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A força da lei e a força de vontade: a importância da lei paraa promoção de práticas participativas na elaboração de instrumentos urbanísticos em Portugal e na Itália

A problemática da teseAs Constituições dos Estados democráticos de direito garantem a participação direta dos cidadãos em diversos temas,enquanto a legislação infraconstitucional é responsável por regulamentá-la. Nesta investigação, ela foi estudada a partirda teoria social e política, onde a democracia participativa tende a ser lida - sobretudo - como uma alternativa para aatual crise da representatividade, capaz de contribuir para resgatar algumas de suas “promessas não cumpridas”(Norberto Bobbio, 1986) através da inclusão de novos atores nos processos de decisão (Santos e Avritzer, 2003). Ela étambém idealizada como uma forma de apoio para o aperfeiçoamento da democracia representativa, por via do diálogoadequado com os cidadãos, evitando-se conflitos futuros que podem inviabilizar as intervenções projetadas ou favoreceruma melhor manutenção e sustentabilidade destas no tempo (Luigi Bobbio, 2013). Nas ciências jurídicas, o tema éanalisado sob a perspectiva dos Estados Democráticos de Direito, que em suas constituições garantem o direito àigualdade, à informação e também à participação, mas uma das grandes dificuldades é, justamente, de assegurá-los(Miranda, 2012; Picchi, 2012), por isso torna-se necessária a existência de outros mecanismos para além do exercício dovoto universal. O reflexo deste contexto democratizador nas práticas de planeamento permite associar valoresdemocráticos ao modelo técnico tradicional, de forma a assegurar a inclusão dos moradores e usuários da cidade nasdecisões acerca do território, isto, como destacam Ferrão (2011) e Magnaghi (2013), para garantir uma maior capacidadede resposta das instituições aos problemas e anseios dos seus habitantes e a construção de parcerias mais coordenadase eficazes entre sujeitos das instituições administrativas e do corpo cívico.É neste contexto que o objetivo da pesquisa foi o de compreender como as leis infraconstitucionais, voltadas para aintervenção no território, influenciam nas práticas participativas. A pesquisa foi alicerçada em duas expressões querepresentavam os cenários analisados: a “força da lei” e a “força de vontade”. Por “força da lei” entendo a realização deprocessos participativos derivados de uma imposição legal, e nos seus termos, com o intuito de garantir validade ao atoadministrativo no qual eles são exigidos. Por “força de vontade” trato a realização de práticas participativas que nãodecorrem de uma obrigação legal, mas sim de um projeto de diálogo social (e várias vezes de partilha de poder) dogovernante com os cidadãos.

Referências Bobbio, Norberto (1986), O futuro da democracia

– Uma defesa das regras do jogo. Tradução deMarco Aurélio Nogueira. 6ª Edição. Rio deJaneiro: Paz e Terra.

Bobbio, Luigi (2013), La qualità delladeliberazione. Processi dialogici tra cittadini.Roma: Carocci editore.

Ferrão, João (2011). O ordenamento do territóriocomo política pública. Lisboa: FundaçãoGulbenkian.

Magnaghi, Alberto (2013), “Il governo del territórioe le comunità locali”, in Morisi, Massimo; Perrone,Camilla (2013), Giochi di potere – partecipazione,piani e politiche territoriali.Torino: UTET.

Miranda, Jorge (2012), Manual de DireitoConstitucional: Direitos Fundamentais. Tomo IV,5ª Ed. Coimbra: Coimbra Editora.

Picchi, Marta (2012). Il diritto di partecipazione.Milano: Giuffrè Editore.

Santos, Boaventura de Sousa; Avritzer, Leonardo(2003), “Para ampliar o cânone democrático”, inSantos, Boaventura de Sousa (org.),Democratizar a democracia - Os caminhos dademocracia participativa. Porto: Afrontamento

(SFRH/BD/60381/2009 da FCT) (defendida a 15/12/2015)

Sheila Holz(orientadores: Giovanni Allegretti e Fernanda Paula Oliveira)

Objetivo da pesquisaA tese teve como objetivo principal compreender a importância da lei para a promoção e aestruturação de práticas participativas na elaboração de instrumentos urbanísticos. Paraisso, colocam-se duas questões centrais de investigação: 1. Em que medida os processosparticipativos são influenciados pela existência de normativa específica? 2. Em que medidaestes mesmos processos originam-se, ao contrário, na clara força de vontade de quem ospromove?

Da pesquisaNa primeira parte da tese apresento a pesquisa relativa aos fundamentos teóricos e nasegunda ao estudo de caso. A pesquisa foi realizada em Portugal e na Região Toscana,Itália. Embora as leis de ordenamento territorial dos dois países fossem muito parecidasentre si, em 2006 a Região Toscana criou um inovadora lei de incentivo às práticasparticipativas no governo local. No estudo de caso é feita a análise da Constituição e dalegislação infraconstitucional que tem o papel de garantir a participação nos atosadministrativos e também na legislação específica acerca do planeamento urbano eordenamento do território, com o objetivo de compreender como o ordenamento jurídicoinsere o cidadão neste processo e quanto poder de decisão a ele é atribuído. Em Portugal,o estudo empírico foi realizado na cidade de Lisboa, durante a revisão do Plano DiretorMunicipal em 2011. Na Itália, foi realizado na cidade de Piombino, na Região Toscana,quando a cidade discutiu seu regulamento urbanístico.

Da conclusãoA estrutura legislativa de Portugal revela que o direito e as ciências sociais não têm a mesma compreensão sobre odireito à participação, no sentido em que a legislação portuguesa está estruturada sobre uma ideia de participaçãoindividual, enquanto a teoria democrática reforça a importância da participação de forma coletiva, não focada em direitosindividuais. Já na Região Toscana, em decorrência de sua autonomia legislativa em relação ao Ente Estatal, a legislaçãode ordenamento do território foi elaborada de forma a incentivar a participação coletiva. Mas há que dar destaqueespecial para a lei de promoção e incentivo da participação que praticamente transpôs a teoria democrática para o corpoda lei.A experiência italiana demonstrou que a lei foi capaz de incentivar as práticas participativas e incentivar a mudançacultural, enquanto em Portugal a força de vontade extrapolou a determinação legal, porém não foi capaz de produzirpráticas inovadoras e que reforçavam a participação coletiva.O exemplo da Toscana demonstrou que a lei é capaz de incentivar a promoção de práticas participativas e de mudarculturas. Fez-me notar que mais do que uma dicotomia entre “força da lei” e “força de vontade”, materializada entrelegisladores e administradores públicos, é preciso que a própria lei seja construída demonstrando ter “força de vontade”em garantir a realização destas práticas de forma a realmente envolver o cidadão nos processos. Mas, certamente,promover a participação cidadã, não apenas nos instrumentos de planeamento urbano, ainda é um desafio, que devemobilizar juristas, cientistas sociais e todos os profissionais envolvidos na elaboração de instrumentos urbanísticos.

Doutoramento emDemocracia no Século XXI

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