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A GESTÃO PÚBLICA E O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NO BRASIL

Patrícia Audi

Qual o Estado que precisamos para garantir o desenvolvimento sustentável do País? As instituições públicas brasileiras estão aptas para atender às crescentes demandas de uma sociedade tão plural e diversificada como a nossa? As regras do direito administrativo e as exigências dos órgãos de controle são suficientes para garantir a legalidade dos atos administrativos? Os grandes avanços do pacto federativo inaugurados pela Constituição Federal de 1988 são suficientes para permitir o acesso da população a políticas inclusivas, eficazes e de qualidade?

A Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE) viu-se diante dessas indagações quando iniciou um amplo debate sobre um novo modelo de desenvolvimento sustentável para o Brasil.

Quando políticas de longo prazo nas áreas de assistência social, educação e saúde, por exemplo, começaram a ser discutidas pela SAE, inúmeras perguntas surgiram sobre a capacidade do Estado brasileiro em executá-las plenamente. No momento em que estratégias nacionais de defesa, de meio ambiente e na agricultura foram sugeridas pela SAE, vimo-nos diante de um novo desafio: propor um grande debate em torno da modernização da gestão pública brasileira. Nos últimos anos, o desempenho social e econômico do Brasil revelou uma nação com grande potencial de crescimento, embora ainda constrangido por obstáculos incompatíveis com o dinamismo que se exige de uma potência emergente.

Percebeu-se, também, que o Estado organizado, no último quarto de século, para ser capaz de promover um ajuste fiscal e estruturar os princípios de uma disciplina fiscal duradoura, não é suficiente e nem está preparado para um novo ciclo de retomada do crescimento com inclusão social e econômica.

Assim, fez-se necessário repensar a administração pública no Brasil. No entanto, sob uma nova ótica. A discussão atual não deve ser centrada na definição de qual seria o tamanho ideal deste Estado. Não devemos mais discutir se precisamos de um Estado maior ou menor, e sim, repensá-lo sob a égide da eficiência, da qualidade e da sustentabilidade do país que vislumbramos para os próximos anos.

Não se trata mais de rivalizar o modelo de Estado com o tamanho do mercado, como se essa relação fosse hidráulica: mais de um, menos de outro, ou vice e versa. A atual crise econômica internacional demonstrou que o relacionamento com o mercado deve exigir um Estado contemporâneo, capaz de regular e interagir com um mundo globalizado. Que tipo de Estado surgirá a partir dos efeitos dessa crise? Quais devem ser suas instituições e seu marco regulatório? São as perguntas que a SAE vem fazendo e que se propõe debater nacionalmente.

Com o intuito de organizar o debate sobre o assunto, reconhecer os esforços de melhoria da administração pública realizados nos últimos anos, apontar e propor o que ainda precisa ser feito, alinhando conquistas e desafios a uma estratégia coerente, a SAE lançou a Agenda Nacional de Gestão Pública.

A Agenda, fruto de uma construção coletiva, foi lançada em março de 2009, em com o Movimento Brasil Competitivo (MBC). A proposta do documento é provocar um debate nacional e levar o tema para além das divisões ideológicas e percepções preconcebidas sobre gestão pública. É reconduzir uma discussão consistente sobre a necessária reforma do Estado brasileiro, sempre atenta ao desenvolvimento que vislumbramos para o País.

Partimos do princípio de que a reforma da administração pública não é assunto exclusivo do próprio Estado e de que não há Estado capaz de se autorreformar. Levamos em consideração que o concurso da sociedade civil organizada, dos setores produtivos, da comunidade acadêmica e de todos que compreendem que o Estado é uma construção social que deve estar associado ao contexto da sociedade em que se ancora.

A Agenda Nacional de Gestão Pública traz um conjunto de iniciativas que refletem, no plano da gestão pública e de seu aparato de Estado, as diretrizes gerais de um projeto de desenvolvimento para o País.

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A Agenda é uma pauta aberta, inacabada, em construção e aprofundamento. Propõe refinar diagnósticos, aglutinar alianças, promover inovações e provocar discussão e resolução de conflitos, cuja superação depende da mudança de patamar das políticas de gestão pública no País.

A Agenda Nacional de Gestão Pública revisita reformas administrativas inconclusas e inicia um debate organizado sobre que Estado garantirá o desenvolvimento sustentável do País, discutindo temas como: profissionalismo meritocrático, qualidade da política pública, pluralismo institucional, repactuação federativa, o papel dos órgãos de controle e governança.

Para tratar do primeiro tema, a Agenda Nacional de Gestão Pública propõe construir e fortalecer carreiras de Estado, para assim, melhor estruturar uma burocracia profissional de mérito. A substituição de grande parte dos cargos discricionários por cargos de carreira e o fortalecimento das carreiras de generalistas multifuncionais são exemplos de duas ações que podem iniciar este processo.

Um dos objetivos é a criação de parâmetros mínimos de profissionalização da gestão pública nos níveis federal, estadual e municipal com a institucionalização de concursos e valorização de carreiras típicas para facilitar a execução de políticas intergovernamentais e reduzir a assimetria entre a burocracia federal e as demais.

Outro tema que a Agenda discute sob a égide do ideal de eficiência é a transposição das melhores práticas empresarias ao setor público. Esforços em busca da qualidade da política pública, sob um olhar cuidadoso do gasto público, de indicadores e parâmetros de qualidade nas políticas públicas e da gestão por resultados são desafios que precisam definitivamente ser enfrentados. É importante definir e renovar de forma permanente, em cada setor de políticas públicas, um repertório de melhores práticas e critérios de desempenho, desenvolvendo mecanismos para incentivar e cobrar esse desempenho. Dessa forma, os serviços públicos serão oferecidos para a sociedade com mais qualidade, de modo mais simples, rápido e econômico, melhorando a relação custo/benefício do trabalho público.

Ao analisar o arcabouço legal que hoje regulamenta o Estado brasileiro, a Agenda Nacional conclui que as estruturas organizacionais previstas no nosso Direito Administrativo não correspondem às necessidades de política pública no Brasil nem oferecem espaço para controle democrático de tais políticas. A Agenda sugere discutir a formatação de instituições mais modernas, capazes de responder aos anseios do País. A revisão do Direito Administrativo é aqui um importante elemento para consecução da agenda em questão.

O objetivo é transformar a cultura do estrito legalismo por uma fiscalização voltada aos resultados, a fim de garantir o pleno atendimento das necessidades do cidadão e de provocar aprendizado para melhoria das políticas públicas. Não se pode mais conviver com a rigidez administrativa e o rigor meramente legalista motivados pela desconfiança. Busca-se flexibilidade, disciplinada pelo juízo da fidelidade dos meios aos objetivos e traduzida em forma de critérios claros capazes de serem reproduzidos em amplo espectro de circunstâncias.

A Agenda Nacional de Gestão Pública ainda aponta que a administração pública se encontra engessada pela rigidez do controle exercido pelos órgãos competentes, que agem cumulativamente sob a égide da desconfiança. Essa postura causa ainda um excesso de burocracia formal e impossibilidade de ações inovadoras. Reconhece que, neste momento ainda há um ambiente refratário a mudanças e a uma nova postura do Estado, voltada para gestão por resultados e que ainda há uma prevalência de estatutos jurídicos conservadores.

Preocupada em garantir uma gestão de resultados eficiente, a Agenda sugere o desenvolvimento de indicadores de qualidade da política pública, com previsão de instrumentos de avaliação externos ao Estado e de total transparência dos resultados. Sugere, também, a criação de um censo nacional de percepção da qualidade das políticas públicas pela população.

Instituições plurais e experimentais que atendam a demandas futuras, provocadas a partir de crises ou situações que quebrem paradigmas e que ensejem mudanças. Urge, nesta atual conjuntura de crise internacional e de transformações, se promover reformas necessárias para melhor equipar o Estado de instituições e processos que o habilite a responder melhor às novas demandas e, para isso, o experimentalismo é fundamental.

Além disso, abordar o federalismo cooperativo e a necessidade de se rever a repartição de

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competências entre os entes federados, o pluralismo institucional e a prestação de serviços públicos pela sociedade civil, além do tema da governança é fundamental para dar amplitude e profundidade aos debates sugeridos pela SAE.

Tratando de federalismo, uma iniciativa de alta relevância é a consolidação de esforços para aprovação de uma Lei de Responsabilidade Social (LRS). A proposta que revisita o tema da repactuação federativa nas políticas públicas, relaciona metas sociais obrigatórias para todos os entes da federação, tendo como alvo final a melhoria gestão pública e a qualidade dos serviços prestados ao cidadão no campo das políticas sociais. O projeto que vem sendo discutido prevê, também, a criação de mecanismos de corresponsabilização entre as esferas federativas para garantir aplicação eficaz, eficiente e efetiva das políticas. Além disso, prevê a definição de critérios obrigatórios para uso da subsidiariedade nas políticas públicas relativas aos entes federados e alternativas de prestação de serviços públicos por empresas e sociedade. Em suma, prioriza a eficácia das políticas públicas quando estabelece parâmetros mínimos que possibilitem um acompanhamento do alcance dessas políticas e da gestão pelos resultados desejados.

A Agenda Nacional de Gestão Pública também levanta diagnósticos sobre as possibilidades de inovações institucionais e chega à conclusão de que as estruturas organizacionais previstas no Direito Administrativo brasileiro não correspondem às necessidades de política pública do Brasil nem oferecem espaço para controle democrático de tais políticas. No tema pluralismo institucional, as inovações institucionais são esperadas para oferta de flexibilidade na adaptação do Estado, ao torná-lo capaz de reagir no ritmo esperado das mudanças cotidianas. A Agenda incentiva a criação de novos modelos institucionais que permitam a prestação de serviços públicos de menor complexidade de forma plural, competitiva e experimental pela sociedade civil, organizados, financiados e monitorados pelo Estado. Propõe a criação de novos modelos institucionais com autonomia administrativa e financeira para firmar metas de desempenho com o governo, com regras claras de governança e cobrança por parte da sociedade.

Obviamente que o que se propõe aqui não é novo. No entanto, percebe-se que mesmo com a existência de um grande volume de participação de sociedade civil e organizações não-governamentais na prestação de serviços públicos e assistenciais hoje, há regulamentação deficitária e baixa eficácia, eficiência e efetividade nas suas ações.

As inovações propostas na Agenda Nacional de Gestão Pública não surtirão o efeito esperado, entretanto, se não forem acompanhadas de uma discussão sobre a governança pública e a geração de subsídios para a criação de mecanismos e instituições capazes de prover transparência, participação e controle social nas atividades prestadas pelo poder público. O tema da governança, o mais recente e menos explorado tema de todos que constam na Agenda, tem como objetivo debater, avaliar e diagnosticar nacionalmente a eficácia dos modelos de governança, que envolvem parceria com o setor privado e sociedade civil, existentes nas políticas públicas. A co-produção de bens públicos deve ser, cada vez mais, levada em consideração devido ao crescimento das demandas sociais e áreas de atuação do Estado, que não correspondem mais ao seu tamanho e capacidade de resposta. A governança, surge, assim, como uma capacidade vital que deve ser estimulada e empregada pela administração pública. Apenas com essa percepção, será possível dar vazão ao modelo de desenvolvimento sustentável, democrático e inclusivo que se pretende.

Sem a pretensão de ser exaustiva, nem ao menos conclusiva, a Agenda Nacional de Gestão Pública é um marco para a administração pública brasileira. Reconhece a importância de um novo Estado como condição para o desenvolvimento sustentável do País, expõe os problemas a serem enfrentados, reconhece o que vem sendo feito e aponta direções a serem seguidas, e recoloca o tema gestão na agenda nacional.

Um novo enfoque, mais atento aos resultados e aos impactos das políticas no dia a dia de uma nação e, ao mesmo tempo, atento aos desafios que se seguirão e um Estado atento à qualidade, à eficácia e ao alcance dos objetivos das políticas públicas propostas são elementos essenciais e indutores do desenvolvimento e da qualidade de vida da sua população.


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