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A FUGITIVA Anne Mather

Juliet no tolerava mais ser a filha mimada de um pai milionrio e dominador. Todas as suas vontades materiais eram satisfeitas no ato, mas o preo a pagar era elevado demais: sua liberdade. Juliet fugiu de Londres, mudou de identidade e arranjou emprego numa ensolarada ilha do Caribe. Logo, porm, descobriu que a sua situao pouco havia mudado. Seu patro, o nobre portugus Filipe Ricardo de Castro, era to prepotente quanto o pai. Um homem arrogante, acostumado a dispor da vida dos habitantes da ilha e... do amor das mulheres. Juliet tinha que evit-lo, mas descobriu, desesperada, que estava se apaixonando! Filipe era sua perdio...

A fugitiva

Anne Mather

The Arrogant Duke

CAPTULO I

Fugir! Juliet saboreava aquela palavra, ao mesmo tempo que experimentava ligeiro remorso. No devia sentir-se to feliz por ter conseguido, pela primeira vez na vida, vencer seu pai. Mesmo agora, ao pensar em sua indignao, quando descobrisse o que tinha feito, Juliet estremecia, esperando que ele se acalmasse antes de conseguir localiz-la. No duvidava nem um pouco de que ele acabaria por encontr-la. Era um homem teimoso e certamente faria todas as investigaes possveis, at encontrar uma pista que o levasse at ela. Mas, pelo menos durante alguns meses, ela, pela primeira vez, teria a oportunidade de fazer o que bem entendesse, o que lhe provocava profundo alvio.

Olhou pela janela do hidroavio e distraiu-se ao contemplar o belssimo panorama. Tinha deixado Bridgetown, a capital de Barbados, naquela manh e a grande quantidade de ilhas, alm do mar azul e profundo, a encantava mais do que nunca. Pela centsima vez pensou que aquele anncio publicado no jornal The Times, de Londres, ao qual tinha respondido, fora feito especialmente para ela. Sabia que se aproximavam de Venterra, pois a aeromoa j lhe havia pedido para amarrar o cinto. Tentou localizar a ilha em que desceriam. Somente com grande dificuldade seu pai conseguiria encontr-la!

Para Juliet, tudo agora era novidade. Nunca tinha viajado sozinha, pois sempre se via no meio do batalho de assistentes, secretrias e criados de seu pai, alm das numerosas malas e dos equipamentos esportivos. Achou muito estimulante carregar sua prpria mala, chamar um carregador, hospedar-se num hotelzinho confortvel, em vez daqueles verdadeiros palcios to apreciados por seu pai, e poder escolher suas refeies.

Mandy, claro, ficaria horrorizada, se descobrisse que sua filhinha to inocente estava sozinha numa ilha to distante quanto Barbados, no longnquo mar das Antilhas. Ainda bem que ela, assim como seu pai, acreditavam que Juliet iria hospedar-se com alguns amigos, durante uma breve temporada.

Mandy, ou a srta. Jane Manders este seu verdadeiro nome , era a figura que mais se aproximava de sua me. Para grande angstia e desolao de seu pai, a me de Juliet tinha morrido quando a menina nascera. Talvez por isso ele a tratasse de maneira to possessiva, entregando-a aos cuidados de Mandy. Na ocasio, a governanta tinha trinta anos e acabava de recuperar-se da dor provocada pela morte de sua me. Entregara-se com grande dedicao tarefa, dispensando criana todo seu amor. De vez em quando Juliet imaginava por que Mandy permanecera solteira. Quem sabe, sua fiel companheira alimentasse sentimentos no correspondidos em relao a seu pai? Robert Lindsay, pelo visto, no tinha encorajado nem um pouco aquele possvel romance, e o contrato de Mandy, que havia sido encarado como uma soluo provisria, arrastara-se por mais de vinte anos, a tal ponto que ela passara a ser considerada uma pessoa da famlia.

Mandy era a pessoa a quem Juliet menos queria magoar neste mundo. Ela tinha assumido a completa direo da bela casa em que a famlia Lindsay vivera durante muitos e muitos anos, de tal forma que Juliet sabia que sua ausncia em nada afetaria a posio e a importncia da governanta.

Juliet ps de lado tais pensamentos e concentrou-se no futuro imediato. Lembrou, divertida, a entrevista que fizera num escritrio de advocacia em Londres. O anncio que publicaram pedia uma jovem de boa famlia, que pudesse servir de companhia para uma garota de dezesseis anos, rf recente, com certas incapacidades fsicas, e que no momento morava com seu tio em Venterra, uma ilha situada a alguma distncia de Santa Lcia, no Caribe.

Juliet achara que aquele anncio servia perfeitamente sua ausncia de qualificaes. Claro, tinha muitas qualidades. Havia lido bastante, sabia como arranjar flores num vaso, entendia um pouco de decorao, falava vrias lnguas, estava acostumada a ajudar seu pai a receber em ocasies importantes e at mesmo sabia como lidar com as declaraes de amor dos rapazes com quem saa de vez em quando.

No entanto, no tinha recebido qualquer tipo de formao para seguir uma carreira. Seu pai jamais quisera que ela se tornasse uma intelectual. Sua mente muito viva tivera de satisfazer-se em aprender com os livros e aos poucos fora nascendo nela uma grande insatisfao com aquele estilo de vida to vazio.

Talvez nunca tivesse coragem de tomar uma atitude em relao ao assunto, se seu pai no resolvesse que j era mais do que tempo de ela pensar em se casar. Ele, dominador como sempre, havia indicado trs rapazes seus conhecidos, mas nenhum deles era o tipo do homem com quem Juliet gostaria de casar. No estava procura de um cavalheiro galante com quem vivesse num mundo cor-de-rosa para o resto da existncia. Queria um homem de verdade, no um caa-dotes espera de que o sogro lhe desse tudo pelo fato de desposar sua filha.

Ao recordar o que tinha acontecido, ressentia-se ainda agora da atitude de seu pai, mas acalmou-se, constatando que, naquelas circunstncias, ela no poderia ter tomado outra deciso.

A entrevista tinha sido bem divertida. Precisava lembrar que agora seu nome era Rosemary Summers, e no Juliet Lindsay, e, pela primeira vez, havia sido difcil assumir sua nova identidade. Sentia muita gratido por Rosemary. Ela e sua amiga estudavam no mesmo colgio interno. Os pais de Rosemary eram mdicos e sua filha tinha resolvido seguir seus passos, estudando medicina. Ela e Juliet sempre foram amigas ntimas, muito embora o pai desta ltima tentasse desencorajar aquela amizade. No considerava a famlia Summers companhia apropriada para sua filha, mas, nesse ponto, Juliet batera o p e sua amizade com Rosemary prosseguira. Encontravam-se com frequncia e falavam de suas experincias. Juliet invejava a liberdade de sua amiga e sua determinao em escolher uma carreira.

Quando Robert Lindsay comeou a campanha para obrigar Juliet a casar, esta confiou seus problemas a Rosemary. Sua amiga foi muito solidria e ouviu-a com ateno, pesando a situao, da mesma forma como examinaria as queixas de seus pacientes.

Se fosse voc, arranjaria um emprego, qualquer tipo de emprego, pois isso lhe daria alguma independncia opinou Rosemary.

fcil dizer, Rosemary, mas meu pai jamais permitiria! Ele

seria muito bem capaz de subornar quem me empregasse e eu seria

despedida!

Oh, Juliet, deve existir um lugar onde voc possa trabalhar e

escapar influncia de seu pai!

No neste pas.

Mas ento que seja fora dele.

Como?

No sei. H muita gente querendo governantas e babs que se disponham a viajar.

No posso exercer nenhuma das duas funes. No fui treinada para isso!

Rosemary teve de concordar e o problema permaneceu sem soluo at Juliet ler o anncio no The Times. Telefonou para Rosemary e combinaram um encontro durante o almoo, quando examinariam os prs e os contras da situao.

Voc deve saber muito bem que haver dezenas de candidatas ao emprego observou Rosemary, esfriando um pouco o entusiasmo de Juliet.

Mesmo assim, o lugar muito distante e muitas garotas no havero de querer trabalhar to longe de casa.

Talvez... E seu pai?

Ele s ficar sabendo depois de eu ir embora. Se eu contar, ele far tudo para me impedir de aceitar.

Acaso duvida de que ele ir agir? Para ele, localiz-la ser a coisa mais fcil do mundo.

E, acho que voc tem razo!

Claro que tenho. Oh, Juliet, no sei o que dizer!

Mas no h nada a dizer... Subitamente ocorreu-lhe algo: Rosemary, tenho uma ideia! Creio que a soluo perfeita, caso voc concorde!

Diga l. De que se trata?

E se eu usasse o seu passaporte?

Meu passaporte?

Sim! Rosemary, a soluo perfeita! As pessoas vivem dizendo o quanto somos parecidas. Temos o mesmo cabelo, o mesmo peso, a mesma estatura! As fotografias de passaportes so um horror e ningum presta muita ateno a elas. Seu cabelo da mesma cor do meu e a nica coisa que preciso fazer usar um penteado igual ao seu. A cor da nossa pele praticamente a mesma,

Voc mais morena, mas eu no tive a chance de passar trs semanas no Sul da Frana.

Talvez no acredite, Rosemary, mas eu preferia estar em seu lugar!

Eu sei, eu sei. Roseinary arrependia-se do que tinha dito. Comparada com sua vida, a de Juliet era muito vazia. Bem, se concordarmos, isto quer dizer que voc adotar a minha identidade...

mesmo! E essa agora...

O problema no insupervel. Afinal de contas, l ningum sabe o seu nome ou o meu. Voc pode muito bem passar por Rosemary Summers. E um nome um tanto comum.

Quer dizer que est levando a srio a minha proposta? Diga que no

me engano, Rosemary!

No vejo como posso recusar. Gosto muito de voc, Juliet, e, apesar de termos a mesma idade, sempre me senti muito mais velha do que voc. No quero v-la forada a fazer um casamento que a deixar infeliz.

Voc ento acha que vai dar certo?

Bem, primeiro preciso conseguir o emprego. Para falar a verdade, duvido que, com essa aparncia, voc o consiga.

Por qu?

Para incio de conversa, voc no parece precisar de emprego. Em segundo lugar, eles havero de querer uma pessoa comum, simples. No se esquea de que o Caribe um lugar de milionrios. Seus patres no ficariam nem um pouco contentes, se voc encontrasse um marido logo nas primeiras semanas da sua chegada.

Voc tem razo como sempre. Tenho de conseguir uma aparncia muito simples. Se usar o cabelo preso em cima, como voc, aparentarei alguns anos a mais do que tenho!

Obrigada pelo elogio! disse Rosemary, e ambas caram na risada.

Juliet sorriu levemente, ao recordar a conversa. Rosemary mostrara-se uma criatura maravilhosa, sobretudo porque sabia, tanto quanto Juliet, que Robert Lindsay entraria imediatamente em contato com ela, ao descobrir que sua filha tinha desaparecido. Precisava mostrar muita astcia para no ser surpreendida por um homem to decidido quanto seu pai.

A entrevista foi um tanto diferente do que Juliet imaginava. Quando chegou ao escritrio de Benyon, Forster, Benyon e Benyon, encontrou apenas uma candidata espera. Era uma moa da sua prpria idade, que confessou a Juliet que o emprego parecia no ser to interessante assim.

A pessoa escolhida deve fazer companhia garota. Sabia que ela est presa a uma cadeira de rodas?

Bem, o anncio falava em certas limitaes fsicas.

Certas limitaes? No considero que uma criatura invlida tenha apenas certas limitaes! Cheguei at a pensar que a garota tinha apenas um brao ou qualquer coisa no genero!

Creio que isso no tem importncia disse Juliet, um pouco irritada com os comentrios da outra. Uma garota to jovem e com esse tipo de limitao precisa de companhia.

O que eles querem uma enfermeira, no uma acompanhante. Creio que no vou ficar para a entrevista. No quero esse tipo de emprego. O que me agradou foi a oportunidade de viajar. Diga-lhes que mudei de idia, sim?

Est bem. Tem certeza do que est fazendo?

Claro. Adeus. Espero que consiga o emprego, caso o queira de verdade!

Depois que a moa se retirou, Juliet sentiu-se pouco vontade. O que os entrevistadores haveriam de pensar, quando lhes comunicasse que uma das candidatas tinha mudado de idia? Contanto que no fossem achar que ela havia dito algo que levasse a garota a desanimar...

Logo surgiu um dos advogados, o sr. Forster, e Juliet explicou a situao:

Creio que no fomos muito claros no nosso anncio, srta. Summers. Todas as candidatas pareciam acreditar que a srta. de Castro tem leves impedimentos fsicos, que no trariam maiores problemas. Por certo, a outra candidata deve ter-lhe contado a verdadeira situao.

Contou, sim.

Sei, sei... Foi muita bondade, de sua parte, esperar pela entrevista. Creio que precisaremos colocar um novo anncio.

Est insinuando que eu no sirvo para o emprego?

Mas est disposta a aceit-lo?

Sim, caso o senhor se disponha a me entrevistar.

Mas claro que sim, srta. Summers! disse o advogado, sem disfarar seu contentamento. Vamos entrar! Creio que chegaremos a um acordo. Foi justamente o que aconteceu.

Juliet sentiu o hidroavio inclinar-se ligeiramente e olhou pela janela, sentindo-se novamente excitada. O sr. Forster lhe contou que Teresa tinha ficado ferida no mesmo desastre de automvel em que seus pais morreram. Era paraltica da cintura para baixo e o acidente ocorrera havia seis meses. Desde que sara do hospital, a garota morava em Venterra com seu tio, Filipe de Castro.

Preparavam-se para aterissar e Juliet contemplou o maravilhoso panorama da ilha, cuja rea central era coberta de matas luxuriantes. O litoral era recortado por baas e enseadas, e, a alguma distncia da costa, havia uma linha de recifes. Aldeias situavam-se no sop dos morros e barcos de pesca estavam parados junto aos ancoradouros de pedra. O brilho do sol acentuava o verdor das folhas e as cores exticas das flores. Juliet suspirou ligeiramente. Sentia-se em parte aliviada e em parte apreensiva, pois agora teria de enfrentar seu futuro patro e suas responsabilidades.

Era a nica passageira do hidroavio, alm da aeromoa. Percebeu, atravs de seus comentrios, que o aparelho pertencia ao senhor de Castro, seu futuro patro, e era empregado porque no tinha sido possvel construir um campo de pouso na ilha, devido ao terreno acidentado. O sr. Forster informara que o senhor De Castro era um cavalheiro portugus, que possua canaviais na ilha, e que em sua casa trabalhavam vrios criados, inclusive uma enfermeira americana para Teresa. Tudo aquilo parecia muito animador e Juliet, encantada com a prpria liberdade, ficava a sonhar.

O hidroavio aproximou-se de uma pequena baa e Juliet apertou o cinto.

Estamos chegando? perguntou aeromoa.

Sim, senhorita. Estamos em Venterra. Gosta?

Gosto, sim. E agora, que faremos?

Pedro j est se aproximando do hidroavio, com o seu barco!

E verdade. Bem, muito obrigada. Como fao para chegar casa dos Castro?

A aeromoa trouxe suas malas e a informou.

No se preocupe. Mandaram um carro busc-la.

timo. Juliet mal conseguia disfarar a apreenso que tomava conta dela. A casa fica muito longe?

A quinta, senhorita? No, de modo algum. Miguel a conduzir at l.

Juliet decidiu que j tinha feito perguntas em excesso. No devia manifestar tamanha curiosidade em relao a seus patres. O senhor de Castro seria casado? Era bem provvel, embora o sr. Forster no tivesse tocado no assunto. Devia ser de meia-idade. O sr. Forster dissera que Teresa era filha de seu irmo mais novo. Como a garota tinha dezesseis anos, no eram necessrios muitos clculos para imaginar que o tio dela deveria ter no mnimo uns quarenta anos. Nervosa, Juliet esperava que ele no fosse aquele tipo de homem que dava em cima das empregadas! Semelhante idia jamais lhe tinha ocorrido, mas agora a possibilidade lhe parecia bastante provvel e perturbadora.

O pequeno barco chegou bem perto do hidroavio. O piloto abriu a porta para Juliet. Ela tinha resolvido usar calas compridas e no se arrependeu de sua escolha, pois isso lhe facilitava os movimentos.

O calor era temperado por uma brisa suave e o barco oscilava levemente. .Os odores da ilha, a maresia e o perfume das flores misturavam-se com o cheiro doce da cana. Juliet respirou fundo e sua apreenso diminuiu um pouco.

Pedro, o barqueiro, era to moreno quanto a aeromoa, mas seus traos eram mais europeus. Saudou com bom humor o piloto e olhou com indisfarada curiosidade para Juliet, antes de pegar as malas e acomod-las no barco. Aps conversar rapidamente com a tripulao do hidroavio, pegou os remos, dirigindo o barco para o cais de pedra. Juliet percebeu que havia no cais muitas mulheres e crianas interessadas no que estava acontecendo, e olhou sua volta, a fim de disfarar o quanto aquilo a constrangia. Havia, com certeza, muito que se ver, como, por exemplo, as casas de veraneio, pintadas de cores vivas, os barcos de pesca, com as redes estendidas a fim de secar, as palmeiras que enfeitavam as praias e, pondo uma nota esquisita na paisagem, um enorme carro conversvel cor de creme, estacionado no acostamento da estrada que serpenteava por entre as casas.

Miguel quem est no carro disse Pedro. - meu irmo.

Ah, sei.

Chegaram ao cais e Pedro jogou uma corda para Miguel, que a amarrou a um pilar. Este ltimo ajudou Juliet a saltar e sorriu para o irmo.

a srta. Summers?

Sim. O senhor de Castro o mandou me esperar?

Sim, senhorita. Foi o duque quem me enviou.

O duque? indagou Juliet, muito surpreendida. Que duque?

O duque Filipe Ricardo de Castro, o homem que a contratou.

Meu patro um duque? No acredito! Durante a entrevista l em Londres no me disseram nada!

Juliet fez uma pausa, pois estava fazendo um nmero excessivo de perguntas. Afinal de contas, existia a possibilidade de que o sr. Forster tivesse bons motivos para no lhe contar que seu patro seria um duque. Depois de ter tantos problemas em contratar algum, talvez imaginasse que tal revelao prejudicasse a chance de conseguir uma candidata satisfatria.

Miguel a estudava com ar divertido e Juliet procurou dominar-se. Enfim, que importncia tinha aquilo? J havia sido apresentada a mais de um duque e eles eram gente como os outros. Por que razo haveria de ficar alarmada?

este o carro?

Sim, senhorita disse Miguel. Pedro, voc trouxe toda a bagagem? timo. Vamos, senhorita.

Ela seguiu at o carro, ignorando os olhares de curiosidade dos moradores da ilha, que os encaravam com interesse. Por que tinha de se perturbar tanto? S porque havia descoberto que seu patro era um duque portugus? Que coisa mais ridcula!

Ainda assim, no conseguia deixar de pensar que um duque era ligeiramente diferente de um simples senhor e, em sua posio precria, quanto menos complicaes houvesse, melhor.

Miguel acomodou as malas, teve um breve dilogo bem-humorado com Pedro, sentou-se direo e partiram. Percorreram todo o cais. deixando para trs um bando de crianas que acenavam e cujas mes sorriam. Seguiram por uma estrada cheia de curvas, que seguia ao longo da praia, e tomaram uma outra estrada, a qual serpenteava pelas colinas cobertas de vegetao. De l Juliet tinha uma vista magnfica de toda a costa, cujas baas lhe conferiam uma beleza selvagem. As pequeninas enseadas tinham praias cobertas de areia cor de coral e os rochedos despontavam por entre as ondas. Na mata via-se a extraordinria beleza dos oleandros e hibiscos floridos, alm de plantas exticas, cujo nome Juliet desconhecia. Agora desciam para um vale entrecortado por riachos e ribeires, em cujas margens cresciam flores azuis. L havia numerosos canaviais, e o cheiro adocicado era embriagador.

Esta fazenda por acaso pertence ao duque? indagou Juliet, inclinando-se para a frente, incapaz de dominar a curiosidade que sentia.

Senhorita, a ilha inteira pertence ao duque.

Oh! exclamou Juliet, recostando-se no banco.

Acha que ir gostar daqui, senhorita?

Tenho certeza que sim. Estamos muito longe?

No muito. Veio para fazer companhia jovem senhorita, no mesmo?

Juliet hesitou. No queria falar demais, mas aquela pergunta lhe parecia bastante inocente.

isso mesmo.

a srta. Teresa. murmurou Miguel, como se falasse com ele mesmo. Sim, no ser nada fcil. Aps esse comentrio intrigante, ele no disse mais nada.

Deixaram o vale atravs de uma passagem estreita, na encosta de uma montanha, e saram num pequeno planalto. O sol esquentava cada vez mais e o calor era intenso, apesar de o carro ser conversvel. Juliet abriu a bolsa e tirou os culos escuros, torcendo para que a viagem terminasse em breve.

Agora voltavam a descer e, de cada lado da estrada, viam-se cafezais. Quando se aproximavam do nvel do mar, tomaram uma estrada menor que desembocava num porto muito imponente, aberto de par em par. Seguiram por uma alameda que levava residncia do duque de Castro.

Juliet mal conseguiu respirar, ao ver a quinta pela primeira vez. Era feita de tijolos aparentes e constava de trs alas que rodeavam um ptio central. Miguel parou em frente a residncia, que ficava no meio de um parque. Os raios do sol batiam nas vidraas das janelas, transformando-as em espelhos dourados. A quinta era imponente, impressionante e completamente diferente de tudo o que Juliet tinha imaginado at ento.

Sem esperar que Miguel a ajudasse, desceu do carro e ficou olhando os portais da entrada, enfeitados com o braso da famlia Castro. De l via-se o ptio central, com uma fonte que proporcionava um constante frescor ao lugar.

Vamos, senhorita disse Miguel, sorrindo ao notar seu ar de admirao. Consuelo lhe mostrar o seu quarto. Ter tempo de descansar antes de conhecer o duque e sua sobrinha.

Juliet ficou aliviada com a informao, pois ao menos teria a oportunidade de trocar de roupa, antes de conhecer um personagem to aristocrtico quanto o duque de Castro.

Passaram pelas pesadas portas e entraram num vestbulo cujo piso era de mrmore. Uma escada de ferro forjado, pintada de branco, levava ao andar de cima. Havia flores em todos os cantos, arranjadas com muito gosto. Exalavam um cheiro delicioso e Juliet pensou que nunca conseguiria recordar Venterra sem evocar aquele perfume.

Contemplava tudo o que via com grande interesse, enquanto Miguel ia buscar as malas. Nesse momento aproximou-se uma mulher muito morena, vestida de negro, com um avental bem alvo. Parecia muito amvel e Juliet retribuiu seu sorriso. Seria ela Consuelo, a quem Miguel se referira?

Ah, voc est a, Consuelo! disse Miguel, carregando a bagagem. Como v, a srta. Summers chegou.

Voc se atrasou, Miguel!

O hidroavio acaba de chegar. No mesmo, senhorita? Srta. Summers, quero lhe apresentar Consuelo Rodrigues, governanta do duque e prima de minha me.

Juliet sorriu, cumprimentando-a, e Consuelo cruzou os braos.

Seja bem-vinda quinta, senhorita. Espero que seja muito feliz, aqui.

Obrigada.

Juliet no se sentiu muito vontade. Pela primeira vez experimentava a sensao de ser empregada de algum e no sabia exatamente o que se esperava dela.

O quarto da senhorita j est pronto? indagou Miguel. Creio que ela gostaria de tomar um banho e relaxar durante alguns instantes, antes de conhecer o duque.

Sim, est tudo pronto. Muito obrigada, Miguel. Pode deixar o resto comigo. Jos est sua espera no pomar.

Provavelmente ns nos veremos mais tarde, senhorita disse Miguel, sorrindo mais uma vez para Juliet e se retirando.

Juliet suspirou, aps sua partida. A presena de Miguel lhe dava certa tranquilidade e agora voltava a sentir-se tensa e nervosa. No que Consuelo fosse uma pessoa que a intimidava. Tinha um rosto redondo e sorridente e parecia bastante amvel. Pegou as duas malas de Juliet e comeou a subir a escada, indicando-lhe para que fizesse o mesmo.

Ao longo das paredes havia numerosos retratos a leo e Juliet os contemplou com admirao. Os homens eram morenos, tinham ar enrgico, e as mulheres, muito claras. Havia retratos individuais e grupos de famlia. As crianas usavam veludos e cetins, muito pouco apropriados ao clima quente de Venterra. H quanto tempo os duques de Castro estariam na ilha? Provavelmente centenas de anos, desde que os primeiros espanhis descobriram o Caribe. Era um perodo da histria que sempre tinha provocado o maior interesse nela.

Mal tinha chegado ao ltimo degrau quando ouviu passos de algum que entrava no vestbulo. Olhou para baixo, curiosa, e viu surgir um homem. Era alto, tinha cabelos negros e pele muito queimada de sol. Usava uma camisa azul-marnho, aberta no peito e revelando a musculatura atltica. Era, de longe, o homem mais atraente que Juliet vira at ento e no pde despregar os olhos dele, at que finalmente o desconhecido a encarou com seus olhos esverdeados e frios.

Por Deus! disse, muito zangado. Miguel tinha razo. Desa, senhorita!

Ele simplesmente dava ordens, sem demonstrar a menor cortesia, e Juliet sentiu-se indignada. O homem, impaciente, batia um pequeno chicote contra o couro lustroso de sua bota de montaria.

Ouviu o que eu disse, senhorita? No estou acostumado a esperar!

Esta a srta. Summers, senhor! disse. Consuelo, que descia a escada.

Juliet ficou tensa. Ento aquele era seu patro, o duque de Castro. Que charme tinha aqueie homem!

Sei muito bem o nome dela! Senhorita! Est paralisada ou se transformou em pedra?

Juliet revoltou-se, ao ouvir aquelas palavras to arrogantes. Quem ele imaginava que era? No estava falando com uma pessoa qualquer! Durante alguns instantes, sentiu-se tentada a revelar sua verdadeira identidade. Afinal de contas, seu pai era muito conhecido nos crculos financeiros internacionais. A tentao logo passou. Se fizesse semelhante revelao, o mais provvel era que seria despedida no ato. Aquele homem vivia muito distanciado das capitais financeiras do mundo e certamente se considerava o dono de seu pequeno universo.

No queria que o duque percebesse que a tinha aborrecido ou perturbado. Controlou-se perfeitamente e desceu lentamente os degraus. Quando pisou no cho do vestbulo, percebeu que aquele homem era ainda mais imponente. Juliet era alta, mas ele era muito mais. Tinha ombros largos e movimentos geis, prprios de um verdadeiro atleta.

No estou paralisada e muito menos petrificada, senhor disse Juliet, com uma confiana maior do que aquela que sentia na realidade. O senhor meu patro, no mesmo?

Sou o duque Filipe Ricardo de Castro, senhorita. No me recordo de t-la empregado!

No compreendo, senhor. Fui empregada por um escritrio de advocacia em Londres a fim de fazer companhia sua sobrinha, a srta. Teresa de Castro.

O homem a estudou com insolncia durante alguns instantes e voltou-se para Consuelo:

Estava a par disso, Consuelo?

Sim, senhor.

Desde quando?

J faz duas horas, Filipe observou uma voz muito clara que vinha da porta que conduzia ao ptio externo.

Juliet voltou-se e viu uma mulher baixa, bem-feita de corpo e muito bonita. Era morena, como o duque, e usava um vestido em tons arroxeados. Parecia calma e muito sofisticada. Sorriu com simpatia para Juliet e para o duque.

Querido, no fique zangado. Voc sabe que Teresa precisa de algum.

Voc esperou que eu fosse andar a cavalo para comunicar aos empregados que chegaria uma pessoa sobre a qual no sei absolutamente nada! No faz seis meses que voc empregou aquela garota americana, Laura Weston, e, depois daquele fracasso, eu me recusei a admitir qualquer outra pessoa. Voc sabia disso muito bem, Estelle!

Querido, voc est deixando a srta. Summers constrangida. Vamos deixar esta conversa para mais tarde. Consuelo, leve a srta. Summers a seu quarto.

Sim, senhora!

Consuelo preparou-se para subir, mas Juliet sentiu que no conseguia dar um passo. Ali estava algo que nem ela, nem Rosemary calculavam. Seus planos, to bem traados, iriam falhar, pelo fato de o anncio ter sido colocado sem o conhecimento do duque? No conseguia acreditar no que estava acontecendo.

O duque voltou a contempl-la. Estudou-a durante algum tempo e, sem dizer palavra, atravessou o vestbulo e entrou numa sala, batendo a porta com toda fora.

A mulher a quem ele chamara de Estelle parecia no ter ficado nem um pouco perturbada.

Acompanhe Consuelo, senhorita. No se preocupe com o que acaba de acontecer. Garanto-lhe que o seu emprego no corre o menor perigo.

Finalmente Juliet se mexeu, seguindo Consuelo. Gostaria de poder ter a mesma certeza que Estelle. A nica coisa que conseguia recordar era a expresso de fria estampada no olhar daquele homem e a fora de atrao, que a atingira com todo seu magnetismo.

CAPTULO II

Seu quarto dava para o mar e na varanda havia uma espreguiadeira, onde seria delicioso sentar-se nos dias quentes. O aposento, decorado em tons de azul, verde e cinza, era luxuoso, confortvel e dispunha de um banheiro privativo.

Consuelo colocou a sua bagagem no cho e a encarou toda sorridente.

Tudo bem, senhorita?

Oh, sim. Obrigada, Consuelo. Tudo est perfeito, mas...

A senhora Estelle foi sincera, naquilo que disse. O duque no a dispensar sem mais esta nem aquela.

Mas... o duque, pelo visto, nem sequer sabia que eu viria trabalhar aqui!

No mesmo, senhorita.

Aquela pessoa... quem ? Mulher dele?

No, senhorita. O duque no casado, A sra. Estelle Vinceiro viva de seu primo, Pedro. Mora aqui em Venterra, no muito longe da quinta.

Ah, sei. E quando verei a srta. Teresa?

Quando estiver pronta. A srta. Teresa, no momento, se encontra na companhia da srta. Madison. Ela vem fazendo o papel de enfermeira e dama de companhia desde que a srta. Weston foi despedida.

Havia tantas perguntas que Juliet queria fazer! Desejava saber sobre aquele fracasso a que o duque se referira, queria saber as razes pelas quais Laura Weston tinha sido despedida e gostaria de ficar a par do tipo de influncia que Estelle Vinceiro exercia sobre a quinta. Quase se divertiu ao recordar seus pensamentos durante a viagem at a ilha. Eles tinham tudo a ver com os problemas que deixara para trs e no sabia que enfrentaria vrios outros.

J passa do meio-dia, senhorita. Sugiro servir seu almoo aqui no quarto, a fim de que tenha tempo de desfazer as malas e descansar um pouco. Aps a sesta, que a srta. Teresa sempre faz em seu quarto, virei sua procura, a fim de que tome ch com ela, sim?

Otima ida, Consuelo. Obrigada. Acha que... o duque haver de querer me ver novamente?

Quem pode dizer, senhorita? Mas, se estiver repousando, ele no me pedir para perturb-la. Se precisar de alguma coisa, basta apertar a campainha.

Assim que Consuelo saiu, Juliet pegou as malas e as colocou em cima da cama. Tirou o casaquinho do tailleur e foi para a varanda. Apesar de a viagem no ter sido longa, sentiu-se subitamente desprovida de energia. Sentou-se na espreguiadeira e acendeu um cigarro, antes de fazer qualquer coisa.

Os acontecimentos dos ltimos minutos tinham assumido propores um tanto srias. Que situao! Gostaria que Rosemary estivesse presente, a fim de poder discutir o problema com ela.

Uma batida porta anunciou a chegada de uma jovem criada, que carregava uma bandeja com o almoo. Havia suco de frutas, costeleta de porco com arroz, sorvete, caf e frutas frescas. Era uma refeio deliciosa e, assim que terminou, Juliet sentiu-se bem mais disposta. Abriu as malas, pendurou os vestidos no amplo guarda-roupa e, aps descansar um pouco, foi tomar um banho de chuveiro. Fechou as venezianas, e a luz que penetrava por entre as frestas projetava sombras no forro. Contemplou-as durante alguns instantes, mas seus olhos cerraram-se e ela adormeceu.

Ao despertar, sentia-se bastante repousada, mas levou um susto quando percebeu que batiam sua porta. Levantou-se, vestiu um penhoar e foi atender. Era Consuelo.

J passa das quatro, senhorita. Disse srta. Teresa que a senhorita iria tomar ch com ela.

Meus Deus! Desculpe, Consuelo, ainda no estou pronta. Pode esperar cinco minutos?

Muito bem, senhorita concordou Consueio, que parecia no estar nem um pouco contente com o atraso.

Juliet ps um vestido branco de nilon, sem mangas, de saia curta, e escovou os cabelos loiros e lisos, que lhe caram pelos ombros. Censurando-se por ter dormido tanto, tentou prend-los, mas Consuelo voltou a bater porta.

Senhorita, apresse-se, por favor.

Juliet ficou desolada, pois detestava usar cabelos soltos. Precisava de muito tempo e pacincia para coloc-los em ordem. Provavelmente seria despedida e no precisava se importar tanto com sua aparncia.

Que cabelos to bonitos, senhorita! comentou Consuelo, assim que ela saiu do quarto.

Talvez, mas so muito pouco prticos. Desculpe faz-la esperar, Consuelo. Creio que adormeci.

E por causa do clima. Aqui quase todo mundo faz a sesta. No acha uma boa ideia?

Sim, sem dvida concordou Juliet. Agora sentia-se mais disposta a enfrentar qualquer dificuldade que surgisse.

Desceram at o vestbulo e foram para o ptio, todo forrado de lajotas de diferentes cores. Flamboyants e primaveras emprestavam quele cenrio uma beleza toda tropical. Sobre uma mesa com tampo de vidro estavam uma jarra, um balde com pedras de gelo e vrios copos. Ao lado da mesa, numa cadeira de rodas, encontrava-se uma garota, folheando distraidamenle uma revista. Ao perceber a presena de outras pessoas, voltou-se encarando Juliet e Consuelo comunicou que iria buscar o ch.

A garota era morena, como seu tio e usava uma trana. Sua expresso era distante, um tanto fechada, e Juliet aproximou-se, sentindo uma vaga inquietao.

Ol! disse, procurando ser calorosa. Voc deve ser Teresa. Meu nome Rosemary. Quase se enganou e disse Juliet.

A garota encarou-a com um olhar critico e ps a revista de lado.

Sou Teresa, sim. Quem mais eu poderia ser?

Tem razo. Foi um comentrio bobo, mas que eu no tinha outro jeito de me apresentar.

De onde foi que voc veio? De Londres?

Sim.

Estelle no desiste nunca, no mesmo?

Juliet achou melhor no responder. No tinha o menor desejo de tomar partido sem antes saber o que se passava. Sentou-se numa cadeira de vime prxima mesa e suspirou.

Que lugar to bonito! Voc deve gostar muito daqui, no mesmo? Teresa limitou-se a dar de ombros e Juliet notou o quanto ela era magra.

, bonito.

Falava com muito pouco sotaque, e Juliet presumiu que tivesse estudado num colgio ingls.

De qualquer maneira, melhor do que o hospital.

Ficou muito tempo l?

Mais do que devia. Teresa no tirava os olhos dela. O que voc fazia, antes de vir para c?

Bem... eu... tive vrias atividades! disse Juliet, toda ruborizada.

Por que veio para c? Achou que era uma oportunidade de passar frias agradveis?

No, no! Vim porque li um anncio num jornal de Londres e o emprego me pareceu interessante.

Soube que meu tio no a recebeu de braos abertos... verdade!

Ele devia estar mesmo muito zangado, depois do que aconteceu a ltima vez!

Juliet no fez a pergunta que estava na ponta de sua lngua e Teresa prosseguiu:

Estelle tenta me isolar o tempo todo. Creio que est com cime!

Cime? A sra. Vinceiro? Mas por que haveria de ter cime?

Ora, muito simples: Estelle quer Filipe! J o desejava h dez anos, quando se casou com o primo dele, que tambm morava em Venterra. Meu tio no estava preparado para se casar com ela naquela ocasio. Pepe, o marido dela, morreu h dois anos. Era muito mais velho do que ela e Estelle acabou fazendo o que queria: morar em Venterra e fazer mais uma tentativa de casar com meu tio.

Juliet engoliu em seco. Era penoso ouvir aquela histria da boca de uma garota de apenas dezesseis anos!

Creio que voc est dramatizando a situao, Teresa disse, sentindo-se aliviada ao notar que a criada trazia uma bandeja com o ch.

No estou, no! protestou Teresa, indignada. Estelle detestou, quando Filipe me trouxe para c e me instalou na sua casa, o que dificultou muito os seus planos.

No diga uma coisa dessas! Afinal de contas, voc sobrinha dele.

Sou sobrinha por afinidade. Meu pai no era irmo de Filipe. Minha me j tinha sido casada. Meu pai morreu h dez anos, de um ataque cardaco.

Ah, sei. Quer que eu sirva o ch?

Sim. Agora sou rf e os laos de sangue so muito fortes, entre as famlias portuguesas. Filipe se sente responsvel por mim, mesmo que o nosso parentesco seja distante.

Compreendo. A situao era bem complicada, pensou Juliet.

O ch era fraco, mas quente, e os biscoitos, deliciosos. Teresa tomou uma xcara de ch, mas no comeu, e Juliet sentiu-se gulosa por ter comido trs biscoitos. A conversa esmoreceu e Juliet ficou a imaginar o que devia estar passando pela cabea da garota. Ela, pelo visto, deixava-se empolgar pela intriga e via-se no papel de uma criatura inocente, que interferia nos planos de Estelle Vinceiro. Parecia imaginar que talvez o duque se sentia atrado por ela. Acaso lhe passava pela cabea que o cime de Estelle Vinceiro se baseava em fatos verdadeiros? Aquilo era inacreditvel! Juliet conhecia o duque muito pouco, mas sabia que ele se aproximava dos quarenta anos e no era, portanto, um garoto impressionvel. Tudo aquilo lhe parecia ridculo!

Meu tio consentir em que voc fique?

No tenho certeza. Por que no consentiria? Afinal de contas, voc precisa de companhia, no mesmo?

No. Filipe a nica companhia de que preciso.

Mas algum no foi dessa opinio, caso contrrio o anncio jamais teria sido colocado.

Foi Estelle quem o colocou. Quer que eu tenha uma companhia a fim de que Filipe reserve mais tempo para ela. Odeio Estelle.

Teresa! Juliet estremeceu, ao ouvir o som daquela voz. O que est fazendo?

Oh, tio Filipe!

Teresa estendeu a mo para ele e comeou a falar em portugus. Havia uma expresso de inocncia em seu olhar e Juliet sentiu-se intrigada, desejando saber o que era dito.

O duque agora usava um terno de linho cor de creme, que contrastava com sua pele morena. A cala, muito justa, evidenciava a poderosa musculatura de suas pernas e Juliet ficou surpreendida ao notar o quanto o terno era bem cortado. Imaginava que Ventetra era um lugar isolado da civilizao, mas um homem como o duque Filipe Ricardo de Castro s se vestia com os melhores alfaiates de Londres. Era difcil encar-lo sem alguma emoo. Sua personalidade era to forte que Juliet sentiu uma intensa perturbao.

Quer dizer, ento, que a senhorita descobriu que nem tudo o que l nos jornais verdade... disse o duque, tirando uma cigarrilha de uma cigarreira de prata. Ele se exprimia com ironia e frieza.

Est se referindo ao anncio?

O duque inclinou a cabea e acendeu a cigarrilha com um isqueiro de ouro.

Claro. A senhorita foi... como diria?, induzida em erro. E claro que sinto muito, mas...

Juliet engoliu mais aquele insulto e achou que no estaria em tamanha desvantagem, se porventura se levantasse.

O senhor acha que fui induzida em erro! Acaso est tentando dizer que no necessita dos meus servios?

uma pessoa muito perspicaz, srta. Summers. Era exatamente isso o que eu queria dizer.

E posso lhe perguntar por qu?

O duque parecia aborrecido, pois, pelo visto, no estava habituado a se ver contrariado. Olhou para Teresa com ar pensativo e prosseguiu:

Acho melhor discutirmos o assunto no meu escritrio. Sei que se sente aborrecida, mas creio que posso compens-la financeiramente pelo incomodo causado. Venha!

Era quase uma ordem, e Juliet obedeceu, mesmo sentindo-se indignada por ele imaginar que podia compr-la.

Seguiram por um corredor cujas janelas davam para um jardim todo florido e entraram num escritrio severamente mobiliado. O duque fechou a porta e acomodou-se a uma mesa, indicando que Juliet devia sentar-se numa cadeira em frente a ele. Ela assim fez, agitada, e sua inquietao aumentou ao perceber que o duque no sentava, mas a encarava com aqueles olhos escuros e sombrios. Parecia estar entregue a seus pensamentos e finalmente acabou por se expressar:

tarde demais para viajar at Barbados e de l para a Inglaterra ele declarou finalmente, quando a tenso em Juliet estava a ponto de explodir. No entanto, amanh o hidroavio estar sua espera s dez da manh.

Ao ouvir tais palavras, alguma coisa em Juliet despertou. A vida inteira tinha-se acostumado a lutar por aquilo que queria e no via a menor razo para deter-se agora. Uma oportunidade como aquela talvez nunca mais surgisse em seu caminho. Seu pai nunca mais voltaria a confiar nela, uma vez que descobrisse o que tinha feito. Da por diante, algum a seguiria sempre, controlando seus menores movimentos. Era tarde demais para voltar, pois ele tomaria conhecimento de sua atitude. Rosemary tinha instrues para enviar uma carta a seu pai, dois dias aps sua partida, na qual ela explicaria parte de sua atitude, sem indicar de modo algum seu endereo. Com isso, Mandy e Robert Lindsay ficariam tranquilizados e no recorreriam polcia.

No entanto, esse homem, esse duque to arrogante, estava tentando arruinar tudo o que ela tinha lutado para conseguir e, ao mesmo tempo, procurava ignorar a situao que se desenvolvia sua volta. Ser que ele no enxergava o que estava acontecendo com Teresa? Acaso no percebia os sentimentos que a garota alimentava em relao a ele? Ou sabia de tudo e achava aquela situao satisfatria para seu ego?

Em tudo aquilo, a nica pessoa que lhe parecia agir com correo era Estelle Vinceiro. Cruzou as mos e partiu para o ataque:

J percebeu que sua sobrinha est apaixonada pelo senhor?

O duque mexia distraidamente em alguns papis, mas, ao ouvir tais palavras, levantou a cabea e encarou-a com profunda indignao. Juliet estremeceu e abaixou os olhos, imaginando como tivera coragem de fazer semelhante sugesto.

Senhorita, o seu comentrio talvez seja resultado da sua indignao por se ver despedida, mas devo dizer que de extremo mau gosto!

Juliet mordeu o lbio com fora. J que iria ser despedida, o que tinha a perder?

Quer se trate ou no de mau gosto, o que digo verdade. Por que imagina que ela no aceita uma pessoa que lhe faa companhia? Simplesmente porque isso limita o tempo que o senhor poderia passar com ela!

Basta! Nunca ningum me falou nesse tom! Como que sabe disso? Est aqui h menos de doze horas! Durante este breve tempo, julga que conseguiu perceber tudo o que acontece nesta casa?

O duque levantou-se, fazendo com que Juliet tivesse clara conscincia de que ele era um homem poderoso e que ela pisava em terreno perigoso, mesmo que fosse partir no dia seguinte. Quem mandava, naquele lugar, era o duque Filipe Ricardo de Castro. Quem a socorreria, caso ele decidisse pun-la por sua franqueza? Estremeceu, e ele finalmente voltou a sentar, diminuindo um pouco a tenso que reinava no ambiente.

Senhorita, refleti no que acaba de dizer e no posso acreditar. Afinal de contas, Teresa tem apenas dezesseis anos e eu estou para fazer quarenta. Semelhante ligao jamais poderia passar pela cabea de uma criana como ela. Jamais, em momento algum, dei-lhe motivos para... De repente, ele fez uma pausa e ficou tenso. Espere! No, no lhe darei explicaes. A senhorita partir amanh, conforme j disse.

Juliet suspirou, levantando-se.

Muito bem. senhor. Talvez a prxima pessoa que contratar no ser tratada com to pouco caso.

No haver mais damas de companhia.

No estou to certa disso. Dentro de um ano, a despeito da sua incapacidade fsica, Teresa estar pronta para se casar e talvez o senhor achar difcil sustentar sua posio!

Caminhou em direo porta, mas o duque, mostrando surpreendente agilidade, chegou primeiro, impedindo-a de sair.

Espere! Espere. Talvez eu tenha sido muito precipitado. Quem sabe a senhorita tenha razo? possvel que Teresa precise mesmo de uma companhia. A senhorita no a primeira pessoa a diz-lo. Minha prima tambm no do mesmo parecer? O duque encarou-a com um olhar enigmtico. Muito bem, senhorita, pode ficar, pelo menos por um ms. No fim desse perodo descobriremos se a sua presena nos trouxe algum benefcio. Est bem assim?

Juliet sentiu as pernas bambas. No sabia se aquilo era devido ao alvio por saber que ficaria ou se proximidade do duque.

Muito bem, senhor. O que dir a Teresa? Isto , supondo que eu concorde...

Ousa sugerir que talvez no fique? indagou o duque, sem disfarar sua indignao.

Juliet deu de ombros, mantendo a calma com extrema dificuldade.

Pelo visto, o senhor julga que pode dispensar-me e em seguida voltar a me empregar sem sequer levar em considerao os meus sentimentos. Sim, sugeri que Teresa precisa de companhia, e me indignei com o fato de o senhor achar que pode me devolver a Londres assim, sem mais nem menos, como uma pessoa indesejada. Acontece, porm, que eu tenho sentimentos e, como mulher, mereo um pouco mais de considerao!

O que hei de fazer? A senhorita a criatura mais exasperante que jamais conheci! Quanto ao fato de ser uma mulher, pouco mais do que uma criana!

Tenho vinte e um anos, senhor, e no sou mais criana do que a viva de seu primo, a sra. Vinceiro!

O duque calcou com toda fora sua cigarrilha num cinzeiro de cobre e a encarou com frieza.

E ento, senhorita? Qual a sua deciso? Ou precisa de tempo para pensar? Previno-a de que ainda posso mudar de opinio!

Ficarei, contanto que o senhor me fale um pouco mais a respeito de Teresa, do estado em que ela se encontra e por que sente tamanha relutncia em ter algum que lhe faa companhia!

Juliet ficou admirada com a prpria coragem, o mesmo acontecendo com o duque. Ele acendeu outra cigarrilha e foi at uma mesinha, onde havia vrias garrafas. Serviu-se de uma boa dose de usque e bebeu-a de um s gole, antes de voltar para Juliet e perguntar se ela tambm gostaria de beber. Juliet fez que no e ele a encarou com ar de zombaria.

As mulheres inglesas so completamente livres, nao mesmo?

Acabo de tomar duas xcaras de ch, senhor.

O duque sorriu, exibindo dentes muito alvos, e Juliet teve uma estranha sensao na boca do estmago. No se tratava de algo desagradvel, mas, mesmo assim, assustou-se um pouco. Sentiu-se mais tranquila quando o duque voltou a se aproximar da mesa, remexendo em seus papis.

Sente-se, por favor, senhorita, ou terei de ficar de p. Esta situao poder durar vrios minutos...

Juliet voltou a sentar e cruzou os braos.

Bem, vou lhe falar a respeito de Teresa. Como sabe, ela tem dezesseis anos e razoavelmente inteligente. Antes do acidente frequentava um liceu em Lisboa. Meu irmo morava nos arredores daquela capital, mas, aps a morte de seus pais e devido ao seu estado de sade, eu a trouxe para c. Teresa no era filha de meu irmo, mas do primeiro casamento de sua mulher.

Sim, Teresa me contou.

Ah, sei. Ela no dada a confidncias e isso me surpreende. Como disse, aps o desastre, trouxe-a para c. Ela no possui outros parentes. Estava sozinha no mundo. Naturalmente, como ela passou a assinar o sobrenome de meu irmo, era to filha dele quanto qualquer pessoa ligada pelo sangue.

Certo,

O acidente foi uma tragdia. Teresa ficou presa nas ferragens do automvel durante horas. Perdeu a conscincia e sofreu demais. Os mdicos no conseguem entender o que acontece com ela. No machucou as pernas, a coluna no foi afetada e ela simplesmente se recusa a andar! Esta a situao. por isso que no quero que ela passe por qualquer tipo de perturbao emocional. Somente o tempo, o afeto e a pacincia podero cur-la. Teresa tem uma enfermeira, a srta. Madison, pessoa muito capacitada. Acontece, porm, que ela tem certa idade e, em consequncia, no a companhia ideal para uma garota da idade de Teresa.

Mas ento por que criar tamanha dificuldade em contratar algum que lhe possa fazer companhia?

A senhorita muito curiosa! No sei se aprecio muito a sua atitude!

Por qu? No aprecia uma conversa franca?

Conversa franca? O que isso? O direito de se mostrar impertinente?

No. Estou dizendo a verdade e dando nome aos bois...

Hum! Prefiro guardar a minha opinio s para mim, senhorita.

E no vai me dizer por que se recusou a me empregar? Juliet estava mais do que decidida a esclarecer a situao.

Foi Estelle quem se encarregou de tudo, como fez da vez anterior, s que a garota era uma americana, Laura Weston. Foi um verdadeiro desastre. Teresa no gostava dela e havia constantes cenas de desarmonia. Alm do mais... Bem, creio que isso no lhe interessa nem um pouco. E ento, senhorita, o que pensa agora?

Claro que eu gostaria do emprego. Teresa representa um desafio e sempre gosto de enfrentar desafios.

Devo admitir que corajosa.

Juliet preferiu no ter dito nada. Aquela estranha sensao na boca do estmago voltava a se repetir. Levantou-se, apressada.

Quer que eu comunique a sua deciso a Teresa?

Um momento disse o duque, tambm se levantando. O que quis dizer exatamente com aquele comentrio, no comeo da nossa discusso?

Que comentrio? Juliet fingiu no entender.

Sabe muito bem a que me refiro. Disse que Teresa julgava estar apaixonada por mim.

Eu disse que ela estava apaixonada pelo senhor. Aos dezesseis anos, uma garota como Teresa possui sentimentos muito intensos.

E acredita realmente que existe alguma verdade nisso?

Claro. No fundo, a coisa me parece muito simples. O senhor representa tudo para ela. Livrou-a de uma vida de solido e, talvez, de pobreza, trazendo-a aqui para a ilha. Ela deve encar-lo como o heri dos seus sonhos! Alm do mais, o senhor, pelo visto, passa muito tempo com ela, entretendo-a, encantando-a! Teresa uma criatura impressionvel e sem amigos, o que muito importante.

E o que devo fazer? Ignor-la?

No, pois isso seria desnecessariamente cruel. Se eu permanecer, gostaria de ter a sua permisso a fim de procurar jovens da idade de Teresa que possam se tornar suas amigas. Talvez ento ela compreenda o quanto as suas esperanas so fteis.

Creio que a senhorita tem razo mais uma vez. Quem sabe, acabarei por lhe ser muito grato? Juliet caminhou at a porta e voltou-se.

E Teresa? Devo narrar a nossa conversa?

Creio que no. uma atitude que cabe a mim tomar. Sugiro que espere at amanh, antes de voltar a procurar minha sobrinha. Talvez hoje ela no aprecie a sua companhia.

Juliet achou que o duque minimizava o problema. Era quase certo que Teresa a odiaria, como j tinha odiado Estelle Vinceiro. Sentiu uma certa simpatia pela prima do duque. Ela, evidentemente, estava a par dos sentimentos de Teresa.

Devo jantar fora, hoje noite, mas provavelmente nos veremos amanh. Boa tarde, senhorita.

Juliet lhe desejou o mesmo e foi para seu quarto. L chegando, sentou pesadamente na cama e, durante breves momentos, no conseguiu entender tudo o que lhe tinha acontecido naqueles ltimos momentos. Era inacreditvel que tivesse tido a coragem de enfrentar o duque, mas a coisa havia dado certo e ela obtivera uma pequena vitria.

Foi at a varanda e ps-se a contemplar as dunas, que se estendiam at a praia. As guas verdes do Caribe contrastavam com a areia da costa. Juliet apoiou-se no parapeito, apreciando o calor do sol e aspirando o cheiro bom das trepadeiras, que cresciam em grande quantidade. Bastava-lhe estender a mo para tocar uma palmeira, cujas folhas, muito verdes, pareciam ter sido lustradas. Tinha a sensao de que se encontrava na ilha h muito tempo e, a despeito de tudo o que lhe acontecera, sabia que queria permanecer l.

CAPTULO III

Juliet dormiu profundamente e, ao despertar, ouviu os pios estridentes das gaivotas e o barulho das ondas que se arrebentavam de encontro aos rochedos. Pulou da cama e abriu a porta que dava para a varanda. Apesar de ser ainda cedo, j fazia calor. Respirou fundo e puxou os cabelos para cima das orelhas, permitindo que a atmosfera a envolvesse com seu calor e sua fragrncia. Ouvia os rudos de uma intensa atividade, que vinham da ala reservada aos empregados, e a voz melodiosa de um dos jardineiros que cuidavam dos canteiros.

O quarto de Juliet dava para o lado da casa que se abria para o mar, e esquerda, entre as rvores que enfeitavam a quinta, ela notou algumas construes, talvez as cocheiras e garagens. O duque, pelo visto, costumava andar a cavalo. Na vspera, por exemplo, quando Juliet lhe fora apresentada, Filipe usava botas, e ela se lembrava perfeitamente do chicote que ele empunhava.

Procurou no pensar no duque e tentou calcular a distncia a que se encontrava um belo e elegante iate, ancorado na baa. Essa parte da ilha parecia ser muito pouco povoada, embora certamente houvesse aldeias situadas no longe da quinta. Juliet imaginou se havia muitas outras famlias europeias na ilha e se elas se divertiam. Claro que o duque, com seus vastos recursos, podia visitar as ilhas de Barbados, St. Vincent ou Martinica, sempre que quisesse espairecer. Naqueles lugares era possvel se divertir ao ar livre, montar, velejar, praticar pesca submarina e esqui aqutico, ao lado de passatempos mais simples, tais como jogar tnis, golfe ou pescar. Seu pai sempre lhe dizia que o Caribe reunia tudo o que havia de melhor: um clima temperado, seco e ensolarado.

Voltando para o quarto, Juliet tomou uma ducha e estava se secando quando bateram porta. Mandou que entrassem e, espiando pela porta, notou que a jovem criada colocava uma bandeja sobre a mesa-de-cabeceira.

Oh, obrigada! disse Juliet, enrolando-se numa toalha. Onde que a srta. Teresa costuma tomar o caf da manh?

A srta. Teresa toma o caf no ptio.

Obrigada.

Juliet serviu-se de suco de frutas e a criada retirou-se. Logo em seguida, ela ps uma saia vermelha, toda pregueada, e uma blusa branca, com mangas trs-quartos. Passou algum tempo cuidando dos cabelos. Resolveu tran-los e amarr-los em cima da cabea. Tomou um gole de caf, pegou a bandeja e saiu do quarto.

Apesar de a quinta ser grande, no encontrou a menor dificuldade em localizar o vestbulo. Quando lhe servira o jantar no quarto, na noite anterior, Consuelo descrevera brevemente a disposio dos comodos da casa. Agora Juliet sabia que Teresa tinha seus aposentos naquela ala mais afastada do mar porque no gostava do barulho das ondas.

Quando Consuelo lhe serviu o jantar, Juliet achou que aquilo era um sinal de que no queriam que ela sasse de seu quarto. Mas a governanta explicou que o duque tinha sado e que Teresa jantava em seu quarto com a enfermeira, a srta. Madison. Assim sendo, ela teria de sentar-se sozinha mesa e se sentiria muito s. Ainda assim, aps jantar, Juliet aproveitou a oportunidade e deu um passeio pelo jardim, gozando os perfumes e os sons da noite. No muito longe, uma orquestra tocava um dolente calipso, cujos sons vinham at ela. Talvez, naquele momento, houvesse uma festa em uma das aldeias prximas, e ela sentiu uma ponta de inveja.

Nessa manh, porm, tudo tinha sido esquecido e Juliet se ps a imaginar, com algum receio, que atitude seu pai tinha tomado em relao sua carta. Sem dvida, estaria furioso e esperava que no maltratasse Rosemary quando estivesse com ela. Claro que Rosemary era perfeitamente capaz de lidar com ele, pois era uma criatura sensata e decidida.

Juliet foi at a cozinha e entregou a bandeja criadinha sorridente, a qual confirmou que a srta. Teresa j se encontrava no ptio.

Assim que se aproximou, verificou que Teresa j tinha comeado a tomar o caf da manh, muito simples, que consistia de um bolo e suco de frutas. Ela no levantou os olhos quando Juliet se aproximou.

Bom dia, Teresa. Dormiu bem?

Teresa no respondeu e Juliet serviu-se de caf. Assim que a criada se retirou, tomou o caf com ar pensativo, olhando disfaradamente para a garota e imaginando que pensamentos a torturavam naquele momento. Teresa evitava o mais possvel encar-la e concentrava-se em comer.

Juliet aceitou um pedao de bolo que a criada lhe trouxe e comeou a descascar um pssego.

Voc pretende manter esse silncio indefinidamente ou vai me contar o que a preocupa, pondo um ponto final no assunto?

Teresa lanou-lhe um olhar de desprezo e se recusou a falar. Juliet perdeu o apetite. Aquele caso no tinha mesmo jeito! Se o duque aparecesse naquele momento e notasse a reao de Teresa, imaginaria o pior.

Pelo amor de Deus! Julguei que voc se considerava adulta! exclamou, percebendo que s pela agressividade conseguiria despertar alguma reao na garota.

No tente me deixar com raiva! disse Teresa, pousando o copo sobre a mesa com violncia. A sua presena s produz inimizade entre ns! J lhe disse que no a quero aqui e continuo no querendo!

Sei. Existe algo em mim que lhe desagrada ou voc no aprecia a companhia das pessoas em geral?

Pare de bancar a esperta! No sei o que voc disse a Filipe, mas no conseguir me convencer, como parece t-lo convencido!

Seu tio percebe que voc precisa de companhia, gente da sua idade.

Voc no da minha idade!

Eu sei, mas, quanto idade, estou muito mais prxima de voc do que qualquer pessoa presente.

E da? Voc nada sabe a meu respeito. No costumo me dar bem com mulheres!

No mesmo? Que decepo! Pois ento precisamos providenciar alguns... namorados...

Que ousadia! Se acaso est pensando em trazer as garotas e rapazes da ilha para me conhecer, esquea! Recuso-me a v-los!

Mas por qu?

Porque eles me aborrecem profundamente.

Como que voc sabe? Nunca lhes foi apresentada...

No quero me encontrar com ningum.

Ah, sei. Juliet ficou muito pensativa, o que pareceu deixar Teresa ainda mais aborrecida.

No fique imaginando que isso se deve ao fato de eu estar numa cadeira de rodas! O estado em que me encontro no tem nada a ver. Jamais gostei de rapazes.

Juliet apertou os lbios. Teresa parecia completamente auto-suficiente. Sentia, porm, que isso no era verdade.

Bem, j que estamos aqui, o que faremos agora de manh?

Teresa acabou de tomar o suco e limpou os lbios com o guardanapo.

No sei o que voc pretende fazer. Vou ficar aqui lendo e ouvindo rdio.

Ah, mesmo? E se eu insistir para voc me acompanhar?

Impossvel.

Verdade? Pois eu no concordo. Seu tio me contratou para lhe fazer companhia e o que pretendo fazer!

Voc no pode me obrigar a fazer o que quer que seja declarou Teresa, agarrando-se aos braos da cadeira.

Obrigar no bem a palavra. Juliet acabou de comer o pssego, terminou o caf e acendeu um cigarro. Teresa, voc sabe nadar?

No.

Por que no?

Bem, eu sabia, at o acidente.

A senhorita no devia recordar essas coisas, srta. Summers observou uma voz feminina, com um sotaque que s podia ser americano.

Juliet voltou-se, interessada. Quer dizer, ento, que aquela era a srta. Madison, enfermeira de Teresa... Conforme o duque informara, era uma mulher de certa idade, magra e de aspecto severo. Seus cabelos grisalhos eram presos num coque e ela no era uma companhia muito inspiradora para uma adolescente rebelde.

Deve ser a srta. Madison, no? Prazer em conhec-la. No acho que faa sentido evitar um assunto que enfrentado a todos os momentos por uma garota to cheia de imaginao como Teresa.

Tem suficiente qualificao para dar opinies no que diz respeito a psicologia, srta. Summers? indagou a srta. Madison, com evidente frieza.

No, de modo algum. Apenas recorro minha intuio.

Como assim?

Manter Teresa prisioneira dos seus pensamentos no poder ajud-la de modo algum. Eu apenas sugeri que ela deveria nadar. Talvez isso lhe d confiana, pois ter de usar as pernas.

Teresa nunca quis fazer nada disso e ela no deve se aborrecer. Teresa, at certo ponto, divertia-se, observando a discusso, e Juliet sabia muito bem disso.

No me parece que Teresa se aborrea com tamanha facilidade. No entanto, como estarei aqui para lhe fazer companhia, quem sabe ns duas conseguiremos convenc-la...

Aqui eu no passo da enfermeira de Teresa. o duque quem me d as ordens. Quando ele sugerir que Teresa deve nadar, ento farei tudo para cumprir os seus desejos.

Que criatura mais implicante!, pensou Juliet, com impacincia. Limitou-se a sorrir e procurou no responder.

A enfermeira sentou-se ao lado de Teresa e comeou a conversar com ela em portugus, idioma que parecia falar muito bem.

A senhorita no se importa? perguntou Juliet, um pouco aborrecida. Eu no falo portugus. O que est dizendo para Teresa?

Srta. Summers, sugiro que aprenda a falar a lngua, se pretende ficar aqui. Provavelmente, o duque pensa que capaz de se expressar nesse idioma. Claro que foi a sra. Vinceiro que a contratou e imagino que ela no se deu ao trabalho de verificar. Contanto que Teresa fique fora do seu caminho, o resto pouco lhe importa.

Juliet sentiu profunda simpatia por Estelle Vinceiro. Por outro lado, o que a enfermeira dizia a perturbava. Duvidava de que era bom para Teresa ter como companheira constante uma criatura to cheia de preconceitos. No entanto, aquele era seu segundo dia na ilha e era cedo demais para hostilizar uma empregada do duque.

Levantou-se e aproximou-se da fonte, no centro do ptio, mergulhando os dedos na gua fresca. A manh estava linda e era uma pena ficar trancada entre os muros da quinta.

Seu tio tem um carro que voc possa usar, quando quer ir aldeia? ela indagou de repente, voltando-se para Teresa.

H um carro na quinta, mas raramente usado. Por qu?

Voc e eu vamos sair. Gostaria que me guiasse atravs da ilha.

Teresa costuma passar algum tempo comigo, durante as manhs, senhorita observou a enfermeira, levantando-se. Existem certos exerccios que...

Creio que podemos deix-los de lado pelo menos durante uma manh, no mesmo? E, por favor, chame-me de Rosemary.

O duque saiu, srta. Summers, mas, quando voltar, no deixarei de conversar com ele a respeito das suas responsabilidades. E saiba que no aceito receber ordens! Dito isto, a enfermeira retirou-se, indignada.

Meu Deus! exclamou Juliet.

Agora no tem mais jeito comentou Teresa, sem esconder a satisfao que sentia. Filipe talvez tenha se convencido de que eu preciso de uma companhia, mas fazer da enfermeira uma inimiga outra histria...

Mesmo assim, srta. de Castro, temos a manh inteira nossa disposio. No lhe faz bem levar uma vida de reclusa. Conforme sugeri, ir me mostrar a ilha.

Pois ento vai ter de me obrigar! replicou Teresa, zangada. Juliet suspirou e comeou a empurrar a cadeira de rodas.

Isto poder lhe parecer cruel, Teresa, mas de vez em quando preciso ser mau para se poder ser bom!

Miguel demonstrou a maior boa vontade, quando lhe foi solicitado o automvel. Ergueu em seus braos Teresa, que no parava de protestar, e acomodou-a no banco da frente, ao lado de Juliet, que se dispunha a dirigir.

Miguel, diga-me qual caminho eu devo seguir, caso a minha companheira prefira guardar silncio! solicitou Juliet.

No seria melhor eu acompanh-la, senhorita?

Creio que no disse ela com secura, notando que ele se mostrava excessivamente amvel. Do jeito como as coisas se apresentam, j tenho problemas suficientes.

Miguel aconselhou-a a tomar a estrada costeira, que rodeava a ilha.

E a mais bonita de todas. Se prosseguir em direo a Miscaela, uma aldeia a uma certa distncia daqui, notar a placa que indica Venterra Montanah. Trata-se de um vilarejo na montanha, onde h uma pequena pousada. L servem um caf delicioso.

Obrigada, Miguel.

A despeito do silncio obstinado de Teresa e do clima desagradvel que ela criava, Juliet apreciou o passeio. Miscaela no passava de uma aldeia de pescadores, conforme Miguel tinha dito, mas Venterra Montanah era um lugar muito especial. A pousada estava situada na beira de um rochedo e dela avistava-se um belo panorama. Juliet teve de enfrentar uma das piores estradas que jamais vira e at mesmo Teresa agarrou-se ao banco, sem conseguir disfarar a apreenso que sentia em certos trechos. Valeu a pena, porm, e embora Teresa no pudesse sair do carro, Juliet estacionou-o num lugar de onde podiam contemplar a vista enquanto tomavam caf e comiam doces.

Teresa comeu e bebeu, mas continuava muda, a despeito das vrias tentativas de Juliet a fim de que ela falasse. Esperava no t-la perturbado, ao obrig-la a dar o passeio. Na sua opinio, todas as emoes de Teresa eram geradas pelo real afeto que ela sentia pelo homem que a trouxera para Venterra. Afinal de contas, sua verdadeira tarefa era ajudar a destruir aquela iluso, e no a aliment-la.

A volta foi igualmente cheia de emoes, embora Juliet enfrentasse as curvas com menos receio. Chegaram quinta pouco depois de meio-dia e meia. Consuelo tinha prevenido que o almoo s era servido uma e meia e Juliet sentiu-se contente por ter calculado bem o tempo.

Miguel ajudou a garota a sentar-se na cadeira de rodas e, a despeito da atitude de Teresa, Juliet voltou a empurr-la em direo ao ptio. L se encontrava o duque, conversando com Estelle Vinceiro.

Esteve fora, senhorita?

Teresa impediu que Juliet se manifestasse e comeou a falar nervosamente em portugus, demonstrando toda sua irritao. Dessa vez, porm, o duque no se prestou quela manobra.

Fale ingls, Teresa. A srta. Summers est aqui encorajada por mim, e no devemos ignorar a sua presena.

Teresa lanou um olhar indignado a Estelle Vinceiro e, movimentando as rodas da cadeira, aproximou-se do duque.

A srta. Summers me obrigou a acompanh-la num passeio em torno da ilha!

mesmo, senhorita?

E por que no? Teresa precisa afastar-se da quinta, de vez em quando. No lhe faz bem ficar enclausurada aqui.

J lhe ocorreu, senhorita, que Teresa talvez no aprecie andar de carro?

devido ao acidente?

Claro.

Pois acho que, quanto mais cedo ela se acostumar a, de novo, andar de carro, melhor para ela.

Concordo manifestou-se Estelle, cruzando as pernas. Filipe, sua sobrinha no feita de acar e no se derreter.

O duque tirou uma cigarrilha da carteira e acendeu-a.

E voc, Teresa, tem alguma coisa a dizer?

Eu no queria sair, tio Filipe disse a garota, sempre emburrada. Gosto de ficar em casa e voc bem sabe. Alm do mais, no desconhece o que penso da srta. Summers.

Oh, Teresa, ser que vamos recomear? disse Estelle, com um suspiro. Voc no passa de uma criana mimada.

Estelle! O duque estava indignado.

Desculpe-me, mas sua sobrinha uma garota difcil! Estelle levantou-se e tomou o duque pelo brao. Por favor, Filipe, perdoe-me!

Juliet notou o quanto Teresa ficava indignada. O cime a devorava, ao presenciar aquela cena, e levaria muito tempo para compreender o quanto suas esperanas eram inteis. Uma coisa que no entendeu foram seus prprios sentimentos, ao notar que Estelle tentava fazer charme para o duque. Aquela desagradvel sensao voltava e ela decidiu tomar uma atitude.

Com licena. Vou me refrescar um pouco, antes do almoo.

Um momento, senhorita. A enfermeira me contou que interferiu nos seus programas com Teresa.

Interferi, sim.

Posso saber por qu?

O senhor pode perguntar, mas duvido que a minha resposta o satisfaa!

Senhorita! Havia um ntido tom de ameaa em sua voz.

Muito bem. A srta. Madison uma mulher de meia-idade e desconhece completamente os modernos mtodos de pedagogia, na minha modesta opinio.

Creio que no nada fcil encontrar uma enfermeira com boas qualificaes, que se disponha a abandonar todas as vantagens da civilizao e consinta em viver numa ilha isolada do mundo. A srta. Madison uma pessoa capacitada e de confiana.

Na verdade, o que voc est querendo dizer que preferiu uma pessoa mais velha disse Estelle, com um sorriso provocador dirigido ao duque. Srta. Summers, meu primo algumas vezes se deixa perturbar por mulheres jovens. Afinal de contas, ele bonito e rico.

Estelle! O duque parecia indignado. Pare com isso! Prossiga, senhorita.

Bem, sugeri que Teresa deve ser encorajada a sair, a nadar, a fazer as coisas por ela mesma. No creio que exerccios praticados diariamente substituam com vantagem aulas de natao ou atividades ainda mais atraentes.

No a deixe intrometer-se, tio Filipe. Eu no quero fazer o que ela diz! Ser que no posso viver a minha vida como desejo?

Parece-me, senhor duque, que sua sobrinha no quer melhorar nem voltar a andar. Ela gosta de passar os dias pregada numa cadeira de rodas, inspirando pena a todo mundo!

Srta. Summers! O duque, encolerizado, jogou a cigarrilha fora. No admito que faa semelhante acusao!

Sinto muito, senhor. Com licena.

O duque no tentou det-la, mas Juliet sentiu que ele a seguia com o olhar, enquanto ela atravessava o ptio.

A breve discusso com o duque a deixara molhada de suor e, enquanto se lavava, refletiu no que tinha acabado de dizer. Quanto mais pensava, mais se convencia de que estava com a razo.

Teresa no era de modo algum uma tola. Ao contrrio, quando se tratava de conseguir o que queria, era at muito esperta. Talvez imaginasse que sua presena na ilha s era tolerada devido ao estado em que se encontrava. Nesse caso, talvez pensasse que, caso sarasse, o duque a mandaria embora. Tais idias eram mais do que suficientes para manter o bloqueio que a impedia de andar. O prprio duque tinha dito que, no fundo, tudo aquilo era um problema psquico.

Juliet suspirou. Seria sua misso, de agora em diante, convencer Teresa de que sua vida era importante demais para ser passada numa cadeira de rodas. Seria uma tarefa nada fcil. Teresa no gostava dela e se defenderia, desesperadamente, usando de toda sua influncia junto ao duque para colocar Juliet em situaes difceis. Alm do mais, havia a enfermeira, que no a ajudaria nem um pouco. Esta, se pudesse, provocaria antipatias ainda maiores entre sua paciente e sua nova dama de companhia.

Ao sair do banheiro, Juliet vestiu uma tnica de algodo verde-limo, escovou os cabelos e passou um batom cor de coral nos lbios.

Ser que tinha trocado uma situao complicada por outra? No entanto, uma situao a deixara infeliz, ao passo que a outra despertava nela uma sensao de desafio. No conseguia suprimir a "excitao que aquilo lhe provocava.

Acalme-se, vamos! disse a si mesma. Dedique-se a seus objetivos, mas no se envolva! Isto lhe poder ser fatal!

CAPITULO IV

Sendo dama de companhia de Teresa, esperava-se que Juliet fizesse suas refeies com a famlia. Naquele dia havia quatro pessoas para o almoo: o duque, Estelle Vinceiro, Teresa e ela. Estelle dominava a conversa, falando sobre amigos comuns que moravam na ilha, o preo do acar de quando terminasse a colheita e as descobertas que o duque tinha feito no fundo do mar, durante uma pesca submarina.

Este ltimo assunto interessou Juliet demais. Durante as frias, na companhia do pai, havia tomado algumas aulas de pesca submarina, mas as reas escolhidas pelos instrutores estavam muito longe de serem excitantes. Ficou bastante interessada quando o duque mencionou a possibilidade de existirem os restos de um navio perto dos recifes, no outro lado da ilha. Afinal de contas, a regio do Caribe era prdiga em relatos de navios espanhis afundados, todos repletos de moedas de ouro e prata.

Sente interesse pela caa ao tesouro, senhorita? indagou o duque, notando a ateno com que ela acompanhava a conversa.

Sim, senhor. Alis, creio que isso acontece com todo mundo, no? O senhor costuma mergulhar?

Estelle interveio, olhando Juliet de um jeito um tanto esquisito.

O duque no tem tempo para coisas sem importncia.

O que a sra. Vinceiro est querendo dizer que ela no acha interessante a busca de restos histricos ele observou, e Juliet percebeu que Estelle ficou ressentida.

Voc sabe muito bem que mergulhar um passatempo perigoso. A posio que voc ocupa deveria despertar algum senso de responsabilidade!

Sou plenamente consciente das minhas responsabiiidades, Estelle, e mergulhar perigoso apenas para amadores!

Juliet achou melhor no dizer mais nada, pois no queria de modo algum despertar a antipatia de Estelie Vinceiro. Afinal de contas, at o momento, ela era sua nica aliada. O prprio duque mudou de assunto e ela se sentiu aliviada.

Quando o almoo terminou, Teresa foi descansar, sob os cuidados da enfermeira, e Juliet, no querendo ser inoportuna, pediu licena e se retirou. No conseguiu deixar de pensar no que o duque e a sra. Vinceiro pretendiam fazer e no entendeu a vaga sensao de desconforto que experimentou.

Juliet no voltou a ver Teresa, naquele dia. O duque jantou fora e ela, mais uma vez, fez a refeio sozinha, pois lhe comunicaram que Teresa estava com dor de cabea e jantaria em seu quarto. Juliet duvidou da autenticidade da informao, mas no podia tomar nenhuma atitude.

Aps o jantar, embora sentisse vontade de passear pela praia, voltou para o quarto e tentou concentrar-se num romance. Os personagens, no entanto, eram falsos, sem calor humano ou profundidade. A vida que levava naquele lugar, as pessoas que tinha encontrado ali eram to mais interessantes que acabou por colocar o livro de lado. Sentou-se na espreguiadeira da varanda, contemplando as luzes do iate ancorado na baa.

Na manh seguinte, Teresa compareceu ao caf, para grande alvio de Juliet. A enfermeira a acompanhava e ocorreu a Juliet que Teresa a trouxera a fim de obter mais apoio.

Desejou bom-dia a ambas e pediu criada que lhe trouxesse caf e bolinhos, sorrindo em seguida com muita amizade. Teresa desviou o olhar e Juliet percebeu que ainda no tinha feito progressos.

Creio que iremos praia, agora de manh, Teresa ela disse, muito animada, esperando uma exploso.

Parece que meu tio tem outros planos para mim.

mesmo? E quais so?

Pretende sair e me levar em sua companhia. A senhorita ter de se divertir sozinha.

Ela se recostou na cadeira de rodas, em atitude de desafio. Naquela manh usava um vestido creme, com rendas vermelhas, e parecia jovem, atraente e muito contente consigo mesma. O que ser que o duque planejava? Ao levar Teresa com ele, encorajava sua imaginao to ativa a criar situaes e circunstncias que eram simplesmente ridculas. Juliet sentiu-se impaciente e tomou o caf da manh em silncio, consciente de que a enfermeira a encarava o tempo todo, com um olhar carregado de ironia.

Algum aproximou-se do pequeno grupo e Juliet no olhou imediatamente. Continuou a comer, apesar de ter plena conscincia da presena do duque.

Bom dia, senhorita! Espero que tenha dormido bem.

Juliet viu-se forada a olhar e notou os menores detalhes da aparncia do duque. Ele usava uma camisa de seda cor de mostarda, uma cala de montaria marrom-escura, botas muito lustrosas e seus cabelos, luz do sol, tinham um tom ligeiramente castanho. Parecia muito seguro de si, e aquela presena a perturbava. O duque tinha enrolado as mangas da camisa, revelando antebraos musculosos, morenos, cobertos de plos negros, e trazia um relgio de ouro no pulso. A camisa estava desabotoada no pescoo e ele tinha plena conscincia da atrao que exercia. A indignao que Juliet havia experimentado antes intensificou-se, ao perceber o quanto se sentia fraca diante daquele homem to sensual.

Dormi muito bem, obrigada replicou, no tom mais neutro possvel, voltando a se concentrar no caf.

O duque fez perguntas enfermeira sobre os progressos de Teresa e em seguida dirigiu-se sua sobrinha. Juliet notou o tom afetuoso que ela empregava ao se dirigir ao tio e sentiu-se incapacitada para tomar qualquer atitude.

Teresa j comunicou que sairemos agora de manh, srta. Summers?

Sim. senhor. Eu pretendia lev-la praia hoje, mas agora esse programa tem de ser cancelado.

Juliet percebeu perfeitamente o olhar hostil que Teresa lhe lanou, mas resolveu no tomar conhecimento dele.

Teresa, sem dvida, explicou que a sua presena tambm necessria, srta. Summers.

Juliet olhou rapidamente para Teresa, notando sua raiva e a surpresa da enfermeira. Obviamente, a garota no tinha comunicado o fato srta. Madison.

Sua sobrinha disse apenas que o acompanharia.

Ah, sei. E por que, Teresa?

A srta. Summers quem tirou as suas prprias concluses, tio Filipe. Eu no disse que ela no iria.

Juliet sabia que podia negar essa afirmativa, mas ela e a garota sabiam muito bem que no valia a pena.

E posso saber onde vamos?

Preciso ir a Venierra, a aldeia que viu ao chegar. Os meus negcios no tomaro muito tempo. Creio que poderemos ir, em seguida, at a baa de Lauganca, no outro extremo da ilha. Dizem que diversas embarcaes espanholas foram afundadas l, nos tempos coloniais. Julguei que isso pudesse interess-la,

E no poderemos ir at a praia, senhor duque? perguntou Juliet, sem disfarar o quanto estava surpreendida.

No vejo por que no. Qual a sua opinio, srta. Madison?

O senhor duque quem decide.

Est pronta, srta. Summers?

S um minuto, senhor ela disse. Terminando rapidamente o caf, Juliet foi correndo para o quarto e mudou de roupa, pondo calas de algodo, num belo tom de verde, e uma blusa cor-de-rosa. Abrindo a gaveta, tirou dois mais: um azul-marinho, com listras brancas, e outro verde-esmeralda. Duvidava de que fosse us-los, mas, se surgisse a oportunidade, no queria ouvir Teresa dizer que no tinha o que vestir. Pegou uma grande bolsa de palha e guardou os mais, juntamente com toalhas e um par de culos escuros. Quando ela foi para o vestbulo, nem o duque, nem Teresa estavam presentes, mas, ao olhar pela janela, notou um belo carro conversvel espera de seus ocupantes.

Caminhou lentamente at o carro e olhou sua volta. Estava uma bela manh, apesar de haver algumas nuvens no cu. Talvez chovesse, mais tarde. Os jardineiros cuidavam dos canteiros e entoavam canes. Juliet sentiu um enorme bem-estar, que s foi perturbado quando, ao voltar-se, viu o duque caminhando em sua direo. Transportava Teresa em seus braos e a garota a encarava com ar de triunfo.

Juliet deu-lhe as costas. Aquela situao era bem difcil, pensou, suspirando. Ao tentar demonstrar ao duque que Teresa era muito sensvel aos encantos dele, destruira suas prprias defesas, diante de um possvel contra-ataque da garota. Teresa podia muito bem imaginar que ela, Juliet, sentia cime das atenes do duque. Tudo aquilo era ridculo! Ser que ele no percebia que estava encorajando a sobrinha? Claro, Teresa no tinha condies de se mover, mas, se precisava ser carregada quando no estava na cadeira de rodas, por que haveria o duque de fazer semelhante coisa? Em circunstncias normais, teria sido a coisa mais natural, o que no era o caso.

Ouviu os passos do duque que se aproximava e, voltando-se, deparou com a expresso de contentamento estampada no rosto de Teresa. Procurou no demonstrar seu aborrecimento e no estava preparada para ouvir as palavras do duque.

Teresa acabou decidindo no trazer a cadeira de rodas. Ela dobrvel e inicialmente era esta a nossa inteno. Eu, no entanto, dispensei Miguel e minha sobrinha voltou a mudar de idia,

Juliet encarou o duque com o olhar mais frio possvel, No entanto, conseguia perceber nele uma ironia velada, como se aquele homem percebesse o tempo todo o que ela estava pensando.

O duque havia respondido pergunta que ela no fizera, tinha eliminado os motivos de sua impacincia. Por que ento se sentia to indignada com ele?

Por favor, entre no carro, senhorita.

O duque acomodou Teresa no banco da frente. Lanou um breve olhar a Juliet, antes de partir. Ela sentiu que, a despeito da hostilidade para com o duque, no existia como mulher, mas simplesmente como algum que tinha idias radicais e estava servindo de companhia a Teresa. Afinal de contas, Estelle Vinceiro ocupava todos os espaos e, evidentemente, considerava o duque como sua propriedade. Talvez fosse mesmo... E da?

Afastaram-se rapidamente da quinta, tomando o caminho oposto ao que Juliet seguira na vspera. Ela contemplou a paisagem com grande interesse.

O carro prosseguiu na direo de Venterra. Passaram por alguns moradores da ilha. Os homens trabalhavam nos canaviais ou nas plantaes de feijo. Mulheres e crianas dirigiam-se para o mercado de Venterra. Todos reconheciam o carro do duque, demonstrando, mais por gestos do que por palavras, o quanto respeitavam o aristocrtico senhor de Venterra e o quanto gostavam dele. As cores eram uma verdadeira festa para os olhos, e os odores gratificavam os sentidos. Juliet no sabia como era possvel algum viver em Venterra sem estar profundamente consciente de sua atmosfera. J tinha estado antes no Caribe, mas por que agora tudo lhe parecia to mais brilhante e colorido? Desistiu de resolver esse enigma. A explicao que encontrou foi a de que ela era uma criatura muito simples e ultra-sensvel.

O duque estacionou o carro junto ao cais, depois foi at um armazm indagar sobre certos artigos que havia encomendado e chegariam no barco da tarde. Ele se destacava, graas sua estatura, dos moradores da ilha e conversava com quase todo mundo, inclinando a cabea para ouvir os problemas de certas pessoas. Era o verdadeiro senhor daquele lugar, pensou Juliet, acendendo um cigarro, enquanto contemplava a cena que se desenrolava diante de seus olhos.

Toda a atividade comercial da ilha se dava naquele lugar. Vrias bancas vendiam peixe, carne, frutos e verduras, bem como cereais e utenslios de cozinha. No ar pairavam o cheiro forte do peixe frito, das especiarias, das frutas maduras e o odor inconfundvel de gente. Era forte, nem sempre agradvel, mas, ainda assim, combinava com as cadeiras ondulantes das mulheres, para as quais o ritmo e a msica significavam tudo. Ouvia-se o som de um conjunto popular, e um garoto, sentado no cais, tocava violo. Aquecendo tudo aquilo, pairava o sol, com seus raios benevolentes.

Nunca discutimos o assunto, srta. Summers, mas como conseguiu convencer meu tio de que a sua presena era necessria hoje? indagou de repente Teresa.

Juliet sentiu-se sem defesa durante alguns momentos, mas lembrou-se de que Teresa era bem mais jovem do que ela.

J que gosta tanto de intrigas, Teresa, por que no pergunta a seu tio?

Guarde a sua presena de esprito para outra pessoa, senhorita! Lembre-se de que est aqui porque precisa. Ainda bem que eu no preciso trabalhar para me sustentar. Deve ser horrvel sentir-se inferior o tempo todo.

E por que eu deveria me sentir inferior, Teresa?

Bem, me parece bastante bvio. Esta ilha e a quinta devem ser muito diferentes de tudo a que est acostumada.

E da?

Da acontece que a senhorita apenas uma criada.

E todos os criados so inferiores, no mesmo? Teresa no disse nada e deu de ombros.

Pois ento deixe-me dizer algo, Teresa. Neste mundo existem ricos e pobres, mas aquilo que voc , que voc consegue ou o que voc faz no determinado pela riqueza e pelas suas recompensas. Uma pessoa, para ter uma existncia digna, precisa superar o lado material. Acima de tudo, precisamos aprender a viver conosco. Ser que voc acha to difcil assim viver com voc mesma?

Como ousa me falar nesse tom?

No imagine que poder me criticar o tempo todo sem receber o troco. Existe um limite para a pacincia!

Teresa mordia o lbio, indignada. Pelo visto, desde que tinha vindo para a ilha, ningum a enfurecera tanto, a no ser Estelle Vinceiro.

Filipe costuma me ouvir. Falarei com ele. Descobrirei que mentiras lhe contou a meu respeito!

Mentiras, Teresa? Que mentiras?

As mentiras que deve ter inventado para que ele consentisse na sua permanncia na ilha. Vamos ver quem vencer a partida, senhorita.

Juliet sorriu ligeiramente. Teresa era muito jovem e at mesmo sua malevolncia era algo infantil.

Est bem. Continue jogando, Teresa, e todos ficaremos muito surpreendidos com o resultado final.

Permaneceram no mais absoluto silncio e, quando o duque voltou, ele sentiu a tenso presente.

A atmosfera deste carro pode ser cortada com gilete. O que est acontecendo?

Teresa assumiu o ar ofendido que costumava aparentar na presena do tio.

A srta. Summers foi muito grosseira comigo. Ela me assusta e me perturba!

Perturba? O duque deu a partida no carro. Voc est exagerando, Teresa.

No estou, no. Voc nem perguntou aonde fomos ontem. Fico aterrorizada s de pensar no assunto. No pretendia contar nada, pois no queria deix-lo preocupado, mas agora acho que devo!

Juliet fez o possvel para no perder a pacincia. Havia um motivo muito simples para Teresa no ter mencionado o passeio da vspera. Com efeito, ao ver Estelle Vinceiro na companhia do duque, no conseguira pensar em mais nada. Um assunto que deixava de lado com tamanha facilidade no podia ser to assustador conforme ela pretendia.

O duque acendeu uma cigarrilha e tomou a estrada que ia para o outro lado da ilha.

Aonde que vocs foram? Minha sobrinha parece estar emocionada demais. No quer me contar, senhorita?

Como no? Fomos a um lugar chamado Venterra Montanab.

Venterra Montanah! O duque, surpreendido, parou o carro. Venterra Montanah?

Fiz algo de mal? perguntou Juliet.

Acaso ignora os perigos daquela estrada?

Que perigos? Est se referindo s curvas?

Exatamente, senhorita!

Ora, j percorri estradas com curvas muito mais perigosas!

mesmo? indagou o duque, com ar de incredulidade. E onde se situam essas estradas?

Nos Alpes, por exemplo.

Ah, sei... nos Alpes.

Sim, senhor,

E posso indagar como algum que precisa trabalhar para viver percorreu os Alpes de automvel?

Eu... era dama de companhia de uma senhora de idade. - Disse Juliet, aps alguns segundos da hesitao. Fomos para Monte Carlo no ano passado.

E mesmo? Muito bem, aceito a sua palavra. Mesmo assim, Venterra Montanah no para amadores. Prefiro que escolha outros caminhos, quando for passear. Teresa, creio que os seus receios no eram baseados na realidade. Talvez o seu estado emocional foi o responsvel pelos seus temores.

Mas voc no estava l, tio Filipe! S acredita no que ela diz! Garanto que ela guiou com imprudncia. Fiquei aterrorizada!

Teresa, no verdade! protestou Juliet.

verdade, sim. E no acredito que tenha guiado nos Alpes. Acho que est mentindo para meu tio!

Agora Juliet ficou indignada. Pelo visto, Teresa parecia imaginar que ela no tinha a menor defesa diante do homem que a empregava.

Senhor, sua sobrinha parece estar decidida a me fazer acusaes. A fim de provar que estou com a razo, concorda em que eu o leve at Venterra Montanah?

Teresa arregalou os olhos e o duque parecia estar impaciente.

No necessrio, senhorita. Estou disposto a aceitar que..,

Mas eu no estou. Pelo menos deixe-me demonstrar a minha capacidade, ou ento pensarei que toma injustamente o partido de sua sobrinha.

J disse que acredito na senhorita.

O senhor tambm est com receios...

Juliet no sabia dizer por que. tinha feito semelhante afirmao. Certamente, no desejava provar o que quer que fosse para Teresa, mas para si mesma.

A expresso do olhar do duque modificou-se imediatamente, tornando-se sombria, e Juliet, notando o que acontecia, ficou toda ruborizada.

No, senhorita, no tenho receio de nada. Em outra ocasio aceitarei o seu desafio e permitirei que me leve at Venterra Montanah. Est satisfeita, menina? indagou o duque, voltando-se para Teresa.

A garota parecia indignada e Juliet teve a sensao de que havia invadido territrio perigoso. Desafiar o duque porque queria ganhar de Teresa era uma coisa, mas desafi-lo pelo simples desafio era algo inteiramente diverso. Sua experincia em relao aos homens no era grande. Sendo filha de Robert Lindsay, tinha, naturalmente, muitos amiguinhos e no desconhecia os fatos da vida. Todos, porm, eram muito jovens e pouco experientes no que dizia respeito ao sexo, por exemplo. Alis, nesse ponto, seu pai tomava os maiores cuidados. No lhe permitia frequentar a alta sociedade ou comparecer a festas onde havia grande liberdade.

O duque, por sua vez, lhe parecia um homem difcil de se classificar. No era um rap


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