Transcript
  • A Microssociologia na Formao dos Grupos Sociais e seus efeitos sobre as Estruturas Sociais.

    SUMRIO

    Conscincia Coletiva e Formas de Sociabilidade

    Microssociologia e Dinmicas de Grupo

    Resumo de microssociologia das relaes interpessoais (As Relaes com Outrem)

    O esquema de anlise diferencial em microssociologia

    Os doze planos da pesquisa microssociolgica da variabilidade

    Resumo dos enunciados bsicos de teoria sociolgica diferencial

    Conscincia Coletiva e Formas de Sociabilidade

    Sendo entrelaada em fato aos estados mentais, a solidariedade ou em termos mais adequados a

    sociabilidade constitui o complexo fundamental da conscincia coletiva, portanto exprime o fato social

    indiscutvel da interpenetrao virtual ou atual das vrias conscincias coletivas ou individuais, sua fuso parcial.

    A microssociologia foi fundada e desenvolvida a partir da crtica imanente a Durkheim e aos seus tipos de

    solidariedade. Isto porque, sendo entrelaada em fato aos estados mentais, a solidariedade ou em termos mais

    adequados a sociabilidade constitui o complexo fundamental da conscincia coletiva e, portanto, exprime o fato

    social indiscutvel da interpenetrao virtual ou atual das vrias conscincias coletivas ou individuais, sua fuso

    parcial verificada em uma psicologia coletiva dentro da sociologia.

    O equvoco de Durkheim decorre da imposio de uma teoria do progresso moral onde distingue um primeiro

    momento correspondendo ao que chama solidariedade mecnica, com a suposta transcendncia da

    conscincia coletiva tida por total. Enquanto que, no segundo tipo de solidariedade, a solidariedade orgnica,

    se a conscincia coletiva se torna parcialmente imanente, o equvoco de Durkheim continua, no entanto, com

    essa imagem de conscincia coletiva a pairar acima das conscincias individuais e a se impor a elas como uma

    entidade metafsica.

    A insuficincia das orientaes de Durkheim quanto ao problema da conscincia coletiva que ele prprio

    introduziu na sociologia do Sculo XX est em sua falta de relativismo ao ignorar que a importncia dos nveis

    em profundidade da realidade social varivel segundo cada tipo de sociedade global, cada tipo de agrupamento

    social e segundo os diferentes Ns.

    Segundo Georges Gurvitch, a conscincia coletiva deve ser estudada (a) no s nas suas manifestaes na

    base morfolgica da sociedade, nas condutas organizadas e regulares, nos modelos, signos, atitudes, funes

    sociais, smbolos, idias, valores e ideais coletivos, obras de civilizao, (b) principalmente nas estruturas e nos

    fenmenos no-estruturais, mas (c) igualmente em si prpria, j que a conscincia coletiva no se realiza

    inteiramente em qualquer desses elementos e pode extravas-los em expresses imprevisveis, inesperadas e at

    surpreendentes.

  • A realidade dos nveis culturais na vida coletiva pe em relevo que a conscincia coletiva os apreende, sendo,

    portanto, uma conscincia situada no ser, intuitiva e capaz de se multiplicar em um mesmo quadro social.

    Desta forma, contrariando as posies reducionistas, Gurvitch mostrou que a psicologia coletiva possui seu

    domnio prprio na sociologia, domnio no percebido com clareza por Durkheim, cujas reflexes e anlises no

    ultrapassaram a identificao da conscincia coletiva com as crenas coletivas (conscincia coletiva fechada).

    A realidade dos nveis culturais na vida coletiva os nveis simblicos e significativos, as idias, os valores e

    os ideais desempenha um papel de primeiro plano que ultrapassa a considerao dogmtica dos mesmos como

    simples epifenmenos, projees ou produtos, mas pe em relevo que a conscincia coletiva os apreende,

    portanto afirma-se uma conscincia situada no ser, intuitiva e capaz de se multiplicar em um mesmo quadro

    social.

    O mundo das obras de civilizao (compreendendo em conjuntos a arte, a religio, o conhecimento, a

    moralidade, o direito, a educao) intervm na constituio da realidade social e depende simultaneamente de

    todos os nveis em profundidade da realidade social como estes dependem do mundo das obras de civilizao.

    Entre a conscincia coletiva e o nvel das idias, dos valores, e ideais coletivos h uma interdependncia a que

    freqentemente designamos por cultura.

    Ou seja, para ter clareza, o problema da autonomia da cultura deve ser considerado desde o ponto de vista das

    teorias de conscincia aberta, no caso, em referncia imanncia recproca do individual e do coletivo. Esta

    abordagem torna possvel distinguir por um lado as projees da conscincia coletiva, os seus estados mentais e

    os seus atos e, por outro lado as obras de civilizao como a coletividade de certas idias e certos valores que

    aspiram validade.

    O mundo da cultura funciona como um obstculo resiste conscincia coletiva, se afirma como um nvel

    especfico da realidade social de tal sorte que suscetvel de se apresentar a esta conscincia como o seu dado.

    Nada obstante, esse nvel capaz de tornar-se um produto unilateral dessa conscincia. Trata-se de uma aparente

    contradio e designa apenas que, em sua autonomia e com seus valores que aspiram validade, o mundo da

    cultura s pode ser apreendido por via da conscincia coletiva.

    Por sua vez, a apreenso por via de conscincia coletiva s possvel graas ao fato de que essa conscincia

    capaz de se abrir, ultrapassando as suas crenas e assimilando as novas influncias do ambiente social, bem como

    capaz de se multiplicar no mesmo quadro social.

    Mesmo no estado muito valorado pelos estudiosos da histria social, quando as relaes com outrem so

    distribudas hierarquicamente e servem de ponto de referncia a uma estrutura social (por exemplo: relaes com

    o Estado, relaes com os empresrios, relaes com os partidos polticos etc.), a sntese no ultrapassa o estado

    de combinao varivel. pela microssociologia que se pe em relevo a variabilidade no interior de cada grupo,

    de cada classe, de cada sociedade global, de cada estrutura social.

    Gurvitch aprofundou a anlise das duas espcies da sociabilidade: 1) a sociabilidade por fuso parcial nos

    Ns, e 2) a sociabilidade por oposio parcial em um Ns, e reconheceu que a teoria do progresso moral

    adotada por Durkheim em fruto de sua pr-concepo filosfica, fora imposta sobre a conscincia coletiva e no

    resistia ao cotejo da realidade social.

    Em decorrncia, houve que desenvolver a dialtica como ligada experincia pluralista e variabilidade, isto

    por exigncia da constatao de que, em os Ns, as relaes com outrem no podem ser identificadas nem s

    fases histricas da sociedade global, nem aos agrupamentos particulares, como houvera proposto Durkheim[1].

  • E isto assim porque a diversidade irredutvel dos Ns faz com que tais manifestaes da sociabilidade por

    relaes com outrem no admita sntese que ultrapasse a combinao varivel dessas relaes microscpicas,

    como espcie da sociabilidade, tornando artificialistas toda a tentativa para identificar as relaes com outrem s

    fases histricas da sociedade global ou aos agrupamentos particulares.

    Quer dizer, mesmo no estado muito valorado pelos estudiosos da histria social, quando as relaes com

    outrem so distribudas hierarquicamente e servem de ponto de referncia a uma estrutura social (por exemplo:

    relaes com o Estado, relaes com os empresrios, relaes com os partidos polticos etc.), a sntese no

    ultrapassa o estado de combinao varivel. pela microssociologia que se pe em relevo a variabilidade no

    interior de cada grupo, de cada classe, de cada sociedade global, de cada estrutura social.

    Microssociologia e Dinmicas de Grupo

    Ultrapassando a tcnica de estimao dos ajuizamentos de valor portados por cada membro de um grupo sobre

    cada um dos outros, todas as interaes, inter-relaes, relaes com outrem interpessoais e intergrupais, ou

    interdependncias pressupem e so sempre fundadas sobre interpenetraes, integraes, participaes diretas,

    fuses parciais nos Ns (atuais ou virtuais), sempre concebidos como totalidades.

    A impresso de que no seria possvel a microssociologia independente da psicologia social no mais

    aceita desde os anos sessenta. Imaginou-se equivocadamente que a sociologia como disciplina cientfica seria

    fundada no suposto imperativo axiolgico de tomar posio, atribudo ingenuamente como incumbncia

    metodolgica do socilogo, combinando-se ao ideal de matematizao da psicologia da inteligncia dita

    gentica.

    Sustentou-se ainda que a sociologia dos conhecimentos, no plural, seria chamada a se apoiar verdade de

    mais em mais sobre a histria das idias, sobre a histria das cincias e das tcnicas, orientao esta que

    supostamente lhe passaria a tarefa de tomar posio a respeito de fenmenos to decisivos como o milagre da

    civilizao grega (gnio helnico) e a posterior decadncia da cincia nessa mesma civilizao. Por fim,

    entendeu-se que a explicao sociolgica se faria coincidir com uma matematizao qualitativa de natureza

    anloga quela que intervm na construo das estruturas lgicas.

    Os socilogos j esclareceram que nessa imagem apressada e inadequada da sociologia tomou-se por modelo

    entre outros a sociometria de Moreno (Jacob Levy Moreno, 1889 1974), com sua muito conhecida dinmica

    psicolgica de grupos (os psicodramas), freqentemente aplicada nos treinamentos para gesto dos chamados

    recursos humanos.

    A sociometria de Moreno uma tcnica de estimao dos ajuizamentos de valor portados por cada membro de

    um grupo sobre cada um dos outros. Entretanto, desde ento os socilogos j fizeram notar que os elementos

    microssociais no tm absolutamente nada a ver com o individualismo, o atomismo e o formalismo sociais. Pelo

    contrrio. Como j o dissemos, Incluindo as relaes com outrem, as manifestaes da sociabilidade so

    definidas como as mltiplas maneiras de ser ligado pelo todo no todo, este ltimo termo compreendendo

    inclusive o complexo de significaes observado em todo o campo cultural existente.

    Sabe-se ademais que a sociometria foi associada microssociologia posteriormente ao desenvolvimento

    independente desta ltima, que data de 1937, fundada por Gurvitch (Georges Gurvitch, 1894 -1965) fato este

    bem reconhecido [2].

    Com efeito, ultrapassando a tcnica de estimao dos ajuizamentos de valor portados por cada membro de

    um grupo sobre cada um dos outros, j insistia Gurvitch como j vimos no fato de que todas as interaes, inter-

    relaes, relaes com outrem interpessoais e intergrupais, ou interdependncias pressupunham e eram sempre

  • fundadas sobre interpenetraes, integraes, participaes diretas, fuses parciais nos Ns (atuais ou virtuais),

    sempre concebidos como totalidades.

    A produo de Moreno e seus colaboradores, famosos pela extraordinria aceitao e penetrao do

    psicodrama e do scio-drama notadamente nos Estados Unidos, deve ser apreciada como o esforo de autores

    que embora tenham ultrapassado os erros de um Hobbes (Thomas Hobbes, 1588 1679) h muito superado,

    permaneceram parcialmente em desvantagem devido a um psicologismo individualista que os levou a reduzir a

    realidade social a relaes de preferncia e de repugnncia interpessoais e intergrupais.

    Como se sabe, o erro de Hobbes no foi ter procurado os elementos microscpicos e irredutveis de que

    composta qualquer unidade coletiva, mas foi sim o erro de encontr-los fora da realidade social, nos indivduos

    isolados e idnticos.

    Desse modo se estabeleceu a referncia do atomismo social como o conjunto das concepes individualistas e

    contractualistas que reduzem a realidade social a uma poeira de indivduos idnticos. esta a referncia que

    Gurvitch verifica no psicologismo individualista, situando assim J.L. Moreno ao mesmo nvel dos representantes

    do formalismo social que promoveram a reduo de qualquer sociabilidade simples interdependncia e

    interao recproca, cujos nomes mais conhecidos so: (a) Gabriel Tarde, notado por seus debates com

    Durkheim; (b) Georges Simmel e (c) Leopold von Wiese [3].

    Nesta limitada orientao de psicologismo individualista se preconiza que, ao nvel psicolgico da realidade

    social, qualquer interesse estaria concentrado sobre a psicologia interpessoal em detrimento da psicologia

    coletiva propriamente dita, e nesta seqncia, desprezando as funes intelectuais e voluntrias, J.L. Moreno se

    limita ao aspecto exclusivamente emotivo, e neste mbito, por sua vez, limita-se ao aspecto da preferncia e da

    repugnncia, deixando de lado exatamente o mais significante aspecto daaspirao.

    ***

    As Relaes com Outrem

    As relaes com outrem no podem ser identificadas nem s fases histricas da sociedade global, nem aos

    agrupamentos particulares.

    Em microssociologia estudam-se as relaes com outrem por afastamento, as relaes mistas, as relaes

    por aproximao.

    As relaes com outrem so observadas (a) como as relaes variveis que se manifestam entre os Ns,

    entre os grupos, entre as classes, entre as sociedades globais; (b) como as relaes que, em acrscimo, variam

    com a oposio entre sociabilidade ativa e sociabilidade passiva, todavia sem deixar de manter sua eficcia de

    conjuntos ou de quadros sociais, j que so os componentes no-histricos fundamentais da estruturao dos

    grupos.

    Deste ponto de vista, em cada unidade coletiva real se encontram os Ns e as relaes com outrem em

    maneira espontnea, que so utilizadas pelas unidades coletivas para se estruturarem na medida em que o grupal

    e o global imprimem a sua racionalidade mais ou menos histrica e a ligao estrutural a essas manifestaes

    microscpicas da vida social.

    Vale dizer: as manifestaes da sociabilidade so hierarquizadas do exterior ou de fora para dentro, sem

    perderem sua caracterstica anestrutural. essa experincia dialtica que tornam as relaes humanas to

    problemticas, variveis e escorregadias para a tecnocratizao dos controles.

  • As relaes com outrem no podem ser identificadas nem s fases histricas da sociedade global, nem aos

    agrupamentos particulares. E isto assim porque a diversidade irredutvel dos Ns faz com que tais

    manifestaes da sociabilidade por relaes com outrem no admita sntese que ultrapasse a combinao varivel

    dessas relaes microscpicas, como espcie de sociabilidade.

    Quer dizer, mesmo no estado muito valorado pelos estudiosos da histria social, quando as relaes com

    outrem so distribudas hierarquicamente e servem de ponto de referncia a uma estrutura social (relaes com o

    Estado, relaes com a classe empresarial, relaes com os estratos dominantes, com os estratos intermedirios,

    com os produtores, etc.) a sntese no ultrapassa o estado de combinao varivel. pela microssociologia que se

    pe em relevo a variabilidade no interior de cada grupo, de cada classe, de cada sociedade global.

    S possvel falar de grupo quando em um quadro social parcial aparecem as seguintes caractersticas: 1)

    predominam as foras centrpetas sobre as centrifugas; 2) os Ns convergentes predominam sobre os Ns

    divergentes e sobre as diferentes relaes com outrem.

    Quer dizer, dessa maneira e nessas condies que o quadro do microcosmo das manifestaes de

    sociabilidade que constitui um grupo social particular pode afirmar-se no seu esforo de unificao como

    irredutvel pluralidade das ditas manifestaes.

    Da a percepo desenvolvida na sociologia de que em todo o microcosmo social h virtualmente um grupo

    social particular que a mediao da atitude coletiva faz sobressair.

    As manifestaes da sociabilidade, os grupos, as classes sociais, mudam de carter em funo das sociedades

    globais em que esto integrados; inversamente, as sociedades globais se modificam de cima a baixo sob a

    influncia da mudana de hierarquia e de orientao das primeiras.

    Na orientao do realismo relativista sociolgico, tem-se a compreenso de que a formao da

    preeminncia do todo (complexo de significaes existente), isto , a totalizao como formao social, se

    manifesta igualmente em escala microssociolgica nos diferentes Ns, tanto quanto nos grupos, nas classes e

    nas sociedades, a par de manifestarem-se nos Eu participantes.

    Como se sabe cada Eu participa inevitavelmente dos conjuntos sociais mais diversos que lhe do aos seus

    membros os critrios para chegar a uma integrao relativa e variada das tendncias contrrias ou

    complementares prprias de toda a pessoa humana.

    Portanto, essa constatao dos mbitos da totalizao torna imprescindvel a microssociologia do

    conhecimento, havendo uma dialtica complexa entre esta ltima, o mbito parcial e o global: ou seja, as

    manifestaes da sociabilidade, os grupos, as classes sociais, mudam de carter em funo das sociedades globais

    em que esto integrados; inversamente, as sociedades globais se modificam de cima a baixo sob a influncia da

    mudana de hierarquia e de orientao das primeiras.

    Em conseqncia, as manifestaes da sociabilidade como fenmenos de mudana social se encontram em

    diferentes graus de atualidade e virtualidade para combaterem-se, complementarem-se ou combinarem-se em

    cada unidade coletiva real; so os fenmenos sociais totais de carter flutuante ou instvel, freqentemente

    espontneos ou anestruturais, mas que so utilizados pelos grupos em seus processus de estruturao .

    As manifestaes da sociabilidade compreendem a Massa, a Comunidade, a Comunho: os trs graus de

    fuso ou participao nos Ns, fuso esta que no somente a tomada de conscincia da unidade relativa de um

    Ns, mas tambm a de todo um mundo de significados, sendo nesta tomada de conscincia afirmado o grupo

    em formao.

  • Alis, j assinalamos que o mundo de significados acessvel conscincia por meio dos Ns seria inacessvel

    de outra maneira, j que as relaes com outrem s alcanam as significaes que reconduzem aos horizontes

    limitados de scios e reproduzem os juzos, as idias, os smbolos dos Ns em que tm sede e, por meio destes,

    os de um grupo, uma classe social, ou uma sociedade.

    Se os Ns representam um dos primeiros focos do movimento dialtico na realidade social, as relaes com

    outrem nada mais fazem que tornar mais amplo esse movimento tomando-se aqui os Ns como fuses parciais

    onde os membros se afirmam de uma s vez como participantes em um todo e irredutveis, unidos pela

    interpenetrao e mltiplos; enquanto que as relaes com outrem compreendem as manifestaes de

    sociabilidade pressupondo os Ns.

    Entretanto, h neste ponto um duplo aspecto da dialtica que nosso autor pe em relevo: (a) mais os

    membros de um Ns so nele efetivamente integrados, menos eles precisam de relaes com os outros que nele

    igualmente tomam parte e, inversamente, (b) menos eles so efetivamente integrados em um Ns, mais eles

    precisam, a ttulo de compensao, de relaes com os outros intrnsecos ou extrnsecos a esse Ns.

    Deste ponto de vista se pode dizer que: a Comunidade incontestavelmente um foco mais propcio s

    mltiplas relaes com outrem do que a Comunho; o erro em se apreciar a Massa como um foco ainda mais

    favorvel s relaes com outrem do que a Comunidade se deve exclusivamente ao fato de que, neste caso, se

    trata notadamente de fuso a distncia e freqentemente de ampla envergadura.

    A sina dos Ns, dos grupos, das sociedades inteiras se mover no somente na esfera da complementaridade

    por dupla compensao, mas igualmente se mover na esfera da ambigidade que se exaspera facilmente em

    ambivalncia.

    As compensaes verificadas entre Massa, Comunidade e Comunho (os trs graus de intensidade dos Ns)

    tomam freqentemente um carter de ambigidade e at de ambivalncia.

    O primeiro aspecto dessa ambigidade entre Massa, Comunidade e Comunho, como graus de fuso em um

    Ns, verificado em torno da extenso e da intensidade de fuso. Quer dizer, como j mencionamos quanto mais

    o volume das fuses parciais mais amplo, menos elas so intensas.

    No segundo aspecto, nota-se que a Massa, a Comunidade, e a Comunho podem se afirmar uma por relao

    outra, de uma s vez, como diminuies e como aumentos sucessivos de presso.

    Com efeito, a Massa (a fuso mais superficial) se apresenta Comunidade (e esta Comunho) como um

    fardo e opressiva. Inversamente, a Comunho se afirma como libertadora das presses da Comunidade e com

    maior razo das presses da Massa. Sublinha Gurvitch que isso se deve tanto aos graus da fora de atrao e de

    repulso, exercidas por essas manifestaes dos Ns sobre seus membros, quanto aos graus de participao

    destes ltimos nas primeiras.

    Todavia, nosso autor admite que os focos de atrao e de repulso mudam de lugar (). Quer dizer, a

    Comunho tem tendncia a estreitar no somente sua extenso, mas igualmente o contedo daquilo no que se

    comunga. Por sua vez, sobretudo quando de ampla envergadura, a Massa se mostra amide mais generosa e

    mais rica em contedos postos em jogo do que a Comunidade, sobretudo do que a Comunho. Ento, a Massa se

    apresenta como libertadora das presses da Comunidade e esta como libertadora dos estreitamentos opressivos

    das comunhes.

    No terceiro aspecto da ambigidade dialtica tocando ainda a relao entre Massa, Comunidade e Comunho,

    nota-se na anlise sociolgica que essas manifestaes do ensejo a contradies flagrantes nos juzos de valor.

  • Ou seja, como j o mencionamos, o que libertao para os participantes sem reserva ambivalncia penvel

    para os recalcitrantes e servido para aqueles que ficam de fora, advindo da as contradies nos juzos de valor

    em um conjunto macrossocial relativamente s trs manifestaes dos Ns.

    O quarto exemplo refere-se aplicao do procedimento por ambigidade dialtica no estudo das relaes

    com outrem. J notamos que as relaes mistas so aquelas onde algum se aproxima se distanciando e onde se

    distancia se aproximando.

    Sob o aspecto ativo, tratam-se das trocas, relaes contratuais, relaes de crdito, promessas diversas. Apesar

    do seu carter fundado sobre a reciprocidade nota-se certa ambigidade nessas relaes. Elas implicam de uma

    s vez certa harmonia de interesses quanto validade das obrigaes previstas, e um conflito de interesses quanto

    interpretao de suas clusulas materiais e dos modos de sua execuo.

    Essa ambigidade se exaspera em ambivalncia quando essas relaes com outrem de carter misto tomam

    uma forma passiva, j que os indivduos, grupos, sociedades (os Eu e os Outrem) so de uma s vez atrados e

    repelidos uns pelos outros, sem que cheguem a se dar conta da parte de elementos negativos e positivos nessas

    confuses.

    Alm disso, que podem surgir antagonismos entre Eu, Outrem e Ns, assim como entre as manifestaes de

    sociabilidade, os grupos e as sociedades globais quer dizer, possvel a ruptura da reciprocidade de perspectiva

    ou da implicao mtua a que tais elementos tendem habitualmente.

    Uma mudana sobrevinda em um Ns posto diante de um dilema imprevisto impulsiona certos Eu

    participantes seja a tornarem-se heterogneos a esse Ns, seja a participarem de outros Ns. Ou ento acontece

    que em um Ns, no lugar da Comunidade a que um Eu permanece fiel, o elemento da Massa que se encontra

    acentuado.

    Quanto tendncia para a reciprocidade de perspectivas a mesma manifestada habitualmente pelo

    individual e o social em todas as suas escalas: (a) em nvel dos Ns, onde um paralelismo se revela entre, por

    um lado, as presses exercidas pela Massa sobre a Comunidade ou por esta sobre a Comunho e, por outro lado,

    as presses que no indivduo mesmo o participante da Massa exerce sobre o participante da Comunidade, e este

    ultimo sobre o participante da Comunho; (b) em nvel dos grupos, onde, luta entre os diferentes

    agrupamentos em que o indivduo participa, corresponde a fragmentao entre os diferentes Eu do mesmo

    indivduo desempenhando nesses grupos os diversos papeis sociais. (c) em nvel das classes sociais e das

    sociedades inteiras, que elaboram seus critrios de harmonizao da personalidade humana ( o chamado

    problema da personalidade de base) [4].

    ***

    O Esquema de Anlise Diferencial em Microssociologia5].

    Apreciado nele mesmo, o esquema para a anlise diferencial em microssociologiadistingue o seguinte:

    1) a sociabilidade por fuso parcial nos Ns, ou que se manifesta na participao nos Ns, cujos graus de

    intensidade so a Massa, a Comunidade e a Comunho.

    Na Massa, a presso (exterior) do conjunto sobre os participantes a mais forte dos trs graus, e a atrao

    (interior) do Ns a mais dbil; na Comunidade prevalece a mdia e na Comunho ocorre o inverso da Massa,

    de tal sorte que o volume desta ltima pode ter uma expanso quase ilimitada, enquanto a Comunho se estreita

    para manter a fora e a profundidade da fuso em um Ns.

  • 2) a sociabilidade por oposio parcial em um Ns, ou que se manifesta nas relaes com outrem, sejam

    relaes interpessoais ou relaes entre Eu, Tu, ele, sejam relaes intergrupais.

    na fuso nos Ns que se afirma a tomada de conscincia da unidade relativa desse Ns e do mundo de

    significados prticos ou mundo de realidade que desse modo se abre. O Ns revela-se a expresso concreta da

    conscincia coletiva.

    Vale dizer, sem o estudo dos Ns restaria inacessvel um imenso conjunto de significados, notando-se a

    grande riqueza que a descoberta desse mundo de significados microssociolgicos aporta sociologia do

    conhecimento, da moral, do direito etc.

    No plano das relaes com outrem, todavia, a unidade resta inconsciente, j que os juzos, as idias, os

    smbolos atualizados neste plano se reduzem aos horizontes de scios e reproduzem as significaes que tm

    sede em um Ns, em um grupo, em uma classe, ou em uma sociedade global.

    Os doze planos da pesquisa microssociolgica da variabilidade segundo a classificao de Gurvitch.

    Vimos que pela microssociologia que se pe em relevo a variabilidade no interior de cada grupo, de cada

    classe, de cada sociedade global, de cada estrutura.

    Na classificao de Gurvitch, a pesquisa microssociolgica da variabilidade descobre doze planos, cujas

    coordenadas bsicas so as duas espcies de sociabilidademencionadas: a sociabilidade por fuso parcial nos Ns

    e a sociabilidade por oposio parcial em um Ns.

    Cada uma dessas duas espcies microssociolgicas se atualiza em trs graus: 1) os trs graus de fuso nos

    Ns, correspondendo, como j mencionado, Massa, Comunidade, Comunho, e 2) os trs graus de oposio

    parcial em um Ns,correspondendo por sua vez s relaes com outrem por afastamento, s relaes mistas, s

    relaes por aproximao.

    As relaes com outrem so observadas desde o ponto de vista da dialtica sociolgica (complexa), sobretudo

    a dialtica das trs escalas o microssocial, o parcial e o global, sob os seguintes aspectos: (a) como as

    relaes variveis que se manifestam entre os diferentes Ns, os grupos, as classes, as sociedades globais; (b)

    como as relaes que, em acrscimo, variam com a oposio entre sociabilidade ativa e sociabilidade passiva,

    sem deixar, todavia, de manter sua eficcia de conjuntos ou de quadros sociais, j que so componentes

    fundamentais da estruturao dos grupos.

    ***

    Resumo dos enunciados bsicos de teoria sociolgica diferencial:

    As manifestaes da sociabilidade, os grupos, as classes sociais, mudam de carter em funo das

    sociedades globais em que esto integrados; inversamente, as sociedades globais se modificam de cima a baixo

    sob a influncia da mudana de hierarquia e de orientao das primeiras.

    As manifestaes da sociabilidade compreendem a Massa, a Comunidade, a Comunho: os trs graus de

    fuso ou participao nos Ns, fuso esta que no somente a tomada de conscincia da unidade relativa de um

    Ns, mas tambm a de todo um mundo de significados, sendo nesta tomada de conscincia afirmado o grupo

    em formao.

    A sina dos Ns, dos grupos, das sociedades inteiras se mover no somente na esfera da

    complementaridade por dupla compensao, mas igualmente se mover na esfera da ambigidade que se

    exaspera facilmente em ambivalncia.

  • As manifestaes da sociabilidade como fenmenos de mudana social se encontram em diferentes graus

    de atualidade e virtualidade para combaterem-se, complementarem-se ou combinarem-se em cada unidade

    coletiva real; so os fenmenos sociais totais de carter flutuante ou instvel, freqentemente espontneos ou

    anestruturais, mas que so utilizados pelos grupos em seus processus de estruturao


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