiros da
fratria e um lugar para que os laos sociais se efetuem (TEIXEIRA, 2002).
Apesar da constituio das fratrias ser uma respostapossvel para o declnio da figura
do pai simblico, Fantini (2009) alerta para outra possibilidade, dentro de uma perspectiva
da lgica da dependncia: a de que esses agrupamentos possam proporcionar um local de
reconhecimento mtuo sem promover, necessariamente, um caminho de independncia ou de
liberdade (p. 141) e tal fato faria com que a fratria simplesmente reproduzisse com pioras
aquilo que combate (p. 141). Em outras palavras, o que poderia ser visto como uma soluose tornaria um problema ainda maior.
3.1.2.2. Falta e instabilidade nas relaes interpessoaisAinda em relao interveno do pesquisador citada acima, uma outra resposta que
surgiu entre os participantes diz respeito instabilidade de forma geral, ou seja, existe algo na
vida dos indivduos que no tem uma estabilidade necessria para que ele se sinta seguro.
Assim, um participante exemplifica tal instabilidade nas relaes interpessoais e outro
participante levanta o mesmo aspecto:
Eu acho que a estabilidade de forma geral. Nossa sociedade est muito instvel. Por
exemplo, nas relaes pessoais. Parece que existe algo que ... instvel. (P3)
As relaes das pessoas so muito... esto muito assim... elas podem se quebrar
facilmente. (P5)
Um dos participantes acrescenta que o efeito ecstasy daria a impresso de que as
relaes afetivas chamadas de amor entre as pessoas fossem mais fortes, tirando a
frustrao que poderia vir ao se perceber que elas so instveis:
algo que a gente v. (...) as relaes esto muito fracas e com o uso do ecstasy (...)
as pessoas com sentimentos de amor. (...) na vida cotidiana (...) isso no acontece(...). (P6)
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3.1.2.3. Falta e realidadeDe forma geral, a primeira resposta que surgiu aos participantes da pesquisa, quando
questionados a respeito da demanda a qual o uso do ecstasy responde, foi a fuga da realidade.
Alguns deixaram claro que esse uso seria apenas uma forma de se fugir da realidade e, ainda,um participante declarou que essa explicao fazia ainda mais sentido ao relacionar o uso do
ecstasy e o contexto dasfestas-rave:
Para mim fica bem mais claro esse negcio da rave com a percepo que eu tenho do
uso de drogas que meio que para voc fugir da sua vida, da sua realidade. (...) E na
rave isso, para mim, fica bem mais claro. Nesse tipo de situao: de voc fugir, se
desligar de tudo e depois voltar como... no como se nada tivesse acontecido, mascarregando as coisas de uma forma mais simples, mais tranquila. (P1)
Um outro participante fez a comparao entre o uso de droga e a prtica de esportes,
no sentido de que seriam vlvulas de escape para as angstias:
E, agora, quanto a essa questo de ser uma fuga da realidade, verdade. Gente, a
todo o momento, no cotidiano, com o uso de droga ou com a prtica de um esporte,em algum momento, voc tem uma vlvula de escape para as suas angstias. (P4)
A ideia de que, no cotidiano, as pessoas tm de lidar com responsabilidades tambm
surgiu e foi relacionada ao fato de que extrapolar a barreira do cotidiano poderia ser
proporcionado pela droga:
extrapolar essa... barreira do cotidiano. (...) como se no tivesse de se preocupar
com o que vinha amanh, com o que vinha dali uma hora. (P4)
H, ainda no sentido de fuga da realidade, a associao entre a realidade e sentimentos
ruins de forma que a droga traria uma sensao positiva:
Para mim, o uso de drogas de forma geral fuga. um meio de sair da sua realidade
e se sentir legal por alguns momentos. Voc parar de pensar... no que seja ruim. (P1)
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Uma outra concepo de realidade pode ser percebida na declarao de um dos
participantes em relao ao sentimento de pertencimento a um grupo:
uma coisa mais para voc se socializar. Acho que mais voc participar de um
grupo. (P5)
Tal declarao condiz com aquilo que aparece na literatura. Pensando no agrupamento
de pessoas que acontece nas festas-rave como uma tribo, Coutinho (1999) afirma que as
tribos funcionam como referncias simblicas, suplncias aos aparatos polticos e culturais
que se tornaram obsoletos, ou seja, numa perspectiva lacaniana, a tribo dos participantes das
raves seria aquilo que sustenta a realidade desses participantes. Alm disso, essa mesmaautora, concordando com Anzieu (1978), afirma que a iluso de ser um junto a uma tribo
uma reedio do narcisismo individual atravs de um narcisismo grupal.
Lemos (2004), Nogueira Filho (2005), Pacheco (1996), Pratta e Santos (2006), Rocha
(2006), Santiago (2001), Souza (2003) e Teixeira (2005), analisaram o preenchimento da falta
relacionando-o ao discurso das tecnocincias de vrias formas. Uma delas seria a de que o
indivduo, na sociedade contempornea, tem de lidar com situaes em que sua afetividade e
humanidade sejam descartadas e que sua individualidade seja almejada causando umisolamento. O uso da droga, para esses autores, especialmente no mbito de uma festa rave,
seria uma forma de o sujeito conseguir lidar com o isolamento tendo a sensao de
pertencimento a um grupo ou at mesmo a sensao de transgresso de uma lei. Como pde
ser percebido, em muitos momentos, o discurso dos jovens tocou nesses mesmos aspectos de
formas muito semelhantes, o que pode mostrar que esses prprios jovens tambm so
influenciados pelo discurso das tecnocincias. Ainda em relao a esse discurso das
tecnocincias, outra discusso ser feita neste trabalho em relao a esse discurso dastecnocincias e sua possvel influncia sobre os prprios participantes da pesquisa o que,
pode ser percebido em seu discurso sobre o ecstasy.
3.2.O DISCURSO SOBRE OECSTASYOutro tema abordado pelos participantes foi o ecstasy em si, ou seja, eles declararam
aquilo que pensavam sobre a droga. No era intuito da pesquisa saber se aquilo que os
participantes levaram s reunies era algo comprovado e correto. O que se esperava era queeles dissessem o que sabiam e o que pensavam a respeito.
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Assuntos relacionados mdia, ao uso do ecstasy, ao vcio que pode ou no ser
causado pelo uso da droga e acessibilidade foram apenas alguns que surgiram durante as
discusses.
3.2.1. Ecstasy e sociedadeEm relao faixa etria dos usurios de ecstasy e a que classe social eles pertencem,
tantos os participante da pesquisa quanto literatura (ABREU, 2006; ALMEIDA; EUGENIO,
2004; BRASILIANO, 2006; LEMOS, 2007; PEREIRA, 2005; ROCHA, 2006; SOUZA,
2003) afirmam que se trata de jovens, adolescentes pertencentes a classe social mdia e mdia
alta da sociedade. Inclusive, o fato de usar a droga seria uma forma de se impor socialmente,
ou seja, uma vez que o ecstasy est relacionado s classes sociais mais altas da sociedade,
consumi-lo significaria uma forma de mostrar para a sociedade que se pertence a uma classe
social alta, que no contexto da ps-modernidade, significa ter o poder de ter mais bens de
consumo. Pode-se perceber, ento, que para os participantes, economicamente, a droga parece
ter um papel no status de um indivduo, ou seja, devido ao seu custo elevado, consumi-la leva
o indivduo a um patamar mais alto na hierarquia scio-econmica. Tal ideia aparece de
maneiras diferentes. De uma forma mais sutil:
Ecstasy, para mim, no uma droga de classe mdia baixa. cara at em relao a
outras drogas. (P4)
E de uma forma mais direta:
Eu acho que essa questo do dinheiro mesmo. (P5)
. (P4)Porque querendo ou no, um status. (P1)
Voc tem dinheiro para comprarecstasy. E para ir a uma ravetambm no barato.
(P4)
Eu acho que o papel social muito forte, sim. (P3)
Ainda em relao diviso de classes dentro da sociedade, um dos participantes deu
uma conotao mais qualitativa ao descrever o usurio do ecstasy no sentido de que ele no
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est preocupado com o que pode acontecer consigo mesmo e ainda complementa com o fato
de que tal uso feito para se sentir feliz:
Acho que porque uma droga bem dessa gerao de classe mdia e que... tudo
bem. Existe uma despreocupao em relao aos efeitos. Voc vai l, compra.
como se voc comprasse a felicidade por um dia. Voc toma e fica assim... nossa!.
uma coisa muito engraada. Mas bem assim: voc compra felicidade. Vale um dia
feliz. (P5)
Pode-se perceber nessa declarao um aspecto bastante representativo da sociedade
contempornea, a sociedade do consumo: o de que muitas coisas tm se tornado mercadoriasou, dito de outra forma, o indivduo tem lidado com essas coisas enfatizando o seu valor de
mercado e, ainda, que essa mercadoria tida pelo sujeito como algo que ele deseja. Teixeira
(2005) corrobora essa ideia argumentando trs caractersticas da sociedade: a de que o valor
de mercado se tornou o que mais chama a ateno das pessoas; a de que o mercado, por meio
de um Discurso Capitalista, uma espcie de controlador da vontade das pessoas e ditador
de uma imagem de que o bom cidado aquele que busca o extremo de seu gozo (p. 152)
e, por fim, de que o o consumidor tome o objeto de consumo por um sucedneo do objeto dedesejo (p. 139).
Teixeira (2005) afirma que O que mudou na percepo social (...) foi o fato de que o
valor de mercado hoje, de modo quase unnime, passou a ser percebido como preponderante
sobre todos os outros (p. 150) e, adiante, no interior do prprio princpio que norteia a
economia liberal encontramos o pressuposto de um Outro que funciona como instncia
annima e reguladora das vontades individuais: trata-se justamente do mercado (p.151-152).
Ou seja, pensando no ecstasy como uma mercadoria, isso fica bastante claro. A droga relativamente cara, desejada e que leva ao prazer felicidade. Nessa perspectiva, ela
uma mercadoria que poderamos chamar de perfeita, tanto para os usurios quanto para
quem vende.
Uma outra direo da discusso foi em relao despreocupao do usurio de ecstasy
aos problemas sociais e que isso provocaria um desnorteamento (vazio) do indivduo:
Eu acho que bem isso assim: classe alta, mdia que o pai tem grana e voc acaba
usando de qualquer jeito... acaba ficando um vazio tambm. Sem pensar nos
problemas sociais... (P4)
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Voc no precisa pensar no que vai comer amanh. (P1)
! Justamente. E a fica todo mundo perdido. Da, voc faz a sua busca com o uso da
droga. (P5)
Uma vez que as reunies foram feitas com alunos da UFSCar, um dos participantes se
referiu classe dos consumidores do ecstasy como formado, majoritariamente, por
estudantes universitrios:
entre ns mesmo. Os consumidores esto aqui. (P5)
A felicidade apareceu em outras declaraes. Uma vez que existe a exigncia social deque se deve ser feliz, um dos participantes afirmou que o uso do ecstasy faria com que o
sentimento de felicidade fosse prolongado:
Isso porque a gente j parte do princpio de que a felicidade passageira. Desde que a
gente nasceu, a gente ouve isso. Que no vai ser feliz o tempo todo. E exatamente o
que essa droga faz. Faz voc se sentir feliz durante bastante tempo. (P1)
Uma outra vertente em relao sociedade no mbito do consumo de ecstasy que
surgiu nas discusses foi a questo da permisso. Um dos participantes afirma que existem
regras impostas pela sociedade de proibio quanto ao uso da droga e que tais regras so
coercitivas e deveriam ser amenizadas, mas no extintas:
Porque eu acho que a gente tem que ter esse direito de poder escolher se voc vai
usar ou no. isso que me irrita, dessa coero toda. Porque o seu direito. Se vocquiser, voc usa. A partir do momento... voc no vai sair pela rua... matando gente s
porque voc usa drogas. Porque tem essa ligao. Eles ligam droga violncia. E um
direito que a gente tem. (P5)
No mbito do Capitalismo, o ecstasy foi considerado, por um dos participantes, como
uma mercadoria e que, como qualquer outra mercadoria, ela est inserida na lgica de que,
uma vez que ela traz lucro, deve-se existir um investimento nela.
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Sim. E outra coisa que a gente deve considerar que a droga um mercado, um
negcio. Ento, talvez, esse mercado em si tenha crescido ou o investimento nele
cresceu. A possibilidade de uma droga sinttica hoje muito mais. Quer dizer, eu
acho. (P4)
Ainda no que diz respeito sobre a relao entre o ecstasy e a sociedade, alguns dos
participantes fizeram declaraes acerca da acessibilidade do ecstasy no sentido de que era
uma droga de difcil acesso e que a situao atual de que tal droga tem sido comercializada
em outros lugares que no entre a classe mdia alta:
(...). , talvez, mais complicada de conseguir. (P4)Agora que est... porque o trfico do ecstasy era uma coisa muito entre playbozada,
agora que eu acho que est comeando a ir para o morro. Eu, por exemplo, trabalho no
CAPS-ad. Eu conheo duas pessoas que tinham usado ecstasy de toda a populao do
CAPS. (P5)
3.2.2. Ecstasy e mdiaUm outro tema bastante citado pelos participantes em relao ao ecstasy foi quanto
mdia. De forma geral, as declaraes giraram em torno da sexualidade muitas vezes
relacionada a essa droga, do tom pejorativo contido nas informaes veiculadas, do exagero e,
de modo geral, o quanto algumas informaes podem ser vistas como causa do aumento do
consumo desta droga.
O ecstasy, segundo alguns dos participantes, visto como a droga do sexo e que isso
acontece devido s informaes contidas na mdia e conclui que existe um exagero nessas
informaes e um dos participantes cita uma cultura do medo imposta pela mdia em
relao ao ecstasy:
E eu tambm acho engraado como a mdia fala do ecstasy. Um dia eu estava
conversando com ela [me] sobre drogas e ela falou: Porque existe aquela droga do
sexo, porque ele [o ecstasy] foi muito vendido dessa forma. E eu acho que existe um
exagero. uma cultura do medo em relao droga. (P5)
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Eu acho que a mdia exagera em alguns momentos. Como chamar o ecstasyde a
droga do sexo ou do amor. Eu acho que no bem por ai. Acho que um discurso
muito coercivo. Sempre punindo, sempre dizendo que errado, que no se deve fazer,
mas parece no adiantar muito. (P1)
Segundo os participantes, parece que a mdia levanta muito os aspectos negativos do
ecstasy e que, algumas vezes, isso acontece de forma equivocada. Um dos participantes chega
a falar sobre uma falta de ponderao e outro conclui que existe uma alienao devido a essas
informaes:
Eu no sei, mas das poucas coisas que eu vi, das reportagens. Eu achei muitonegativo. Por exemplo: adolescente que frequenta rave, frequenta para usar droga.
Eu fico com muita sensao de... uma reportagem direcionada a pais escrito:
Alerta!. Acho muito nocivo, por um lado. Nem todo mundo que frequenta consome a
droga. Eu conheo gente que frequenta e no consome. E por outro lado, eu acho que
tem a funo de alertar, de informar, mas falta ponderar no sentido de no fazer um
alerta, um estardalhao e deixar todo mundo super assustado. No que eu ache que
deva ser uma coisa como Ah... beleza. Tudo bem! Olha a balinha., mas tambm novai dar o pai neurtico, maluco. (P4)
A gente tambm deve levar em considerao que a mdia, de uma forma geral,
aborda mais os aspectos negativos da droga e no colocam os relatos de usurios, por
exemplo. S vincula aos problemas. (P2)
verdade. Acontece uma alienao. (P5)
Apesar das declaraes de que a mdia exagera nas informaes negativas e que ela
tem um discurso coercitivo, um dos participantes conclui que tais aspectos no contribuem
para que haja uma preveno em relao ao uso do ecstasy. O que acontece o oposto, existe
um aumento do consumo devido a esse discurso miditico:
engraado que mesmo com esse discurso to punitivo contra a droga, o uso tem
aumentado. como se a grande maioria j tenha usado maconha ou usado ecstasy.
Ento, eu no sei de onde vem esse medo. Se realmente da necessidade de se sentir
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melhor ou do escapismo ou se porque to proibido e se to proibido deve ser
porque tem alguma coisa boa. (P1)
Vale ressaltar a literatura (ALMEIDA; SILVA, 2000; NOGUEIRA FILHO, 1999)
tambm levanta a questo da forma alarmista como a mdia se refere ao ecstasy. Para alguns
autores, existe uma associao entre essa droga e aspectos de misria e violncia. Assim como
para os participantes, parece que esse tom coercitivo, na viso da literatura, existe para a
preveno, ou seja, relacionando a droga a aspectos negativos faria com que o seu consumo
fosse evitado, no entanto, pde-se perceber que para alguns participantes essa lgica falsa e
o tom alarmista pode instigar os jovens (que tm um prazer em transgredir) a fazer uso do
ecstasy e Nogueira Filho (1999), por exemplo, mais cauteloso ao indicar que tais relaesso simplistas.
3.2.3. Ecstasy e formas de usoAs maiores discordncias entre a literatura e o relato dos participantes da pesquisa
esto relacionadas s formas de uso do ecstasy. De forma geral, Pratta e Santos (2006) traam
um histrico referente ao uso de drogas no sentido de mostrar que ele era cultural e que,
muitas vezes, estava relacionado a alguma religio, a algum ritual e que, atualmente, esse uso
teria deixado de ser ritualizado e coletivo, passando a ser individual. Alguns participantes at
tocaram nesse aspecto lembrando que, no passado, o uso de drogas era diferente. Um dos
participantes se refere ao uso encoberto de drogas e o outro diz que o uso era cultural:
Eu tenho uma considerao a esse respeito. Primeiro, porque eu acho que antes era
muito mais velado o uso de drogas, era muito mais temido e escondido. H uns 30 ou
40 anos... Antes at. At se descobrir que algumas drogas causavam vcio e efeitoscolaterais muito negativos... Por exemplo a cocana. (P4)
Que, antes, eram usadas muito mais culturalmente. (P5)
Porm, especificamente, em relao ao ecstasy, alguns participantes relatam que pode
existir, ainda, um misticismo em seu consumo, no sentido de se tentar atingir diferentes nveis
de conscincia, levando, consequentemente, a novas formas de se pensar, ou seja, da mesma
forma que, antigamente, algumas drogas eram consumidas:
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Bom, eu j conversei com algumas pessoas que j fizeram o uso de ecstasy e o que
alguns deles relataram que voc, de alguma forma mais mstica, atinge outros nveis
de conscincia e que quando volta da viagem, conscientemente ele podia tentar
alguma outra coisa. Como se existisse uma viso que fizesse com que voc visse as
coisas de outra forma e, assim, tentar uma outra coisa. (P3)
Eu acho que isso bem forte, mesmo. Mas eu acho que tem vrios tipos de uso de
droga. Cada um usa de um jeito. Existe mesmo esse uso mais... mstico. E tem gente
que est afim mesmo de curtir a balada. (P5)
Alm disso, um dos participantes, ainda, levanta a questo do uso ritualizado do
ecstasy, no sentido de que, comumente, o usurio no consome a droga sozinho e que o ritualpara esse consumo seria a festa-rave:
E eu acho... assim... que para o usar o ecstasy... Bom, ningum usa o ecstasy... um
uso meio ritualizado. Numa rave, com seus amigos. Mas no uma droga que tem um
uso mais... pelo menos eu acho... Mas ningum usa sozinho. Toma bala e vai para uma
balada qualquer. (P5)
Pode-se ainda resgatar que, para alguns participantes, isso acontece, porque a sua
participao na festa algo que o faz se sentir integrado. Mais adiante, ser apresentada uma
comparao que alguns autores fazem entre o DJ (disc-jquei) em uma festa-rave e o xam
em um ritual religioso para discutir exatamente essa sensao de identidade que parece existir
entre os participantes da festa e entre os participantes do ritual. No entanto, essa comparao
bastante interessante pensando na questo da ritualizao. Enquanto o xam desempenha o
seu papel no ritual, o DJ tambm tem o seu papel nas festas-rave, possvel questionar,ento, se o uso de drogas realmente tem acontecido fora de rituais ou, como indicado pelo
discurso dos participantes, se existem outros tipos de rituais contemporneos.
J em relao possibilidade de vcio pelo ecstasy, todas as declaraes a esse
respeito foram no sentido de que ela no existe. Tanto no sentido de que o usurio no tem
esse medo como pode existir em usurios de outras drogas, quanto no sentido de que os
participantes acham que o ecstasy uma droga que no viciapelo menos biologicamente:
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Eu estava pensando, mas eu nunca vi das pessoas que eu conheo que consomem
ecstasy com maior frequncia um medo de viciar como eu vejo subentendido em
outras drogas. (P4)
Eu nunca vi tambm. Eu acho... (P5)
. Do meu ponto de vista, diferente por isso. E tambm, eu no acho que vicia.
(P5)
Talvez, o que possa viciar seja essa sensao que voc tem. De bem-estar, de
contente.(P1)
Fica claro, ento que existe aqui uma outra discordncia entre o relato dosparticipantes e a literatura. Apesar de um dos participantes argumentarem que o fator que
poderia causar o vcio seria algo psicolgico, ou seja, um efeito muito bom produzido pela
droga, o efeito biolgico parece ser negligenciado. De acordo com Jansen (1999) citado por
Almeida e Silva (2000), embora a MDMA (ecstasy) seja geralmente descrita como uma
droga que no causa dependncia, foram descritos casos clnicos que preenchem os critrios
de sndrome de dependncia (p. 398). Ou seja, fica claro que a crena de que o indivduo que
faz uso do ecstasy est isento da possibilidade de se tornar dependente dessa droga falsa. Oque pode ter feito com que existisse essa crena falsa seja o fato de que as raves acontecem
esporadicamente e, pensando que o uso do ecstasy acontece, principalmente, nessas festas,
logo se pode pensar que, ento, o indivduo, por mais que use a droga em todas as festas que
ele vai, esse uso pode acontecer apenas uma vez por ms e que, por isso, fique a impresso de
que, uma vez que no so todos os dias, no pode ser considerado um vcio ou, ainda, por ter
um intervalo de tempo to grande, o indivduo no tenha os efeitos biolgicos para ser
constatada uma dependncia.
3.2.4. Comparaes entre o uso de ecstasy e outras drogasPara se falar sobre o ecstasy, alguns participantes fizeram comparaes entre esta
droga e outras drogas no sentido de tentar localizar o ecstasy em relao
contemporaneidade. As declaraes foram no sentido de que o ecstasy uma droga que tem
caractersticas prprias, mas que as drogas, de forma geral, parecem percorrer, socialmente,
caminhos parecidos.
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Um dos participantes usa a expresso droga da poca comparando o ecstasy com o
lcool e a maconha com algumas ressalvas. Para esse participante, as drogas tm uma histria
parecida de ser algo que deixa de ser julgado negativamente e se torna aceitvel socialmente:
Me parece que em cada poca, tambm, existe uma droga que se estabelece como
sendo a droga da poca. Eu me lembro de ter visto uma notcia sobre a maconha e
dizia: a maconha est para o nosso perodo como o lcool estava para a gerao
anterior. Lembro que eu sa com um pessoal esses dias e um dos caras estava fumando
maconha e eu me lembro de que pensei: No! Voc fuma maconha..., porque ns
estvamos em um lugar pblico, inadequado para aquela situao... E da um amigo
meu parou e disse: Ah! Fumar maconha, todo mundo usa, para a nossa gerao, jperdeu essa coisa da maconha ser algo totalmente proibido, igual o lcool. (P3)
Como se todo mundo j usasse, algo normal. (P2)
Exatamente. Da mesma forma que normal tomar cerveja. E, agora, parece que
existe uma ascendncia de uma nova droga que o ecstasy, mas eu no sei se ele vai
ser da mesma forma integrada como foram as outras drogas, mas parece que tambm
est ascendendo como algo mais convencional. (P3)
Algo bastante curioso nessas declaraes o fato de que, para esses participantes, o
ecstasypode vir a ser a drogada poca, aquela que o seu uso ser to amplo que se tornar
comum. Associando essas declaraes quelas em que os participantes afirmam que a
agitao um dos efeitos da droga e outras em que eles comentam sobre as exigncias sociais,
parece ser possvel afirmar que os participantes associam o ecstasy a uma demanda de
velocidade na sociedade contempornea. Ou seja, como se a sensao de agitao satisfizesse
o sujeito ou lhe desse prazer. De acordo com Zizek (1999), parece ser possvel, ainda, afirmarque esse prazer do indivduo vem do fato de poder ter feito o seu dever em relao
sociedade.
Num outro mbito dessa discusso, um dos participantes usa a palavra hierarquia no
sentido de que algumas drogas so mais bem aceitas que outras. Este participante exemplifica
a situao comparando o ecstasy com a cocana dentro do mbito universitrio:
Ento, mas no nosso meio, tanto ir a uma rave quanto tomar um ecstasy mais
tranquilo do que um papelote de cocana, ento a gente comea a ter uma hierarquia de
qual droga mais permitida. (P5)
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Uma comparao entre os efeitos do lcool e do ecstasy foi feita por um dos
participantes. Ele chama a ateno para o efeito mais tardio das duas drogas, fazendo uma
oposio entre elas:
Eu estava aqui pensando em relao ao ecstasy. Diferentemente do lcool que uma
droga mais consumida, o lcool tem um efeito de euforia e depois ele tem um efeito
depressivo. Embora algumas pessoas tm isso mais fortes, outras conseguem passar
por isso numa boa. E o ecstasy no tem essa parte depressiva. Voc no usa e logo
depois fica depressivo.(P4)
Retomando a discusso do discurso das tecnocincias, um paralelo que pode ser feitoem relao ao fato de que os prprios participantes da pesquisa tambm so influenciados
pelo discurso das tecnocincias que, como se pde perceber, de acordo com os participantes,
existe uma espcie de hierarquia em relao aceitao social de uma droga e que o ecstasy,
num contexto universitrio, mais bem aceito quando comparado ao uso de cocana, por
exemploe o seu uso admitido como algo relativamente normal nas raves. Essa aceitao
comparada at ao uso de drogas legais como o lcool. Dessa forma, pode-se pensar que essa
proximidadeou seja, tanto os usurios do ecstasy quanto os participantes da pesquisa soinfluenciados pelo mesmo discursofaz com que exista uma maior aceitao do ecstasy para
os participantes. Pode ser, tambm, que essa aceitao seja maior em relao ao ecstasy
devido proximidade social, uma vez que a maioria dos usurios de ecstasy da mesma faixa
etria dos participantes da pesquisa, de classes sociais tambm muito prximas e que tendem
a sofrer presses sociais muito parecidas.
Mais uma comparao entre o uso da cocana e do ecstasy foi feita, porm no que diz
respeito ao momento em que isso acontece, no sentido de que o uso da cocana pode ser aqualquer momento e isso no acontece com o ecstasy:
Eu fico pensando, por exemplo, tem gente que cheira cocana s 3 horas da tarde,
ainda mais quem viciado. J essa droga diferente. (P4)
Eu no sei. Mesmo quando se trata de algo pessoal, do seu momento com a droga,
parece que... por exemplo, com a cocana, tem essa coisa da gente falar que existem
mais pessoas que usam a droga na quarta-feira a tarde e... no sei. Parece que existe
algo maior do que apenas algo pessoal. (P3)
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No nosso imaginrio. No tem como a gente saber de todo mundo. (P2)
, mas voc imagina um cara tomar um ecstasy e vai trabalhar, vai fazer suas coisas.
E, da, o cara toma uma balinha e ele vai para um buso e eu no sei como que d
para fazer as coisas. Assim, at d, mas eu no sei. (P5)
Pode-se, ento, perceber que os participantes, mais uma vez, levantam a questo do
uso ritualizado do ecstasy, no sentido de que existe um momento especfico para o seu uso e
que esse momento deve envolver o acompanhamento de um grupo.
3.3.AS FESTAS-RAVEE A SUBJETIVIDADEPor mais que no fosse o objetivo deste trabalho, no era possvel negligenciar
algumas declaraes dos participantes em relao s festas-rave. A ateno maior foi dada s
declaraes que relacionavam as festas-rave e a subjetividade do indivduo que frequenta
essas festas. Em algumas declaraes dos participantes que tiveram essa relao, comentou-se
sobre a sensao de liberdade, sobre a identidade dos frequentadores das festas e sobre as
razes de se frequentar as raves. Alm disso, os participantes tambm fizeram vrias
indagaes a respeito do que pode significar para um indivduo fazer parte deste evento que
pode durar alguns dias.
Durante as reunies da pesquisa, houve um momento em que alguns participantes
estavam falando sobre alguns efeitos causados pelo ecstasy que tinha um reflexo na
subjetividade do indivduo, porm, outros estavam falando sobre esses mesmos efeitos, porm
relacionando-os s festas-rave.
Tal confuso pode ter ocorrido, porque, de acordo com Forbes (2003), tanto o uso de
drogas quanto a participao de festas-rave (em que existe a msica eletrnica) esto
relacionados forma que o jovem encontrou como possibilidade do curto-circuito dapalavra (p.27). Ou seja, em vez do dilogo, o jovem teve de encontrar uma outra forma de
lidar consigo mesmono lidando com a palavra.
Assim, foi preciso que o pesquisador interviesse, tentando desfazer tal confuso. Desta
forma, foi possvel entender que os participantes acreditam que a relao entre as festas-rave e
a subjetividade est no fato de que os frequentadores dessa rave se sentem libertos de
represso, ou seja, o ambiente da rave considerado como um lugar em que o indivduo tem a
sensao de que pode fazer tudo aquilo que quer. Essa viso condiz com o que aparece nadissertao de mestrado de Carolina de Camargo Abreu (2006), uma vez que ela descreve a
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festa como um espao de liberdade (especialmente quanto s orientaes e controles mdico-
jurdicos) (p. 24).
Em relao sensao de liberdade e identificao entre os outros integrantes da festa,
quase todos os participantes concordaram que em uma rave, os indivduos experimentam
situaes em que no h coero, em que h uma integrao e isso apareceu em vrios
momentos das reunies:
Mesmo porque naquele lugar no existe represso. Voc pode fazer o que voc
quiser, voc pode usar a droga que voc quiser que ningum vai vir falar Para. No
faa isso, geralmente mais aceito, eu nunca fui a uma rave, mas parece ser um lugar
que voc aceita a sua condio, que ningum vai te punir, ningum vai falar nada.(P1)
. (P6)
meio que um mundo parte. Porque todo mundo sabe que ali, todo mundo tem
drogas, que est todo mundo achando legal e... (P5)
E que permitido usar. (P2)
Justamente. tudo beleza. (P5)
Isso verdade. (P4)
A expresso poder fazer o que voc quiser ilustra bem o que Zizek (1999) escreve
sobre a sociedade contempornea, que ele chamou de Sociedade de Risco. Tentando
explicar essa sociedade, o autor afirma que as pessoas tm vivido, cada vez mais, com a
sensao de que a vida no vivida em submisso Natureza ou Tradio (p.5), ou seja, o
sujeito tem opo, ele pode escolher. Isso d a ele uma sensao de liberdade (em poder
escolher aquilo que quiser).Ainda no mbito das festas-rave como um ritual para o uso de ecstasy, alguns autores
(VENTURELLI et al., 2007) fazem uma comparao entre o DJ das raves e o xam, no
sentido de que assim como o xam, o DJ conduz as pessoas a um estado de unidade, de
coletividade (p.2). Outra autora (ABREU, 2006) levanta um aspecto parecido das festas-
rave, coincidindo assim com as declaraes dos participantes que relataram que, nas raves, os
frequentadores tm uma identidade, ou seja, eles participam das festas em condio de
igualdade, sem julgamentos e que, por isso, um lugar em que as pessoas, de forma geral, se
sentem muito bem:
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Mas o grupo que frequenta, geralmente, porque eles gostam mesmo. Eu vejo que
eles tm uma identidade. Como outros tipos de comunidade. (P4)
um espao para voc se sentir bem. um lugar em que voc se identifica com todo
mundo. (P2)
Um lugar em que voc encontra os seus amigos. E, claro, existe tambm aquela
sensao de que se voc quiser usar droga, um lugar em que no existe uma coero,
uma proibio, priso, polcia na rua que um saco. (P5)
Mesmo que voc esteja entre pessoas que no usam a droga. (P1)
Justamente. (P5)
Elas no vo ligar que voc esteja usando a droga. (P1)Isso. Exatamente. (P5)
Eu acho que legal, porque voc no sente que o outro uma ameaa para voc.
(P3)
. Em termos de cobrana. (P2)
A ideologia. (P6)
. Porque se compartilha alguma coisa. Uma coisa pelo menos todo mundo tem emcomum. (P5)
Acho que voc fica livre da cobrana e do julgamento tambm. (P2)
Em meio discusso a respeito de tal assunto, um dos participantes se pergunta a
razo para que se ter essa sensao de liberdade e, por fim, alguns participantes concluem que
existe algo nesses indivduos que deve ser preenchido e que participar de uma rave poderia
ser uma soluo:
Eu fico pensando: por que existe essa necessidade desse sentimento? De voc ser
livre, de voc no ter de se preocupar com o que vai acontecer dali uma hora. De onde
vem? (P1)
Eu acho que nesse contexto, a sensao de perigo fica distante. Se voc est com a
sensao de integrao com essas pessoas que esto a, voc no vai ficar com a
sensao de que essas pessoas vo fazer qualquer tipo de mal. Voc pode interagir
com elas de qualquer forma e que vai ficar tudo bem. Voc pode fazer o que voc
quer, porque o mundo fica muito distante, porque nada pode te agredir.(P3)
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Ento, a minha pergunta justamente isso. Por que voc precisa sentir isso? Por que
que voc tem de sentir essa sensao de liberdade, de que nada vai te atingir? (P1)
Na verdade, voc fica com a questo de Por que as pessoas esto recorrendo a
isso? (P6)
! (P1)
O que na vida cotidiana... (P6)
Falta? (P2)
. (P6)
Eu penso que, hoje, essa questo da competitividade, da individualidade seja to forte
que o escapismo acaba com isso. Dois ou trs dias voc fica liberto de tudo isso. (P2)
Sim. (P6)
Em outro momento, ainda em relao quilo que a rave responde para um indivduo,
um dos participantes declara que seria para sair de uma rotina estressante:
Eu acho que porque voc trabalha, trabalha, trabalha, estuda, estuda, estuda e um
momento que voc tem: ir a uma rave, uma balada. (P6)
E l voc ter seu momento de paz, felicidade. (P2)Isso! ! (P6)
Ainda em relao s festas-rave e o uso de ecstasy, num certo momento, surgiu uma
certa estranheza ao se usar os conceitos de individualidade e coletividade. Para os
participantes, a concluso a que se chegou de algo aparentemente sem lgica. No entanto,
Venturelli e seus colegas (2007), concordando com Forbes (2005), afirmam que o que
acontece que, nas raves, o que ocorre so monlogos articulados (p. 4). A declarao dosparticipantes foi:
(...) o uso da droga, algo bem individual, voc tem muitas sensaes e eu no vejo