A INQUIETAÇÃO HUMANA E O MUNDO DESEQUILIBRADO
Mundo desequilibrado - desenho por Mariana Lorenzo. 2011.
“Aqueles dominados pelo trabalho, à mercê dos dias, nunca saberão o que é
viver.
Aqueles que já degustaram o que é viver, buscam por uma vida repleta
liberdade” - afirmo!
A inquietação humana acarretou no desequilíbrio mundial. Toda ação humana
leva a algum tipo de impacto negativo. Ao longo da história da humanidade não há
registro de uma ação antrópica que acarretou em benefícios ao meio ambiente. O
desequilíbrio teve seu início em 300.000 a.C., quando surgiu o Homo sapiens sapiens,
um animal duplamente sábio e triplamente egoísta. Acidentalmente o Homo sapiens
sapiens descobriu o fogo, um elemento natural e inocente, que caiu nas mãos do ser
mais maligno. Nas palavras de Thoreau encontradas em Walden (1854): “[...] e foi da
descoberta acidental do calor do fogo e ser conseqüente uso, de início um luxo, que
possivelmente nasceu a atual necessidade de se sentar perto dele”. Pode-se dizer
que o homem criou uma enorme dependência do fogo desde então, utilizando-o para
quase todo tipo de ação antrópica, alimentando de certo modo cada vez mais a
desordem mundial.
Homo sapiens sapiens: duplamente sábio e triplamente egoísta. Créditos: WWF.
A curiosidade e a inteligência humana levaram a invenções de todos os tipos e
tamanhos, úteis e inúteis. “Nossas invenções costumam ser brinquedos bonitinhos,
que distraem nossa atenção das coisas sérias. Não passam de meios aperfeiçoados
para um fim não aperfeiçoado, um fim que já era muito fácil de alcançar”, observa
Thoreau. A inquietação humana parece infinita; os homens não param de criar coisas
para se satisfazerem. Entretanto, vale lembrar que nunca se satisfazem, sempre
havendo de certa forma, uma esperança na próxima invenção de ter uma maior
satisfação.
"A Factory in a Garden". Inglaterra. Foto do final do século XIX.
Os humanos são espaçosos, destroem habitats de milhares de espécies para
construir suas coisas. “Mas, ai de nós!, fazemos como os chupins e os cucos, que
botam seus ovos nos ninhos construídos por outros passarinhos, e não alegram
ninguém com seus piados pouco musicais”, diz Thoreau.
Créditos: WWF.
Ao longo da história da humanidade o homem foi se afastando cada vez mais
do ambiente natural e construindo seu próprio ambiente totalmente antrópico,
caracterizado pelos chãos e paredes de concreto e poucos vegetais, além da fumaça
preenchendo a atmosfera, a poluição visual e a sonora. Depois de milênios
começamos a sentir falta do ar limpo e da beleza de um meio natural, passando a
buscar habitats naturais para morar e assim, perturbando os animais e os vegetais do
local com nosso jeito antrópico barulhento e destruidor de ser.
Mulher na fábrica. 1940.
Convém questionar o trabalho que muitos seguem fielmente. O trabalho
muitas vezes destrói o homem, mas também muitos o vêem como algo para fazer,
que preenche o tempo e a mente. Como aponta Thoreau: “A maneira de criar uma
faculdade é, geralmente, conseguir uma subscrição de dólares e centavos, e então
seguir cegamente os princípios de uma divisão de trabalho levada ao seu extremo,
princípios estes que jamais deveriam ser seguidos a não ser com muita circunspecção
[...]”.
Overall Factory, West Virginia Penitentiary. 1922-24.
Mais adiante o autor continua: “A tensão e a ansiedade constante de alguns é
uma forma de doença quase incurável. Gostamos de exagerar a importância de
qualquer trabalho que fazemos; e, no entanto, quantas coisas não fomos nós que
fizemos! Ou: o que acontecerá se adoecermos? Como somos vigilantes! Decididos a
não viver com fé, se pudermos evitar; o dia todo alertar, à noite rezamos nossas
orações de má vontade e nos entregamos a incertezas. Tão cabalmente e tão
sinceramente somos compelidos a viver, reverenciando nossa vida e negando a
possibilidade de mudança”.
Factory city por Vincent van Gogh. 1887.
O homem desde que nasce é atirado a um mundo todo padronizado, rotulado,
cheio de regras, leis, culturas, costumes, tradições, etc. Sua mente é modulada de
certo modo para se encaixar corretamente na sociedade, e seu futuro é constituído
de apenas um caminho. Em outras palavras, ao entrar neste mundo capitalista, não
temos muitas escolhas, somos de certa maneira obrigados a seguir um único
caminho. Temos medo de mudanças, de seguir um caminho alternativo. Para o
indivíduo se encaixar na sociedade, é preciso escolher uma área, contribuindo para o
esquema da divisão de trabalho. Cada um acaba sendo, portanto, bom em apenas
uma coisa, deixando a pessoa com conhecimentos limitados, porém alimenta a
“organização” da sociedade.
Créditos: WWF.
Acumulou-se ao longo dos milênios da história do homem um certo padrão de
vida para ser seguido. Tal padrão é destruidor do meio ambiente. Tal modo de vida
contribui para o desequilíbrio do planeta. A criança absorve informações pela
sociedade, modulando sua mente para seguir tal padrão de vida, contribuindo para o
desequilíbrio do mundo. Estamos em uma era ambiental, em que o desenvolvimento
sustentável é muito falado. Mas basta isso? O mundo inteiro adota o desenvolvimento
sustentável e assim tudo ficará bem? É preciso que toda a sociedade adquira uma
nova ótica, deixando de ver as coisas fragmentadas e olhá-las de maneira sistêmica.
O homem deve parar de causar malefícios a natureza em todo lugar que ele pisa; é
necessário buscar maneiras de viver em harmonia com ela, e deixar de ser
triplamente egoísta e compreender que sem ela não há vida.
Créditos: WWF.
Mariana Lorenzo
Janeiro de 2011
Referência bibliográfica:
THOREAU, Henry David. Walden. 1854. Coleção L&PM Pocket. Rio de Janeiro. 2010.