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A herança intelectual da Sociologia

FERNANDES, Florestan. In: FORACCHI, Marialice Mencarini; MARTINS, José de Souza (Org.). Sociologia e Sociedade: leituras de introdução à sociologia. Rio de Janeiro; São Paulo: Livros Técnicos e Científicos Editora.

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Sociologia como ciência e sociologia como preocupação com o homem

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[...], ao se falar do homem, como objeto de indagações específicas dopensamento, é impossível fixar, com exatidão, onde tais indagaçõesse iniciam e quais são os seus limites. Pode-se, no máximo, dizer queessas indagações começam a adquirir consistência científica nomundo moderno, graças à extensão dos princípios e do método daciência à investigação das condições de existência social dos sereshumanos. Sob outros aspectos, já se disse que o homem sempre foio principal objeto da curiosidade humana.

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Sociologia como ciência e sociologia como preocupação com o homem

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[...], ao se falar do homem, como objeto de indagações específicas dopensamento, é impossível fixar, com exatidão, onde tais indagaçõesse iniciam e quais são os seus limites. Pode-se, no máximo, dizer queessas indagações começam a adquirir consistência científica nomundo moderno, graças à extensão dos princípios e do método daciência à investigação das condições de existência social dos sereshumanos. Sob outros aspectos, já se disse que o homem sempre foio principal objeto da curiosidade humana.

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Sociologia como ciência e sociologia como preocupação com o homem

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[...], ao se falar do homem, como objeto de indagações específicas dopensamento, é impossível fixar, com exatidão, onde tais indagaçõesse iniciam e quais são os seus limites. Pode-se, no máximo, dizer queessas indagações começam a adquirir consistência científica nomundo moderno, graças à extensão dos princípios e do método daciência à investigação das condições de existência social dos sereshumanos. Sob outros aspectos, já se disse que o homem sempre foio principal objeto da curiosidade humana.

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Sociologia como ciência e sociologia como preocupação com o homem

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[...], ao se falar do homem, como objeto de indagações específicas dopensamento, é impossível fixar, com exatidão, onde tais indagaçõesse iniciam e quais são os seus limites. Pode-se, no máximo, dizer queessas indagações começam a adquirir consistência científica nomundo moderno, graças à extensão dos princípios e do método daciência à investigação das condições de existência social dos sereshumanos. Sob outros aspectos, já se disse que o homem sempre foio principal objeto da curiosidade humana.

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Sociologia como resultado das condições históricas em que ela surge

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[...], seria vão e improfícuo separar a Sociologia das condiçõeshistórico-sociais de existência, nas quais ela se tornouintelectualmente possível e necessária. [...]. Ela nasce e sedesenvolve como um dos florescimentos intelectuais maiscomplicados das situações de existência nas modernas sociedadesindustriais e de classes. E seu progresso, lento mas contínuo, nosentido do saber científico-positivo, também se faz sob a pressão dasexigências dessas situações de existência, que impuseram tanto aopensamento prático, quanto ao pensamento teórico, tarefasdemasiado complexas para as formas pré-científicas deconhecimento.

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Sociologia como resultado das condições históricas em que ela surge

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[...], seria vão e improfícuo separar a Sociologia das condiçõeshistórico-sociais de existência, nas quais ela se tornouintelectualmente possível e necessária. [...]. Ela nasce e sedesenvolve como um dos florescimentos intelectuais maiscomplicados das situações de existência nas modernas sociedadesindustriais e de classes. E seu progresso, lento mas contínuo, nosentido do saber científico-positivo, também se faz sob a pressão dasexigências dessas situações de existência, que impuseram tanto aopensamento prático, quanto ao pensamento teórico, tarefasdemasiado complexas para as formas pré-científicas deconhecimento.

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Sociologia como resultado das condições históricas em que ela surge

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Os pioneiros e fundadores dessa disciplina se caracterizam menospelo exercício de atividades intelectuais socialmente diferenciadas,que pela participação mais ou menos ativa das grandes correntes deopinião dominantes na época, seja no terreno da reflexão ou dapropagação de ideias, seja no terreno da ação. As ambiçõesintelectuais de autores como Saint-Simon, Comte, Proudhon e LePlay, ou de Howard, Malthus e Owen, ou de von Stein, Marx e Riehliam além do conhecimento positivo da realidade social.Conservadores, reformistas ou revolucionários, aspiravam fazer doconhecimento sociológico um instrumento de ação.

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Sociologia como resultado das condições históricas em que ela surge

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Os pioneiros e fundadores dessa disciplina se caracterizam menospelo exercício de atividades intelectuais socialmente diferenciadas,que pela participação mais ou menos ativa das grandes correntes deopinião dominantes na época, seja no terreno da reflexão ou dapropagação de ideias, seja no terreno da ação. As ambiçõesintelectuais de autores como Saint-Simon, Comte, Proudhon e LePlay, ou de Howard, Malthus e Owen, ou de von Stein, Marx e Riehliam além do conhecimento positivo da realidade social.Conservadores, reformistas ou revolucionários, aspiravam fazer doconhecimento sociológico um instrumento de ação.

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Sociologia como resultado das condições históricas em que ela surge

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Os pioneiros e fundadores dessa disciplina se caracterizam menospelo exercício de atividades intelectuais socialmente diferenciadas,que pela participação mais ou menos ativa das grandes correntes deopinião dominantes na época, seja no terreno da reflexão ou dapropagação de ideias, seja no terreno da ação. As ambiçõesintelectuais de autores como Saint-Simon, Comte, Proudhon e LePlay, ou de Howard, Malthus e Owen, ou de von Stein, Marx e Riehliam além do conhecimento positivo da realidade social.Conservadores, reformistas ou revolucionários, aspiravam fazer doconhecimento sociológico um instrumento de ação.

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Sociologia como resultado das condições históricas em que ela surge

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Existe, portanto, fundamento razoável para a interpretação segundoa qual a Sociologia constitui um produto cultural das fermentaçõesintelectuais provocadas pelas revoluções industriais e político-sociais,que abalaram o mundo ocidental moderno. De fato, a Sociologia nãose impôs em virtude de necessidades lógicas, pressentidas ouformuladas a partir da evolução interna do sistema das ciências.

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As duas ordens de fatores sobre os quais se coloca a ciência p. 12

...o desenvolvimento do sistema das ciências se tem processado sobo influxo de duas ordens de fatores. Uma, de naturezaespecificamente positivo-racional, ligada com as exigências daprópria marcha das investigações científicas. Outra, de naturezaultracientífica, constituída pelo conjunto de necessidades práticas(econômicas, culturais e sociais), que podem ou precisam sersatisfeitas, de modo direto ou indireto, mediante a descoberta ou autilização de conhecimentos científicos. [...], ...a Sociologia, nasceramda conjugação dos efeitos das crises sociais com os da revolução damentalidade, produzida pelo advento do pensamento científico

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Efeitos positivo e negativo da vinculação da Sociologia com as condições socio-históricas

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[...], é certo que ela contribuiu para ajustar rapidamente o modelo daanálise científica à natureza dos fenômenos sociais humanos, que elafavoreceu a adoção de padrões de comunicação científicarelativamente exotéricos e que a ela se associa uma novacompreensão do objeto e das funções da ciência aplicada

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Efeitos positivo e negativo da vinculação da Sociologia com as condições socio-históricas

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[...], é certo que ela contribuiu para ajustar rapidamente o modelo daanálise científica à natureza dos fenômenos sociais humanos, que elafavoreceu a adoção de padrões de comunicação científicarelativamente exotéricos e que a ela se associa uma novacompreensão do objeto e das funções da ciência aplicada

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Efeitos positivo e negativo da vinculação da Sociologia com as condições socio-históricas

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[...], nessa vinculação também se encontram as raízes dos principaisobstáculos ao desenvolvimento posterior da Sociologia. [...], ...nelase inspirou a identificação, ainda hoje corrente, da Sociologia com aFilosofia da “Questão Social” – o que acabava por reduzi-la àsproporções de uma Filosofia Política. [...] ...podia conduzir aoempobrecimento do campo de investigação da Sociologia,especialmente quando a supervalorização da chamada “SociologiaHistórica” se processava em combinação com “intuitos práticos” maldefinidos.

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Como entender a herança intelectual da sociologia, legado do século XIX

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[...], seria conveniente considerar: 1º) as relações da emergência daSociologia com os efeitos intelectuais dos processos de secularizaçãodos modos de conceber e de explicar o mundo; 2º) as repercussõesdas tendências de racionalização e dos movimentos sociais nadelimitação do horizonte intelectual dos pioneiros ou dos fundadoresda Sociologia; 3º) a natureza dos motivos e das ambiçõesintelectuais, inerentes às primeiras tentativas de aproveitar osprincípios do conhecimento científico na explicação da vida humanaem sociedade

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Relações da emergência da Sociologia com os efeitos intelectuais dos processos de secularização...

p. 13-5

A explicação sociológica exige, [...], um estado de espírito quepermita entender a vida em sociedade como estando submetida auma ordem, produzida pelo próprio concurso das condições, fatorese produtos da vida social. Por isso, tal estado de espírito não só éanterior ao aparecimento da Sociologia, como representa uma etapanecessária à sua elaboração. No mundo moderno, [...], ele seconstitui graças à desagregação da sociedade feudal e à evolução dosistema capitalista de produção, com sua economia de mercado e acorrespondente expansão das atividades urbanas.

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Processo pelo qual se deu a secularização dos modos de conhecer no plano intelectual

p. 13-5

[...], a secularização dos modos de conceber e de explicar o mundo estárelacionada com transformações radicais da mentalidade média. O efeitomais notável e característico dessas transformações consiste noalargamento do âmbito da percepção social além dos limites do que erasancionado pela tradição, pela Religião ou pela Metafísica. [...]. Nascondições de inquietação e de instabilidade, ligadas à desagregação dasociedade medieval e à formação do mundo moderno, as inconsistênciasdaquelas categorias absolutas e estáticas do pensamento se fizeram sentircom rapidez. Contudo, como se estava em uma era de revolução social [...],elas não foram simplesmente impugnadas e rejeitadas: as formas de saberde que elas derivavam e que pareciam viciar, de diversas maneiras e sobdiferentes fundamentos, o uso da razão, é que foram condenadas esubstituídas. Seja no plano prático, seja no plano teórico, impunham-setarefas que pressupunham novos padrões de apreciação axiológica, maisou menos livres dos influxos da tradição ou de concepçõesprovidencialistas.

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Processo pelo qual se deu a secularização dos modos de conhecer no plano intelectual

p. 13-5

Portanto, o que se poderia designar como consciência realista dascondições de existência emerge e progride através de exigências denovas situações de vida, mais complexas e instáveis. Daí oenriquecimento dos conteúdos e o alargamento dos níveis depercepção social do sujeito, exposto a um cosmos moral em que acapacidade de julgar, de decidir e de agir, passa a depender, de modocrescente, do grau de consciência por ele alcançado sobre os móveisdas ações dos outros ou os efeitos das possíveis alterações daestrutura e funcionamento das instituições.

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As consequencias no âmbito do senso comump. 14

As modificações porque passou o conhecimento do senso comum têm sidosubestimadas, em particular devido às inclinações intelectualistas dosautores que estudam a história do pensamento do mundo moderno. Mas,elas possuem uma significação excepcional, pois foi por meio delas que seprojetaram na vida prática as diversas noções que fizeram da atividadehumana, individual ou coletiva, o próprio cerne de todo progressoeconômico, político ou cultural. [...], foi o conhecimento do senso comumque se expôs e teve de enfrentar as exigências mais profundas e imediatasdas novas situações de existência social. Por isso ele acabou servindo comoverdadeiro foco de formação e cristalização das categorias de pensamento,historicamente adequadas àquelas situações. Tome-se como exemplo ahistória da Economia: noções que serviram, primordialmente, para definiro significado de ações, de obrigações ou de relações econômicas, nalinguagem cotidiana foram ordenadas com base na experiência deatividades econômicas concretas e “generalizadas”, tudo dentro do âmbitodo conhecimento do senso comum.

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As consequencias no âmbito do pensamento racional sistemático

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...coube ao pensamento racional sistemático seja ordenar e darexpressão lógica às elaborações realmente significativas doconhecimento do senso comum, seja estender os critérios deexplicação secular do mundo a objetos e a temas que não caemdentro dos limites da reflexão prática. Graças a estas duas funções, aFilosofia moderna ofereceu os meios intelectuais através dos quais seesboçaram as primeiras tentativas de explicação realista sistemáticasdas condições e efeitos da vida humana em sociedade.

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Efeitos do processo de secularização e a emergência da Sociologia

p. 14

Em suma, aos efeitos do processo de secularização da cultura namodificação da mentalidade média, o conhecimento do sensocomum e do pensamento racional sistemático devem-se a formaçãodo ponto de vista sociológico, a noção de que a vida humana emsociedade está sujeita a uma ordem social, e as primeiras tentativasde explicação realista dos fenômenos de convivência humana.

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Efeitos do processo de secularização e a emergência da Sociologia

p. 14-5

Em suma, aos efeitos do processo de secularização da cultura namodificação da mentalidade média, o conhecimento do senso comum e dopensamento racional sistemático devem-se a formação do ponto de vistasociológico, a noção de que a vida humana em sociedade está sujeita auma ordem social, e as primeiras tentativas de explicação realista dosfenômenos de convivência humana. A constituição da Sociologia,entretanto, altera sua relação com os produtos intelectuais e com astendências desse processo. Parece óbvio que as influências intelectuaisdescritas concorreram para produzir efeitos similares porque as questõesque se passaram a colocar, a respeito das formas e natureza da ordemsocial, se tornaram demasiado variadas e complexas a ponto de exigirem orecurso contínuo à investigação sistemática e a formação de uma disciplinaintelectual específica. Tome-se Auguste Comte como referência. Suasindagações correspondiam a questões que não poderiam ser formuladas erespondidas no âmbito do conhecimento do senso comum ou da Filosofiapré-científica.

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Repercussões das tendências de racionalização e dos movimentos sociais...

p. 15

No plano teórico, elas levaram à convicção, [...], de que asregularidades de coexistência e de sucessão, que permitem entendere explicar a ordem dos fenômenos nas manifestações da vida social,não possuem uma natureza rígida e mecânica. É certo que tal ordemfoi descrita como algo que exclui tanto os influxos da providência,quanto o arbítrio de indivíduos ou grupos de indivíduos.

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Repercussões das tendências de racionalização e dos movimentos sociais...

p. 15

No plano teórico, elas levaram à convicção, [...], de que as regularidades decoexistência e de sucessão, que permitem entender e explicar a ordem dosfenômenos nas manifestações da vida social, não possuem uma naturezarígida e mecânica. É certo que tal ordem foi descrita como algo que excluitanto os influxos da providência, quanto o arbítrio de indivíduos ou gruposde indivíduos. Mas isso não impedia que se procurasse conhecer osprocessos sociais com o intuito de colocar ao alcance da atividade humanameios eficazes de intervenção nas condições de existência social. Estava-sena grande era do pensamento inventivo e do humanitarismo. [...]. Daí aconstrução de elaborações interpretativas que perseguiam dois fins: 1º) ode descrever a ordem social como um sistema dotado de organizaçãoestrutural e funcional própria, ...]; 2º) o de descobrir as condições dentrodas quais a atividade humana poderia tirar determinados proveitos daplasticidade relativa da ordem social, mediante o aproveitamento dosconhecimentos fornecidos pela análise dos referidos mecanismos demudança do sistema social.

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Repercussões das tendências de racionalização e dos movimentos sociais...

p. 15

No plano prático, os ideais de racionalização concorreram paraalimentar a aspiração de inventar técnicas de manipulação ou decontrole das situações de existência social, modeladas segundo ospadrões do conhecimento positivo-racional. Em incentivos dessaespécie repousam, desde o início, as preocupações sociológicassobre as possibilidades e as funções do planejamento no mundomoderno.

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Repercussões das tendências de racionalização e dos movimentos sociais...

p. 15-6No plano prático, os ideais de racionalização concorreram para alimentar aaspiração de inventar técnicas de manipulação ou de controle das situações deexistência social, modeladas segundo os padrões do conhecimento positivo-racional. Em incentivos dessa espécie repousam, desde o início, as preocupaçõessociológicas sobre as possibilidades e as funções do planejamento no mundomoderno. As impulsões coletivas imanentes aos movimentos sociais eram, porsua vez, demasiado poderosas para serem subestimadas no pensamentosociológico. Por isso, as acomodações intelectuais se revelam antes na inclinação aaumentar ou diminuir o intervalo ideal nas relações da teoria com a prática, quena negação de sua existência e importância. Os que pretendiam aproveitar osconhecimentos sociológicos em manipulações conservadoras ou reformistas, [...],julgavam indispensável a escolha de intervalos mais ou menos consideráveis. Osque aspiravam colocar aqueles conhecimentos a serviço da revolução social, aocontrário, tendiam a recomendar um intervalo mínimo, [...], com amplasperspectivas para o mútuo aprofundamento da teoria e da prática. Do ponto devista formal, o resultado seria o mesmo: o nascimento de uma concepção deciência aplicada e da significação construtiva da prática para a teoria que nãoencontrava símile nem fundamento nas ciências naturais.

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Natureza dos motivos e das ambições intelectuais das primeiras interpretações sociológicas

p. 16O que se costuma chamar de ciências sociais, com referência aosEnciclopedistas, ou de Sociologia, em face de autores como Comte,Stuart Mill ou Spencer, é, propriamente falando, uma Filosofia daAção Humana – compreendendo reflexões que se aplicam acaracteres ou atributos universais da natureza humana e indagaçõesem que essa natureza é explicada através de elementos variáveis dascondições de existência social.

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Encadeamento e direção que as reflexões acabaram tomando

p. 16O encadeamento se revela na fragmentação da Filosofia da AçãoHumana, desdobrada em três níveis diferentes de consideração darealidade. Ela se apresenta como uma Filosofia da História, quandoprocura associar o presente ao passado e descobrir as “leis” dodesenvolvimento do espírito humano. Ela se torna uma FilosofiaSocial, quando pretende evidenciar as funções “civilizadoras” da vidaem sociedade, estabelecendo as primeiras vinculações dinâmicas, desentido universal, da natureza humana com as situações deconvivência social; e quando se volta para a questão social, de cujaanálise retira o caráter de Filosofia das condições atuais de existênciahumana e do seu devir. Ela assume as proporções de uma FilosofiaPolítica, quando liga, por meio da análise e da crítica dos sistemaspolíticos modernos, os resultados dos tipos de reflexão e deindagações filosóficas, a que poderiam conduzir a Filosofia daHistória e a Filosofia Social.

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Efeitos sobre o pensamento filosófico modernop. 16

Em virtude mesmo de semelhantes vinculações, o pensamentofilosófico moderno se encaminhou da reflexão abstrata para aindagação empírica e para a análise indutiva. A acumulação de dadose sua manipulação intelectual se impunham tanto nas elaborações daFilosofia da História e da Filosofia Social, quanto nas contribuições daFilosofia Política. O exemplo de Comte, [...], demonstra que aFilosofia Política, além de aproveitar os resultados das outras duas,precisava resolver problemas empíricos específicos, nascidos doexame das origens sociais ou da significação ideológica e pragmáticados sistemas políticos coexistentes em luta pelo poder.

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Importância desse movimento filosófico para a constituição das ciências sociais

p. 17Primeiro, naquilo que se tem descrito como sendo a revoluçãocopernicana, que proporcionou o advento das ciências sociais: atransição do “ponto de vista normativo” para o “ponto de vistapositivo” na interpretação dos fenômenos sociais. [...]. No queconcerne à explicação da natureza humana e de suas relações com assituações sociais de existência, [...], ela se processou,intelectualmente, pela transformação da antiga Metafísica emFilosofia da Ação Humana. E foi no seio desta que surgiu e sedesenvolveu a tendência a considerar as situações sociais deexistência através de instâncias empíricas, pelo recurso à análiseindutiva e um sério esforço para conter influências perceptíveis dossentimentos, de ideias preconcebidas ou de valorizaçõesetnocêntricas nas atividades cognitivas.

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Importância desse movimento filosófico para a constituição das ciências sociais

p. 17Segundo, a natureza humana só poderia ser conhecida e interpretadasociologicamente como parte de um sistema de relações comsentido, pois o comportamento dos seres humanos, individual oucoletivamente, é regulado por normas, valores e instituições sociais.Em consequência, a observação, a descrição e a interpretação da vidasocial humana exigiam categorias de pensamento especiais, que nãopodiam ser tomadas ao conhecimento físico do mundo exterior,voltado para um sistema de relações destituídas de sentido. [...]. Issoequivalia a admitir, [...], o princípio segundo o qual os conceitos e aexplicação científica das atividades sociais humanas são delimitados,formalmente, pelo universo empírico de sentido a que se referem[...]. Portanto, é evidente que, sem os recursos conceptuais legadospela Filosofia da Ação Humana, a Sociologia estaria privada decategorias de pensamento plenamente adequadas à realidade social.

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Obsolescência da “Sociologia Filosófica”p. 18

A caracterização material do objeto da Sociologia encontrava, [...],sérias dificuldades. De um lado, por causa da escassez deconhecimentos sociológicos positivos sobre um númerosuficientemente variado e extenso de situações possíveis deexistência social. De outro, em virtude da tendência a confinar osproblemas substantivos da análise sociológica às sociedadeseuropeias modernas ou a fazer delas o fulcro do pensamentosociológico. Em tais circunstâncias, não é de estranhar o recurso aanalogias, que permitiam dividir o campo da Sociologia de acordocom paradigmas tomados a outras ciências.

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Conclusão da discussãop. 20

Com base nos resultados da presente digressão, é legítimo concluir que aSociologia recebeu uma herança intelectual comparável a uma faca de doisgumes. De um lado, ela era bastante rica e plástica para encaminhar epermitir a solução de muitas questões fundamentais , ligadas com acaracterização do ponto de vista sociológico, com a definição do objeto daSociologia, com a seleção e o aproveitamento de categorias depensamento adequadas à natureza dos fenômenos sociais humanos, com aexploração de critérios de análise aplicáveis à descrição e à interpretaçãodos processos sociais, com os alvos práticos inerentes aos conhecimentossociológicos ou decorrentes das funções da ciência no mundo moderno.Mas, de outro, ela se revelou pobre e obstrutiva. Escaparam-lhe osobjetivos que dão sentido específico à investigação científica e, com eles, asignificação e a importância da pesquisa empírica sistemática, tanto para odesenvolvimento do aparato conceptual e metodológico da Sociologia,quanto para o progresso da teoria e das indagações de interesse prático.


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