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A Percepção Ambiental dos Pequenos Agricultores da região de

Araraquara. Marina Strachman

Mestranda do programa de Pós Graduação em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente-

UNIARA [email protected]

Mariângela Tambelini

Docente do programa de Pós Graduação em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente-

UNIARA

[email protected]

Introdução

Na região de Araraquara encontram-se solos férteis para o plantio, que

necessitam de atenção especial, uma vez que estamos em área de recarga do Aqüífero

Guarani, região de arenito com remanescente de vegetação do cerrado e que, segundo

REATTO et al. (1998), “vêm sofrendo degradações decorrentes das modificações

ambientais induzidas pelo homem, entre os quais encontramos principalmente o

desmatamento, o uso do fogo, a substituição da flora e fauna por lavouras, a

introdução de insumos e pesticidas, dentre outros”.

KRONKA et al. (1998), reforçam a gravidade da situação alertando

especificamente sobre a região em estudo: “a região de Araraquara sofreu uma

redução de 87% nas áreas das diversas formações de cerrado entre 1962 e 1992, nas

quais a ocupação do solo foi substituída por cana-de-açúcar e citricultura”.

A discussão de questões relacionadas à preservação ambiental, estrutura

social, patrimônio cultural e aspectos econômicos na região deveria realizar-se não só

academicamente, mas também no âmbito de toda a sociedade local, buscando

partilhar responsabilidades na construção de um ambiente mais saudável, em todos

estes aspectos.

A questão da sustentabilidade é uma preocupação pertinente ao quadro

ambiental e social na atualidade, entretanto existem interesses e também conceitos

distintos para o estabelecimento de parâmetros sobre o que seja um “ambiente

sustentável”. Os termos “sustentabilidade” e “desenvolvimento sustentável”, estão

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associados a conceitos econômicos, ambientais, sociais, sendo a ênfase dependente da

área de formação dos profissionais envolvidos na discussão.

ALIROL (2001, p.24) reforça esta idéia ao dizer que “diferentes atores não

vêem os problemas ambientais e de desenvolvimento da mesma maneira(...). O

sentimento de responsabilidade, ou a idéia que dele se faz, varia enormemente,

conforme a categoria social ou profissional à qual se pertence.”

Para GLIESSMAN (2000, p.52) “a sustentabilidade significa coisas

diferentes para distintas pessoas, mas há uma concordância geral de que ela tem uma

base ecológica” O mesmo autor (op. cit.) nos dá a sua versão de sustentabilidade: “no

sentido mais amplo a sustentabilidade é uma versão do conceito de produção

sustentável - a condição de ser capaz de perpetuamente colher biomassa de um

sistema, porque sua capacidade de se renovar ou ser renovado não é comprometida.”

Um estudo de algumas opções para o desenvolvimento sustentável, incluindo

práticas agrícolas alternativas utilizadas na região, faz-se necessário, pois a cidade de

Araraquara é uma das cidades do importante pólo agrícola do Estado de São Paulo.

Encontra-se situada em posição estratégica na área central do Estado, cercada de

grandes vias de escoamento (rodovia Washington Luiz, rodovia Anhangüera, rodovia

dos Bandeirantes, linha férrea e hidrovia). Este setor agrícola é de grande importância

para o cenário econômico do país, atendendo o mercado interno e externo de açúcar e

álcool e também um importante exportador de Citrus in natura e em suco.

Em meio a este cenário de indústrias de grande porte e de grandes produções

agrícolas, encontram-se alguns sítios onde pequenos agricultores rurais estão à

procura de melhores condições de produção e qualidade de vida.

É importante perceber as necessidades dos pequenos agricultores, entender

sua dinâmica de trabalho, antes de impor algum tipo de intervenção no sentindo de

adequar e controlar sua produção, pois as necessidades não são necessariamente as

mesmas. Vários fatores interferem nas questões dos valores adotados por cada

agricultor, uma vez que valor é um parâmetro relativo às necessidades de cada

indivíduo.

Neste sentido tornam-se necessários os trabalhos de percepção e educação

ambiental para sensibilizar, conscientizar e poder trabalhar conjuntamente as

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dificuldades ou dúvidas que o interlocutor possa vir a ter quando discutidas e

apresentadas às questões ambientais. STRANZ, PEREIRA et alli (2002, p.222)

enfatizam que “a educação ambiental é um processo permanente no qual os

indivíduos e a comunidade tomam consciência do seu meio ambiente e adquirem

conhecimentos, valores, habilidades, experiências e determinação que os tornem

aptos a agir e resolver problemas ambientais presentes e futuros”.

Objetivos

Este trabalho tem como objetivos caracterizar a percepção de uma parcela de

pequenos produtores rurais da região de Araraquara, discutir sua forma de produção

frente a questão da sustentabilidade e gerar dados para a elaboração de um trabalho

educativo adequado e direcionado para a agricultura sustentável.

Procedimentos metodológicos

O objeto de estudo desta pesquisa são os produtores agrícolas de hortifruti que

comercializam na praça Pedro de Toledo aos sábados. De um total de 34 produtores

que possuem bancas de venda neste local, 19 (56%) foram entrevistados. Estes foram

escolhidos ao acaso, entre os presentes durante os quatro dias em que foram efetuadas

as entrevistas, previamente estruturadas, com questões abertas, de acordo com

VIERTLER (2002, p.16).

Entre os nossos entrevistados encontramos três universos relativamente

distintos: 84% são provenientes de assentamentos da região de Araraquara, sendo que

63% são moradores do assentamento Monte Alegre, 21% são moradores do

assentamento Bela Vista do Chibarro e 16% são pequenos proprietários rurais da

região. O Monte Alegre é um assentamento de área maior que o Bela Vista do

Chibarro (são 358 lotes no primeiro e 176 lotes no segundo), constituído de seis

núcleos (divisão adotada para a implantação das famílias). Sua área encontra-se

dentro do limite de três municípios: Araraquara, Matão e Motuca. É um assentamento

mais populoso, portanto existem mais entrevistados provenientes deste local.

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Resultados e Discussão

Podemos perceber que a grande maioria dos agricultores entrevistados (84%)

prefere viver no sítio, 11% moram na agrovila e 5% (correspondente a um

entrevistado) reside na cidade.

Muitos migrantes se encontram entre os agricultores da região, sendo 63% dos

entrevistados provenientes de outros Estados, principalmente da região nordeste. Há

ainda os originários do Paraná, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul; apenas 37%

nasceram em Araraquara ou região.

Estes dados corroboram uma afirmação de SILVA (2003, p. 19) onde “a partir

de várias pesquisas com trabalhadores da região de Ribeirão Preto/SP, verificou-se

que a migração constitui um dos componentes de suas trajetórias”.

Tanto entre os nascidos em Araraquara e região quanto entre os migrantes, as

experiências vividas são bem semelhantes. São pessoas sofridas, que em sua maioria

sempre viveu no campo ou alternou com algum outro tipo de atividade, por

necessidade. Entre os migrantes, as “histórias dos motivos” que os fizeram vir para a

região são bem parecidas, relacionam-se com a esperança de encontrar um “futuro

melhor” , como nos relata um de nossos entrevistados, nascido em Minas Gerais:

“Todos os nortistas, seja do norte do Brasil, ou do norte de Minas ficam a

procura daquela melhora que nunca encontra, e no nosso Brasil para achar a

melhora, só pedindo para Deus do céu descer na terra para comandar...”

Notamos a predominância de casais com filhos (95%). O trabalho familiar

também é predominante; em 78% dos casos os casais trabalham com pelo menos um

dos filhos, 84% dos casais trabalham juntos, em apenas 11% dos casos o entrevistado

trabalha somente com um ou mais ajudantes não familiares.

Muitos agricultores foram para os assentamentos com suas famílias e

contando com a ajuda destes, com a intenção de resgatar um pouco da dignidade

roubada pelas adversidades da vida na cidade, pelas condições impostas àqueles que

não possuem uma formação acadêmica mais especializada.

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Para CHONCHOL (2003, p. 67) em artigo sobre assentamentos rurais de São

Paulo, “trata-se de trabalhadores de origem rural, que, sob os impactos da

modernização capitalista na agricultura, foram expulsos do campo a cerca de 30 anos,

para as zonas urbanas. Desde então, eles buscavam, sem sucesso, um habitat

definitivo nas cidades da região e um emprego permanente que lhes permitisse

construir, na região urbana, uma nova vida com suas famílias. As peregrinações nas

periferias urbanas – sem, no entanto que tivessem abandonado o corte da cana-de–

açúcar - têm marcado este grupo de bóias frias que, tanto quanto outros, sonharam

com a cidade e agora desejavam retornar à terra”.

Entretanto, ANTUNIASSI (2003, p 60.), diz que “é importante ressaltar que

resta nos assentamentos uma população de agricultores pobres, muitas vezes no limite

da sobrevivência e que somente graças a seus próprios esforços, podem ali

continuar”.

Em 63% dos entrevistados neste estudo pudemos perceber que os filhos

trabalham ou estudam fora, ou então até já constituíram outra família e moram em

outra cidade.

O problema da “continuidade” do trabalho com a terra é real para estes

agricultores, pois muitos dos seus filhos estão deixando as plantações e a vida no

campo. Essa problemática se dá por falta de renda suficiente para manter um padrão

de vida considerado razoável pela nova geração - por razoável, aqui, deve-se

entender: alimentação, vestimenta, saúde, água, energia, transporte, educação para

quatro pessoas. Muitos destes agricultores não estão ganhando o suficiente para

manter suas famílias na terra; então, aquele que tem condição, sai à procura de

melhores oportunidades. Além disso, defrontamo-nos com a falta de propostas

concretas visando à formulação de políticas públicas que favoreçam economicamente

e socialmente este grupo, e que sejam promotoras de atitudes favoráveis ao processo

de desenvolvimento sustentável.

A prefeitura Municipal de Araraquara, em uma iniciativa modelo, concede o

transporte das mercadorias e da maioria dos assentados até as feiras e ainda, através

de convênios, promove vários cursos de capacitação para produtores rurais, em

conjunto com o SAI, ITESP, REGAR e FMO.

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De acordo com BARONE & FERRANTE (2003, p. 158) “particularmente o

poder público municipal (as Prefeituras) até recentemente, pouca participação tinha

nos destinos dos assentamentos(...). Já no segundo exercício do governo Fernando

Henrique Cardoso (1999-2002), através da política expressa no documento

‘Agricultura Familiar, Reforma Agrária e Desenvolvimento Local para um Novo

Mundo Rural’, a importância dessa esfera de governo cresce significativamente na

gestão de políticas para os assentamentos. (...) Há anos, a questão da descentralização

das experiências de assentamentos vem sendo discutidas.”

Para SPAROVEK (2003, p. 137), “os fatores que fixam as famílias no campo

são vantagens decorrentes diretamente do acesso a terra”, o autor ainda ressalta que

“(...)o fator preocupante está relacionado aos valores absolutos de renda, que em

muitos Estados foi muito baixo” e que “(...) a renda mensal por família nos

assentamento do estado de São Paulo, assentadas de 1985 a 1994, é de R$ 317,00

(trezentos e dezessete reais)”.

Em nosso levantamento verificamos que 68% ganham entre R$500,00 e

R$1000,00 por mês, o que não modifica a condição citada por SPAROVEK (op.cit.),

considerando-se que sua pesquisa apresenta dados até 1994.

Nem todos vivem só de agricultura, 63% completam sua renda com o trabalho

do filho ou marido, aposentadoria, aluguel, arrendamento de parte da área para

cultivo de cana, pensão do filho, ou ainda o comércio de peixes com pesque e pague.

A maioria vive do trabalho agrícola desde a infância de forma contínua ou

alternando com outro tipo de serviço. Percebemos um círculo vicioso neste dado que

reflete a formação acadêmica dos entrevistados; a maioria estudou somente por volta

da 4º série do ensino fundamental (68%) e 16% não sabem ler ou escrever.

A questão social que este dado encerra é preocupante e possui implicações

sobre questões ambientais e de saúde pública, pois além de representar uma

porcentagem da população “excluída” de decisões, privada de acesso cultural e de

atividades sociais, também restringe as oportunidades de acesso às informações que

são freqüentemente veiculadas sobre a temática. Tais informações são necessárias

para a adoção de técnicas agrícolas mais apropriadas, para a manutenção da saúde da

população e para a sustentabilidade ambiental. A inclusão social se faz necessária e

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alguns não se contentam com o pouco que conseguiram. Dois dos entrevistados

contaram que estão estudando novamente, pois na agrovila foram implantadas aulas

noturnas.

Acompanhe o depoimento de uma agricultora:

“Eu estudei até a 3º série e ano passado voltei a estudá; agora estou na 5º

série! Eu tô estudando à noite na escola; é bom estudar, eu me distraio.”

CORTELLA (2001, p. 52) lembra que: “Não podemos esquecer o

analfabetismo de adultos! Muitos dentre aqueles que hoje falam euforicamente sobre

o aumento da universalização do ensino fundamental no Brasil, ou omitem

deliberadamente a imensa massa de cidadãos adultos ainda analfabetos, ou, pior,

defendem a não-necessidade de investir recursos para alfabetizá-los”.

É preciso criar mecanismos que levem a comunidade a se interessar, a

interagir, criar senso crítico e aprender a cuidar do espaço a seu redor. SATO &

PASSOS (2002, p. 248) comentam que “a participação ativa da comunidade faz-se

fundamental. Para tal participação, todavia, devem-se criar mecanismos educacionais

eficientes que realmente incentivem o exercício de cidadania da comunidade para a

manutenção dos ambientes de uma forma sustentável”.

Para SORRENTINO (2002, p.97) citando HALL (1993) “a educação

ambiental como instrumento para o desenvolvimento sustentável não pode realizar-se

por si só, necessita de apoios como:

♦um sistema de formação e orientação da opinião pública neste campo;

♦um sistema de formação e capacitação de recursos humanos para a

educação, tomada de decisões, administração e execução de políticas;

♦um sistema sócio-econômico que satisfaça as necessidades básicas de

trabalho, alimentação, moradia, energia, vestimenta, saúde e educação da população;

♦um sistema científico e tecnológico que promova uma tecnologia limpa e

adequada (de poucos dejetos ou sem eles);

♦um sistema de administração pública e privada que demonstre, na prática,

capacidade e vontade de promoção e controle da sustentabilidade nas atividades de

desenvolvimento;

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♦uma política de participação cidadã na tomada das decisões e na execução

de obras de desenvolvimento;

♦um sistema jurídico que contribua para considerar e cumprir com a

sustentabilidade das atividades de desenvolvimento;

♦um sistema financeiro que garanta os recursos econômicos necessários para

o desenvolvimento da educação formal”.

O modelo de agricultura que os entrevistados relataram utilizar varia entre o

“convencional” (11%), a agricultura natural (84%) e temos uma entrevistada (5%)

que produz plantas ornamentais. Entre os que disseram ser praticantes de agricultura

natural, a maioria (56%) foi levada a esta forma de produção devido a questões

econômicas. Muitos destes relataram claramente que começaram a prática da

agricultura natural por falta de recursos econômicos para a compra de insumos

químicos para a plantação; outros deram indícios de que os motivos que os levaram a

essa prática são econômicos.

Para SCHORR (1996, p.14) agricultura convencional “é aquele sistema

agrícola que possibilita uma produção alimentar em grande escala(...) a

homogeneização da produção e do ambiente” e ainda “...preocupa-se em controlar e

não em conviver com os chamados insetos e ervas daninhas, e busca excluir outros

fatores ecológicos e naturais, através do uso de técnicas que possuem em sua base a

utilização de produtos químico-sintéticos, engenharia genética industrial,

biotecnologia, manejo mecânico intensivo de solos”.

Em artigo de EHLERS (2001, p.12) sobre agricultura orgânica, “de acordo

com a Lei Nº 659/99, aprovada em dezembro de 2000 pela Comissão de Agricultura e

Política Rural do Congresso Nacional, é considerado um sistema orgânico de

produção: todo aquele em que se adotam técnicas específicas, mediante a otimização

do uso de recursos naturais e socioeconômicos disponíveis, tendo por objetivo a

sustentabilidade econômica e ecológica, a maximização dos benefícios sociais, a

minimização ou a eliminação da dependência de energia não renovável e de insumos

sintéticos e a proteção do meio ambiente...”.

WHITAKER & FIAMENGUE (2000, p.25) afirmam que “a ação dos

agricultores nos assentamentos da reforma agrária da Fazenda Monte Alegre (região

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de Araraquara S.P.), está promovendo uma transformação ambiental, devido à

diversificação no uso e na ocupação do solo da região”.

Apesar desta diversificação no uso do solo e de se considerar que a maioria

dos agricultores relata estar utilizando técnicas naturais de produção, ainda

encontramos uma grande distância entre o que é constatado e o que pode ser definido

como forma sustentável de produção.

Assim, nas visitas de reconhecimento que fizemos a alguns sítios, dois

agricultores, que nas entrevistas disseram ser praticantes de agricultura natural,

tinham aplicado, na época das chuvas (janeiro/fevereiro), agrotóxicos em suas

plantações. Um deles justificou a atitude como uma providência emergencial

necessária, visto que o técnico passou em sua propriedade uma vez e retornou

somente após 60 dias.

Portanto, parece que os técnicos da Prefeitura e da REGAR, por motivos

desconhecidos pela pesquisadora, estão tendo dificuldades em manter uma assistência

mais freqüente àqueles agricultores naturais que optaram pela prática mais

recentemente. Estes agricultores não possuem o conhecimento técnico necessário

para manter esta forma de produção diante das adversidades e, por medo de perder a

colheita, recorrem às técnicas convencionais por eles conhecidas, prejudicando a

forma natural de produção.

BARONE (2000, p.62) relata que, em uma entrevista com o corpo técnico que

trabalha junto ao Monte Alegre, “uma frase dita por um entrevistado ‘estamos

aprendendo a fazer a Reforma Agrária’ camufla uma série de fracassos,

desentendimentos e abandono. Após quinze anos do início de uma política de

assentamentos no Estado, pode-se avaliar que pouco ou nada se aprendeu (...) A

própria proposta de plantio de cana nos assentamentos, vista, nos últimos cinco anos,

como uma ameaça tanto para o Monte Alegre como para o Bela Vista, tem sua

primeira divulgação dentro do corpo de técnicos do Estado de São Paulo.” O autor

(op. cit) descreve mais adiante que “a distância cultural é outro problema crucial

nesta tensa relação. O que por vezes é qualificado pelos agrônomos de “pobreza

cultural”, não é outra coisa senão a intraduzibilidade dos mundos distintos vividos

por técnicos e assentados”.

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Foi constatada, nas visitas e entrevistas, esta “intraduzibilidade” relatada por

BARONE (2000, p.62), e que esse fato faz parte da história dos assentamentos.

Percebemos uma dificuldade para estabelecer uma forma de diálogo onde se valorize

tanto o conhecimento técnico quanto o tradicional.

É necessário que haja um maior investimento em pessoal técnico e condições

materiais, criando maiores possibilidades para a adoção de novas idéias e técnicas.

Uma questão que merece atenção relaciona-se aos produtores que praticam a

agricultura natural por falta de crédito, e não por opção relacionada a preocupação

ambiental. Estes devem ser conscientizados de que esta prática promove benefícios

ao solo, às plantas e à saúde, mas que podem ser perdidos com o retorno às práticas

convencionais de cultivo.

Os trabalhos educacionais de conscientização ambiental poderão contribuir na

melhoria da relação entre técnicos e agricultores, bem como na adoção e permanência

de técnicas que favoreçam a sustentabilidade.

O agricultor está procurando a melhor maneira para incrementar a produção e

sai à procura do auxílio técnico. O poder público local tem as parcerias necessárias e

o apoio técnico (os próprios técnicos da prefeitura, a FMO, o SAI e o ITESP), porém

notamos que esta rede está ainda muito frágil. Há necessidade de esforços conjuntos

para seu fortalecimento, buscando tornar o pequeno produtor mais capacitado para

lidar com as técnicas naturais de produção, melhorando sua renda e sua qualidade de

vida, e constituindo um elo forte na construção e manutenção de um ambiente mais

saudável.

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