A IDEIA DE CADEIAS PRODUTIVAS
PARA IMPLANTAÇÃO DE
COMUNIDADES SUSTENTÁVEIS
Lia Buarque de Macedo Guimarães
(UFRGS)
Resumo Este artigo apresenta o delineamento de uma proposta para
desenvolvimento sustentável de comunidades. Ela tem como base os
cinco pilares da sustentabilidade, a abordagem berço a berço (C2C) e
a filosofia Zeri para o desenvolvimento de cadeiias produtivas, e
contempla a gestão participativa de recursos regionais. O artigo
apresenta o método Design Sociotécnico adotado e um exemplo de
aplicação em uma pequena cidade no Rio Grande do Sul que produz
resíduos da indústria arrozeira (principalmente casca de arroz), lã e
couro de ovinos, além do lixo doméstico comum nas cidades. Os
resíduos podem ser os insumos de cadeias produtivas que minimizam o
impacto ambiental e geram trabalho e renda para uma comunidade
com pouca oferta de emprego.
Palavras-chaves: sustentabilidade, cadeias produtivas, design berço a
berço, comunidades
20, 21 e 22 de junho de 2013
ISSN 1984-9354
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1 Introdução
O termo sustentabilidade foi utilizado pela primeira vez no relatório da Brundtland
Commission intitulado "Nosso Futuro Comum” (Brundtland Commission, 1987) e adotado
pela World Commission on Environment and Development (WCED) das Nações Unidas
(UN), com a definição mais divulgada atualmente: “Desenvolvimento sustentável é o
desenvolvimento que atende as necessidades do presente sem comprometer a habilidade das
gerações futuras de atender suas próprias necessidades”. A ideia tem base no conceito de eco-
desenvolvimento proposto nos anos 1970 por Maurice Strong e Ignacy Sachs, na First United
Nations Conference on the Environment and Development em Estocolmo (1972), que levou à
criação do United Nations Environment Programme - UNEP. Na visão de Sachs (1992;
O.T.A, 1992), adotada neste estudo, sustentabilidade é alcançada quando atende cinco
quesitos: 1) sustentabilidade social, que implica em construir uma sociedade mais equânime
em ganhos e distribuição de renda para minimizar a diferença entre os que têm tudo e os que
não tem nada; 2) sustentabilidade econômica, que implica na alocação e gestão mais eficiente
de recursos e investimentos; 3) sustentabilidade ambiental, que significa a manutenção do
capital natural, isto é, que a taxa de emissão de poluentes não exceda a capacidade do ar, do
solo e da água de absorvê-los e processá-los. Implica, portanto, no equilíbrio entre a taxa de
produção dos resíduos e as taxas de sua absorção ou regeneração pelos ecossistemas, implica
na manutenção da biodiversidade, da saúde, e da qualidade do ar, do solo e da água em níveis
capazes de manter a vida no planeta; 4) sustentabilidade espacial, que implica na configuração
rural/urbana mais balanceada e melhor distribuição territorial; 5) sustentabilidade cultural,
que implica em conscientização e educação, e requer modificações estruturais no atual estilo
de vida pós-industrial, que é insustentável, e implica na manutenção da diversidade de
culturas e de valores e na proteção das minorias, para soluções locais, especificas em termos
de ecossistema, cultura e região.
Este conceito de sustentabilidade é mais amplo que o Tripé da Sustentabilidade, triple bottom
line ou TBL (Elkington, 1999) que se tornou uma ferramenta para integrar sustentabilidade à
agenda empresarial equilibrando metas econômicas tradicionais (lucro ou profit), com as
preocupações sociais (pessoas ou people) e ambientais (ambiente ou planet), criando uma
nova dimensão do desempenho corporativo. O TBL é atualmente adotado como indicador de
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sustentabilidade que valora as ações das empresas nas bolsas de valores mundiais e, no Brasil,
na BOVESPA. Portanto, uma empresa que atue considerando o TBL pode ter um ganho que
se antes era considerado intangível, hoje é bastante tangível.
Este artigo apresenta uma alternativa para desenvolvimento sustentável de comunidades que
tem como base os cinco pilares de sustentabilidade e os conceitos de produção ZERI (Pauli,
1998) e de design “berço a berço” (Pauli, 1998; McDonough e Braungart, 2002) apresentados
na sequencia. Juntos, eles configuram um método de desenvolvimento sustentável de
produtos e processos, denominado Design Sociotécnico (Guimarães, 2010).
1.1. Modelo Zeri de cadeia produtiva
A Zero Emissions Research Initiative ou filosofia Zeri (Pauli, 1998) pode ser entendida como
uma visão sustentável de negócio, aplicável a cadeias produtivas, e é definida como:
“O conglomerado de atividades industriais através do qual subprodutos sem valor para um
negócio são convertidos em inputs de valor agregado para outro, possibilitando, desta forma,
o aumento da produtividade, a transformação global de capital, de mão-de-obra e matérias-
primas em produtos adicionais e na venda de serviços, a preços competitivos, resultando na
geração de postos de trabalho e na redução - e eventual eliminação - de efeitos adversos às
pessoas e ao meio ambiente” (Pauli, 1998 p.205). Os objetivos são (p.204): nenhum resíduo
líquido, nenhum resíduo gasoso, nenhum resíduo sólido; todos os inputs são utilizados na
produção; quando ocorre resíduo, ele é utilizado por outras indústrias, na criação de valor
agregado.
Os critérios de seleção da metodologia Zeri são (p. 216): avaliar o potencial para valor
agregado; estabelecer as necessidades de energia; determinar os investimentos de capital;
revisar as necessidades de espaço físico; calcular as oportunidades de criação de postos de
trabalho (upsizing).
O conceito Zeri transforma, então, a ideia de resíduo como lixo em matéria-prima nobre para
outro processo, como ocorre na natureza. Segundo Pauli (1998 p.96-97), “a espécie humana é
a única espécie na Terra capaz de gerar resíduo em grande quantidade. Já com as outras
espécies não importa quais resíduos ou excrementos sejam criados, pois sempre serão
utilizados: o resíduo de uma é aproveitado por outra. Além disso, estamos constantemente
produzindo coisas que ninguém quer ter ou comprar: dioxina, lama residual de metais
pesados, resíduo nucleares e componentes plásticos clorados. A indústria não respeita nem
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mesmo os princípios básicos do marketing, que prescrevem que ‘você somente produz o que o
seu cliente quer’. Ninguém quer resíduo. Há resíduos que são tóxicos, resultado de um
sistema de produção e tecnologia de processamento mal projetado. Há resíduos que são
simplesmente resultado da ignorância de alguns. É o caso bem documentado do homo não-
sapiens”.
1.2. Design berço a berço (cradle to cradle ou C2C)
Para dar um fim no conceito do resíduo e impulsionar o crescimento, desenvolvimento,
geração e regeneração do meio-ambiente, Pauli (1998) propõe a utilização da Ciência
Generativa e a “interpretação popular do conceito do ‘berço ao berço’ ao invés do errôneo
conceito do ‘berço ao túmulo’ ” (Pauli, 1997 p. 80), conforme Figura 1, conceito que também
é defendido por McDonough e Braungart (2002). No entanto, o conceito “berço ao túmulo” é
o que suporta o modelo de desenvolvimento desenfreado adotado até o momento pelos países
desenvolvidos. Os impactos ambientais carreados por tal modelo vêm sendo divulgados por
vários pesquisadores e tomou força, mais recentemente, por causa da divulgação, na mídia em
geral, sobre os efeitos no ambiente, principalmente o aquecimento global.
Nos EUA, 99% dos materiais utilizados na produção de bens são descartados nas seis
semanas seguintes às vendas (Nações Unidas, 1997 1 apud Kazazian, 2005). Além de
tornarem-se lixo quase que imediatamente, Pauli (1998) ressalta que um produto acaba por
conter, em média, apenas 5% da matéria-prima envolvida na sua fabricação. Às vezes o
próprio produto final dura muito pouco, pois a obsolescência planejada faz com que seja mais
barato comprar um produto novo ao invés de consertá-lo.
1 1Nações Unidas (1997) Mudança nos padrões de produção e consumo. Nota de informação da reunião de cúpula Planeta Terra+5, Nova York, 23-27 de junho de 1997.
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Figura 1 Processo ultrapassado de projeto de produto: do berço ao túmulo (à esquerda) e processo realimentativo
berço a berço (à direita)
Soluções do tipo incinerar o que sobrou, jogar tudo em um lago artificial e tratá-lo, apesar de
serem aceitas por lei, são denominadas de “fim-de-tubo” (end-of-pipe), pois são reativas, com
o único objetivo de atender às questões legais vigentes sem questionar as causas geradoras.
Sem uma análise de causas, e com a adoção de medidas paliativas ou temporárias, a empresa
fica suscetível à reincidência do problema que pode ocorrer periodicamente implicando em
custos adicionais. O pior de tudo é que não resolvem o maior problema que é a geração de
resíduo: o importante não é dar fim no mesmo mas, sim, não gerá-lo. Por trás deste modelo,
fica a questão da irresponsabilidade quanto ao que se está colocando no planeta em termos de
produtos e resíduos; e de riqueza e miséria.
Em termos de sustentabilidade aplicada ao design de produtos, McDonough e Braungart
(2002) consideram que existem dois metabolismos fundamentais no mundo: um é o biológico
ou seja, os produtos deverão ser projetados para retornar ao ciclo orgânico, para serem
literalmente consumidos de forma segura por microrganismos e outras criaturas no solo, e o
outro é técnico, ou seja, voltam para a indústria.
Com base nesta abordagem, uma concepção “verde” ou melhor, sustentável, é o produto
concebido do “berço a berço” levando em consideração os recursos naturais locais e as
necessidades também locais, em um sistema produtivo ZERI, conforme a proposta do método
Design Sociotécnico, descrito a seguir.
2 Método
Design Sociotécnico ou DS (Guimarães, 2010) para projetos de produtos e processos é um
método que contempla a gestão participativa de recursos, o conceito berço a berço e a
filosofia Zeri para o desenvolvimento de cadeias produtivas, e os cinco pilares da
sustentabilidade.
Produtos desenvolvidos de acordo com o DS focam o uso por uma ou mais pessoas com um
tempo de vida o mais longo possível. Nesta concepção, o projeto é feito para necessidades de
pequenos grupos, e não para a massa, para conseguir atender às necessidades dos diferentes
públicos. No geral, o foco está na sociedade e, não, no indivíduo.
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De qualquer forma, como em algum momento um produto ficará obsoleto (técnica ou
esteticamente), ele é projetado para reassumir outra forma ou outra função como um novo
produto. Quanto mais este ciclo se repetir, mais “verde” ou sustentável é o projeto. Ressalta-
se, portanto, que ele só pode ressurgir como outro produto sustentável se ele for pensado para
ser facilmente desmontável e montável, usando, por exemplo, as técnicas de Design para
Montagem ou DfA (detalhado em Boothroyd e Alting, 1992), Design para Desmontagem ou
DfD (Dewhurst 1992, Boothroyd e Alting 1992) e Design para Reciclagem ou DfR (Crow,
2002). O produto no DS é considerado em todo seu ciclo de vida: obtenção da matéria-prima,
manufatura, embalagem, uso e deposição, em um sistema produtivo que use um mínimo de
recursos e não gere resíduos, não altere o ecossistema e não imponha nenhum dano aos seres
humanos envolvidos na sua produção e uso.
As premissas do Design Sociotécnico são:
• detalhar a prática do estabelecimento de necessidades dos usuários. Esta fase independe do
marketing, pois os usuários em foco são a maioria da população sem grande poder de compra,
que não é alvo do marketing. Esta população ou tem um mínimo de condições para pagar por
soluções adequadas (e, portanto, dentro do orçamento desta população) ou, quando não tem
dinheiro algum, deveria ter acesso por meio dos órgãos públicos responsáveis;
• enfocar o projeto dentro da concepção ZERI ampliada. Apesar da geração de empregos ou
“upsizing” ser um dos pilares do conceito Zeri, Pauli (1998) não enfatiza a questão da
qualidade do trabalho por trás dos empregos gerados. O DS amplia esta visão de upsizing,
incluindo também a qualidade de vida desta população. Neste âmbito, espera-se melhorar os
índices de desenvolvimento humano por meio de instrumentos sociais e econômicos de gestão
do meio ambiente e dos recursos naturais e humanos segundo equações de menor custo e
máximo benefício ambiental e social.
• enfocar o produto do “berço a berço” não só sob o ponto de vista ambiental mas, também, o
social, o que é um diferencial em relação às propostas de design sustentável que tendem a
focar no ambiente e não no social. Os parâmetros básicos do DS são o atendimento das
necessidades básicas da população, geração de trabalho e renda para ela, e o fim do resíduo
para a regeneração do meio-ambiente.
• considerar todos os usuários de um dado sistema, que são quatro: três humanos (o usuário
primário, o intermediário e o final) e o quarto, o meio ambiente, em que vivem não só os seres
humanos mas todos os outros seres do planeta. Usuário primário é aquele envolvido no ciclo
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de produção, o intermediário é aquele envolvido no ciclo de manutenção e logística, e o
usuário final é quem usa o produto;
• considerar estes quatro usuários em três ciclos que compõem o ciclo de vida do produto: o
ciclo de produção, o ciclo de uso e o ciclo de manutenção e logística;
• considerar estes quatro usuários nos quatro subsistemas do sistema sociotécnico (Hendrick e
Kleiner, 2001): subsistema pessoal, tecnológico, de projeto de trabalho e do ambiente externo.
3. O Design Sociotécnico na concepção de cadeias produtivas e
comunidades sustentáveis
Apesar da ideia de cadeias remeter diretamente a fábricas tradicionais, uma cidade também
pode ser considerada uma fábrica, ou um conglomerado de várias fábricas que podem formar
uma cadeia produtiva. Toda cidade tem algum tipo de matéria-prima local, nem sempre
aproveitada; ela processa vários produtos (principalmente para alimentação) e gera resíduo.
Para progredir, uma cidade precisa oferecer algum tipo de desenvolvimento para que as
pessoas sobrevivam nela (Haixiao, 2013) ou então acontece o êxodo para localidades mais
prósperas. Portanto, a vitalidade econômica é muito importante, e para que a cidade seja
sustentável, esta vitalidade deve ter baixo impacto ambiental. As cidades precisam ser mais
ricas já que há necessidade de investimento para produzir uma cidade sustentável. Geralmente
ela se paga com o tempo, mas existe um custo inicial. A cidade sustentável do futuro será
provavelmente uma que tem sucesso econômico (Abruzzese, 2013).
O Danish Architecture Center (2011 b) mostra vários cases de cidades sustentáveis, de acordo
com onze parâmetros: 1) plano geral, 2) edificação, 3) economia, 4) responsabilidade social,
5) educação, 6) saúde, 7) energia, 8) alimentos, 9) transporte, 10) lixo e 11) a quantidade de
“verde” que a cidade oferece. Oito destes (economia, responsabilidade social, educação,
saúde, alimentos, transporte, lixo e a quantidade de “verde”) são passiveis de implementação
sem custos elevados, e foram discutidas com os cidadãos de Palmares do Sul, para
implementação de forma participativa.
4. Aplicação do método Design Sociotécnico na cidade de Palmares do Sul
O objetivo maior do projeto em desenvolvimento na cidade de Palmares do Sul, estado do Rio
Grande do Sul, foi mostrar a viabilidade técnica e econômica do desenvolvimento sustentável
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(social, cultural, ambiental, espacial e econômico) de pequenas comunidades, a partir da
implantação de cadeias produtivas utilizando insumos considerados resíduos, para a redução
de impacto ambiental (sustentabilidade ambiental), melhoria da qualidade de vida e inclusão
social (sustentabilidade social), geração de trabalho e renda (sustentabilidade econômica)
mantendo a característica rural a reduzindo o êxodo para as regiões urbanas (sustentabilidade
espacial). Os resíduos locais devem dar origem a produtos com características regionais
valorizando a cultura local (sustentabilidade cultural).
A comunidade de Palmares do Sul tornou-se o cenário de estudo, após 5 anos de tentativas em
outras cidades próximas de Porto Alegre. As cidades prováveis foram elencadas por meio de
acesso facilitado por estudantes do curso de Pós-graduação em Engenharia de Produção da
UFRGS. O contato era geralmente mediado por aluno junto à prefeitura de sua cidade. Isto,
porque os alunos vislumbravam uma possibilidade de melhoria da cidade, por meio do projeto
que foi intitulado “Fabrica da Inclusão”. O que acontecia é que nem sempre o projeto seguia
adiante, por causa de questões politicas: ou o prefeito prometia mas não cumpria, ou havia
sempre uma demanda mais importante, ou porque não havia dinheiro, ou porque uma dada
solução dependia de outros stakeholders que não apoiavam o governo, etc. Em uma das
cidades, após 3 anos de pesquisa, houve mudança de prefeito que não deu prosseguimento ao
projeto porque ele era por demais participativo. A comunidade não tinha sido colocada a par
do projeto.
Estas experiências levaram à busca de uma outra comunidade, de acordo com os seguintes
parâmetros, para não desperdiçar anos de pesquisa apoiada pelo CNPq: 1) a comunidade
deveria ser economicamente dependente da rizicultura; 2) deveria ter problemas de poluição
de rio.
Foi feito então contato com a prefeitura da cidade de Palmares do Sul, RS, que preenchia os
requisitos. Para que o projeto não ficasse restrito à prefeitura, foi feito contato informal com
os cidadãos que estavam nos restaurantes e praças da cidade, assim como com os lideres
locais (pescadores e quilombolas), antes mesmo da reunião com o prefeito. A EMATER-
Palmares do Sul foi relevante para conscientização do projeto na cidade.
O primeiro contato formal com a comunidade de Palmares do Sul para troca de conhecimento
foi feito no “curso de educação ambiental com foco na implantação da coleta seletiva”, dado
por quatro integrantes da equipe de pesquisa da universidade. Participaram 32 pessoas da
comunidade (sendo 22 mulheres) entre estes, professores e representantes do governo
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municipal. O curso foi desenvolvido em abril de 2009, durante quatro sessões semanais
totalizando 16 horas. Na primeira sessão, foi apresentado o projeto “Fabrica da Inclusão” e as
alternativas discutidas com os participantes.
O Município de Palmares do Sul está localizado a 73 Km de Porto Alegre, capital do Rio
Grande do Sul e conta com uma população de pouco mais de 10 mil habitantes. Conforme o
depoimento dos moradores, Palmares do Sul é uma cidade com poucas oportunidades de
emprego (que se concentram nas fazendas de plantio de arroz, na cooperativa de
beneficiamento de arroz e no setor de serviços, em poucos bancos, escolas, pequeno comercio
etc.) e lazer, o que faz com que os mais jovens vão para Porto Alegre ou outras cidades
próximas. Muitos deles foram expulsos do campo em função da mecanização da lavoura de
arroz e não têm outra capacitação. No entanto, além de arroz, a região conta com rebanho de
ovelhas Texel (apenas para obtenção de carne) e agricultura de pequenos produtores. Estas
atividades geram resíduos e/ou produzem menos do que poderiam. A Tabela 1 resume os
insumos disponíveis na cidade e o que pode ser impulsionado para geração de mais trabalho e
renda e redução de resíduos.
Tabela 1 Insumos disponíveis na cidade de Palmares do Sul, RS, destino atual e destino proposto, por tipo de
metabolismo processador
Origem Insumo Destino atual Metabolismo de processamento
técnico orgânico
Coleta seletiva Material orgânico Aterro sanitário/rio Adubo de permacultura e espirais de ervas
Óleo de cozinha Pia da cozinha/esgoto
Combustível; Sabão
Vidro Aterro sanitário/rio Vidro contendores para produção local
Papel Aterro sanitário/rio Polpeamento
Plástico Aterro sanitário/rio Peletizacao
Alumínio Incerto Venda
Metal Incerto Venda
Rizicultura Casca de arroz 60% combustível; 40% incerto
Celulose; Sílica; Carvão ativado
Quirera de arroz Venda como arroz de segunda categoria e para ração
Alimentos na comunidade
Farelo de arroz Venda para ração Alimentos na comunidade
Ovinos Texel Lã Enterrado Vestuário; Embalagem
Couro Enterrado Calçados
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Considerando a realidade local, as seguintes oportunidades de negócios foram levantadas:
produção de alimentos a partir de insumos da rizicultura agregados à produção de agricultores
locais, permacultura e espirais de ervas; celulose, sílica, carvão a partir de resíduos da
rizicultura; produção de vestuário de lã e produção de sapatos e afins de couro ovino Texel;
produção a partir de insumos da coleta seletiva. Mais detalhadamente, as seguintes cadeias
produtivas podem ser desenvolvidas:
1) Cadeia de processamento de insumos da rizicultura
1a) Quirera e principalmente o farelo de arroz (vendido a preço baixo para a produção de
ração) podem voltar ao metabolismo técnico para produção de alimentos, com maior valor
agregado. É interessante notar que apesar do Brasil ser o 9o produtor mundial de arroz (e o
Rio Grande do Sul, o maior produtor Brasileiro), o uso de farinha de arroz para produção de
alimentos é modesto quando comparado com a farinha de trigo que é importada (o Brasil
importa 80% do que consome). O arroz tem alto valor nutricional, baixo índice glicêmico e,
por não conter glúten, é indicado para pessoas com restrição alimentar, como os celíacos.
Portanto, o incentivo do uso de farinha de arroz é interessante para o pais.
Além de utilizar os produtos plantados pelos agricultores locais (e aumentar a produção
significa aumentar os lucros para a comunidade), esta iniciativa de produção de alimentos a
base de arroz inclui a manutenção da permacultura e de espirais de ervas para a preparação de
pães, bolos, doces, compotas geleias, conservas etc., a serem distribuídos nas escolas da
comunidade e/ou vendidos. O material orgânico recolhido na coleta seletiva poderá ser
reprocessado no metabolismo orgânico, como material para adubo a ser utilizado na
permacultura e/ou espiral de ervas. Estas iniciativas aumentam a quantidade de verde na
comunidade.
1b) Cadeia de palha e de casca de arroz para produção de celulose, energia, sílica e carvão. A
palha é geralmente deixada no campo, e parte da casca produzida (60%) é utilizada como
biomassa para a aquecimento da agua na produção de arroz parbolizado. 40% da casca pode
então ser reaproveitada em outros sistemas: por exemplo, celulose para embalagem, cerâmica,
obtenção de sílica, carvão ativado etc. A casca de arroz poderá ser utilizada como energia na
secagem de chás plantados por quilombolas. No momento, eles usam lenha no forno de
secagem. O carvão residual pode ser utilizado como adubo ou para purificação de água.
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A celulose pode ser utilizada em embalagens e palmilhas na indústria calçadista. O Rio
Grande do Sul é o maior cluster de calçados no mundo e o 3o maior exportador. Produz 800
milhões de pares de calçados por ano (ABICALÇADOS, 2013), o que significa o consumo de
mesma quantidade de caixas de papelão, proteção de calçados e palmilhas. A utilização de
casca de arroz significaria um uso para a casca que não tem utilização atualmente, e a não
utilização de papel (ou seja, a redução de árvores abatidas). Está em discussão uma parceria
entre o setor calçadista e a comunidade de Palmares do Sul para instalação de uma fábrica de
embalagens e palmilhas na comunidade. Esta iniciativa significa a geração de trabalho e
renda, ganhos econômicos e ambientais para a região e para a região calçadista.
A disponibilidade de matéria-prima de arroz é apresentada na Tabela 2.
Tabela 2 Produção de arroz (safra 2003/04) Fonte: Adaptado de CONAB (2006) e Relação: Beneficiamento de
arroz / geração de casca de arroz e palha no Rio Grande do Sul (safra 2001/02) e Palmares do Sul Fonte:
Adaptado de Arroz Brasileiro (2006) e http://www.riogrande.com.br/palmares_do_sul-2006_arroz-o28659-
en.html
Produção dearroz
(toneladas)
Beneficia-mento dearroz
(toneladas)
Produção dequirera dearroz
(toneladas)
Produção defarelo dearroz
(toneladas)
Produção decasca dearroz
(toneladas)
casca dearrozcarbonizada
Produção depalha dearroz
(toneladas)
Preco porsaco 50 kgR$ 25,61
Preco porsaco 30 kgR$ 39,32 ou1,30 kg
Preco por kgR$ 0,80
Preco por kgR$ 0,07
Preco por kgR$ 0,07
Preco por kgR$ 0,40
Preco por kgR$ 0,07
Brasil (2006)12,830.000
RS(Irga, 2009)
6.784.236 3.800.000 4.409.753 10.000 760.000 5.430.000
Palmares do
Sul(Irga, 2009)
119.639 41.874 77.765 176 10.647 95.757
CooperativaArrozeiraPalmares(Irga, 2009)
76.894 26.913 49.981 113 6.846 61.544
Disponivel/dia 137 ton/dia 309 kg/dia 19 ton/dia 168 ton/dia
2) Cadeia de insumos de ovelhas Texel. O
gado Texel é criado apenas para a
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comercialização da carne. Como a pele e a lã
não tem valor comercial, elas são enterradas.
2a) Uma amostra de lã Texel foi lavada e fiada
e testes mostraram que ela é aproveitável no
metabolismo técnico. Como a lã não é macia,
ela pode ser utilizada em tapetes, bolsas,
sacolas, fio e cadarços. A sobra da lã não
aproveitável foi feltrada e este material pode
servir para confecção de palmilhas, bolsas,
sacolas e tapetes.
2b) Uma amostra de couro de ovelha Texel foi
tratado em processos de baixo impacto
ambiental (com tanino de acácia) e alguns
modelos de sapatos para distribuição em
escolas públicas foram desenvolvidos,
considerando o DfA e o DfD. Os sapatos não
tem cola mas apenas um tipo de costura que se
desfaz quando se corta o nó. Assim, depois de
usados, estes sapatos podem ser recolhidos nas
escolas para retornar ao metabolismo técnico
(i.e., as partes podem ser reaproveitadas em
um outro sapato ou derivados) ou ao
metabolismo orgânico (quando não
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reaproveitáveis, as partes podem ser picadas e
incorporadas ao solo).
A implantação de uma fábrica de produtos de
lã e couro depende: a) da aquisição de
máquinas/equipamentos; b) da instalação de
máquinas/equipamentos; c) do treinamento de
pessoal.
3) Cadeia para fabricação de produtos com insumos da coleta seletiva, que não depende de
muito investimento. Esta iniciativa parte do princípio que não há razão para gastar em
transporte (pessoal, combustível, poluição nas ruas e ameaça à saúde dos cidadãos) de
material misturado para ser separado, depois, por catadores, em condições desumanas. Para
eliminar os custos e problemas ambientais, além de gerar trabalho e renda, o lixo da
comunidade deverá ser separado e limpo pelos próprios cidadãos que serão pagos pela entrega
do material limpo e separado. A coleta deverá segregar: vidro, óleo de cozinha (para
combustível do transporte coletivo e posterior fabricação de sabão) e material orgânico: borra
de café e mate podem ser utilizados no tingimento de roupas; dejetos de alimentos podem ser
processados pelo metabolismo biológico em composteiras para geração de matéria-prima para
a permacultura, espirais de ervas, plantio de arvores etc. Os demais insumos (plástico, papel,
ferro, alumínio), também separados, serão inicialmente vendidos para que o dinheiro financie
a coleta seletiva. Mais tarde, quando houver um mínimo de infraestrutura fabril, eles podem
ser processados na comunidade, gerando trabalho e renda. Apenas os resíduos não
aproveitáveis (material do banheiro, estimado em 1% do total) seriam enviados para aterro
sanitário, significando redução de custos para a prefeitura e de impacto para o meio ambiente.
As características dos resíduos sólidos variam em função das características sociais,
econômicas, culturais, geográficas e climáticas de uma comunidade/cidade. A Tabela 3
apresenta a variação da composição dos resíduos urbanos em países desenvolvidos e em
desenvolvimento, de acordo com o estudo de Monteiro et al. (2008). A percentagem de
matéria orgânica tende a diminuir em países desenvolvidos, provavelmente devido à grande
quantidade de alimentos pré-preparados no mercado destes países.
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Tabela 3 Composição gravimétrica dos resíduos urbanos (%) em quarto países, de acordo com Monteiro et al. (2008)
Componente Brasil Alemanha Holanda EUA
matéria orgânica 65,0 61,2 50,3 35,6 vidro 3,0 10,4 14,5 8,2 metal 4,0 3,8 6,7 8,7 plástico 3,0 5,8 6,0 6,5 papel 25,0 18,8 22,5 41,0
Apesar do percentual de material do lixo doméstico variar dependendo da população, foi feita
uma estimativa do que pode ser esperado em Palmares do Sul, com base no estudo de
Monteiro et al. (2008) e no de Silva (2006) feito na região central e periférica da cidade de
União dos Palmares, em Alagoas. O total não soma 100% pois 21.4% pode ser classificado
como “outros”. A Tabela 4 apresenta o valor de cada material, no Rio Grande do Sul, de
acordo com o CEMPRE (2013), e o valor de arrecadação total esperado, por material,
considerando uma geração média de 500 gramas por habitante/dia, e 500 pessoas envolvidas
(ou seja, um montante de 250 kg de lixo por dia) em um total de 100 famílias na comunidade.
Desconsiderando a venda do vidro (que tem baixo valor e poderá ser então reusado como
matéria prima em uma fábrica de vidro) as 500 pessoas (ou 100 famílias) teriam um ganho de
R$ 40,33/dia ou R$ 1209,90/mês, significando um ganho de R$ 0,40/família/dia ou R$
12,10/família/mês com a venda do material para reciclagem. Ressalta-se que este é um
cenário hipotético, pois é necessário o levantamento e a caracterização do lixo da
Comunidade e o número de pessoas participantes para se ter os dados corretos.
Tabela 4 Tempo médio de decomposição, percentagem e quantidade de material esperado no lixo doméstico de 500
pessoas e valores de venda de material no Rio Grande do Sul (Porto Alegre)
P = prensado L = limpo
*Preços da tonelada, em R$, praticados por programas de coleta seletiva, de acordo com CEMPRE (2013)
(http://www.cempre.org.br/serv_mercado.php) ** A soma exclui os vidros (que serão reutilizados)
Considerando o custo fixo inicial calculado em R$ 1782,00, e a expectativa de captação de R$
40,15/dia com a venda dos produtos da coleta seletiva, a despesa seria paga nos primeiros 44
dias. Após, para que o sistema de coleta seja autossustentável e gere lucro a ser dividido na
Material da coleta seletiva
Tempo médio de decomposição
% esperado
Kg/dia Valor* (R$)
Total/dia (R$)
Benefícios
1) papelão 3 a 6 meses 5.5 13,75 280 PL 3,85 Reciclagem (redução de impacto ambiental) e ganhos financeiros para a Comunidade
2) papel branco 3 a 6 meses 5.5 13,75 430 PL 5,91
3) lata de aço até 450 anos 4.6 23,00 130 PL 2,99
4) alumínio 100 a 500 anos 1.0 5,00 2450 P 12.25
5) vidro incolor indeterminado 1.5 3,75 50 0,18
6) vidro colorido indeterminado 1.5 3,75 -
7) plástico rígido até 450 anos 1.0 5,00 510 P 2.55
8) PET até 450 anos 1.0 5,00 1650 P 8,25
9) plástico firme até 450 anos 1.0 5,00 700 P 3,50
10) TetraPak até 450 anos 1.0 5,00 170 P 0,85
11) matéria orgânica 3 a 6 meses 55.0 137,5
Total esperado de arrecadação (em R$), por dia, para 100 famílias 40,15**
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comunidade participante, a captação de recursos deve ser, no mínimo de R$ 42,60/dia, para
pagar 2 funcionários envolvidos na coleta. A partir deste montante, os recursos financeiros
começam a ser suficientes para serem divididos na comunidade.
Em geral, o óleo de cozinha é descartado na pia, sendo que cada litro de óleo de cozinha pode
contaminar mais de 25 mil litros de água (Sabesp, 2010). A Sabesp (2010) estima que, no
Brasil, 1,2 milhões de litros de óleo são descartados dos quais apenas 2.5 % são reciclados.
Além da pia, o óleo é descartado em terrenos baldios ou no lixo, acarretando três fins
desastrosos: 1) permanece retido no encanamento, causando entupimento das tubulações se
não for separado por uma estação de tratamento e saneamento básico; 2) se não houver um
sistema de tratamento de esgoto, acaba se espalhando na superfície dos rios, dos lagos e das
represas, causando danos à fauna aquática; 3) fica no solo, impermeabilizando-o e
contribuindo com enchentes, ou entra em decomposição, soltando gás metano durante esse
processo, causando mau cheiro, além de agravar o efeito estufa e redução da camada de
ozônio.
O maior custo de uma fábrica de vidro artesanal é o forno (em torno de R$ 300 mil) mas o
investimento se paga pela geração de trabalho imediato e, principalmente, pelo potencial
como atração turística, que resulta em divisas para toda a cidade. Os produtos da fábrica de
vidro podem ser utilitários (potes para os chás da espiral de ervas, e geleias, doces, conservas
etc. produzidos pela comunidade) e de decoração para venda ao público em geral. A produção
de vidros seria uma inovação para a comunidade e uma forma de impulsionar o artesanato
local que pouco a pouco foi perdendo força. Eles desenvolviam principalmente cestaria com
as fibras locais mas a associação de artesãos foi fechada. A introdução de artesanato em vidro,
couro, lã e também a produção de alimentos com material local poderia ser um incentivo para
retomada do artesanato, fomentando a sustentabilidade cultural. Os diversos produtos a serem
fabricados seriam desenvolvidos com a comunidade.
Cabe ressaltar que o plástico, papel, ferro e alumínio que foram inicialmente previstos para
venda tendo em vista o alto investimento para seu processamento, podem gerar novas cadeias,
ao se considerar que eles podem ser beneficiados antes da venda. Por exemplo, o plástico
pode ser picado e peletizado agregando valor. O papel pode ser polpeado. Desta forma, mais
pessoas podem ser incluídas e maior é a geração de trabalho e renda. Além do mais, a ideia da
coleta pode ser otimizada se for considerada não apenas uma cidade, mas várias cidades
próximas participando do sistema. Desta forma os insumos aumentam, e por conseguinte os
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ganhos por um maior numero de pessoas. Delineia-se, então, o que pode ser considerado um
consórcio de insumos, que teria as seguintes características: cada cidade seria responsável
pelo processamento de cada um dos insumos: uma pelo vidro, outra pelo óleo de cozinha,
outra pelo papel, outra pelo plástico, outra pelos metais. Apenas o material orgânico seria
processado por cada cidade, tendo em vista o volume esperado (material orgânico é o resíduo
mais volumoso de qualquer cidade) o que onera o transporte. O lixo sanitário, ao invés de ser
enviado para um aterro, poderia ser direcionado para uma outra cidade onde estaria instalada
uma usina de processamento de lixo.
Para que o consórcio aconteça, é necessário um planejamento de quantas cidades serão
envolvidas e qual cidade ficaria encarregada de que processamento. Os lucros seriam
divididos entre todas as cidades participantes. Para a delimitação geográfica do consórcio, é
preciso identificar: 1) número de habitantes envolvidos; 2) distância entre cidades para
otimização do transporte, considerando que o consórcio deve formar uma cadeia ZERI.
Outra iniciativa relacionada ao lixo da cidade diz respeito à conscientização para a não
poluição do rio. Principalmente os pescadores que vivem à beira do rio serão orientados para
a não deposição de lixo no rio e a despoluição do rio Palmares, utilizando plantas aquáticas
(aguapés). Depois de usadas, os aguapés servem como alimento para animais (principalmente
equinos).
A Figura 2 apresenta um esquema das cadeias identificadas. Outras cidades foram
incorporadas porque produzem insumos a serem utilizados. Por exemplo, a argila que é
resíduo da mineração de carvão em Charqueadas poderia ser agregada à casca de arroz para
produção cerâmica. Camaquã e a região da campanha são grandes produtores de arroz que
podem fornecer mais quirera/farelo e casca para aumentar a produção. Santana do Livramento
tem uma cooperativa para lavagem de lã que pode ser utilizada até ser instalada uma
lavanderia em Palmares do Sul. Bento Goncalves e toda a região de vinícolas pode fornecer
resíduos de uva para obtenção de tanino para curtimento de couro. Está sendo considerado,
também, o resíduo da fibra de linho, da região de Guarani das Missões, que é descartado já
que o interesse comercial recai apenas na semente para fabricação de óleo de linhaça.
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Figura 2 Esquema das cadeias ZERI identificadas: resíduos de um processo são matéria-prima de outros
Cabe destacar que estas iniciativas estão alinhadas com a política de Ciência, Tecnologia e
Inovação para o Desenvolvimento Nacional, Programa Tecnologias para o Desenvolvimento
Social e Desenvolvimento Regional com Enfoque em Desenvolvimento Local-APL do
Ministério de Ciência e Tecnologia e Inovação (Brasil, 2013) e a Politica Nacional de
Resíduos Sólidos (Brasil, 2010). As propostas resultantes destes projetos foram discutidas
com o prefeito e representantes da população da cidade de Palmares do Sul, e uma Associação
de Moradores foi formada para obtenção de recursos para a implementação do projeto.
Em 2012, tendo em vista a não obtenção de recursos para a implantação das cadeias, foi
iniciada a coleta seletiva nas 6 escolas da cidade, conforme proposto pelos participantes do
curso. Professores, estudantes e seus familiares foram instruídos a separar, lavar e entregar,
nas escolas, os recicláveis (plástico, papel, ferro alumínio) que são separados em 4 big bags
(reusados da rizicultura local). Os catadores locais aderiram ao projeto e estão fazendo a
coleta 3 vezes por semana. As escolas estão sendo pagas pelo material limpo e separado
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entregue aos catadores. No momento, o material está sendo vendido e o dinheiro arrecadado
dividido entre os catadores e as escolas. Cada escola está dando um uso diferente para o
dinheiro arrecadado. O óleo está sendo entregue, gratuitamente, a um intermediário, mas
assim que for adquirido um veiculo de transporte para a comunidade, a entrega do óleo será o
passaporte para uso gratuito do transporte coletivo, já que os cidadãos estariam fornecendo o
material para combustível.
Ter iniciado apenas a coleta seletiva mostra a dificuldade de implantação de projetos de cunho
sustentável. As propostas são viáveis, o pais precisa deste tipo de iniciativa para
desenvolvimento de pequenas cidades que não tem o mínimo para manter seus habitantes em
condições que satisfaçam suas necessidades. A implementação das cadeias propostas reduz o
impacto no meio ambiente, gera trabalho e renda para usuários primários e intermediários, e
agregam valor ao produto a ser utilizado pelo usuário final. Os cidadãos são interessados,
participam do projeto e ficam tão decepcionados quanto os pesquisadores, quando não se
consegue a implantação. Contatos para viabilização do projeto foram feitos com bancos,
empresas e órgãos públicos. No entanto, a colocação em prática destas iniciativas depende
mais de vontade política e comprometimento do que financiamento. O projeto como um todo
tem característica de inovação. No entanto, apesar da inovação ser um assunto em voga no
momento, não há interesse, de modo geral, em fomentá-la, provavelmente porque mudanças
são difíceis, sendo mais confortável manter um sistema do jeito que sempre foi, mesmo que
ele seja insustentável.
Ressalta-se a importância do projeto no que tange a relação entre a academia, o setor
empresarial e a sociedade, por meio da interação entre pesquisadores, empresas, órgãos
públicos e a comunidade. Esta integração tem permitido a troca de informações técnicas de
forma que as cadeias se desenvolvam e se consolidem, e espera-se que a comunidade não
dependa de tanta intervenção da universidade no futuro. Dentre os conhecimentos que a
academia pode repassar destacam-se: custeio das cadeias, apoio no desenvolvimento e
comercialização de produtos, desenvolvimento de novos produtos e estabelecimento de
marcas com cunho social e ecológico, melhoria e agregação de valor aos produtos, redução de
impactos ambientais e implementação de sistemas e parcerias para a certificação de produtos.
Conclusão
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Este artigo apresentou uma proposta para desenvolvimento sustentável de comunidades,
considerando os conceitos de sustentabilidade, a abordagem berço a berço (C2C), a filosofia
Zeri para o desenvolvimento de cadeias produtivas e a gestão participativa de recursos
regionais, principalmente aqueles considerados resíduos. O exemplo foi tomado na cidade de
Palmares do Sul, RS, onde se projetou um sistema piloto autossustentável e inclusivo,
utilizando resíduos locais (principalmente resíduos da rizicultura e pele/lã de gado ovino
Texel e da coleta seletiva do lixo da cidade) como matéria-prima para produtos de amplo
impacto social para a região.
Os materiais da coleta seletiva de processamento mais oneroso (plástico, papel, ferro,
alumínio) estão sendo vendidos mas a médio/longo prazos podem ser pré -beneficiados
gerando maior valor agregado além de trabalho e renda. O óleo de cozinha pode ser utilizado
como combustível no transporte público e, depois de usado, na fabricação de sabão. O vidro,
que não tem valor comercial, foi projetado para utilização em uma fábrica de vidro reciclado a
ser instalada na cidade, e o resíduo orgânico da cozinha projetado para compostagem e
servirem de nutrientes para a permacultura e/ou espirais de ervas, os quais, junto com a
plantação local de frutas, legumes e ervas e a quirera /farelo de arroz das arrozeiras locais
poderão ser utilizados em uma fábrica de alimentos. A casca de arroz pode ser utilizada na
manufatura de celulose (embalagens), sílica e carvão ativado. Os resíduos de couro e lã do
gado ovino Texel foram projetados para confecção de vestuário (sapato e roupas serão
tingidos com borra de café e mate), sacolas, mantas etc. que podem refletir a cultura da região
fomentar o artesanato local que foi desestimulado.
Apesar de não ter sido implementado, por falta de recursos financeiros, o projeto na cidade de
Palmares do Sul teve como objetivo maior mostrar a viabilidade de transformação de uma
comunidade em um ambiente sustentável, menos poluído, mais bonito, saudável e com
geração de trabalho e renda. A relevância do projeto proposto reside: 1) na fabricação de
produtos com valor socioambiental agregado; 2) na redução do impacto ambiental
(sustentabilidade ambiental): resíduos e o lixo tradicional são nocivos à saúde dos seres
humanos e do meio-ambiente; 3) na geração de trabalho e de recursos financeiros
(sustentabilidade econômica) para uma comunidade carente (sustentabilidade social) que
assim, pode tirar seu sustento da região sem ter que buscá-lo nas zonas urbanas
(sustentabilidade espacial); 4) na valorização da cidadania por meio de gestão participativa,
divisão de renda, educação socioambiental e preservação da cultura da comunidade
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(sustentabilidade cultural). Em termos acadêmicos, ficou clara a importância de pesquisas
com resíduos para a sustentação de cadeias produtivas e geração de trabalho e renda,
reduzindo o êxodo e os impactos ambientais. O projeto mostrou que é fácil engajar a
comunidade mas muito difícil obter os recursos para implementação de alternativas que,
apesar de não serem economicamente custosas, são politicamente desafiantes.
Agradecimentos
Esta pesquisa foi desenvolvida com recursos do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) e da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
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