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  • 7/24/2019 A Metafsica Da Sofrncia e o Fenmeno Do Amor

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    A METAFSICA DA SOFRNCIA E O FENMENO DO AMOR: UMA

    ABORDAGEM FILOSFICA E INTERDISCIPLINAR

    Lzaro Fabrco !" Fra#$a So%zaSa&%"' !" O'("ra Pa(a

    S)"&''a Ro**a#a !" O'("ra Pa(a

    +, NOTAS INTRODUTRIAS

    A imagem inicial seria a de um proprietrio de bar que tambm garom e

    despachante - com uma flanela encardida no ombro guardando cadeiras e mesas, pouco a

    pouco isolando um solitrio sujeito que no fundo do estabelecimento encontra-se j meio

    debruado sobre uma mesa onde se v alguns cigarros Holl!ood ou "erb, um gomo de

    lim#o em torno do qual moscas sobrevoam, uma latinha de cachaa $it% seca e amassada,

    talve& um gato que desfile espreguiando-se pelo sal#o e o principal' um aparelho de som de

    ac%stica deficiente espatifando pelo ambiente uma impiedosa can#o que di& () doendo , t

    chorando * +em feito, bem feito

    A declara#o de que o amor um tema sempiterno parece ser j algo como um

    tru.smo /ndependente do escalonamento qualitativo que se possa atribuir a determinadosprodutos culturais, fato que o amor ser encontrado de uma forma ou de outra em boa parte

    deles 0ssa onipresena do termo n#o quer di&er, por 1bvio, que sua manifesta#o n#o se d

    sempre de maneira renovada com uma fora que parece inesgotvel e, tambm, que n#o haja

    relevante disputa em torno do conceito "e qualquer sorte, para que n#o percamos o estilo de

    fluncia que esta comunica#o pretende ter, salutar ir direto ao ponto ou, para ser mais

    espec.fico, ao fundo do poo, como, alis, di& uma das entrevistadas do documentrio Vou

    Rifar Meu Corao 234556 de Ana 7ieper, que mostra o imaginrio er1tico-afetivo popular esuas liga8es com a m%sica brega

    A can#o mencionada no final do primeiro pargrafo um dos sucessos do cantor

    baiano Agenor Apolinrio dos 9antos :eto, o $ablo do Arrocha, que transformou-se num

    fen;meno nesse tipo de composi8es sentimentais*bregas, ainda que numa vers#o mais

    tecnol1gica que se distancia daquele brega que ainda flertava com o bolero A sofrncia1,

    1Antes mesmo da proje#o nacional do cantor $ablo do Arrocha o neologismo (sofrncia j podia

    ser encontrado nas m%sicas (omes e em (?anto?horado 25=@6 do sambista paraense +ill +lanco, ainda que o sentido empregado n#o sejaeBatamente o mesmo

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    terminologia que a m.dia e o publico logo passou a identificar como o estilo do artista, algo

    como um estado de eBalta#o dar dor de amor, que virou epidemia nas redes sociais atravs de

    um processo de transforma#o de uma sensa#o originalmente traumtica num estado de

    sofrimento deliberadamente colocado, onde a dor, mais que uma simples dor de cotovelo,

    paradoBalmente fru.da como objeto de pra&er definidor de identidades, particularmente

    quando associado ao consumo de lcool 2que aqui funciona tambm como um escapismo6

    )rata-se, pois, de um conceito difundido atravs de um bem cultural pr1prio da

    hibridi&a#o do popular com o massivo, do intercCmbio do comercial com o

    local*tradicional*mem1ria3

    "e qualquer modo, $ablo do Arrocha e sua Sofrncia s1 mais um cap.tulo de

    uma longa hist1riaD que conta com :elson :ed, Aguinaldo )im1teo, Edair Fos, 0valdo+raga, $aulo 9rgio, +art; >aleno, Galdic 9oriano, Iindomar ?astilho, Jernando Kendes,

    7eginaldo 7ossi e tantos outros A prop1sito, em certo trecho de (Eu No Sou Cachorro No:

    msica popular cafona e Ditaura Militar!, $aulo ?sar de Ara%jo procura eBplicar a

    eBistncia desses tantos cantores em cujas letras pululam a triste&a e o (va&io no bolso e no

    cora#o, para tanto menciona a obra (Retrato o "rasil de $aulo $rado, de linha determista,

    a qual sustenta uma hipottica triste&a que seria intr.nseca ao +rasil, herana dos eBtraviados

    que por aqui aportavam ainda na poca da col;nia e refestelavam-se nas facilidades do v.cio,notadamente nos de nature&a seBual e que depois padeciam de toda a ressaca que dimana de

    tais eBageros de concupiscncia $rado fala ainda do mal da escola literria romCntica, t#o

    bem sucedida entre n1s, vide ?astro Alves e Alvares de A&evedo

    $aulo ?sar eBp8e ainda a rela#o que 7onald ?arvalho estabelece entre a gnese

    dessa triste&a e nossa composi#o tnica quando este di& que' LE portugus nostlgico como

    a lCnguida toada dos seus fadosM o africano um abatido, suas revoltas s#o gritos de dor

    2IE+A)E, Fos Augusto Kendes E >rito "ifuso da $eriferia 9#o $aulo' Anais do @N/nterprogramas de Kestrado da Jaculdade ?sper I.bero, 3454

    3F h pesquisa aproBimando a m%sica cantada por $ablo do Arrocha Os cantigas de amortrovadorescas, especificamente no amor enquanto falta, ideali&a#o' 9A:)E9M AI

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    contra as agruras do eB.lio em que o puseramM e o .ndio um sofredor, tem na alma a

    resignada queda dos rios e o murm%rio das selvas misteriosas

    :#o se pode deiBar de observar que praticamente todos os artistas da m%sica brega

    2que ocupava a rebarba da ind%stria fonogrfica6 advm das camadas sociais mais carentes,

    motivo pelo qual agregam ao sofrimento amoroso tambm uma vida de espolia#o, de dramas

    socioecon;micos

    -, O SOFRIMENTO AMOROSO

    :o documentrio um #uia $ara a %eliciae 234446, o fil1sofo francs Alain de

    +otton di& que para 9chopenhauer as pessoas est#o certas quando elevam o amor a rao de

    seu viver, mas que se equivocam quando relacionam isso a felicidade )em rao o francs,9chopenhauer deiBa bem claro em suaMetafisica o &mor'que o amor o mais relevante dos

    sentimentos, na medida em que possui antes a finalidade transcendente de servir a espcie,

    gera#o futura, do que meramente aos desejos de um indiv.duo, no entanto pondera que tanto

    a paiB#o insatisfeita quanto o amor satisfeito condu&em mais frequentemente a infelicidade

    que a felicidade /sso porque se a paiB#o insatisfeita produ& a sensa#o de incapacidade de

    corresponder a vontade da espcie, no amor satisfeito o que se observa o efeito arrasador

    que a vontade de viver da espcie eBerce sobre o plano de vida do indiv.duo)alve& que para o fil1sofo alem#o toda a produ#o brega que canta as dores pela

    amada que foi embora ou que rejeita o apaiBonado ou mesmo do amor que se acaba, seja no

    fundo (o suspiro do gnio da espcie que, para reali&ar os seus fins, v aqui a ocasi#o

    insubstitu.vel para atingir ou perder seus intentos e, por isso, lana profundos gemidos

    E amor de que fala a m%sica brega quase sempre refere-se a um (objeto de amor

    er1tico, que reunindo caracter.sticas singulares n#o pode ser encontrado em nenhum outro

    lugar do mundo, rao pela qual sem esse objeto de raro encanto o amante se encontraincompleto e estando incompleto vive num verdadeiro eB.lio 9chopenhauer afirma que (a

    intensidade do amor aumenta O propor#o que se individuali&a, talve& seja percebendo isso

    que $roust di& numa passagem de (( la recherche u temps peru que (quando se ama n#o

    se ama mais nada Eu seja, quando mais mergulho nesse objeto de amor intensificado pelo

    direcionamento %nico da vontade de viver, mais indiferente fico ao mundo eBterior

    ?r.tico dessa perspectiva 0rich Jromm afirma em& &rte e &mar)que (o amor

    n#o , primacialmente, uma rela#o para com uma pessoa espec.ficaM uma atitude, uma

    59?HE$0:HAT07, Arthur "a Korte*Ketaf.sica do Amor*"o 9ofrimento do Kundo 9#o $aulo'0ditora Kartin ?laret, 344@

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    orienta#o de carter, que determina a rela#o de algum para com o mundo como um todo, e

    n#o para com um UobjetoV de amor "a. que na 1tica do pensador alem#o talve& toda essa

    sofrnciaque se vive em nome do amor seja antes consequncia de meras uni8es simbi1ticas

    ativas 2masoquistas6 e passivas 2sdicas6, seja quando o individuo fa& do outro sua rao de

    viver, seja, respectivamente, quando procura dominar o outro Ambas n#o re%nem a

    maturidade que a efetiva eBistncia do amor reclama

    A necessidade de superar uma no#o de amor que tenha eBclusiva fiBa#o pelo

    (objeto de amor o caminho que Andr ?omte-9ponville parece trilhar no $e*ueno +ratao

    as #ranes Virtues, ao retomar o eros, a philia e o a-ap., para quem ent#o h (trs

    maneiras de amar, ou trs tipos de amor, ou trs grada8es no amor' a carncia 2 er/s6, o

    rego&ijo 2philia6, a caridade 2a-ap.6Tm Eros que presa do desejo, desejo que esse sentimento que j nasce com

    vontade de morrer para renascer de imediato noutro objeto Ao contrrio de um amor que n#o

    muda de objeto, mas que ao se transformar nos transforma W o 0ros de $ausCnias de 0

    "an*uete amor que mais corpo que alma Xue para Arist1fanes e seu (mito dos andr1ginos

    consiste num amor fusional, de completude A feli& uni#o logo atingida pelo fado melanc1lico

    de nossa solid#o, segundo 9ponville $ois que para 91crates o amor antes de ser uma

    completude uma incompletude, uma busca, que s1 se salva na pretens#o de imortalidadepela bele&a geradora F em "iotima h uma procura da transcendncia, eis que mesmo o

    amor n#o fusional possui muito de ego.smo, ao menos enquanto (Btase de si no outro de

    Iacan

    F na$hilia 2amor entre pr1Bimos3 a rao de ser est na capacidade de alegrar-se

    e desejar o que temos, n#o o que nos falta :essa potncia de encontrar no que esta presente

    motivos de go&o e rego&ijo :#o no amor que recebemos, mas no que fa&emos e damos,

    proporcionamos E amor da alegria$or fim, h o 4-ape, amor que ama at os inimigos, o amor universal e

    desinteressado, a caridade

    E amor da sofrnciaseria esse amor 2ou uni#o simbi1tica6 que se perdeu no

    labirinto do er/s que ama essa (ardncia e a conscincia do que arde em n1s Iiga#o

    6J7EKK, 0rich A Arte de Amar 9#o $aulo' Kartins Jontes, 3444

    7?EK)0-9$E:randes

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    profunda do sofrimento e do saber ?umplicidade da conscincia e da morteY Xue se

    acomoda no fundo do poo e admite o lado emens do homo sapiens, abraando a sabedoria e

    a loucura do .lan5 Xue desaba num abandono de si e chora de modo a demonstrar que sua

    dor n#o ilus1ria, e que com esse mito de dor busca impressionar algum54Kas que tambm

    encontra na alegoria da ostra feli& que n#o fa& prola 2produtividade6 uma justificativa

    87ET>0KE:), "enis de E Amor e o Ecidente 7io de Faneiro' 0ditora >uanabara, 5=

    9KE7/:, 0dgar Amor, poesia, sabedoria ZS 0d 7io de Faneiro' +ertrand +rasil, 344P

    10+A7)H09, 7oland Jragmentos de Tm "iscurso Amoroso 7io de Faneiro' J Alves, 5=


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