ALEXANDRE MAGNO DE MELO FARIA
A EXPANSÃO DA COTONICULTURA EM MATO GROSSO NA DÉCADA DE 1990: UM
CASO PARADIGMÁTICO DE DESENVOLVIMENTO ENDÓGENO
Belém - Pará 2003
1
SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
NÚCLEO DE ALTOS ESTUDOS AMAZÔNICOS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DO TRÓPICO ÚMIDO
MESTRADO INTERNACIONAL EM PLANEJAMENTO DO DESENVOLVIMENTO
A EXPANSÃO DA COTONICULTURA EM MATO GROSSO NA DÉCADA DE 1990:
UM CASO PARADIGMÁTICO DE DESENVOLVIMENTO ENDÓGENO
Dissertação apresentada ao Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará como requisito para obtenção do título de "Mestre" em Planejamento do Desenvolvimento.
Discente: Alexandre Magno de Melo Faria
Orientador: Prof. Dr. Índio Campos
Belém - Pará 2003
2
SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
NÚCLEO DE ALTOS ESTUDOS AMAZÔNICOS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DO TRÓPICO ÚMIDO
MESTRADO INTERNACIONAL EM PLANEJAMENTO DO DESENVOLVIMENTO
FOLHA DE APROVAÇÃO
A EXPANSÃO DA COTONICULTURA EM MATO GROSSO NA DÉCADA DE 1990:
UM CASO PARADIGMÁTICO DE DESENVOLVIMENTO ENDÓGENO
Discente: Alexandre Magno de Melo Faria
Orientador: Prof. Dr. Índio Campos
Banca Examinadora:
________________________________________________________
Prof. Dr. Índio Campos - NAEA-UFPA (Orientador)
________________________________________________________
Prof. Dr. Francisco de Assis Costa - NAEA-UFPA (Examinador Interno)
________________________________________________________
Prof. Dr. Mário M. Amin - UNAMA (Examinador Externo) Data da Defesa: 13 / Fevereiro / 2003 Resultado: Aprovado
3
DEDICATÓRIA
Dedico esta obra a:
Meus pais, Lúcio Nunes de Faria e Julia Maria de Melo Faria;
A Julio César de Melo Faria e Nájisla Souza Bucair;
A Cláudia Puerari Faria;
À memória do inesquecível Marco Antônio de Melo Faria.
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AGRADECIM ENTOS
A Dissertação de Mestrado não é um trabalho isolado de uma única pessoa. Consome
horas de trabalho exaustivo que são devidamente socializadas com colegas, amigos próximos
e familiares. Muitas vezes, uma conversa despretensiosa lança novas luzes e geram
interessantes insights, que estavam ali, na sua frente, mas que não estavam aparecendo em sua
análise. Por isto, tenho a obrigação de agradecer a muitas pessoas pela conclusão desta obra.
Claro, algumas contribuíram de forma direta, outras indiretamente. Porém, todas tem o seu
valor e merecem a minha gratidão pela conquista de tão nobre título acadêmico.
Especialmente, agradeço às seguintes pessoas:
- professores Francisco de Assis Costa, Tereza Ximenes Ponte, Fábio Carlos da Silva, Lígia
Terezinha Lopes Simonian, Rosa Acevedo Marin, David Carvalho e Índio Campos, que
durante as disciplinas, me transmitiram um elemento capaz de transformar vidas - o
conhecimento;
- aos funcionários do NAEA, em especial, à secretária do PLADES, Tereza.de Jesus Brito
de Moraes;
- ao meu orientador professor Índio Campos;
- aos irmãos e meus credores da xerox, Adilson e Afonso;
- ao professor Benedito Dias Pereira, que sem o seu incentivo e orientação, jamais teria
realizado o concurso da ANPEC;
- aos amigos Naeanos Aldo Fernandes Souza, Dilamar Dallemole, Sandro Luís Bedin,
Beatriz Ribeiro, Josiane Semblano e Gilson Costa;
- ao nobre amigo boliviano José Antônio Rada Pérez, o "bolita", que me transmitiu
experiência internacional;
- a Vera Tânia, que sempre me recebeu com muito carinho em sua pensão na Cidade Velha;
- aos meus pais e meu irmão Julio Cesar, que me ajudaram a concretizar um sonho;
- a Cláudia Puerari Faria, pela sua paciência, amor e motivação; e
- principalmente, a Marco Antônio de Melo Faria, que mesmo sem estar fisicamente entre
nós, foi o principal protagonista desta minha história. Muito obrigado meu irmão.
5
EPÍGRAFE
"Uma jornada de milhares de quilômetros deve começar com um único passo." (Lao-tzu)
"Duas estradas divergiram na floresta e eu tomei a menos percorrida e isso que foi
importante." (Robert Frost)
"Nada no mundo pode tomar o lugar da persistência." (Calvin Coolidge)
6
RESUMO
O processo singular da retomada da produção cotonícola no Brasil durante a segunda metade da década de 1990 se deu em uma nova configuração técnica e espacial. Mais de setenta por cento da produção brasileira de fibras têxteis de algodão herbáceo passaram a ser produzidas na região Centro-Oeste e, mais da metade da produção passou a ser realizada em uma única unidade federativa desta região, o estado de Mato Grosso. O objetivo deste trabalho, portanto, foi identificar as variáveis que agiram sobre o espaço mato-grossense e determinaram a concentração da produção cotonícola naquele estado. Assim, foram utilizadas categorias de análise oriundas da Teoria do Desenvolvimento Endógeno para explicar as possíveis fontes das vantagens competitivas do algodão mato-grossense e a convergência da produção em um espaço delimitado. Os resultados apontam para a geração de tecnologia local no ano de 1990, a partir da cooperação entre a iniciativa privada e instituições de P&D, como o primeiro elemento no elo de desenvolvimento do complexo produtivo do algodão. Outras variáveis também foram de fundamental importância, como o aprendizado dinâmico sobre a atividade por parte dos agentes produtivos locais, a difusão dos conhecimentos técnicos por todo o espaço regional, a criação de incentivos fiscais por parte do Governo Regional e a cooperação entre os agentes privados na busca da eficiência coletiva. Desta forma, a ação da iniciativa privada, do Governo Regional e das instituições de P&D formataram um arranjo produtivo do algodão pautado em ações endógenas, que garantiram uma acumulação de capital elevada e, consequentemente, a convergência produtiva do algodão em Mato Grosso. Contudo, a cotonicultura em Mato Grosso se apresenta como uma atividade altamente instável, em função da competição internacional e do surgimento de problemas técnicos de produção. A manutenção desta cultura naquele estado depende da ação dos três agentes supracitados, principalmente no que se refere à busca de inovações tecnológicas, no fornecimento de infra-estrutura, na abertura de novos mercados e na cooperação entre os agentes. Palavras-chave: Cotonicultura; Centro-Oeste; Mato Grosso; Desenvolvimento Endógeno.
7
ABSTRACT
The singular process of the restart of cotton production in Brazil during the second half 1990s decade happened inside a new technical and spatial configuration. More than seventy percent of the Brazilian production of textile fibres of herbaceous cotton passed to be produced at the Center-West region and, more of half the production passed to be accomplished in an only unit federative from this region, Mato Grosso state. The goal of this work, therefore, was identify the variable which acted over the Mato Grosso´s space and determined the concentration of the cotton production in that state. Thereby, were utilised analysis categories from Endogenous Development Theory toward to explain the possible sources of the competitive advantages of the Mato Grosso´s cotton and the convergence of the production in a delimited space. The results indicate for the generation of local technology in the year of 1990, start from the co-operation between the private enterprise and R&D institutions, as the first element in the link of development of the cotton productive complex. Other variables also were fundamental importance, as the dynamic learning about the activity by local productive agents, the diffusion of the technical information by whole regional space, the creation of fiscal incentives by Regional Government and the co-operation between private agents on the rummage of collective efficiency. Thus the procedure of private enterprise, Regional Government and R&D institutions originated a cotton productive arrangement connected in endogenous movement, that guaranteed a raised capital accumulation and, consequently, convergence of the cotton production inside Mato Grosso. However, the cotton production in Mato Grosso if presents as an activity highly unstable, in function of the international competition and emerging of technical problems of production. The maintenance of this cultivation in that state depends on the action among three agents cited, mainly researches of technological innovations, supply of infrastructure, opening of new markets and co-operation between the agents. Key Words: Cotton Production; Center-West; Mato Grosso; Endogenous Development.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................................13
CAPÍTULO 1
A PRODUÇÃO DE ALGODÃO NO MUNDO E NO BRASIL
1.1 Características da Produção de Algodão no mundo............................................................16
1.2 O Complexo Produtivo do Algodão no Brasil....................................................................20
1.3 Características Edafoclimáticas do Cerrado Brasileiro e a Expansão da Cotonicultura.....28
1.4 As Condições de Comercialização do Algodão Produzido no Centro-Oeste.....................33
1.5 Rediscutindo a Expansão Cotonícola em Mato Grosso......................................................35
CAPÍTULO 2
UM NOVO PARADIGMA PARA O DESENVOLVIMENTO REGIONAL
2.1 O Planejamento do Desenvolvimento no Brasil.................................................................38
2.2 A Teoria do Desenvolvimento Endógeno...........................................................................43
2.2.1 O Novo Papel do Estado Federado............................................................................50
2.2.2 Investimentos em Infra-estrutura e Formação de Complexos Produtivos.................52
2.2.3 Valorização dos Novos Fatores de Produção.............................................................54
2.2.3.1 A Criação de Inovações e a Difusão do Conhecimento....................................56
2.2.3.2 A Organização Flexível da Produção................................................................60
2.2.3.3 As Economias de Aglomeração........................................................................62
2.2.3.4 A Densidade do Tecido Institucional................................................................64
2.3 O Efeito H do Desenvolvimento Endógeno........................................................................66
CAPÍTULO 3
ABRINDO O FARDO DE ALGODÃO
3.1 O Ponto de Start Endógeno.................................................................................................69
3.2 O Incentivo Fiscal do Governo do Estado e a Viabilidade Econômica..............................72
3.3 A Geração e a Difusão de Tecnologia Endógenas..............................................................80
3.4 A Organização Institucional dos Cotonicultores................................................................86
3.5 As Cinco Variáveis Endógenas Determinantes na Concentração da Cotonicultura
e o Efeito H........................................................................................................................90
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CAPÍTULO 4
AÇÕES DE AGENTES ENDÓGENOS E OS DESAFIOS FUTUROS DA
COTONICULTURA EM MATO GROSSO
4.1 A Ação Conjunta do Governo, da Iniciativa Privada e das Instituições de Pesquisa.........93
4.2 As Ações do Governo do Estado de Mato Grosso e da Iniciativa Privada.........................94
4.2.1 A Ação de Marketing Regional...............................................................................105
4.3 As Ações das Instituições de P&D e o Risco Ambiental..................................................110
4.4 Principais Desafios à Cotonicultura de Mato Grosso......................................................119
CONCLUSÃO........................................................................................................................126
ANEXO I
Os Dez Principais Municípios Produtores de Algodão no Estado Mato Grosso....................130
ANEXO II
Logística de Transportes de Integração Sul-Americano.........................................................131
BIBLIOGRAFIA....................................................................................................................132
10
LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Produção Mundial de Fibras Têxteis e Respectivas Percentagens de Participação Total - Anos Selecionados.................................................................................................................... 18
Tabela 2. Produção Mundial de Algodão em Pluma (Dez Principais Países) - 1992 a
2001........................................................................................................................................... 19 Tabela 3. Produtividade Mundial de Algodão em Pluma (Principais Países) - 1992 a
2001........................................................................................................................................... 20 Tabela 4. Importações Brasileiras de Máquinas Têxteis - 1989 a 2000.................................................... 23 Tabela 5. Idade Média dos Equipamentos Têxteis no Brasil – 1990/1996/1997...................................... 23 Tabela 6. Evolução do Suprimento de Algodão em Pluma no Brasil - 1980 a 2001................................ 24 Tabela 7. Balança Comercial Têxtil do Brasil - 1990 a 2001.................................................................. 27 Tabela 8. Produção de Algodão Herbáceo nos Principais Estados Brasileiros - 1991 a
2001........................................................................................................................................... 28 Tabela 9. Custo de Produção de Algodão - Safra 1999/2000................................................................... 32 Tabela 10. Qualidade da fibra de algodão produzido nos estado de São Paulo, Paraná e Mato Grosso -
Safra 2000.................................................................................................................................. 36 Tabela 11. Custo Operacional Total (COT) por Arroba de Algodão Produzida nos Estados de Goiás,
Mato Grosso e Mato Grosso do Sul - Safra 2000...................................................................... 74 Tabela 12. Receita Bruta (RB) por Arroba de Algodão Produzida nos Estados de Goiás, Mato Grosso
e Mato Grosso do Sul - Safra 2000........................................................................................... 75 Tabela 13. Margem Bruta (MB) por Arroba de Algodão Produzida nos Estados de Goiás, Mato Grosso
e Mato Grosso do Sul - Safra 2000........................................................................................... 75 Tabela 14. Margem Bruta (MB) por Arroba de Algodão Produzida nos Estados de Goiás, Mato Grosso
e Mato Grosso do Sul, considerando a incidência de ICMS - Safra 2000........................................................................................................................................... 78
Tabela 15. Lavouras Cadastradas no PROALMAT - 1998 a 2001............................................................. 78 Tabela 16. Impacto do PROALMAT nos Lucros dos Cotonicultores - Safra 2000.................................. 79 Tabela 17. Produção de Algodão, Preços Médios e Valor da Produção da Cotonicultura de Mato
Grosso - 1994 a 2000................................................................................................................. 79 Tabela 18. Ações de Difusão e Transferência de Tecnologia Cotonícola em Mato Grosso - Dias de
Campo - 1995 a 2002................................................................................................................ 81 Tabela 19. Ações de Difusão e Transferência de Tecnologia Cotonícola em Mato Grosso - Reuniões
Técnicas - 1995 a 2001............................................................................................................. 82 Tabela 20. Ações de Difusão e Transferência de Tecnologia Cotonícola em Mato Grosso - Palestras
Técnicas - 1995 a 2001.............................................................................................................. 82 Tabela 21. Ações de Difusão e Transferência de Tecnologia Cotonícola em Mato Grosso - Outras
Formas de Difusão de Informação - 1995 a 2001..................................................................... 83
11
Tabela 22. Classificação da Fibra de Algodão de Alta Qualidade Produzida em Mato Grosso - 1997 a 2001........................................................................................................................................... 85
Tabela 23. Volume Exportado e Receita de Exportação de Algodão de Mato Grosso 1998 a
2001........................................................................................................................................... 85 Tabela 24. Fornecimento de Infra-estrutura de Energia Elétrica Para o Setor Produtivo Investimentos
Públicos e Privados - 1998 a 2002............................................................................................ 96 Tabela 25. N.° de Consumidores de Energia por Atividade no Estado de Mato Grosso 1995 a
2001........................................................................................................................................... 97 Tabela 26. Unidades de Beneficiamento de Algodão Herbáceo em Mato Grosso..................................... 97 Tabela 27. Estimativa do Custo de Transporte Multimodal Verificado na Região Centro-
Oeste.......................................................................................................................................... 98 Tabela 28. Fornecimento de Infra-estrutura de Transportes para o Setor Produtivo Investimentos
Públicos e Privados - 1998 a 2002............................................................................................ 101 Tabela 29. Expansão do Conjunto Agrícola de Mato Grosso - Área Cultivada (ha) 1996 a
2000........................................................................................................................................... 102 Tabela 30. Situação Fiscal de Mato Grosso em % da Receita Corrente Líquida (RCL) - 1995 a
2000........................................................................................................................................... 103 Tabela 31. Ações de Marketing Institucional - Programa "Mato Grosso: É Hora de Investir" - 1999 a
2000........................................................................................................................................... 106 Tabela 32. Performance das Exportações de Mato Grosso (em US$) - 1997 a 2001................................. 107 Tabela 33. Investimentos Privados Em Realização em Mato Grosso (em R$) - 2001 a 2003................... 108 Tabela 34. Ações de Marketing Institucional da Cotonicultura Realizadas pela AMPA e Governo do
Estado de Mato Grosso - 2001 a 2002...................................................................................... 110 Tabela 35. Recursos Oriundos do PROALMAT e Depositados no FACUAL para Investimentos em
P&D - 1998 a 2001.................................................................................................................... 111 Tabela 36. Recursos do FACUAL Investidos - 1998 a 2001...................................................................... 112 Tabela 37. Variedades de Plantas Utilizadas por Cotonicultores de Mato Grosso..................................... 113 Tabela 38. Elevação dos Gastos com Agrotóxicos na Cotonicultura de Mato Grosso............................... 113 Tabela 39. Geração de Novas Cultivares pelas Instituições de P&D de Mato Grosso............................... 115 Tabela 40. Programas de Incentivo à Cultura do Algodão em Mato Grosso, Goiás, Mato Grosso do Sul
e Bahia....................................................................................................................................... 121
12
LISTA DE FIGURAS
Figura 1. Índice Pluviométrico em Mato Grosso e Ciclo Produtivo do Algodão......................................... 31
13
INTRODUÇÃO
Diversos estudos tem discutido amplamente a crise da cotonicultura brasileira no
início da década de 1990 e a sua posterior reestruturação produtiva e espacial a partir de 1998.
Uma das grandes questões refere-se à repulsão da cultura cotonícola das regiões produtoras
tradicionais, que incluem diversos estados nordestinos, além de São Paulo e Paraná, e a
atração do cultivo desta cultura para a sua mais nova fronteira, a região de Cerrado no
Planalto Central Brasileiro. O argumento desta reestruturação espacial reside principalmente
na busca de se elevar as economias de escala, reduzir os custos unitários e melhorar a
qualidade das fibras têxteis, com base na utilização de um pacote tecnológico de difícil
aplicação nas regiões tradicionais.
Muitas variáveis agiram sobrepostas para que a cotonicultura pudesse ingressar em um
novo ciclo de crescimento. Mudanças ocorridas nas políticas agrícola, fiscal e cambial, de
cunho macroeconômico adotadas pelo Governo Federal, engendraram um ambiente propício
para a alocação de recursos na produção cotonícola em todas as unidades federativas do
Brasil. Porém, o deslocamento da produção para a região Centro-Oeste foi estimulado
também, além das políticas públicas, por fatores técnicos de produção, que garantiram
vantagens competitivas do algodão produzido na nova fronteira se comparado ao algodão
produzido nas regiões tradicionais.
Na safra de 2001, aproximadamente 71% da produção nacional estava localizada nos
três estados de Centro-Oeste - Goiás, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso. As condições
naturais de clima, solo e relevo somadas à concentração fundiária podem explicar, a priori,
porque deste efeito-substituição entre as antigas regiões produtoras e a região central do
Brasil. Contudo, ainda pouco se tem discutido o porquê do estado de Mato Grosso concentrar
mais de 50% da safra nacional de algodão herbáceo. Alguns pesquisadores sugerem que o
sucesso da concentração cotonícola em solo mato-grossense estaria relacionado a incentivos
de ordem puramente fiscal. O programa de redução de ICMS (Imposto Sobre Circulação de
Mercadorias e Serviços) criado pelo Governo do Estado de Mato Grosso seria o único fator
explicativo da convergência da produção de algodão naquele estado.
A hipótese de que somente incentivos fiscais poderiam fomentar a afluência de uma
produção específica em um espaço delimitado é demasiado simplista e se apóia nas clássicas
abordagens de crescimento regional do tipo causa-efeito. Visando fugir destes modelos
explicativos geralmente baseados na econometria - com relações bem comportadas e
parâmetros ex ante definidos, modelos que comumente são utilizados pela ortodoxia
14
econômica -, buscou-se neste trabalho utilizar um referencial histórico, não determinista e
holístico para analisar o processo de desenvolvimento dos diversos espaços econômicos, num
processo dinâmico, baseado em fontes internas e externas e em ações complexas dos agentes
envolvidos.
Este referencial teórico surgiu a partir das constatações de que os modelos
neoclássicos tradicionais não logravam êxito em elucidar as assimetrias de crescimento e
desenvolvimento econômico entre os diversos espaços do globo. A metodologia
fundamentada em axiomas e relações rígidas entre as variáveis impossibilitava uma
explicação fidedigna dos fenômenos. Assim, neste trabalho se faz uso da Teoria do
Desenvolvimento Endógeno que, apesar de não possuir a elegância formal dos modelos
neoclássicos, procura encontrar as relações verídicas dos fatos socialmente construídos na
explicação do desenvolvimento regional. Aqui, a ação de grupos endógenos ganha papel de
destaque na determinação das políticas públicas e da formação dos arranjos produtivos
regionais. São, a rigor, os agentes locais que definem quais serão as suas trajetórias produtivas
e sociais.
A partir do exposto, a análise das variáveis que agiram de forma direta sobre a
concentração da produção cotonícola em Mato Grosso expressa o objetivo geral deste
trabalho. Os objetivos específicos são representados pelo estudo das posições da iniciativa
privada, do Governo do Estado e das instituições de P&D no processo de convergência da
produção cotonícola em Mato Grosso durante a década de 1990.
A metodologia utilizada para responder aos objetivos se dividiram em pesquisa direta
e indireta. A pesquisa indireta incluiu a consulta a diversas publicações de pesquisadores
brasileiros e instituições de pesquisa sediadas em Mato Grosso, tais como Fundação MT
(Fundação de Apoio à Pesquisa Agropecuária de Mato Grosso), IPA-PARECIS (Instituto de
Pesquisa Agroambiental do Parecis), Fundação Rio Verde (Fundação de Apoio a Pesquisa e
Desenvolvimento Integrado Rio Verde), FUNDAPER (Fundação de Apoio a Pesquisa e
Extensão Rural), Fundação Centro-Oeste (Fundação Centro-Oeste de Pesquisa) e EMBRAPA
(Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária).
Além destas, publicações de instituições de representação empresarial como a AMPA
(Associação Mato-grossense dos Produtores de Algodão) também foram utilizadas. Relatórios
de instituições públicas também foram alvo de pesquisa indireta, principalmente da SAAF-
MT (Secretaria de Estado de Agricultura e Assuntos Fundiários de Mato Grosso), SICM-MT
(Secretaria de Estado de Indústria, Comércio e Mineração de Mato Grosso) e SEPLAN-MT
(Secretaria de Estado de Planejamento e Coordenação Geral de Mato Grosso). Por fim, foi
15
consultado o acervo da biblioteca pública do FACUAL (Fundo de Apoio a Cultura do
Algodão), um organismo de fomento à pesquisa e desenvolvimento da cotonicultura mato-
grossense.
A pesquisa direta foi realizada em cinco instituições de Mato Grosso que se
apresentaram como estratégicas na coleta de informações relevantes: i) EMBRAPA;
ii) Fundação MT; iii) SAAF-MT; iv) AMPA; e v) FACUAL. A EMBRAPA e a Fundação MT
disponibilizaram dados relativos ao histórico do desenvolvimento tecnológico da
cotonicultura em Mato Grosso durante a década de 1990. A SAAF-MT disponibilizou as
informações relativas ao incentivo fiscal e ao papel de indutor do crescimento adotado pelo
Governo do Estado. Na AMPA, pôde-se captar as formas de organização e cooperação em
prol da eficiência coletiva dos cotonicultores. Mas, foi no FACUAL que foram coletadas as
principais informações acerca do fenômeno. Por ser administrado por agentes públicos e
privados e ser o seu objetivo financiar projetos de pesquisa tecnológica, foi nesta instituição
que pôde-se perceber um ambiente propício à formação de um arranjo produtivo regional,
baseado na cooperação institucional pública e privada em busca de soluções conjuntas.
O trabalho foi divido em quatro capítulos. O capítulo 1 versa sobre a produção de
algodão no mundo e no Brasil, bem como discute a crise do setor durante a década de 1990 e
os fatores atualmente aceitos da migração da cotonicultura para a região de Cerrado no Brasil.
O capítulo 2 procura demonstrar a falência do modelo de desenvolvimento do "topo para a
base". Neste capítulo a Teoria do Desenvolvimento Endógeno será amplamente discutida,
apresentando um novo paradigma para o desenvolvimento regional, pautado agora em um
movimento de "baixo para cima", onde os agentes locais passam a decidir quais serão os
arranjos produtivos e as estratégias para superar os desafios da competição global.
O capítulo 3 destaca os principais fatos que permitiram a gênese, a expansão e a
concentração da cotonicultura brasileira em Mato Grosso, evidenciando o papel relevante da
geração de tecnologia local, do acúmulo e difusão do conhecimento técnico no espaço
regional, o papel do Governo Regional como indutor do desenvolvimento e também a
cooperação entre os cotonicultores em busca da eficiência coletiva. No capítulo 4 procura-se
debater sobre a instabilidade desta atividade produtiva e a atitude dos grupos endógenos em
manter suas posições relativas de mercado. Imersa na globalização produtiva, somente as
políticas públicas não poderão proteger a cotonicultura regional da competição internacional.
Nesta nova ordem mundial, somente inversões em tecnologia e a elevação da cooperação
entre as instituições poderão manter as vantagens competitivas do algodão mato-grossense em
um futuro próximo.
16
CAPÍTULO 1
A PRODUÇÃO DE ALGODÃO NO MUNDO E NO BRASIL
1.1 Características da Produção de Algodão no Mundo
O algodoeiro é uma planta da família das malváceas, do gênero Gossipium. O homem
se utiliza de dois produtos principais derivados desta planta, a semente e a fibra. A semente
representa aproximadamente 64% e a fibra 36% do peso total do capulho. A fibra se apresenta
como o principal produto econômico, cabendo à semente um interesse secundário. A fibra
derivada do algodão pode ser empregada em confecção de fios, tecidos, algodão hidrófilo,
feltro, cobertores, estofamentos, celulose, películas fotográficas e chapas para radiografias
entre outros. Da semente utiliza-se o óleo para alimentação humana e sabão e o bagaço para
alimentação de animais ruminantes [(CARVALHO, 1996); (RICHETTI & MELO FILHO,
2001)].
Dentre as fibras vegetais, a do algodão é a mais cultivada e utilizada pelo homem. Para
Carvalho (CARVALHO, 1996), a razão de sua importância reside em algumas notáveis
características de sua fibra: i) por ser celulose na sua forma quase pura, suporta aquecimento a
altas temperaturas, o que não ocorre com as fibras sintéticas; ii) é resistente aos esforços de
lavagem manual e mecânica; iii) é 25% mais resistente quando está molhada do que quando
seca; iv) tem particularidade de agasalhar e aquecer o corpo humano no inverno; e v) é fresca
no verão, sendo apropriada para o uso em climas quentes. Ainda segundo Barbosa
(BARBOSA et al., 1997), a fibra de algodão apresenta múltiplas e variadas aplicações,
proporcionando aos tecidos características dificilmente imitáveis pelos fios sintéticos, como
maciez, leveza, absorvência e frescor.
Devido à sua pouca exigência em solo e clima, o algodoeiro pode ser produzido em
praticamente todos os continentes do mundo. Historicamente, a utilização do algodão pelo
homem é conhecida desde a antigüidade. Fragmentos de tecidos feitos com a fibra do algodão
foram encontrados na Índia e no Norte do Peru, sendo que as idades dos fragmentos foram
estimadas em 4000 a.C. e 2500 a.C. respectivamente. Já no ano 1500 a.C. na Índia, o cultivo
do algodão já estava organizado especificamente para a fabricação de tecidos [(CARVALHO,
1996); (ABA, 2001)].
17
As principais hipóteses indicam que a origem da utilização da fibra do algodoeiro pelo
homem se deu na Índia, de onde se expandiu para Paquistão, Tailândia, China, Irã, Síria,
Turquia e Grécia. Nos séculos IX e X, os árabes disseminaram o cultivo do algodão pelas
regiões mediterrâneas. Dentre as principais regiões produtoras, a Sicília e a Espanha se
destacavam. A Espanha utilizou largamente velas fabricadas de algodão em seus navios,
quando do período das navegações e descobertas durante os séculos XV e XVI
(CARVALHO, 1996).
Na América, as hipóteses atuais indicam que as regiões que abrangem México,
Guatemala e Peru foram os pioneiros na utilização desta fibra natural. Sua utilização se
expandiu para as atuais regiões de El Salvador, Nicarágua, Colômbia, Brasil e Argentina. Os
povos Incas e Maias do Peru, os Astecas do México e as diversas tribos indígenas do Brasil
cultivavam o algodoeiro, fiavam sua fibra, teciam roupas, mantas, tapeçarias, bordados e
cordas, antes mesmo da chegada dos europeus à América (CARVALHO, 1996).
Porém, o grande impulso da cotonicultura a nível mundial se deu a partir da invenção
da máquina de fiar por Arkwright e do tear mecânico por Cartwright, na segunda metade do
século XVIII - na Inglaterra - bem como do descaroçador mecânico por Eli Whitney em 1793,
nos EUA. Esta ruptura tecnológica criou a possibilidade de utilização mais efetiva do algodão
pela nascente indústria têxtil. Gerou também uma competição entre a fibra de algodão e a lã,
visto que até aquele momento, a lã representava a principal fonte de fibras naturais na Europa.
Desde então, o consumo de algodão cresceu no mercado internacional e os Estados Unidos da
América se tornaram os maiores produtores e fornecedores desta fibra durante os séculos
XVIII e XIX [(CARVALHO, 1996); (ABA, 2001)].
Ainda durante o século XIX, o algodão já havia se tornado a principal fibra utilizada
pelo homem. No início do século XX, a participação do algodão já havia chegado a 85% e a
lã reduzida a 15% do total de fibras utilizadas pela indústria têxtil global. Contudo, no
decorrer deste último século, surge uma importante concorrente para a fibra de algodão, a
fibra química derivada do petróleo. A partir de 1940 as fibras químicas passam a ocupar
gradativamente o espaço do algodão. Como pode ser visto na Tabela 1, as fibras de origem
química representavam apenas 0,2% da produção total em 1920, saltando para 46% em 1990
e alcançando 56% em 1998. A participação do algodão, por sua vez, recuou de 85% em 1920
para 49% em 1990 e 40% em 1998. Em 1998, a lã representava apenas 4% do consumo total
de fibras pelo setor industrial1 [(FREIRE et. al., 1997); (ABA, 2001)]. 1 No caso específico do Brasil, as fibras de algodão representam entre 75 e 80% do total de consumo da indústria têxtil [(ROLIM, 1997); (RICHETTI & MELO FILHO, 2001)].
18
Tabela 1. Produção Mundial de Fibras Têxteis e Respectivas Percentagens de Participação Total Anos Selecionados (em milhões de toneladas)
Ano Lã % Algodão % Químicas %
1920 0,8 14,8 4,6 85 0,015 0,2
1940 1,1 12 6,9 76 1,1 12
1950 1,1 12 6,6 70 1,7 18
1960 1,5 10 10,3 68 3,3 22
1970 1,6 7 11,8 55 8,1 38
1980 1,6 5 14,0 48 13,7 47
1990 2,0 5 18,7 49 17,7 46
1998 2,0 4 20,2 40 28,5 56
FONTE: Fundação MT/ Textile Organon, citado em Freire et al., 1997.
Apesar da perda de importância relativa da fibra do algodão utilizada pelas indústrias
têxteis e da estabilização da produção durante a década de 1990 em um intervalo entre 17 e
20 milhões toneladas, os países que possuem uma indústria têxtil competitiva - China, Estados
Unidos e Índia - mantêm, estrategicamente grandes produções de algodão, garantindo a oferta
de matéria-prima relativamente desatreladas do comércio internacional (BESEN et. al., 1997).
Em adição, pode-se mencionar ainda que as culturas agrícolas das fibras naturais possuem a
característica de serem geridas de forma sustentável, garantindo-se como recursos naturais
renováveis. As fibras sintéticas, por serem derivadas do petróleo, constituem recursos naturais
finitos. Na Tabela 2 pode-se visualizar os dez principais produtores e a produção agregada
mundial de algodão.
Pode-se perceber que China, EUA, Índia e Paquistão são os grandes produtores
mundiais, com uma larga vantagem sobre Uzbequistão, Turquia, Brasil, Austrália e todos os
demais produtores. Contudo, a análise da Tabela 2 torna-se mais interessante se conjugada
com a Tabela 3, que apresenta a produtividade dos principais países produtores de algodão.
Nota-se que países como Israel, Espanha e México, que sequer figuram entre os dez maiores
produtores, mantêm elevados níveis de produtividade, muito acima da média mundial, com
destaque para Israel. Outro fato interessante é a expressiva elevação da produtividade
brasileira, que se apresentava abaixo da média mundial no período 1992-98, mas que a partir
de 1999 se eleva substancialmente acima da média, alcançando a 6.ª (sexta) melhor
produtividade mundial no ano de 2001. Não se observa em nenhum outro país tamanha
elevação de produtividade em um período tão curto de tempo.
19
Tabela 2. Produção Mundial de Algodão em Pluma* (Dez Principais Países) - 1992 a 2001 (em ton.) 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001
China 5.672 4.510 3.739 4.342 4.768 4.203 4.602 4.501 3.829 4.420
EUA 3.835 3.531 3.513 4.281 3.897 4.124 4.092 3.030 3.694 3.742
Índia 2.053 2.380 2.095 2.355 2.885 3.024 2.686 2.805 2.652 2.384
Paquistão 2.180 1.539 1.367 1.478 1.801 1.594 1.561 1.480 1.700 1.750
Uzbequistão 1.443 1.306 1.358 1.248 1.254 1.062 1.139 1.000 1.128 963
Turquia 561 574 602 628 851 784 383 871 791 880
Brasil 667 420 484 537 410 306 412 521 700 861
Austrália 502 373 329 335 429 613 689 726 741 704
Grécia 207 243 316 389 443 301 348 390 428 425
Síria 189 230 212 205 213 270 345 335 306 362
Outros 3.473 2.833 2.848 2.983 3.406 3.332 3.787 3.048 2.900 2.760
Total 20.712 17.939 16.863 18.781 20.357 19.613 20.044 18.707 18.869 19.251
FONTE: ICAC, 2001a. *Observação: o algodão em pluma representa aproximadamente 36% do peso total da produção de algodão, sendo que os 64% restantes representam o peso das sementes.
Ademais, dos quatro principais países produtores, somente a China mantêm níveis de
produtividade muito acima da média mundial. Tanto EUA, quanto Uzbequistão e Paquistão
estão estacionados em um nível de produtividade pouco acima da média. O grande destaque
negativo fica por conta da Índia, mesmo com a terceira maior produção mundial, este país
mantêm uma produtividade muito abaixo da média global.
Se se considera que a produtividade agrícola está relacionada com a qualidade do solo
e com o nível tecnológico utilizado na atividade produtiva, Síria, Austrália, Turquia, China,
Brasil e Grécia - dentre os dez maiores produtores - são os países que estão conseguindo êxito
em combinar terra e tecnologia, alcançando níveis de produtividade bastante acima da média.
Contudo, EUA, Uzbequistão e Paquistão não estão conseguindo uma boa combinação de terra
e tecnologia que lhes garanta uma produtividade em níveis elevados. A Índia, por sua vez,
apresenta um quadro de baixa eficiência na combinação dos insumos de produção,
provavelmente produzindo com baixa utilização de tecnologia.
Visualizando as Tabelas 2 e 3, percebe-se que a produção mundial de algodão cresceu
em 0,54 milhão de toneladas no triênio 1999-2001, bem como a produtividade se elevou de
568 kg./ha. para 611 Kg/ha., no mesmo triênio. Este movimento parece incompatível com a
queda dos preços registrada durante a segunda metade dos anos 1990. O Índice Cotlook A2
2 Índice internacional que se refere ao preço do algodão em pluma posto no Norte da Europa, CIF. É calculado por uma média das cinco menores cotações entre uma seleção de algodões de 15 procedências diferentes, do tipo Middling 1-3/32" (FERREIRA FILHO, 2001).
20
atingiu a média de 80 centavos de dólar por libra-peso no período 1993-973, caindo para 53
centavos por libra na safra 1999/2000, recuperando-se na safra 2000/2001 para 57 centavos
por libra e recuando novamente para 50 centavos de dólar por libra em 2001/2002. A previsão
de preços para a safra 2002/2003 é de uma média de 51 centavos por libra. Quatro fatores
parecem estar promovendo os aumentos na produção mundial, apesar da tendência de queda
dos preços: i) geração e incorporação de novas tecnologias, elevando a produtividade; ii)
fortalecimento do dólar norte-americano em relação às moedas de outros países; iii)
desenvolvimento de uma nova superfície dedicada ao cultivo de algodão; e iv) políticas de
incentivo adotadas por governos (BECERRA, 2001).
Tabela 3. Produtividade Mundial de Algodão em Pluma (Principais Países) - 1992 a 2001 (em kg/ha.) 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001
Israel 1.720 1.667 1.723 1.476 1.779 1.810 1.845 1.701 1.618 1.658
Síria 1.086 1.150 1.087 1.079 1.044 1.233 1.377 1.558 1.259 1.414
Austrália 1.781 1.424 1.317 1.603 1.411 1.580 1.611 1.316 1.684 1.407
Turquia 938 900 1.061 1.080 1.148 1.055 1.165 1.153 1.100 1.319
China 867 660 750 785 879 890 1.016 1.059 1.028 1.096
Brasil 338 329 391 437 430 465 470 750 850 1.049
Espanha 1.058 927 1.001 1.169 1.056 1.165 1.078 1.034 1.222 1.039
Grécia 890 729 888 1.016 997 704 890 958 995 1.037
México 713 697 719 638 667 954 1.042 924 893 1.008
Egito 815 1.012 1.119 841 810 894 948 693 858 926
EUA 731 783 679 794 602 792 762 702 680 708
Uzbequistão 839 783 810 816 837 714 768 647 752 668
Paquistão 769 543 487 557 601 506 528 489 583 601
Índia 267 316 286 300 318 330 304 302 310 293
Mundial 598 555 554 584 568 575 594 568 593 611
FONTE: ICAC, 2001a.
1.2 O Complexo Produtivo do Algodão no Brasil
A agricultura brasileira experimentou durante a década de 1990 diversas
transformações estruturais, em função direta de um mosaico de variáveis que agiram
sobrepostas, tanto favorável quanto desfavoravelmente. Para Homem de Melo (HOMEM DE
3 A média de preços do período 1975-2000 foi de 72 centavos de dólar por libra (BECERRA, 2001).
21
MELO, 1999), as elevadas taxas de juros reais4, seguidas pela forte valorização da taxa de
câmbio real5, as excessivas reduções das tarifas de importação de produtos agrícolas6 -
sobretudo em relação a algodão e leite -, a importação financiada de produtos agrícolas e as
baixas taxas de crescimento da demanda interna agiram negativamente sobre a alocação de
recursos na agricultura brasileira. Além destas, Suzuki Junior (SUZUKI JUNIOR, 2000)
menciona como variável negativa à expansão da agricultura no Brasil a redução dos recursos
para financiamento agrícola do Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR), que declinaram
de R$32,4 bilhões/ano na década de 1980 para R$12,6 bilhões/ano no período 1990-98.
Porém, um outro grupo de variáveis agiram de forma positiva sobre a agricultura, como a
melhoria das cotações internacionais de produtos agrícolas, as reduções dos preços reais de
insumos agrícolas, o aumento expressivo do índice de produtividade da terra e as
modificações de políticas econômica e agrícola.
Dentro do contexto maior da agricultura brasileira, está inserida o Complexo
Produtivo do Algodão7, que, seguindo a trajetória descrita anteriormente, tem passado durante
a década de 1990 por profundas transformações de ordem tecnológica, gerencial e logística.
Tal fato se deve pelo reconhecimento da defasagem tecnológica da indústria têxtil - o
principal vetor de crescimento do Complexo Produtivo do Algodão -, considerado um dos
parques industriais mais atrasados do mundo. Esta inferioridade tecnológica ficou latente
durante a década de 1980, quando as empresas têxteis brasileiras conseguiam competir, no
máximo, com seus vizinhos sul-americanos. Visando mudar este panorama e melhorar a
competitividade da indústria têxtil, o Governo Federal, ao final da década de 1980, tomou
uma série de medidas na busca da modernização das máquinas daquele setor, por reconhecer
4 A taxa de juro real (r) é a diferença entre a taxa de juro nominal (i) e a inflação (π), sendo dada por: r = i - π (GÓES, 2000). 5 A política cambial adotada por um país pode determinar diretamente o resultado de suas transações correntes com o exterior. Denomina-se regime cambial o processo pelo qual é determinada a taxa de câmbio de um país. A taxa de câmbio nominal pode ser conceituada como sendo o preço em moeda nacional de uma unidade monetária estrangeira tomada como referência. Já a taxa de câmbio real incorpora o deflator de preços, ou seja, considera a variação de preços entre os países [(DORNBUSCH & FISCHER, 1991); (ALMEIDA & BACHA, 1999); (BLANCHARD, 1999)]. Contudo, mais importante do que uma simples relação de preços é a produtividade e a capacidade de concorrência, que estão intimamente ligados a fatores institucionais, tais como sistema tributário, tecnologia, mão-de-obra, infra-estrutura, entre outros (SILVA, 2001). 6 O processo de reforma tarifária no Brasil se iniciou em 1988, depois de trinta anos de vigência da Lei de Tarifas de 1957. A política de abertura comercial do Governo Federal definiu uma trajetória decrescente para as taxas sobre produtos importados, trajetória esta que se intensificou muito a partir de 1990. A política de fechamento comercial, apesar de garantir a sobrevivência das empresas nacionais, não criou incentivos à modernização do parque produtivo, da elevação da produtividade e da difusão do progresso técnico. Além da superação do atraso tecnológico, a abertura da economia brasileira visava também o controle de uma inflação crônica observada desde a década de 1970 [(BAER, 1996); (BAUMANN et al., 1998); (SILVA, 2001)]. 7 Compreende a cotonicultura, indústria beneficiadora, fiadora, têxtil, vestuário, calçados e artefatos de pano.
22
que a adoção de novas tecnologias seriam fundamentais para a sobrevivência do Complexo
Produtivo do Algodão [(FREIRE et. al., 1997); (FERREIRA FILHO, 2001)] .
Desta forma, o governo brasileiro reduziu a alíquota de impostos sobre a importação
de máquinas para estimular a adoção de uma nova tecnologia têxtil, o que gerou uma
expansão das importações de máquinas pelas indústrias brasileiras [(GORINI & MARTINS,
1998), (Tabela 4)]. Na Tabela 5 pode-se perceber os resultados diretos da redução de
impostos sobre a importação de maquinário, onde a idade média dos equipamentos se reduziu,
principalmente nos primeiros elos do complexo, o beneficiamento da pluma e a sua posterior
fiação.
Como o governo esperava um crescimento substancial da produção de vestuários e
calçados e as novas máquinas exigiam como matéria-prima um algodão de qualidade superior
ao produzido no Brasil8, o imposto sobre importação de algodão em pluma foi reduzido de
55% em 1988 para 10% em 1989 e 0% de 1990 em diante. Tal medida visava garantir um
farto abastecimento de algodão de qualidade e a preços competitivos para uma renovada e
pujante indústria beneficiadora de fibras naturais [(ROLIM, 1997); (BACCARIN, 2001)].
Entretanto, somada à redução das tarifas de importação sobre o algodão em pluma,
pelo menos três variáveis agiram direta e simultaneamente sobre o Complexo Produtivo do
Algodão: i) fortes subsídios praticados pelo Governo dos Estados Unidos da América (EUA)
sobre o algodão, alterando os mecanismos de formação de preços daquele país, garantindo a
competitividade do algodão norte-americano no mercado internacional; ii) a entrada no Brasil,
a partir de 1990, de grandes trading companies - principalmente norte-americanas e européias
- financiando as indústrias têxteis brasileiras na aquisição de algodão em pluma no mercado
internacional, com taxas de juros inferiores às praticadas internamente, aliado a longos prazos
de pagamento (270 a 360 dias); e iii) a sobre valorização cambial da moeda brasileira frente
ao dólar norte-americano a partir de 1988 [(GONÇALVES, 1997); (ALMEIDA & BACHA,
1999)].
8 Um dos pontos mais críticos para garantir a qualidade do algodão refere-se ao ato da colheita. Nas pequenas e médias propriedades na Região Meridional, que nasceram após a crise de 1929, se observava a colheita no sistema de "panha maçã a maçã", realizada exclusivamente pela mão-de-obra familiar, que garantia uma alta qualidade à fibra do algodão. Contudo, as modificações ocorridas no agro brasileiro, principalmente após a década de 1960, com a forte urbanização, a concentração fundiária e o desmantelamento das colônias agrícolas, a colheita do algodão passou a depender da contratação sazonal dos bóias-frias. Nesta nova realidade, com mão-de-obra mais escassa e de custo cada vez mais elevado, o sistema de "panha maçã a maçã" foi substituído pelo sistema de "rapa", em que a produtividade por trabalhador cresce, porém a qualidade da fibra do algodão torna-se muito inferior ao antigo sistema de colheita. Na década de 1980, o sistema de "rapa" estava amplamente disseminado na cotonicultura brasileira, onde a fibra produzida era de qualidade inferior (GONÇALVES, 1997).
23
Tabela 4. Importações Brasileiras de Máquinas Têxteis - 1989-2000 (em US$1.000,00) Máquinas 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998
Máq. Para extrudar, estirar, cortar materiais têxteis sintéticos ou artificiais
2.748 24.869 16.092 27.141 20.576 25.369 27.428 46.239 32.669 15.916
Máquinas para fiação 58.251 80.606 55.748 34.080 43.140 80.369 109.227 95.954 125.991 83.937
Teares para tecidos 43.920 55.313 30.519 33.911 30.729 79.785 99.623 51.515 72.504 47.513
Teares para fabricar malhas 43.060 69.111 61.250 34.230 56.005 99.520 152.874 76.886 93.445 86.189
Máquinas e equip. auxiliares 67.384 78.593 68.343 50.407 63.981 157.374 85.926 66.946 60.217 56.685
Máquinas para fab. de feltro 2.560 5.236 4.684 2.734 4.225 11.546 24.371 9.255 3.218 20.192
Máquinas de lavar roupas 1.912 234 278 893 1.182 4.285 11.314 22.748 23.665 11.574
Máquinas para lavar, limpar, espremer, passar, tingir, etc. 11.236 13.256 22.242 24.282 36.560 50.832 77.453 55.265 77.191 72.131
Máquinas de costura 38.660 49.822 83.299 42.913 80.955 101.914 150.391 92.885 98.126 73.682
Total 269.731 377.040 342.455 250.591 337.353 611.021 738.606 517.694 587.027 467.879
FONTE: SECEX - MDIC, elaborada por ABIT, 2002a.
Tabela 5. Idade Média dos Equipamentos Têxteis no Brasil – 1990/1996/1997 Segmentos/anos 1990 1996 1997 Beneficiamento 12,11 4,50 5,07 Fiação 12,43 7,94 8,23 Tecelagem 12,77 11,63 10,98 Malharia 11,20 10,52 11,03
Fonte: ABIT/Sinditêxtil, citado em Massuda, 2002.
Desta forma, a facilidade de importação de algodão em pluma a preços inferiores aos
produzidos no Brasil - em função das quatro variáveis mencionadas -, a estratégia de
acumulação de capital pelas indústrias têxteis engendrou a elevação das importações de
algodão a partir de 1989. Além do preço, a qualidade superior do algodão importado,
condizente com o padrão internacional relativo a tipo, comprimento, finura, resistência e
uniformidade das fibras, levou as indústrias do complexo produtivo a preferir adquirir o
algodão no mercado internacional [(BARBOSA et al., 1997); (ROLIM, 1997)]. A crescente
evolução das importações de algodão em pluma pode ser vista na Tabela 6. Segue-se neste
movimento que o Brasil se transformaria durante a década de 1990 de grande país exportador
a maior importador mundial de algodão em pluma [(GONÇALVES, 1997); (ICAC, 2001b)].
O reflexo deste fenômeno foi imediatamente sentido pelos cotonicultores brasileiros,
obrigados a reduzir a área plantada e conseqüentemente a produção total de algodão dada a
redução da demanda pelo algodão nacional. Nota-se que a produção de algodão após atingir o
pico em 1985, reduz-se nos anos seguintes. Em 1993 a produção foi aproximadamente 50%
24
menor do que em 1988. As importações cresceram e alcançaram seu pico em 1993 [(ROLIM,
1997); (BACCARIN, 2001)].
Tabela 6. Evolução do Suprimento de Algodão em Pluma no Brasil - 1980-2001 (em 1000 toneladas)
Safra Produção Importação Exportação Consumo
1980 577,0 0,0 9,0 572,0
1981 594,4 2,0 30,8 561,0
1982 680,5 0,0 56,5 580,6
1983 586,3 2,4 180,2 556,7
1984 674,5 7,8 32,3 555,2
1985 968,8 20,5 86,6 631,4
1986 793,4 67,4 36,6 736,6
1987 633,4 30,0 174,0 774,7
1988 863,6 81,0 35,0 838,0
1989 709,3 132,1 160,0 810,0
1990 665,7 86,0 110,5 730,0
1991 717,0 105,9 124,3 700,0
1992 667,1 167,8 33,8 748,0
1993 420,2 508,5 8,3 829,5
1994 483,1 330,0 8,0 850,0
1995 594,1 320,0 13,0 900,0
1996 410,1 472,0 1,6 829,1
1997 305,7 438,5 0,3 798,7
1998 411,0 334,4 3,1 782,9
1999 520,1 280,3 3,9 849,5
2000 700,3 300,0 30,0 910,0
2001 861,8 190,0 120,0 930,0
FONTE: CONAB, 2002.
A partir de julho de 1994, com a implantação do Plano Real, se verificou uma tímida
recuperação da cotonicultura. Apesar do câmbio valorizado da moeda nacional em relação às
moedas estrangeiras, fato que poderia estimular importações mais baratas, as compras no
exterior de algodão em pluma em 1994 e 1995 decrescem em relação a 1993. A produção
interna inicialmente se recupera no biênio 1994/95 em função do boom inicial gerado pelo
Plano Real. Porém, com o principio de recessão da economia a partir de 1996, a produção de
algodão sofreu uma considerável queda no biênio 1996/97, sendo que as importações
voltaram a se elevar neste último período (RICHETTI & MELO FILHO, 2001).
O momento era extremamente complexo para a cotonicultura brasileira. A produção
de algodão estava desorganizada, as importações cresciam e o saldo da Balança Comercial do
setor têxtil se apresentou deficitário em mais de US$1 bilhão no período 1996-97. O
25
reconhecimento de que a cotonicultura no Brasil não estava acompanhando o movimento de
expansão registrado nos demais países produtores sugeria que as forças de mercado não
estavam afetando a produção interna. Assim, as políticas públicas estariam por trás do fraco
desempenho do setor verificado a partir de 1993, bem como das políticas públicas dependia a
expansão futura da cotonicultura (IEL et al., 2000).
O Governo Federal tomou algumas medidas para garantir ao setor sua sobrevivência,
pois admitiu-se que a manutenção de uma cotonicultura forte, dinâmica e inovadora
representaria uma importante estratégia para garantir competitividade da indústria têxtil em
um mercado globalizado, reduzindo - como China, EUA e Índia - a dependência da
importação de insumos básicos (FREIRE et al., 1997). Assim, a partir de 1998 há um
importante ponto de inflexão na cotonicultura brasileira, onde a produção total volta a se
elevar. O impulso à elevação da produção interna e a redução das importações de algodão
podem estar diretamente relacionados a algumas mudanças ocorridas nas políticas públicas no
biênio 1996-97:
i) Promulgação da Lei Complementar n.º 87, de 13/09/1996, conhecida como Lei Kandir, que
isentou do Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) os produtos primários e
semi-elaborados com destino à exportação. Em média, os produtos agrícolas brasileiros
alcançaram uma desvalorização fiscal em torno de 10%, ganhando competitividade no
mercado internacional (KUME & PIANI, 1997);
ii) Promulgação da Lei n.º 9.456/97, a chamada Lei de Proteção de Cultivares, que integrou o
Brasil ao grupo de países da União Internacional para a Proteção de Obtenções Cultivares
(UPOV). O objetivo principal da UPOV é fomentar o desenvolvimento continuado de novas
variedades para os agricultores. Antes desta lei, a quase totalidade dos investimentos em
melhoramento genético do algodoeiro era praticada por instituições estatais (IAC, Iapar,
Epamig, Embrapa, UFV, UFCE). Após a lei, várias empresas privadas nacionais e
internacionais passaram a desenvolver ou adaptar cultivares próprias ou linhagens
promissoras no Centro-Oeste brasileiro. Desta forma, esta lei potencializou as empresas
estrangeiras a trazerem para o Brasil seus programas de pesquisa em genética e melhoramento
do algodão [(CARRARO, 2001); (FREIRE & FARIAS, 2001)];
iii) Edição da Medida Provisória n.º 1.569 de 25/03/1997, que, sem proibir as importações a
prazo, determinou o pagamento à vista das aquisições externas com prazos inferiores a 360
dias, prazo então predominante nas importações de algodão no Brasil. Esta Medida Provisória
visava reduzir o financiamento externo das importações, dentre os quais, o algodão em pluma.
O resultado imediato desta MP foi a queda das importações financiadas pelas trading
26
companies já a partir de 1998. A importância desta medida residia no elevado nível de
financiamentos externos, pois no ano de 1995, 83% do algodão importado foi financiado pelas
trading companies [(BESEN et al. 1997); (GONÇALVES, 1997); (REZENDE et al., 1997);
(REZENDE & NONNENBERG, 1998); (MELO FILHO et al., 2001)];
iv) Alteração das alíquotas de importação de algodão em pluma, que permaneceram ao nível
de 0% no período 1989-1994, sendo alteradas para 1% em 1995, 3% no biênio 1996-97, 6%
em 1998, 8% no biênio 1999-2000 e retornando para 6% em 2001 (IEL et al., 2000); e
v) Incentivos à expansão da cotonicultura por parte de Governos Estaduais. Alguns estados
criaram programas específicos para a produção cotonícola, com redução de impostos e
incentivo ao desenvolvimento tecnológico. Em Mato Grosso foi instituído o Programa de
Incentivo à Cultura do Algodão de Mato Grosso - PROALMAT. Em Goiás, foi instituído o
Programa de Incentivo ao Produtor de Algodão - PROALGO. Em Mato Grosso do Sul, foi
criado o Programa de Desenvolvimento da Produção Agropecuária - PDAGRO [(MATO
GROSSO, 1997); (GOIÁS, 1999); (MATO GROSSO DO SUL, 1999); (IEL et al., 2000);
(SUZUKI JUNIOR, 2001)].
Além disso, a desvalorização cambial ocorrida em março de 1999 - tornando as
importações relativamente mais caras - veio a reforçar a expansão da produção interna para
cobrir a redução das importações de algodão em pluma, que no período de 1998-2001 se
retraíram em 144,4 mil toneladas. Além disso, a desvalorização cambial facilitou as
exportações de produtos das indústrias de vestuário, calçados e artefatos de pano, que
passaram a demandar um volume maior de algodão em pluma.
Claro está que das seis variáveis mencionadas que agiram de forma positiva sobre a
cotonicultura, cinco delas - Lei Kandir, Lei de Proteção de Cultivares, MP n.º 1.569, elevação
das tarifas de importação e desvalorização cambial - geraram impactos iguais em todas as
unidades da federação brasileira, sendo portanto, de caráter macroeconômico. Nenhuma
unidade da federação recebeu destas variáveis um incentivo consideravelmente maior do que
as demais unidades federativas. Elas, em conjunto, podem explicar a retomada do crescimento
da produção agregada de algodão no Brasil. Contudo, provavelmente tem menor poder de
explicação em fenômenos localizados em alguma unidade federativa específica. Fenômenos
específicos devem estar relacionados a outras variáveis, como recursos naturais ou incentivos
de Governos Regionais e Locais.
Assim, refletindo o efeito das variáveis mencionadas, a partir de 1998 a produção
interna de algodão se eleva e no ano de 1999 o consumo interno de algodão alcança os níveis
do início do Plano Real. No ano de 2001 a produção interna alcança o nível de 1988 e ocorre
27
o maior consumo de algodão em pluma registrado no Brasil. As exportações foram as maiores
desde 1991. Porém, a principal demanda de algodão se deu pelas indústrias nacionais a
jusante da cotonicultura, dado a maior facilidade para exportação de produtos industriais com
base em fibras naturais (AQUINO, 2001).
A elevação da produção interna de algodão representou uma redução da dependência
do mercado externo, com uma importante queda das importações, amortecendo possíveis
oscilações do mercado internacional em relação a preço e oferta de matéria-prima de
qualidade. Além disso, reconduziu o Brasil ao grupo dos países exportadores de algodão
(ICAC, 2001b).
Este novo quadro da cotonicultura brasileira garantiu às indústrias têxteis um
fornecimento de algodão em pluma a preços competitivos e de qualidade internacional. Esta
configuração, aliada a desvalorização da moeda nacional em relação às moedas estrangeiras e
a modernização do parque produtivo têxtil iniciada na década de 1990 criaram um ambiente
de competitividade, onde os produtos industriais brasileiros passaram a ser consumidos no
mercado internacional. Dada esta situação, as exportações de produtos têxteis se elevaram e as
importações de produtos primários foram reduzidas ao final de década de 1990, gerando uma
queda no déficit da Balança Comercial do Setor Têxtil do Brasil entre 1998 e 2000 e um
resultado positivo já no ano de 2001, após seis anos consecutivos de déficit comercial (vide
Tabelas 6 e 7).
Tabela 7. Balança Comercial Têxtil do Brasil - 1990-2001 (em US$ 1.000.000) Ano Exportação Importação Saldo
1990 1.248 463 785
1991 1.382 569 813
1992 1.491 535 956
1993 1.382 1.175 207
1994 1.403 1.323 80
1995 1.441 2.286 (845)
1996 1.292 2.310 (1.018)
1997 1.267 2.416 (1.149)
1998 1.113 1.923 (810)
1999 1.010 1.443 (433)
2000 1.222 1.606 (384)
2001 1.306 1.233 73
FONTE: SECEX - MDIC, elaborada por ABIT, 2002b.
28
Esta recuperação da cotonicultura brasileira, se olhada de forma mais crítica, apresenta
uma dinâmica diferente da ocorrida no passado. Em primeiro lugar, verifica-se uma elevação
substancial da produtividade a partir de 1998, alcançando níveis internacionais - o que pode
estar ligado à utilização de novas tecnologias e formas de gestão - (Tabela 3). O segundo
aspecto se deve à nova configuração espacial. Analisando-se a Tabela 8, percebe-se uma forte
tendência de concentração da produção de algodão no Centro-Oeste. Interessante notar que
regiões outrora líderes na produção de algodão, como os estados de São Paulo, Paraná e o
Nordeste perdem importância relativa.
Segundo Suzuki Júnior (SUZUKI JUNIOR, 2001), os prováveis motivos que
induziram o deslocamento da cotonicultura em direção ao Centro-Oeste estão relacionados às
condições climáticas, topográficas e fundiárias extremamente favoráveis no Cerrado
Brasileiro.
Tabela 8. Produção de Algodão Herbáceo nos Principais Estados Brasileiros - 1991-2001 (toneladas) Estados 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001
MT 73.458 67.862 85.641 91.828 87.458 73.553 78.376 283.812 566.802 908.854 1.250.277
GO 83.650 83.710 94.560 101.368 157.031 173.307 189.744 260.062 278.363 254.476 264.444
MS 90.561 85.119 64.735 77.409 105.791 87.952 56.027 93.229 114.521 127.839 162.778
BA 137.033 103.860 102.359 128.329 76.090 51.740 82.445 41.532 50.085 132.679 155.833
PR 1.024.111 972.804 448.081 422.541 529.977 287.061 113.000 175.490 107.000 124.469 146.389
SP 438.700 397.625 225.000 254.700 311.400 181.200 155.430 217.000 156.585 148.230 145.556
MG 107.000 78.416 70.446 78.398 49.924 55.369 91.863 122.255 81.531 99.743 83.888
CE 35.522 29.414 4.771 62.068 30.531 8.202 15.697 8.594 38.757 65.754 74.167
Outros 51.088 44.267 31.771 134.173 93.324 33.629 38.689 29.957 83.386 145.058 73.335
Total 2.041.123 1.863.077 1.127.364 1.350.814 1.441.526 952.013 821.271 1.231.931 1.477.030 2.007.102 2.356.667
FONTE: IBGE - Produção Agrícola Municipal, 2002.
1.3 Características Edafoclimáticas do Cerrado Brasileiro e a Expansão da
Cotonicultura
O Cerrado Brasileiro - que apresenta uma vegetação semelhante à savana - ocupa uma
área de 2 milhões de quilômetros quadrados na região central do Brasil, abrangendo
principalmente os estados de Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Distrito Federal.
Contudo, o Cerrado avança até os estados do Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Ceará,
Pernambuco, Pará, Amazonas, Tocantins, Amapá, Rondônia, além do Paraguai [(WALTER,
1986); (RIZZINI, 1997)].
29
A topografia do Centro-Oeste é variável, porém predominam áreas com relevo plano
ou suavemente ondulado (PRADO, 1996). Especialmente nos chapadões, o ambiente se
apresenta extremamente plano (SÁNCHEZ, 1992). Tal configuração garante a utilização
intensiva de máquinas e implementos na agricultura, de forma muito mais eficiente do que na
região Meridional do Brasil (SECOM, 1999).
Os solos do Cerrado são, em geral, profundos e bem drenados, resultantes da
decomposição de granitos e arenitos do Planalto Central Brasileiro [(WALTER, 1986); (DIAS
et al., 1996)]. Em grande parte, os solos são caracterizados como Latossolos Vermelhos a
Amarelos, submetidos a profundo intemperismo, porém são ácidos e muito pobres em bases
trocáveis, principalmente fósforo, potássio, zinco e boro [(GOODLAND & FERRI, 1979);
(WALTER, 1986)]. Contudo, a capa freática - localizada entre 15 e 18 metros de
profundidade - garante uma constante umidade do solo, que sofre ressecamento de no máximo
2 metros em épocas de forte estiagem (RIZZINI, 1997). Assim, apesar dos solos apresentarem
estoques relativamente baixos de nutrientes, eles possuem uma oferta adequada de umidade
para o crescimento das plantas durante 7-10 meses do ano. Ao longo do Planalto Central, a
maioria dos solos apresentam características muito semelhantes ao exposto (GOODLAND &
FERRI, 1979).
O clima característico do Centro-Oeste é o Tropical (Köppen AW, mas Cwa na região
Sul). A precipitação anual média varia de 1.100 a 1.600 milímetros (MIRANDA et al., 1996).
A distribuição unimodal das chuvas ocorre por uma alternância de maio-outubro com oferta
pluvial extremamente baixa, com 10% do volume total, e uma concentração substancial das
chuvas no período novembro-abril, com 90% do volume total de chuvas [(WALTER, 1986);
(SÁNCHEZ, 1992); (MIRANDA et al., 1996); (RIZZINI, 1997)]. Como o substrato é muito
permeável, grande parte desta água é drenada pelo solo (RIZZINI, 1997).
As temperaturas médias são da ordem de 23-26°C, contudo em regiões de depressão,
podem ocorrer médias ligeiramente superiores a 26°C. As temperaturas máximas ocorrem no
período outubro-março e as temperaturas mínimas no período abril-setembro. Em geral, nos
meses de maio e junho a região apresenta céu limpo. A nebulosidade aumenta
progressivamente, alcançando condições máximas de novembro a fevereiro. Pode-se dizer
que há uma certa regularidade no comportamento climático da região (SÁNCHEZ, 1992).
A radiação solar, fonte de energia utilizada em processos vitais como a fotossíntese, é
sempre superior a 300 cal.cm-2.dia-1 no Centro-Oeste, alcançando valores máximos no final da
primavera e principio do verão (dezembro-janeiro), e caindo ligeiramente no inverno. A
interação do regime de umidade do solo com o processo de captação de energia determina que
30
os solos possuem condições ecológicas para trabalhar eficientemente e produzir uma alta
quantidade de biomassa durante o período úmido (SÁNCHEZ, 1992).
A estrutura fundiária do Centro-Oeste se apresenta fortemente concentrada, onde os
estratos de área acima de 100 hectares ocupam mais de 90% da área total (PEREIRA, 1995).
Esse fenômeno reflete o processo de ocupação produtiva da região Centro-Oeste iniciada na
década de 1930, especialmente em Goiás e no atual Mato Grosso do Sul, com base em
grandes projetos de colonização. Entre as décadas de 1940 e 1950, o processo de ocupação se
consolidou efetivamente. Contudo, a partir da década de 1960 o ritmo de ocupação se
acelerou, com base na política de expansão da fronteira agrícola, através de programas
governamentais baseados, em sua maioria, em grandes projetos de desenvolvimento regional
(BRASIL, 1997a). Porém, a forte concentração fundiária resultante da política de colonização
garante aos empresário rurais do Centro-Oeste produzirem em uma escala muito superior aos
seus congêneres da região Sul-Sudeste do Brasil.
Considerando as condições edafoclimáticas descritas do Cerrado Brasileiro, este
bioma se apresenta como um excelente locus natural para o cultivo do algodoeiro. São várias
as vantagens em relação à região Sul-Sudeste. Primeiro, a topografia plana e a concentração
fundiária garantem ampla mecanização de todas a fases do processo produtivo, desde o
preparo do solo até a colheita, reduzindo a dependência da mão-de-obra9 [(BELTRÃO &
SOUZA, 2001); (VIEIRA et al., 2001)]. Segundo, apesar dos solos do Cerrado serem pobres
em matéria orgânica, eles reagem de forma satisfatória à correção por adubos e fertilizantes.
Além disso, o solo se mantém úmido no período novembro-maio, em função da concentração
de chuvas neste período. Em função de suas características, o algodoeiro necessita de elevado
consumo de água para a produção de fitomassa em suas fases iniciais de cultivo, coincidindo
com o regime hídrico do Centro-Oeste, pois nesta região o plantio se concentra no período
dezembro-janeiro (BELTRÃO & SOUZA, 2001). Terceiro, no período da colheita, torna-se
necessária a redução da umidade do ar, porque a umidade excessiva pode comprometer a
qualidade da fibra. A colheita no Centro-Oeste ocorre nos meses de junho, julho e agosto,
época em que chuva torna-se muito escassa na região. Esse fenômeno favorece amplamente a
região de Cerrado, pois garante as qualidades intrínsecas do algodão herbáceo10 (VIEIRA et
9 Este fato não é observado na região Sul-Sudeste, devido a menor concentração fundiária e a topografia muito irregular. A dependência da mão-de-obra para colher o algodão gera dois problemas: i) se forem contratados muitos trabalhadores no sistema de "panha maçã a maçã" o custo de produção se eleva geometricamente; ou ii) se forem contratados poucos trabalhadores no sistema de "rapa", a qualidade do algodão cai vertiginosamente (GONÇALVES, 1997). 10 Na região Sul-Sudeste, as precipitações são mais distribuídas, ocorrendo chuvas e geadas na época de colheita, comprometendo a qualidade do produto final (VIEIRA et al., 2001).
31
al., 2001). Na Figura 1, pode-se claramente perceber como as condições climáticas são
vantagens naturais do Centro-Oeste que garantem uma superioridade do algodão produzido
naquela região.
Figura 1 - Índice Pluviométrico (em milímetros) em Mato Grosso e Ciclo Produtivo do Algodão. Fonte: AMPA, 2002.
Desta forma, as condições edafoclimáticas e fundiárias expostas fomentaram uma
ampla vantagem absoluta do algodão produzido na região Centro-Oeste em relação ao
produzido na região Sul-Sudeste do Brasil (MELO FILHO et al., 2001). O reflexo da
combinação de melhores recursos naturais e utilização de tecnologia é observado nos custos
de produção de algodão no Centro-Oeste, comparáveis com o nível de custo vigente nos
principais países produtores11. Os custos de produção de algodão podem ser visualizados na
Tabela 9 a seguir.
Neste ponto, considera-se importante caracterizar o que se entende por vantagem
absoluta de custo, pois este é o principal vetor da expansão cotonícola no Cerrado brasileiro.
Para as firmas decidirem o que, quanto e como produzir, elas se orientam pela dinâmica do
mercado, observando as tendências de consumo e das demais firmas concorrentes. Uma vez
determinado o produto e a técnica de produção, a firma estabelecerá o quantum de mercadoria
a ser produzida. Se os fatores de produção forem limitados, o empresário envidará esforços
para produzir o máximo possível dado os fatores fixos. Por outro lado, se a produção for
estabelecida em um nível fixo, o empresário buscará utilizar o mínimo possível de fatores,
racionalizando sua função custo (GARÓFALO & CARVALHO, 1995).
11 A título de exemplo, o custo da colheita no sistema de "rapa" nas safras 1995/96 e 1996/97 no Brasil foi de R$ 1,89 por arroba, enquanto que o custo da colheita mecanizada foi de R$ 0,87 por arroba. Além de garantir uma maior competitividade de custo, a colheita mecanizada - amplamente utilizado no Centro-Oeste - possibilita o manejo de grandes áreas em um curto espaço de tempo e obtendo um produto final de melhor qualidade (FREIRE et al., 2001a).
0
50
100
150
200
250
300
350
D ez Jan Fev M ar A br M a io Jun Jul A go S et O ut N ov
P lantio P lantio e desenvolvim ento
D esenvo lvim ento e f loresc im ento
F lo rescim ento
A bertura das m açãs
Colhe ita
32
Tabela 9. Custo de Produção de Algodão em Pluma* - Safra 1999/2000
País/Região
Custo Total
US$/hectare
(1)
Produtividade
@/hectare
(2)
Custo Total
US$/@
(1/2)
Israel 3.161,00 108 29,26
EUA** 1.185,38 45 26,34
China 1.245,00 68 24,90
Turquia 1.805,00 73 24,72
Síria 1.930,00 84 22,97
Austrália 2.295,00 112 20,49
Goiás 1.581,05 66 23,95
Mato G. do Sul 1.483,93 67 22,14
Mato Grosso 1.984,55 98 20,25
FONTE: elaborada pelo autor, com base nos trabalhos de: Chaudhry (1999), IEL et al. (2000), Beltrão et al. (2001), Beltrão & Souza (2001), Chaudhry (2001) e Fundação MT (2001). *descontado o peso das sementes. **sem considerar os subsídios governamentais.
Pode-se, com o auxílio de Simonsen, conceituar o custo de produção concernente a
determinada quantidade de um produto qualquer: (...) como o total das despesas incorridas na combinação mais econômica dos fatores através do qual se pode obter a quantidade estipulada do produto (SIMONSEN, 1968: 48).
Essas despesas são genericamente classificadas como custos fixos e variáveis. Os
primeiros correspondem à parcela dos custos totais de produção que independe da quantidade
produzida pela empresa; constituem, em outras palavras, os dispêndios com os fatores de
produção fixos. Quanto aos custos variáveis, representam a parcela dos custos totais de
produção que oscila com o volume da mesma: à medida que a produção se elevar, os custos
variáveis igualmente sofrerão acréscimos. Os custos variáveis dizem, então, respeito aos
dispêndios com os fatores de produção variáveis. Por outro lado, tendo em vista que no longo
prazo todos os fatores de produção são utilizados no processo produtivo serão variáveis,
infere-se que os custos fixos de produção, neste período, se igualarão a zero, isto é, no longo
prazo subsistirão apenas os custos variáveis [(PINDICK & RUBINFELD, 1994);
(ALBUQUERQUE, 1986)].
Claro está que as firmas que melhor alocarem seus fatores de produção - tendo em
vista a redução do custo por unidade produzida - poderão usufruir de vantagens absolutas de
custo em um mercado competitivo. Segundo Sandroni, o conceito de Vantagem Absoluta
pode ser entendida como:
33
Condição em que determinado produto ou serviço pode ser oferecido com preços de custo inferiores aos dos concorrentes. Em geral, essa situação é criada pela especialização, mas no caso de produtos agrícolas, a condição climática favorável é fundamental (SANDRONI, 1996:436).
Para Possas (1987: p. 95), as vantagens absolutas de custo podem ser atribuídas a:
i) controle de métodos de produção (com ou sem patentes); ii) acesso a insumos mais baratos;
iii) qualificação do trabalho; iv) capacidade empresarial; v) vantagens monetárias - em preços
favorecidos ou crédito mais barato e/ou acessível; e vi) outros. Porém, as vantagens absolutas
de custo geralmente sofrem de certa instabilidade, pois podem ser eliminadas por imitação ou
novas técnicas das empresas concorrentes. Assim, em função apenas do tempo necessário ao
aprendizado pelas firmas concorrentes, as vantagens absolutas de custo de um empresa podem
ser extintas (POSSAS, 1987).
Desta forma, as vantagens absolutas de custo observadas no Centro-Oeste,
relacionadas às condições edafoclimáticas e fundiárias extremamente favoráveis, podem ser
superadas pela adoção de novas tecnologias ou pela imitação por outras regiões que detenham
características naturais semelhantes ao Centro-Oeste. Além disso, como os principais centros
consumidores de algodão estão localizados a uma considerável distância do Centro-Oeste, os
custos de transporte podem anular as vantagens absolutas se espaços localizados em menores
distâncias dos centros consumidores se tornarem competitivos, podendo reduzir ou até mesmo
retirar a região Centro-Oeste do mercado cotonícola.
1.4 As Condições de Comercialização do Algodão Produzido no Centro-Oeste
Na região Centro-Oeste ainda não se verifica um pólo têxtil capaz de consumir todo o
algodão produzido naquele espaço. Os quatro principais pólos têxteis do Brasil estão
localizados nos estados de São Paulo (nas cidades de Americana, Nova Odessa, Santa Bárbara
d'Oeste e Sumaré), Ceará (Fortaleza), Minas Gerais (em um polígono que se estende do norte
ao sul do estado, com destaque para Belo Horizonte, Contagem e Divinópolis) e Santa
Catarina (no Médio Vale do Itajaí, com destaque para Blumenau e Brusque). Somente a
indústria de São Paulo demanda 30% do total de consumo de algodão no Brasil. O Ceará
consome 18%, Minas Gerais 14% e Santa Catarina 11,5%. Os quatro juntos, consomem
aproximadamente 73,5% do total no Brasil. Assim, o algodão produzido na região Centro-
Oeste precisa ser transportado para as indústrias nacionais localizadas nos quatro principais
pólos têxteis ou ser exportado para fora do país. [(GONÇALVES, 1997); (IEL et al., 2000);
(LINS, 2001)].
34
O transporte é indispensável à maioria dos atos de comércio, representando o
deslocamento de mercadorias que se permutam. Constitui-se em um fato econômico de
grande relevância, podendo ser estratégico para a competitividade de uma nação, região ou
unidade produtiva. Os meios de transporte são classificados em: terrestres - que compreende
rodovias e ferrovias -, marítimos, fluviais, lacustres e aéreos. Em geral, os meios de transporte
marítimo, fluvial e lacustre são os que apresentam o menor custo unitário de deslocamento,
seguido pelo modal ferroviário, rodoviário e aéreo (GASTALDI, 1990).
O Brasil ainda utiliza amplamente o transporte rodoviário, sendo este modal o
principal meio de deslocamento interno de cargas e passageiros. A região Centro-Oeste
reproduz esta situação, onde os demais meios de transporte ainda são pouco expressivos
dentro da logística multimodal (IEL et al., 2000)
Para escoar sua produção, o estado de Goiás conta com duas rodovias principais. A
BR-153 liga Goiânia e o Sul de Goiás com Minas Gerais e São Paulo. A partir de São Paulo, a
BR-101 liga o Sudeste a Santa Catarina. A BR-020 liga o Distrito Federal ao Nordeste,
alcançando o Ceará. Partindo de Goiânia, as distância rodoviárias são: a Belo Horizonte 828
km., a Americana 803 km., a Blumenau 1.384 km. e a Fortaleza 2.252 km. (BRASIL, 1997a).
O estado de Mato Grosso do Sul conta com duas rodovias, duas ferrovias e uma
hidrovia para escoar sua produção. A BR-263/167 interliga Campo Grande a São Paulo. A
BR-262 se comunica com diversas rodovias, que dão acesso a São Paulo, Minas Gerais e
Goiás. A distância rodoviária de Campo Grande aos principais estados consumidores de
algodão são: 909 km. a Americana, 1.266 km. a Belo Horizonte, 1.148 km. a Blumenau e
3.108 km. a Fortaleza. As duas ferrovias existentes interligam Mato Grosso do Sul ao estado
de São Paulo. São elas: Ferroeste, que se estende de Bauru - SP até Corumbá - MS, no sentido
leste-oeste e a Ferronorte, que se estende de Aparecida do Taboado - MS até Santa Fé do Sul -
SP, no sentido noroeste-sudeste. A Hidrovia do Rio Paraguai interliga os portos de Corumbá -
MS com Nueva Palmira no Uruguai.(BRASIL, 1997a).
O estado de Mato Grosso conta com duas rodovias, uma ferrovia e uma hidrovia para
escoar sua produção aos centros consumidores. A BR-364 liga Mato Grosso a Goiás, de onde
pode-se acessar outras rodovias, se o destino for Minas Gerais, Ceará ou São Paulo. Pela BR-
163 pode-se acessar Campo Grande - MS, de onde partem as BR´s 263 e 167, que dão acesso
a São Paulo e Santa Catarina. As distâncias rodoviárias, partindo de Cuiabá são: 1.482 km. a
Americana, 1.622 km. a Belo Horizonte, 1.872 km. a Blumenau e 3.193 km. a Fortaleza. Um
ramal da Ferronorte interliga Aparecida do em Taboado - MS a Alto Taquari - MT desde o
ano de 1999, que permite acessar a malha ferroviária do estado de São Paulo. A Hidrovia do
35
Paraguai está praticamente sem utilização, devido aos movimentos ambientalistas contrários à
utilização do Pantanal como rota de transporte fluvial [(BRASIL, 1997a); (COSTA et al.,
2001); (MELO FILHO et al., 2001)].
Considerando que o principal meio de transporte de algodão herbáceo no Brasil é
realizado por meio do modal rodoviário, o estado de Goiás se apresenta como o mais
favorecido, dado a sua maior proximidade com São Paulo, Minas Gerais e Ceará. O estado de
Mato Grosso do Sul, apesar de estar localizado a uma maior distância dos centros
consumidores, conta com duas ferrovias interligadas a São Paulo, o maior centro demandante.
Porém Mato Grosso, além de estar localizado a uma distância considerável de seus principais
consumidores, e até mesmo dos portos marítimos, não contava em 1997 - o momento
histórico da concentração da produção cotonícola no Centro-Oeste - com hidrovias e ferrovias
para rebaixar seus custos de transporte. Além disso, mesmo com a construção de infra-
estrutura logística para o escoamento da produção de Mato Grosso, a ligação deste estado com
o eixo dinâmico da economia brasileira necessariamente passa pelos estados de Goiás e Mato
Grosso do Sul, que, a priori, sempre apresentarão maior proximidade ao centro econômico
brasileiro e, portanto, menores custos de transporte que Mato Grosso.
5.1 Rediscutindo a Expansão Cotonícola em Mato Grosso
Como já apresentado, a partir de 1998 a produção brasileira de algodão se eleva
consideravelmente. Na Tabela 8 pode-se verificar que é exatamente neste ano que a produção
de Mato Grosso se expande de forma vigorosa. A produção que nos anos anteriores jamais
havia passado de 100 mil toneladas, alcança 283 mil em 1998 e 1,25 milhão em 2001. Claro
está que a produção foi estimulada em todos os estados da federação, em função direta da
desvalorização cambial, da Lei Kandir, da MP n.º 1.569, da Lei de Proteção de Cultivares e da
elevação das tarifas de importação de algodão em meados da década de 1990. O reflexo da
alteração nas políticas públicas geraram, em conjunto, um efeito-substituição entre o algodão
importado e o nacional, interrompendo uma situação de déficit da produção nacional em
relação ao consumo interno de fibra têxtil.
Porém, no estado de Mato Grosso o fenômeno de expansão da cotonicultura se
apresentou de forma mais acentuada e abrupta. O que se torna intrigante em tal dinâmica é
que, a grosso modo, seria de se esperar que em Mato Grosso do Sul e em Goiás a produção de
algodão fosse superior a Mato Grosso, em função de maior proximidade com o eixo dinâmico
36
da economia brasileira, mesmo porque em 1997 ainda não se observava um modal de
transporte ferroviário ou hidroviário interligando Mato Grosso ao Sudeste que representasse
redução substancial de custo. Considera-se, desta forma, que Mato Grosso apresentava
desvantagens de custo de transporte em relação à Goiás e Mato Grosso do Sul pela sua
posição geográfica natural.
Outro fator que merece atenção diz respeito tanto à produtividade da cotonicultura em
Mato Grosso quanto ao seu padrão de qualidade da fibra produzida (FREIRE & FARIAS,
2001). Enquanto a produtividade média nacional em 2001 foi de 164 @/ha (peso bruto, sem
descontar o peso das sementes), em Mato Grosso a produtividade média foi de 220 @/ha. Em
relação à qualidade da fibra, na safra do ano 2000, 27,0% da produção no estado de São Paulo
foi classificada como pior do que o tipo 612. No Paraná, 93,3% da safra foi classificada como
tipo 6 para pior. Em Mato Grosso, na mesma safra, 89% do total do algodão em pluma
produzido foi classificado como do tipo 6 para melhor, sendo que apenas 18,07% se
encontrava acima do tipo 6 (Tabela 10) . Estas duas evidências - maior produtividade e
melhor qualidade da fibra - geram um forte indício que a produção cotonícola em Mato
Grosso pode ser gerida de forma diferente das demais unidades federativas do Brasil
[(BARBOSA & NOGUEIRA JUNIOR, 2000); (AQUINO, 2001); (FERREIRA FILHO, 2001)].
Tabela 10.Qualidade da fibra de algodão produzido nos estado de São Paulo, Paraná e Mato Grosso
Safra 2000 (em percentuais) Classificação/Estado São Paulo Paraná Mato Grosso
Abaixo de 6 (alta qualidade) 29,2 6,69 17,24
Tipo 6 (padrão internacional) 43,8 33,94 64,69
Acima de 6 (baixa qualidade) 27,0 59,37 18,07
FONTE: BM&F, 2000 apud FERREIRA FILHO, 2001.
Assim, considerando o recente panorama da produção de algodão no Brasil,
principalmente as variáveis descritas que agiram diretamente sobre este complexo durante a
década de 1990, o problema principal desta pesquisa será identificar e explanar as principais
variáveis que determinaram a concentração da cotonicultura brasileira no estado de Mato
Grosso no período pós-1998, bem como determinar os fatores que geraram sua excelente
produtividade e qualidade da fibra de algodão herbáceo.
Como resposta preliminar ao problema ora discutido, apresenta-se a hipótese de que
ações de agentes econômicos endógenos a Mato Grosso configuraram um ambiente
12 O algodão em caroço é classificado por tipos, em uma escala que tem por base o tipo 6 padrão e que varia de meio em meio tipo. Assim, um algodão do tipo 5,5 é um produto de melhor qualidade do que o tipo 6 padrão. Da mesma forma, um algodão do tipo 6,5 é um algodão de pior qualidade (FERREIRA FILHO, 2001).
37
institucional propício à formação de um arranjo produtivo regional capaz de desenvolver a
produção de algodão em condições de competir no mercado internacional. Dentre estes
agentes, pode-se identificar a iniciativa privada, o Governo Estadual e as instituições de P&D.
A iniciativa privada buscando alternativas culturais para rotação com a cultura da soja,
se associou com instituições de P&D em busca de um novo paradigma tecnológico na
cotonicultura. Após alcançado uma ruptura tecnológica, as instituições de P&D tiveram papel
estratégico na difusão do conhecimento e das inovações por todo o espaço produtivo mato-
grossense. A difusão do conhecimento acerca do manejo correto da cotonicultura no Cerrado
propiciou a geração de elevados níveis de produtividade e qualidade da fibra têxtil produzida
em Mato Grosso.
Por outro lado, o Governo do Estado de Mato Grosso, visando a diversificação da base
produtiva de sua unidade federativa e se aproveitando de uma conjuntura nacional favorável,
se utilizou de uma política de redução de impostos para a cotonicultura a partir de 1997,
garantindo uma acumulação de capital elevada para os cotonicultores para potencializar a
expansão da cultura do algodão herbáceo em Mato Grosso.
Há um conjugação dos objetivos destes três agentes endógenos àquele estado. A
iniciativa privada focando suas ações em direção à acumulação de capital, arrastou consigo a
elevação da produção e da renda regional e gerou recursos para o incremento dos programas
de pesquisa agrícola. O resultado é a formação de um ambiente institucional próspero à
cotonicultura, onde os problemas são discutidos e resolvidos pelos três agentes supracitados,
pois a manutenção daquela cultura é de interesse de todos os agentes. Esta estrutura de criação
e crescimento da cotonicultura de Mato Grosso se deu de forma endógena, selecionada e
decidida pelos agentes regionais, em um novo paradigma de desenvolvimento de "baixo para
cima", onde o Governo Central passa a ter papel apenas marginal no processo.
Não se pretende afirmar que outros fatores condicionantes como a Lei Kandir, a
abertura comercial, a desvalorização cambial, a Medida provisória 1.569, a Lei de Proteção de
Cultivares e a elevação das tarifas de importação de algodão não tenham influenciado a
reestruturação da cotonicultura no Brasil. Estas variáveis, em conjunto, possuem uma
provável relação de causa-efeito sobre a retomada da produção a nível nacional a partir de
1998. Outras variáveis podem explicar porque a região Centro-Oeste se tornou a maior
produtora nacional, como características de clima, solo, topografia e estrutura fundiária
regionais. Contudo, mesmo todos estes fatores conjugados não conseguem explicar porque
Mato Grosso produz algodão em quantidade e qualidade muito superior aos seus estados
vizinhos: Goiás e Mato Grosso do Sul.
38
CAPITULO 2
UM NOVO PARADIGMA PARA O DESENVOLVIMENTO REGIONAL
2.1 O Planejamento do Desenvolvimento no Brasil
Desde a colonização até 1930, o Estado no Brasil tinha um caráter não intervencionista
na economia. O governo preocupava-se em obter receita por meio de tarifas e, em raras
ocasiões, por motivos protecionistas. Nas áreas de indústria e infra-estrutura, o governo
intervinha apenas como concessor da atividade e garantidor das taxas de retorno para
empresas estrangeiras. Neste período, desta forma, o estado brasileiro pode ser caracterizado
como um estado patrimonialista liberal clássico, devido à sua pequena participação na
economia e na ordem social do país. Mesmo com a ruptura do Império e a proclamação da
República em 1889, onde o poder político tornou-se mais descentralizado, o perfil das ações
do Estado não mudou significativamente [(BAER, 1996); (PIMENTA, 1998)].
A origem do planejamento formal estatal no Brasil ocorreu na década de 1930, no
âmbito do Governo Federal. Considerando o planejamento em seu sentido lato como o modo
de regulação da economia a partir de instituições governamentais, houve uma tentativa de sua
implantação pela primeira vez em 1934, no primeiro governo Vargas (1930-45). Nesta fase, o
Estado passa por uma transformação profunda, surgindo como um Estado Intervencionista,
que passa a induzir o crescimento econômico. É neste período que surgem também as
primeiras características do Estado brasileiro como Estado do Bem Estar, com a criação de
novas áreas de atuação, novas políticas e novos órgãos, tais como o Ministério do Trabalho,
Indústria e Comércio e o Ministério da Educação e Saúde Pública [(TEIXEIRA, 1998);
(PIMENTA, 1998), (MOISÉS, 1999)].
A ampla presença do Estado na economia brasileira foi encarada como necessária para
se atingir um rápido desenvolvimento econômico por meio da industrialização com vistas à
substituição de importações (ISI) entre as décadas de 1930 e 1960. Durante este período, o
setor de empresas estatais - predominando nos serviços públicos, indústria pesada, exportação
de recursos naturais e no setor financeiro - complementou os serviços privados nacionais e
multinacionais. Esta divisão de trabalho entre os setores tornava-se gradativamente
institucionalizada e ficou conhecida como modelo "tripé" da estrutura do modelo de
desenvolvimento brasileiro [(BRUM, 1993); (BAER, 1996)].
39
Porém, somente a partir do governo Juscelino (1956-61) é que se pode dizer que foi
adotado o planejamento do desenvolvimento no Brasil, de forma intencional e sistematizada.
Pela primeira vez é elaborado um programa de desenvolvimento setorial - indústria de base,
energia, transportes, alimentação e educação - de modo sistematizado, com objetivos
definidos e baseados em estudos realizados por missões técnicas13. O Programa de Metas do
governo JK foi, especialmente no campo econômico, executado até o fim, onde a maioria dos
objetivos foi alcançada (TEIXEIRA, 1998).
Em 1964, o regime democrático brasileiro sofre um novo golpe, onde os militares
centralizam o poder suspendendo os direitos civis e as eleições diretas para Presidente da
República. Foram 21 anos de hegemonia política militar, com ideais desenvolvimentistas,
período em que o Estado brasileiro assume uma postura extremamente intervencionista, com
o objetivo de alavancar o desenvolvimento capitalista no país. Foram elaborados nove planos,
para criar um ambiente politicamente estável em uma economia de mercado moderna e
integrada ao conjunto do sistema capitalista. Os principais planos foram o Plano de Ação
Econômica do Governo (PAEG - 1964), o primeiro Plano Nacional de Desenvolvimento
(I PND - 1972-74), e o segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND - 1975-79)
[(TEIXEIRA, 1998); (PIMENTA, 1998)].
O PAEG tinha o objetivo construir as bases para o "modelo brasileiro de
desenvolvimento", via reforma fiscal, monetária, financeira, de capitais, cambial e salarial. O
I PND visava consolidar um modelo de desenvolvimento econômico de mercado, que deveria
criar uma economia moderna e competitiva. O II PND afirmava a necessidade da presença
ativa do Estado para implementar ações visando cobrir a fronteira entre o subdesenvolvimento
e o desenvolvimento. O II PND representou mais uma etapa no processo de substituição de
importações, através dos investimentos orientados principalmente para os setores de bens de
capital, de eletrônica pesada e de insumos básicos14 (BRUM, 1993).
O apogeu da estratégia do desenvolvimento brasileiro durante a década de 1970
coincidiu com seu ponto de inflexão na economia mundial. A crise financeira, os choques do
petróleo e a elevação das taxas de juros internacionais forçaram a reestruturação das
economias centrais. O padrão de financiamento do milagre brasileiro esgotou-se ao final da
década de 1970 devido às fragilidades concentradas na debilidade fiscal de um Estado
13 TAUBE (1942), Missão Cooke (1943), ABBINK (1948), Comissão Mista Brasil-EUA (1951) e Comissão BNDE-CEPAL (TEIXEIRA, 1998). 14 Uma discussão interessante sobre a dificuldade de se criar uma economia capitalista industrial moderna e competitiva a partir do "nada", com forte atuação de capitais estatais, ver Brüseke (1993).
40
gigantesco e dependente de fluxos monetários internacionais [(TAVARES & FIORI, 1993);
(BAER, 1996); (MOISÉS, 1999)].
A grande crise da América Latina e do Brasil na década de 1980 foi a maior de toda a
sua história. Foi antes de tudo uma crise do Estado e não uma crise do mercado, como a
grande depressão da década de 1930. Caracterizou-se como uma crise fiscal, uma crise do
modo de intervenção e uma crise da forma burocrática de administrar o Estado. Foi, portanto,
uma crise estrutural do paradigma de desenvolvimento anterior [(SOUZA, 1991); (PEREIRA,
1998)].
O Fundo Monetário Internacional (FMI), declarou, em 1982, que aquela instituição
mantinha uma visão otimista em relação à superação da crise econômica internacional e seu
impacto favorável na resolução do problema da dívida pública através da redinamização do
comércio e a conseqüente elevação dos preços das commodities dos países em
desenvolvimento e também a redução das taxas de juros internacionais. Combinação esta que,
somada à correta aplicação do tradicional programa de estabilização do próprio FMI, poderia
dar conta do financiamento dos desequilíbrios das contas correntes dos países endividados.
Contudo, como se sabe, a continuação daquele padrão de financiamento do desenvolvimento
não ocorreu (TAVARES & FIORI, 1993).
Dada a não superação da crise, iniciou-se a nível mundial um processo de
questionamento sobre o papel do planejamento estatal - em meio a uma crescente onda
neoliberal - com vistas a encontrar uma nova proposta de gerir o desenvolvimento das nações
(MOISÉS, 1999). As novas proposições assumiram a forma de uma análise claramente
policy-oriented nos documentos do Banco Mundial, e, sobretudo na segunda metade da
década de 1980, passa a discutir a necessidade de acompanhar as políticas de estabilização,
com reformas estruturais enfocadas na: i) desregulamentação dos mercados; ii) na
privatização do setor público; e iii) na redução do Estado. Este conjunto de políticas e
reformas recebeu o nome de Consenso de Washington [(TAVARES & FIORI, 1993);
(PEREIRA, 1998)].
As medidas orientadas pelo Banco Mundial indicavam o caráter indispensável da
estabilização e do ajuste fiscal como condições prévias a todas as demais reformas
liberalizantes já então preconizadas pela comunidade financeira15. A reorientação do papel do
Estado na economia reduziu e quase eliminou a capacidade de exercer políticas de
15 Pode-se perceber a adoção das policy-oriented do Banco Mundial pelo Governo Federal do Brasil durante a década de 1990 ao verificar as Premissas de Planejamento do Ministério do Planejamento e Orçamento do Brasil (BRASIL, 1997b).
41
desenvolvimento econômico e social por parte do setor público, dada a preocupação com o
curto prazo, vinculada à elevação da capacidade de pagamento da dívida interna e externa
quanto a sucessivas experiências de estabilização. A quase eliminação do planejamento do
desenvolvimento por parte do Governo Federal impossibilitou a continuação da política de
redução das desigualdades entre os espaços desenvolvidos e os economicamente atrasados do
Brasil [(TAVARES & FIORI, 1993); (GUIMARÃES NETO, 1997)].
O que se percebe é que, enquanto o Governo Federal motivou a transferência de
capitais das regiões mais desenvolvidas para as mais atrasadas - via incentivos fiscais,
financeiros ou investimento direto - houve uma redistribuição da produção e da renda para as
regiões periféricas brasileiras16. Notadamente no período 1975-85, a política de
desconcentração econômica foi relativamente eficiente, apesar da crise fiscal no início da
década de 1980. Quando da reorientação de políticas estruturais para as de cunho conjunturais
- ao final da década de 1980 - ocorreu um ponto de inflexão no período de 1985-95, onde a
produção relativa de cada região se manteve estável, ocasionando o fim do processo de
desconcentração econômica [(CANO, 1985); (CANO, 1997); (GUIMARÃES NETO, 1997);
(CARVALHO, 1999)]. Ademais, há suposições de que durante a década de 1990 estaria
ocorrendo um movimento de reconcentração econômica em direção a São Paulo, porém ainda
não totalmente comprovado (PRADO, 1999).
Todavia, para evitar uma possível reconcentração das atividades industriais,
agroindustriais, comerciais e financeiras em um conhecido polígono dinâmico no eixo Sul-
Sudeste (CAMPOLINA DINIZ, 1994), em função de fortes fatores locacionais já existentes e
da atração exercida pelo Mercosul, havia a necessidade de se criar um movimento de
resistência por parte das regiões menos desenvolvidas do Brasil [(AMARAL FILHO, 1996);
(ARAÚJO, 1999)].
A progressiva fragilização da capacidade de regulação das relações federativas e a
ausência do planejamento do governo central na coordenação de políticas de desenvolvimento
regional enseja a competitividade não somente no mercado, mas também entre os Estados e os
Municípios federados. Surge, neste contexto um novo papel dos governos estaduais como
elemento importante na definição das vocações de sua região. Investimentos em infra-
estrutura, transportes, energia e telecomunicações, além do avanço tecnológico permitem que
16 Para exemplificar tal afirmação, o trabalho de Monteiro Neto e Gomes (1999) ilustra que entre as décadas de 1960 e 1980, a participação do Governo na economia da região Centro-Oeste ultrapassou 50% do PIB regional, com papel fundamental na elevação da renda per capita daquela região, com forte transferência de recursos da regiões Sul-Sudeste.
42
sejam criados vocações e potencializados fatores naturais favoráveis em regiões escolhidas
[(RODRIGUES, 1998); (ARAÚJO, 1999)].
As reformas de cunho liberal que marcaram as décadas de 1980 e 1990 no âmbito do
governo federal reduziram a importância das questões regionais e, portanto, rejeitaram um
papel mais ativo do governo central em conduzir políticas de desenvolvimento regional
[(PRADO, 1999); (COSTA et al., 2002)]. Assim, nos últimos anos, o Brasil têm assistido ao
nascimento de formas alternativas de incentivo ao desenvolvimento regional, praticadas em
nível estadual e municipal com recursos próprios, utilizando principalmente políticas de
renúncia fiscal e fornecimento de infra-estrutura. Este é o caso de Estados como Minas
Gerais, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Paraná,
Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo e as Prefeituras
de Porto Alegre e Salvador [(BRITO & BONELLI, 1997); (RODRIGUES, 1998); (FARAH,
1999); (LIMA et. al., 2000)]. A iniciativa destes governos regionais e locais se pautam tão
somente na busca deliberada da aceleração do crescimento econômico e na redução das
desigualdades regionais existentes.
Contudo, altera-se o modo de intervenção estatal, onde o estado federado - sem
grandes recursos para aplicar - abandona a lógica anterior do governo produtor, onde os
agentes eram tecnoburocracias públicas, sediadas nas empresas estatais e que arrastavam
consigo setores privados complementares. O que se percebe agora são estados federados que
atuam de modo complementar aos investimentos privados, induzindo tais investimentos com
redução da carga tributária (PRADO, 1999).
Na busca de se entender este novo fenômeno, onde os governos subnacionais passam a
desempenhar uma posição estratégica no desenvolvimento regional, conjuntamente com
novas propostas de organização produtiva, onde variáveis como geração e difusão de
tecnologia e cooperação institucional passam a constituir elementos centrais do planejamento
regional, utilizar-se-á um referencial teórico conhecido como Desenvolvimento Endógeno,
discutido por Amaral Filho [(AMARAL FILHO, 1995); (AMARAL FILHO, 1996)] e por
Vázquez-Barquero [(VÁZQUEZ-BARQUERO, 2000); (VÁZQUEZ-BARQUERO, 2002)].
Estes autores procuram identificar e discutir padrões de comportamento de agentes que
possam conferir a determinados espaços vantagens competitivas, permitindo a inserção da
região na competição global e o seu crescimento econômico sustentado e equilibrado.
Diversos outros autores que discutem as novas formas de organização produtiva, que
complementam a discussão do desenvolvimento endógeno serão também abordados.
43
Entretanto, antes de iniciar a discussão do desenvolvimento endógeno, torna-se
oportuna a introdução da clássica abordagem de Michael Porter sobre as vantagens
competitivas, porque a teoria endogenista do desenvolvimento procura lançar luzes sobre a
problemática das desigualdades regionais e os melhores instrumentos políticos para sua
correção. O objetivo final é alcançar uma melhor posição relativa da região no mercado, via
criação ou incremento de vantagens competitivas regionais em relação a custo baixo de
produção ou produto superior em qualidade.
Como o termo vantagens competitivas será amplamente citado neste trabalho, e ele
possui caráter estratégico para o entendimento do desenvolvimento regional contemporâneo, a
sua definição com o apoio de Michael Porter torna-se fundamental. Nas suas palavras: "A longo prazo, as empresas obtêm êxito em relação aos seus competidores se dispuserem de vantagem competitiva sustentável. Há dois tipos básicos de vantagem competitiva: menor custo e diferenciação. O menor custo é a capacidade de uma empresa projetar, produzir e comercializar um produto comparável com mais eficiência do que seus competidores. A preço dos ou próximo dos competidores, os custos menores traduzem-se em rendimentos superiores. [...]. A diferenciação é a capacidade de proporcionar ao comprador um valor excepcional e superior, em termos de qualidade de produto, características especiais ou serviços de assistência. [...]. A diferenciação permite a uma firma obter um preço melhor, que leva a uma lucratividade superior, desde que os custos sejam comparáveis aos concorrentes. [...]. A vantagem competitiva de qualquer dos dois tipos se traduz em produtividade superior à dos concorrentes. A empresa de baixos custos produz determinada mercadoria usando menos insumos do que os competidores. A firma diferenciada obtém rendimentos superiores por unidade, dos concorrentes. [...]. A vantagem competitiva está diretamente ligada ao sustentáculo da renda nacional" (PORTER, 1993, p. 48)
Estas vantagens competitivas são criadas e mantidas através de um processo altamente
localizado. Segundo Porter, diferenças existentes nas estruturas econômicas, valores, culturas,
instituições e histórias nacionais contribuem profundamente para o sucesso competitivo
(PORTER, 1993).
O que deve ficar claro na exposição teórica é que todos os esforços das instituições
públicas e privadas visando o desenvolvimento regional não podem prescindir da construção e
manutenção de vantagens competitivas regionais, pois somente elas podem garantir a
sustentabilidade dos arranjos produtivos em um mercado altamente competitivo e globalizado.
2.2 A Teoria do Desenvolvimento Endógeno
O desenvolvimento endógeno tem suas origens na década de 1970, quando as
propostas de desenvolvimento da base para o topo emergiram com maior notoriedade. A
partir deste momento, a corrente endogenista evoluiu com a colaboração de novos enfoques
ao problema do crescimento desequilibrado (SOUZA FILHO, 2002). Durante a década de
44
1980 observou-se a convergência entre duas linhas de pesquisa. Uma delas, de caráter teórico,
emergiu dentro da discussão das ações públicas no desenvolvimento das regiões atrasadas. A
outra, de caráter empírico, partia da interpretação dos determinantes do desenvolvimento
industrial dos países do Sul da Europa (VÁZQUEZ-BARQUERO, 2002). Na década de 1990,
a noção de desenvolvimento endógeno passou a permear as abordagens do desenvolvimento
regional, com a sua criação das novas teorias do crescimento econômico, que floresceram
durante o final da década de 1980, como respostas às tradicionais teorias neoclássicas,
inconsistentes em explicar as assimetrias de crescimento entre regiões e nações que
dispunham dos clássicos fatores de produção [(SOUZA FILHO, 2002); (VÁZQUEZ-
BARQUERO, 2000)].
Na década de 1950, Robert Solow [(SOLOW, 1956); (SOLOW,1957)] e Swan
(SWAN, 1956) propõem uma função de produção como o elemento central do modelo de
crescimento econômico, onde o volume de produção (Y) estaria em função direta e
basicamente de dois fatores, capital (K) e trabalho (L): Y= f (K,L). Esta função de produção
seria válida tanto para a firma quanto para o conjunto da economia, ou seja, ela mantinha
tanto um caráter microeconômico quanto macroeconômico. O aumento da renda per capita e
da produtividade estariam relacionados ao progresso técnico, que neste modelo ocorreria de
forma exógena, além do aumento da relação capital/trabalho (VÁZQUEZ-BARQUERO,
2000). Além disso, estaria implícito no modelo a questão dos rendimentos decrescentes que
conduziriam ao estado estacionário, em virtude de dois movimentos inexoráveis neste
modelo: i) a convergência tecnológica entre as nações [(SOLOW, 1956); (SOLOW, 1957);
(BARRO & SALA-i-MARTIN, 1995).
Porém, ao final da década de 1980, a partir do trabalho seminal de Paul Romer, os
economistas neoclássicos finalmente aceitaram a hipótese dos rendimentos crescentes e da
mudança técnica endógena como determinante fundamental do crescimento econômico.
Outros fatores, que eram considerados exógenos pela ortodoxia na determinação do
crescimento passaram a ser encarados como endógenos, o que levou variáveis como capital
humano, conhecimento, informação, pesquisa e desenvolvimento, difusão de inovações e
outras a dividirem com os tradicionais capital e trabalho a composição da função de produção
agregada. Além disso, passaram a admitir que o crescimento poderia ocorrer em condições de
concorrência imperfeita. [(ROMER, 1986); (ROMER, 1994); (AMARAL FILHO, 1996);
(HIGACHI et al., 1999)].
O trabalho de Robert Lucas também seguiu a lógica de Paul Romer, onde os
investimentos tanto em capital humano - tornando a força de trabalho qualificada - quanto em
45
capital físico geram efeitos spillovers que melhoram o nível da tecnologia pela difusão das
habilidades técnicas. Seguindo as formulações de Paul Romer e Robert Lucas, observou-se
durante a década de 1990 um renascimento das discussões sobre o crescimento econômico de
longo prazo, onde a evolução tecnológica e as externalidades geradas pelos efeitos spillovers
estavam no centro da análise [(ROMER, 1987); (LUCAS, 1988); (ROMER, 1990);
(GROSSMAN & HELPMAN, 1994); (ROMER, 1994); (AGHION & HOWITT, 1998)].
O resultado desta nova teoria do crescimento proposta dentro da própria ortodoxia é
uma resposta a pelo menos dois grandes movimentos: i) a forte pressão exercida pelos dados
empíricos relacionados à assimetria do desenvolvimento das nações e a incapacidade da teoria
neoclássica em explicar tais diferenças; e ii) renascimento de pensamentos, idéias e
preocupações antigas, já discutidas por clássicos e neoclássicos e também pelos heterodoxos -
neo-marxistas, neo-schumpeterianos, regulacionistas, evolucionistas e institucionalistas
(AMARAL FILHO, 1996) - no intuito de incluir novos elementos explicativos da realidade.
Assim, fatores antes considerados exógenos pela ortodoxia foram conduzidos para dentro do
modelo e que permitiram que as novas abordagens passassem a ser denominadas de Teoria do
Crescimento Endógeno.
Para forjar um conceito mais amplo e agregado, que incluísse também a questão
espacial, Amaral Filho procura aproximar a abordagem regional amplamente discutida por
Perroux (PERROUX, 1955) sobre pólos de crescimento e Hirschmann (HIRSCHMAN,1958),
sobre firmas que produzem concatenações para frente e para trás, à macroeconomia do
crescimento endógeno, para definir o que se entende por Desenvolvimento Regional
Endógeno. Assim, segundo o próprio Amaral Filho:
"Do ponto de vista espacial ou regional, o conceito de desenvolvimento endógeno pode ser entendido como um processo interno de ampliação contínua da capacidade de geração de valor sobre a produção, bem como da capacidade de absorção da região, cujo desdobramento é a retenção do excedente econômico gerado na economia local e/ou a atração de excedentes provenientes de outras regiões. Esse processo tem como resultado a ampliação do emprego, do produto e da renda do local ou da região, em um modelo de desenvolvimento regional definido. Entretanto, o aspecto novo do processo, que traz à luz um novo paradigma de desenvolvimento regional endógeno, está no fato de que a definição do referido modelo de desenvolvimento passa a ser estruturada a partir dos próprios atores locais, e não mais pelo planejamento centralizado" (AMARAL FILHO, 1996, p. 37-38).
Antonio Vázquez-Barquero também define desenvolvimento endógeno, onde a
sociedade local passa a compor o núcleo estratégico do desenvolvimento regional:
"A capacidade da sociedade liderar e conduzir o seu próprio desenvolvimento regional, condicionando-o à mobilização dos fatores produtivos disponíveis em sua área e ao seu potencial endógeno, traduz a forma de desenvolvimento denominado endógeno. Pode-se identificar duas dimensões no desenvolvimento regional endógeno. A primeira econômica, na qual a sociedade empresarial local utiliza sua capacidade para organizar, da forma mais producente possível, os fatores produtivos da
46
região. A segunda, sociocultural, onde os valores e as instituições locais servem de base para o desenvolvimento da região" (VÁZQUEZ-BARQUERO, 1988 apud SOUZA FILHO, 2002).
Em um trabalho mais recente, Vázquez-Barquero discute o desenvolvimento endógeno como um processo ligado à acumulação de capital e ao progresso tecnológico:
"La teoría del desarollo endógeno considera que la acumulación de capital y el progreso tecnológico son, sin duda, factores claves en el crecimiento económico. Pero, además, identifica una senda de desarrollo autosostenido de carácter endógeno, al argumentar que los factores que con-tribuyen al proceso de acumulación de capital, generan economías, externas e internas, de escala, reducen los costos generales y los costos de transacción y favorecen las economías de diversidad. La teoría del desarrollo endógeno reconoce, por lo tanto, la existencia de rendimientos crecientes de los factores acumulables y el papel de los actores económicos, privados y públicos, en las decisiones de inversión y localización" (VÁZQUEZ-BARQUERO, 2000, p. 53).
Antes de tudo, o conceito amplo de desenvolvimento endógeno deve ser entendido
como um processo de mudança, fortalecimento e qualificação das estruturas internas de um
espaço específico. O objetivo maior é criar um ambiente atrativo ao capital, para consolidar
um desenvolvimento originalmente local e permitir a atração de novas atividades econômicas
numa perspectiva de economia globalizada. Porém, esta estratégia deve gerar, na região em
foco, fatores locacionais econômicos capazes de criar um polo de crescimento, com variados
efeitos multiplicadores que se propagam de maneira cumulativa e transformem a região em
um aglutinador de fatores e novas atividades econômicas.
A abordagem heterodoxa do desenvolvimento endógeno, como apresentado nas
definição de Amaral Filho e Vázquez-Barquero, inclui elementos que aceitam a dinamização
da análise - em contrapartida aos modelos de análise estática e estática-comparativa de cunho
ortodoxo -, bem como procuram abordar os fenômenos regionais de forma mais holística e
complexa, utilizando um referencial histórico, não determinístico e evolucionista dos arranjos
produtivos regionais. Para ambos autores, o que se coloca é um novo paradigma de
desenvolvimento regional, em função de diversas pressões do sistema produtivo, como a
falência do planejamento centralizado, a elevação da competição internacional via
globalização, o desmonte do modelo de financiamento público e a aceleração da geração de
novas tecnologias. Assim, em um sistema econômico em mutação constante, a permanência
de uma região integrada ao sistema produtivo global impõem novas abordagens e ações tanto
do poder público quanto da iniciativa privada regionais.
As discussões de Amaral Filho e Vázquez-Barquero sobre estas novas atitudes dos
agentes regionais foram dividas em três seções, criando uma estrutura analítica que contempla
as ações isoladas ou em conjunto dos agentes produtivos regionais e locais, a saber: i) novo
papel do estado federado; ii) investimento em infra-estrutura e formação de complexos
produtivos; e iii) valorização dos novos fatores de produção.
47
As abordagens são complementares, onde Amaral Filho propõe uma reestruturação da
ação estatal regional como uma nova estratégica do desenvolvimento; propõe também a
elevação dos investimentos em infra-estrutura como gerador de externalidades positivas17 e a
valorização de "novos" fatores de produção - capital humano, P&D. Por outro lado, Vázquez-
Barquero se concentra principalmente no terceiro ponto, apresentando a inclusão de novas
variáveis para o desenvolvimento regional dentro da estrutura da teoria do crescimento
endógeno, onde a geração de tecnologia ganha um papel central, mas também reconhece a
importância do tecido institucional regional, a organização flexível da produção e os ganhos
advindos da geração de economias de aglomeração. Apesar de Vázquez-Barquero não discutir
a questão da reestruturação estatal e da elevação dos investimentos em infra-estrutura e
Amaral Filho não se aprofundar nas relações institucionais regionais, ambas abordagens se
completam e abordam a questão mais importante, que foi negligenciada por décadas pela
ortodoxia: a inclusão da geração e difusão da tecnologia endógena à região, bem como a
decisão da formação dos arranjos produtivos de forma espontânea, calcada nas decisões dos
agentes locais.
Neste novo caso paradigmático do desenvolvimento, os atores locais jogam papel
central na definição, execução e controle da política de desenvolvimento regional, em um
movimento de baixo para cima. Em formas mais avançadas, os agentes locais se organizam
em redes que servem como instrumento para a geração do conhecimento, a aprendizagem da
dinâmica do arranjo produtivo, a melhoria das relações inter institucionais, o acordo de
iniciativas coletivas e a execução das ações que integram a estratégia de desenvolvimento
regional (VÁZQUEZ-BARQUERO, 2002).
Neste ponto uma breve discussão sobre as convergências e divergências entre
crescimento e desenvolvimento endógeno torna-se fundamental para o entendimento das
categorias de análise que serão utilizadas neste trabalho. A Teoria do Crescimento Endógeno
compartilha algumas características com a Teoria do Desenvolvimento Endógeno. Primeiro,
ambas mantêm a visão de que os espaços e as regiões reúnem recursos materiais e imateriais
que permitem decidir os seus próprios caminhos do desenvolvimento, evitando a
convergência necessária imposta pelas abordagens do tipo Solow-Swan. Esta característica
abre amplos espaços para as políticas regionais, além da participação criativa das sociedades
regionais. (VÁZQUEZ-BARQUERO, 2002).
17 Externalidade é o efeito secundário gerado em uma atividade produtiva qualquer; pode ser positiva, quando desejada ou negativa, quando não intencionada (HUMPHREY & SCHIMITZ, 1996, p. 1861).
48
Segundo, concordam que o crescimento econômico é resultado direto da elevação da
produtividade dos fatores, induzida pelas inovações endógenas. Terceiro, as assimétricas taxas
de crescimento entre as regiões são explicadas pelas diferenças existentes não apenas na
relação capital/trabalho, mas também nos níveis de educação, capacidade de geração de P&D
e atuação da administração pública. Quarto, a difusão do conhecimento tecnológico -
spillovers effects - pelo sistema produtivo gera economias de externas que potencializam os
rendimentos crescentes (VÁZQUEZ-BARQUERO, 2002).
Contudo, há claros traços diferenciais entre as duas matrizes teóricas. A Teoria do
Desenvolvimento Endógeno discute variadas questões que proporcionam diversas respostas às
indagações não respondidas pelos modelos de crescimento endógeno. São pelo menos cinco
visões excludentes entre as duas abordagens. Primeiro, o desenvolvimento endógeno discute o
crescimento econômico como resultado do acaso e da incerteza, dentro da linha do
pensamento evolutivo, onde as mutações do mercado e as decisões dos agentes condicionam o
processo de desenvolvimento. Já os modelos neoclássicos de crescimento endógeno são
modelos de equilíbrio móvel, onde os agentes isolados tomam suas decisões em um contexto
de concorrência (VÁZQUEZ-BARQUERO, 2002).
Um segundo ponto de afastamento reside na discussão do papel do espaço. No modelo
de crescimento endógeno, o espaço tem característica apenas funcional, não interagindo com
o processo produtivo. O desenvolvimento endógeno, mesmo com limitações, procura inserir o
espaço como variável ativa, explorando o caráter espacial das economias externas. Procura
relacionar a geografia aos processos tecnológicos e organizacionais, afirmando que a região se
desenvolve, em última instância, em função da trajetória tecnológica e produtiva adotada no
espaço em questão. A especificidade dos recursos, conhecimentos técnicos acumulados, a
qualidade e a densidade das instituições e as formas de organização da produção tornam o
território uma variável ativa no desenvolvimento regional (VÁZQUEZ-BARQUERO, 2002).
A organização produtiva regional e, portanto, os processos de acumulação de capital
são outro ponto de discordância. Indo em direção oposta às interpretações que propõem uma
economia administrada por grandes organizações, onde o crescimento da produtividade
somente ocorre em entornos estáveis, o desenvolvimento endógeno salienta que as novas
formas de organização flexível - redes de empresas, arranjos locais e novos sistemas de
organização das grandes empresas - constituem formas mais interessantes para o crescimento
e a mudança estrutural. A explicação para esta flexibilidade reside na maior facilidade para a
geração e aplicação de novas tecnologias, em função do menor capital físico empregado e que
49
pode ser remunerado em um lapso menor de tempo e também pela maior competição imposta
pela globalização (VÁZQUEZ-BARQUERO, 2002).
Uma quarta diferença pode ser mencionada. Os modelos de crescimento endógeno não
discutem os resultados advindos da ligação do arranjo produtivo com a sociedade local. Por
outro lado, a teoria do desenvolvimento endógeno considera que existe uma forte simbiose
entre a economia e a sociedade, onde os arranjos produtivos estão estreitamente vinculados às
instituições e à sociedade local. As flexibilizações do mercado de trabalho e a difusão do
conhecimento são expressões nítidas deste imbricamento entre o setor produtivo e o seu
entorno institucional (VÁZQUEZ-BARQUERO, 2002).
Por fim, são ambíguas as definições de inovação entre as teorias. A teoria do
crescimento endógeno ainda mantém um ponto de vista linear e hierarquizado dos processos
inovativos. Para estes teóricos, o processo inovativo segue uma trajetória pré-determinada,
desde o descobrimento científico até a inovação há uma clara divisão do trabalho entre as
organizações e as instituições ligadas aos processos de geração de P&D. Contudo, o
desenvolvimento endógeno não aceita a visão linear e hierarquizada, pois acredita-se que há
uma flexibilização da participação de todos os agentes envolvidos no processo produtivo. Há,
na verdade, um complexo sistema interativo entre empresas, mercado e instituições de P&D,
onde o aprendizado dinâmico é uma variável chave na geração de inovações. Além disso, as
inovações não se apresentam de forma linear no tempo e no espaço, onde as rupturas
tecnológicas podem ocorrer de forma assimétrica (VÁZQUEZ-BARQUERO, 2002).
Desta forma, o desenvolvimento endógeno mantém uma visão mais holística e
complexa sobre os mecanismos que geram os processo de acumulação de capital, elevação da
produtividade e competitividade regional do que a teoria do crescimento endógeno. Para o
desenvolvimento endógeno, a dinâmica econômica de um espaço regional é constituído por
processos aleatórios e incertos, condicionados pelas decisões dos agentes regionais e pelos
mecanismos determinantes do desenvolvimento regional endógeno. Acredita-se, portanto, que
o referencial teórico do desenvolvimento endógeno poderá oferecer um entendimento mais
detalhado dos processos regionais e locais de desenvolvimento do que a teoria do crescimento
endógeno.
50
2.2.1 O Novo Papel do Estado Federado
Como já discutido, após um período de forte intervenção estatal, com vistas a expandir
o produto e tornar a economia brasileira competitiva no cenário internacional, o
endividamento público aliado à quase eliminação das fontes de financiamento colocaram o
Governo Central do Brasil e também os estados federados em uma profunda crise fiscal e
financeira durante a década de 1980 e início da década de 1990. A capacidade de
investimento do Estado se reduziu drasticamente ante à inexistência de uma poupança
pública. O resultado foi uma perda na capacidade de planejamento de longo prazo, bem como
o esvaziamento das políticas industrial e regional.
Para romper com esta situação e ingressar em uma nova fase de crescimento
duradouro e sustentado, é indispensável a reforma do Estado, em todos os níveis, com a
reformulação do seu papel e um ajuste fiscal estrutural. Os estados regionais devem adotar um
novo padrão de gestão da máquina pública, aumentando o grau de eficiência, eficácia e
efetividade na utilização dos recursos, para que sejam condizentes com o aumento da
autonomia decisória obtida pelos estados federados com a descentralização fiscal e financeira
criada pela Constituição do Brasil, promulgada em 1988. Esta é uma das premissas básicas do
desenvolvimento endógeno, onde o estado federado é autônomo e independente, tanto do
ponto de vista da escolha de seus arranjos produtivos locais quanto da origem e aplicação dos
recursos [(AMARAL FILHO, 1995); (AMARAL FILHO, 1996)].
Para que possa se tornar elemento estratégico no desenvolvimento de suas regiões, os
estados federados devem buscar alguns resultados-chave que possibilitem maior dinamização
de suas ações:
a) geração de poupança pública local e recuperação da capacidade de investimento: os estado
federados devem envidar esforços para construir um novo modo de financiamento para o
setor público e a acumulação de capital, a partir de uma nova racionalidade fiscal, onde o
investimento não pode continuar sendo autônomo em relação à poupança, como
determinava o receituário keynesiano. Esta é uma novidade que tem o objetivo de evitar o
endividamento público sem a contrapartida da receita fiscal. Após alcançado o equilíbrio
econômico e financeiro, o Estado deverá utilizar a poupança pública a fim de criar ou
recuperar a infra-estrutura, a despeito das externalidades positivas advindas deste tipo de
investimento, gerando efeitos multiplicadores sobre o emprego, produto, renda e
investimentos privados (AMARAL FILHO, 1996);
51
b) modernização do aparelho estatal: o paradigma da gestão pública deve ser alterado, onde o
Estado deve ser estruturado para se consolidar para ser um instrumento de mediação em
direção ao encontro das alternativas para o desenvolvimento, com base em três ações:
i) recuperação do sistema de informações e planejamento regional; ii) melhoria da relação
entre o Estado, a iniciativa privada e a sociedade local, visando facilitar a efetivação
interlocução entre estes agentes e a eficiência do mercado; e iii) melhoria da capacidade
de gerência dos recursos humanos, materiais e financeiros do domínio do setor público
local (AMARAL FILHO, 1995);
c) criação e promoção de incentivos: o desenvolvimento regional e local dependem da ação
do governo, contudo com um novo papel, agora de ordem muito mais qualitativo, que é o
de liderar e facilitar os processos de mudança, de criar, apoiar e fortalecer organizações
engajadas na promoção do crescimento econômico e social; e de liderar, coordenar,
facilitar e implementar programas de desenvolvimento regional. Contudo, a experiência
internacional revela que a criação de novos arranjos produtivos com pouca
representatividade em um determinado local ou região não tem propiciado resultados
muito eficazes e que, portanto, o apoio e suporte aos já existentes, tem se constituído na
melhor política de desenvolvimento regional [(AMARAL FILHO, 1995); (GALVÃO,
2001)].
Nesta abordagem, Sérgio Prado (PRADO, 1999), afirma que a concessão de incentivos
fiscais por parte dos estados federados tem resultado positivo sobre o produto, a renda e o
emprego, ao menos na economia e na sociedade local específica contemplada com os
incentivos. Além disso, dependendo da evolução dos projetos envolvidos, o governo estadual
pode se encontrar em uma posição relativa melhor do que se eles não tivessem existido, ainda
que o custo fiscal para o país como um todo seja muito alto. Portanto, programas de redução
de impostos podem alcançar resultados positivos localmente, em detrimento de outras regiões.
Por outro lado, há um generalizado consenso de que as políticas de incentivo fiscais do
passado - recentemente chamadas de guerra fiscal no Brasil -, não estão mais em sintonia com
as modernas estratégias de desenvolvimento regional. Os governos de todo o mundo estão
reconhecendo que, ao invés do tradicional enfoque dos subsídios e redução de impostos, a
melhor política regional é criar um ambiente favorável nas regiões, para que estas possam
enfrentar os desafios da competitividade e dos constantes avanços na esfera tecnológica
(GALVÃO, 1998).
Em um novo quadro institucional e produtivo, as formas de intervenção e promoção
das políticas públicas alteram-se, onde o controle, o planejamento, a regulação, e a
52
intervenção do Estado, existentes no passado, são substituídos pelo monitoramento,
orientação, desregulamentação, nova regulação, promoção de ações interativas, enfim,
atividades distintas das existentes no padrão produtivo anterior (CARIO et al., 2001).
Considerando um ambiente de debilidade fiscal dos Estados federados do Brasil e o
baixo nível de confiança no setor público, por parte dos agentes privados, o equilíbrio
orçamentário, a modernização do Estado, a abertura de canais de comunicação e o incentivo à
produção regional são ações que não beneficiam apenas a retomada da autonomia da decisão
do poder público local, mas passam a constituir uma importante vantagem comparativa para a
economia estadual ao visar à fixação e a atração de novos investimentos (AMARAL FILHO,
1996).
A rigor, o desenvolvimento endógeno passa obrigatoriamente por um papel ativo dos
governos regionais, porém com outro enfoque, agora como estado indutor do
desenvolvimento. Os governos devem se ajustar a um novo paradigma, onde a iniciativa
privada seleciona os arranjos produtivos e cabe ao estado esforços conjuntos com diversos
agentes para garantir a competitividade de tais sistemas produtivos em um ambiente de
elevada competição global.
2.2.2 Investimentos em Infra-estrutura e Formação de Complexos Produtivos
O forte declínio do investimento público e privado durante a década de 1980 na
América Latina e no Brasil - a chamada década perdida pela CEPAL - elevou os custos de
produção pelo desgaste da infra-estrutura pesada - energia, transporte, telecomunicações, etc.
-. A retomada do crescimento econômico sustentado para a economia brasileira e suas regiões
não pode prescindir de maciços investimentos em infra-estrutura pesada, onde o Estado ainda
representa o principal agente sinalizador de tais inversões. Contudo, o capital privado
nacional e internacional também tem plenas condições de participar deste processo
(AMARAL FILHO,1995).
A criação de externalidades positivas para o capital privado - redução dos custos de
transação, de produção e de transporte, acesso a mercados, rápida difusão da informação - são
alguns dos resultados diretos advindos da elevação dos investimentos em infra-estrutura física
(AMARAL FILHO, 1996). Além disso, a criação de sistemas articulados de infra-estrutura
econômica ainda mantêm papel estratégico na manutenção de condições sistêmicas de
competitividade regional nos mercados interno e externo (CARVALHO, 1998).
53
Contudo, apenas a criação e melhoria da infra-estrutura física não garante a uma
determinada região um processo dinâmico de endogenização do excedente econômico local, a
atração do excedente de outras regiões e o crescimento econômico sustentado. Dentro da
estratégia do crescimento da região, deve-se evitar a formação de enclaves ou a aglomeração
de indústrias sem coerência interna nas suas interconexões. O ideal seria instalar na região em
foco, projetos econômicos capazes de criar um pólo de crescimento, com efeitos
multiplicadores que se propagam de maneira cumulativa e transformam a região em um
aglutinador de fatores e de novas atividades econômicas (AMARAL FILHO, 1996). Tais
projetos deveriam criar aglomerações de empresas como Complexos Produtivos, que segundo
Joseph Ramos, devem ter as seguintes características: "Se entiende comúnmente por Complejo Productivo una concentración sectorial y/o geográfica de empresas que desempeñan en las mismas actividades o en actividades estrechamente relacionadas, com importantes y cumulativas economías externas, de aglomeración y de especialización (por la presencia de productores, proveedores y mano de obra especializados y de servicios anexos específicos al sector) y com la posibilidad de llevar a cabo una acción conjunta en búsqueda de eficiencia colectiva" (RAMOS, 1998, p. 108).
Segundo Garofoli (1992, apud AMARAL FILHO, 1995), dentre os modelos de
desenvolvimento endógeno, os casos mais interessantes são aqueles que apresentam pequenas
empresas circunscritas a um território delimitado. Trata-se de sistemas que produzem
verdadeiras intensificações localizadas de economias externas, que determinam fortes
aglomerações de empresas fabricando o mesmo produto ou gravitando em torno de uma
produção típica.
Uma importante característica desses espaços produtivos é o fato de que as firmas
neles localizados se organizam em redes e desenvolvem sistemas complexos de integração -
cooperação, solidariedade, coesão e valorização do esforço coletivo. Tais aglomerações de
empresas, setorialmente especializadas e espacialmente concentradas, criam grandes efeitos
linkages para frente e para trás, baseados no intercâmbio de insumos, produtos, informações e
mão-de-obra, e operando numa atmosfera cultural e social baseada na cooperação e
colaboração entre os agentes econômicos e não econômicos da região, formando o Complexo
de Produção já descrito [(HUMPHREY, 1995); (GALVÃO, 2001)].
Desta forma, a melhoria da infra-estrutura deve ser acompanhada de uma política de
formação de cadeias produtivas interligadas ou complexos de produção, onde os projetos
possam aproveitar as vantagens competitivas da região, que podem ser: i) a disponibilidade de
recursos naturais específicos; ii) a existência de atividades típicas; iii) alguma atividade
econômica já criada pelo planejamento regional; ou iv) uma cadeia produtiva que já esteja se
estruturando endogenamente (AMARAL FILHO, 1996).
54
Tanto o investimento em infra-estrutura quanto a formação de complexos produtivos
regionais podem, ao mesmo tempo, manter a reprodução ampliada do arranjo produtivo local
e provocar um processo endógeno de contaminação dinâmica sobre os diversos agentes dentro
da região - concorrentes, parceiros, fornecedores, governo regional e local, instituições de
pesquisa, etc.. O sucesso desta forma de desenvolver a região depende diretamente da ação
conjunta entre o governo regional e a iniciativa privada para alcançarem a criação e a
manutenção dos fatores locacionais competitivos e o crescimento econômico sustentado.
Quanto mais fortes e convergentes forem as ações do governo e da iniciativa privada na busca
das vantagens competitivas regionais, maiores serão as oportunidades de desenvolvimento
regional [(AMARAL FILHO, 1995); (AMARAL FILHO, 1996)].
Ademais, a aglomeração e a interconexão das atividades em um espaço delimitado
deve ser acompanhado da formação de um arranjo produtivo em que muitas empresas desse
sistema se coloquem como líderes em seus setores, tanto em nível nacional quanto
internacional, pois as empresas competem nos mercados juntamente com seu entorno
produtivo e institucional de que fazem parte, ou seja, a competitividade da empresa líder
engloba ou contém a competitividade de todo o entorno produtivo e institucional de que está
inserida [(AMARAL FILHO, 1996); (VÁZQUEZ-BARQUERO, 2002)].
Portanto, pode-se dizer que a competição passa a existir entre as regiões e não apenas
entre empresas, onde os espaços que alcançarem elevada integração horizontal e conquistarem
competitividade sistêmica poderão sustentar um crescimento econômico de longo prazo que
poderão alterar substancialmente as estruturas internas da região, podendo promover o
desenvolvimento econômico e social.
2.2.3 Valorização dos Novos Fatores de Produção
A história econômica mundial pós-1945 demonstrou a fragilidade e a incapacidade de
sustentação do crescimento econômico e da competitividade dos modelos de desenvolvimento
que continuaram se baseando apenas nos fatores de produção tradicionais - capital e trabalho.
Esta dificuldade ficou ainda mais latente com o avanço do processo de globalização
produtiva, onde os diversos e assimétricos sistemas produtivos passaram a competir em um
mesmo espaço econômico e nas mesmas condições de concorrência [(AMARAL FILHO,
1996) (VÁZQUEZ-BARQUERO, 2002)]. Além disso, a simples estratégia de
desenvolvimento regional baseada na concentração geográfica não leva, necessariamente, e
55
apenas em função do mercado, ao crescimento e desenvolvimento de um determinado espaço
(GALVÃO, 2001). Levando em consideração estes pressupostos, Verschoore Filho sustenta
que qualquer estratégia política de desenvolvimento regional não pode se ater somente em
ações de cunho ortodoxo, como linhas de crédito, incentivos fiscais ou de investimento em
Formação Bruta de Capital Fixo (VERSCHOORE FILHO, 2001).
Torna-se necessário ativar, incorporar e valorizar outros fatores de produção para
permitir o crescimento econômico no curto e longo prazos, elevando a produtividade e a
competitividade da região. Estes novos fatores estão diretamente relacionados ao capital
humano, pesquisa e desenvolvimento, conhecimento e informação e às instituições. Conforme
Michael Porter, ao contrário dos fatores tradicionais, geradores de vantagens comparativas
estáticas, os novos fatores são responsáveis pela criação e desenvolvimento de vantagens
competitivas dinâmicas de uma região, ou seja, vantagens que incorporam características de
permanente mutação em direção à manutenção da competitividade de longo prazo (PORTER,
1993).
Segundo Vázquez-Barquero, o desenvolvimento econômico se produz como
conseqüência da utilização do potencial e do excedente gerado localmente e a atração de
recursos externos, assim como a incorporação das economias externas nos processos
produtivos. Para neutralizar as tendências do estado estacionário, torna-se necessário ativar os
fatores determinantes dos processos de acumulação de capital, que para ele, são basicamente
quatro: i) criação e difusão de inovações dentro do arranjo produtivo local; ii) organização
flexível da produção; iii) geração de economias de aglomeração; e iv) desenvolvimento das
instituições regionais e locais (VÁZQUEZ-BARQUERO, 2002).
Tanto Amaral Filho quanto Vázquez-Barquero colocam como elemento central no
processo de desenvolvimento endógeno a criação, acúmulo e difusão do conhecimento dentro
do arranjo produtivo, acionando o núcleo criador da sociedade e da economia regional,
fazendo com que o espaço experimente inovações e saltos em suas bases. Como complemento
à dinâmica inovativa, ambos autores reconhecem a importância do fortalecimento das
instituições públicas e privadas locais, criando e fortalecendo os canais de informação, que
reduzirão os riscos e as incertezas, elevando a capacidade de cooperação entre os agentes e
flexibilizando a adoção de novos paradigmas de desenvolvimento [(AMARAL FILHO,
1995); (AMARAL FILHO, 1996); (VÁZQUEZ-BARQUERO, 2002)].
56
2.2.3.1 A Criação de Inovações e a Difusão do Conhecimento
A base de sustentação da atividade inovativa é o capital humano, que se apresenta
como o único fator de produção inteligente dentro de qualquer função de produção. Todo o
arranjo produtivo se dinamiza quando coloca o capital humano e a sua capacidade de criar e
recriar como o fator estratégico na conquista e manutenção da competitividade (AMARAL
FILHO, 1996). Um importante trabalho de inclusão do capital humano na função de produção
foi realizado por Robert Lucas, com rebatimentos positivos sobre a produtividade e o
crescimento econômico (LUCAS, 1988).
Dentro da concepção schumpeteriana, o desenvolvimento econômico do sistema
capitalista - e qualquer fração dos seus espaços - está estritamente relacionado às novas
combinações ou inovações tecnológicas, oriundas do movimento temporal das forças
produtivas sociais que geram mudanças estruturais no sistema. Neste sentido, a produção de
novos produtos ou dos mesmos produtos pautados em novos processos técnicos significa
combinar de forma diferente os meios de produção. Como os elementos impulsionadores da
mudança estão inseridos no seio do próprio sistema, o processo de desenvolvimento na ótica
de Schumpeter é essencialmente endógeno (SCHUMPETER, 1997). Seguindo esta mesma
lógica, Vázquez-Barquero explicita que o desenvolvimento econômico e a dinâmica produtiva
dependem da introdução e difusão de inovações e do conhecimento, elementos que
impulsionam a transformação e a renovação do arranjo produtivo, já que, em última análise, a
acumulação de capital é resultado direto da acumulação do conhecimento e da detenção de
tecnologia (VÁZQUEZ-BARQUERO, 2002).
Com o advento da globalização, os mercados tem se tornado cada vez mais
competitivos, onde a inovação constitui um dos mecanismos estratégicos de um Complexo
Produtivo para manter ou ampliar sua presença no mercado e aumentar a rentabilidade sobre
seus investimentos (VÁZQUEZ-BARQUERO, 2000). A possibilidade de uma empresa ou
Complexo Produtivo de desfrutar posições temporárias monopolistas ou oligopolistas
representam um poderoso incentivo à atividade inovativa, em função dos lucros de monopólio
que possam ser apropriados antes da imitação da tecnologia pelos concorrentes [(NELSON &
WINTER, 1982); (ROMER, 1990); (GROSSMAN & HELPMAN, 1994); (ROMER, 1994);
(AGHION & HOWITT, 1998)].
Contudo, a atividade inovativa comporta um procedimento de busca e não de escolha,
sobre um conjunto de possibilidades, cujas características e cujos resultados no mercado
57
seriam conhecidos ex ante. Não se pode saber, antecipadamente, se uma tecnologia a ser
adotada ou desenvolvida encontrará, automaticamente, uma resposta positiva no mercado.
Desta forma, a inovação é realizada sob condições de incerteza. Por mais que se conheçam os
atributos tecnológicos e econômicos de uma inovação, suas inter-relações não são totalmente
dedutíveis, especialmente no que diz respeito às implicações que os atributos técnicos podem
ter para a dimensão econômica da atividade (NELSON & WINTER, 1982).
Considera-se, portanto, que o processo inovativo somente pode ser completado após
uma instância seletiva que, grosso modo, pode ser identificada como o mercado para onde a
inovação é dirigida. Assim, uma condição necessária para o sucesso de uma inovação é a sua
aceitação ex post pelos usuários (NELSON & WINTER, 1982). A seleção de uma trajetória
pelo mercado pode configurar em um novo paradigma tecnológico, que pode ser definido
"como um modelo e um padrão de solução para problemas tecnológicos específicos, baseado
em determinados princípios, que serão derivados das ciências naturais e em determinadas
tecnologias materiais" (DOSI, 1984, p. 14). Ou seja, o paradigma tecnológico representa a
visão predominante para se formular e encaminhar soluções a determinados conjuntos de
problemas. Ainda segundo Dosi, quanto mais uma trajetória tecnológica se estabelece, mais
os mecanismos de geração de inovações e de avanços tecnológicos se tornam endógenos ao
arranjo produtivo.
Mas, para se alcançar o êxito de uma trajetória diversas etapas devem ser superadas.
Isto ocorre porque a tecnologia não é um bem de uso comum. Ela possui um vetor de
aprendizagem e investigação muito significativo. Assim, há um processo que se deve cumprir
para que se produza tecnologia. Neste protocolo, a dimensão econômica das inovações
técnicas possuem três características básicas fundamentais: i) a oportunidade; ii) a
apropiabilidade; e iii) a cumulatividade (CIMOLI & DOSI, 1992).
A oportunidade pode ser vista como as possibilidades de um paradigma seguir uma
trajetória específica onde alguns paradigmas possuem grandes trajetórias - como o motor a
combustão - e outros possuem trajetórias muito limitadas. A oportunidade representa, a rigor,
a possibilidade de incorporação de inovações relevantes e rentáveis para o capital (CIMOLI &
DOSI, 1992).
A apropriabilidade, por seu turno, pode ser entendida como a capacidade do agente
inovador de se apropriar dos conhecimentos e retornos que o paradigma produz. A base é o
fator tempo, onde as curvas de apropriabilidade podem ser curtas ou longas. Quanto mais
curta, mais fácil será a imitação do conhecimento por outras firmas, o que facilita a dispersão
pelo mercado e a não formação de monopólios (CIMOLI & DOSI, 1992).
58
A cumulatividade está muito relacionada com a apropriabilidade. O progresso técnico
tem uma natureza acumulativa. O constante acréscimo de conhecimento gera a possibilidade
da trajetória de um novo paradigma. A acumulatividade incorpora tanto o conhecimento
formal quanto o tácito. O conhecimento formal é transmissível pela linguagem escrita,
codificada, sendo fácil sua aquisição ou imitação. Já o conhecimento tácito é a idiossincrasia
do trabalho, sendo adquirido na execução específica da atividade, pela experiência
profissional. Sua apropriação é difícil, pois não está à venda no mercado (CIMOLI & DOSI,
1992).
Uma fonte relevante de criação e difusão do conhecimento advém de atividades
rotineiras que tomam forma em diferentes processos de aprendizagem interna e interativa
entre empresas e instituições. A experiência própria nos processos de produção - learning by
doing -; a utilização do produto - learning by using -; a busca de solução técnica nas unidades
de P&D - learning by searching -; a exclusão de processos que falharam - learning by
failing -; a interação com fornecedores de máquinas, equipamentos, insumos, consultores,
universidades, etc. - learning by interacting -; e outros, constituem processos para o
desenvolvimento do conhecimento e, por conseqüência, parâmetros para a inovação. Estes
processos de aprendizagem resultam na acumulação do conhecimento, que, por sua vez,
sustentam os avanços científicos, técnicos e organizacionais que traduzirão em inovações
modificadoras do ambiente econômico. Para o aprendizado exercer esta função, é essencial ter
capacidade para adquirir novos conhecimentos - learning to learn -, pois somente a
capacidade de aprender e de transformar torna o aprendizado fator competitivo em um
ambiente cada vez mais mutante (PASSOS, 1999).
As empresas investem em tecnologia para usufruírem de posições de monopólio
temporário com o objetivo de elevar a acumulação de capital, mas suas ações e rotinas estão
condicionadas pelo contexto institucional em que realizam sua atividade produtiva. O êxito de
sua estratégia depende, além de suas habilidades em desenvolver novos processos ou
produtos, da atitude dos competidores, das relações de cooperação ou luta com seu entorno
institucional e, principalmente, com o ambiente propício ou limitador dos processos
inovativos (VÁZQUEZ-BARQUERO, 2002).
A introdução e difusão das inovações e do conhecimento geram uma elevação do
estoque de conhecimentos tecnológicos em um espaço econômico, que produzem economias
externas no espaço compreendido pelo Complexo Produtivo, beneficiando todos os segmentos
do setor e reforçando as vantagens competitivas dinâmicas, principalmente quando as
59
inovações são resultado coletivo da cooperação entre os diversos agentes envolvidos
(VÁZQUEZ-BARQUERO, 2002).
Neste sentido, as condições locais ou regionais passam a ter importância fundamental
como mecanismo de estímulo às atividades produtivas e inovativas, no que concerne a
aspectos como a proximidade entre os agentes, a existência de linkages forwards e
backwards, o clima de maior confiança entre os agentes e a capacidade de cooperação.
Quando se constata ações socialmente construídas que refletem em um ambiente regional
propício à geração de inovações e conhecimento, pode-se dizer que neste ambiente está
florescendo e se desenvolvendo um Sistema Local de Inovações (VARGAS & CAMPOS,
2002). O Sistema Local de Inovações é uma variação do conceito de Sistemas Nacionais de
Inovação18. Os sistemas locais se referem a um ambiente delimitado por espaços específicos
do território de uma nação e caracterizado por uma maior proximidade e homogeneidade dos
agentes, podendo por isso proporcionar maior intensidade nas interações, devido à existência
de aspectos como a origem histórico-cultural e o objetivo comum dos agentes
(CASSIOLATO & SZAPIRO, 2002).
A construção de sistemas inovativos locais passam a ser estratégicos para uma
determinada região manter ou ampliar suas vantagens competitivas ante à aceleração da
competição internacional, pois eles podem configurar a criação de trajetórias tecnológicas de
sucesso de forma endógena. Diversos autores tem destacado a importância do conhecimento e
do aprendizado como as alternativas promissoras para as empresas e regiões atingirem um
nível superior de desenvolvimento econômico. Michael Porter sustenta que, em função de
uma maior dispersão dos fatores clássicos de produção devido à globalização, a construção de
vantagens competitivas dos países e regiões passa a ser determinada pelo conhecimento
diferenciado, habilitações e ritmo de inovações que estão materializados em pessoal
habilitado e rotinas de organização (PORTER, 1993).
Lundvall e Borrás, por seu turno, afirmam com veemência que: "(...) a habilidade para aprender é crucial para o sucesso econômico de indivíduos, empresas, regiões e economias nacionais. O aprender refere-se a construir competências novas e estabelecer habilidades novas e não somente ter o acesso à informação" (LUNDVALL & BORRÁS, 1998, p. 35).
A rigor, a detenção das tecnologias da informação são insuficientes na economia
contemporânea para garantir vantagens competitivas. Torna-se necessário construir
18 O Sistema Nacional de Inovações é constituído por elementos e relacionamentos que interagem na produção, difusão e uso do novo conhecimento economicamente útil, e um sistema nacional abrange elementos e relacionamentos, localizados dentro ou enraizados dentro das fronteiras de um Estado Nação (LUNDVALL, 1992, p. 2).
60
tecnologias do conhecimento, ou seja, gerar conhecimento próprio para permitir o monopólio
temporário pela diferenciação de custo ou produto. As tecnologias da informação são
importantes para difundir o conhecimento, contudo, as inovações e o conhecimento devem,
cada vez mais, serem produtos endógenos aos arranjos produtivos regionais para que estes
suportem as pressões e os desafios da competição global. As tecnologias da informação
podem sintonizar um Complexo Produtivo com o paradigma tecnológico dominante. Um
sistema inovativo local pode gerar e ditar qual será o paradigma tecnológico reinante e, com
isso, permitir ao menos temporariamente, uma diferenciação de produto e uma acumulação de
capital superior.
Desta forma, somente com a formação de um Sistema Local de Inovações baseado na
cooperação dos agentes locais e a difusão do conhecimento gerado por todo o Complexo
Produtivo é que poderá ocorrer um desenvolvimento originalmente endógeno de uma região,
transformando as estruturas internas de um espaço econômico e elevando o nível de bem estar
da população local.
2.2.3.2 A Organização Flexível da Produção
As últimas décadas tem apresentado variações na dinâmica econômica, onde ao invés
da concentração industrial em alguns locais, observado durante a chamada fase fordista-
taylorista do sistema de produção verticalizada, uma grande e crescente parcela da produção
está se realizando em vários locais e em grande número de firmas, de tamanhos menores, que
produzem bens para serem vendidos em múltiplos mercados. Novos padrões de
competitividade estão sendo definidos pelo que tem sido chamado de capitalismo coletivo,
capitalismo de alianças ou capitalismo organizado [(TAUILE, 1994); (GALVÃO, 2001)].
O desenvolvimento de redes explícitas entre empresas, como são os sistemas
produtivos locais, são alianças com o objetivo de realizar projetos específicos, que afetam os
processos de produção, os produtos ou a estrutura do mercado, que melhoram a
competitividade das empresas e resulta em rendimentos crescentes, dentro do arranjo
produtivo local. A evidência é que o elemento chave que responde por esse plus em termos de
eficiência econômica pode ser buscado nas formas de cooperação entre os agentes
econômicos em diversos níveis de organização social de produção [(TAUILE, 1994);
(VÁZQUEZ-BARQUERO, 2002)].
61
O ambiente em que as firmas médias e pequenas operam é de grande competitividade
e envolve uma enorme gama de incertezas e dificuldades, tais como problemas de gestão,
insuficiência de crédito, elevadas inversões em marketing e comercialização, menor
capacidade de obtenção de informações sobre novas tecnologias e comportamento da
demanda entre diversos outros problemas. Assim, estas firmas necessitam desenvolver
estratégias de sobrevivência, que estão diretamente relacionadas à inovação e incorporação de
tecnologia, novas formas de gestão e abertura de mercados. Desta forma, elas passam a
desenvolver fortes relações de complementaridade, interdependência, cooperação e troca de
informações, gerando firmas flexíveis em redes - networks (GALVÃO, 2001).
Em uma analogia com a física, os agentes econômicos estão sendo cada vez mais
capazes de direcionar suas forças em direção a um mesmo quadrante e, com isso, obtendo
vetores resultantes maiores do que os obtidos em regimes de acumulação capitalista
anteriores. Nos padrões conflitivos das relações econômicas, os agentes podem ser entendidos
como forças opostas de vetores existentes em hemisférios diferentes, que reduzem o efeito
total de acumulação de capital pela concorrência entre os vetores - agentes econômicos. No
capitalismo de alianças, os vetores se unem e alcançam um somatório agregado maior do que
se competissem isoladamente (TAUILE, 1994).
A materialização de uma eficiência coletiva, decorrente das externalidades geradas
pela ação conjunta, garante uma maior competitividade das empresas, em comparação com
firmas que atuam isoladamente (TAUILE, 1994). A ação conjunta, além disso, conduz o
sistema local a criar processos de treinamento de mão-de-obra que propiciam a acumulação e
a disseminação de conhecimento e know-how. Também acarreta uma redução dos custos de
transação, pela maior facilidade de comunicação entre os agentes. Gera sinergias coletivas,
que contribuem para a aceleração das taxas de inovação e introdução de novos processos e
novas tecnologias. Por fim, obtém também economias externas de escala na produção
[(VÁZQUEZ-BARQUERO, 2002); (GALVÃO, 2001)].
Em recente trabalho sobre os determinantes da competitividade regional, Cário e
outros argumentam que a organização da produção em forma de redes de empresas pode
desenvolver um interessante binário de especialização e complementaridade entre as
atividades econômicas de um determinado arranjo produtivo. Segundo os autores, dentro do
sistema capitalista de produção, nenhuma empresa de forma individual tem condições de
operar um conjunto de atividades sem enfrentar as contingências de um ambiente econômico
cada vez mais mutante, sem reduzir o seu grau de autonomia decisória. Assim, a presença de
um forte movimento de especialização produtiva e um elevado grau de complementaridade
62
entre os integrantes de uma rede de empresas regionais pode criar e desenvolver condições
para ações estratégicas coerentes e competentes em direção à conquista de vantagens
competitivas no mercado globalizado (CÁRIO et al., 2001).
Em outro trabalho, Humphrey e Schimitz concluem que a configuração flexível de
redes de empresas podem gerar uma forte simbiose entre as firmas e a comunidade local, pela
cooperação competitiva entre as firmas. O resultado pode ser a criação de externalidades
positivas, advindas de ações coletivas - promoção conjunta de P&D, marketing, novos canais
de comercialização, obtenção de crédito, entre outros (HUMPHREY & SCHIMITZ, 1996).
Em resumo, as novas formas de organização propiciam que as empresas realizem
economias externas que garantem performances mais eficientes do arranjo produtivo regional,
que pressupõem ambientes cooperativos intra e inter firmas, rompendo radicalmente com os
padrões anteriores de relações conflitivas típicas do capitalismo moderno [(TAUILE, 1994);
(VÁZQUEZ-BARQUERO, 2002)].
2.2.3.3 As Economias de Aglomeração
Diversas empresas e Complexos Produtivos inteiros de sucesso internacional
freqüentemente se localizam em uma única cidade ou região dentro de um país. Os casos de
concentração geográfica da produção são inúmeros, tanto nos países desenvolvidos quanto
nos países em desenvolvimento (PORTER, 1993).
Contudo, somente economias de especialização não garantem o sucesso dos
Complexos Produtivos e o dinamismo dos novos espaços econômicos. Torna-se indispensável
um conjunto de iniciativas - tanto pelo lado das empresas, quanto pelo lado dos Governos -
para a garantia do desenvolvimento constante de novas vantagens competitivas nessas áreas,
através de investimento em diferenciação de produtos, de programas de marketing, da
formação e qualificação de mão-de-obra e da criação de novos canais ou redes de
comercialização, de atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D), além dos tradicionais
investimentos em infra-estrutura física e social (GALVÃO, 2001).
A advertência de Olímpio Galvão é pertinente. Se a concentração geográfica de
empresas de um Complexo Produtivo conseguir gerar repostas positivas aos desafios da
globalização, vinculando os processos de ajuste produtivo e organizativo à utilização de
recursos próprios, à difusão das inovações e ao fortalecimento das relações externas e
63
internas, pode-se criar possibilidades reais de redução dos custos totais pelas economias de
aglomeração construídas [(VÁZQUEZ-BARQUERO, 2002); (GALVÃO, 2001)].
Michael Porter afirma que a concentração geográfica de empresas do mesmo setor
produtivo aumenta o fluxo de informações e a proximidade eleva a velocidade de
disseminação destas informações dentro do setor. A proximidade leva também ao
conhecimento precoce dos desequilíbrios, necessidades ou limitações dentro do Complexo
Produtivo, permitindo uma maior rapidez nas respostas aos problemas e desafios. Os
processos de inovação tecnológica, agrupamento, intercâmbio e cooperação também
funcionam melhor quando as empresas do mesmo setor estão geograficamente concentradas.
Os resultados mais freqüentes da especialização produtiva de uma região são observados na
redução dos custos de comunicação, de transporte e transação, além de novas formas de
organizacionais de abertura de mercados nacionais e internacionais, ou seja, a concentração
espacial de um setor pode criar externalidades positivas pela geração de economias de
aglomeração, que tem impacto direto sobre as vantagens competitivas regionais e nacionais
(PORTER, 1993).
Uma das mais importantes relações que a proximidade geográfica pode gerar são os
efeitos spillovers, que em última análise, representam a difusão da tecnologia e do
conhecimento pelo arranjo produtivo. Esta dispersão de habilidades técnicas permitem a
geração de externalidades que elevam a produtividade e condicionam o crescimento
econômico regional [(ROMER, 1986); (ROMER, 1987); (GROSSMAN & HOWITT, 1994)].
Galvão e Cocco, em outra discussão, afirmam que a inclusão do espaço na análise
econômica gera profundas e importantes implicações, pois quando o território da produção
abandona a fábrica - um ponto isolado no sistema - e passa a se referenciar e se aglomerar em
espaços delimitados, como em uma cidade, o espaço produtivo assume um caráter coletivo e
público. O resultado pode ser a criação de um tecido sócio-territorial que favoreça a
construção de uma rede material e cognitiva capaz de internalizar as inovações tecnológicas
nos processos locais de aprendizagem (GALVÃO & COCCO, 1999).
Para Vázquez-Barquero, as cidades são o espaço ideal para o desenvolvimento
endógeno, pois são nelas que se concentram as decisões de investimento e localização
industrial, comercial e de serviços. Nas cidades torna-se mais fácil a geração de
externalidades positivas que permitem a aparição dos rendimentos crescentes, pois o espaço
urbano é formado por redes em que as relações dos agentes permitem a rápida difusão do
conhecimento, a potencialização dos processos de inovação e o aprendizado pelas empresas.
64
A rigor, são nas cidades que se pode verificar a criação de economias de aglomeração pela
redução dos custos de produção (VÁZQUEZ-BARQUERO, 2002).
Em resumo, os espaços urbanos representam o locus preferencial para o
desenvolvimento de novos espaços produtivos e de serviços, devido às suas potencialidades e
a capacidade de gerar externalidades positivas. A crescente competição gerada pela
globalização comercial e financeira induz às cidades a responder estrategicamente através de
iniciativas locais que propiciem o desenvolvimento endógeno [(VÁZQUEZ-BARQUERO,
2000); (VÁZQUEZ-BARQUERO, 2002)].
Contudo, a concentração geográfica encerra alguns riscos no longo prazo,
especialmente se a maioria dos produtores, fornecedores e compradores do Complexo
Produtivo não participarem do comércio internacional, o que dificulta a assimilação de
mudanças estruturais, inovações tecnológicas e estratégias de ganhos competitivos. Dentro do
paradigma atual, em que a globalização parece se colocar como um movimento inexorável, a
inserção no mercado internacional torna-se uma necessidade real para todas as regiões
produtivas (PORTER, 1993).
2.2.3.4 A Densidade do Tecido Institucional
A criação de formas alternativas de desenvolvimento econômico, se pautando nas
instituições locais e na criação de redes públicas e privadas de relacionamento, permite às
regiões decidir sobre os diversos processos que afetam e determinam a acumulação de capital
e, portanto, alcançar e manter no longo prazo suas vantagens competitivas, que favoreçam o
desenvolvimento econômico regional (VÁZQUEZ-BARQUERO, 2002).
A clássica abordagem das instituições no processo de desenvolvimento econômico
realizada por Williamson logrou um modelo analítico capaz de incorporar variáveis que
geralmente permaneciam à margem da análise econômica, tais como as raízes institucionais e
culturais de uma região. Por ambiente institucional, Williamson afirma tratar-se de um
conjunto de regras básicas sociais e culturais que definem características comportamentais
individuais e coletivas, além dos sistemas legais de solução de disputas e as políticas
macroeconômicas, tarifárias, tributárias, comerciais e setoriais adotadas pelo governo,
parceiros e concorrentes, que estabelecem as bases para a produção, troca e a distribuição
(WILLIAMSON, 1985).
65
Cada espaço encontra formas específicas de organização de suas instituições, que
poderão facilitar ou dificultar o desenvolvimento econômico, pois os agentes tomam suas
decisões imersos neste entorno organizativo e institucional e, portanto, não seguem os
pressupostos teóricos dos modelos econômicos (VÁZQUEZ-BARQUERO, 2002).
O aumento da competição nos mercados implica que a competitividade das empresas
depende cada vez mais do entorno institucional de que faz parte. As estratégias individuais
dos agentes que atuam de forma isolada estão sujeitas à perda de eficácia, enquanto geradoras
de competitividade, dado o nível de interdependência e a influência do ambiente em constante
mutação, tanto do ponto de vista tecnológico quanto padrões de concorrência e organização
institucional. Por isso, as regiões que contarem com um sistema de instituições capazes de
gerar relações de cooperação entre os agentes públicos e privados e que fortalecerem seu
sistema de inovação e aprendizagem serão capazes de competir no mercado interno e externo
[(VÁZQUEZ-BARQUERO, 2002); (CÁRIO et al.,2001)].
Também para Galvão, as regiões necessitam desenvolver instituições ágeis e
inovativas, com o intuito de criar e manter os fundamentos exigidos pelos ambientes em
mutação, tornando-se capazes de mobilizar os agentes produtivos, o governo regional e local,
as instituições de aprendizagem e a comunidade, para juntos buscarem o objetivo principal:
crescimento econômico sustentado e a melhoria do bem estar da população local (GALVÃO,
2001). Em complemento, Amaral Filho reforça o papel das instituições públicas e privadas na
abertura e flexibilidade aos novos paradigmas do desenvolvimento pela sociedade e economia
regionais, de maneira que as inovações se tornem rotina dentro do sistema. Além disso, as
instituições devem apoiar a manutenção do equilíbrio entre cooperação e concorrência entre
os agentes do sistema (AMARAL FILHO, 1996).
Assim, o desenvolvimento econômico se torna dinâmico em espaços que mantêm um
sistema institucional evoluído e complexo. Por isto, quando as empresas estão interligadas em
territórios constituídos por densas redes de relações entre empresas, governos regionais e
locais, instituições de P&D, associações de empresários, sindicatos, etc., elas podem utilizar
mais eficientemente os recursos disponíveis e melhorar sua competitividade sistêmica
(VÁZQUEZ-BARQUERO, 2002). Quanto mais forte e atuante forem as instituições públicas
e privadas regionais, ou seja, quanto mais denso for o tecido institucional, melhores serão os
resultados em suprir as falhas de mercado, tais como sistema de informações, sistema de
inovações e difusão de tecnologia, padrão de financiamento, ações cooperativas, capacitação
de mão-de-obra, infra-estrutura de transportes, fornecimento de insumos, etc. (CÁRIO et al.,
2001).
66
As regiões que desenvolverem e fortalecerem seu sistema institucional podem criar
um ambiente favorável à atração de investimentos privados e elevar sua capacidade de
aceitação de inovações em sua base econômica, que propiciem um maior grau de coesão
interna e integração regional (GALVÃO, 2001). Portanto, o fortalecimento das instituições e a
melhoria das relações inter institucionais poderão forjar um denso tecido institucional, capaz
de reduzir os custos de produção e transação, aumentar a confiança entre os agentes, estimular
a capacidade empresarial e inovativa, fortalecer as redes de cooperação entre agentes e
difundir os mecanismos de aprendizagem, em função direta da redução das falhas de mercado.
Em resumo, o tecido institucional pode condicionar os processos de acumulação de capital e,
consequentemente, o desenvolvimento econômico regional (VÁZQUEZ-BARQUERO,
2002).
2.3 O Efeito H19 do Desenvolvimento Endógeno
A crescente abertura e integração dos mercados internacionais, via globalização
produtiva, tem ocasionado uma reestruturação produtiva, em diversos níveis e setores,
causada pela elevação da competição intercapitalista. As decisões de investimento e
localização em um modelo de economia aberta abre espaço para as iniciativa locais, onde o
desenvolvimento endógeno pode representar uma alternativa viável para entender a nova
dinâmica produtiva e também para definir as respostas das instituições locais aos desafios
impostos pela crescente competição internacional (VÁZQUEZ-BARQUERO, 2000).
Em direção oposta aos modelos neoclássicos, a teoria do desenvolvimento endógeno
sustenta que cada fator de produção e todo o seu conjunto de fatores que geram a acumulação
de capital criam um entorno sistêmico, onde os processos de transformação e geração de
economias externas tomam forma. Também argumenta que a uma política de
desenvolvimento local permite alcançar respostas eficientes aos desafios da globalização
[(AMARAL FILHO, 1996); (VÁZQUEZ-BARQUERO, 2002)].
O crescimento e desenvolvimento de economias regionais podem ser fruto de alguns
fenômenos sociais complexos: i) geração e difusão do conhecimento local, que geram
diferenciação de produtos, redução de custos unitários e melhoria das economias de escala;
19 O Efeito H foi cunhado por António Vázquez-Barquero quando estava proferindo uma palestra na cidade de Hanói. Inicialmente o termo foi denominado por "Efeito Hanói". Em seus trabalhos mais recentes, passou a denominar Efeito H ou Fator H à interação entre algumas variáveis que atuam sobre o crescimento econômico regional e os seus efeitos sobre o desenvolvimento das cidades e regiões (VÁZQUEZ-BARQUERO, 2003).
67
ii) flexibilização de arranjos produtivos, onde as redes e alianças empresariais favorecem as
economias internas e externas e permitem uma melhoria relativa da competitividade regional;
iii) economias de aglomeração, que facilitam a atividade inovativa, a difusão do
conhecimento, a cooperação e a redução dos riscos e incertezas; e iv) criação e fortalecimento
das redes de instituições complexas e densas, que permitem a elevação da confiança entre os
agentes locais e a conseqüente redução de custos de transação (VÁZQUEZ-BARQUERO,
2000); (VÁZQUEZ-BARQUERO, 2002)]
Quando todos os fatores acima agirem sobrepostos - potencializados com uma nova
abordagem estatal regional, com a elevação dos investimentos em infra-estrutura pesada e a
formação de complexos de produção -, abre-se amplas possibilidades de geração de sinergias
entre os agentes e o fortalecimento do efeito de cada um dos fatores sobre a acumulação de
capital. A atuação combinada de todos os fatores que propiciam a elevação da acumulação de
capital em uma região específica recebe a denominação de Efeito H. A região que fomentar a
criação de um Efeito H poderá obter maiores possibilidades de êxito em seu processo de
crescimento econômico e desenvolvimento regional sustentado (VÁZQUEZ-BARQUERO,
2000).
Nas próprias palavras de António Vázquez-Barquero: "[...] a difusão das inovações e do conhecimento, a organização flexível da produção, o desenvolvimento urbano e o desenvolvimento das instituições geram mecanismos que tornam mais eficiente o funcionamento do sistema produtivo. Cada um desses elementos converte-se em um fator de eficiência no processo de acumulação de capital, já que favorece, de uma forma ou de outra, as economias de escala, as economias externas e as economias em termos dos custos de transação, o que provoca um aumento da produtividade e propicia o surgimento de rendimentos crescentes. As cidades ou regiões serão, provavelmente, melhor sucedidas em seus processos de crescimento e mudança estrutural quando todos os fatores atuarem de forma conjunta, criando sinergias mútuas e reforçando os efeitos sobre a acumulação de capital. pode-se dizer, nessas condições, que os fatores de acumulação formam um sistema, aqui denominado de fator de eficiência H, que permite aumentar o efeito de cada um dos fatores determinantes do processo de acumulação, dando lugar a um efeito ampliado H. é possível, assim, falar da existência de rendimentos crescentes quando atua o fator H e se produz o efeito H" (VÁZQUEZ-BARQUERO, 2002, p. 30).
A organização produtiva na região deve estar estrutura para garantir que a geração e a
difusão de inovações sigam um fluxo contínuo e duradouro entre as empresas. Se a confiança
entre os agentes for baixa, o nível de cooperação pode limitar a difusão de inovações de
processos ou produtos, elevando a competição entre os agentes locais. Por outro lado, a
organização flexível da produção em um ambiente cooperativo e de fácil inter relacionamento
institucional pode impulsionar as inovações e a difusão do conhecimento. Todos os fatores
que determinam o Efeito H em um arranjo produtivo regional jogam um papel tanto
dinamizador quanto limitador dos processos de desenvolvimento em função direta do próprio
Efeito H. Ou seja, a existência de um fator não garante a dinamização do Efeito H, em função
68
das limitações dos outros fatores. Assim, quanto mais uma região desenvolver os novos
fatores de produção, tanto maior será a dinamização do Efeito H e, portanto, maior será a
acumulação de capital (VÁZQUEZ-BARQUERO, 2000).
Esta nova configuração econômica visando o desenvolvimento regional deve criar
condições diferenciadas para o investimento local e a atração de capitais de outras regiões,
gerando um fluxo positivo de recursos para a região. Isto somente será possível se o local em
foco conseguir fomentar um ambiente propício para o desenvolvimento capitalista, seja
reduzindo custos de produção e se tornando competitivo em um mercado globalizado, seja
atuando em nichos de mercado específicos.
O que realmente interessa é que não basta a concentração espacial com especialização
produtiva se os agentes econômicos não conquistarem competitividade no mercado via preços
ou produtos diferenciados. Assim, os capitais somente serão atraídos a uma região específica
se a nova ambiência econômica - fruto da nova interação entre iniciativa privada, Governos,
instituições de pesquisa, sociedade civil, etc. - lhes garantir uma lucratividade superior a
outras regiões alternativas. A rigor, o Efeito H deve ser criado e potencializado para permitir a
mudança da posição competitiva da região em um mercado globalizado, gerando expectativas
de alterações na estrutura econômica e social no longo prazo.
Entretanto, a forma e a composição do desenvolvimento endógeno deve variar de
região para região e depende das estruturas sócio-econômicas e culturais, institucionais e
políticas prevalecentes nos respectivos espaços. Contudo, os projetos devem estar ligados,
principalmente, a algum tipo de vocação da região, como a disponibilidade de recursos
naturais específicos, a existência de atividades endógenas típicas ou alguma atividade
econômica com vantagens competitivas já existentes ou criadas pelo planejamento regional.
Pode-se ter, assim, uma nova configuração sócio-produtiva, na qual interagem de
modo particular as esferas pública e privada, implicando possibilidades originais de
intervenção dos poderes públicos locais e novas formas organizacionais do setor privado na
mobilização produtiva do tecido sócio-territorial e na criação de uma ambiência propícia ao
desenvolvimento econômico e social (GALVÃO & COCCO, 1999).
Por fim, o que torna interessante a abordagem do desenvolvimento endógeno é a sua
discussão holística e complexa, que permite a cada sociedade decidir a sua vocação e a sua
ocupação econômica, retirando dos fatores de produção tradicionais a determinação do nível
de bem estar da população e colocando no centro da discussão a capacidade inovadora e a
cooperação dos agentes como uma trajetória possível da melhoria dos índices econômicos e
sociais de um povo.
69
CAPÍTULO 3
ABRINDO O FARDO DE ALGODÃO
"São necessários anos para se fazer sucesso da noite para o dia." (Eddie Cantor)
3.1 O Ponto de Start Endógeno
Até recentemente, a região Centro-Oeste e em especial o estado de Mato Grosso,
jamais tiveram participação substancial na produção brasileira de algodão. Contudo, o ano de
1989 configura um marco fundamental para a produção cotonícola na região, quando o
empresário Olacyr de Moraes, principal acionista do Grupo Itamarati Norte S.A, que havia se
estabelecido no município de Campo Novo do Parecis - região Norte de Mato Grosso -,
buscava uma alternativa para a rotação de cultura com a soja20.
Dessa forma, o Grupo Itamarati selecionou o algodão como uma potencial cultura
rotativa com a soja. Porém, não existia no mercado brasileiro uma variedade adaptada à
mecanização e às condições adafoclimáticas do Cerrado brasileiro. Assim, a Itamarati Norte
S.A celebrou um convênio com o Centro Nacional de Pesquisas do Algodão (CNPA) da
EMBRAPA, para buscar, em um esforço conjunto, uma cultivar adaptada ao clima do Centro-
Oeste e passível de mecanização. Como o algodoeiro é uma planta cultivada em regiões
edafoclimáticas muito diversas, a viabilidade tecnológica de criar uma cultivar adaptada ao
clima de Cerrado era elevada. Foram importadas diversas espécies de plantas de países com
clima similar ao Centro-Oeste brasileiro. Entre os grandes produtores mundiais de algodão,
foram identificados cinco países com as características procuradas: Austrália, Turquia, Egito,
Síria e EUA. Após diversos ensaios de seleção massal, envolvendo as plantas importadas de
regiões de clima quente, os pesquisadores do convênio alcançaram êxito em 1990, ao gerarem
uma nova cultivar, formada pela mistura de 13 plantas selecionadas na cultivar norte-
americana Delta Pine Acala 90 [(FARIAS et al., 1999); (ABA, 2001)]. Claro está que os
pesquisadores brasileiros se apropriaram do conhecimento tecnológico já embutido nas
diversas cultivares importadas que haviam passado por processos de melhoramento genético
em seus países de origem.
70
A nova cultivar recebeu o nome de CNPA-ITA 90. Suas características agronômicas e
morfológicas atendiam satisfatoriamente as necessidades do sistema de cultivo pretendido
pela Itamarati: i) porte ereto; ii) arquitetura tipo "pinheiro"; iii) maçãs pequenas; iv) boa
aderência de fibra; v) alta porcentagem de fibra no descaroçamento; vi) alta produtividade de
fibra por hectare; e vii) boa tolerância a ramulose21. Essas características permitiram a total
mecanização do processo produtivo do algodão e o seu plantio em extensas áreas de Mato
Grosso (AGUIAR, 2001). A CNPA-ITA 90 foi o resultado de uma oportunidade técnica de
produção do algodoeiro no Cerrado, somada com o acúmulo de conhecimento tecnológico dos
pesquisadores da EMBRAPA e da Itamarati Norte, bem como da apropriação destes
pesquisadores do resultados do melhoramento genético de diversas plantas que foram
importadas pelo convênio de pesquisa.
O sucesso alcançado pelo convênio CNPA-ITA representou uma ruptura tecnológica.
O paradigma da cultura do algodão no Brasil migrou da agricultura familiar para a agricultura
empresarial, se deslocando do Nordeste, Sul e Sudeste para o Centro-Oeste e o Norte do
Brasil. Pode-se dizer, com clareza, que os resultados do avanço tecnológico registrados no
início da década de 1990 foram determinantes na expansão exponencial da cotonicultura que
ocorreria apenas oito anos após. Tal constitui o start point da cultura no Cerrado, gerado
principalmente por esforços da iniciativa privada local.
A partir de 1991, além do Grupo Itamarati, outros grandes empresários rurais
apostaram na cultura do algodão como rotação com a cultura da soja em Mato Grosso.
Empresário rurais locais como André Maggi, Mário Patriota Fiori, Inácio Mamana Neto e
Beijamim Zandonadi passaram a cultivar algodão em extensas áreas da região de Itiquira, no
Sudeste mato-grossense (ABA, 2001).
Porém, a suscetibilidade da CNPA-ITA 90 à virose "doença azul"22 foi o grande
desafio a ser superado. A falta de informações técnicas sobre o controle da doença, além da
falta de informações sobre o manejo correto impediram o sucesso da cotonicultura do início
da década de 1990 em Mato Grosso. Entre 1990 e 1995, a produtividade média se apresentou
muito baixa, próximo de 60 arrobas por hectare. Perdas consideráveis da lavoura e prejuízos
20 A EMBRAPA recomendava aos agricultores a rotação de culturas para minimizar problemas fitossanitários da soja, como o cancro da haste e o nematóide de cisto, onde haveria benefícios para as espécies vegetais em rotação. O principal resultado seria a elevação da produtividade (SANTOS, 1998). 21 O vírus do ramulose (colletotrichum gossypii var cephalosporioides) causa lesões necróticas no algodoeiro, provocando a queda da folha e a queima do ápice. A produtividade e a qualidade da fibra ficam severamente comprometidas. A fonte principal de infecção primária ocorre por meio das sementes (CIA & MEHTA, 2001). 22 Também conhecida como mosaico das nervuras forma Ribeirão Bonito, este vírus causa encurtamento dos internódios e conseqüente diminuição do porte normal das plantas. O vetor desta virose é o pulgão (aphis gossypii). O controle exige o uso de variedades resistentes e aplicação de inseticidas (CIA & MEHTA, 2001).
71
financeiros marcaram este período inicial (AGUIAR, 2001). O manejo utilizado seguia a
metodologia do tipo learning by failing, em que os produtores "pioneiros" buscavam in loco
alcançar o manejo correto da nova cultura, abandonando as práticas que falhavam e
selecionando aquelas que geravam resultados positivos. Uma rápida observação da oscilante
produção mato-grossense no período comprova os acertos e erros no manejo, onde a linha
tendencial da cotonicultura ora se apresentava positiva ora negativa.
No ano de 1993, os produtores rurais da região Sudeste de Mato Grosso criaram a
Fundação MT (Fundação de Apoio à Pesquisa Agropecuária de Mato Grosso), com o objetivo
de elevar e difundir os conhecimentos técnicos da agricultura e da pecuária no estado. A
cultura do algodão recebeu atenção especial, pois apesar da existência de uma cultivar
adaptada ao Cerrado, o estoque de informações sobre o manejo correto da lavoura
impossibilitava seu desenvolvimento. Utilizando como base de dados as experiências dos
chamados "pioneiros" do algodão, a Fundação MT celebrou convênio com o CNPA da
EMBRAPA, com o Instituto Agronômico de Campinas (IAC), o Instituto Agronômico do
Paraná (IAPAR), o Grupo Alpargatas Santista Têxtil e com os cotonicultores mato-grossenses
para criar o "Projeto de Desenvolvimento da Cultura do Algodão no Cerrado", com o objetivo
de realizar estudos sobre a viabilidade da cotonicultura no Cerrado, principalmente em relação
ao manejo da cultivar CNPA-ITA 9023 (FUNDAÇÃO MT, 1998).
A partir deste momento, o aprendizado dinâmico com a cultura do algodão em Mato
Grosso incorporou o conhecimento advindo do learning by failing ocorrido anteriormente e
passou a ser caracterizado como learning by searching, onde instituições de P&D seguiam
roteiros metodológicos baseados em métodos científicos já amplamente difundidos.
Apesar das diversas dificuldades e problemas enfrentados na cultura cotonícola de
Mato Grosso, o período compreendido entre 1990 e 1996 representou um importante
momento de acumulação de conhecimentos por parte dos agricultores pela simples execução
da atividade - o chamado learning by doing. Ademais, as informações resultaram em dados
reais para as instituições de pesquisa participantes do convênio firmado com a Fundação MT.
Estas buscaram encontrar o melhor manejo da cultura na região, catalogando a combinação
de insumos que poderia propiciar os melhores resultados relativos a época de plantio,
correção do solo, utilização de adubos e fertilizantes, manejo integrado de pragas (MIP),
colheita e destruição dos restos culturais (soqueira).
23 Cada cotonicultor associado da Fundação MT doava US$17,00 por hectare plantado para os programas de pesquisa encontrarem alternativas de controle da "doença azul" (JORNAL DIÁRIO DE CUIABÁ, 2001).
72
Já no ano de 1996, pode-se perceber o resultado do convênio entre a Fundação MT,
CNPA, IAC, IAPAR, Alpargatas e cotonicultores com a publicação do Boletim de Pesquisa
do Algodão n.º 1, onde a Fundação MT reuniu informações acerca do manejo da cotonicultura
em regiões de Cerrado (FUNDAÇÃO MT, 1996). Neste documento os produtores rurais
poderiam conhecer como controlar a "doença azul" e obter informações técnicas sobre todas
as fases do cultivo. Há, neste momento, uma clara difusão do conhecimento acumulado com o
manejo do algodão para todos os cotonicultores de Mato Grosso. Esta foi uma importante
medida para a elevação da produção de algodão naquele estado, apesar das condições
macroeconômicas adversas entre 1989 e 1997 para a cotonicultura brasileira, como visto
anteriormente.
A partir de 1996 a produção de algodão em Mato Grosso já apresentava condições
técnicas satisfatórias para se desenvolver. Entretanto, economicamente, ainda não se
constituía uma alternativa viável. Uma trajetória tecnológica e, portanto, um novo paradigma
tecnológico, se sobressai apenas quando enfrenta com sucesso os mecanismos econômicos de
seleção.
3.2 O Incentivo Fiscal do Governo do Estado e a Viabilidade Econômica
No biênio 1996-97, o Governo Federal buscou alternativas para recuperar toda a
agricultura nacional. Quatro principais medidas iriam impactar diretamente a cotonicultura:
i) promulgação da Lei Kandir; ii) promulgação da Lei de Proteção de Cultivares; iii) edição da
MP n.º 1569; e iv) elevação das alíquotas de importação de algodão em pluma. Essas medidas
dificultaram a manutenção do nível de importação de algodão, que em 1998 foram reduzidas
em 100 mil toneladas. Abriu-se a oportunidade de crescimento da produção interna para
lastrear a queda das importações.
A conjuntura favorável e a oportunidade de abastecer o mercado interno geraram
expectativas de alocação de recursos na cotonicultura brasileira. Todas as unidades
federativas que detinham recursos naturais e tecnologia poderiam desenvolver suas regiões
cotonícolas. Ademais, as regiões tradicionais - Nordeste, Sul e Sudeste - possuíam ampla
experiência no cultivo do algodão, uma vantagem considerável em se tratando de uma cultura
que requer habilidade e controle de todas as fases produtivas.
Destarte, na região Nordeste do Brasil, não havia possibilidade de forte expansão da
cultura em função da não erradicação do Bicudo do Algodoeiro (anthonomus grandis). Esse
73
inseto foi constatado pela primeira vez na região em 1983, em Campina Grande - PB.
Problemas de perda de produtividade, elevação dos gastos com inseticidas, questões
ambientais relativas a contaminação do solo e da água pelos inseticidas, surtos de pragas
secundárias e resistência das pragas aos inseticidas foram atribuídos diretamente à expansão
do Bicudo em toda a região nordestina [(DEGRANDE, 2000); (URBAN et al., 1995b)].
Apesar de sua enorme acumulação de conhecimento sobre a cultura e de sediar o Centro
Nacional de Pesquisa de Algodão (CNPA-EMBRAPA), o Nordeste não apresentou, naquele
momento histórico, condições de competir no mercado cotonícola nacional.
Nas regiões Sul e Sudeste, três estados se encontravam com potencial de elevarem sua
produção de algodão, São Paulo, Paraná e Minas Gerais. No início da década de 1990, os três
estados juntos produziam cerca de 75% do algodão brasileiro. Seu histórico recente os
credenciava para suprir a demanda interna. Contudo, já se verificava na região a existência do
Bicudo do Algodoeiro, que embora em menores proporções do que a ocorrida no Nordeste,
também gerava perdas de produtividade e qualidade do algodão. Além da praga do Bicudo,
três outros fatores dificultaram uma expansão mais vigorosa da produção na região. Em
primeiro lugar, uma grande fração do terreno da região é acidentado, impedindo ou reduzindo
o uso da mecanização no preparo do solo, do plantio, do manejo de pragas e da colheita
(URBAN et al., 1995a). Em segundo lugar, na região Sul-Sudeste os estabelecimentos entre
10 e 30 hectares predominam na cultura do algodão, indicando uma forte participação das
agricultura familiar. Em terceiro lugar, as precipitações pluviométricas na região são
distribuídas durante todos os meses do ano, principalmente no Paraná e em São Paulo, onde
chuvas e geadas são comuns no período da colheita (URBAN et al., 1995a).
A dificuldade de mecanização em função da topografia irregular e da pequena
dimensão das propriedades na região Sul-Sudeste impossibilitou a redução dos custos de mão-
de-obra, principalmente na colheita da pluma. O algodão colhido sob chuva possui padrão de
qualidade inferior ao colhido e acondicionado em dias secos. Esses três elementos conjugados
com a não erradicação da praga do Bicudo criaram expectativas negativas à expansão
vigorosa da cotonicultura nos estados de Minas Gerais, São Paulo e Paraná.
Por outro lado, a região Centro-Oeste apresentava vantagens se comparada às
tradicionais regiões cotonícolas: primeiro, pela ausência do Bicudo do Algodoeiro, devido à
recente introdução da cultura na região; segundo, pelo desenvolvimento de uma cultivar
adaptada ao clima do Cerrado e com características de plantio-colheita mecanizada; terceiro,
pela existência de extensas áreas planas, permitindo a total mecanização do processo
produtivo; quarto, pela concentração fundiária do Centro-Oeste, com a possibilidade de
74
elevação da escala de produção aliada à mecanização; quinto, pela regularidade climática do
Cerrado, com duas estações bem definidas, permitindo uma maior homogeneidade, maturação
e garantia de qualidades intrínsecas da fibra a nível internacional [(URBAN et al., 1995a);
(URBAN et al., 1995b)]; sexto, pela disponibilidade, a partir de 1996, de informações
técnicas sobre o manejo correto da cultivar CNPA-ITA 90 no Cerrado em quatro instituições
de pesquisa, IAC, IAPAR, CNPA-EMBRAPA e Fundação MT.
Assim, em função das variáveis apresentadas, a região Centro-Oeste representava a
melhor opção técnica para a retomada da produção de algodão dentro das fronteiras nacionais,
representando um pólo de atração.
Em função da proximidade com os centros consumidores e dos portos de exportação,
os estados de Mato Grosso do Sul e Goiás tenderiam naturalmente a desenvolver a
cotonicultura. Apesar da elevação mais vigorosa da produção nestes dois estados a partir de
1998 - com Goiás tornando-se o segundo maior produtor e Mato Grosso do Sul o terceiro
maior produtor nacional - Mato Grosso tornou-se o principal produtor brasileiro.
Uma das variáveis-chave a se analisar neste fenômeno é o Custo Operacional Total
(COT) que os empresários incorrem no processo produtivo. Como já dito, tecnicamente a
produção de algodão já poderia ter se elevado no ano de 1996 no Centro-Oeste. Contudo,
apenas em 1998 se concretizou a elevação da produção na região.
Os custos de produção dos estados produtores do Centro-Oeste podem ser visualizados
na Tabela 11. Percebe-se facilmente que em Goiás o custo de produção por arroba de algodão
se apresentou mais elevado. Em Mato Grosso o custo por hectare foi o mais alto, contudo o
COT por arroba de algodão mato-grossense permaneceu abaixo dos demais, em função direta
da excelente produtividade por hectare produzido. Mato Grosso do Sul apresentou o menor
COT por hectare, porém com uma produtividade muito mais baixa que em Mato Grosso,
sendo que o seu COT por arroba se manteve entre os extremos da região.
Tabela 11 - Custo Operacional Total (COT) por Arroba de Algodão Produzida nos Estados de Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul - Safra 2000.
Unidade Federativa Custo em R$/ha. Arrobas/ha. Custo/@
Goiás 1.581,05 175,4 R$ 9,01
Mato Grosso do Sul 1.483,93 175,9 R$ 8,44
Mato Grosso 1.984,55 259,4 R$ 7,65
Fonte: Melo Filho & Lemes, 2000; Fundação MT, 2001. Obs. COT sem incidência de ICMS.
75
Uma primeira conclusão indicaria uma vantagem competitiva de custo por parte do
algodão mato-grossense. Porém, não se pode analisar a dinâmica capitalista apenas pelo seu
custo, mas principalmente pela capacidade de acumulação de capital, que também está ligada
aos preços médios de venda, que resultam na Receita Bruta (RB). Segundo dados do IBGE, os
preços médios recebidos pelos produtores do Centro-Oeste podem ser visualizados na Tabela
12. Por incorrer em custo de transporte superiores, o algodão mato-grossense recebe um
deságio em relação aos outros dois estados produtores, onde o preço recebido pelos
produtores de Mato Grosso são menores para compensar o deslocamento do algodão do
centro produtor para o centro consumidor.
Tabela 12 - Receita Bruta (RB) por Arroba de Algodão Produzida nos Estados de Goiás, Mato Grosso
e Mato Grosso do Sul - Safra 2000. Unidade Federativa Receita em R$/ha. Arrobas/ha. Receita/@
Goiás 1.817,96 175,4 R$ 10,36
Mato Grosso do Sul 1.772,71 175,9 R$ 10,08
Mato Grosso 2.353,99 259,4 R$ 9,07
Fonte: IBGE - Produção Agrícola Municipal, 2002.
A melhor RB por arroba foi alcançada pelos produtores goianos, R$10,36. Como dito,
a RB dos produtores mato-grossenses foram as menores, R$9,07. Mais uma vez os produtores
sul-matogrossenses permaneceram entre os extremos, R$10,08. Com base no COT e na RB
dos três estados, pode-se calcular a Receita Líquida (RL) e a Margem Bruta (MB). A RL
indica a acumulação de capital em termos absolutos. A MB demonstra a capacidade de
acumulação em termos relativos.
Tabela 13 - Margem Bruta (MB) por Arroba de Algodão Produzida nos Estados de Goiás, Mato
Grosso e Mato Grosso do Sul - Safra 2000.
Unidade Federativa Receita Líquida/@ (RB-COT)
Em R$
Margem Bruta (RL/COT)
Em %
Mato Grosso do Sul 1,64 19,43
Mato Grosso 1,42 18,56
Goiás 1,35 14,98
Fonte: Estimada pelo autor com dados das Tabelas 11 e 12
Tanto a RL quanto a MB dos produtores goianos foram as menores observadas na
região Centro-Oeste. A RL em Mato Grosso do Sul alcançou R$1,64 por arroba de algodão
contra R$1,42 em Mato Grosso (Tabela 13). A MB aferida pelos produtores sul-
matogrossenses representou 19,43% de lucratividade, enquanto em Mato Grosso o índice foi
de 18,56%. Em Goiás, o índice foi de 14,98%.
76
Algumas conclusões iniciais podem ser discutidas. Apesar dos fatores objetivos que
credenciam toda a região Centro-Oeste a produzir algodão em melhores condições que as
demais regiões, há assimetrias dentro da própria área de expansão cotonícola. No estado de
Goiás, a cotonicultura encontrou dois grandes problemas que a impediram de expandir de
forma mais rápida - apesar da produção goiana ter crescido durante toda a década de 1990 em
uma trajetória linear e Goiás ser o 2.° maior produtor nacional. Primeiro, um forte ataque da
virose "doença azul" na safra de 1998, causada pela proliferação do vetor da doença, o pulgão.
Tanto a doença quanto o vetor não foram devidamente erradicados, permanecendo extensas
áreas contaminadas até a safra de 2000. Segundo, porque o controle da doença requer
elevados gastos com herbicidas, elevando os custos de produção. É exatamente neste ponto
que os produtores goianos apresentam desvantagens em relação aos outros dois estados do
Centro-Oeste (ALVES NETTO, 2000). Assim, a vantagem em receber um preço maior por
arroba de algodão é anulada pelos elevados custos de produção, onde a capacidade de
acumulação de capital em Goiás é inferior a Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
Nestas condições, apesar de haver uma clara oportunidade de mercado; o estado de
Goiás possuir uma boa infra-estrutura de transportes; e estar próximo aos centros
consumidores, o custo de produção elevado e a incapacidade dos produtores de erradicarem
uma doença que causa grandes perdas de qualidade do produto final, reduziram drasticamente
o potencial de elevação da produção naquele estado, perdendo uma ótima oportunidade de
crescimento do PIB regional.
Vislumbrando a real oportunidade de mercado e considerando a lógica maior do
sistema capitalista, as duas regiões que apresentavam as melhores condições objetivas de
acumulação de capital eram o estado de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Na região mato-
grossense havia uma vantagem absoluta de custo em relação aos eu estado vizinho do Sul.
Contudo, a observação do cálculo da Margem Bruta que iria determinar o principal locus de
expansão da atividade. E a região sul-matogrossense, que além de estar melhor integrada com
o eixo dinâmico da economia brasileira, apresentava uma maior capacidade de acumulação na
atividade cotonícola em relação a Mato Grosso.
Porém, Mato Grosso do Sul não conseguiu efetivar tais vantagens relativas e sua
cotonicultura se expandiu a taxas módicas se comparadas às observadas em Mato Grosso.
Este último estado sim, superando desvantagens de cunho estrutural - logística de transportes
e expectativa de lucros inferiores -, alcançou a maior elevação da produção de algodão
herbáceo do Brasil e em apenas quatro anos (1998-2001) consolidou sua posição de maior
77
produtor nacional. Como Mato Grosso conseguiu se diferenciar em meio a diversas
assimetrias? Aqui reside o busílis da argumentação.
Já se observava em Mato Grosso desde o início da década de 1990 a busca de um
desenvolvimento da cultura por parte de agentes locais. A ruptura tecnológica foi alcançada e
apesar de grandes dificuldades técnicas e econômicas, houve um período de aprendizagem e
geração de inovações no processo de produção por parte dos produtores mato-grossenses e de
instituições de P&D entre 1990 e 1996. A criação da Fundação MT em 1994 e o convênio de
pesquisa agronômica entre diversas instituições de P&D e empresariais garantiram um suporte
técnico para a expansão da cotonicultura baseada no conhecimento científico.
Contudo, resolvidos os problemas de ordem técnica, a atividade produtiva deveria se
apresentar viável do ponto de vista econômico. Como observado, o estado de Mato Grosso do
Sul apresentava importantes vantagens que naturalmente atrairiam a produção cotonícola para
a região. Seria, então, necessário criar vantagens em Mato Grosso para que ele se tornasse o
principal pólo atrator.
Com a clara intenção de atrair a produção de algodão para dentro de suas fronteiras, o
Governo do Estado de Mato Grosso editou a lei n.° 6.883, de 02 de junho de 1997, instituindo
o Programa de Incentivo à Cultura do Algodão de Mato Grosso (PROALMAT), que entre
outras medidas, reduziu a incidência do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
(ICMS) em até 75% ad valorem. O principal objetivo era garantir uma Margem Bruta
elevada, superando o potencial de acumulação de capital de outras regiões. Este instrumento
de política pública se baseou na elevação e garantia da lucratividade para os cotonicultores no
curto prazo, gerando excedentes líquidos para o fortalecimento econômico da classe produtiva
e abrindo amplas possibilidades de investimento em novas tecnologias.
Uma ressalva deve ser feita. O cálculo do COT realizado na Tabela 11 não incluía o
ICMS. Ele referia-se ao custo de produção "da porteira para dentro da fazenda". Contudo,
quando a comercialização da pluma se concretiza, o produtor deve recolher ao Estado o
ICMS, o que pode alterar significativamente o rol dos custos totais. De acordo com os dados
da Tabela 14, considerando os três estados do Centro-Oeste, o ICMS incidente para
comercialização era de 12% ad valorem em Goiás e Mato Grosso do Sul, e em Mato Grosso
de 17% ad valorem. Com a redução do imposto, a alíquota tributária incidente recuou para
4,75% ad valorem em Mato Grosso. Nesta nova situação, os incentivos fiscais em Mato
Grosso garantiram uma Margem Bruta quase três vezes superior à cotonicultura sul-
matogrossense. A lucratividade média em Mato Grosso, que era negativa em 1,30% antes do
PROALMAT, passou a ser de 12,95%, relativamente alta se comparada aos índices de 4,45%
78
de Mato Grosso do Sul e de 1,07% de Goiás. O PROALMAT elevou consideravelmente a
capacidade de acumulação dos cotonicultores mato-grossenses.
Com a expectativa positiva em relação à captação de lucros elevados, houve uma forte
adesão ao programa de incentivo do Governo Estadual. Logo em seu primeiro ano de
vigência, o PROALMAT contou com cinqüenta propriedades cadastradas, com média de
437,72 hectares cada unidade. Na Tabela 15 percebe-se uma forte elevação do n.° de lavouras
nos anos de 1999 e 2000 e também uma importante queda em 2001. A área plantada foi
expandida no biênio 1999-2000 e recuou no ano subsequente. Contudo, mais importante
observar é a tendência de aumento das áreas médias no triênio, que em 2001 foi de 675,00
hectares, sendo 237,28 hectares maior do que em 1998. Esta é uma clara indicação que a
cotonicultura passa a operar em uma crescente economia de escala, visando redução de custos
por arroba de algodão produzida.
Tabela 14 - Margem Bruta (MB) por Arroba de Algodão Produzida nos Estados de Goiás, Mato
Grosso e Mato Grosso do Sul, considerando a incidência de ICMS - Safra 2000.
Unidade Federativa COT
Em R$
RB
Em R$
ICMS*
Em R$
COT+ICMS
Em R$
RL**
Em R$
MB
Em %
Mato Grosso (I) 7,65 9,07 0,38 8,03 1,04 12,95
Mato Grosso do Sul 8,44 10,08 1,21 9,65 0,43 4,45
Goiás 9,01 10,36 1,24 10,25 0,11 1,07
Mato Grosso (II) 7,65 9,07 1,54 9,19 (0,12) (1,30)
Fonte: Elaborada pelo autor com dados das Tabelas 11 e 12. * O ICMS incide em 12% ad valorem sobre a Receita Bruta (RB) em Goiás e Mato Grosso do Sul. Em Mato Grosso, a alíquota antes do PROALMAT era de 17% ad valorem, passando a ser de 4,25% ad valorem, em média, a partir de 1998. ** RL=RB-(COT+ICMS) Obs. Mato Grosso (I) = produção com incentivos fiscais Mato Grosso (II) = produção sem incentivos fiscais
Tabela 15. Lavouras Cadastradas no PROALMAT (1998-2001) Ano N.° de Lavouras Área Plantada (ha.) Área Média (ha.)
1998 50 21.885,85 437,72
1999 369 183.109,63 496,23
2000 730 409.703,82 561,24
2001 400 270.000,00 675,00
Fonte: Pesquisa direta na Secretaria de Estado de Agricultura e Assuntos Fundiários de Mato Grosso (SAAF-MT)
Com base na Tabela 16, pode-se mensurar o impacto do PROALMAT nos lucros dos
cotonicultores mato-grossenses. A partir do cálculo da Receita Líquida (RL) - que
corresponde à Receita Bruta (RB) subtraído o Custo Operacional Total (COT) mais os
79
impostos (ICMS) -, pode-se verificar o lucro por hectare multiplicando RL pela produtividade
média de arrobas por hectare. Se já se conhece o lucro por hectare (RL), basta multiplicar este
valor pela área média do ano correspondente. O resultado final será o lucro médio por unidade
produtiva.
Tabela 16. Impacto do PROALMAT nos Lucros dos Cotonicultores - Safra 2000
Produção em MT COT+ICMS/@
Em R$
RB/@
Em R$
RL/@
Em R$ @/hectare
Área Média
Em ha.
Lucro Médio*
Em R$
Sem Incentivos 9,19 9,07 (0,12) 259,4 561,24 (17.470,28)
Com Incentivos 8,03 9,07 1,04 259,4 561,24 151.409,08
Fonte: Elaborada pelo autor com dados das Tabelas 14 e 15. * (Lucro Médio = RL/@ x @/hectare x Área Média) Não é de se estranhar tamanha elevação da produção cotonícola mato-grossense a
partir de 1998. O lucro de uma lavoura média, que seria negativo em aproximadamente 17,5
mil reais no ano de 2000, se elevou a 151,4 mil reais com o incentivo fiscal do Governo
Estadual. Do ponto de vista econômico, a partir da criação da política de incentivo em 1997, a
cotonicultura tornou-se uma excelente alternativa para a geração e captação de lucros
privados em Mato Grosso.
O resultado mais visível foi a elevação de forma exponencial a partir de 1998 tanto da
produção de algodão em caroço quanto do Valor Total da Produção (VTP) da cotonicultura
mato-grossense. Como já apresentado, a produção se elevou de 78 mil toneladas em 1997
para 1,25 milhão de toneladas em 2001. A expansão do VTP pode ser vista na Tabela 17,
passando de apenas 39,7 milhões de reais em 1997 para 606,7 milhões de reais em 2000, uma
elevação de 1.428% em três anos.
Tabela 17. Produção de Algodão, Preços Médios e Valor da Produção da Cotonicultura de Mato Grosso (1994-2000)
Anos 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000
Produção (t.) 91.828 87.458 73.553 78.376 271.038 630.406 1.002.836
Preço em R$/@ 5,38 5,37 5,55 7,60 7,80 9,03 9,07
Valor da Produção
(R$1.000,00) 32.955 31.331 27.210 39.713 140.901 379.478 606.770
Fonte: IBGE - Produção Agrícola Municipal, 2002.
Não se pretende afirmar que a cotonicultura se expandiu em Mato Grosso apenas em
função dos incentivos fiscais. Os agentes privados vinham buscando alternativas tecnológicas
para tornar a cultura viável do ponto de vista da acumulação de capital. Contudo, o Governo
80
regional vislumbrou uma excelente oportunidade para acelerar o processo. O Governo
Estadual não criou a oportunidade de demanda de mercado, muito menos se envolveu em
questões técnicas de produção e não participou da ruptura tecnológica alcançada pelos agentes
locais. Naturalmente a cotonicultura estava se expandindo na região e provavelmente
alcançaria uma relativa participação no agro mato-grossense, como observado na expansão
linear da cultura em Goiás e Mato Grosso do Sul. O incentivo fiscal do Governo Estadual
apenas acelerou o processo que já estava em marcha. Houve, na verdade, uma potencialização
do que já estava sendo buscado pela iniciativa privada desde 1989.
Pode se perceber uma clara inversão no modo de planejar do Governo Regional. Ao
contrário do planejamento de "cima para baixo", onde a tecnoburocracia define quais setores
ou atividades-chave devam ser incentivadas, normalmente via observação de uma Matriz
Insumo-Produto Neoclássica, o planejamento regional seguiu o caminho de "baixo para
cima". O mercado e os agentes locais definiram as suas vocações produtivas, cabendo ao
Governo potencializar o processo em curso. Conforme Galvão, quando os incentivos
governamentais se orientam para as atividades identificadas com o ambiente local, há um
efeito mais duradouro sobre a capacidade de geração de emprego, crescimento econômico e
geração de linkages sobre outras atividades econômicas locais e regionais (GALVÃO, 2001).
Esta posição do Governo de Mato Grosso está em conformidade com as novas
premissas do crescimento e desenvolvimento econômico regionais, onde o novo papel do
estado federado tem sido a não participação direta na evolução da renda regional, mas a
indução do seu crescimento com ações sinérgicas para com os agentes produtivos. Não é mais
seu papel decidir as vocações de sua região, mas sim colaborar para que as vocações
alcancem resultados positivos em um ambiente globalizado e competitivo.
3.3 A Geração e a Difusão de Tecnologia Endógenas
Superadas as dificuldades de equilíbrio econômico para a cultura, uma expansão
vigorosa e efetiva dependeria da difusão dos conhecimentos científicos acumulados sobre o
manejo do algodão em regiões de Cerrado. Como os incentivos do PROALMAT somente
seriam atribuídos ao algodão que apresentasse características intrínsecas de qualidade
internacional, a simples elevação da produção não garantiria aos produtores o benefício da
redução dos impostos. Seria necessário, portanto, que todos os agentes produtivos tivessem
acesso ao conhecimento e às informações do melhor manejo cultural para alcançarem um
81
produto de alta qualidade. Além disso, em uma visão de longo prazo, a busca da eficiência
técnica e econômica para a produção mato-grossense poderia representar vantagens
competitivas dinâmicas relacionadas a preços e diferenciação do produto. Assim, um amplo
programa de difusão de P&D foi posto em prática a partir de 1998, com o objetivo tácito de
treinar os produtores rurais para alcançarem a excelência do manejo do algodão na região,
principalmente em relação à cultivar CNPA-ITA 90.
Tabela 18 - Ações de Difusão e Transferência de Tecnologia Cotonícola em Mato Grosso -
Dias de Campo (1995-2002) Ano N.° de Eventos Instituições Envolvidas Público
1995 01 Fundação MT & EMBRAPA 100
1996 03 Fundação MT & EMBRAPA 400
1997 06 Fundação MT & EMBRAPA 605
1998 06 Fundação MT & EMBRAPA 1.020
1999 03 Fundação MT & EMBRAPA 2.981
2000 08 Fundação MT & EMBRAPA 1.050
2001 08 Fundação MT & EMBRAPA 1.015
2001 08 EMBRAPA, FETAGRI, EMPAER, FUNDAPER, IPA-PARECIS,
SEBRAE, FACUAL e Secretarias Municipais de Agricultura 2.169
2002 02 EMBRAPA, Fundação CO e Sementes Balu 414
2002 04 EMBRAPA, FETAGRI, EMPAER, FUNDAPER, FACUAL e Secretarias
Municipais de Agricultura 172
Fonte: FUNDAÇÃO MT, 2001 e pesquisa direta na FUNDAPER.
As ações de difusão de tecnologia para a cotonicultura não foram criadas pelo
PROALMAT. Essas já ocorriam desde o convênio entre Fundação MT & EMBRAPA. O que
se buscou foi o aumento do número de pessoas treinadas para que o conhecimento sobre o
cultura se difundisse por toda a região. A metodologia utilizada abrangia três tipos de ações: i)
Dias de Campo; ii) Reuniões Técnicas; e iii) Palestras Técnicas.
Há uma importante elevação, a partir de 1997, das ações de difusão de P&D e do
número de participantes em treinamento, o que comprova a dispersão da informação por todo
o setor produtivo (vide Tabelas 18, 19, 20 e 21). Até o ano de 1998, apenas a EMBRAPA e a
Fundação MT realizaram os eventos. A partir de 1999, a FETAGRI (Federação dos
Trabalhadores na Agricultura de Mato Grosso), a EMPAER (Empresa Mato-grossense de
Pesquisa e Extensão Rural), e diversas Secretarias Municipais de Agricultura passaram a se
engajar no processo de transferência de conhecimento e tecnologia para os produtores rurais.
Em 2001, também ingressaram no esforço de capacitação tecnológica a FUNDAPER
(Fundação de Apoio a Pesquisa e Extensão Rural), o SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio a
82
Pequena e Média Empresa), o FACUAL (Fundo de Apoio a Cultura do Algodão), o IPA-
PARECIS (Instituto de Pesquisa Agroambiental do Parecis) e a Fundação Rio Verde
(Fundação de Apoio a Pesquisa e Desenvolvimento Integrado Rio Verde) . Em 2002 a
Fundação Centro-Oeste (Fundação Centro-Oeste de Pesquisa) também passa a integrar o
circuito de difusão de P&D, fortalecendo ainda mais a rede institucional envolvida com o
esforço de capacitação tecnológica e organizacional dos produtores de algodão em Mato
Grosso.
Tabela 19 - Ações de Difusão e Transferência de Tecnologia Cotonícola em Mato Grosso - Reuniões
Técnicas (1995-2001) Ano N.° de Eventos Instituições Envolvidas Público
1995 01 Fundação MT & EMBRAPA 100
1996 01 Fundação MT & EMBRAPA 200
1997 01 Fundação MT & EMBRAPA 605
1998 03 Fundação MT & EMBRAPA 2.010
1999 03 Fundação MT & EMBRAPA 1.020
2000 03 Fundação MT & EMBRAPA 612
2001 03 Fundação MT & EMBRAPA 610
2001 03 Fundação MT, FETAGRI, EMPAER e Secretarias Municipais de
Agricultura 151
Fonte: FUNDAÇÃO MT, 2001.
Tabela 20 - Ações de Difusão e Transferência de Tecnologia Cotonícola em Mato Grosso - Palestras
Técnicas (1995-2001) Ano N.° de Eventos Instituições Envolvidas Público
1995 04 Fundação MT & EMBRAPA 100
1996 12 Fundação MT & EMBRAPA 400
1997 24 Fundação MT & EMBRAPA 605
1998 24 Fundação MT & EMBRAPA 850
1999 12 Fundação MT & EMBRAPA 1.020
2000 32 Fundação MT & EMBRAPA 1.050
2001 32 Fundação MT & EMBRAPA 1.005
Fonte: FUNDAÇÃO MT, 2001.
Pode-se perceber que o biênio 1998-99 representou um importante marco, dado a
elevada participação do setor produtivo nos eventos de difusão de P&D sobre o manejo
correto da cultivar CNPA-ITA 90 no Cerrado mato-grossense. Interessante notar a estratégica
participação das instituições de P&D, que além de gerarem conhecimento especializado para a
região, transferiram as técnicas produtivas para os agentes que estão diretamente engajados na
produção. Além disso, das seis instituições de P&D que desenvolvem projetos de pesquisa
83
cotonícola em Mato Grosso, apenas e EMBRAPA não foi criada por agentes locais. Tanto a
Fundação MT quanto o IPA-PARECIS, a Fundação Rio Verde e a Fundação Centro-Oeste
foram criadas pelos produtores rurais sediados no estado. A FUNDAPER foi criada pelos
funcionários públicos ligados a EMPAER, um empresa pública mato-grossense.
Tabela 21 - Ações de Difusão e Transferência de Tecnologia Cotonícola em Mato Grosso - Outras Formas de Difusão de Informação (1995-2001)
Ano Ação Instituições Envolvidas Público
1998 I Congresso Brasileiro de
Algodão
FACUAL, Fundação MT, EMBRAPA e Governo do
Estado de Mato Grosso 650
1998 Tecnocampo 98 Fundação MT & EMBRAPA 6.300
1998 Curso de Doenças do
Algodoeiro Fundação MT & EMBRAPA 510
1999 II Congresso Brasileiro de
Algodão
FACUAL, Fundação MT, EMBRAPA, EMPAER,
FUNDAPER e Governo do Estado de Mato Grosso 1.200
1999 Seminário sobre Percevejo
Castanho Fundação MT & EMBRAPA 200
1999 Seminário sobre Mercados
Futuros do Algodão Fundação MT & EMBRAPA 210
2000
III Congresso Brasileiro de
Algodão e VI Congresso
Internacional de Algodão
FACUAL, Fundação MT, EMBRAPA, EMPAER,
FUNDAPER e Governo do Estado de Mato Grosso 2.150
Fonte: FUNDAÇÃO MT, 2001.
Estas constatações comprovam uma forte ligação institucional entre a produção e a
geração de conhecimento, permitindo a criação de externalidades positivas advindas da
proximidade e da confiança entre os agentes, conferindo um grau elevado de
comprometimento entre as instituições, onde a cooperação, troca de informações e a
aprendizagem coletiva reforça os laços institucionais e promove o fortalecimento do tecido
institucional local.
Essa forma endógena de gerar P&D garante uma importante ferramenta para a
cotonicultura mato-grossense, na medida que o conhecimento acumulado não está fora do
processo produtivo, mas ao contrário, participa ativamente na resolução dos problemas
enfrentados pelos produtores. A tecnologia gerada é adaptada às características locais. As
pequenas diferenças de clima e solo entre as regiões de Mato Grosso geram pequenas
alterações no manejo da cultura. Contudo, a descoberta da necessidade de alterações, mesmo
que ínfimas no manejo, garantem elevadas produtividades em todo o estado, além da alta
qualidade da fibra. Assim, na cotonicultura mato-grossense não há a simples aceitação de
84
pacotes tecnológicos gerados em outras regiões. Há a efetiva geração e adaptação do
conhecimento às características microrregionais.
E são os próprios produtores locais que garantem os recursos físicos e financeiros para
a efetiva consolidação dos programas de pesquisa na região. Trazendo para dentro do arranjo
produtivo a geração de P&D, os cotonicultores invertem o paradigma anterior de geração de
tecnologia agrícola no Brasil, baseada em instituições públicas como EMBRAPA, IAC e
IAPAR. Neste caso específico, a iniciativa privada se tornou proativa, reconhecendo a
importância de se manter próximo à fronteira tecnológica e assumiu a responsabilidade de
garantir a eficiência na busca de novas tecnologias. Para se manter competitivo em um
mercado globalizado, o investimento em P&D obrigatoriamente passa a ser endógeno em
qualquer atividade econômica e os cotonicultores de Mato Grosso estão buscando esta
trajetória.
Assim, a produção de conhecimento endógeno e a difusão do conhecimento para os
agentes produtivos locais garantiram efetivamente uma constante melhoria do manejo do
algodão em todo o estado. Esta melhoria pode ser aferida pela elevação do padrão de
qualidade da fibra. A fibra do tipo 6 padrão, que possui qualidades intrínsecas de nível
internacional, se elevou de pouco mais de 20 mil toneladas em 1997 para 342 mil toneladas
em 2001. Nesta última safra, mais de 73% da produção cotonícola mato-grossense foi
classificada como do tipo 6 padrão para melhor, confirmando o excelente resultado da difusão
de tecnologia.
Esta elevação do padrão de qualidade pode ser o resultado direto das externalidades
positivas advindas da cooperação entre as instituições de P&D e os produtores rurais, além da
difusão do conhecimento por todo o arranjo produtivo, que tem garantido o "saber fazer" aos
agentes locais. Esta situação permite alcançar resultados de excelência, que garante
diferenciação do produto em um mercado competitivo.
A junção das vantagens absolutas de custo de produção (Tabela 11, p. 71) com a
qualidade intrínseca superior da fibra mato-grossense (Tabela 22, p. 82) geraram duas
importantes vantagens competitivas para a produção cotonícola daquele estado: i) vantagens
competitivas de custo; e ii) vantagens competitivas de diferenciação do produto. As vantagens
competitivas do algodão mato-grossense garantiram o suprimento de oferta para a indústria
nacional nas mesmas condições de qualidade e preço do algodão que foi importado no
período entre 1989 e 1997. Contudo, além do efeito-substituição, onde o algodão brasileiro
deslocou o algodão importado do mercado nacional, a competitividade do algodão mato-
85
grossense pode ser melhor percebida com a crescente inserção do algodão brasileiro no
mercado internacional a partir de 1999.
Em um ambiente globalizado, onde diversas nações competem simultaneamente na
garantia e na abertura de mercados, e onde a principal nação exportadora de algodão - os EUA
- se utilizam amplamente da política de subsídios, a elevação das exportações pode indicar
melhor eficiência técnica (qualidade), econômica (custo), ou ambas. É interessante perceber
que, do total exportado pelo Brasil no triênio 1999-2001 - 154 mil toneladas -, o algodão
produzido em Mato Grosso representou 52%, ou seja, 79,5 mil toneladas. Desta forma, o
algodão mato-grossense está conseguindo abrir os mercados internacionais para a produção
cotonícola brasileira, reconduzindo o Brasil ao grupo de países exportadores.
Tabela 22. Classificação da Fibra de Algodão de Alta Qualidade Produzida em Mato Grosso
(1997-2001) - em toneladas Ano Produção (toneladas) 1997 20.687,79 1998 83.319,15 1999 168.605,87 2000 201.906,88 2001 341.799,00
Fonte: INDEA, 2001.
Tabela 23. Volume Exportado e Receita de Exportação de Algodão de Mato Grosso (1998-2001)
1996 1997 1998 1999 2000 2001
Volume Exportado (mil ton.) 0 0 0 2,0 13,1 64,4
Receita de Exportação (US$) 0 0 0 2.477.598,00 15.212.270,00 65.688.794,00
Fonte: SECEX - MDIC, 2002; Batista, 2002.
A inserção do algodão mato-grossense no mercado internacional não pode ser vista
como o simples resultado da redução de impostos via Lei Kandir e das desvalorização
cambial ocorrida em janeiro de 1999. Há, na verdade, a construção de vantagens competitivas
de custo e de diferenciação de produto, que estão ligadas a diversos fatores, tais como a
inovação tecnológica no início da década de 1990 - a nova cultivar CNPA-ITA 90. O acúmulo
do conhecimento e a aprendizagem tanto na execução da atividade, tanto quanto pelas falhas e
pela pesquisa científica - gerando competências na produção. O incentivo fiscal ora discutido
- PROALMAT -, que permitiu uma vantagem absoluta de custo aos agentes produtivos. E a
difusão da informação por todo o sistema, reduzindo os custos de produção, elevando a
qualidade do produto e alterando a função de produção, que passou a contar com a variável
"conhecimento". Ademais, as externalidades advindas destes processos agiram de forma
86
sinérgica com a organização institucional dos cotonicultores, formando um arranjo produtivo
com variados linkages forwards e backwards, onde se formou um ambiente propício ao
desenvolvimento endógeno da cotonicultura.
3.4 A Organização Institucional dos Cotonicultores
Até aqui discutiu-se o ambiente técnico e econômico prevalecentes na expansão da
cotonicultura em Mato Grosso na década de 1990. No entanto, há uma organização
institucional dos produtores de algodão que tem se apresentado como importante fator de
aglutinação da classe em ações para a elevação da eficiência coletiva, com a tendência da
formação de uma rede flexível de firmas - networks. Atualmente existem quatro instituições de representação empresarial em Mato Grosso.
Na região Sudeste do estado - que produz 50% do algodão - a UNICOTTON (Cooperativa
dos Produtores de Algodão do Sudeste de Mato Grosso Ltda.) congrega os cotonicultores
daquela região desde 1998. Na região Norte do estado - que produz 40% do algodão - a
CIAPAR (Companhia Agrícola do Parecis), criada em 1989 e o Condomínio Marechal
Rondon, criado em 1991, garantem a representação institucional dos cotonicultores da região
Setentrional de Mato Grosso. E, por fim, a AMPA (Associação Mato-grossense dos
Produtores de Algodão) é a instituição empresarial maior, que reúne as três representações
microrregionais dos cotonicultores, com atuação desde 1996.
Apenas a criação de associações e cooperativas não garante a superação dos
problemas. Mas, no caso específico dos produtores de algodão de Mato Grosso, se percebe
um esforço para a melhoria das condições técnicas e econômicas de todos os produtores
associados.
Como a fibra do algodão tem características de commodity, o algodão regional deve
apresentar uma certa homogeneidade, condizente com o nível de qualidade internacional.
Neste sentido, todos os agentes devem estar engajados em alcançar a excelência na qualidade
a custos compatíveis, pois se uma fração da produção apresentar baixos níveis de qualidade,
toda a safra da região poderá ser penalizada pelo mercado internacional. A produção deixa de
pertencer ao agente "a" ou "b". Passa a ser vista como a produção de "Mato Grosso". Assim,
há um elevado grau de interdependência e complementaridade entre os produtores regionais,
criando um novo paradigma para o setor produtivo, onde a ação coletiva pode se configurar
como uma estratégia muito mais eficiente do que a concorrência entre os agentes locais.
87
Em Mato Grosso, há um grupo de cotonicultores que produzem algodão em um padrão
similar ao encontrado nos países mais avançadas tecnologicamente. Contudo, sua produção é
incapaz de abastecer todo o mercado consumidor, tanto a nível nacional quanto internacional.
De certo modo, há uma interdependência entre esses produtores e aqueles que se encontram
mais distantes do padrão tecnológico mais avançado, pois os mercados demandam grandes
quantidades e as regiões especializadas devem garantir um farto abastecimento do produto
desejado. Assim, surge uma forma embrionária de capitalismo coletivo, onde a troca de
informações e a cooperação são ações derivadas do elevado grau de interdependência e
complementaridade entre os agentes. Este novo paradigma produtivo permite a geração de
externalidades positivas, que podem ser vistas no elevado graus de qualidade do algodão
observado na safra de 2001.
Para confirmar a criação de uma nova organização produtiva, baseada muito mais na
cooperação do que na competição entre os agentes, pode-se listar as principais ações das
instituições empresariais cotonícolas que tem sido observadas em Mato Grosso: i) rápida
difusão entre os associados das inovações técnicas sobre o manejo da cotonicultura no
Cerrado; ii) conscientização dos associados na importância de se manter programas de
geração de P&D; iii) classificação e certificação da fibra do algodão mato-grossense;
iv) incentivo à comercialização da safra via contratos futuros para minimizar oscilações de
mercado; v) representação e defesa dos interesses dos produtores associados junto aos
organismos públicos e privados, nacionais e internacionais, que se relacionam com a
cotonicultura; e vi) marketing institucional do algodão mato-grossense, visando abertura de
mercados nacionais e internacionais (AMPA, 2002).
A difusão entre os associados das inovações técnicas sobre o manejo da cotonicultura
no Cerrado visa garantir o acesso aos novos processos de produção e as características do
produto que o mercado deseja. Como a disputa por fatias de mercado implica no confronto
entre tecnologias, manter-se na fronteira tecnológica ou próximo dela tornou-se uma condição
sine qua non para os cotonicultores de Mato Grosso. Além disso, a dispersão da inovação e do
conhecimento por todo o Complexo Produtivo tem por objetivo o sucesso de todo o conjunto
regional e não de agentes individuais.
Um outro importante movimento que se verifica é o forte entrelaçamento entre as
instituições de representação empresarial e as instituições de P&D locais. Claro está que
ambas as instituições nasceram da ação dos empresários rurais locais. Assim, as tomadas de
decisão que ocorrem em ambas as instituições partem de um mesmo núcleo decisor.
Interessante notar que os cotonicultores criaram seu próprio programa de P&D, estruturados a
88
resolverem os problemas de sustentabilidade econômica e ambiental da cultura de algodão em
Mato Grosso. Desta forma, como o financiamento dos programas de pesquisa são realizados
pelos cotonicultores, os recursos somente serão investidos se existirem problemas reais que
ameacem a cultura do algodão no estado.
Dos cinco organismo de P&D criados em Mato Grosso, quatro foram ações diretas dos
empresários. Na região Sudeste do estado, a UNICOTTON mantém ligações diretas com a
Fundação MT e a Fundação Centro-Oeste. Há convênios de cooperação tecnológica e
financeira entre estas instituições. Seguindo a mesma lógica a Fundação Rio Verde e o IPA-
PARECIS, as duas instituições de P&D da região Norte, mantêm seus programas de pesquisa
atrelados aos interesses do Condomínio Marechal Rondon e do CIAPAR. Há uma clara
simbiose neste processo, onde as instituições empresarias mantêm efetivos fluxos financeiros
para as instituições de P&D e esperam destas fluxos efetivos de conhecimento especializado
sobre a cotonicultura, visando a elevação da produtividade, melhoria da qualidade da fibra e
redução de custos.
A classificação e a certificação da fibra do algodão para todos os produtores
associados, via métodos modernos de alta tecnologia - o método HVI24 -, garantem um selo de
qualidade regionalizado, o chamado "Mato Grosso Cotton Quality", que tem aceitação no
mercado internacional. Até o ano de 1998, a classificação da fibra era realizada visualmente
por um técnico especializado. Contudo, este método raramente refletia as reais características
da fibra do algodão, pois se baseava apenas nas características extrínsecas. A introdução, a
partir de 1999, do método HVI, capaz de classificar as características intrínsecas, garantiu a
classificação da fibra com um método internacional , aceito pelos mais exigentes mercados. O
resultado concreto desta ação coletiva foi a crescente credibilidade, tanto pelo produto final,
quanto pela metodologia de classificação utilizada em Mato Grosso, permitindo a abertura de
mercados externos.
Uma quarta ação coletiva observada em Mato Grosso é o incentivo, por parte das
instituições de representação empresarial, da comercialização de uma fração da safra antes da
colheita, reduzindo os elevados riscos envolvidos com a cultura do algodão. O convênio
realizado entre a AMPA e a Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F) de São Paulo tem
24 HVI (High Volume Instrument) é um equipamento de alta tecnologia que foi desenvolvido pela indústria têxtil dos EUA para eliminar os atritos entre as beneficiadoras e os produtores, pois a classificação da fibra era realizada por método visual e subjetivo. O HVI faz uma análise minuciosa das qualidades intrínsecas da fibra, possibilitando uma classificação detalhada do material, principalmente micronaire, comprimento, resistência, uniformidade, fibras curtas e fiabilidade. Duas grandes vantagens diretas do uso do HVI podem ser mencionadas: i) avaliação objetiva da qualidade da fibra; e ii) certificação da fibra em métodos aceitos pelo mercado internacional [(FERREIRA FILHO, 2001); (FMT, 2001)].
89
permitido, entre outras coisas, uma maior estabilidade de preços aos produtores com a
formalização de contratos futuros, garantindo novas formas de comercialização das safra e
redução da oscilação da receita bruta recebida pelos produtores.
Esta organização flexível da produção também ocorre em função das imperfeições no
mercado. Pleiteando a eliminação dos subsídios norte-americanos e europeus sobre o algodão,
com vistas a tornar a competição internacional baseada na eficiência técnica e econômica, o
conjunto dos cotonicultores de Mato Grosso impetrou uma ação junto à Organização Mundial
do Comércio (OMC), condenando a ajuda governamental daquelas países, solicitando a total
eliminação do subsídio agrícola e cobrando compensações financeiras. É claro que, para
agentes produtivos isolados, esta ação seria muito improvável. A luta pela defesa dos
interesses da classe, neste caso, foi possível graças à organização institucional existente.
Por fim, após alcançarem um relativo grau de organização e competitividade, os
agentes elevaram a produção de fibra para atenderem a demanda do mercado nacional. Uma
vez suprida tal demanda, os agentes produtivos passaram a visualizar a oportunidade de obter
cotas no mercado externo. Mais uma vez, a ação coletiva foi fundamental, ante os elevados
investimentos para abertura de mercados. A principal instituição empresarial, a AMPA,
formulou um amplo programa de marketing institucional, que se fundamenta principalmente
em três pontos: i) elevado padrão de qualidade de fibra, atestada pelo método HVI; ii) preços
competitivos; e iii) elevada magnitude as safra. As ações de marketing tem alcançado
resultados positivos, com a já apresentada elevação dos níveis exportação.
Em última instância, o que a AMPA, UNICOTTON, CIAPAR e Condomínio
Marechal Rondon visam com a ações discutidas é a credibilidade do mercado consumidor
para com o seu produto, credibilidade esta baseada na qualidade, oferta adequada, entrega no
prazo contratado e preço competitivo do algodão. Mas a credibilidade visada não é para o
agentes isolados, mas para todos os agentes produtivos de uma região específica, Mato
Grosso. O que esta ação institucional pretende, portanto, é diferenciar o seu produto de outras
regiões cotonícolas. Desta forma, relações de complementaridade, cooperação,
interdependência e troca de informações são elementos fundamentais para que o algodão de
Mato Grosso mantenha e amplie suas cotas de participação no mercado, via manutenção das
vantagens competitivas.
90
3.5 As Cinco Variáveis Endógenas Determinantes na Concentração da Cotonicultura em
Mato Grosso e o Efeito H
Muito se tem discutido sobre os elementos condicionantes que impulsionaram o
algodão para uma nova fronteira agrícola. Desde a praga do bicudo no Nordeste, passando
pelo relevo e clima irregular na região Sul-Sudeste, chegando até a pequena extensão das
áreas cultivadas tanto no Nordeste como no Sul. As dificuldades de elevação da escala de
produção e de adoção de equipamentos poupadores de mão-de-obra também foram fatores de
exclusão das regiões tradicionais na expansão cotonícola recente. Na "nova cotonicultura" no
Cerrado o clima é estável, a topografia é plana e a concentração fundiária garante importantes
economias de escala.
Pouco tem se falado da concentração da produção em uma única unidade federativa. O
Cerrado - com seu clima, solo e topografia - se estende do Centro-Oeste até as regiões Norte,
Nordeste e Sudeste. Assim, o que este trabalho procura apresentar não são respostas
superficiais, não se embasa nas variáveis naturais - o bioma Cerrado -, mas nos fatos
socialmente construídos. Acredita-se que as ações de grupos sociais endógenos localizados
em Mato Grosso é que permitiram a conhecida concentração da produção cotonícola .
O start point se deu em 1989 com uma ação isolada de um grupo empresarial local
conjuntamente com a EMBRAPA, gerando uma inovação tecnológica ao estilo
schumpeteriano. A ruptura tecnológica incorporada na cultivar CNPA-ITA 90 representou
uma inovação tanto do processo produtivo quanto uma inovação no produto final. Em um
segundo momento, o acúmulo de conhecimento e o aprendizado dinâmico sobre o manejo da
cultivar CNPA-ITA 90 - learning by doing e learning by failing - que ocorreu em Mato
Grosso entre 1990 e 1996 foi de uma importância estratégica, devido a seleção das melhores
técnicas e ações referentes ao manejo do algodão no Cerrado, conferindo ganhos em
produtividade e qualidade pelo conhecimento da trajetória mais eficiente.
A criação endógena de programas de pesquisa, a partir de 1994, com recursos físicos
e financeiros locais, permitiu a melhoria constante do manejo e da evolução técnica da cultura
adaptada não somente às mesorregiões, mas a cada microrregião de Mato Grosso. Esta
adaptação microrregional permitiu um manejo de excelência em todas as regiões cotonícolas
do estado, onde a produtividade alcançou níveis internacionais aliado à qualidade superior da
fibra.
A criação do estímulo fiscal em 1997, também uma ação endógena, permitiu a rápida
evolução e a estruturação da cultura em quatro anos, pois como visto, a acumulação de capital
91
que era negativa se tornou positiva e a um nível elevado, atraindo capitais produtivos. A
redução dos impostos seguiu duas direções: i) rebaixou os custos de produção e garantiu as
vantagens competitivas de custo para Mato Grosso; ii) como corolário da primeira, garantiu
lucros elevados para os cotonicultores mato-grossenses. Esta política de indução do
crescimento econômico por parte do Governo Regional potencializou o movimento de
formação do arranjo produtivo do algodão em poucos anos, fenômeno que poderia levar um
lapso de tempo muito maior para se concretizar, caso não existisse um esforço governamental.
Por fim, a organização institucional em redes de produtores garantiu uma estabilidade
da produção, sinalizando aos mercados consumidores o comprometimento do efetivo
abastecimento do produto final, com qualidade e preços competitivos, oriundos dos
programas de pesquisa e do incentivo fiscal. A cooperação entre os agentes permitiu também,
o florescimento de externalidades positivas na região, o que veio a minimizar possíveis efeitos
deletérios da competição acirrada entre produtores especializados concentrados
espacialmente.
Resumidamente, as cinco variáveis que indicam a concentração da produção
cotonícola em Mato Grosso podem ser: i) geração de inovação endógena; ii) acumulação de
conhecimento formal e tácito, ou seja, aprendizado dinâmico; iii) incentivos fiscais;
iv) difusão de tecnologia e informação; e v) organização institucional dos produtores.
Deve-se advertir que a ação destas variáveis não ocorreu de forma estanque e seguindo
uma seqüência lógica. A dinâmica ocorrida não pode ser separada a não ser por necessidade
didática. A geração de P&D não pode ser vista como um único momento - a criação da
CNPA-ITA 90 -, pois as instituições de P&D continuaram trabalhando na seleção das
melhores técnicas de manejo e em novas cultivares resistentes a pragas e doenças. Inclusive,
os investimentos em P&D são agora mais efetivos do que no início do processo de expansão.
Ter abordado por último a questão da ação institucional, não quer dizer que foi a
derradeira ação empreendida, pois esta se remete ao início dos anos 1990, embora tenha se
fortalecido a partir de 1998, com a renúncia fiscal, que garantiu a elevação de recursos
financeiros em poder dos cotonicultores. A organização institucional garantiu a criação de
novos programas de P&D e o fortalecimento dos antigos programas. A geração de
conhecimento científico pelas instituições de P&D permitiu a elevação da produção e o
fortalecimento da organização institucional. A renúncia fiscal possibilitou a geração de lucros
elevados, que refletiu diretamente em uma maior ação institucional e o acréscimo dos
recursos para os programas de P&D. Com uma organização institucional mais efetiva, as
atividades de difusão da tecnologia e do conhecimento por todo o arranjo produtivo foram
92
incrementadas. A maior produção cotonícola elevou o PIB regional e, portanto, a base de
tributação direta e indireta, fortalecendo as finanças públicas e gerando expectativas de
manutenção dos programas de renúncia fiscal. Enfim, as variáveis agiram e continuam a agir
de forma dinâmica e entrelaçadas, o que pode configurar o Efeito H na cotonicultura de Mato
Grosso, onde uma variável age sobre outras que remetem sua ação à primeira, fortalecendo
todo o arranjo. A rigor, se verifica um ambiente institucional propício à expansão da
cotonicultura alicerçada nas ações da iniciativa privada, do Governo e das instituições de
P&D. O Efeito H parece ser visível pela elevação da acumulação capitalista calcada em
diversas ações dos agentes locais, permitindo um ambiente favorável à captação dos
excedentes gerados localmente e a atração dos excedentes de outras regiões.
93
CAPÍTULO 4
AÇÕES DE AGENTES ENDÓGENOS E OS DESAFIOS FUTUROS DA
COTONICULTURA EM MATO GROSSO
"Os países em desenvolvimento têm duas opções: a ciência ou a miséria." (Bernardo Houssay)
4.1 A Ação Conjunta do Governo, da Iniciativa Privada e das Instituições de Pesquisa
Para evitar um possível deslocamento da cotonicultura de Mato Grosso para outras
regiões - o que já ocorreu das regiões tradicionais para o Centro-Oeste brasileiro -, tem se
verificado ações conjuntas de agentes endógenos para garantir a permanência da cultura
naquela unidade federativa. Para os cotonicultores, um possível deslocamento representaria a
eliminação de um excelente locus de investimento produtivo e acumulação de capital. Para as
instituições de P&D, o resultado provável seria a redução ou total ruptura dos fluxos de
recursos para os programas de pesquisa. Para o Governo do Estado, o deslocamento reduziria
a renda local, elevaria o desemprego no campo e na cidade e a receita tributária indireta
sofreria um considerável impacto negativo.
Todos os agentes tem buscado a resolução de problemas, muitas vezes com acordos
explícitos de cooperação em busca dos objetivos, que em última instância, são comuns. Para
induzir a instalação de indústrias e atrair novos investimentos produtivos, a iniciativa privada
e o Governo Regional criaram métodos de divulgação da marca "Mato Grosso" no país e no
exterior. A abertura de novos mercados consumidores contou com a participação das
instituições empresarias e com o Governo do Estado. As tentativas de encontrar uma nova
trajetória tecnológica para a cotonicultura conta com os programas de pesquisa das
instituições de P&D e do esforço dos produtores rurais para manter a cotonicultura mato-
grossense na fronteira tecnológica. Há, com certeza, a formação de um tecido institucional
forte, capaz de elevar a confiança entre os agentes e permitir a busca conjunta da superação
dos desafios impostos pelo mercado.
94
4.2 As Ações do Governo do Estado de Mato Grosso e da Iniciativa Privada
O Governo do Estado de Mato Grosso, que encerrou seu mandato em 31/dez/2002,
teve como seu governador o Sr. Dante Martins de Oliveira. Este Governo gerenciou a
administração pública durante dois mandatos (oito anos), 1995-98 e 1999-2002. Durante este
período, o Governo buscou incentivar diversas cadeias produtivas que já estivessem se
estruturando no estado, fornecendo infra-estrutura e redução de impostos. Contudo, os
incentivos à produção não foram as ações prioritárias do primeiro mandato. Isto porque a
situação fiscal e orçamentária do Estado de Mato Grosso no início de 1995 era extremamente
delicada, pois o quadro era de déficit fiscal crônico, com receita incapaz de suportar as
despesas correntes da Administração Direta e dos outros poderes. A isso se somava a situação
deficitária de diversas empresas públicas estaduais25, cujas dívidas se encontravam em fase de
cobrança judicial (ALBANO, 2001). Este quadro de calamidade impossibilitava uma maior
atitude do Governo em relação ao desenvolvimento regional. Na perspectiva do
desenvolvimento endógeno, o Governo de Mato Grosso deveria adotar uma nova postura em
relação ao financiamento dos gastos, à administração dos recursos e os incentivos à produção.
Para reverter a situação desfavorável, a adoção de medidas emergenciais tornou-se
necessária ao novo Governo. A primeira decisão para o ajuste das contas públicas foi o
desligamento de aproximadamente dez mil funcionários que haviam sido contratados em
administrações anteriores sem concurso público. A segunda ação foi a liquidação de quatro
empresas públicas deficitárias: BEMAT S/A, CODEMAT, COHAB-MT e CASEMAT. O
terceiro passo foi a municipalização da SANEMAT S/A, onde sem deixar de atender a
população, o Estado transferiu às prefeituras a gerência do sistema de distribuição de água.
Somente com estas decisões, o Governo do Estado foi capaz de negociar dívidas de curto
prazo da ordem de R$680 milhões e parcelar esta dívida para pagamento em trinta anos
[(ALBANO, 2001); (SICM, 2002)].
Para Válter Albano (ALBANO, 2001), naquele momento de total descontrole fiscal26,
liberar o Estado do pesado ônus de manter empresas deficitárias já poderia ser considerado
um grande avanço. Porém, o Governo também deveria ter o importante papel de articulador
25 As principais eram: BEMAT S/A (Banco do Estado de Mato Grosso S/A); CODEMAT (Companhia de Desenvolvimento de Mato Grosso); COHAB - MT (Companhia de Habitação de Mato Grosso); CASEMAT (Companhia de Armazenagem e Silos de Mato Grosso); SANEMAT S/A ( Companhia de Saneamento de Mato Grosso S/A); e CEMAT S/A (Centrais Elétricas Mato-grossenses S/A) (ALBANO, 2001). 26 No ano fiscal de 1994, para cada R$100 arrecadado, o Estado gastou R$158 para a manutenção da máquina pública e pagamento das dívidas, um situação de insolvência fiscal no longo prazo (ALBANO, 2001).
95
do processo de desenvolvimento, criando condições legais, estruturais e instrumentais para a
implantação de projetos de criação de emprego e renda, o que, consequentemente, poderia
aumentar o Produto Interno Bruto do Estado e a receita tributária do Governo Estadual,
reduzindo o déficit público. Ou seja, não bastaria apenas cortar custos e enxugar a máquina
pública, mas a economia regional deveria crescer para a receita fiscal também acompanhar
esta dinâmica.
Alguns passos haviam sido dados rumo à modernização do Estado e ao equilíbrio
fiscal. Entretanto, um dos históricos entraves para o crescimento da economia mato-grossense
se encontrava na geração e transmissão de energia elétrica. Mato Grosso sempre foi um
importador líquido de energia e qualquer elevação do consumo ou oscilação de carga no
fornecimento implicava em constantes interrupções de fornecimento. Havia, portanto, uma
grave deficiência na oferta de um insumo estratégico para o crescimento industrial.
A débil situação econômica e financeira da CEMAT S/A impossibilitava a alocação de
recursos para projetos de geração e transmissão de energia de qualidade e sem interrupções.
Para o Governo do Estado, repassar a CEMAT S/A para a iniciativa privada resolveria dois
grandes problemas: i) redução da dívida pública; e ii) novos investimento no setor elétrico.
Assim, em 1997, a empresa foi privatizada e o Governo recebeu o valor líquido de R$176
milhões pela venda da empresa.
Desta forma, a privatização da companhia energética representou muito mais do que o
simples ingresso de recursos e a dissolução das dívidas. Significou, a rigor, a perspectiva
concreta de solução para a crise energética, mediante o compromisso assumido pelo Grupo
Rede S/A - o vencedor do leilão - de realizar novos investimentos e atrair a atenção de
investidores externos (ALBANO, 2001).
No período pós-1998 observou-se um importante movimento do investimento privado
em Mato Grosso, onde o Grupo Rede concentrou seus esforços na melhoria da distribuição
aos consumidores, modernizando linhas de transmissão e construindo subestações de energia.
Outrossim, avaliando uma nova situação - em que o setor privado passou a determinar o
processo de expansão do setor energético - demais grupos se envolveram na construção de
termelétricas e hidrelétricas para a geração de energia, com o objetivo de vendê-la ao Grupo
Rede, a despeito do enorme déficit energético ainda verificado em Mato Grosso. Na Tabela
24, pode-se verificar os recentes investimentos realizados ou em realização no setor elétrico
de Mato Grosso, do Grupo Rede S/A, de um grupo norte-americano, Enron Corporation, e de
diversos consórcios nacionais, que passaram a se constituir em Produtores Independentes de
Energia (PIE).
96
Tabela 24. Fornecimento de Infra-estrutura de Energia Elétrica Para o Setor Produtivo - Investimentos Públicos e Privados - 1998-2002
Agente Responsável Valor Investido Natureza do Capital
Obras Realizadas ou em Realização
Grupo Rede Cemat S/A R$ 200 milhões Privado Expansão e modernização do sistema de
transmissão e distribuição de energia elétrica
Enron Corporation US$ 570 milhões Privado
1. Construção da Usina Termelétrica Cuiabá I, com capacidade de geração de 480 Mw de energia
elétrica
2. Construção de 630 quilômetros de gasoduto interligando San José na Bolívia a Cuiabá no Mato
Grosso
3. Construção da Usina Cuiabá II, com capacidade de geração de 480 Mw de energia elétrica
Consórcio APM: Eletronorte S/A & Furnas S/A R$ 430 milhões Público e Privado
Construção da Usina Hidroelétrica de Manso, com capacidade de geração de 210 Mw de energia
elétrica
Consórcio Itiquira: Triunfo Agropecuária S.A &
Inepar Energia S.A. R$ 263 milhões Privado
1. Construção da Usina Hidroelétrica de Itiquira I, com capacidade de geração de 156 Mw de energia
elétrica
2. Construção da Usina Hidroelétrica de Itiquira II, com capacidade de geração de 95 Mw de energia
elétrica
Consórcio Guaporé: Miner. Santa Elina S.A & Caiuá
Serviços de Eletricidade S.A
R$ 126 milhões Privado
Construção da Usina Hidroelétrica de Guaporé, com capacidade de geração de 120 Mw de energia
elétrica
Consórcio Jauru: Cinco Estrelas Agropecuária e Participações Ltda. & Queiroz
Galvão Energética S.A
R$ 147 milhões Privado Construção da Usina Hidroelétrica de Jauru, com
capacidade de geração de 110 Mw de energia elétrica
Consórcio Ponte de Pedra: Inepar Energia S.A; Servix
Engenharia S.A; Cigla S.A & Constran S.A
R$ 190 milhões Privado Construção da Usina Hidroelétrica de Ponte de
Pedra, com capacidade de geração de 176 Mw de energia elétrica
Fonte: ANEEL, 2002.
A partir de 1999, com o funcionamento da primeira turbina da Termelétrica Cuiabá I -
da Enron Corporation - e com os investimentos realizados na transmissão e distribuição, o
fornecimento de energia elétrica por parte do Grupo Rede passou a ser mais confiável, sem
interrupções e com baixa oscilação. Além disso, o volume considerável de investimentos que
estão sendo implantados no setor energético de Mato Grosso garantem expectativas positivas
quanto à oferta e distribuição de energia, ao menos em um futuro próximo. Grosso modo,
pode-se dizer que a partir de 1999, o insumo energia não mais representava um ponto de
estrangulamento para a economia mato-grossense. Verifica-se na Tabela 25, o crescimento do
número de unidades consumidoras entre 1999 e 2001 (16,04%) acima da média do período
1996-98 (9,96%), em todos os setores, ratificando a argumentação acima.
97
Tabela 25. N.° de Consumidores de Energia por Atividade no Estado de Mato Grosso (1995-2001)
1996 1997 1998 1999 2000 2001 Residencial 395.245 417.794 432.858 449.654 479.346 512.593 Comercial 46.441 49.115 49.894 51.357 56.011 60.683 Industrial 5.549 5.781 5.601 5.936 6.887 8.336 Rural 16.771 19.938 21.855 25.614 29.000 36.396 Outros 5.651 5.799 6.265 6.604 7.257 7.680 Total 469.657 498.427 516.473 539.165 578.501 625.688 Fonte: Pesquisa direta no Grupo REDE-CEMAT S/A.
O maior crescimento de unidades consumidoras no período 1999-2001 foi verificado
no setor Rural (42%), seguido pelo setor Industrial (40%), expansão muito acima da média
global de 16%. Os outros setores cresceram a taxas muito próximas do crescimento médio,
setor Comercial (18%), Outros (16%) e setor Residencial (14%).
Uma primeira conclusão, ainda a ser totalmente confirmada, poderia indicar uma
maior utilização de máquinas e equipamentos no setor primário, elevando a capacidade
técnica e apontando para uma possível utilização de tecnologia, que sem o fornecimento de
energia elétrica seria improvável. Ademais, o fornecimento de energia elétrica estaria
corroborando para se fortalecer ainda mais o fenômeno já observado desde a década de 1970
em Mato Grosso da "industrialização da agricultura", fato constatado e analisado por diversos
autores (PEREIRA, 1995).
O crescimento industrial verificado na expansão de 40% do número de unidades
consumidoras estaria diretamente ligado ao crescimento agropecuário, onde a transformação
industrial dos produtos agrícolas e a agregação de valor desses produtos passaram a ser
crescentemente feitos dentro das fronteiras de Mato Grosso. Para ilustrar esta situação, pode-
se apresentar a expansão do número de beneficiadoras de algodão que se instalaram em Mato
Grosso no período entre 1997 e 2001, estritamente relacionada com a expansão da produção
agrícola da fibra do algodoeiro (Tabela 26).
Tabela 26. Unidades de Beneficiamento de Algodão Herbáceo em Mato Grosso Ano 1996 1997 1998 1999 2000 2001
Unidades de Beneficiamento 16 31 60 106 154 170
Capacidade Instalada (ton.) 35.600 71.800 146.800 275.600 431.200 528.000
FONTE: Fundação MT/ABINAL citado no Anuário Brasileiro do Algodão, 2002.
Um outro importante ponto de estrangulamento da economia mato-grossense estava
localizado nos transportes. A integração de Mato Grosso com os demais estados brasileiros e
98
desses com outros continentes via redes logísticas, preferencialmente consolidando eixos de
integração multimodal, foi definido pelo Governo em conjunto com a iniciativa privada como
uma variável estratégica na busca da competitividade regional (Revista RDM, 2001). Em
parceria com a iniciativa privada e com o Governo Federal, a meta do Governo do Estado era
implementar pelo menos cinco Corredores de Exportação, visando a queda dos custos de
logística (Anexo II, pág. 131).
Segundo recente pesquisa do Governo do Estado de Goiás, o custo do frete dos
transportes hidroviário, ferroviário e rodoviário a partir do Centro-Oeste e com destino aos
portos brasileiros foi estimado (Tabela 27). O transporte por rodovias, como esperado, se
apresentou como o mais elevado, seguido pelo ferroviário. O frete hidroviário representou a
melhor alternativa para o escoamento da produção do Centro-Oeste.
Tabela 27. Estimativa do Custo de Transporte Multimodal Verificado na Região Centro-Oeste
Modal Custo/tonelada/quilômetro
Frete Hidroviário US$0,008
Frete Ferroviário US$0,022
Frete Rodoviário US$0,038
Fonte: Governo do Estado de Goiás, 2001, citado em MERCOESTE, 2002.
Em Mato Grosso, o transporte rodoviário representa 80% da movimentação total de
cargas agrícola e industriais (MERCOESTE, 2002). Como verificado, este é o modal logístico
de menor competitividade. Para reduzir a dependência deste modal ou mesmo utilizá-lo de
forma mais racional, duas alternativas são possíveis: i) utilizar a menor rota rodoviária entre o
centro produtor e o centro consumidor (ou porto de exportação); e ii) investir em outros
modais. No primeiro caso, já há um projeto de ligação rodoviária entre Cuiabá e San Matias
na Bolívia, via BR-070. A conclusão desta obra irá permitir a exportação de produtos para a
Ásia com menor custo, haja vista a utilização dos portos de Ilo e Matarani no Peru e de Arica
e Iquique no Chile, passando pelas cidades bolivianas de Santa Cruz, Cochabamba e La Paz.
Dos mil quilômetros de rodovia, faltam 520 quilômetros por asfaltar em solo boliviano. A
redução do custo, neste caso, não será no transporte rodoviário, mas no hidroviário (Oceano
Pacífico), evitando os portos de Santos e Paranaguá, no Oceano Atlântico. Já se pode perceber
uma expectativa positiva por parte da iniciativa privada de Mato Grosso, que espera a
conclusão desta obra nos próximos anos. Este rota de exportação é chamada de Eixo Pacífico
pelo Governo mato-grossense [(COSTA et al., 2001); (Revista RDM, 2001); (MERCOESTE,
2002)].
99
Em relação à redução da dependência do modal rodoviário, percebe-se um esforço
para escoar a produção pelos modais ferroviário e hidroviário, logicamente em função dos
baixos custos em relação ao transporte rodoviário. Já no ano de 2001, das 14 milhões de
toneladas de produtos agrícolas produzidos em Mato Grosso, 4,6 milhões foram transportadas
por hidrovia (1,1 milhão) e ferrovia (3,5 milhões), o que representa 33% da movimentação
total de cargas agrícolas (Revista RDM, 2002).
Um importante alternativa desta diversificação na logística se corporifica no Eixo
Oeste-Norte, que é composto pelos modais rodoviário e hidroviário. As mercadorias seguem
de Cuiabá a Porto Velho pela rodovia BR-364, onde são embarcadas e transportadas pelo rio
Madeira até o porto de Itacoatiara, no estado do Amazonas, onde está instalado um terminal
graneleiro privado. A partir deste ponto, as mercadorias seguem em navios oceânicos com
destino ao mercado internacional (RDM, 2001). Estima-se que o escoamento por este eixo
economiza US$23,50 por tonelada transportada (LÍCIO & CORBUCCI, 1996).
O Eixo Leste-Norte interliga Mato Grosso à Ferrovia Norte-Sul e posteriormente ao
Porto de Itaqui. É formado pelos modais rodoviário, hidroviário e ferroviário. Os produtos
seguem pela rodovia BR-158 e BR-212 até São Félix do Araguaia - MT, de onde são
embarcadas e transportadas pelos rios Das Mortes, Araguaia e Tocantins. Em Marabá, os
produtos são transferidos para os vagões da Ferrovia Norte-Sul e são levados até São Luís, no
Maranhão (RDM, 2001). Atualmente, a redução dos custos neste eixo são de US$16,00 por
tonelada (LÍCIO & CORBUCCI, 1996).
O Eixo Sul I é formado pelos modais rodovia-ferrovia. Os produtos com destino à
exportação ou às regiões Sul e Sudeste do Brasil são transportados por rodovia até o Terminal
Ferroviário de Alto Taquari, na divisa entre Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Deste
terminal, os produtos seguem pela Ferronorte até o estado de São Paulo e o Porto de Santos
(Revista RDM,2001). A redução nos custos de transporte chegam a US$20,00 por tonelada
neste eixo, considerando o trecho entre Inocência - MS e Santos - SP (COSTA et al., 2001).
O Eixo Sul II é formado por rodovias e hidrovias. As mercadorias são transportadas
por rodovia até o Porto de Cáceres - MT, onde são embarcadas e seguem pelo rio Paraguai,
com duas possibilidades: i) serem levadas até os Portos de Santos e Paranaguá pelo Rio
Paraná; ou ii) serem levadas até o Porto de Nueva Palmira, no Uruguai (Revista RDM, 2001).
Dos cinco corredores multimodais de exportação, o Eixo Pacífico, o Eixo Leste-Norte
e o Eixo Sul II são os menos utilizados. O primeiro, em função de um longo trecho rodoviário
sem asfaltamento. O segundo, porque a hidrovia não está totalmente liberada à navegação,
pois os rios passam em áreas restritas, como reservas indígenas. O terceiro, em função de
100
movimentos ambientalistas contra a utilização do Pantanal Mato-grossense como rota de
transporte.
O Eixo Oeste-Norte está atraindo maior atenção e passou a ser mais utilizado, por já
contar com infra-estrutura física desde o início da década de 1990 e representar a maior
redução no custo de operação. Contudo, é o Eixo Sul I que representa o maior potencial de
escoamento e a expectativa positiva de redução de custos. O terminal ferroviário está
localizado na principal região agrícola do estado e a ferrovia está interligada ao Porto de
Santos. No seu primeiro ano de operação - em 2000 -, a Ferronorte transportou 1,4 milhão de
toneladas de carga. Em 2001, foram transportadas 3,5 milhões de toneladas. Em 2002, a
previsão é de 5,0 milhões de toneladas (Revista RDM, 2002). O Eixo Sul I pode constituir em
um elemento importante nas vantagens competitivas da região.
A iniciativa privada - Grupo André Maggi - vem tentando criar o Eixo Centro-Norte.
Esse eixo é composto pela rodovia BR-163 e pela hidrovia Tapajós-Amazonas. Contudo, a
sua implementação depende do asfaltamento de mil quilômetros da BR-163 entre Cuiabá e
Santarém. A iniciativa privada já construiu a infra-estrutura necessária no Porto de Itaituba. O
esforço conjunto com o Estado poderá criar uma nova rota de exportação se o asfaltamento da
BR-163 for concluído (Revista RDM, 2001).
Os recentes investimentos em transporte tanto pelo Governo do Estado quanto pela
iniciativa privada no estado de Mato Grosso, que foram realizados a partir de 1998, tem um
objetivo muito transparente: reduzir os custos de transporte do centro produtor até os centros
consumidores para elevar as vantagens competitivas regionais. O Estado se concentrou na
melhoria das estradas vicinais - substituindo pontes de madeira em precárias condições de uso
por pontes de concreto e asfaltando 1.050 quilômetros de rodovias estaduais - que dão acesso
aos troncos principais de escoamento. A iniciativa privada, por sua vez, investiu na retirada
das mercadorias do estado até os portos de exportação, construindo uma ferrovia interligando
o Sudeste de Mato Grosso ao estado de São Paulo e ao Porto de Santos e melhorando a infra-
estrutura dos portos fluviais localizados nos estados de Mato Grosso e Pará (Tabela 28).
O Governo do Estado de Mato Grosso tem papel relevante no recente processo de
criação de infra-estrutura para o setor produtivo. As dificuldades de financiamento do
Governo o levaram a fazer parcerias com a iniciativa privada e induzir o investimento em
Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF). Esta atitude do Governo está totalmente conjugada
com a sua busca do equilíbrio fiscal. Para arrecadar mais, seria necessário elevar a carga
tributária ou contar com o crescimento do PIB estadual. Como o Governo não contava com
101
poupança pública para investir e a carga tributária já se apresentava extremamente elevada, o
crescimento econômico seria a alternativa viável.
Tabela 28. Fornecimento de Infra-estrutura de Transportes para o Setor Produtivo Investimentos Públicos e Privados - 1998-2002
Característica Agente Responsável Valor Investido Capital Obras
Transporte Rodoviário
Governo do Estado de MT R$ 98 milhões Público Restauração e pavimentação de 1.050 quilômetros de asfalto
em rodovias estaduais
Transporte Rodoviário
Governo do Estado de MT US$ 55 milhões Público Construção de 52 pontes de concreto substituindo pontes de
madeira
Transporte Ferroviário Ferronorte S/A R$1,5 bilhão Privado
1. Construção e implantação de 411 quilômetros de trilhos interligando Aparecida do Taboado-MS a Alto Taquari-MT
2. Construção de 02 Terminais de carga
3. Aquisição de locomotivas e vagões
Transporte Hidroviário
Governo do Estado de MT e
Iniciativa Privada ... Público e
Privado Abertura e inicio da operação de dois eixos hidroviários:
I. Paraguai-Paraná; e II. Mortes-Araguaia-Tocantins.
Transporte Multimodal
Rodovia-Hidrovia
Grupo André Maggi ... Privado Utilização da Rodovia BR-163 até o porto de Itaituba-PA, de
onde segue via Hidrovia Tapajós-Amazonas
Fonte: SICM, 2002; Revista RDM, 2002.
Assim, percebe-se claramente que a partir da segunda metade da década de 1990 que
há um ambiente institucional propício ao desenvolvimento endógeno em Mato Grosso, onde o
Governo Estadual e a iniciativa privada buscam conjuntamente alternativas para o
crescimento econômico, melhorando e ampliando a infra-estrutura física, principalmente a
oferta de energia elétrica e a abertura de rotas alternativas de escoamento da produção. Além
disso, a redução da carga tributária e o incentivo ao desenvolvimento tecnológico são
estratégias previstas na teoria do desenvolvimento endógeno como elementos
impulsionadores do crescimento econômico regional.
Neste complexo movimento, não só a cotonicultura encontrou ambiente favorável para
o seu desenvolvimento, mas toda a economia regional foi estimulada. Dados do IBGE
ilustram bem esta situação. Entre 1995 e 1999, o estado de Mato Grosso foi a unidade
federativa que mais cresceu do ponto de vista puramente econômico. Enquanto o PIB do
Brasil cresceu 11,4%, a economia mato-grossense cresceu 22,6% no mesmo período. Os anos
de 1998 e 1999 representaram o ápice deste crescimento, sendo que em 1998 a economia
mato-grossense cresceu 7,4% e em 1999, 8,7%. O PIB corrente atingiu o montante de
R$11,58 bilhões em 1999, onde a participação no Produto Nacional passou de 1,08% em 1998
para 1,20% em 1999 [(SEPLAN et al., 2002); (SICM, 2002)].
102
Uma importante ressalva deve ser feita neste ponto. A vigorosa expansão do PIB
agrícola de Mato Grosso não foi resultado apenas do crescimento da cotonicultura. Todo o
conjunto agrícola apresentou crescimento durante a segunda metade da década de 1990. A
sojicultura foi o grande vetor da expansão, influenciada principalmente em função da Lei
Kandir, da elevação dos preços internacionais, da demanda internacional - leia-se União
Européia e EUA - crescente da soja em grão e das condições de produção em grande escala
em Mato Grosso (PEREIRA & FARIA, 2001). Na Tabela 29, nota-se que a sojicultura
ocupava 60% da área cultivada em Mato Grosso em 1996 e em 2000 se manteve com a
mesma participação relativa. Em apenas quatro anos, 1,5 milhão de hectares de Mato Grosso
foram incorporados à atividade produtiva agrícola e, destes, 950 mil se destinaram à produção
de soja. A taxa de incorporação de novas áreas neste período foi de 11,96% ao ano, refletindo
a importante participação da sojicultura naquela região, que cresceu em média 12,4% ao ano
entre 1996 e 2000.
Tabela 29. Expansão do Conjunto Agrícola de Mato Grosso - Área Cultivada (ha) (1996-2000)
Atividades/Produção 1996 1997 1998 1999 2000
1. Lavoura Temporária 3.191.104 3.407.458 3.753.672 4.259.560 4.715.558
1.1 Soja 1.956.148 2.192.514 2.643.389 2.635.010 2.906.448
1.2 Arroz 429.086 355.231 364.148 726.682 698.518
1.3 Milho 542.636 573.276 410.934 440.612 541.792
1.4 Algodão 55.075 42.259 106.483 200.182 257.762
1.5 Cana-de-açúcar 118.506 133.950 136.462 147.873 135.029
1.6 Sorgo 38.626 55.544 37.875 46.838 103.845
1.7 Feijão 30.619 28.572 25.214 30.164 28.326
1.8 Mandioca 17.915 18.421 23.977 21.424 27.317
1.9 Outras 2.493 7.691 5.190 10.775 16.521
2. Lavoura Permanente 63.346 95.842 77.143 91.480 95.999
2.1 Café 11.986 17.062 22.151 32.671 35.323
2.2 Banana 22.272 56.247 30.148 29.387 26.323
2.3 Borracha 24.154 17.123 19.563 23.470 26.198
2.4 Outras 4.934 5.410 5.281 5.952 8.155
Total Geral (1+2) 3.254.450 3.503.300 3.830.815 4.351.040 4.811.524
Fonte: IBGE - Produção Agrícola Municipal, 2002.
Porém, outras culturas também foram protagonistas desse crescimento econômico. A
média anual de crescimento da produção de algodão (+92,00), café (+48,67), sorgo (+42,21),
arroz (+15,69) e mandioca (+13,12) se apresentaram acima da média do conjunto agrícola
(+11,96). Apesar de algumas importantes culturas regionais como cana-de-açúcar, milho,
feijão, banana e borracha apresentarem crescimento negativo ou inexpressivo no período, não
se percebe, analisando a Tabela 29, que haja um movimento de substituição de culturas
103
tradicionais por novas culturas, dado que a agricultura mato-grossense demonstra uma
trajetória positiva na incorporação de novas áreas.
O que fica claro é a elevação da participação relativa de novas culturas como o
algodão, o sorgo e o café, além de retomada da produção de arroz, beneficiado pelo programa
de incentivos PROARROZ27, em contrapartida à redução relativa - e não absoluta - da
produção tradicional de milho, feijão, cana-de-açúcar, banana e borracha.. Assim, a expansão
da cotonicultura não se deu de forma isolada do movimento maior do conjunto agrícola mato-
grossense e, a priori, não se percebe um efeito-substituição entre a cotonicultura e outra
cultura agrícola em Mato Grosso.
Este crescimento da agricultura e da economia de Mato Grosso como um todo
logicamente refletiu na arrecadação tributária do Governo. Os esforços de modernização e
redução do custo de operação do Estado, aliado a um aumento da receita fiscal redundaram
em uma melhora do Resultado Operacional das contas públicas de Mato Grosso. No triênio
1997-99, houve uma substancial queda do déficit público estadual. Em 2000, o Governo do
Estado de Mato Grosso alcançou o equilíbrio fiscal, igualando a Receita Corrente Líquida
(RCL) com as Despesas e o pagamento das Dívidas (Tabela 30). Com o equilíbrio financeiro
em curso, a partir de 1999 o Governo do Estado criou diversos programas de incentivo às
Cadeias Produtivas do estado, seguindo a lógica do PROALMAT [(ALBANO, 2001); (SICM,
2002)].
Tabela 30. Situação Fiscal de Mato Grosso em % da Receita Corrente Líquida (RCL) - (1995-2000)
Custeio 1995 1996 1997 1998 1999 2000
1. RCL 100 100 100 100 100 100
2. Despesas 126 91 83 98 90 81
2.1 Pessoal 82 69 57 59 52 54
2.2 Custeio 44 22 26 39 38 27
3. Resultado Primário (26) 9 17 02 10 19
4. Dívida 29 49 25 22 21 19
5. Resultado Operacional (55) (40) (08) (20) (11) 00
Fonte: SEFAZ- MT (Secretaria de Estado da Fazenda de Mato Grosso), citado em Albano, 2001.
As Cadeias Produtivas incentivadas foram aquelas que já estavam instaladas em Mato
Grosso, ao menos o seu elo principal, e que apresentavam possibilidades de ganhos em
competitividade. Foram criados sete programas: i) PROMADEIRA (Programa de
Desenvolvimento do Agronegócio da Madeira), em 1999; ii) PROCOURO (Programa de
Desenvolvimento da Cadeia Produtiva do Couro), em 1999; iii) PROCAFÉ (Programa de
104
Desenvolvimento da Cadeia Produtiva do Café), em 2000; iv) PROARROZ (Programa de
Incentivo a Cultura do Arroz), em 2000; v) PROINFORMÁTICA (Programa de Incentivo a
Informática), em 2000; vi) PROMINERAÇÃO (Programa de Incentivo a Mineração), em
2000; e vii) PROLEITE (Programa de Incentivo a Produção de Leite), em 2001 (SICM,
2002).
Todos os programas envolvem renúncia fiscal, obrigatoriedade de organização
institucional da classe produtiva, investimento em P&D de parcela da renúncia fiscal para a
efetiva melhoria da qualidade e também inclui o manejo correto que garanta sustentabilidade
ambiental (SICM, 2002).
A rigor, o Governo de Mato Grosso concentrou suas ações em três importantes
elementos para atrair investimentos que permitissem o crescimento econômico regional:
i) oferecer infra-estrutura básica para o setor produtivo (energia e transportes); ii) criar
programas de incentivo, principalmente redução de impostos; e iii) alcançar e manter o
equilíbrio fiscal, que gera expectativas de manutenção dos programas de redução de impostos
e permita a geração de poupança pública.
Percebe-se claramente um novo enfoque do Governo de Mato Grosso para o
desenvolvimento regional, onde aliam-se as estratégias clássicas de oferta de infra-estrutura e
redução de impostos com novas abordagens, como a obrigatoriedade de investimento em
P&D pelo setor incentivado, o equilíbrio fiscal em contrapartida ao modelo de financiamento
keynesiano, a parceria com o setor produtivo para a resolução de problemas e o repasse da
definição dos arranjos produtivos à iniciativa privada. Pode-se afirmar, assim, que as ações do
Governo de Mato Grosso vão de encontro à premissas básicas do desenvolvimento endógeno,
onde o Estado deixa de ser o protagonista principal do desenvolvimento e passa a dividir suas
responsabilidades com a sociedade local.
Com a forte expansão da economia regional na segunda metade da década de 1990 -
principalmente no setor primário -, o próximo passo seria desencadear o processo de
industrialização da produção, na perspectiva de transformar Mato Grosso no maior pólo
agroindustrial do país. Para isso, o Governo deveria demonstrar ao setor produtivo as suas
potencialidades naturais, a infra-estrutura construída, o equilíbrio financeiro do Estado, os
programas de incentivo e a credibilidade perante a iniciativa privada [(ALBANO, 2001);
(Revista RDM, 2002)].
27 Programa de Incentivo à Cultura do Arroz de Mato Grosso.
105
4.2.1 A Ação de Marketing Regional
Dois amplos programas de marketing institucional foram criados para difundir a marca
"Mato Grosso". Um deles, conhecido como "Mato Grosso: É Hora de Investir", foi uma
ambiciosa ferramenta utilizada pelo Governo do Estado em parceria com onze grupos
empresariais, três instituições de representação classista e uma instituição pública de fomento.
Este programa buscou mostrar as potencialidades da região, com dois claros objetivos:
i) atrair investimentos produtivos, principalmente agroindústrias ligadas às Cadeias
Produtivas mato-grossenses; e ii) elevar as exportações de todas as commodities ou produtos
agroindustriais já produzidos no estado.
A metodologia se baseou na exibição de um vídeo que apresentava os ecossistemas
existentes em Mato Grosso, a produção agropecuária, as potencialidades de expansão das
atividades relacionadas ao agro, os avanços alcançados no fornecimento de infra-estrutura, os
programas de incentivo fiscal e tecnológico e os resultados obtidos pelo Governo na conquista
do equilíbrio fiscal. Em seguida, o próprio governador do estado expunha as vantagens e
expectativas positivas de se investir em Mato Grosso, enfocando principalmente o equilíbrio
fiscal, fato que garantiria a efetividade dos programas de renúncia fiscal e a lucratividade
elevada das empresas. O forte argumento de que as regras de redução de impostos não seriam
quebradas em função da estabilidade financeira do Estado eram endossadas com depoimentos
de todos os representantes das instituições empresariais em parceria com o Executivo
Estadual, que reafirmavam a disposição do Governo em cumprir os contratos (RDM, 2002).
Estrategicamente, a exposição envolvia a presença do Poder Executivo, como o
criador das condições básicas para a acumulação de capital, porém com algumas atribuições
novas: manter as finanças públicas sobre controle, garantir os contratos de redução de
impostos, incentivar a geração de tecnologia local, cooperar na abertura de novos mercados e
atrair novos investimentos para o desenvolvimento sistêmico da economia regional, além das
clássicas atribuições de fornecer infra-estrutura física e redução de impostos.
A iniciativa privada, por sua vez, referendava a exposição dos agentes estatais, dando
credibilidade ao processo de desenvolvimento em Mato Grosso, criando expectativas
positivas para o investimento de capitais agroindustriais externos à região. Diversos setores
estavam envolvidos: o setor energético28, de transporte29, agroindustrial30, agropecuário31,
28 Quatro grupos empresariais participaram dos eventos de marketing: Rede-Cemat, Enron Corporation, Eletronorte S/A e Furnas S/A. 29 Ferronorte S/A.
106
comercial32 e de serviços33. Esta colaboração entre estes agentes demonstra a criação de um
tecido institucional, onde as instituições buscam a cooperação para o objetivo comum: o
desenvolvimento regional.
A participação de três entidades de representação classista34 foram importantes para
demonstrar a capacidade de aglutinação e a cooperação entre o setor produtivo, tanto do setor
primário quanto dos setores secundário e terciário. Por fim, estrategicamente, a Sudam
(Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia) apresentava as linhas de crédito
disponíveis para investimentos na região, devido Mato Grosso pertencer à Amazônia Legal.
Fechava-se o ciclo para atração do investimento produtivo: potencialidades naturais,
incentivos fiscais, oportunidade de lucros econômicos elevados e crédito bancário.
Tabela 31. Ações de Marketing Institucional - Programa "Mato Grosso: É Hora de Investir" (1999-2000)
Cidade/País Data N.° de Empresários Participantes
Instituições Privadas de Mato Grosso que Participaram em Parceria com o Governo do Estado nas Ações de Marketing
São Paulo (Brasil) Set/99 450
Rio de Janeiro
(Brasil) Mar/00 250 ELETRONORTE S/A FURNAS S/A
Rosário (Argentina) Mar/00 150 GRUPO REDE-CEMAT S/A
ENRON DO BRASIL S/A Ribeirão Preto
(Brasil) Mai/00 150 SADIA OESTE S/A CARROLL'S FOOD S/A
São Paulo (Brasil) Ago/00 120 FERRONORTE S/A
GRUPO ANDRÉ MAGGI S/A São Paulo (Brasil) Set/00 400 GRUPO ATACADÃO S/A
MAKRO SUPERMERCADOS S/A Belo Horizonte
(Brasil) Set/00 200 AGROINVEST S/A FAMATO
Chicago (EUA) Out/00 200 FECOMÉRCIO
FIEMT Miami (EUA) Nov/00 100 SUDAM
Hannover
(Alemanha) Nov/00 150
Fonte: SICM - MT, 2001, citado na Revista RDM, 2002.
Entre 1999 e 2001, foram realizados dez eventos de marketing institucional, onde a
parceria entre o Governo e a iniciativa privada difundiram a marca "Mato Grosso" para 2.170
empresários brasileiros, argentinos, norte-americanos e alemães (Tabela 31). No Brasil, os
esforços se concentraram na principal região econômica, sendo quatro ações de marketing no
estado de São Paulo, uma no Rio de Janeiro e uma em Minas Gerais. No exterior, uma ação
foi realizada na Argentina, duas nos EUA e uma na Alemanha.
30 Sadia Oeste S/A e Carroll's Food S/A. 31 A maior empresa do setor agropecuário de Mato Grosso: Grupo André Maggi S/A 32 Grupo Atacadão S/A e Makro Supermercados S/A 33 Agroinvest S/A, consultoria de agronegócios. 34 Famato (Federação da Agricultura de Mato Grosso), Fiemt (Federação das Indústrias de Mato Grosso) e Fecomércio (Federação do Comércio de Mato Grosso).
107
Os resultados verificados foram expressivos, sendo que os dois grandes objetivos da
ação de marketing, atrair investimentos e impulsionar as exportações foram alcançados. Nas
Tabelas 32 e 33, pode-se perceber a elevação tanto das exportações entre 1999 e 2001 quanto
o impressionante crescimento dos investimentos privados em Mato Grosso.
Nota-se que o complexo soja responde por mais de 80% do total das exportações, mas
outros produtos como madeiras, carnes, algodão, couro, açúcar, alimentos e sementes
passaram a compor a pauta de exportações. Há uma clara abertura de mercado, onde os bens
produzidos em Mato Grosso passam a se inserir no mercado internacional. Diversos fatores
podem estar correlacionados com esta elevação das exportações, como: desvalorização
cambial, redução de impostos, ganhos em competitividade sistêmica, redução de custos de
transporte, utilização de tecnologia, marketing institucional entre outros. Seria extremamente
difícil isolar o efeito de cada variável neste processo, contudo a divulgação dos produtos no
exterior tem a capacidade de apresentar aos consumidores todos os avanços obtidos na
competitividade regional, tanto do ponto de vista do preço quanto da qualidade do produto. O
elemento fundamental do marketing é a informação sobre a formação institucional da região,
reduzindo as falhas de mercado e permitindo uma melhor visualização por parte dos
compradores sobre os produtos ofertados.
Tabela 32. Performance das Exportações de Mato Grosso (em US$)
Produtos 1997 1998 1999 2000 2001 Soja 789.188.079 503.537.547 552.832.567 852.045.256 1.130.027.168 Madeira 37.270.316 28.790.405 58.035.324 77.652.813 84.423.737 Carnes 44.848.586 90.614.746 92.248.766 63.527.958 76.458.134 Algodão 0 0 2.477.598 15.212.270 65.688.794 Couro 1.607.903 7.908.739 14.185.044 10.411.687 9.564.286 Minerais 48.062.415 6.176.470 5.699.114 6.207.934 5.441.375 Açúcar 1.627.129 4.222.193 9.809.997 3.630.011 17.503.991 Alimentos 0 0 0 0 5.973.666 Bebidas 0 0 0 483.481 336.413 Sementes 0 0 0 413.482 8.438 Cimento 917.604 854.240 635.901 377.616 131.609 Outros 1.013.781 7.509.862 5.170.907 3.390.997 200.389 Total 924.535.813 649.614.202 741.095.218 1.033.353.505 1.395.758.000 Fonte: SECEX - MDIC - Sistema ALICE, 2002.
É fácil de se perceber que a pauta de exportações mato-grossenses está intimamente
ligada ao complexo agroindustrial, onde alimentos e bebidas representam a base da economia
regional. E é justamente nestas atividades ligadas à agropecuária que se verifica o principal
movimento de investimentos privados em Mato Grosso após as ações de marketing
institucional.
108
Tabela 33. Investimentos Privados Em Realização em Mato Grosso (2001-2003)
Atividade Valor (em R$1.000,00) %
Geração e Transmissão de Energia 3.603.795 30,05
Agroindústrias 2.560.648 21,35
Extração e Transformação de Minerais 1.407.400 11,74
Agropecuária 1.382.970 11,54
Transportes 880.821 7,34
Complexo Produtivo do Algodão ( inclui beneficiamento, fiação
e tecelagem da fibra e extração do óleo de algodão) 834.370 6,95
Telefonia 635.760 5,30
Comércio e Serviços 429.888 3,58
Indústria de Transformação 256.735 2,15
Total dos Investimentos 11.992.387 100,00
Fonte: SICM, 2002.
Considerando que o PIB de Mato Grosso - a preços constantes de 1999 - foi estimado
em R$11,58 bilhões, os investimentos programados no período 2001-2003 de magnitude igual
a R$11,9 bilhões35 representam uma massa de capitais produtivos capaz de gerar efeitos
dinâmicos por toda economia estadual. Particularmente, os investimentos privados em
energia, transportes e telecomunicações representam aproximadamente R$5,1 bilhões,
permitindo uma melhoria do fornecimento de infra-estrutura que poderá agir diretamente nas
vantagens competitivas regionais. Além disso, serão implantados plantas agroindustriais
diretamente relacionadas ao beneficiamento local de soja, milho, algodão, cana-de-açúcar,
arroz, carnes de bovinos, eqüinos, suínos, aves e peixes, madeira, mandioca, leite, dendê e
café.
Apenas para beneficiar a fibra do algodão produzido em Mato Grosso, estão sendo
implantados projetos de R$834 milhões na construção de mais uma unidade de
beneficiamento da fibra, duas novas unidades fiação e vestuário e uma de fabricação do óleo
de algodão, que pode representar uma alternativa de agregar maior valor à produção primária
da fibra.
Se se considera que a elevação dos investimentos privados está relacionada com o
novo papel do governo regional e pautada também na definição dos arranjos produtivos pelos
agentes locais, a nova ambiência alcançada por uma política endógena de crescimento
35 Os investimentos privados registrados na SICM em julho de 1999 eram de R$4,7 bilhões. Após o programa de marketing institucional, os investimentos registrados se elevaram a R$11,9 bilhões (AVALONE JR., 2002).
109
econômico pode gerar, em um futuro próximo, alterações na estrutura econômica e social e
promover o desenvolvimento humano na região. A ação conjunta dos agentes locais tem
demonstrado a capacidade de formação de um tecido institucional forte, capaz de romper os
grilhões do paradigma de desenvolvimento de "cima para baixo", inaugurando uma forma
especial de desenvolvimento regional, onde os agentes locais passam a conquistar um grau de
liberdade importante quando se projeta Complexos Produtivos coerentes com a vocação
regional e local.
Um outro programa de marketing foi criado para difundir especificamente o
Complexo Produtivo do Algodão, baseado na marca "Mato Grosso Cotton Quality". O
programa foi realizado em parceria entre a AMPA e o Governo do Estado de Mato Grosso,
com recursos financeiros provenientes do FACUAL36. Com a iminente auto-suficiência
brasileira na produção de algodão, os cotonicultores consideraram necessário a criação de
novas alternativas de mercado para escoar os possíveis excedentes produzidos. Lastreada em
suas vantagens competitivas de preço e qualidade, as ações de marketing institucional visaram
demonstrar a capacidade dos produtores mato-grossenses em oferecer um produto
diferenciado e de custo acessível aos mais exigentes mercados externos (AMPA, 2002).
Foram realizados seis eventos, sendo dois no Brasil e quatro no exterior (Tabela 34). A
estratégia se baseou na apresentação da magnitude da safra mato-grossense, na qualidade
intrínseca da fibra, nos custos de produção por arroba, no esforço do governo regional na
redução dos custos e na criação de programas de geração e capacitação tecnológica para a
cotonicultura. O principal objetivo foi criar uma relação de confiança para com o mercado
externo, reduzindo as incertezas em relação a qualidade do produto e a efetiva capacidade de
abastecimento do mercado pelo cumprimento dos prazos contratuais (AMPA, 2002).
A apresentação formal da nova fronteira cotonícola aos mercados internacionais,
estruturada em uma classe produtiva organizada institucionalmente, contando com diversas
programas de pesquisa buscando a excelência da produção e respaldada no apoio irrestrito do
Governo regional representou uma importante estratégia de redução dos riscos pela
disseminação da informação. Buscou-se, a rigor, apagar a imagem negativa dos produtores de
algodão do Brasil no exterior, imagem esta ocasionada pela anulação de diversos contratos de
vendas externas no final de década de 1970 (NIERI, 1998).
36 Fundo de Apoio a Cultura do Algodão, que administra 15% do valor total da renúncia fiscal do PROALMAT.
110
Tabela 34. Ações de Marketing Institucional da Cotonicultura Realizadas pela AMPA e
Governo do Estado de Mato Grosso (2001-2002) Ano Cidade e País Nome do Evento Resultados Esperados
2001 Campo Grande - Brasil III Congresso Brasileiro do Algodão
1. Abertura de mercado e elevação das exportações 2001 Victória Falls - Zimbabwe 60.ª Reunião da ICAC
2001 Budapeste - Hungria Encontro Anual da ITMF
2001 Liverpool - Inglaterra Jantar Anual da Liverpool Cotton Association (LCA)
2. Manutenção da cotonicultura em Mato Grosso no longo prazo 2002 Rondonópolis - Brasil Agrishow Cerrados
2002 Bremen - Alemanha 26.ª Cotton Conference
Fonte: AMPA, 2002.
Para a AMPA, os resultados obtidos na crescente exportação de algodão mato-
grossense a partir de 1998 (Tabela 32) demonstram claramente que o investimento de recursos
em qualidade, promoção e marketing setorial torna-se altamente compensador e de um retorno
econômico extremamente considerável, representando um caminho promissor para
investimentos coletivos. Além disso, foram criadas expectativas positivas tanto pelo lado dos
compradores internacionais quanto pelos produtores mato-grossenses em relação ao
fornecimento da fibra no futuro próximo. Os compradores internacionais esperam um produto
de alta qualidade a custos competitivos e o efetivo cumprimento dos contratos. Os produtores
esperam a realização dos contratos e elevação das exportações (AMPA, 2002).
Ademais, analisando o método de exposição do projeto "Mato Grosso Cotton Quality",
percebe-se o fortalecimento de um sistema institucional capaz de condicionar os processos de
acumulação de capital, onde o Governo regional e a iniciativa privada criam estratégias de
manutenção e fortalecimento dos arranjos produtivos regionais. Claro está que ações de
cooperação institucional não devem se dar apenas ad hoc, mas serem efetivas na dinâmica
temporal para que as estruturas internas da região possam ser alteradas e o espaço em questão
alcance um nível superior de desenvolvimento econômico e social.
4.3 As Ações das Instituições de P&D e o Risco Ambiental
A criação da Fundação MT em 1994 permitiu encontrar o melhor manejo da
cotonicultura e a sua codificação para todos os produtores mato-grossenses. Mas foi a partir
da criação do PROALMAT que se criaram as condições institucionais e financeiras para os
programas de pesquisa na cotonicultura. Juntamente com a renúncia fiscal da ordem de 75%
111
do ICMS sobre o algodão, o Governo do Estado criou um fundo de fomento, o FACUAL -
onde os produtores devem depositar 15% da renúncia fiscal recebida - para incentivar
programas de geração de P&D cotonícolas. O FACUAL foi criado pela Lei Estadual n.° 6883
e pelo Decreto n.° 1589, em 08/07/1997, e é administrado por um Conselho Gestor, composto
pelas seguintes instituições (MATO GROSSO, 1997):
i) SAAF/MT - Secretaria de Estado de Agricultura e Assuntos Fundiários de Mato Grosso;
ii) DFA/MT - Delegacia Federal de Agricultura em Mato Grosso;
iii) AMPA - Associação Mato-grossense dos Produtores de Algodão;
iv) ABINAL - Associação Mato-grossense dos Beneficiados e Industriais de Algodão; e
v) FETAGRI/MT - Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Mato Grosso.
O FACUAL foi criado para alcançar cinco principais objetivos37: i) recuperação e
expansão da cotonicultura no estado de Mato Grosso, dentro de padrões tecnológicos e
ambientais de produtividade e qualidade; ii) estímulo a novos investimentos no setor
agrotêxtil do estado; iii) fomentar pesquisas de variedades mais produtivas e resistentes a
pragas e doenças; iv) treinamento de mão-de-obra; e v) promoção do algodão de Mato Grosso.
A partir de 1998 verifica-se uma importante elevação dos recursos para financiamento
dos programas de pesquisa relacionados à cotonicultura. Entre 1998 e 2001 foram arrecadados
aproximadamente R$ 14,0 milhões e investidos R$ 13,7 milhões. Apenas no ano de 2001, os
recursos oriundos do PROALMAT já se elevaram R$ 6,3 milhões para o FACUAL investir
em P&D (Tabela 35).
Tabela 35. Recursos do PROALMAT Depositados no FACUAL para Investimentos em P&D
(1998/2001) Ano Depósito no FACUAL pelos Cotonicultores
Em R$
1998 841.237,23 1999 2.162.833,11 2000 4.742.587,20 2001 6.293.686,83 Total 14.040.344,37
Fonte: Pesquisa direta no FACUAL
Os recursos foram investidos em quatro grandes programas: i) pesquisa e difusão de
tecnologia; ii) defesa sanitária, vegetal e ambiental; iii) promoção e marketing; e
iv) agricultura familiar. Como se percebe na Tabela 36, 41,3% dos recursos foram aplicados
em programas de melhoramento genético e manejo, com claros objetivos de redução de
37 Maiores detalhes, consultar o texto do Governo de Mato Grosso (MATO GROSSO, 1997).
112
custos, elevação da produtividade e melhoramento da fibra. A defesa vegetal e o Manejo
Integrado de Pragas (MIP) receberam juntos 30% dos recursos, com vistas e encontrar o
manejo das pragas e doenças que não comprometa a produtividade e a qualidade da cultura. A
agricultura familiar recebeu 15,25% dos recursos (R$ 2,1 milhões), configurando certa
preocupação com um segmento social que geralmente fica excluído das políticas públicas. Os
investimentos na agricultura familiar estão objetivando a criação de nichos de mercado para o
"algodão orgânico" e o "algodão colorido", produtos com baixa produtividade por área, mas
com preços superiores ao algodão convencional.
Tabela 36. Recursos do FACUAL Investidos (1998-2001)
Rubrica de Investimento 1998 (11 projetos)
1999 (12 projetos)
2000 (31 projetos)
2001 (32 projetos) Total %
Melhoramento (Genético e Manejo) 1.323.111,97 2.111.000,75 1.910.867,42 342.309,77 5.687.289,91 41,30
Defesa Vegetal 51.500,00 227.952,02 566.699,94 1.434.262,60 2.280.414,56 16,56 Agricultura Familiar 141.324,00 728.235,85 694.890,70 535.207,05 2.099.657,60 15,25 Manejo Integrado de Pragas (MIP) 79.100,00 96.269,67 358.469,10 1.316.449,90 1.850.288,67 13,44
Difusão de Tecnologia 0,00 0,00 149.438,31 732.648,96 882.087,27 6,41 Marketing 300,00 31.142,50 321.300,00 299.527,00 652.269,50 4,74 Outros 0,00 9.600,00 128.425,21 134.677,50 272.702,71 1,98 Agricultura Orgânica 0,00 10.410,50 15.562,50 0,00 25.973,00 0,19 Descarte de Embalagens 12.600,00 8.400,00 0,00 0,00 21.000,00 0,15 Total 1.607.935,97 3.223.011,29 4.145.653,18 4.795.082,78 13.771.683,22 100,00 Fonte: Pesquisa direta no FACUAL.
Os problemas relacionados ao manejo correto da cotonicultura - o principal entrave no
período 1990-96 - já foram amplamente superados, tanto pelo convênio entre a Fundação MT
e a EMBRAPA antes do FACUAL quanto pelos recentes investimentos. Época de plantio,
correção dos micronutrientes do solo, adubação, calagem e período de colheita são fases da
cultura que o conhecimento científico conseguiu catalogar, formalizar e difundir por todas as
regiões cotonícolas de Mato Grosso. O grande problema que se apresenta agora é a contínua
utilização de apenas uma cultivar, a CNPA-ITA 90, que a cada ano se torna mais suscetível ao
ataque tanto de doenças vegetais38 quanto pragas animais39. No safra de 2000, 78,5% da área
plantada foi feita apenas com a CNPA-ITA 90, configurando ao mesmo tempo o paradigma
tecnológico da cotonicultura em Mato Grosso e também amplas possibilidades de ataque de
inimigos naturais (Tabela 37).
38 Existem mais de 250 agentes causadores de doença no algodoeiro, sendo fungos, vírus, micoplasmas, nematóides e bactérias (FMT, 2001, Boletim 4). 39 As pragas, por sua vez, são da ordem de 15: Pulgão, Tripes, Curuquerê, Lagarta das Maçãs, Lagarta Militar, Percevejo Rajado, Lagarta Rosada, Bicudo do Algodoeiro, Ácaro Branco, Ácaro Rajado, Percevejo da Raiz, Percevejo Manchador, Percevejo Migrante, Mosca Branca e Vaquinha (FMT, 2001)
113
Para que consiga controlar os vetores e as próprias doenças e pragas, os cotonicultores
de Mato Grosso estão elevando a utilização de inseticidas em suas lavouras. O número de
patógenos capazes de causar prejuízos à fibra do algodão requer um controle rigoroso de
todas as fases o cultivo e uma constante aplicação de agrotóxicos.
Tabela 37. Variedades de Plantas Utilizadas por Cotonicultores de Mato Grosso - safra 2000
Variedades Área Plantada Percentual
CNPA-ITA 90 319.288,55 78,49 Delta Opal 60.567,36 14,89
Coodetec-404 13.949,04 3,43 FMT Saturno® 2.146,70 0,53
Outras 10.852,86 2,66
Total 406.804,51 100,00
Fonte: Pesquisa direta no FACUAL.
A aplicação de herbicidas, inseticidas e formicidas para o controle de pragas e doenças
representava, na safra de 1996, 28,5% do total dos custos de produção. Com o uso contínuo
da cultivar ITA 90, verificou-se uma importante elevação da incidência de agentes patógenos
na cotonicultura. A cada safra a população de pragas vem crescendo e doenças inexistentes na
região passaram a atacar as plantações de algodoeiro. Mesmo algumas doenças em que a
CNPA-ITA 90 era resistente passaram a atacar esta cultivar e causar prejuízos pela queda da
produtividade e qualidade da fibra. O resultado visível desta situação se apresenta na
quantidade de agrotóxicos utilizados na safra de 2001, onde os agentes químicos
representaram 38,0% do total dos custos (Tabela 38). Para que consiga manter os elevados
níveis de produtividade e qualidade de fibra, os produtores não tem outra alternativa se não
combater os vetores causadores de prejuízos com agentes químicos.
Tabela 38. Elevação dos Gastos com Agrotóxicos na Cotonicultura de Mato Grosso (Safras 1996 e 2001)
1996 2001 Discriminação R$/ha % do Total R$/ha % do Total Herbicidas, Inseticidas e Formicidas 371,88 28,50 908,47 38,00 Custo Total 1.305,28 100,00 2.391,36 100,00 Fonte: FAMATO, 1997; Melo Filho & Richetti, 2001.
Esta situação, se não revertida rapidamente, poderá inviabilizar, do ponto de vista
econômico, a produção de algodão em Mato Grosso, pois, segundo Rafiq Chaudry
(CHAUDRY, 2001) do ICAC, não são as baixas produtividades - e Mato Grosso possui uma
produtividade duas vezes superior à média mundial -, mas os elevados custos de produção que
tem retirado muitos países do círculo produtivo do algodão. Este fato pode ocorrer em solo
mato-grossense, a despeito de seus custos crescentes para o controle de pragas e doenças. Em
114
apenas cinco safras, a produtividade por hectare cresceu de forma rápida, porém os custos tem
crescido em uma velocidade ainda maior, representando em algumas regiões 40% do custo
total de produção, com 23 aplicações de agrotóxicos (ABA, 2002).
Se do ponto de vista puramente econômico a elevação do uso de agrotóxicos é
preocupante, do ponto de vista ambiental é alarmante. Recente pesquisa detectou a presença
de herbicidas em águas subterrâneas na cidade de Primavera do Leste, localizada na principal
região cotonícola de Mato Grosso. O uso intensivo de pesticidas podem contaminar diferentes
compartimentos do ambiente devido à sua distribuição através da água e da atmosfera. Há
uma preocupação local se o solo, as águas superficiais, subterrâneas, de sub-superfície,
pluviais e de sub-bacias já estejam severamente contaminadas em função direta do uso
crescente de herbicidas, inseticidas e formicidas pelos cotonicultores (DORES, 2001).
Um outro estudo realizado pelo IPA-PARECIS, na região de Campo Novo dos
Parecis, concluiu que a utilização de grandes áreas para fins agrícola tem provocado
desequilíbrios ecológicos que, somados aos pacotes tecnológicos da agricultura moderna,
levaram à erosão, poluição e degradação dos solos, à redução drástica da biodiversidade
regional e à poluição das fontes de água, com enormes prejuízos para a saúde humana e
animal daquela região (IPA-PARECIS, 2002)
Como 60% da produção de algodão está localizada em regiões da Bacia Platina
(regiões Sudeste e Sudoeste de Mato Grosso) e 40% em regiões da Bacia Amazônica (região
Setentrional), estes dois grandes biomas podem estar recebendo agentes químicos pela ação
antrópica na produção de algodão, comprometendo a sustentabilidade ambiental de espaços
localizados a enormes distâncias dos focos de contaminação.
Percebe-se em Mato Grosso a preocupação das instituições de pesquisa, do Governo e
das associações de produtores em relação à contaminação ambiental. Não somente pelo
impacto sobre o meio ambiente e os homens, mas principalmente pelas possíveis sanções do
mercado internacional em mover ações anti-dumping ambiental, o que representaria o
fechamento do comércio de algodão no exterior. Após alcançar um importante espaço no
mercado europeu e asiático, o uso crescente de agrotóxicos e a poluição do solo e dos rios
pode comprometer a estratégia capitalista de permanecer em um mercado competitivo. Assim,
os programas de pesquisa passam a ter um papel preponderante na busca por novas variedades
resistentes a doenças, o que reduziria a utilização dos agrotóxicos, dentro do padrão
convencional de produção. Outra agenda de pesquisa está voltada para a agricultura orgânica,
ou seja, utilizar a natureza como aliada, eliminando a utilização de agentes químicos, a
chamada agricultura alternativa.
115
Importantes resultados já foram alcançados pelas instituições de P&D, apoiados na
elevação dos recursos do FACUAL. As duas grandes agendas de pesquisa já apresentam
resultados favoráveis em relação ao quadro atual. No principal programa de pesquisa40,
destinado a encontrar novas variedades com resistência múltipla a doenças, pelos menos cinco
novas plantas com potencial de expansão já foram criadas.
Na Tabela 39, pode-se verificar que a cultivar CNPA-ITA 90 já está suscetível e
fracamente tolerante às principais doenças, sendo necessária a utilização crescente de
agrotóxicos para o seu cultivo. Contudo, a partir de 1997 algumas novas plantas são
desenvolvidas pelos programas de pesquisa locais, principalmente em função da elevação dos
recursos provenientes do FACUAL. A cultivar FMT SATURNO® da Fundação MT e a
cultivar BRS ANTARES do convênio entre Itamarati Norte, Fundação MT e EMBRAPA são
as duas plantas que estão gerando expectativas positivas em relação à sua utilização nas
grandes unidades de produção, pois elas são adaptadas à mecanização. Ambas as plantas são
bastante resistentes às principais doenças, e assim, demandam menores níveis de pesticidas
em seu cultivo. Além disso, apresentam elevados níveis de produtividade se comparados à
CNPA-ITA 90.
Tabela 39. Geração de Novas Cultivares pelas Instituições de P&D de Mato Grosso
Variedade Instituição Criadora
Produtividade
(@/ha)
Doenças
Ramulose Virose Bacteriose Alternaria Stenfilium
CNPA-ITA 90 * (1) Itamarati Norte &
EMBRAPA 200 T S T S S
CNPA-ITA 97 (1) Itamarati Norte &
EMBRAPA 180 R R T S S
FMT Saturno® (1) FMT 300 R R S T T
BRS ANTARES (1) Itamarati Norte,
FMT & EMBRAPA 215 R R R T R
BRS FACUAL (2) FMT & EMBRAPA 205 R R R R R
FMT FETAGRI (2) FMT 240 R R T R R
Fonte: FMT, 1998; FMT, 1999; e FMT, 2001. R= resistente; T= medianamente tolerante; S= suscetível à doença. * A CNPA-ITA 90 representa o paradigma tecnológico da cotonicultura de Mato Grosso e é chamada de "testemunha" pelos agrônomos, pois é o padrão de comparação com as novas cultivares. (1) agricultura empresarial mecanizada; (2) agricultura familiar tradicional
Um experimento foi realizado em seis propriedades de cooperados da Fundação MT,
na safra de 1999, utilizando as cultivares BRS ANTARES e CNPA-ITA 90. Como a BRS 40 Que, a rigor, se encontra dentro da chamada agricultura convencional.
116
ANTARES é resistente a diversas doenças, foram utilizados 7,7 litros de defensivos químicos
a menos por hectare, em relação à CNPA-ITA 90, para o controle dos patógenos do algodão.
Na análise de custos, houve uma queda de R$240,00 por hectare, o que reduz os custos de
controle fitossanitário em 38,4%. Os custos totais foram14% menores no cultivo da BRS
ANTARES em relação à CNPA-ITA 90. Estima-se que a utilização da BRS ANTARES em
80.000 hectares da safra de algodão em Mato Grosso representará uma economia de R$19
milhões para os produtores, além de evitar que 616.000 litros de inseticidas sejam utilizados
na cotonicultura e venham a poluir ainda mais o Cerrado Brasileiro. Desta forma, a cultivar
BRS ANTARES pode representar uma redução dos custos de produção e manter as vantagens
competitivas do algodão mato-grossense, inclusive reduzindo o impacto da cultura sobre o
meio ambiente (FREIRE et al., 2001b).
Assim, em função de haver pelo menos duas opções técnicas viáveis de superação da
CNPA-ITA 90, o fundo gestor FACUAL reduziu drasticamente os recursos para pesquisa de
melhoramento genético de R$1,9 milhão em 2000 para apenas R$342 mil em 2001,
considerando que as plantas BRS ANTARES e FMT SATURNO® estão aptas a substituírem
a "velha" CNPA-ITA 90 (Tabela 36). Estrategicamente, o FACUAL dobrou os recursos
destinados ao marketing das novas cultivares, com o objetivo de facilitar a aceitação das
novas plantas junto aos produtores e, assim, ingressar em uma nova trajetória tecnológica da
cotonicultura.
As cultivares BRS FACUAL e FMT FETAGRI são duas oportunidades técnicas
excelentes tanto do ponto de vista da produtividade por hectare quanto da resistência a
doenças, o que resulta em queda do uso de agrotóxicos e consequentemente, baixa
contaminação ambiental. Contudo, as duas plantas possuem características para o cultivo pela
agricultura familiar, pois não são adaptadas à mecanização. Assim, elas não representam uma
nova trajetória tecnológica para a grande agricultura empresarial de Mato Grosso, apesar de
abrirem uma enorme trajetória para a agricultura do tipo familiar.
Por outro lado, a agricultura orgânica ou alternativa tem uma proposta bastante
diferenciada da agricultura convencional no tocante à resolução dos impactos dos agrotóxicos.
A fertilização do solo no manejo orgânico provém da adubação verde com leguminosas,
esterco de curral, de compostos de origem animal e micronutrientes permitidos para aumentar
os níveis de matéria orgânica e fixação de nutrientes (IPA-PARECIS, 2002).
O controle de pragas e doenças é feito através de práticas de estimulo ao controle
biológico com predadores e parasitas. Consta basicamente de monitoramento, pulverizações
com produtos vegetais, uso de técnicas de confusão, como armadilhas de feromônios, além do
117
uso de organismos vivos, como fungos e insetos benéficos. As práticas variam conforme a
pressão de insetos e ácaros, que depende da localização da área, das condições climáticas, da
incidência das pragas na safra anterior e das culturas e habitat próximos. Já o controle de
ervas invasoras é feito através de um plano de rotação de culturas, ou ainda por meios
manuais e mecânicos. A produtividade por hectare é menor no cultivo orgânico - pelo maior
espaçamento necessário entre as plantas -, mas a produtividade por planta é mais elevada
(KLONSKY et al., 1995 apud SOUZA, 2000).
O rendimento por planta e por hectare variam muito a cada safra, conforme a
regularidade na distribuição de chuvas, presença de matéria orgânica no solo e adoção de
técnicas preconizadas pelos agricultores (SOUZA, 2000). Este é um importante entrave ao
desenvolvimento da agricultura orgânica, pois a perda da regularidade na relação insumo-
produto eleva a incerteza e, consequentemente, os riscos com a cultura. Na verdade se
abandona as práticas da industrialização da agricultura e passa a depender, em maior grau, dos
fenômenos da natureza. Esta forma de gerir a agricultura traz consigo uma instabilidade muito
maior, onde há uma dificuldade em se celebrar contratos futuros dos produtos agrícolas pela
incerteza em relação ao porvir.
Mesmo apresentando barreiras ao seu desenvolvimento, o IPA-PARECIS, em parceria
com o FACUAL, desenvolveu um projeto alternativo para a cultura do algodão em Mato
Grosso, com manejo diferenciado e menor dependência de produtos químicos, procurando
definir um novo modelo de produção. O experimento foi realizado na safra 2001, na fazenda
do Grupo Itamarati Norte S/A, no município de Campo Novo do Parecis. O algodoeiro foi
cultivado em dois lotes de 10 hectares, sendo um deles no manejo convencional e o outro no
manejo alternativo. As cultivares utilizadas foram: BRS FACUAL, FMT SATURNO®,
CNPA-ITA 97 e IPA 2001 (IPA-PARECIS, 2002).
No manejo convencional, todas as aplicações de agrotóxicos foram feitas conforme a
recomendação do MIP (Manejo Integrado de Pragas) utilizada na área comercial. No manejo
alternativo, o controle de pragas foi realizado com produtos de fácil fabricação na
propriedade, que exercem ação de repelência e que favorecem a proliferação de inimigos
naturais. No manejo alternativo, as principais pragas se fizeram presentes em quase todos os
levantamentos, porém dentro da margem de controle recomendada. A presença dos principais
inimigos naturais também foi observada em todas as fases do cultivo, fato este que eliminou
três pragas na fase final do cultivo: cigarrinha, pulgão e curuquerê. Por outro lado, no manejo
convencional o curuquerê e a lagarta da maçã estavam presentes em todas as avaliações,
provavelmente porque a população de inimigos naturais observada foi muito menor do que no
118
manejo alternativo. Assim, todas as pragas foram controladas nos dois tipos de manejo,
contudo o modo alternativo não agrediu os inimigos naturais, que ajudaram a controlar as
pragas do algodoeiro. O manejo do tipo convencional controlou todas as pragas, mas também
reduziu consideravelmente diversos insetos que convivem em simbiose com o algodoeiro
(IPA-PARECIS, 2002).
No tocante às qualidades intrínsecas da fibra produzida, o algodão oriundo do manejo
convencional alcançou todos os requisitos aceitáveis pela indústria têxtil. Já a fibra produzida
no manejo alternativo não se enquadrou nos índices aceitáveis em três quesitos: micronaire,
resistência e reflectância. Há aqui uma clara dificuldade de aceitação pelo mercado por um
produto de qualidade inferior.
A produtividade média no manejo convencional foi de 202 arrobas por hectare, contra
168 arrobas por hectare no manejo alternativo. Ademais, o custo de produção por hectare foi
mais elevado no modo convencional: R$1.795,18, contra R$1.346,49 no modo alternativo. A
partir destas informações, pode-se calcular o custo por arroba nos dois tipos de manejo:
R$8,88 no convencional e R$8,01 no alternativo. A grande diferença entre os custos se deu
nos tratos culturais fitossanitários, em que o manejo alternativo reduziu em aproximadamente
57% os custos em agrotóxicos, pela substituição de produtos químicos industrias por produtos
naturais fabricados no próprio meio rural (IPA-PARECIS, 2002).
Pode-se, a partir destas informações, chegar a algumas conclusões sobre o manejo
alternativo: i) é possível conviver com as pragas aplicando-se apenas produtos seletivos
fabricados na propriedade rural com biofertilizantes, caldas e extratos vegetais, reduzindo o
impacto ambiental sobre os inimigos naturais e reduzindo a contaminação do solo e da águas
subterrâneas; ii) a produtividade por hectare se reduz em aproximadamente 17%, mas o custo
por arroba recua em 10%, pela diminuição do uso de herbicidas, fungicidas e inseticidas; e
iii) a qualidade intrínseca da fibra fica comprometida, o que requer novos estudos para
encontrar alternativas de elevação da qualidade da fibra dentro do manejo alternativo.
Como não são as baixas produtividades, mas os elevados custos de produção que tem
inviabilizado o cultivo do algodoeiro em diversas regiões, o manejo alternativo apresenta
condições de elevar as vantagens competitivas de custo do algodão mato-grossense pela
redução do uso de agrotóxicos. Além disso, pode-se aliar a queda do custo com uma gestão
ambiental e social responsável, pela redução da contaminação do solo, das águas e da
exposição dos trabalhadores aos produtos químicos (IPA-PARECIS, 2002). Contudo, dois
entraves ainda devem ser resolvidos: i) a melhoria da qualidade da fibra; e ii) a estabilidade da
119
relação insumo-produto para que a cotonicultura orgânica possa gerar acumulação de capital e
manter o estímulo à produção.
Há um claro ponto de inflexão na cotonicultura mato-grossense. O paradigma
representado pela ruptura tecnológica da cultivar CNPA-ITA 90 está se esgotando tanto do
ponto de vista técnico, econômico quanto ambiental. Torna-se necessário empregar as novas
cultivares com resistência múltipla a doenças e pragas, o que reduziria drasticamente a
utilização dos agrotóxicos ou mesmo ingressar na agricultura alternativa, eliminando quase
que totalmente a contaminação ambiental. Contudo, ainda não se verificou a prevalência de
uma nova trajetória tecnológica corporificada em uma destas novas cultivares ou na
agricultura orgânica, o que compromete severamente a sustentabilidade da cotonicultura em
Mato Grosso em um futuro não muito distante. Porém, verifica-se por parte dos agentes locais
uma prevalência em relação à pesquisa de melhoramento genético, pois mais de 41% dos
recursos do FACUAL foram investidos nesta rubrica. Por outro lado, apenas 0,2% das
inversões foram feitas na agricultura orgânica. O risco de se investir em apenas uma trajetória
tecnológica pode comprometer seriamente os investimentos privados no setor cotonícola de
Mato Grosso.
4.4 Principais Desafios à Cotonicultura de Mato Grosso
Já foi amplamente discutido neste trabalho os processos históricos de formação de um
arranjo produtivo diferenciado que conjugaram na concentração da cotonicultura em Mato
Grosso. O papel da renúncia fiscal foi estratégico para garantia da lucratividade da produção
cotonícola no curto prazo. Porém, a manutenção de longo prazo de programas de redução de
impostos carregam consigo riscos e expectativas. Em uma conjuntura favorável em termos de
equilíbrio fiscal - e este é o caso de Mato Grosso -, não se percebe forças contrárias aos
programas de redução da carga tributária em setores específicos. Mas, se as receitas tributárias
sofrerem um viés de baixa ou os custos de operação do Estado se elevarem, gerando
novamente déficit público, o Governo poderá rever as regras e suspender os programas de
renúncia fiscal para fazer face aos seus compromissos orçamentários. Além disso, mudanças
de cunho político-ideológico na direção do Governo podem representar um risco real às
políticas de incentivo fiscal.
Desta forma, os incentivos fiscais podem ser considerados vantagens competitivas
espúrias, distorcendo os custos de oportunidade no curto prazo, onde a incerteza e o risco
120
efetivamente estão presentes, garantindo competitividade para os sistemas produtivos locais
em um espaço de tempo indeterminado (HADDAD, 1998)41. A indeterminação quanto à
manutenção dos programas de renúncia podem desestimular novos investimentos na
cotonicultura e nos diversos setores interligados, impedindo ganhos em competitividade
sistêmica. Apesar disto, a permanência ou não do programa de redução do ICMS sobre a
cotonicultura é uma variável de relativo grau de controle, pois independe de agentes
exógenos.
A questão relacionada ao crescente uso de agrotóxicos e do custo de produção pode
ser equacionada com a utilização das novas variedades resistentes a pragas e doenças ou a
transição para o manejo orgânico. O certo é que um novo paradigma deverá ser posto em
prática se os agentes locais decidirem manter a cotonicultura em Mato Grosso.
Tanto o programa de renúncia fiscal quanto os programas de P&D são ações
tipicamente endógenas a Mato Grosso, onde ambas variáveis, que já foram estratégicas para
atrair a cultura para dentro do estado, também podem ser consideradas variáveis-chave na
permanência da atividade na região. Há, com certeza, um relativo grau de controle sobre elas,
na medida que uma nova trajetória tecnológica ou um novo programa de auxílio fiscal podem
gerar efeitos positivos sobre a atividade produtiva.
Mas a cotonicultura mato-grossense está inserida em um contexto maior da
globalização produtiva, onde um mosaico de variáveis atuam conjuntamente e onde os
agentes locais não tem o menor grau de controle sobre elas. Este, a rigor, é o grande busílis
para a manutenção da cotonicultura em Mato Grosso. Há, pelo menos, nove grandes
movimentos a nível nacional e internacional que podem afetar a produção de algodão em
Mato Grosso e que serão aqui brevemente abordados.
Após o sucesso alcançado pelo PROALMAT em elevar o investimento, a produção e o
PIB da cotonicultura, outras três unidades federadas com potencial natural de expandir a
cultura nos mesmos moldes técnicos de Mato Grosso copiaram o programa de incentivo.
Conforme afirma Mário Possas (POSSAS, 1987), as vantagens absolutas de custo podem ser
derrubadas a partir da imitação dos concorrentes. As vantagens alcançadas pelos produtores
mato-grossenses podem ser sensivelmente reduzidas em relação aos cotonicultores sediados
41 As vantagens competitivas espúrias são aquelas que não se sustentam no longo prazo por estarem fundamentadas apenas em: i) incentivos fiscais e financeiros recorrentes, que podem desaparecer a partir das exigências de um programa de estabilização econômica; ii) no uso predatório dos recursos naturais do ecossistema, que podem se restringir ou por limitações físicas ou por legislação ambiental; iii) na sobre exploração da força de trabalho, que pode encontrar resistências políticas ou legais com o avanço da democratização; ou iv) na informalidade e na clandestinidade de suas operações, que podem chocar-se com a modernização e eficácia dos sistemas tributários e previdenciários (HADDAD, 1998).
121
em Mato Grosso do Sul, Goiás e Bahia, estados que promoveram a cópia do programa de
renúncia fiscal e capacitação tecnológica.
Ademais, estes três estados estão localizados muito mais próximos dos centros
consumidores e dos portos de exportação, o que garante custos logísticos menores. Na Tabela
40 pode-se perceber que os incentivos criados nos três estados supracitados seguem a mesma
receita de Mato Grosso, com a criação de um fundo financiador de tecnologia que passa a ser
auto financiado pela produção de algodão, tornando endógeno ao arranjo produtivo a efetiva
geração de tecnologia. Além disso, os programas contam com redução de até 75% de ICMS
ad valorem. O resultado destas ações pode ser de uma simples redução da participação
relativa de Mato Grosso na produção brasileira de algodão a um deslocamento que
desorganize totalmente o complexo produtivo do algodão no espaço mato-grossense.
Tabela 40. Programas de Incentivo à Cultura do Algodão em Mato Grosso, Goiás, Mato Grosso do Sul e Bahia
Características/Estados Mato Grosso Goiás Mato Grosso do Sul Bahia
Programa PROALMAT (a) PROALGO (b) PDAGRO (c) PROALBA (d)
Regulamentação Lei n.° 6.883, De 02/06/1997
Lei n.° 13.506, De 09/09/1999
Decreto n.° 9.716, de 01/12/1999
Lei n.° 7.932, de 19/09/2001
Incentivo Fiscal Redução de até 75% do ICMS
Redução de até 75% do ICMS
Redução de até 75% Do ICMS
Redução de até 50% do ICMS
Fundo de Geração de Tecnologia FACUAL (e) FIALGO (f) PLUMA (g) FUNDEAGRO (h)
Origem dos Recursos do Fundo
Constituído com 15% do valor concedido pela renúncia fiscal
Constituído com 15% do valor concedido pela renúncia fiscal
Constituído com 15% do valor concedido pela renúncia fiscal
Constituído com 10% do valor concedido pela renúncia fiscal
Fonte: Elaborada pelo autor com base nos seguintes textos: Mato Grosso, 1997; Goiás, 1999; Mato Grosso do Sul, 1999; e Bahia, 2001. (a) Programa de Incentivo à Cultura do Algodão de Mato Grosso (b) Programa de Incentivo ao Produtor de Algodão de Goiás (c) Programa de Desenvolvimento da Produção Agropecuária de Mato Grosso do Sul (d) Programa de Incentivo à Cultura de Algodão da Bahia (e) Fundo de Apoio à Cultura do Algodão (f) Fundo de Incentivo à Cultura do Algodão (g) Fundo de Desenvolvimento da Cultura do Algodão (h) Fundo de Desenvolvimento do Agronegócio do Algodão Um segundo elemento de preocupação é o relativo abastecimento do mercado interno,
que passou a ser suprido pelo algodão nacional no período pós-1997. O algodão importado foi
deslocado para fora da curva de demanda e a produção nacional ocupou o seu lugar em um
movimento de extraordinária recuperação. Contudo, uma vez atendido o mercado interno, a
expansão da cotonicultura depende da demanda pelo mercado internacional. E este é um
terceiro ponto de interrogação dentro do setor, pois nas duas últimas décadas a elasticidade da
demanda pela fibra do algodão tem permanecido muito baixa, em torno de 1% ao ano, o que
122
sugere dificuldades de elevação constante da produção, pela clara situação de insuficiência de
mercado consumidor [(BECERRA, 2001); (MURARO, 2001)].
Como complicador a esta baixa expansão da demanda, a safra mundial de algodão tem
crescido a uma taxa de 2% ao ano durante os últimos quinze anos, gerando estoques mundiais
de atualmente oito milhões de toneladas, um número que não sugere risco de
desabastecimento (MURARO, 2001). Como corolário desta equação, a não expansão dos
preços devido a abundante oferta pode comprometer a manutenção da produção cotonícola
em diversas regiões - inclusive Mato Grosso - em um momento de forte elevação dos custos
de produção.
A baixa elasticidade da demanda da fibra está diretamente relacionada com a
concorrência das fibras sintéticas, pois estas - principalmente o poliéster - tem sido ofertadas a
preços competitivos ao algodão. Não obstante, a taxa de crescimento do consumo das fibras
sintéticas está próximo de 6,1% ao ano, contra apenas 1% da fibra de algodão. Para a ICAC, o
maior desafio a ser enfrentado pelos cotonicultores é a concorrência direta das fibras
sintéticas, que já representam 56% e as fibras de algodão apenas 40% do consumo global de
fibras pela indústria têxtil [(AMPA, 2002); (RUCKRIEM, 2001)].
Nesta interessante dinâmica em que está envolvida a cotonicultura mato-grossense, há
pelo menos ainda dois pontos de grande importância a serem mencionados. O primeiro é a
questão dos subsídios à produção e o segundo é a questão das variedades transgênicas.
Há um grande consenso por parte dos governos membros da ICAC de que os subsídios
governamentais e as barreiras comerciais de alguns países contribuem de forma direta sobre a
volatilidade dos preços e impactam adversamente o nível de produção de algodão em alguns
países (AMPA, 2002). A nação que mais se vale destas práticas são os EUA. O Regulamento
Rural dos EUA quase tornou o custo de produção irrelevante naquele país, pois quando no
mês de abril de 2002 a cotação internacional da fibra de algodão na Bolsa de Nova Iorque
estava em US$0,34 por libra-peso, os produtores recebiam do governo norte-americano
US$0,63 por libra-peso.
Mesmo com um custo de produção acima da média dos preços internacionais e um
nível de produtividade pouco acima da média global - o que retrata a baixa eficiência do
arranjo produtivo cotonícola daquela país - o resultado desta política de subsídios garantem
que 20% da produção mundial sejam realizadas dentro das fronteiras dos EUA. Além disso, o
algodão norte-americano representa 35% do algodão comercializado internacionalmente,
sendo este país o líder no comércio externo neste segmento. As práticas de subsídio norte-
americano agem de forma negativa sobre a produção de muitos países - como Argentina e
123
Paraguai - que se tornariam competitivos no mercado globalizado caso não houvesse a
utilização de subsídios [(RUCKRIEM, 2001); (NASSIF, 2002)]. Caso não sejam revistas as
práticas protecionistas para o algodão norte-americano, a produção cotonícola do Brasil e de
Mato Grosso poderá ter dificuldades de competir no mercado externo e, consequentemente,
expandir sua produção no curto prazo.
Durante a 60.ª Reunião Plenária do ICAC em 2001, em Zimbabwe, aquele comitê fez
notar que o uso de variedades geneticamente modificadas42 de algodão pelos cotonicultores
está crescendo rapidamente em todo o mundo43, porque o seu emprego diminui drasticamente
a necessidade do uso de inseticidas no processo de produção (AMPA, 2002).
A biotecnologia é uma ferramenta importante para a agricultura, na medida em que,
com a intensificação da competição global, há a possibilidade de oferecer ao mercado o
produto especificado e desejado pelos consumidores. Além disso, a biotecnologia permite
incorporar maior competitividade aos produtos pela diminuição dos custos de produção,
calcada em: i) tolerância a herbicidas; ii) resistência a pragas e doenças; iii) tolerância a
condições adversas, tais como metais tóxicos do solo, calor, frio e estresses abióticos e
iv) maior eficiência na absorção de fósforo. Assim, a chamada "revolução genética" caminha
no sentido oposto à "revolução verde", pela menor dependência da utilização de insumos
(PORTUGAL, 2000).
A redução de agrotóxicos na agricultura tem rebatimentos diretos sobre o custo de
produção e a capacidade de competir em um mercado de baixa elasticidade da demanda como
a cotonicultura - que requer busca de eficiência a todo momento. Como já mencionado, não
são as baixas produtividades, mas os custos crescentes que tem inviabilizado a produção em
diversas regiões do globo. Assim, qualquer ação que retire insumos da pauta de produção e
que não comprometa o produto final é vista como estratégica na busca de ganhos
competitivos. Em um plano maior, há também a redução da contaminação ambiental na
utilização destas novas variedades de cultivares. Recentes estudos utilizando um algodão
42 A engenharia genética tem a sua gênese nos Estados Unidos da América, no início da década de 1970. Contudo, as primeiras plantas transgênicas obtidas por engenharia genética somente começaram a ser liberadas no campo em meados da década de 1980. Mas apenas no início da década de 1990 é que as plantas transgênicas passaram a ser efetivamente comercializadas, como o tomate de maturação lenta da CALGENE e a soja resistente ao herbicida "Round-Up" da MONSANTO (PORTUGAL, 2000). A engenharia genética se utiliza da técnica do DNA recombinante, que permite que um gene de uma espécie seja isolado e inserido em outra espécie, sem a necessidade de compatibilidade sexual. Uma vez inserido, a descendência conterá cópia do novo gene e poderá ser reproduzida na maneira convencional. Nas culturas transgênicas que atualmente estão sendo comercializadas, foram incorporadas características da primeira geração (input traits), que conferem vantagens agronômicas, ou seja, aquelas dirigidas para a solução de estresses ambientais. As novas plantas são conhecidas como organismos geneticamente modificados (OGM) (ZANETTINI, 2002). 43 Nos EUA, 61% da safra de algodão no ano 2000 foi composta com plantas geneticamente modificadas (HARLANDER, 2002). Outros cinco países também já adotaram o uso destas plantas no cultivo do algodão: Argentina, Austrália, China, México e África do Sul. A área plantada com algodão transgênico correspondeu a 12% do total de área plantada com algodão no mundo em 2001 (CHAUDHRY, 2002).
124
geneticamente modificado resistente a lagartas, o algodão BT (de Bacillus Turigiensis),
alcançaram até 20% de redução dos custos totais de produção pela diminuição do uso de
inseticidas. Este tipo de planta abre amplas possibilidades de geração de competitividade para
as regiões que a utilizarem, gerando assimetrias entre estes países e aqueles que ainda não
detém ou não aceitam o uso de organismos geneticamente modificados (ABA, 2002).
A Lei de Biossegurança de 1995, aprovada no Congresso Nacional, não proibiu a
pesquisa e a utilização das OGM (Organismos Geneticamente Modificados) no Brasil.
Contudo, o cultivo comercial de plantas transgênicas está proibido no Brasil por decisão
judicial desde agosto de 2000. Esta proibição impossibilita a inclusão do Brasil ao círculo
produtivo da biotecnologia, que em um futuro próximo poderá comprometer a produtividade
da cotonicultura brasileira (e do conjunto agrícola) frente aos seus principais concorrentes,
reduzindo a competitividade do agro brasileiro. A EMBRAPA encara a biotecnologia como
um importante instrumento para uma agricultura competitiva e sustentável, se transformando
na base da segurança alimentar e da competitividade das exportações (PORTUGAL, 2000).
Com base nos últimos dois capítulos, pode-se afirmar que a cotonicultura de Mato
Grosso possui características de elevada instabilidade. Fatores estruturais dos campos técnico
e econômico podem comprometer a produção cotonícola mato-grossense e reorganizá-la em
outros espaços econômicos. Diversas ações de grupos endógenos tem buscado alternativas
tecnológicas e institucionais para a manutenção deste arranjo produtivo em Mato Grosso.
Expectativas positivas da abertura de novos mercados, a possibilidade de uma nova
trajetória tecnológica, a manutenção de baixas alíquotas tributárias e a melhoria da infra-
estrutura convivem com expectativas negativas da difusão dos incentivos fiscais por diversos
estados brasileiros, a baixa elasticidade da demanda, a depressão dos preços devido aos
elevados estoques mundiais, a concorrência das fibras sintéticas, os subsídios norte-
americanos, a proibição da utilização de variedades transgênicas e a poluição ambiental.
Porém, os agentes endógenos de Mato Grosso já demonstraram capacidade de
superação de desafios durante a década de 1990, criando inovações tecnológicas e buscando
alternativas institucionais para a construção de diferenciais que sustentaram a convergência da
produção cotonícola àquele estado. Desta forma, os diversos desafios que agora se afloram
representam mais um momento de seleção pelo mercado. As regiões que detém uma maior
criatividade na busca de soluções às pressões do sistema poderão alcançar sucesso em se
manter no mercado globalizado. Se as ações estruturadas dos produtores rurais, do Governo
Regional e das instituições de P&D obterem sucesso de diferenciação do seu produto ou
mesmo redução dos custos de produção, o arranjo produtivo do algodão de Mato Grosso
125
certamente manterá sua posição relativa tanto a nível nacional quanto no mercado externo. O
foco principal dos objetivos deve ser a elevação da produtividade dos fatores via
diferenciação do produto ou do custo, que permita a atração de excedentes, ou seja,
acumulação de capital.
O jogo das expectativas pode refletir o jogo do mercado, que em alguns anos definirá
se o arranjo produtivo regional de Mato Grosso é forte o suficiente para encontrar alternativas
de sobrevivência e manter suas vantagens competitivas ou se a sua estrutura interna ainda é
incipiente e fraca ao ponto de ser expurgada do mercado cotonícola mundial. O certo é que
somente uma forte política de inovações aliada a uma atuação institucional poderão manter a
posição relativa de Mato Grosso, criando e recriando vantagens competitivas regionais,
elevando a produtividade e gerando rendimentos crescentes dentro do arranjo produtivo
regional do algodão.
126
CONCLUSÃO
O período compreendido entre o fim da década de 1980 e a primeira metade da década
de 1990 marcaram um período de crise tanto da cotonicultura quanto do modelo de
desenvolvimento regional no Brasil. O Governo Federal focava suas ações cada vez mais em
problemas macroeconômicos de curto prazo, reduzindo sensivelmente as políticas estruturais
de crescimento econômico regional. Assim, a cotonicultura foi abandonada, como diversos
outros setores, à sua própria sorte, sem uma política clara de sustentabilidade econômica. O
resultado foi uma elevação da concorrência internacional que dizimou a produção de enorme
parcela dos pequenos cotonicultores das regiões produtoras tradicionais - São Paulo, Paraná e
o Nordeste.
Mesmo imerso nesta grave crise, a iniciativa privada sediada em Mato Grosso e a
EMBRAPA encontraram, no ano de 1990, uma alternativa tecnológica incorporada em uma
nova planta (CNPA-ITA 90) totalmente adaptada à região de Cerrado, passível de
mecanização e com elevada produtividade de pluma de algodão por hectare plantado. Porém,
a falência do modelo de desenvolvimento brasileiro, incapaz de estimular a produção
cotonícola regional, aliada a uma conjuntura econômica nacional desfavorável e também a
ausência de um manejo correto da cultura no Cerrado de Mato Grosso fizeram com que a
cultura do algodão permanecesse apenas em um movimento marginal naquele estado entre
1990 e 1997. Destes três problemas, pelo menos um deles foi resolvido entre 1994 e 1997,
com a ação de instituições de P&D. Em um esforço que envolveu diversas instituições
públicas e privadas, o manejo correto de todas as fases da cultura foi catalogado - learning by
searching - e o controle de pragas e doenças foi definido, pautado no aprendizado dinâmico -
learning by failing e learning by doing -, dos primeiros produtores de algodão daquele estado.
Alterações nas políticas públicas adotadas em 1996-97 pelo Governo Federal
estabeleceram uma conjuntura favorável à retomada da produção de algodão em todo o Brasil.
Como as instituições de P&D já haviam resolvido os problemas de ordem técnica no manejo
de Cerrado, Mato Grosso estava preparado para desenvolver naturalmente esta cultura em seu
espaço geográfico. O incentivo fiscal criado pelo Governo do Estado de Mato Grosso em
1997 veio garantir uma elevação substancial da lucratividade, capaz de potencializar o
processo de elevação da área plantada com algodão.
Como corolário da geração de tecnologia, seguiu-se um amplo programa de difusão do
conhecimento técnico pelo espaço mato-grossense, onde instituições públicas e privadas como
127
EMBRAPA, Itamarati Norte, Fundação MT, Fundação Centro-Oeste, FUNDAPER, Fundação
Rio Verde e IPA-Parecis foram fundamentais no processo de capacitação tecnológica dos
agentes produtivos. Formou-se assim, um ambiente favorável ao desenvolvimento da
cotonicultura em Mato Grosso, fundamentado em ações de grupos endógenos. A iniciativa
privada, vislumbrando uma excelente alternativa de investimento e acumulação de capital,
selecionou a atividade produtiva. O Governo do Estado, se valendo de uma nova política de
desenvolvimento, reduziu os impostos e criou um fundo de fomento à geração de tecnologia.
E as instituições de P&D, gerando alternativas em tecnologias de processo e produto, bem
como difundindo o conhecimento técnico por todo o espaço, elevando assim a capacitação
tecnológica dos agentes.
A ação destes grupos gerou um arranjo produtivo regional capaz de garantir vantagens
competitivas, onde a produção de algodão cresceu de forma exponencial no período entre
1998 e 2001, concentrando mais de 50% da produção brasileira em solo mato-grossense.
Pode-se afirmar, assim, que em Mato Grosso há uma tendência de manifestação de um
fenômeno que tem sido chamado de desenvolvimento regional endógeno, acontecimento em
que os agentes regionais - governo, iniciativa privada, sociedade civil, instituições de P&D,
entre outros - passam a determinar as suas metas e objetivos comuns. Ademais, o
aparecimento de vantagens competitivas do algodão mato-grossense indicam a manifestação
do Efeito H do desenvolvimento endógeno, que se traduz em geração de sinergias entre os
participantes do arranjo produtivo, elevando a acumulação de capital, que implica em
crescimento da renda regional, da arrecadação tributária estatal, dos recursos para geração de
P&D e recursos para organização institucional. Além disso, cada um destes fatores agindo
sobre os demais, reforça o movimento de ganhos competitivos regionais, o que produz uma
interessante atmosfera em direção ao desenvolvimento regional.
Este caso paradigmático de desenvolvimento endógeno encerra algumas
peculiaridades. Uma delas é a forma de geração de P&D, que não está diretamente
dependente de recursos públicos. Há uma clara inversão na forma de se produzir tecnologia
cotonícola em Mato Grosso. As instituições privadas estão financiando os programas de P&D
com recursos próprios, visando a elevação da produtividade e qualidade do produto final, que,
a rigor, pode-se chamar de manutenção/elevação das vantagens competitivas. O interessante
neste processo é que a busca de novas tecnologias em um ambiente competitivo tornou-se
endógeno ao arranjo produtivo, interagindo com ele, criando e recriando formas de alcançar
posições de monopólio temporário.
128
Uma outra peculiaridade é a importante alteração no planejamento do Governo
Estadual. Este agente não planejou nem decidiu que a cotonicultura seria desenvolvida em
Mato Grosso. A iniciativa privada já estava naturalmente imersa no arranjo produtivo. O
Governo Regional apenas induziu e potencializou o fenômeno que já estava se consolidando
endogenamente. A oportunidade de um mercado consumidor interno, a existência de uma
trajetória tecnológica, a difusão do conhecimento e a organização institucional da classe
produtiva apenas foi potencializada com o incentivo fiscal, que em conjunto, resultaram na
expansão e consolidação da cotonicultura em Mato Grosso.
Uma terceira peculiaridade neste processo de concentração da produção cotonícola em
Mato Grosso refere-se à capacidade de cooperação entre os agentes locais. Desde a busca de
uma nova cultivar em um convênio entre instituições privadas e públicas, passando pela
colaboração conjunta dos cotonicultores para encontrar uma manejo correto da cultura,
chegando aos novos canais de comunicação que unem o Governo, os produtores e as
instituições de P&D. Esta ajuda mútua entre os agentes tem sido de fundamental importância
na explicação deste fenômeno. Problemas de ordem técnica, econômica, marketing e infra-
estrutura são constantemente debatidos, com o objetivo de manter os atuais níveis de
produção naquele estado e ampliar a produção no futuro. Todos ao agentes tem claros
interesses em sustentar a posição relativa de Mato Grosso no cenário cotonícola nacional. A
formação de um tecido institucional forte pode garantir vantagens comparativas de Mato
Grosso na resolução de entraves ao desenvolvimento da cultura.
Contudo, há um claro momento de estrangulamento, onde diversas variáveis estão
agindo negativamente sobre a cotonicultura mato-grossense. Pode-se mencionar pelo menos
doze grandes problemas: i) mercado nacional suprido; ii) baixa elasticidade da demanda a
nível global; iii) alta elasticidade da oferta a nível global; iv) aumento dos estoques mundiais;
v) preços em queda em função dos estoques elevados; vi) subsídios do governo dos EUA;
vii) elevação dos custos de produção pelo uso crescente de agrotóxicos; viii) cópia do
programa de incentivo à cotonicultura pelos estados de Goiás, Mato Grosso do Sul e Bahia;
ix) indeterminação da continuidade do programa de renúncia fiscal; x) concorrência das fibras
sintéticas; xi) proibição do uso de variedades transgênicas; e xii) a poluição ambiental.
Destes doze grandes problemas, nove deles são exógenos e os agentes locais tem
pouca ou nenhuma influência em resolvê-los. Mas em três deles há possibilidades de reversão.
Os agentes devem trabalhar para que os incentivos fiscais se tornem efetivos ao ponto de
garantir vantagens competitivas de custo do algodão mato-grossense, pois, considerando a sua
posição geográfica, os custos atuais de transporte inviabilizariam a continuidade desta
129
produção. Assim, a redução da carga tributária garante uma lucratividade superior mesmo em
desvantagens de logística. A eliminação do incentivo fiscal pode comprometer seriamente a
produção cotonícola de Mato Grosso. A resolução da questão da elevação dos custos de
produção em função da crescente utilização de agrotóxicos passa obrigatoriamente pelas
instituições de P&D locais. Novas cultivares ou novas formas de manejo devem ser buscadas
e selecionadas para garantir a queda dos custos unitários de produção e também reduzir a
contaminação ambiental já verificada em algumas regiões de Mato Grosso. Neste ponto há
perspectivas positivas de se ingressar em uma nova trajetória tecnológica nos próximos anos,
tanto na agricultura tradicional quanto na alternativa, o que permitiria uma sustentação, ao
menos temporária, da cotonicultura naquele estado.
Este quadro desafiador que se apresenta para a manutenção desta cultura em Mato
Grosso se assemelha ao próprio desenvolvimento histórico da cotonicultura naquele espaço. A
ação da iniciativa privada, do Governo regional e das instituições de P&D configuraram a
formação de um arranjo produtivo regional superando adversidades de ordem técnica e
econômica durante a década de 1990. Para a sua permanência no futuro, somente a atitude
conjunta destes três agentes poderá garantir a sua efetiva sustentabilidade econômica e
ambiental, assegurando a queda dos custos, a elevação da qualidade, o crescimento industrial
regional e a inserção no mercado internacional. Estas medidas poderão evitar um
deslocamento da cultura para outras regiões produtoras, mantendo o nível de renda regional e
a possibilidade de desenvolvimento econômico e social de Mato Grosso.
Enfim, este caso paradigmático de desenvolvimento endógeno pode ser observado
como uma alternativa para o desenvolvimento dos diversos espaços econômicos, na medida
que a vocação produtiva regional é assegurada, evitando ações "por cima do mercado", onde
novos fatores são colocados estrategicamente no centro da análise, como a geração, acúmulo e
difusão do conhecimento e a cooperação dos agentes em busca da eficiência coletiva. Nesta
perspectiva, o desenvolvimento endógeno passa a compor o rol de ferramentas para a
investigação de alternativas ao desenvolvimento dos espaços e subespaços nacionais.
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ANEXO I
Os Dez Principais Municípios Produtores de Algodão no Estado Mato Grosso - Safra 2000
Municípios Produção (ton.) % 1 - Campo Verde 147.642 14,72 2 - Sapezal 108.740 10,84 3 - Novo São Joaquim 104.068 10,38 4 - Itiquira 71.187 7,10 5 - Primavera do Leste 64.273 6,41 6 - Rondonópolis 60.891 6,07 7 - Pedra Preta 60.635 6,05 8 - Campo Novo do Parecis 44.863 4,47 9 - Sorriso 44.357 4,42 10 - Lucas do Rio Verde 39.075 3,90 Outros 257.105 25,64 Total 1.002.836 100,00
Fonte: IBGE - Produção Agrícola Municipal (2002)
ANEXO II
Logística de Transportes de Integração Sul-Americano