PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
A GUERRA DO PARAGUAI E AS RELAÇÕES LUSO-BRASILEIRAS
NA DÉCADA DE 1860-1870
Tese apresentada ao Curso de Pós-Graduação em História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, como requisito parcial à
obtenção do título de Doutor em História. Área de concentração: História Ibero-Americana
Orientador: Prof. Dr. Earle Diniz
Macarthy Moreira
Mauro César Silveira
Porto Alegre, março de 2001
1
Ao meu saudoso pai, a estrela mais brilhante no céu desde a noite de 14 de outubro de 2000
À querida Luisa, ao meu lado em cada tropeço da longa jornada
À minha mãe, a grande torcedora de sempre
2
MEUS AGRADECIMENTOS
Ao Professor Earle Diniz Macarthy Moreira, pela orientação estimulante e segura,
marcada por sua rara e reconhecida sabedoria, mas, sobretudo,
pelos incontáveis gestos de apreço e carinho.
Ao Professor Luís A. de Oliveira Ramos pela serena e inteligente condução em solo
lusitano e, em especial, pela generosa acolhida, ao lado de sua esposa Maria Angelina.
Às pessoas que me ajudaram – e animaram - em cada recanto da extensa caminhada:
Roberto Quevedo (Assunção); Armando Machado e Vânia Chaves, Cláudia Lage,
Fernando Oliveira Marques e Maria Mercês, a Zita, Manoel Pereira de Andrade e Enaile
Ladanza, Maria Leonor Silva Santos, a Nonô, e Maria Ondina Gomes Ferreira Carquejo,
(Lisboa); Universindo Rodríguez Diaz (Montevidéu); Jorge Fernandes Alves (Porto);
Augusto Franke Bier, Braz e Sandra Brancato, Jair Krischke, José da Silva e Albuquerque,
Luiz Gonçalves da Fonseca, o Chuvisco, e Maria do Céu, René Gertz, e Adriana e Carla –
as incansáveis funcionárias da PUC (Porto Alegre); Rosângela Soares (Rio de Janeiro);
Francisco das Neves Alves (Rio Grande); André Toral e Igor Fuser (São Paulo).
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RESUMO
A elite política imperial deu uma demonstração de força durante a década de 1860 e
1870, aproveitando-se de circunstâncias econômicas favoráveis no seu relacionamento com
Portugal para afirmar sua ação no exterior, notadamente no continente europeu,
respaldando um ato intervencionista desgastante como foi o da chamada guerra do
Paraguai. Se, por um lado, a balança comercial pendia para a nação lusitana, por outro, o
expressivo fluxo migratório na direção da América do Sul, conferia ao Brasil um notável
poder de barganha, face à importância das remessas dos portugueses residentes no Império.
Esse dinheiro enviado para o velho continente era essencial para cobrir o crônico déficit na
balança de pagamentos de Portugal. O governo brasileiro aproveitou-se disso para que
prevalecessem suas posições em situações conflituosas, como no caso das divergências de
interpretação da convenção consular celebrada em 1863 para a administração de heranças
de súditos falecidos nos dois lados do Atlântico. Por força dos interesses comerciais e
financeiros de além-mar, o governo português foi obrigado a agir, com moderação e
cautela, mesmo diante de agressões contra a colônia lusitana no Rio de Janeiro e em
Pernambuco. Além disso, o Brasil esmerou-se em promover articulações entre as
representações diplomáticas dos dois países, estratégia fundamental para neutralizar o
impacto de casos tormentosos como o do brigue Octavio, que trouxe portugueses para
serem engajados, à força, nas tropas imperiais; e dos dois diplomatas lusos executados no
Paraguai, acusados de conspirarem contra o presidente Francisco Solano López. Nesse
4
contexto, o jornalismo cumpriu um papel decisivo na difusão do discurso oficial brasileiro.
A partir das controladas publicações do país – sobretudo as da Corte e, particularmente, o
vetusto e oficialista Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro -, as vigorosas imagens
apresentadas pelo gabinete de D. Pedro II cruzavam o oceano e destacavam-se nas páginas
da imprensa lusitana. Os documentos que o governo imperial tinha interesse em divulgar
também espalhavam-se pela Europa, através do serviço da agência noticiosa Reuters
baseado em Lisboa, o ponto de transmissão telegráfica para cidades como Londres e Paris.
Embora a posição oficial de Portugal fosse neutra, o jornalismo lusitano significou, durante
a campanha empreendida no Paraguai, um precioso braço da diplomacia brasileira. Assim,
em 1870, na Europa, soube-se que o escravocrata império sul-americano conseguira
cumprir, com êxito, sua missão civilizadora contra o bárbaro país guarani, com a
eliminação física do cruel tirano Francisco Solano López.
5
RESUMEN La elite política imperial demostró fuerza durante la década de 1860 y 1870,
aprovechando-se de circunstancias favorables en sus relaciones con Portugal para afirmar
su acción en el exterior, notadamente en el continente europeo, respaldando un acto
intervencionista desgastador como fue el de la llamada guerra del Paraguay. Si, por un
lado, la balanza comercial pendía para la nación lusitana, por otro, el expresivo flujo
migratorio en la dirección de la América del Sur, confería al Brasil un notable poder de
negociación, en razón de la importancia de las remesas de los portugueses residentes en el
Imperio. Ese dinero enviado para el viejo continente era esencial para cubrir el crónico
déficit en la balanza de pagamentos de Portugal. El gobierno brasileño se aprovechó de eso
para prevalecer su posición en situaciones conflictivas, como en el caso de las divergencias
de la interpretación de la convención consular celebrada en 1863 para la administración de
las herencias de los súbditos fallecidos en los dos lados del Atlántico. Por fuerza de los
intereses comerciales y financieros de ultramar, el gobierno portugués fue obligado a
accionar , con moderación y cautela, mismo delante de agresiones contra la colonia lusitana
en el Rio de Janeiro y en Pernambuco. Además de eso, el Brasil se esmeró en promover
articulaciones entre las representaciones diplomáticas de los dos países, estrategia
fundamental para neutralizar el impacto de casos tormentosos como del navío Octavio, que
transportó portugueses para que fuesen integrados, a la fuerza, en las tropas imperiales; y de
los dos diplomáticos lusos ejecutados en el Paraguay, acusados de conspiraren contra el
presidente Francisco Solano López. En ese contexto, el periodismo cumplió un papel
decisivo en la difusión del discurso oficial brasileño. De las controladas publicaciones del
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país – sobretodo las de la Corte y, particularmente, el vetusto y oficialista Jornal do
Commercio, del Rio de Janeiro -, las vigorosas imágenes presentadas por el gabinete de D.
Pedro II cruzaban el océano y se destacaban en las páginas de la prensa lusitana. Los
documentos que el gobierno imperial tenia interés en divulgar también se difundían por la
Europa, a través del servicio de la agencia noticiosa Reuters basado en Lisboa, punto de
transmisión telegráfica para ciudades como Londres y Paris. A pesar de la posición oficial
de Portugal ser neutra, el periodismo lusitano significó, durante la campaña emprendida en
el Paraguay, un precioso brazo de la diplomacia brasileña. Así, en 1870, en la Europa, se
supo que el esclavista Imperio sudamericano había conseguido cumplir, con éxito, su
misión civilizadora contra el bárbaro país guaraní, con la eliminación física del cruel
tirano Francisco Solano López.
7
ABSTRACT
The political elite of the Empire showed its power during the decades of 1860s
and 1870s, using the favorably economic circumstances of its relation with Portugal, by
asserting its action abroad, especially in the European continent. That was accomplished by
means of the exhausting interventionist act that was the Paraguay War. If, to the one hand,
the commercial scale weighed towards the Portuguese nation; on the other hand, the
significant migratory flow to South America gave to Brazil a remarkable power to bargain
because of the shipments from the Portuguese who lived in the Empire.
The money that was sent to the so-called Old World was essential to cover the
chronic deficit in the payment structure in Portugal. The Brazilian government took
advantage of this fact in order to impose its point of view in times of conflict of ideas, as,
for instance, the disagreement over the interpretation of the consular convention held in
1863 aiming to administrate the legacy of subjects who died on either side of the Atlantic.
Because of its commercial and financial interest abroad, the Portuguese government was
forced to act with moderation and caution even when the Portuguese colonies in Rio de
Janeiro and Pernambuco were assaulted. Besides that, Brazil did its best to promote
articulations between the diplomatic representatives of the two countries. That proved to be
a fundamental strategy to neutralize the impact of problematic affairs such as that of the
prison ship Octavio, which brought Portuguese men to enlist – compulsorily – in the
Troops of the Empire, and that of the two Portuguese diplomats accused of conspiracy
against the President Francisco Solano López and executed in Paraguay. In this context, the
press had a decisive role in broadcasting the Brazilian official discourse. From the
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controlled Brazilian publications – especially the ones from the Court, and, in particular,
the old and officialesque Jornal do Commercio in Rio de Janeiro -, the powerful images
presented by the office of Dom Pedro II crossed the ocean and featured in the pages of
Portuguese papers. The documents that the Empire wanted to divulge were also spread over
Europe through the service of the news agency Reuters. The agency was sited in Lisbon
and worked as the telegraphic transmission point to cities such as London and Paris. Even
though Portugal had a neutral position, the Portuguese press was a precious arm for the
Brazilian diplomacy during the enterprize in Portugal. It was through it that, in 1870,
Europe leaned that the slave-owning South American Empire managed to successfully
carry on its civilizing mission against the barbarian Guarani country, with the physical
elimination of the cruel tyrant Francisco Solano López.
9
LISTA DE ANEXOS
ANEXO A - Cópias de páginas de publicações portuguesas.............................................390
ANEXO B – Relação dos jornais e revistas portugueses do período da guerra do Brasil
contra o Paraguai............................................................................................391
ANEXO C - Sínteses de publicações portuguesas.............................................................463
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SUMÁRIO AGRADECIMENTOS............................................................................................................2 RESUMO................................................................................................................................3 RESUMEN..............................................................................................................................5 ABSTRACT............................................................................................................................7 LISTA DE ANEXOS..............................................................................................................9 INTRODUÇÃO....................................................................................................................13 1 DIPLOMACIA E IMPRENSA..........................................................................................19 1.1 O desafio teórico-metodológico......................................................................................21 1.2 Os documentos oficiais na reconstituição do passado...................................................29 1.3 A força da imprensa a partir do século XIX..................................................................33 1.4 O jornalismo a serviço dos diplomatas..........................................................................43 2 AS RELAÇÕES ENTRE BRASIL E PORTUGAL NA DÉCADA DE 1860-1870.........52 2.1 A balança comercial........................................................................................................55 2.2 O fluxo migratório...........................................................................................................76 2.3 A importância das remessas do Brasil.............................................................................99 2.4 Os laços familiares.........................................................................................................116 2.5 O papel da maçonaria.....................................................................................................140 2.6 O relacionamento bilateral e seus problemas.................................................................148 2.7 A capacidade diplomática do Império............................................................................179 3 PORTUGAL E A GUERRA DO PARAGUAI...............................................................200 3.1 A presença lusitana na bacia do Prata: antecedentes históricos.....................................201 3.2 A anunciada opção pela neutralidade.............................................................................210 3.3 A participação de cidadãos portugueses nos campos de batalha: voluntários e compeli- dos..................................................................................................................................216 3.4 Dando as cartas: o peso da legação no Rio de Janeiro e seu apoio ao Brasil.................225 3.5 Pregando no deserto: a representação em Montevidéu e seu trabalho a favor do Paraguai.........................................................................................................................231 3.6 A rede de intrigas que minou a força militar paraguaia.................................................252 3.7 O castigo de Solano López aos colaboracionistas portugueses: a execução dos diploma- tas no Paraguai...............................................................................................................270 3.8 A conta apresentada ao império brasileiro pelos serviços prestados em Assunção......291 3.9 As boas relações em Lisboa..........................................................................................299
11
4 O PODER DA IMPRENSA NA PROPAGAÇÃO DO DISCURSO OFICIAL BRASILEIRO.....................................................................................................................305 4.1 Uma publicação com status de documento oficial........................................................309 4.2 O Commercio do Porto e a multiplicação do Jornal do Commercio em Portugal.......313 4.3 As vozes dissonantes silenciadas: Os Gafanhotos e O Braz Tisana............................322 4.4 As principais imagens da cobertura lusitana da Guerra do Paraguai...........................336 4.4.1 A cruzada civilizadora do Império........................................................................342 4.4.2 O monstro Solano López e a barbárie guarani.......................................................347 4.4.3 Madame Lynch e as mulheres nos campos de batalha...........................................355 4.4.4 O Brasil mal acompanhado: o estorvo argentino....................................................362 4.4.5 O epílogo ansiosamente esperado: a morte do tirano.............................................367 CONCLUSÃO....................................................................................................................385 ANEXOS.............................................................................................................................390 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................923
13
INTRODUÇÃO
O maior conflito bélico da história do continente americano, a chamada guerra do
Paraguai, que se estendeu de 12 de novembro de 1864 a 1º de março de 1870, exigiu um
grandioso esforço da diplomacia brasileira para tentar impedir que o inevitável desgaste da
ação militar abalasse os interesses econômicos e políticos sustentados pelo governo
imperial. Era natural que o empenho fosse redobrado em relação a Portugal, que ainda
mantinha fortes vínculos com o Brasil e constituía-se no principal porta-voz da sua ex-
colônia na Europa. Também pesava o fato de que a força hegemônica da época, a
Inglaterra, exercia notável influência na nação lusitana – que tem raízes numa aliança que
remonta à primeira dinastia portuguesa, a de Borgonha, no século XII. Pretendemos, então,
observar as relações luso-brasileiras nesse período, perseguindo três objetivos principais: a)
verificar as áreas de atrito; b) identificar os fatores de convergência; c) dimensionar o papel
de Portugal na defesa da política externa do Império de D. Pedro II.
Se a diplomacia já era um precioso instrumento que os governos dispunham para
estabelecer contatos pacíficos com outros Estados, buscando atingir os propósitos traçados
pelas suas elites políticas – mas também econômicas -, a imprensa revelou-se, ao longo do
século XIX, um poderoso mecanismo de mobilização da opinião pública, tornando-se uma
expressão social que deveria ser considerada pelos detentores do poder. Por isso, a tentativa
de identificação dos aspectos que movem os documentos oficiais – ponto de partida da
investigação aqui proposta – não poderia ficar dissociada da análise dos conteúdos
veiculados pelas publicações periódicas. O desafio de desvelar parte das ascendências que
determinavam o movimento diplomático – ou as forças profundas, como preferem Pierre
14
Renouvin e Jean-Baptiste Duroselle, dois autores que balizam nossa proposta – requer,
necessariamente, o exame do jornalismo, que experimentava, na década de 60 daquela
centúria, a expansão da sua fase industrial – nítida nos países mais desenvolvidos da
Europa e nos Estados Unidos e ainda incipiente em Portugal e na América Latina.
Mesmo nos casos de maior afinidade com o Estado, como no Brasil, a imprensa refletia
contradições no âmbito do poder, deixando escapar diferenças e conflitos entre os
integrantes dos grupos que se revezavam nos sucessivos gabinetes do II Reinado,
oferecendo assim boas pistas para uma aproximação com a realidade vivida. Além de
difundir idéias dos políticos que ocupavam suas páginas, muitos deles mantendo-se no
anonimato, os jornais eram utilizados, com regular freqüência, para a publicação de textos
governamentais, sobretudo os de caráter diplomático. Essa característica proporciona uma
outra e interessante perspectiva de análise, uma vez que o processo seletivo do material a
ser impresso estava diretamente ligado à conquista da opinião pública. Enquanto alguns
documentos adquiriam notoriedade nos diários e semanários, outros ficavam restritos à
correspondência oficial - ainda que não ostentassem o selo de reservado ou confidencial.
Assim, podemos aferir como a imprensa era usada como canal de comunicação para a
condução da diplomacia luso-brasileira.
Optando pela observação simultânea da documentação e dos jornais que circulavam
naquela época, poderemos constatar quais eram os temas mais delicados para os governos
dos dois lados do Atlântico durante a campanha brasileira no Paraguai e as posições que
precisariam ficar submersas nas mais recônditas gavetas ministeriais. Também não
perderemos de vista as versões oficiais disseminadas nas publicações periódicas,
notadamente as brasileiras, pródigas na transcrição de textos governamentais. Aliás, a
cobertura do conflito militar produzida pelos jornais do país – em especial, os do Rio de
15
Janeiro – costumava seguir para Lisboa, acompanhando ofícios diplomáticos que anexavam
as “notícias do teatro da guerra”, praticamente sem reparos dos representantes portugueses
na Corte. A maior parte das matérias também era reproduzida, na íntegra, na imprensa
lusitana, conferindo ao jornalismo brasileiro um papel de maior relevo na busca da
legitimação de decisões impopulares como a do prolongamento da guerra, atingindo o
continente europeu. Nesse sentido, a apreciação do teor das publicações aumenta de
importância, contraposta ao contexto político e econômico do período examinado.
Para perseguir os objetivos propostos neste trabalho, partimos inicialmente da
exposição das referências conceituais que respaldam o caminho adotado, que mantém lado
a lado fontes tão díspares como a imprensa e a correspondência diplomática. No primeiro
capítulo, tratamos da dificuldade teórico-metodológica representada por essa escolha. O
caráter de monumento dos documentos é questionado, de acordo com a visão de autores
como Jacques Le Goff, sem que isso implique reduzir a significação do escrito
governamental autêntico. Trata-se apenas de reconhecer sua limitação. Confrontado com
outros depoimentos, torna-se uma fonte prolífica. Marc Bloch chegou a comparar o
documento à testemunha, dizendo que ele fala quando é inquirido. Também é ressaltada a
força da imprensa a partir de 1850, quando avança para o seu apogeu, segundo Fernand
Terrou, estimulada, entre outros fatores relevantes, pela presença de muitos homens
públicos nos jornais, incluindo diplomatas.
O segundo capítulo aborda as relações entre Brasil e Portugal entre 1860 e 1870,
procurando determinar o alcance dos interesses que giravam em torno das duas nações.
Assim, verificamos a balança comercial e o fluxo migratório e estimamos o volume da
contribuição financeira das remessas enviadas para Portugal pela colônia lusitana no Brasil.
Os laços familiares que ligavam as duas Coroas e a articulação entre a maçonaria
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organizada nos dois países mereceram atenção especial, levando-se em conta que poderiam
contribuir para favorecer o relacionamento bilateral. As questões que provocavam
desacordo diplomático durante a guerra também foram sondadas, avaliando-se como os
conflitos foram enfrentados por ambos governos. Por fim, a execução da política externa
brasileira recebeu uma abordagem especial, face à mudança de rota ocorrida durante o
século XIX, que passou de uma “neutralidade paciente para um intervencionismo político-
militar e econômico”, como assinala José Luiz Werneck da Silva, e que culminou com a
ação militar empreendida no Paraguai.
No terceiro capítulo, o envolvimento de Portugal na guerra é o centro da análise.
Preliminarmente, apresentamos uma breve memória da presença lusitana na bacia do Prata,
desde a chegada do primeiro navegante, Juan Díaz de Solís ou João Dias de Solis - em
1516. Depois, o cotejo entre os documentos oficiais e os jornais portugueses serve para
medir o grau da anunciada opção pela neutralidade do governo de D. Luís I. Em seguida,
direcionamos o olhar para o porção lusitana do imenso contingente aliado que empunhou
armas na bacia do Prata, desde os voluntários até aqueles que foram forçados a seguir para
os campos de batalha. O convívio fraterno dos diplomatas de Portugal na Corte com o
governo brasileiro é confrontado com a atuação do ministro português em Montevidéu,
francamente hostil ao Império, observando qual representação diplomática gozava de maior
prestígio em Lisboa. Examinamos também o movimento insurgente contra Solano López,
que contou com os representantes lusitanos em Assunção entre os seus líderes, e a punição
do presidente paraguaio aos conspiradores, rompendo uma relação até então amistosa com
a representação do governo de Lisboa. O capítulo ainda trata da reivindicação do cônsul
português no Paraguai a favor de uma indenização pela ajuda – moral e financeira –
prestada pelos diplomatas fuzilados por Solano López a cidadãos brasileiros que circularam
17
pela capital guarani durante os embates. E verifica se essa pendência afetou o bom trânsito
dos representantes do governo de D. Pedro II em Portugal.
O quarto e último capítulo é canalizado para a produção jornalística nos dois países,
com o objetivo de conhecer o papel da imprensa na execução da política externa brasileira,
alvo final da pesquisa desenvolvida. Ao esquadrinhar as publicações periódicas
portuguesas, que reproduziam o volumoso material impresso no Brasil, poderemos ver se o
jornalismo constituiu-se em eficaz meio de comunicação da diplomacia imperial durante
um episódio desgastante como foi o da longa guerra do Paraguai. Oferecemos informações
sobre a principal fonte dos impressos lusitanos, o Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro,
considerado, no século XIX, “o mais importante do país, expressão da opinião
conservadora”, como salienta Juarez Bahia. Depois, destacamos o mais influente jornal de
Portugal, O Commercio do Porto, sintonizado com a Corte brasileira e que costumava ser
transcrito por muitas outras publicações daquele país. As vozes solitárias da revista satírica
Os Gafanhotos – que foi silenciada por ação da diplomacia brasileira em Lisboa – e do
Braz Tisana – que foi enquadrado numa linha editorial favorável ao Império, depois de um
período em que criticava o Brasil –, ambos da cidade do Porto, ocuparam uma parte
específica, antes do exame do conteúdo da imprensa portuguesa. Do diversificado universo
editorial lusitano da época, observamos 87 títulos, incluindo os jornais e revistas mais
importantes em circulação. Essa leitura permitiu a identificação das imagens recorrentes na
cobertura do grande conflito bélico, divididas em cinco blocos temáticos. As idéias
representadas nas páginas dos jornais de Portugal foram essenciais para comprovar se o
jornalismo foi utilizado para afirmar o discurso oficial brasileiro, transformado em
instrumento da diplomacia visando legitimar as principais decisões governamentais daquele
período histórico. As respostas para essa e as demais hipóteses levantadas é apresentada na
18
conclusão, que procura também sintetizar as reflexões sobre as mais significativas
informações recolhidas ao longo do trabalho.
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1. DIPLOMACIA E IMPRENSA Os novos caminhos percorridos pela história são marcados por crescentes obstáculos de
ordem metodológica. Deparando-se com uma gama de objetos de estudo mais variada e que
a conduz a diferentes e inesperadas direções, a pesquisa do passado adquire,
necessariamente, uma feição multidisciplinar. Descortinam-se horizontes originais e
revelam-se perspectivas estimulantes, inovadoras. Mas o fascínio é acompanhado pela
angustiante constatação de que avultam barreiras no já penoso percurso da busca pelo real
vivido. O espaço agora trilhado reacende uma antiga questão, por vezes relegada a segundo
plano: a limitação do trabalho do historiador. Mais do que nunca, o alcance da investigação
do passado precisa ser relativizado. Buscamos a aproximação com as verdades possíveis,
através das fontes interpretativas da época examinada. Nada mais. Se isso reduz o grau de
pretensão da tarefa, não nos exime da responsabilidade de uma apuração rigorosa e
científica. Objetos movediços como a imprensa, mesmo congelada em determinado período
do tempo, estão exigindo, cada vez mais, um esforço de sistematização, sem prejuízo do
propósito de tentar identificar os atores sociais, políticos e econômicos que os
impulsionam. Principalmente quando convivem, lado a lado, com fontes mais estáticas –
apesar da carga pessoal de quem as legou e de quem as examina -, como os documentos
oficiais das nações, da mesma forma que ocorre no presente trabalho.
Ao assumirmos o relativismo da investigação histórica, somos obrigados a destacar a
característica que se constitui na sua maior limitação: a subjetividade, marca onipresente da
atividade que visa recompor o passado. Percorre as distintas fontes e influencia, em maior
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ou menor grau, o indivíduo que desenvolve a pesquisa. Deve ser levada em conta no exame
do aparentemente frio e burocrático registro governamental, ganha relevo nos testemunhos
escritos e orais, em todos os níveis, e pauta todas as fases do ofício do historiador. No final
.do capítulo III do livro Como se escreve a História, que tem o provocativo título Tudo é
Histórico, logo a história não existe, Paul Veyne enfatiza essa condição inevitável:
“...o que é histórico, o que o não é? Ora é suficiente admitir que tudo é histórico para que essa problemática se torne ao mesmo tempo evidente e inofensiva; sim, a história não é mais do que resposta às nossas interrogações, porque não pode- mos materialmente colocar todas as questões, descrever todo o devir, e porque o progresso do questionário histórico se situa no tempo e é tão lento como o progresso de qualquer outra ciência; sim, a história é subjetiva, porque não se pode negar que a escolha dum assunto dum livro de história seja livre”(1987: 24). A rediscussão do sujeito na história, na passagem de mais um século, no quadro de
desconstrução da modernidade, integrando um debate que inclui temas como o humanismo,
conforme assinala Loiva Otero Félix (1998: 15-16), atinge diretamente o produtor dos
relatos do passado. Em entrevista a Raymond Bellour, Georges Duby chama a atenção para
a importância de se fazer a história dos historiadores:
“Fomos progressivamente descobrindo que a objetividade do conhecimento históri- co é um mito, que toda a história é escrita por um homem e que quando esse homem é um bom historiador põe na sua escrita muito de si próprio. Descobrimos, por um outro lado, que o campo de ação do historiador se desloca ao longo dos tempos, que a função da história na sociedade se transforma e que temos absolutamente de ter em consideração, no trabalho dos historiadores que nos precedem, o meio em que viveram e a sua própria personalidade, para aproveitarmos ao máximo suas contribuições”(apud FÉLIX, 1998: 16).
A opção clara pela recuperação do passado diplomático através da observação
simultânea da correspondência oficial e da imprensa do período investigado, juntamente
com a análise de outros documentos e depoimentos da época, prende-se a uma
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possibilidade metodológica aberta pelos novos caminhos da história, mas que não despreza
um episódio do porte da guerra do Brasil e seus aliados contra o Paraguai. Também é uma
decisão que, inegavelmente, tem caráter pessoal e visa, sobretudo, articular o tempo vivido
com a época que hoje testemunhamos. Como ressalta François Dosse ao sintetizar um dos
aspectos da chamada nova história que interessa, sobremaneira, na definição do rumo
teórico do trabalho aqui proposto:
“É preciso rejeitar essa falsa alternativa entre o relato factual insignificante e a ne- gação do acontecimento. Trata-se de fazer renascer o acontecimento significativo, ligado às estruturas que o tornaram possível, fonte de inovação. [...] Reabilitar o acontecimento é, portanto, indispensável para a construção de uma Nova História. O trabalho histórico passa também pela superação do recorte presente-passado, pela relação orgânica entre os dois a fim de que o conhecimento do passado sirva à me- lhor inteligibilidade de nossa sociedade”(1992: 258-259).
1.1 O DESAFIO TEÓRICO-METODOLÓGICO
A relativamente curta existência da teoria das relações internacionais tem provocado
confusão conceitual entre os estudiosos da área. Como foco das maiores divergências,
desponta a expressão diplomacia, utilizada para designar diferentes visões sobre a ação
externa das nações. O português José Calvet de Magalhães, que se propõe a enfrentar essa
questão em sua obra A Diplomacia Pura, destaca que a ausência de rigor teórico leva os
autores a empregarem, por um lado, o termo diplomacia como sinônimo de política externa,
e, por outro, como forma de designar o instrumento pacífico e genérico da ação no exterior
– isto é, qualquer meio de negociação, distinguindo-se dos instrumentos violentos e, em
particular, das guerras. Das duas significações, a mais generalizada, sem dúvida alguma, é a
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que atribui o conceito de política externa, muitas vezes usada consciente e deliberadamente.
O autor chega a transcrever o texto de “um autorizado professor de política internacional da
Universidade de Wales”, na introdução de um interessante trabalho sobre a diplomacia na
história moderna da Europa, para ilustrar o corrente equívoco conceitual:
“A palavra diplomacia no título deste volume é usada não no seu sentido mais res- trito do trabalho profissional de um diplomata, mas na sua mais vasta referência ao campo da política internacional como na corrente expressão ‘história diplomática’” (apud MAGALHÃES, 1996: 16).
Sem entrar profundamente nas razões da imprecisão do uso do termo diplomacia pelos
historiadores, a obra de Calvet de Magalhães tem o inegável mérito de registrar a dimensão
de um dos problemas conceituais mais freqüentes no exame – histórico ou não – das
relações internacionais. O uso da expressão para designar a política externa dos países é
tão freqüente e abrangente que proporciona casos com o de um estudo organizado pela
Colgate University, dos Estados Unidos, especializada em pesquisas internacionais. O
trabalho, intitulado Peace and War, publicado em 1973, contém um capítulo com um título
que o autor português define como bizarro: Guerra e dissuasão como instrumentos de
diplomacia. “Aqui”, observa Calvet de Magalhães, “a guerra, que é um instrumento da
política externa, tal como a diplomacia, aparece-nos como instrumento da diplomacia, o
que não é muito apropriado como clarificação e delimitação de conceitos”. Outro exemplo
apresentado por ele da falta de rigor na utilização dos termos política externa e diplomacia
é a deturpação da clássica afirmação de Carl Von Clausewitz1 de que a guerra é uma
1 A conhecida frase figura na página 67 do livro De la guerre, publicado por Les Editions de Minuit, em Paris, no ano de 1955.
23
simples continuação da política por outros meios. É uma adulteração que obscurece ainda
mais o verdadeiro sentido da palavra diplomacia:
“...no estudo referido se atribui a Clausewitz na seguinte forma: ‘... a guerra é uma simples continuação da diplomacia por outros meios2...’. Clausewitz não só nun- ca empregou a palavra diplomacia na sua definição de guerra, tantas vezes cita- da, como ao explicar o seu conceito afirma: ‘... a guerra não é apenas um acto po- lítico, mas um verdadeiro instrumento político, uma condução das relações polí- ticas, uma realização destas por outros meios’. O pensamento de Clausewitz é, por conseguinte, bem claro e a substituição da palavra política por diplomacia no seu texto só pode servir para provocar lamentável confusão”(MAGALHÃES, 1996: 17- -18). Outro estudioso do tema, Celestino del Arenal (1990: 56), afirma que, ao lado do direito
internacional e da história diplomática, a diplomacia desempenha, ainda que num plano
mais limitado do ponto de vista acadêmico, o papel de ciência da sociedade internacional.
Nesse sentido, deve ser entendida como ciência das relações entre os Estados: “Sin entrar a
discutir la cuestión de los significados y alcances de la diplomacia, cuestión ya superada3,
el hecho concreto es que en siglo XVIII y, especialmente, en el XIX se desarrolla una
corriente que considera la diplomacia como ciencia”, observa ele. Mesmo que a visão
incorra na imprecisão conceitual apontada por Calvet de Magalhães, oferece elementos
essenciais para a compreensão do avanço da atividade diplomática. Arenal recorda que o
desenvolvimento da diplomacia, tal qual nos casos da história diplomática e do direito
2 José Calvet de Magalhães afirma que a citação errada foi extraída da obra Politics among Nations: The Strugglc for Power and Peace(New York: Alfred A. Knoff, 1978), de Hans J. Morgenthau, que contribuiu para divulgar a versão modificada da frase. Nesse trabalho considerado um clássico, o autor, um dos patriarcas americanos da teoria da política internacional, refere-se à diplomacia como se ela se identificasse com a política externa quando esta pretende assegurar a paz entre as nações através da “acomodação” dos seus respectivos interesses. Morgenthau também esclarece em nota à página 146 do mesmo livro que “pelo termo diplomacia, empregado nas páginas seguintes, referimo-nos à formação e execução da política externa em todos os níveis...”. 3 Celestino del Arenal, na obra Introducción a las relaciones internacionales, remete as questões conceituais para dois autores: VILARIÑO, Eduardo (En torno al concepto de diplomacia, no Anuario Hispano-Luso-
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internacional, está assentado na configuração do sistema europeu de Estados, que exige
uma institucionalização das relações entre os países, com o objetivo de preservar a
existência dos aparelhos estatais. Surge, assim, na base da consolidação das embaixadas
permanentes e de um conjunto de profissionais, o corpo diplomático, que se encarrega das
relações intergovernamentais, e que em alguns aspectos supõe uma superação do
individualismo que caracteriza o mundo exterior dos Estados4.
De acordo com Arenal, a literatura diplomática não é mais o manual do “perfeito
diplomata”, mas se estende a considerações normativas mais gerais que baseiam a
existência de certos interesses comuns entre os Estados, objetivando ordenar as relações
intergovernamentais e elevar a negociação e o entendimento à categoria de princípios. Isso
explica, em boa parte, as características das obras que registram o progresso da diplomacia:
“En este sentido, el desarrollo de la diplomacia y del derecho diplomático va inti- mamente unido al del derecho internacional y al de la historia de los tratados, pri- mero, y de la historia diplomática, después. La proliferación de obras históricas de esta naturaleza y de colecciones de tratados, así como el éxito que conocen las obras de derecho internacional, serán reflejo en gran medida de las necesidades que exige la diplomacia en pleno desarrollo”(ARENAL, 1990: 57).
A partir da segunda metade do século XVII, a diplomacia adquire progressivamente
autonomia dentro da administração dos Estados, tendendo a organizar-se em ministérios
exclusivos. Ao mesmo tempo, os ocupantes dos cargos começam a ser considerados como
integrantes de uma profissão que exige conhecimentos especializados. São circunstâncias
que vão formar a consciência de um corps diplomatique, expressão cunhada por Antoine
americano de Derecho Internacional, vol. 5, 1979) e BULL, Hedley (The Anarchical Society. A Study of Order in World Politics, The Macmillan Press, Londres, 1977). 4 O autor assinala, porém, que o começo da diplomacia como instituição não pode ser atribuído exclusivamente ao Renascimento europeu, nem sequer às culturas do Mediterrâneo e do Oriente na
25
Pequet5 em 1737 ao “descrever perfeitamente” o fenômeno, segundo Arenal. Uma idéia que
se consolidará mesmo diante de importantes mudanças políticas, como a Revolução
Francesa. Ainda que a queda do Antigo Regime implique na introdução de novos critérios e
valores nas relações internacionais, não significa a decadência do sistema diplomático em
formação. Ao contrário. Como conseqüência do desenvolvimento e institucionalização que
as relações internacionais alcançam a partir do Congresso de Viena, realizado entre
setembro de 1814 e junho de 1815, o papel da diplomacia é reforçado, sobretudo do ponto
de vista político. No século XIX, apresenta-se como uma ciência com metas mais amplas e
ambiciosas que as da história diplomática e do direito internacional, pois trata de
compreender e orientar globalmente as relações internacionais. Mas não poderá ir muito
longe, face a sua limitação funcional, incapaz de superar o paradigma do Estado. Portanto,
como sublinha Arenal (1990: 58), a diplomacia não pode considerar-se uma autêntica
ciência da sociedade internacional.
Se não precisamos discorrer sobre as quatro principais definições de diplomacia – as
que a identificam a com política externa, as que a consideram um instrumento ou técnica da
política externa, as que a vêem como negociação internacional ou as que a descrevem como
a atividade exercida pelos diplomatas -, torna-se fundamental para o desenvolvimento do
presente trabalho elucidar o conceito que será empregado ao longo do texto. Excluindo a
corrente que identifica a expressão com política externa, pela clara inadequação exposta
nos parágrafos anteriores, não há dúvida de que as outras três enunciações contribuem para
aclarar a significação do termo. A diplomacia é, ao mesmo tempo, um instrumento de
política externa – entre outros -, a negociação entre dois governos e a atividade exercida
antigüidade, e que sua origem precisa ser melhor examinada, reportando-se ao livro The Beginnings of Diplomacy, de Ragnar Numelin (Nova York, 1950).
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pelos representantes externos dos países. São elementos essenciais na formação do
conceito, mas que não podem dispensar outro, o reconhecimento mútuo dos diplomatas,
como sublinha Calvet de Magalhães. Na investigação que propomos, datada entre os anos
1864 e 1870, esse aspecto adquire relevância e, portanto, as palavras do autor português
devem ser destacadas:
“Um Estado que pretende executar uma política de aproximação com outro Estado envia a esse Estado um seu representante com o mandato de fomentar as boas rela- ções entre ambos os Estados. Mas se esse enviado não for reconhecido pelo Estado junto do qual pretende actuar, como um legítimo representante do Estado que o en- via, não poderá certamente desempenhar-se da sua missão, não se estabelecendo aquele contacto oficial indispensável para que se inicie o diálogo entre ambos os Es- tados. O reconhecimento da representatividade dos intermediários é, por conseguin- te, um elemento essencial da instituição diplomática e não apenas uma simples for- malidade. Da mesma forma a inviolabilidade destes intermediários devidamente a- creditados não consiste um privilégio, como por vezes erradamente se afirma, mas sim uma característica essencial que decorre da própria natureza da instituição di- plomática, pois sem essa inviolabilidade, que é recíproca, a própria instituição não poderia existir. Não admira pois que César afirme com tanto vigor que a inviolabili- dade dos embaixadores é qualquer coisa de sagrado e reconhecido como tal por to- dos os povos civilizados6”(1996: 89). A definição que nos interessa é exatamente a proposta por Calvet de Magalhães e que
ele denomina de diplomacia pura. Um conceito, aliás, muito claro: é um instrumento da
política externa que objetiva o estabelecimento e desenvolvimento de contatos pacíficos
entre os governos de diferentes Estados, através de intermediários – os agentes
diplomáticos -, mutuamente reconhecidos pelas respectivas partes. E que, segundo seu
formulador, implica na idéia de um diplomata puro, isto é, um agente da administração
que atua exclusivamente como instrumento de uma determinada política externa. Ele pode
5 PEQUET, Antoine. Discours sur l’Art de Negocier. Paris: [s.n.], 1737.
27
exercer funções políticas, como conselheiro do Estado, “mas não deverá de forma alguma
provocar qualquer desvio de interpretação do conceito de diplomacia pura, que deve ser
entendido como uma categoria autônoma e o único fundamento válido para a construção de
uma teoria científica da diplomacia”. Quer dizer, o agente diplomático contribui para a
afirmação da política externa, mas não é a materialização plena dela. Até porque, como
fazemos questão de acrescentar à observação de Magalhães, nem sempre o representante
está completamente afinado com a direção estabelecida pelo seu governo e pode agir, se
não de forma diametralmente oposta, o que implicaria na sua punição, pelo menos com
menor entusiasmo na execução de muitas medidas administrativas.
O período examinado – década da segunda metade do século XIX – dá seqüência à
aproximação das relações internacionais e a história, iniciada nos setecentos, e confere à
questão conceitual maior importância. É uma época em que a instituição diplomática já está
consagrada e regida por princípios universais. No século XIX também ampliam-se as
concepções gerais da história, baseadas no estudo da evolução do sistema europeu de
Estados7. Se na centúria anterior o exame das relações entre os países configurava-se à
sombra do relato dos tratados, nesse período modifica-se, progressivamente, de uma
6 A frase de César foi publicada na página 80 da obra Bellum Gallicam(Paris: Les Belles Lettres, 1972): “...Legatos, quod nomen ad omnes nationes sanctum inviolatumque semper fuisset, retentos ab se et in vincula coniectos...” 7 De fato, o próprio conceito de relações internacionais não deixa de ser historicamente determinado, sem dúvida, mais vinculado ao moderno sistema de Estados nacionais, como salienta Paulo Roberto de Almeida (1998: 25-26). Essa noção torna-se de difícil apreensão nas fases anteriores à estruturação dos atores institucionais do jogo diplomático, caracterizada pelo Estado-nação soberano e independente, capaz de relacionar-se em condições de aparente igualdade com os seus pares no sistema internacional. Não por acaso, ao periodizar o estudo sociológico das relações internacionais, na obra Types of International Society (Nova York/Londres: The Free Press: 1976), Evan Luard define o espaço de tempo entre 1789 e 1914 como “A Idade do Nacionalismo”. Sua análise está centrada na sociedade de Estados, pois entende que, na prática, as relações internacionais são principalmente levadas a cabo pelos Estados e que as interações entre indivíduos e grupos estão normalmente mediatizadas pelos Estados a que pertencem. Sem endossar a base do estudo de Luard, é forçoso reconhecer que no século XIX essa influência era mais significativa. As sociedades internacionais examinadas por ele foram divididas da seguinte forma: O Sistema Multiestatal da Antiga China (771-221 a.C.) ; As Cidades-Estados Gregas (510-338 a.C.); A Idade das Dinastias (1300-1559); A Idade das
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historiografia jurídico-internacional para uma historiografia da ação diplomática. De fato, o
século XIX é o século da história diplomática, como salienta Celestino del Arenal (1990:
49). Mas é uma produção centrada exclusivamente nas relações entre os Estados,
desconsiderando outros aspectos e atores das relações internacionais. Além de sua evidente
limitação, também incorre na imprecisão do uso da expressão diplomática, como vimos
anteriormente. Pierre Renouvin e Jean-Baptiste Duroselle admitem que a ação dos Estados
se acha no centro das relações internacionais, mas entendem que o historiador deve ir além.
Eles dimensionam, com propriedade, o desafio que representa a recuperação do verdadeiro
sentido do movimento diplomático. Bastaria apenas incluir uma curta frase – através da
ação dos representantes diplomáticos – logo após a afirmação “...a história diplomática
estuda as iniciativas ou os gestos dos governos” para que não houvesse nenhuma dúvida
conceitual. Os dois autores sintetizam, com esmero, o tamanho da tarefa:
“Dentro deste gênero de relações (internacionais), a história diplomática estuda as iniciativas ou os gestos dos governos, suas decisões e, na medida em que pode fazê- lo, suas intenções. Trata-se de um estudo indispensável, mas que não basta – longe disso – para suscitar os elementos de explicação. Para compreender a ação di- plomática é preciso procurar penetrar as influências que lhe orientam o curso. As condições geográficas, os movimentos demográficos, os interesses econômicos e fi- nanceiros, os traços da mentalidade coletiva, as grandes correntes sentimentais, es- sas as forças profundas (grifo nosso) que formaram o quadro das relações entre os grupos humanos e, em grande parte, lhe determinaram o caráter”(RENOUVIN & DUROSELLE, 1967: 5-6). Religiões (1559-1648); A Idade da Soberania (1648-1789); A Idade do Nacionalismo (1789-1914); e A Idade da Ideologia (1914-1974).
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1.2 OS DOCUMENTOS OFICIAIS NA RECONSTITUIÇÃO DO PASSADO Ao procurarmos identificar o papel da diplomacia na afirmação dos interesses políticos
e econômicos que movem os governos – neste caso, sobretudo do Brasil e de Portugal -, as
fontes primárias são redutos de visitação obrigatória. Mas não devem ser vistas como
repositórios da verdade. Como sinaliza Jacques Le Goff (1984: 102-103), o dever
primordial do historiador é a crítica ao caráter de monumento dos documentos,
examinando-os como resultado das relações entre as forças que exerciam o poder, em
determinada sociedade, na época em que foram produzidos. Seguindo a mesma linha de
raciocínio, o pesquisador brasileiro André Toral (1997, Vol. I: V) observa, com razão, que
todo documento é uma interpretação daquilo que ocorreu e, portanto, tem limitações que
devem ser consideradas:
“Os acontecimentos são registrados por uma série de documentos. Através deles, produz-se conhecimento em história. Mas os acontecimentos são sempre captados a partir de um determinado ponto de vista, de maneira unilateral e incompleta. Mes- mo quando se oferecem de forma abundante, não se pode nunca perder de vista sua subjetividade, implícita no seu registro a partir de um dado lugar. Ainda que o histo- riador em pessoa pudesse se transportar para o tempo e o local onde se deram os fa- tos que estuda, não poderia ter senão uma visão particular. Seu registro daqueles momentos tem o mesmo valor e se soma àqueles produzidos por outras pessoas que também participaram da História. Nenhum desses documentos, visões parciais, pode refletir todas as faces de um acontecimento”(1997, Vol. I: V). Os cuidados exigidos de quem examina os documentos são, portanto, bem apreciáveis.
Um detalhe pode oferecer pistas de uma informação significativa. A forma de construção
da frase pode representar um vestígio relevante a ser perseguido. Também deve haver
preocupação com o valor semântico das palavras, sabidamente sujeito a variações no
30
decurso dos anos. Marc Bloch, na sua conhecida obra Introdução à História, refere, com
ênfase, alguns aspectos que precisam ser ponderados:
“Numa palavra, o vocabulário dos documentos não passa, à sua maneira, de um tes- temunho. Preciosíssimo, evidentemente, mas imperfeito, como todos os testemu- nhos; portanto, sujeito à crítica. Cada termo importante, cada talhe característico de estilo, se torna num verdadeiro elemento do conhecimento – mas somente quando confrontado com o seu ambiente; restituído ao uso da época, do meio ou do autor; defendido sobretudo, se durou muito, do perigo sempre presente do contra-senso por anacronismo”(1974: 145). No caso específico do passado diplomático, permeado por textos com evidente teor
político, apresentam-se dificuldades de outra ordem. Nem sempre as frases expressavam a
real intenção do autor ou mesmo do governo que ele representava. O jogo de cena que
marca o exercício do poder reflete-se, também, nos documentos oficiais e constitui-se em
mais um embaraço na tarefa de apreciá-los. Igualmente, não se pode descartar algum
recado do representante diplomático às autoridades do país onde atua – e com quem pode
ter uma relação privilegiada – nas entrelinhas. Ao comentar os escritos dos políticos do
século XIX, muitos deles conscientes de que produziam história, Miguel Ángel Scenna
adiciona outro fator a ser olhado com atenção na análise dos documentos oficiais:
“Pero debe tenerse en cuenta que en el siglo pasado los políticos sabían que escri- bían para la posteridad, de modo que no siempre lo que dicen las cartas expresa su real pensamiento o justifica su acción en el tembladeral de la política diaria”(1976: 367). Toda a carga de subjetividade que o trabalho do historiador encerra, como vimos
anteriormente, não o desobriga de perseguir o objetivo maior da pesquisa, a reconstituição
de fatos do passado, através do número mais amplo possível de depoimentos e
interpretações que puder obter. André Toral reconhece que, de uma maneira ou outra, o
31
subjetivismo do investigador, que se traduz numa postura ativa no trato com os
documentos, entra como critério para a seleção, “arrumação”, e posterior interpretação dos
documentos. Entretanto, insiste que o historiador deve lutar para alcançar o “objetivo ideal”
de produzir a reconstrução do passado mais próxima da realidade, mediante uma extensa e
variada coleta, articulada teórico-metodologicamente. Pois, como já alertara Edward
Thompson, o método de investigação deve problematizar o objeto e testar hipóteses: “O
discurso histórico disciplinado da prova consiste num diálogo entre conceito e evidência,
um diálogo conduzido por hipóteses sucessivas, de um lado, e a pesquisa empírica, do
outro”(1981: 49).
A amplitude do cerco ao documento, visando a compreensão de seu significado em
determinado ambiente histórico, inclui o exame dos fatores que impulsionam a sociedade
na época observada, sejam sociais, políticos ou econômicos. Celestino del Arenal (1990:
51) constata que as novas tendências da investigação histórica, que têm acentuado o estudo
da vida material ou espiritual das sociedades, sugerem, no domínio das relações
internacionais, uma orientação totalmente distinta daquela presa aos documentos oficiais.
Nessa perspectiva, as relações entre os governos não são mais o aspecto mais interessante,
mas o que importa agora, como ele assinala, citando Pierre Renouvin, é “a história das
relações internacionais entre os povos”. Jean-Baptiste Duroselle aponta o vasto universo a
ser investigado:
“El documento guarda, ciertamente, todo su valor. Pero explicar la diplomacia por la diplomacia supone dar vueltas sobre un mismo punto. Es necesario buscar las explicaciones del acontecimiento en todas las direcciones posibles, y especialmen- te del lado de las fuerzas profundas8”(apud ARENAL, 1990: 51). 8 Uma idéia clara do que significa a expressão forças profundas para Jean-Baptiste Duroselle, e também para Pierre Renouvin, desenvolvida pelos dois autores na volumosa obra Introdução à história das relações internacionais, lançada em Paris entre os anos 1953 e 1958, figura na citação que fecha a primeira parte do
32
A limitação dos textos oficiais, realçada nos parágrafos anteriores, não deve ser vista
como impedimento à tarefa de reconstituição do passado, mas, sim, como estímulo ao
trabalho do pesquisador. Marc Bloch já comparou o documento à testemunha, dizendo que
ele também fala quando é inquirido. Tem razão. Deixar de sacralizar o escrito
governamental autêntico não é um ato depreciativo, mas sim de valorização dessa
fundamental fonte histórica. Sua presença no arquivo público obtém grande relevo desde
que o seu teor possa ser confrontado com outros depoimentos, permitindo a verificação das
informações que transmite e a posterior análise dos fatos arrolados, através do exame mais
abrangente possível. Desta forma, o documento desperta da letárgica condição de frio
inventário oficial para tornar-se registro vivo do passado, articulado com outras fontes,
igualmente valiosas, como é o caso da imprensa, também privilegiada no presente trabalho.
Uma transformação marcada, necessariamente, pela subjetividade que pauta a investigação
histórica, como vimos anteriormente, e que também não deve ser olhada como obstáculo à
recuperação do tempo vivido. A consciência de que a posição do historiador, por mais
científica e elevada que seja, será sempre, em última análise, um ponto de vista, como já
destacou Adam Schaff (1974: 272), deve produzir uma inquietação positiva - instigante e
movedora – na busca das verdades alcançáveis. É um caminho que parte do plano
individual no rumo de uma visão globalizadora:
“Hoje, sabemos que o fator subjetivo no conhecimento do historiador não é redutí- vel apenas à intervenção de fins extracientíficos: é inerente ao próprio conhecimen- to científico, às suas múltiplas determinações sociais. O verdadeiro problema, o pro- blema mais interessante, pelo menos, consiste precisamente em estudar as condi- ções e os meios que permitem ultrapassar esta forma da subjetividade; ultrapas- sagem que só pode ser um processo. [...] A solução consiste pois em passar do co- nhecimento individual ao conhecimento considerado como um processo social. O presente capítulo. Na verdade, esse conceito hoje considerado clássico na teoria das relações internacionais foi introduzido pelo historiador francês Renouvin a partir dos anos 30 do século XX.
33
conhecimento individual é sempre limitado e agravado pela influência do fator sub- jetivo; verdade parcial, só pode ser relativa. Em contrapartida, o conhecimento con- siderado à escala da humanidade, concebido como um movimento infinito consis- tindo em ultrapassar os limites das verdades relativas pela formulação de verdades mais completas, mais cheias, é um processo tendendo para o conhecimento integral. [...] Assim, é possível superar a ação deformante do fator subjetivo no e pelo processo social do progresso da ciência, na e pela acumulação de verdades parciais” (SCHAFF, 1974: 274-275). 1.3 A FORÇA DA IMPRENSA A PARTIR DO SÉCULO XIX A tentativa de identificação dos interesses que movem os textos oficiais, na época
observada no presente trabalho, passa, necessariamente, pela análise dos conteúdos
veiculados pelas publicações periódicas. Favorecidos pela conjugação de uma série de
fatores históricos, os jornais revelam-se, ao longo do século XIX, um poderoso instrumento
de mobilização da opinião pública – que já era vista como uma expressão social que todo o
governante deveria considerar antes e depois de qualquer decisão relevante. Se na centúria
anterior, impelida sobretudo pelas idéias iluministas, a imprensa começa a afirmar-se como
espaço para a manifestação do pensamento9, a partir dos oitocentos obtém as condições
técnicas que permitem sua acelerada expansão. Em 1803, surge a primeira máquina
contínua para a fabricação do papel a partir da pasta de madeira. Onze anos depois, a
impressora mecânica concebida pelo alemão Koenig é utilizada pelo jornal britânico Times.
Os processos de reprodução gráfica também melhoram com o avanço da litografia,
9 O primeiro diário francês, Le Journal de Paris, que começou a circular em 1777, é um exemplo clássico da imprensa periódica no século XVIII: jornalismo oficioso ou mesmo oficial, controlado por uma rígida censura do Estado. As publicações que são fruto dos movimentos a favor da liberdade de expressão, antes que esse conceito adquirisse força a partir de 1776, no Estados Unidos, e de 1789, na França, entre outros
34
descoberta em 1797 pelo bávaro Aloïs Senefelder. E, em 1839, a criação do daguerreótipo
permite a impressão da imagem em metal, abrindo o caminho para a fotogravura. Além da
evolução nos meios de impressão, o jornalismo passa contar com um revolucionário
sistema de transmissão de dados: o telégrafo elétrico10. Em conseqüência disso, nascem as
grandes agências noticiosas - a Havas, na França, a Reuters, na Inglaterra, a Wolff, na
Alemanha, e a Associated Press, nos Estados Unidos, lançadas entre 1830 e 1870 -, que
passam a difundir informações, de forma centralizada, para pontos remotos do planeta.
A conjuntura favorável conduz o jornalismo à fase industrial, projetando-se, nos países
ocidentais, como força hegemônica na divulgação de informes sobre fatos e de idéias e
opiniões. A partir de 1850, esse processo intensifica-se e, depois do “surto”, a imprensa
caminha para seu “apogeu”, como assinala o professor francês Terrou (1964: 30-49). É uma
conquista assentada na doutrina liberal, que consagra a liberdade de publicação e a
liberdade de empresa, ainda que sua concepção tenha enfrentado períodos difíceis antes de
vencer as mais fortes resistências, como aconteceu na França11. “Todas as constituições
liberais do século XIX dão lugar à liberdade de imprensa concebida conforme os princípios
inscritos nas declarações do fim do século XVIII e muitas vezes expressos em termos que
vamos encontrar a escola fiel às fórmulas do artigo 11 da Declaração dos Direitos de
países, ainda não tem periodicidade definida. Veiculam opiniões vigorosas, com maior ou menor intensidade, mas são, em sua ampla maioria, folhetos opinativos ou panfletos políticos. 10 No século anterior, em 1739, o telégrafo ótico de Chappe ficou restrito aos comunicados oficiais e somente indiretamente a imprensa se beneficiou dele. A difusão rápida de notícias iniciou com o telégrafo elétrico, criado por Morse, nos Estados Unidos, em 1837, por Gauss, na Alemanha, em 1838, Weatstone, na Inglaterra, em 1839, e Foy e Breguet, na França, em 1845. Fernand Terrou (1964: 30-31) cita Stefan Zweig para enfatizar a importância do invento: “Este ano de 1837 em que, pela primeira vez, o telégrafo transmite simultaneamente através do mundo a notícia dos menores acontecimentos, raramente é mencionada nos manuais de história. No entanto, do ponto de vista dos efeitos psicológicos provocados pela subversão da noção do tempo, nenhuma data da história contemporânea lhe pode ser comparada”. 11 Fernand Terrou (1964: 39-40) relembra que, na França, a luta foi árdua e longa, marcada por uma série extraordinária de revoluções e de mudanças constitucionais. Mas o controle da imprensa foi sendo gradualmente reduzido: “Durante o chamado período liberal do Império, o torniquete foi se afrouxando pouco
35
178912”, sublinha ele. Na Inglaterra, a abolição dos últimos obstáculos restritivos à
atividade - os impostos especiais de publicidade, que terminou em 1853; o do selo, em
1855; e o do papel, em 1863 – explicam boa parte do crescimento da imprensa e do
aumento do seu poder, que se estendeu ao continente europeu. “O país é governado pelo
Times”, podia-se escrever em 1855, segundo Terrou, face à influência exercida pelo jornal,
que experimentou saltos crescentes na sua tiragem13.
Na verdade, o Times já exercia grande influência na opinião pública desde 1840,
quando, sem adversários, era considerado o primeiro diário britânico. Sua origem data do
século anterior, mais precisamente em 1785, no momento em que John Walter, farto de
negociar carvões e seguros, decide criar um jornal que fosse acessível a qualquer classe
social. Nasce o Daily Universal Register que, três anos depois, trocaria o nome para Times.
A partir daí, paulatinamente, torna-se uma publicação com espaço próprio e razoável
independência do governo – quase uma exceção na época, mesmo na Europa. Seus menores
artigos, como recorda Cimorra (1946: 22) preocupam os ministros e a soberana. Uma
campanha encetada contra a rainha Vitória pelo casamento de sua filha com um príncipe
prussiano somente é aplacada depois da intervenção do premier, Lord Henry Palmerston.
a pouco até a supressão do sistema de advertências, pela lei de 11 de maio de 1868. A liberdade de imprensa provocou amplos debates no parlamento.” 12 O artigo 11 da Declaração de 1789 afirma o princípio da liberdade de expressão e de imprensa: “A liberdade de comunicação dos pensamentos e das opiniões é um dos direitos mais preciosos do homem; portanto, todo homem pode falar, escrever, imprimir livremente, devendo responder pelo abuso a essa liberdade nos casos determinados pela lei”. 13 Em 1829, na Inglaterra, todos os 17 diários juntos alcançavam uma tiragem de 44.000 exemplares, dos quais 10.000 eram do Times. Em 1856, o maior jornal inglês já imprimia 60.000 exemplares. A redução do preço para 1 penny, adotada pelo Daily Telegraph, em 1861, marca o início da imprensa popular no país. A tiragem desse jornal, que era de 30.000 em 1858, pula para 142.000 em 1861 e atinge 300.000 exemplares em 1880. Na França, a revolução de 1848, libertou temporariamente o jornalismo e ensejou a criação de numerosas publicações, a maior parte exibindo artigos políticos produzidos por grandes escritores da época. Já no Segundo Império, as agressões aos direitos individuais foram acompanhadas pelo desenvolvimento econômico. Isso permitiu a criação do Le Figaro, em 1854, direcionado à classe mais abastada e que fez sucesso graças à publicidade e a circulação intensa, inclusive à domicílio, e do Le Petit Journal, em 1863, visando um público mais amplo. Este jornal, lançado pelo preço de 1 sou, passou, em dois anos, de 83.000
36
Na guerra da Criméia, nos anos 50 do século XIX, o jornal se populariza graças as
denúncias sobre o deficiente armamento do exército. Suas posições, então, passam a pautar
boa parte das decisões do gabinete. Organizado sob sólidas bases comerciais e controlado
por um conjunto de acionistas ingleses, o Times investiu em reportagem, através de uma
rede de correspondentes e de enviados especiais, alguns deles considerados, muitas vezes,
melhor informados que os próprios agentes diplomáticos dos governos europeus.
A ampla cobertura internacional afirma a influência do matutino londrino fora da Grã-
Bretanha, definindo, em muitos casos, os grandes temas das publicações. Os interesses
econômicos ingleses conferem à guerra que o Brasil, juntamente com a Argentina e o
Uruguai, empreendeu contra o Paraguai notável destaque, dentre outros assuntos
internacionais. Juan Carlos Herken Krauer e Maria Isabel Gimenez de Herken, que
analisaram o tratamento dispensado pelo Times ao conflito na obra Gran Bretaña y la
guerra de la Triple Alianza, enfatizam o “valor muito especial” do espaço concedido pelo
jornal. Se era previsível que a guerra merecesse a atenção do jornal, face a importância que
a região teve para a Inglaterra ao longo dos oitocentos, não deixa de ser significativo o
acompanhamento do episódio, ao lado de outros eventos políticos e militares de grande
porte registrados, naquele período, em várias regiões do mundo. Oito deles foram retratados
com muita freqüência: a guerra da Secessão, nos Estados Unidos (1861-1865); a
intervenção francesa no México em apoio ao imperador Maximiliano, seguido do conflito
França-Estados Unidos (1864-1867); a ação das frotas inglesa, francesa e dinamarquesa no
Japão, visando proteger seus respectivos interesses comerciais (1864); os conflitos militares
envolvendo Prússia, Áustria, Dinamarca, Itália e os demais Estados alemães, nos marcos
para 260.000 exemplares. Nos Estados Unidos, o período compreendido entre 1840 e 1890 registra o surgimento da maioria dos grandes jornais. O New York Times, por exemplo, foi fundado em 1851.
37
das lutas pela formação de um estado nacional alemão (1862-1867); a expedição britânica à
Etiópia para libertar cidadãos britânicos (1868); a revolução liberal contra a rainha Isabel II
na Espanha (1868); a abertura do Canal de Suez (1869); e a guerra franco-prussiana (1870-
1871).
Como na ampla maioria dos temas abordados, prevaleciam, nos textos sobre a guerra do
Paraguai, os interesses econômicos, notadamente os comerciais. As fontes utilizadas na
cobertura eram quase todas impressas: jornais da colônia britânica na América Latina,
como o Buenos Ayres Standard e o Anglo-Brazilian Times; publicações dos quatro países
envolvidos no conflito; informações ou comentários considerados relevantes de outros
jornais europeus, principalmente da França, Portugal e Estados Unidos; comunicações
oficiais das legações estrangeiras em Londres e Paris; documentos divulgados pelo Foreign
Office ao parlamento britânico com informações das representações diplomáticas no
continente sul-americano e depoimentos de pessoas ligadas ao Ministério de Relações
Exteriores. Esporadicamente, foram utilizados correspondentes internacionais e, em curto
período, um deles parece ter se dedicado exclusivamente à guerra. A transcrição dos jornais
privilegiava relatos militares oficiais, acompanhados, por vezes, de informações de caráter
econômico. A posição do Times, externada nos editoriais, mostrou-se “anti-paraguaia”, nos
primeiros anos, e depois oscilou em pró e contra o país guarani, revelando-se, em
determinados momentos, desesperadamente a favor de Francisco Solano López. Uma
vacilação que Krauer e Herken (1982: 85) atribuem ao alto custo da guerra e a repercussão
que provocava nos interesses comerciais britânicos na região14.
14 Não há dúvida, porém, que o mercado financeiro londrino, hegemônico no século XIX, era o grande beneficiário do conflito. Alguns setores comerciais, não necessariamente alinhados com os banqueiros ingleses, teriam sido atingidos pela longa duração da guerra.
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Os autores estimam que as notícias da guerra tardavam em chegar a Londres, para
serem publicadas, aproximadamente dois meses. O telégrafo elétrico, que agilizava a
circulação de informações na Europa, ainda não cruzava o mar até à América do Sul15 e sua
utilidade ficava restrita a alguns pontos existentes no velho continente, reduzindo um pouco
a média de tempo referida por Krauer e Herken. O material oriundo da bacia do Prata
chegava normalmente pelo correio marítimo, através de embarcações que aportavam em
Southampton e outras cidades inglesas, e depois era retransmitido, telegraficamente, para
Londres. Uma forma de acelerar ainda mais a difusão das informações era usar o serviço
da agência Reuters16, que transmitia quase instantaneamente desde Lisboa – tida como
ponto capital de recepção de notícias do Brasil. Lá, num interstício quinzenal, chegava o
aguardado paquete transatlântico que vinha da América do Sul, numa viagem que
demorava entre 20 e 30 dias17. Entre as capitais européias, o telégrafo funcionava bem,
15 Nos Estados Unidos, o avanço do telégrafo deve-se à imprensa, que ajudou a financiar a primeira linha, em 1844, entre Washington e Baltimore, e pressionou o Congresso para que aprovasse verbas para a rápida extensão do sistema. Com a criação da Associated Press, em 1848, os jornais tornaram-se os principais usuários do serviço. Em conseqüência, o primeiro cabo submarino ligando a Europa aos Estados Unidos não demorou muito e data de 1866. Antes disso, em 1864, representantes do Brasil, da França e de Portugal, celebraram, em Paris, um tratado para a execução de uma linha telegráfica entre a Europa e a América do Sul, mas que enfrentou muitos percalços nessa década. Ainda em 1870, em 11 de setembro, editorial do Commercio do Porto intitulado “Comunicação telegráfica de Portugal com o Brasil” justificava a resistência lusitana ao projeto, argumentando que as melhores condições técnicas para a implantação do cabo elétrico transatlântico exigiam que partisse do rio Tejo, em Lisboa, e não de Gibraltar, “como insistem correspondências remetidas de Londres para o Rio de Janeiro”. 16 O aparecimento das grandes agências, no século XIX, antecipava um dos maiores problemas do jornalismo contemporâneo: o direcionamento da cobertura mundial, a partir do modo centralizado de distribuição das notícias, e a dependência de quem precisa do serviço. Tudo começou com o telégrafo elétrico. Atônito com as informações desencontradas que recebia dos conflitos bélicos na Europa, o redator do jornal português Boletim do Clero e do Professorado, editado em Lisboa, desabafava em 7 de julho de 1866: “O telégrafo, com a sua extrema rapidez, confunde em vez de elucidar. Se de um lado nos diz venceram os austríacos, de outro mostra-nos que as armas dos prussianos não foram inferiores em tática e em valor. E não pode deixar de ser assim, o telégrafo serve a mais de um senhor, por isso contenta a cada um deles”. 17 Na edição n° 259, de O Commercio do Porto, de 12 de novembro de 1865, o redator de uma nota introdutória à cobertura sobre o Brasil registra, entusiasmado, a rapidez da viagem do paquete Navarre: “Chegou três dias mais cedo do que se esperava. Parece-nos que desde que se acha estabelecida a carreira dos paquetes para o Brasil é esta uma das viagens mais rápidas que se tem feito. Foi de 17 dias”.
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mas dentro de alguns países, como Portugal, ainda era um serviço que deixava a desejar18.
Era freqüente a queixa dos redatores dos jornais do Porto pela interrupção da transmissão,
prejudicando o trabalho dos correspondentes na capital portuguesa. Mesmo assim, o jornal
mais importante do país, O Commercio do Porto, conseguia antecipar as notícias trazidas
pelo paquete do Brasil através das mensagens enviadas, pelo telégrafo, desde Lisboa. Um
ou dois dias depois, complementava as informações com a correspondência chegada do Rio
de Janeiro.
Na década de 60 do século XIX, a imprensa sul-americana ainda não podia usufruir das
maiores vantagens do invento, em razão da inexistência de um cabo submarino desde a
Europa. Mas não escapava do rumo industrial trilhado pelos jornais do velho continente.
Os impressos noticiosos se expandiam, com vigor, em quase todos os países, como na
Argentina, onde despontava o La Nación Argentina. Havia, contudo, uma diferença gritante
dos grandes jornais da França e, sobretudo, da Inglaterra. Estavam vinculados diretamente
ao governo19. O diário portenho pertencia ao general Bartolomeu Mitre, presidente da
Confederação, que fazia questão de publicar artigos e comentários de seu interesse. No caso
brasileiro, a abordagem das publicações periódicas assume um caráter mais proeminente,
em razão das características especiais dessa transformação, consoante ao tradicional enlace
entre o jornalismo e o poder político e econômico, ressalvadas as exceções dissonantes de
cada período histórico. Sintomaticamente, o primeiro jornal editado no país, a Gazeta do
18 No Brasil, o telégrafo elétrico ainda era uma novidade. A primeira linha, inaugurada em 1862, ligava o palácio residencial do Imperador ao quartel da polícia. Na América Latina, também. Somente em 29 de novembro de 1866, seria inaugurado o telégrafo subfluvial entre os portos de Buenos Aires e Montevidéu. O Commercio do Porto saudaria, na capa, em 18 de janeiro de 1867, o novo serviço: “As duas Repúblicas do Prata, apesar da guerra, colaboram distintamente na grande e interminável obra da civilização”. 19 Evidentemente que na Europa, em maior ou menor grau, o poder político também se interessava – e muito – pelo jornalismo. Bismarck, por exemplo, inspirou a fundação, em 1847, do Neue Preussische Zeitung e era um de seus colaboradores. Em Portugal, a maioria dos jornais contava com a aprovação - e em alguns casos o apoio explícito - do rei D. Luís I e de seu pai, D. Fernando II.
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Rio de Janeiro, nasce graças à instalação da Imprensa Régia, em 1808, depois da chegada
de D. João VI20. Ao recordar o fato de que as três grandes transições ocorridas no Brasil
foram pacíficas – bases da autonomia lançadas pela metrópole, passagem da colônia para a
independência e mudança do sistema monárquico para o republicano -, ao contrário do que
aconteceu nas demais nações latino-americanas, Juarez Bahia (1990, Vol. I: 22) faz questão
de ressaltar essa condição peculiar da imprensa brasileira, confundindo-se com o próprio
poder: “Entre os agentes dessas passagens do poder está a imprensa, historicamente mais
indissociável do gênio político nacional do qualquer outra instituição”. Alberto Cavalcanti
(1995: 69) registra que a entrada do país na fase industrial pode ser creditada, em boa
medida, aos incentivos financeiros da monarquia, que inicia a prática das subvenções
governamentais à imprensa. O Correio Paulistano contou com amparo oficial, no início da
década de 60, para mecanizar sua impressão e atingir a marca de 850 exemplares diários em
1869. Isso significa que os progressos tecnológicos obtidos pelos jornais brasileiros têm
uma base bem distinta daquela que viabilizou o londrino Times:
“Era o Estado ajudando a sustentar uma imprensa a que faltava o fundamento de um mercado econômico dinâmico, assim como o de um mercado político (este, cercado pela política latifundiária – oligárquica, cujas expressões tipificadoras, do ponto de vista do interesse da consolidação de uma imprensa liberal, eram a permanência da escravatura, altos índices de analfabetismo, inexistência de indústrias e, portanto, urbanização acanhada, e exclusão política baseada no voto censitário). Assim, o vi- ço aparentado pelo grande número de jornais que nasciam encontrava sua negação na falta de enraizamento econômico, pois não seria concebível que a Coroa e os go- vernos provinciais sustentassem todos os periódicos, nem muito menos, os que lhe opusessem pela linha editorial – o que determinava rápido e igualmente numeroso
20 Nessa época, a voz destoante é a de Hipólito da Costa, que publica o Correio Braziliense, em Londres, pregando a independência do Brasil. Por muito tempo, o Dia da Imprensa foi comemorado em 10 de setembro, quando foi lançada a Gazeta do Rio de Janeiro. Recentemente, em 1999, a data foi alterada para 1° de junho, o dia de 1808 em que começou a circular o Correio Braziliense, portanto mais de três meses antes da publicação oficial da Coroa portuguesa. Mas a mudança só foi efetivada depois de ampla mobilização dos jornalistas brasileiros, liderados pelo gaúcho Raul Quevedo, culminando com a aprovação de uma lei no Congresso Nacional.
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falecimento de periódicos”(CAVALCANTI, 1995: 69-70). Outra característica do período imperial brasileiro era o aparecimento de muitos jornais
durante as fases de maior efervescência política – Regência e no chamado II Império, após
o fim da conciliação, em 1869 -, movidos pelo entusiasmo e as contribuições financeiras
das facções políticas a que serviam. Depois do embate, derrotadas as facções ou cooptadas
pelo poder, fechavam suas portas. “No Império, jornais nasciam e morriam com uma
luxúria tropical21”, sintetiza Alberto Cavalcanti. Nessa época, resistiram, sem maiores
problemas, os conservadores Diário de Pernambuco, fundado em 1823, e o Jornal do
Commercio, do Rio de Janeiro, de 1827, ligados à classe latifundiária e editados nas duas
maiores cidades brasileiras de então. Pelo menos no formato, estavam alinhados com o que
havia de mais moderno na imprensa mundial. Por decisão de seu proprietário, Manuel
Figueiroa de Faria – ex-caixeiro-viajante que adquiriu, em 1831, a publicação do fundador
Antônio José de Miranda Falcão -, o Diário de Pernambuco passa a ter, em 1859, a mesma
dimensão e o número de páginas que o Times. O Jornal do Commercio, principal diário do
país durante o Império, ficou mais de meio século – exatos 55 anos – nas mãos de uma
família francesa. Fundado pelo impressor Pierre Plancher-Seignot, o jornal foi transferido
aos também franceses Junius Villeneuve e Reol de Mougenot - que se retirou da sociedade
em 1834. Depois da morte de Junius, o Jornal do Commercio pertenceu ao seu filho Júlio
Constâncio de Villeneuve, mais tarde agraciado com o título de Conde. “E por 25 anos é
dirigido de Paris, por François Picot, francês naturalizado brasileiro que depois de trabalhar
21 O fenômeno não ficava restrito aos trópicos. Com bom humor, a edição n° 1 do jornal A Academia, de Coimbra, resumia a imprensa daquela cidade portuguesa em 1866: “Os jornais de Coimbra são como os pirilampos – luminosos e rápidos. A luz que derramam não é tanta, que deslumbre. A rapidez, com que desaparecem, essa sim, espanta”.
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no Rio mantém o contato com a redação através de cartas”, observa Juarez Bahia (1990,
Vol. I: 41).
Fonte resgatada em tempo recente pelas novas correntes históricas, o jornal não pode
ser examinado de forma passiva. Da mesma forma que muitos documentos oficiais, nem
sempre apresenta, de forma explícita, os objetivos políticos ou econômicos que pretende
alcançar. Também reflete, em muitos momentos, as contradições dos grupos que dividem o
poder. E pode oferecer pistas importantes para visualização da conjuntura que marca o
período em que é publicado. Mostram-se descabidas, portanto, as posturas assumidas pelos
historiadores brasileiros diante do “documento-jornal” até a primeira metade do século XX,
como relembra Maria Helena Capelato (1988: 21): o desprezo por considerá-lo fonte
suspeita ou o enaltecimento cego por encará-lo como a verdade acabada, “o relato
fidedigno do fato”. Nem uma coisa, nem outra. Se a objetividade jornalística é um mito que
precisa ser derrubado, sua importância como fonte não pode ser comprometida pela
subjetividade que caracteriza a processo de produção da notícia:
“A imprensa constitui um instrumento de manipulação de interesses e intervenção na vida social. Partindo desse pressuposto, o historiador procura estudá-lo como a- gente da história e captar o movimento vivo das idéias e personagens que circu- lam pelas páginas dos jornais. A categoria abstrata imprensa se desmistifica quando se faz emergir a figura de seus produtores como sujeitos dotados de consciência determinada na prática social. A análise desse documento exige que o historiador estabeleça um constante diálogo com as múltiplas personagens que atuam na im- prensa de uma época. Desse diálogo resulta uma história mais viva, mais humana e mais rica, bem diferente da história preconizada pela corrente tradicional de cu- nho positivista. [...] Um documento – o jornal, no caso – não pode ser estudado iso- ladamente, mas em relação com outras fontes que ampliem sua compreensão. A- lém disso é preciso considerar suas significações explícitas e implícitas (não mani- festas). Cabe, pois, trabalhar dentro e fora dele. A imprensa, ao invés de espelho da realidade, passou a ser concebida como espaço de representação do real, ou melhor, de momentos particulares da realidade. Sua existência é fruto de determinadas práti- cas sociais de uma época. A produção desse documento pressupõe um ato de poder no qual estão implícitas relações a serem desvendadas. A imprensa age no presente
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e também no futuro, pois seus produtores engendram imagens da sociedade que se- rão reproduzidas em outras épocas”(CAPELATO, 1988: 21-25). 1.4 O JORNALISMO A SERVIÇO DOS DIPLOMATAS
A afirmação da imprensa, no século XIX, deve-se muito à presença dos homens
públicos nos jornais. Antes, durante e depois de suas passagens pelo poder. O caso mais
notável em Portugal é o do escritor, político e líder da maçonaria José da Silva Mendes
Leal22. Ocupou várias pastas ministeriais, na década de 1860, e nos intervalos entre um
cargo e outro escrevia longos textos nas publicações lusitanas. Foi também um dos
principais redatores de A America, o mensário que se anunciava como “dedicado a assuntos
econômicos e sociais e órgão, ante os poderes públicos de Portugal, dos interesses
portugueses no Brasil e no Rio da Prata” e que circulou a partir de 1868. A edição n° 8
desse periódico, de agosto de 1869, publicou na capa, em destaque, uma curta justificativa
de Mendes Leal para a ausência repentina de seus textos: “Como compreenderá, as
obrigações do cargo não me deixam tempo livre para escrever para a nossa America, mas
pode assegurar aos leitores que voltarei ao meu posto apenas desimpedido”, escreveu ele ao
editor, após sua posse como ministro e secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros.
A falta de tempo que Mendes Leal alegava para interromper a manifestação de suas
idéias no jornal não reduzia sua influência nos jornais portugueses. Principalmente no
período que esteve à frente da diplomacia de seu país. Um dos políticos mais prestigiados
22 Outro nome que merece ser citado é o de Antonio Rodrigues de Sampaio, principal redator da Revolução de Setembro, que em outubro de 1865 estava cotado para assumir as funções de Secretário de Estado dos Negócios do Reino, segundo o Annuario do Archivo Pittoresco, de Lisboa.
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do seu tempo, ele era quase uma unanimidade na numerosa imprensa de Portugal. Quando
um periódico cometia a ousadia de atacá-lo, era defendido, com vigor, por muitas outras
publicações. Episódio exemplar foi o do seu pedido de demissão do Ministério da Marinha,
no final de 1864, após alguns ataques da oposição. Muitos jornais dedicaram matérias
especiais para enaltecer suas virtudes, como o Commercio da Covilhan – o pioneiro da
região conhecida como Beira Baixa, lançado em 27 de agosto de 1864 . No quarto mês de
existência, destinou a capa da edição n° 16, de dezembro de 1864, ao personagem: “É fora
de toda a dúvida que nunca ministro algum, adquiriu com tanta justiça, simpatias como o
Sr. Mendes Leal, o ministro previdente, erudito e honrado”. No ano seguinte, outro jornal
de província, O Clamor do Povo, de Braga – cidade mais ao norte do país -, ainda tecia
elogios à sua atuação na pasta da Marinha.
O entrelaçamento entre a classe política e o jornalismo era mais evidente na América do
Sul, como já mencionamos. Na Argentina, não era apenas o presidente Mitre que se
interessava pela imprensa. A evolução dos meios impressos foi marcada pela iniciativa de
muitos homens públicos. Nas décadas que Juan Manuel de Rosas governou com mão de
ferro a Confederação, perseguindo os liberais unitários – que tinham sua base no grande
comércio de Buenos Aires -, dois jornais destacaram-se, apesar da sua duração efêmera,
causada pelo exílio de seus proprietários: La Moda, de Juan Bautista Alberdi23 (1837-
1838), e El Zonda, “que lucha contra la tiranía”, de Domingo Faustino Sarmiento24 (1839-
1840). Depois da derrota de Rosas, na batalha de Monte Caseros, em 1852, outras
publicações foram criadas por personagens da vida política argentina. O Nacional
23 O escritor e polemista Juan Bautista Alberti seria encarregado de Negócios da Confederação Argentina em Londres na década de 50 do século XIX. 24 Sarmiento seria eleito presidente da Argentina em plena guerra do Paraguai, no ano de 1868, substituindo Bartolomeu Mitre.
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Argentino, do célebre caudilho de Entre Rios, Justo José de Urquiza, El Paraná, de José
Mármol, e El Pensamiento, de José Tomás Guido, eram alguns dos títulos mais conhecidos.
Mármol esteve à frente da diplomacia de Buenos Aires, nas décadas de 1850 e 1860, no
período em que a cidade portenha e a Confederação Argentina ficaram organizadas como
Estados distintos25. Quase na mesma época, o general Tomás Guido ocupava função
idêntica no lado oposto – em 1860, era ministro de relações exteriores da Confederação,
presidida por Urquiza desde a cidade de Paraná. Mais tarde, ele fundaria o jornal La
América, responsável pela publicação do tratado secreto da Tríplice Aliança na guerra do
Paraguai, contribuindo para desgastar os governos dos três países que combatiam a nação
guarani. O jornal de Tomás Guido, opositor do então presidente Bartolomeu Mitre,
defendia suas posições, com ardor, em Buenos Aires: “El Tratado es secreto, la sesión es
secreta, sólo la verguenza es pública!”
O singular caso brasileiro, como examinamos brevemente antes, torna a imprensa o
grande palco da classe política. Na segunda metade do século XIX, o conservador Jornal
do Commercio triunfava como o maior canal de expressão das figuras públicas mais
destacadas do país, mesmo aquelas que apresentavam pontos de vista divergentes. Era uma
proposta editorial que, de alguma forma, retratava a notável capacidade de acomodação
das forças partidárias – mas também econômicas – do chamado II Império. O depoimento
do jornalista Alcindo Guanabara, ainda que marcado pela louvação, oferece uma idéia do
significado daquele periódico, na vida nacional, nessa época:
25 Regida pela Constituição aprovada em 1853, a Confederação Argentina foi presidida primeiro por Justo José de Urquiza e, depois, em março de 1860, por Santiago Derqui. Buenos Aires, com sua carta constitucional aprovada em 1854, foi governada por Pastor Obligado e Valentín Alsina. José Mármol também chefiou missão diplomática do Governo de Buenos Aires no Brasil, em 1861, e foi ministro plenipotenciário da unificada Argentina, em 1869, no Rio de Janeiro.
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“Esse alheiamento (sic) das paixões em convulsão, essa inalterável tranqüilidade, num meio tão agitado, valeram ao Jornal do Commercio a força e o prestígio com que, no princípio do segundo reinado, ele agia e reagia sobre a sociedade, prestígio que cresceu e acentuou-se de tal arte que a expressão quarto poder lhe era aplicável com absoluta justiça. Nesse trecho da vida é com verdade que se pode dizer que a a história do Jornal do Commercio se confunde com a do reinado. Evocá-la é evo- car a série de vultos que brilham na nossa política, nas nossas letras, nas nossas ar- tes, todos os quais ou de lá saíram, ou lhe deveram a consagração do triunfo. Os Os grandes nomes acotovelavam-se. Justiniano José da Rocha, o maior dos jornalis- tas brasileiros; o visconde de Jequitinhonha, o visconde de Araguaia, Porto Alegre, Rio Branco, Otaviano – que sei eu – todos os grandes nomes e todos os grandes es- píritos fulguram nesses quarenta anos, emergem agora das coleções infinitas do Jor- nal do Commercio e desfilam diante dos nossos olhos, nimbados daquela glória que os nossos sufrágios e os nossos aplausos lhes concedem e reconhecem. A ação do Jornal do Commercio afirma-se então intensa e eficaz, no terreno político, como no literário e artístico. Como sempre, o Jornal do Commercio não é partidário, mas pe- sa deliberadamente na concha das instituições. É conservador, nesse sentido; é mo- derado, em todos sentidos”(apud SODRÉ, 1966: 217-218). Para contrapor-se a esse projeto exitoso, nascia, em 1848, também na Corte, o Correio
Mercantil, por obra de Joaquim Francisco Alves Branco Muniz Barreto. Ele entregaria a
direção do jornal ao genro, Francisco Octaviano de Almeida Rosa, mais tarde deputado e
conselheiro de Estado e que apôs sua assinatura no tratado da Tríplice Aliança, em Buenos
Aires, no dia 1° de maio de 1865, representando o imperador D. Pedro II. Nelson Werneck
Sodré (1966: 218) observa que “latifúndio e imprensa seriam as duas bases da carreira de
Francisco Octaviano”. Durante os 20 anos de existência da publicação, ele contaria com
uma tribuna privilegiada para ascender na vida política, alvejando seus adversários, pois a
proposta editorial era francamente partidária. Muitos outros personagens da época também
aproveitariam a força da imprensa para projetar-se. É o caso de Manuel de Araújo de Porto
Alegre, que lançou em 1844 a Lanterna Mágica, considerado o primeiro jornal ilustrado do
país, apresentando trabalhos de caricaturistas europeus. Mais tarde, entre outras honrarias,
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seria nomeado Cônsul Geral do Brasil em Portugal – agosto de 1867 – e agraciado com o
título de Barão de Santo Ângelo.
Mesmo aqueles que revelavam notória aptidão para a vida pública não desprezavam a
imprensa. José Maria da Silva Paranhos, o Visconde do Rio Branco26, ministro dos
Negócios Estrangeiros em mais de uma oportunidade no II Reinado, escreveu muitos
artigos no Jornal do Commercio e foi um dos principais redatores de A Nação, jornal que
circulou entre 1872 e 1876. E nem D. Pedro II deixou de usar a imprensa para expressar o
que pensava, ainda que abrigado por nomes fictícios ou expressões que não o
identificassem. Juarez Bahia (1990: 74), citando Gondin da Fonseca, informa que em 1856
o imperador defendeu a Confederação dos Tamoios, de Domingos José Gonçalves de
Magalhães, dos ataques de José de Alencar, com o pseudônimo de Ig, no Diário do Rio de
Janeiro. Sob a designação vaga de “Outro Amigo do Poeta”, ele teria publicado artigos em
quatro edições do Jornal do Commercio no mês de agosto daquele ano.
Além de difundir idéias e produzir tendências, de acordo com os interesses dos políticos
que ocupavam suas páginas, anonimamente ou não, os jornais do século XIX serviam
também para a divulgação de textos oficiais, sobretudo os de caráter diplomático. Durante a
guerra do Paraguai, nos dois lados do Atlântico, houve uma farta publicação de documentos
de todos os governos envolvidos no conflito. O Commercio do Porto, o maior jornal de
Portugal naquela época, imprimiu com, freqüência, a íntegra das manifestações dos
diplomatas, incluindo países não beligerantes. A edição n° 129, de 7 de junho de 1867, por
exemplo, transcreveu uma troca de correspondência entre os representantes diplomáticos
26 Raimundo Magalhães Júnior (1957: 67) revela que antes de alcançar a condição de estadista José Maria da Silva Paranhos foi jornalista, com participação ativa na imprensa da Corte, publicando folhetins no Jornal do Commercio “já no meado do século passado”. Segundo Heitor Lyra (1977, V.II: 9-10), o Visconde do Rio Branco presidiu, a partir de 1871, “o mais fecundo e certamente o mais brilhante de todos os Ministérios da
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brasileiros e peruanos. O ministro interino de Negócios Estrangeiros do Peru reagia à
indignação do governo imperial e esclarecia que o presidente da República, Coronel Prado,
não teve a menor intenção de ofender o Brasil ao criticar a ação militar aliada contra o
Paraguai e o prolongamento da guerra, com todas as conseqüências danosas à população do
país guarani. Como interessava ao jornal que prevalecesse a versão do império de D. Pedro
II, a última palavra oficial – materializada pelo documento mais recente – era sempre a
brasileira. Quando estavam em jogo questões que dividiam o país lusitano e a ex-colônia,
como a da convenção consular – que veremos mais detidamente no próximo capítulo -,
evidentemente, que pesava mais a voz do governo português. Por mais de quatro anos, o
debate diplomático sobre as diferentes interpretações do texto firmado entre os dois países
em 4 de abril de 1863 para a execução do artigo 13° daquela convenção destacou-se nas
páginas dos seus jornais. Assim, quando as divergências cessaram, O Commercio do Porto
reproduziu, na íntegra, o acordo celebrado em maio de 1867, saudando o fim dos “conflitos
a que dava lugar aquele artigo da convenção, entre cônsules de Portugal e as autoridades
locais brasileiras”.
A publicidade dos documentos oficiais que interessavam à Corte de D. Pedro II, nas
páginas do Jornal do Commercio, era valorizada pelos representantes diplomáticos
portugueses no Rio de Janeiro, que enviavam, com regularidade, para o Ministério dos
Negócios Estrangeiros, em Lisboa, recortes e edições inteiras do mais importante órgão da
imprensa brasileira naquela época. As “notícias do teatro da guerra’, anexadas nas
correspondências da Legação de Portugal, constituíam-se em material jornalístico –
Monarquia, com uma serenidade e uma elevação só comparáveis às dos estadistas da velha escola parlamentar britânica”.
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principalmente do Jornal do Commercio, mas também do Diario do Rio de Janeiro27 e do
Correio Mercantil28 – e em exemplares do Diario Official do Imperio do Brasil. O ofício n°
3, de 6 de janeiro de 1866, que o ministro na Corte José de Vasconcelos e Sousa dirigiu ao
Conde de Castro, ministro e Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, por exemplo,
foi acompanhado de duas matérias grandes – ocupando suas oito colunas – do Jornal do
Commercio, uma do Diario do Rio de Janeiro, e dois textos publicados pelo Correio
Mercantil, sendo um deles uma parte oficial do ministro brasileiro da Guerra, Ângelo
Moniz da Silva Ferraz, apresentando instruções aos comandantes militares e ao presidente
da Província do Rio Grande do Sul. Ao anexá-las, Vasconcelos e Sousa lembrava ao seu
superior que as notícias ofereciam mais “detalhes” do teatro da guerra29. Duas semanas
depois, novo ofício remeteu mais quatro matérias jornalísticas – duas do Jornal do
Commercio e duas do Correio Mercantil.
27 O Diario do Rio de Janeiro sofreu muitas modificações durante suas quase seis décadas de existência, de 1821 a 1878. A mudança mais radical ocorreu na década de 1870, quando passa de situacionista à republicano, “numa época em que professar a República é subversão”, como assinala Juarez Bahia (1990, Vol. I: 81). Foi no Diario do Rio de Janeiro que Machado de Assis começou a sua carreira jornalística. Também atuaram no jornal, depois de 1860, Quintino Bocaiúva e Joaquim Saldanha Marinho. Na década anterior, desde 1856, José de Alencar foi o redator chefe, contribuindo para tornar o Diario do Rio de Janeiro “exemplo marcante da conjugação da literatura com a imprensa”, segundo Nelson Werneck Sodré (1966: 220). Como os demais jornais da Corte de D. Pedro II, o Diario do Rio de Janeiro gozava de bom prestígio em Portugal. Em 1º de janeiro de 1865, O Braz Tisana, do Porto, referia-se à publicação como “jornal dirigido pelo mais distinto dos liberais, Joaquim de Saldanha Marinho, habilíssimo jurisconsulto e deputado da presente e muitas outras legislaturas”. Em 1º de outubro de 1867, O Commercio do Porto, refletindo divergências no seio da elite imperial, sublinhava que o diretor do Diario do Rio de Janeiro tinha razão quando defendeu a formação de um grande exército para derrotar o Paraguai: “Quando era crença geral de que com 20 mil homens e sete navios de madeira podíamos arrasar Humaitá e destronar López, um homem houve, um jornalista ilustre, o sr. Conselheiro Joaquim Saldanha Marinho, que, à frente da redação do Diario do Rio, pediu medidas decisivas, uma forte esquadra e um exército de 100.000 homens para concluir-se a guerra com presteza e precaver-se contra os acidentes futuros. Cassandra inútil e desprezada, o ilustre jornalista foi ridicularizado; acusaram-no de querer armar todo o país...” 28 O Correio Mercantil foi referido algumas vezes pela imprensa portuguesa, durante os anos da guerra do Paraguai. Em 15 de abril de 1865, por exemplo, O Commercio do Porto destacaria que seu “principal redator, Francisco Octaviano de Almeida Rosa”, fora enviado à região do Prata em missão especial, substituindo o conselheiro José Maria da Silva Paranhos, futuro Visconde de Rio Branco. Quando o jornal saiu de circulação, O Braz Tisana, também do Porto, lamentaria o fim do “excelente jornal Correio Mercantil”, em sua edição de 17 de dezembro de 1868. 29 Caixa n° 209 do Arquivo Histórico-Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal, em Lisboa.
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A portentosa dimensão do Jornal do Commercio – oito colunas distribuídas em páginas
de 58,5 cm de largura e 98 cm de altura – facilitava a publicação de longos textos oficiais,
como as partes militares divulgadas pelo Ministério da Guerra, sobretudo durante os anos
de 1866 e 1870. Nesse período, o Jornal do Commercio e as publicações já citadas,
contendo os relatos das ações bélicas pela pena dos comandantes brasileiros, eram enviadas
para Lisboa mensalmente, através de vários ofícios, despachados pelo paquete que partia do
porto do Rio de Janeiro. As pequenas – e raras – observações críticas sobre a guerra eram
obscurecidas por esse imenso material publicado pelos jornais. Foi assim em 22 de
fevereiro de 1867, quando José de Vasconcelos e Sousa dirigiu o ofício n° 25 ao ministro
José Maria do Casal Ribeiro. O representante na Corte brasileira reproduziu nota do Diario
Official do Imperio da mesma data informando que D. Pedro II havia mandado entregar, à
pagadoria das tropas, a quantia de 100.000$000 Réis, “a fim de ser empregada na liberdade
de escravos que assentem praça no exército em operações contra a guerra do Paraguai”.
Nesse dia, ele não resistiu em fazer uma observação: “A simples leitura do impresso acima
dá a medida da gravidade das coisas quanto a guerra, falta gente para ela”, escreveu Sousa
ao titular da pasta dos Negócios Estrangeiros30.
O fato da imprensa ter sido a base das informações transmitidas pelos diplomatas
portugueses na América do Sul , durante a guerra que o Brasil e seus aliados moveram
contra o Paraguai, aumenta a importância do exame do teor das publicações, contraposto ao
contexto político e econômico da época – ou as “forças profundas”, como preferem
Renouvin e Duroselle e como vimos nas duas primeiras partes deste capítulo. Igualmente, a
utilização dos meios impressos com o objetivo de mobilizar a opinião pública visando a
30 Caixa n° 210 do Arquivo Histórico-Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal, em Lisboa.
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legitimação de decisões governamentais, como já ocorria no último quartel do século XIX,
merece atenção especial na presente investigação histórica. Nesse aspecto, a diplomacia -
vista como instrumento essencial da política externa das nações - contava, naquele período,
com um crescentemente poderoso canal de comunicação. Em conseqüência, um dos
grandes desafios que nos esperam é verificar as condições do serviço prestado pela
imprensa aos principais atores – Brasil e Portugal - da cena internacional observada,
juntamente com a atuação de seus representantes, levando-se em conta que a análise das
relações entre os dois países pretende abarcar ao mesmo tempo, em certa medida de forma
quase indissociável, o trabalho dos diplomatas e a produção jornalística.
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2. AS RELAÇÕES ENTRE BRASIL E PORTUGAL NA DÉCADA DE
1860-1870 Os anos que sucederam a declaração da independência brasileira foram marcados pela
tensão no relacionamento com a antiga metrópole. A turbulência não ficou restrita ao
processo de negociação do reconhecimento da nova situação pelo Estado português, que se
estendeu de 1822 a 1825. As divergências ultrapassaram o campo diplomático,
materializando-se no rompimento administrativo e na esfera militar31. A ruptura dos
poderes, estabelecendo dois pólos distintos antes mesmo da emancipação, em Lisboa e no
Rio de Janeiro, provocou uma guerra de decretos travada entre janeiro de 1822 e abril de
182332. No plano militar, houve determinação nos dois lados em derrotar o adversário,
31 Na obra Depois das caravelas; as relações entre Portugal e o Brasil 1808-2000, Amado Luiz Cervo contesta a propalada tese de “historiadores tradicionais”, a partir de uma interpretação de Oliveira Lima (História Diplomática do Brasil: o reconhecimento do Império, editada pela Garnier, no Rio de Janeiro, em 1901), de que a independência brasileira se teria processado de modo pacífico e quase consensual, diferentemente do que teria ocorrido na formação dos Estados da América espanhola. Cervo lembra que essa visão foi objeto de “veemente contestação” por parte de autores como José Honório Rodrigues. Entretanto, ressalva que estudos desenvolvidos por João Pandiá Calógeras e que resultaram na obra A política exterior do Império (Brasília: Câmara dos Deputados, 1989, v.I) revelam que a transferência da família real para o Rio de Janeiro poupou ao novo país o quadro caótico observado na luta emancipacionista das demais nações do continente, “precisamente porque o Brasil não ficara isolado da Europa. Foi feito Reino em 1815 para que Portugal crescesse ante o mundo e figurasse bem no Congresso dos grandes em Viena. A hostilidade das Cortes, confrontada com a maturidade das elites brasileiras, desfez esse laço estratégico e desencadeou o movimento de Independência”(CERVO, 2000: 76). 32 Não há dúvida que a troca de documentos vigorosos acelerou o processo de independência. Depois da criação do Conselho de Procuradores, também chamado de Conselho de Estado, no Brasil, em fevereiro de 1822, com representantes de todas as províncias, cresceram as divergências em relação ao poder legislativo assentado em Lisboa. As decisões emanadas de Portugal, como o regresso do príncipe regente, a nulidade dos atos do Ministério de José Bonifácio e o julgamento de seus membros, foram repelidas pela classe política no Rio de Janeiro, que reagiu com firmeza e adotou uma série de medidas, que culminaria com a proclamação da independência em 7 de setembro daquele ano.
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gerando hostilidades que se estenderam por mais de um ano. Os portugueses projetavam
reconquistar o Brasil através da divisão territorial, separando o norte e investindo contra o
sul, a partir da posição mantida pelo General Madeira na Bahia – que aproveitaria a
indecisão das elites da região em aderir ao movimento nascido no Rio de janeiro. O
comandante lusitano chefiava onze mil homens e contava com apoio espanhol, que não se
concretizou. A defesa do novo país valeu-se de medidas como a contratação de mais de 400
militares estrangeiros, a maioria oriunda da Inglaterra, para atuar na marinha, e da
movimentação expressiva de tropas – 13 mil soldados na Bahia e 18 mil no Maranhão e no
Piauí. As operações acabariam determinando a retirada do general Madeira e seus
comandados do país, em julho de 1823. “Embora tenha prevalecido a demonstração de
força sobre o combate, levando-se em conta as operações de guerra e centenas de mortes
não há como negar que a Independência do Brasil tenha sido uma conquista das armas
nacionais em uma guerra que se estendeu de junho de 1822 a agosto de 1823”, acentua
Amado Cervo (2000: 83).
A resistência portuguesa seria minada, também, pelos interesses econômicos e políticos
europeus, sobretudo os dos ingleses. Entre julho e novembro de 1824, ocorreriam em
Londres seis encontros entre representantes brasileiros e lusitanos visando o
reconhecimento da independência, sob a liderança do Ministro de Negócios Estrangeiros da
Inglaterra, George Canning. No ano seguinte, o enviado inglês Charles Stuart obteria
poderes especiais de D. João VI para ir ao Rio de Janeiro negociar os termos do início das
relações diplomáticas de Portugal com o novo império. Após 14 reuniões com os
plenipotenciários brasileiros, Stuart conseguiu costurar o delicado tratado de paz e aliança
entre os dois países, em 29 de agosto de 1825, transferindo formalmente a soberania do
império brasileiro de D. João VI ao filho D. Pedro I, herdeiro da Coroa portuguesa, e
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obrigando o Brasil a indenizar Portugal em dois milhões de libras esterlinas, através de uma
convenção pecuniária anexada ao texto. Omisso em relação ao futuro da Coroa portuguesa,
o teor do documento seria, de certa forma, responsável por dificuldades enfrentadas pelos
governos dos dois países, principalmente após a morte de D. João VI, em março de 1826,
determinando a intervenção de D. Pedro I - D. Pedro IV, na linha sucessória portuguesa –
na antiga metrópole. O combate conservador de D. Miguel contra a filha de D. Pedro,
Maria II, usurpando o poder conferido pelo pai, em 1828, acabaria por abalar as relações
bilaterais, culminando com a ruptura em 183233, quando o Brasil reconheceu a Regência da
Ilha Terceira.
A vitória liberal em 1834, com a expulsão de D. Miguel de Portugal, inaugurou uma
nova fase nas relações entre os dois países. O ministro brasileiro em Londres, Araújo
Ribeiro, fez questão de deslocar-se até Lisboa para cumprimentar pessoalmente a rainha, D.
Maria II, pelo triunfo da causa liderada pelo pai, D. Pedro. Em ofício, o ministro português
dos Estrangeiros, Conde de Vila Real, expressava sua satisfação pelo início de “relações
que tanto convêm ao interesse recíproco das duas nações” e manifestava disposição de
“aplanar todas as questões pendentes com o Brasil34”. Havia, contudo, litígios
consideráveis: as reclamações de perdas de cidadãos portugueses que ficaram no Brasil, a
indenização estabelecida no tratado que reconheceu a independência, a repressão brasileira
ao tráfico de escravos das colônias lusitanas na África, a negociação do tratado de comércio
e o controle das migrações clandestinas. Nas décadas seguintes, o governo português
perseguiria, com tenacidade, a obtenção do melhor relacionamento possível com o Brasil,
33 Na verdade, como observa CERVO (2000: 103), a diplomacia do Brasil não ficaria neutra na guerra entre os dois irmãos, mesmo após a abdicação de D. Pedro, em 1831, autorizando o ex-monarca brasileiro a utilizar recursos que seriam deduzidos da dívida contraída na convenção pecuniária anexada ao tratado de paz e aliança assinado em 1825.
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tentando superar essas e outras questões de forma amistosa, consciente do peso econômico
– mas também social, vinculado à corrente migratória – da ex-colônia no seu desempenho
administrativo. Cumpre, pois, examinarmos mais detidamente, no recorte de tempo
definido neste estudo, as distintas faces do relacionamento entre os dois países,
identificando os interesses que preponderavam num e noutro lado do Atlântico.
2.1 A BALANÇA COMERCIAL
Há controvérsia entre os historiadores portugueses sobre as razões que explicam o
atraso econômico do país, no século XIX, em relação aos seus vizinhos da Europa
ocidental, particularmente no período de estabilidade política vivido a partir de 1851,
quando inicia o primeiro governo da Regeneração35. Alguns deles, como Miriam Halpern
Pereira, atribuem o descompasso a opções políticas equivocadas, privilegiando a agricultura
34 Ofício despachado em 10 de novembro de 1834. Livro de Registo de Correspondência, v.593, Legação Portuguesa no Rio de Janeiro. Arquivo da Torre do Tombo, em Lisboa. 35 O movimento iniciou com uma intervenção militar liderada pelo marechal João Carlos de Saldanha e Oliveira Daun, mais conhecido como Duque de Saldanha, visando a pacificação nacional, depois de um período marcado por revoltas internas, lutas políticas acirradas e violentas e uma guerra civil (1846-1847). É também chamado de “terceiro liberalismo”, expressão usada pelo historiador Joaquim Veríssimo Serrão (1995, Vol.IX: 13), e recebeu a adesão de liberais de vários matizes, além do apoio de cartistas – defensores da carta constitucional de 1826, outorgada por D. Pedro IV, o D. Pedro I brasileiro – e de setembristas – adeptos dos ideais da revolução de setembro de 1836, no Porto, desencadeada por uma pequena e média burguesia ascendente, industrial e comercial, e profissionais liberais, a favor dos princípios da constituição de 1822, frontalmente contrária ao regime absoluto, e que havia reduzido os poderes do rei. O duque de Saldanha obteve respaldo de amplos setores da sociedade e presidiu o governo constitucional, destacando-se a figura de António Maria Fontes Pereira de Melo, responsável por uma série de reformas políticas, econômicas e administrativas e dirigente máximo do Partido Regenerador. Ainda que tardiamente, Portugal se adaptava às exigências da época: abertura de estradas e pontes e limpeza de barras e portos, atendendo aos novos meios de comunicação e transporte, dos trens aos barcos a vapor. Mas segundo António Sérgio, na obra Antologia dos Economistas Portugueses, de 1924, essa “política de transportes” de Fontes Pereira de Melo, executada com capitais estrangeiros em detrimento de uma “política de fixação”, foi nefasta aos interesses da maioria da população portuguesa, também contribuindo para o atraso econômico do país. Para alguns autores, a revolução da Janeirinha, em 1868, marca o fim da Regeneração. Outros entendem que a estabilidade não é
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numa relação de acomodada dependência da Grã-Bretanha, o principal parceiro comercial
do país. Outros, como Jaime Reis, argumentam que não havia espaço para saídas
alternativas e que o crescimento econômico português se situou em nível próximo ao seu
potencial máximo. Entre as duas correntes, Armando Castro, Joel Serrão e Manuel
Villaverde Cabral, identificaram períodos de crescimento industrial, mas entendem que os
resultados alcançados não foram suficientes para vencer o fosso que separava os níveis de
produtividade entre a nação lusitana e os vizinhos europeus. Finalmente, em trabalho mais
recente, Pedro Lains avança em relação às visões anteriores, apoiado em sólida base
estatística e coligindo dados relativos à evolução, composição e distribuição do comércio
externo, entre 1851 e 1913. Em primeiro lugar, levando em conta o rendimento per capita,
ele situa Portugal no que denomina de “terceira Europa” – constituída pelos países mais
pobres da periferia do continente -, apresentando um empecilho de partida – ou origem - na
introdução e aplicação generalizada das novas tecnologias e dos novos métodos de
produção, sejam elaborados internamente ou importados. Em outras palavras, a estrutura
produtiva e o nível de acumulação de capital seriam obstáculos ao crescimento econômico
no patamar atingido pelos maiores países europeus. Depois, entre algumas conclusões,
afirma que Portugal desenvolveu-se dentro das possibilidades que lhe foram apresentadas.
Mesmo com dificuldades no setor exportador, responsável por boa parte do pagamento das
importações, a economia portuguesa não teria sido limitada pela compra de mercadorias no
exterior, encontrando sucessivamente novas fontes de financiamento das aquisições,
primeiro através das remessas de emigrantes – sobretudo os do Brasil – e mais tarde pelas
reexportações de produtos coloniais. “Assim, apesar de relativamente lento, o crescimento
afetada e que o período terminaria apenas com o ultimato inglês em resposta à tentativa portuguesa de ocupar as regiões compreendidas entre Angola e Moçambique, em 1890, e com a crise financeira de 1891.
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econômico em Portugal prosseguiu no seu passo regular até finais do século XIX”(LAINS,
1995: 10-1).
Se existe desacordo sobre os motivos da defasagem da economia portuguesa em relação
à vizinhança européia, parece não haver divergência de que o país lusitano ocupava, nessa
época, um papel secundário no comércio internacional. O real dimensionamento de
Portugal e a constatação sublinhada por Lains de que verificou-se, apesar de tudo, um
crescimento regular, ainda que moroso e limitado, interessa-nos, sobremaneira, no exame
das relações com sua ex-colônia, principalmente levando-se em conta que os dois países
dependiam, em maior ou menor grau, da Inglaterra. No início da fase de conciliação da
sociedade portuguesa, a Regeneração, o Brasil também experimentava um período de
estabilidade política. Mais do que isso. Na década de 50, o país vivia o chamado apogeu do
Império. A sociedade escravocrata alcançava seu grande momento: detinha praticamente o
monopólio do café e conservava o ritmo de produção em outros setores agrícolas
importantes, como o do açúcar e do algodão, nos razoáveis níveis dos anos anteriores. O
Estado imperial, por seu lado, relacionava-se com essa agricultura de base escravista sem
profundas discordâncias, pois boa parte da elite política pertencia à classe dominante.
Havia, sim, alguma ambigüidade nesse relacionamento, em razão da presença dos
magistrados no governo. Mas a acomodação ocorria com uma certa naturalidade e boa dose
de pragmatismo, distinguindo-se a economia brasileira da portuguesa, como aponta, com
propriedade, José Murilo de Carvalho:
“Independentemente da elite política, o Estado não podia sustentar-se sem a agricul- tura de exportação, pois era ela que gerava 70% das rendas do governo-geral através dos impostos de exportação e importação. Não cabe assim falar de um Estado sepa- rado e dominando a nação como queriam os liberais da época (quando fora do poder)
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