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A EDUCAÇÃO E AS RELAÇÕES DE PODER NO REINO VISIGODO A PARTIR DO BISPO ISIDORO DE SEVILHA
(589-636)
Ma. Pâmela Torres Michelette INTRODUÇÃO
Este presente trabalho busca inserir-se nas discussões historiográficas atreladas
as questões polít ico-religiosas a partir do mote educacional no reino católico visigodo
(589 a 711)1. No entanto, nossa proposta se centrará em sua fase de consolidação,
que compreende os anos de 589 a 633. Tais marcos cronológicos correspondem,
respectivamente, a conversão oficial ao catolicismo niceísta – registrado no III Concílio
de Toledo (589)2 – e a realização do IV Concílio de Toledo (633)3. Este último
sínodo foi organizado e presidido pelo bispo Isidoro de Sevilha4, que foi, também, o
autor de obras fundamentais para se compreender este contexto histórico: Etimologias5 e
Sentenças6. Além destas obras, também cotejaremos os Concílios Visigóticos. De
forma a comparar os elementos que nos permitem explicitar a importância que a
educação assumiu nas relações de poder.
O propósito principal deste trabalho é identificar como o ambiente político-
religioso do reino visigodo, no século VII, influenciou a construção das ideias
educacionais de Isidoro de Sevilha. Pois, acreditamos que este bispo procurou
estabelecer, em alguns de seus trabalhos, uma conduta de ensino direcionada a alguns
1 Em fins do século IV ocorreu à entrada desses povos germânicos nos territórios do Império Romano Ocidental que já se encontrava em processo de fragmentação. No caso dos visigodos esses já ingressaram nas regiões imperiais convertidos ao arianismo. 2 CONCILIOS VISIGÓTICOS E HISPANO-ROMANOS. Ed. bilíngüe (latim-espanhol) de J. Vives. Barcelona Madrid: CSIC, 1963, p. 107-145. 3 CONCILIOS VISIGÓTICOS E HISPANO-ROMANOS. Ed. bilíngüe (latim-espanhol) de J. Vives. Barcelona Madrid: CSIC, 1963, p. 186-225. 4 Isidoro de Sevilha (560-636), ver sobre biografia em: LOYN, H. R. Dicionário da Idade Média. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997, p. 212-213; QUILES, Ismael S. I. San Isidoro de Sevilla, Biografia-Escritos-Doctrina. Madrid: Espasa – Calpe, 1965; URBEL, P. San Isidoro de Sevilla. Su vida, su obra y su tiempo. León: Labor, 1995. 5 ISIDORO DE SEVILHA. Etymologiarum. Ed. Lindsay. Traducción de J. O. Reta e M. AM. Casquero. Madrid: BAC, 2v, 1982. 6 ISIDORO DE SEVILHA. Sententiarum. Ed. Bílingue (Latim-Espanhol) de J. de Campos e I. Roca. Santos Padres Españoles. 2v. Madrid: BAC, v2, 1971.
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grupos da sociedade. Ou seja, a educação no Reino Visigodo teve um realce no
fortalecimento da Igreja, da cristianização das populações e da continuidade do clero.
Os membros do episcopado, tradicionalmente os de idade mais avançada, foram os
responsáveis por fomentar a organização de caráter escolar, como forma de difundir e
afirmar uma cultura com características específicas e de inspiração religiosas, que
permitisse que o reino os reconhecesse, e mais do que isso, adotasse a sua forma de
agir, pensar e ver o mundo.
REFERENCIAL TEÓRICO
Muito já foi escrito a respeito das teorias elaboradas pelas autoridades
eclesiásticas com o objetivo de afirmar sua legitimidade no reino visigodo. Porém,
a afirmação não é válida quando pensamos na questão educacional. De toda forma,
podemos identificar algumas abordagens que servirão de suporte para este trabalho no
delineamento das principais questões a serem desenvolvidas abordadas. Como forma de
apresentação, dividiremos em duas partes, uma primeira em que trataremos sobre Reino
Visigodo e ao bispo Isidoro de Sevilha e uma segunda em que sublinharemos as
concepções sobre a educação e as relações de poder na Primeira Idade Média.
Reino Visigodo e Isidoro de Sevilha
Orlandis7 destacou, a respeito da Hispânia visigoda, que a teoria política
visigoda sofreu grande influência do bispo Isidoro de Sevilha. A legitimidade de um
monarca se perderia caso ele não agisse corretamente, ou seja, em conformidade com
os pressupostos definidos pelas autoridades eclesiásticas. Embora isso confirme um
esforço por parte dos bispos em subjugar em alguns momentos a seus poderes os reis.
Porém, considerando as crônicas do período como fontes, o autor conclui que as
propostas eclesiásticas pouco influenciaram a estrutura política visigótica.
Neste cenário, segundo J. Orlandis, o princípio que predominava era o de
orige m romana, especificamente proposta por autores do Baixo Império. Tal noção 7 ORLANDIS, J. Historia del Reino Visigodo Español. Madrid: Rialp, S. A., 1988; ORLANDIS, J. La Iglesia en la España Visigotica y Medieval. Pamplona: Ediciones Universidad de Navarra, 1976; ORLANDIS, J. “El rey visigodo católico” in. AA. VV., De la Antigüedad al Medievo – Siglos IV-VIII. III Congreso de Estudios Medievales. sl.: Fundacion Sanchez Albornoz, 1993, pp.55-64.
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fundamentava-se na origem do poder, mas não em termos religiosos, e sim da maneira
como um indivíduo chegava ao trono. Os escritores romanos que pensaram a teoria
política deram um direcionamento específico ao conceito de “tirania” que significava,
para eles, uma ascensão ao poder a partir de golpes contra governantes legitimamente
eleitos. Segundo o autor, tais golpes eram frequentes no quadro político visigodo, e
diante dessa conjuntura a Igreja Hispano-visigoda adotou uma posição conciliadora,
esforçando-se evitar novas tentativas de golpes a partir dos cânones conciliares e outros
documentos, tais como sentenças, histórias, crônicas, etc. Conforme as conclusões de J.
Orlandis, a Igreja se encontrava em uma posição de pouco impacto nesse cenário
político.
Outro autor de destaque é M. Diez8, que em seu artigo a respeito dos
concílios toledanos, aponta que a partir do IV concílio as reuniões conciliares foram
mais frequentes e passaram a ocorrerem em geral a cada três anos. Para Diez a maior
incidência dos concílios foi um fator de fortalecimento da Igreja, em especial, o IV
concílio que marcou uma virada na história da Igreja hispânica, pois a partir desse
sínodo, elementos explicitamente políticos figuraram as atas conciliares pela primeira
vez. M. Diez teve por objetivo traçar as formulações ideológicas que deram origem
aos concílios de Toledo, para tanto, seu enfoque voltou-se para características político-
religiosas que infundiram caráter próprio a essas assembleias.
Além de convocar os concílios, o autor chama-nos a atenção para o aspecto de
que os monarcas tanto indicavam o que deveria ser discutido nos mesmos como muitas
vezes propunham as decisões que deveriam ser tomadas. Em muitos casos o rei recorria
aos concílios para reforçar algumas de suas decisões, ou seja, o monarca buscava
legitimidade fundamentando-se nessas reuniões eclesiásticas. Esse comportamento por
parte da Monarquia dependia da fragilidade do governante.
E. A. Thompson9, em seu livro, também faz uma análise do reino visigodo
fundamentada nos cânones conciliares que tratavam acerca de elementos seculares,
concluindo que na relação Monarquia e autoridades eclesiásticas, o rei era dominante.
Tal conclusão baseia-se na comparação entre a importância real e as decisões
8 MARTINEZ, D. G. Los Concilios de Toledo. Anales toledanos v. III – estúdios sobre la España visigoda. Toledo: Disputación provincial, 1971, pp.119-138. 9 THOMPSON, E. A. Los Godos en España. Madrid: Alianza Editorial, 1971.
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conciliares. Este pesquisador chama-nos a atenção para o fato de que algumas das
deliberações conciliares estavam em conformidade com as instruções dadas pelos
monarcas, assim os bispos se limitavam a sempre confirmar as decisões tomadas pelo
rei. Embora os concílios servissem também como instrumento político, tal aspecto se
restringia a legitimar uma posição previamente decidida, os bispos não desafiavam o
governante. O autor com essa conclusão não minimiza a importância política dos
concílios, embora esses nem sempre fossem relevantes para dar maior autoridade ao rei.
Seus estudos se aproximam das conclusões de M. Diez. Contudo, E. A. Thompson é,
em suas análises, incisivo ao colocar a Igreja hispano- visigoda em uma posição de
subordinação perante a Monarquia.
O pesquisador G. Moreno10 fornece-nos uma visão ímpar da dependência do
monarca com relação à Igreja. Para esse autor as limitações do poder do rei se deram
muito em função do fortalecimento da nobreza aristocrática e das autoridades
eclesiásticas. Podemos perceber que, contrariamente as ideias de J. Orlandis, G.
Moreno considerou elementos de origem germânica na construção de uma teoria
política visigoda, ressaltando que tais características sofreram um processo de
cristianização.
G. Moreno identifica, no século VII, uma crescente dependência dos monarcas
frente à Igreja. O ritual da unção seria o fator que melhor comprova essa suposição,
embora elevasse o rei a uma posição superior aos outros homens, o seu poder se
tornava limitado na medida em que eram obrigados a aceitar certas sanções. A análise
deste autor mapeia esta gradativa debilidade da Monarquia. Desta forma, esse
historiador considera que no século VI o governante secular mostrava-se mais poderoso
do que os líderes eclesiásticos, todavia no século VII, foi possível identificar uma
inversão deste cenário político-religioso.
O historiador R. Friguetto11, da mesma forma que J. Orlandis, destacou os
elementos de origem romana na construção da teoria política visigoda. Entretanto, além
de simplificar a questão indicando a ocorrência de um processo de efetiva aculturação,
explicita que é necessário levar em consideração dois aspectos que não se excluem: a
existência de elementos conservados da cultura e política romana e a emergência de 10 GARCIA MORENO, L. A. Historia de España Visigoda. Madrid: Cátedra, 1989. 11 FRIGHETTO, R. Cultura e Poder na Antigüidade Tardia Ocidental. Curitiba: Juruá, 2000.
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novos aspectos ou construídos a partir da tradição clássica, porém, sob uma nova
interpretação.
No que diz respeito à elaboração da teoria política destinada a legitimar o
monarca, R. Friguetto ressalta que tal pretensão estava diretamente relacionada ao
fortalecimento de uma aristocracia cujos poderes eram, sobretudo, regionais e, por
conseguinte questionavam as tentativas de centralização empreendidas pelos monarcas
visigodos. Tais formulações teóricas visavam equilibrar as relações de poder entre as
três principais instituições do reino visigodo: Nobreza, Monarquia e Igreja. Neste
sentido, o autor se afasta da linha seguida principalmente por E. A. Thompson, que
coloca a Igreja em uma situação de subordinação à Monarquia.
R de O. Andrade Filho 12 trabalhou com dois elementos: a religiosidade e a
Monarquia católica visigoda. Esse autor analisou as relações desses dois elementos
entre o final do século VI e início do século VIII. Esse pesquisador entende que houve a
elaboração de uma teoria política que buscava garantir legitimidade ao trono, através
de um sistema teológico, onde ganharam destaque especialmente as ideias de Isidoro
de Sevilha. Montando-se desta forma, segundo este autor, uma concepção teocrática da
realeza, com base na sanção divina atribuída à autoridade do monarca.
Para o historiador D. V. Ribeiro em seus dois artigos13, a Hispânia visigótica do
século VII, ofereceu a primeira contribuição objetiva de ideia de realeza no Ocidente
medieval. Destacando também o papel do bispo Isidoro de Sevilha na construção dessa
doutrina que recebeu forte influência do papa Gregório Magno (590-604). Na ótica
de D. V. Ribeiro, o bispo sevilhano considerava a exegese do papa Gregório Magno
mais adequada a moral política que Isidoro de Sevilha tentou implantar no reino
ibérico. O pensamento do bispo sevilhano, segundo este mesmo autor, foi dominado
por um desejo de “unificação”, que não deve confundir-se com um projeto
teocrático. Podendo-se até admitir uma negação do direito natural, mas não uma
absorção da Monarquia pela Igreja. Certamente, atribuindo ao poder temporal função
12 ANDRADE FILHO, Ruy de Oliveira. Imagem e Reflexo. Religiosidade e Monarquia no Reino Visigodo de Toledo (Séuclos VI e VII). São Paulo: Edusp, 2012; ANDRADE FILHO, R. de O. Mito e monarquia na Hispânia Visigótica Católica. In. Luzes sobre a Idade Média.(Org) Terezinha Oliveira. Eduem: Maringá. 2002. 13 RIBEIRO, D. V. A Igreja nascente em face do Estado Romano. In: Souza, José Antônio de C. R. (org.). O Reino e o Sacerdócio – O pensamento político na Alta Idade Média, s/d, pp. 91-112.
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religiosa, a doutrina eclesiástica gerou certa confusão entre os poderes, porque
Isidoro de Sevilha não queria submeter à Igreja a Monarquia. As intervenções do
poder laico, nos assuntos da Igreja, resultam dos deveres desse mesmo poder, que os
príncipes “receberam” de Deus para assegurar os interesses da Igreja e de seu povo.
O autor J. Fontaine14 analisa a personalidade de Isidoro de Sevilha e suas
diversas obras no espaço e tempo da Península Ibérica. Ele aborda mais concretamente
a região da Bética, desde o final do século VI aos primeiros decênios do século VII,
mostrando a manifestação da herança de uma cultura antiga e, ao mesmo tempo,
trazendo a luz a gênese e a natureza das mudanças originais que o bispo de Sevilha
adaptou as necessidades de sua época, no caso, o novo reino de Toledo na conjuntura
de uma restauração territorial, política, religiosa e cultural.
A educação e as relações de poder
J. Le Goff15 na sua abordagem sobre a formação das universidades na Idade
Média entende que a construção destas atende a uma demanda específica de uma
sociedade em transformação, mas sua estrutura está relacionada com as antigas escolas
estabelecidas nos mosteiros e sedes episcopais. Ainda que interessante, a visão do autor
pouco relaciona este processo a um movimento mais amplo na sociedade, enfocando
somente contornos específicos e voltados para a Igreja e para a análise do
estabelecimento escolar.
Em uma linha próxima, devemos salientar as obras de P. Riché16 e H. Marrou17.
Esses autores, especialistas em educação na Europa Ocidental, são bastantes críticos em
seus trabalhos e apresentam como eixo norteador a procura pelo que era ensinado nas
escolas, em especial, a origem das matérias escolares e a mudanças dos conteúdos. É
necessário sinalizar que embora estes autores possam divergir entre si o foco da
análise por eles privilegiado pouco se modifica. Em Riché e Marrou há uma grande
preocupação com as sete artes liberais e a estrutura física das escolas, quem as
organizava e onde. Riché tem como um dos elementos mais interessantes de seu
14 FONTAINE, J. Isidoro de Sevilla: Génesis y originalidad de la cultura hispánica en tiempos de los visigodos. Madrid: Encuentro, 2002. 15 LE GOFF, J. Os Intelectuais na Idade Média. São Paulo/SP: Brasiliense, 1992. 16 RICHÉ, P. Éducation et Culture dans L’Occident Barbare. Paris: Du Seuil, 1962. 17 MARROU, H. História da Educação na Idade Média. São Paulo/SP: EPU, 1975.
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trabalho a preocupação em relacionar as instituições escolares com as esferas de poder.
Este enfoque é relevante para nossa pesquisa, mas também a tradição de não abordar a
educação como algo para além das escolas, amplo e instituído em espaços diversos na
sociedade. Marrou é um dos poucos autores que destacam que a educação é muito mais
do que somente as escolas, mas finaliza afirmando que seu interesse se deteve aos
espaços formais.
Um dos maiores especialistas sobre educação no reino visigodo, e em outros
assuntos correlatos, é M. Diaz y Diaz18. Acerca deste tema contabilizamos do autor
duas obras de referência. Nestes textos, de maneira geral, estabelece o marco inicial no
Império Romano do Ocidente, destacando seu processo de desestruturação com a
chegada dos germanos como um grave problema para as escolas. No primeiro
momento, romano, o sistema escolar e descrito como amplo, com subdivisões que ele
trata por escola primária e secundária. Durante o estabelecimento dos visigodos a
educação teria sobrevivido apenas nos ambientes religiosos católicos, por meio de
famílias vinculadas as Igrejas e responsáveis pela sua reprodução. De acordo com sua
explicação, os núcleos de ensino teriam sido extirpados da sociedade e se reproduzido
de forma diminuta no interior do clero, bastião do saber clássico.
O mesmo autor ressalta que no século VII alguns núcleos escolares organizados
se estruturaram, mas atribuiu seu crescimento a iniciativas pessoais de bispos eméritos
do reino visigodo. Uma lacuna presente nos textos deste autor é a não sinalização da
função destas escolas na estrutura eclesiástica e no reino. Em grande medida, portanto,
o autor repete as explicações mais tradicionais, só que com um cuidado analítico mais
próximo à história como a tratamos hoje. Diaz y Dias utiliza a ideia de eclipse das
letras, que só começariam a retornar pelo trabalho de grandes varões, como Isidoro de
Sevilha.
Por fim, R. dos S. Rainha19. Este autor traz grandes reflexões sobre a
educação no reino visigodo a partir do epistolário do bispo Braúlio de Saragoça (631-
651). Este personagem foi um dos principais discípulos de Isidoro de Sevilha. Ele
destaca que no reino visigodo a opção da nobreza pelo arianismo obstaculizou a 18 DIAZ Y DIAZ, M. Libros y Librerias en La Rioja Altomedieval. Logroño: CSIC, 1991; DIAZ Y DIAZ, M. “La obra literaria de los obispos visigóticos toledanos: Supuestos y Circuntanciais. In: La Patrologia Toledana- Visigoda: XXVII Semana Española de Teologia. Madrid: CSIC, 1970, pp. 45-63. 19 RAINHA, R. S. A educação no Reino Visigodo. Rio de Janeiro: HP Comunicações, 2007.
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fusão entre hispano-romanos e germanos. Com a conversão dos últimos ao
catolicismo, entretanto, a aproximação estreitou- se consideravelmente. Neste contexto,
a educação, para Rainha, compreendeu-se como um tema cujo trato não deveria escapar
aos cuidados da elite episcopal. A estes se vinculava não apenas o reforço de elementos
de distinção em relação aos leigos, mas, sobretudo, o fortalecimento do grupo religioso
como tal. Desta forma, estas obras e pesquisas nos apresentam pontos de vistas
distintos, fundamentados nas diferentes abordagens das fontes produzidas no período
em questão, sobre os assuntos vinculados a transformação cultural ocorrida no século
VII na qual se insere a clericalização da sociedade, em um momento que a Igreja
assume identidade e funções próprias, portanto, nos oferecendo importantes subsídios
para se estudar, sobretudo, a relação existente entre os homens, a educação e as
instâncias de poder.
OBJETIVOS
A grande discussão historiográfica gira em torno do papel preponderante ou não
da Igreja hispano-visigoda nesse quadro político, ou seja, qual seria o impacto de suas
proposições na sustentação do episcopado visigodo que almejava uma coesão
eclesiástica, assim como o reconhecimento de seu poder frente à sociedade por meio da
afirmação de uma educação cristianizada, que permitiu o incremento de sua capacidade
de argumentação dentro desse cenário do reino. A partir desses posicionamentos nos
colocaremos algumas das principais questões que nortearam nossa proposta: A tentativa
por parte da Igreja de legitimar- se através da educação obteve sucesso? Qual poder
mais influenciava o outro, a Igreja à Monarquia ou a nobreza? E mais, quais eram as
efetivas bases sociais que sustentavam a Igreja católica? Qual seria o papel e o lugar
desempenhado pelo episcopado visigodo nesse contexto político-educacional? E, por
fim, quais são os elementos educacionais da doutrina isidoriana que sustentava seu
projeto? Qual seria o público alvo das escolas eclesiásticas visigodas?
A partir dos questionamentos que a presente pesquisa nos levantou e que
foram expostos anteriormente colocamos como objetivo central deste trabalho analisar
a complexa realidade da sociedade visigoda, para obtenção de uma visão global do que
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foi a realidade do poder eclesiástico entre os visigodos. Assim, cotejaremos com as
fontes principais, que neste caso serão os cânones do III e IV Concílios de Toledo e as
obras Etimologias e Sentenças, uma vez que esses trabalhos formam uma rede de
interinfluências e continuidade de sua produção intelectual.
Para tanto, procuramos aqui ver como se materializou as relações de poder.
Avaliando como se produziu o monopólio de funções por parte dos mestres
visigodos e, descobrir os condicionantes que limitaram a execução das atribuições da
administração eclesiástica. Por outro lado, examinaremos como se transformaram as
concepções político-educacionais no universo cultural visigodo, tendo em vista, o
desenvolvimento ideológico que culminou com a formulação de um nítido conceito de
poder no reino de Toledo. Por fim, observaremos como eram as manifestações
simbólicas inseridas na sociedade, via formação escolar, que reforçavam o status da
Igreja e de seus membros.
METODOLOGIA
Propomos-nos realizar um processo analítico dos documentos, ou seja, um
método que leva em conta primeiramente, um aprofundamento do contexto em que os
registros se encontram inseridos enfocando questões de fundo que enquadrem as fontes
em seus limites geográficos, cronológicos e temáticos. Buscando as circunstâncias que
marcaram os motivos da redação das obras em questão.
Devido à própria natureza documental, isto é, fonte de cunho eclesiástica,
portanto, reveladora do lado mais institucionalizado da Igreja no seu respectivo período,
evidencia-se possíveis projetos e embates presentes no seio eclesiástico e social. Ao
mesmo tempo, este corpus não fica restrito, em seu conteúdo, apenas a matérias
meramente religiosas apresentando uma característica incipiente neste período, que seria
a busca de uma intervenção, principalmente, no âmbito político-educacional. Como
forma de análise das fontes, optaremos por uma observação que evidencie o contexto
de elaboração, bem como sua estrutura e recursos retóricos.
Desta maneira, procuraremos ressaltar que nestas fontes de natureza jurídico-
religiosa as temáticas não se restringiam a tal, apresentam também uma grande
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preocupação com as diretrizes jurídicas. Revelaremos assim que apesar de tudo as
fontes, o s documentos, não se encerram em suas palavras, mas que contém uma
multiplicidade de discursos presentes, que demonstram lutas intestinas bem como a
existência de vontades alheias aos próprios autores, no caso advindo dos quadros
eclesiásticos.
E mais, para A. Coutrot, “as forças religiosas são levadas em consideração como
fator de explicação política em numerosos domínios”20. Dessa forma, esse será o
caminho que traçaremos nesta proposta, relacionando as ligações íntimas e de
interdependência que existe entre religião, política e educação. Dessa maneira, nosso
trabalho seguirá a perspectiva da Nova História francesa e a sua herdeira mais em voga
na atualidade, a Nova História Cultural que possui especial apreço e atenção nesta
pesquisa.
Por fim, surge como via fundamental para analisarmos a Igreja e suas relações
com o reino visigodo o conceito de Ideologia. Dada a gama de significados que possa
apreender o termo “ideologia” seguiremos a perspectiva de G. Duby que entende
como “um sistema (possuindo sua lógica e rigor próprios) de representações (imagens,
mitos, ideias ou conceitos, segundo a ocasião) dotado de uma existência e de um papel
histórico no seio de uma dada sociedade”21. Dentro deste entendimento, podemos
perceber os propósitos educativos do bispo Isidoro de Sevilha que desempenhou um
papel preponderante no reino, em razão das ideologias serem sistemas de representação
que tem como finalidade tranquilizar e fornecer uma justificativa as condutas das
pessoas.
Para G. Duby, os documentos elucidam as ideologias que respondem aos
interesses das camadas dirigentes, em virtude destes grupos deterem os meios de
edificar objetos culturais que não sejam efêmeros e cujos vestígios demonstram-se a
análise histórica, em virtude de nos momentos críticos o movimento das estruturas
materiais e políticas acabarem repercutindo no plano dos sistemas ideológicos22.
20 COUTROUT, A. Religião e Política. In RÉMOND, R. Por uma História Política. Rio de Janeiro: UFRJ/Fundação Gétulio Vargas, 1996, pp. 331-363, p. 331. 21 DUBY, G. História social e ideologia das sociedades. In LE GOFF, J; NORA, P. (Dir) História: Novos Problemas. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1979, pp.130-145, p.132. 22 DUBY, G. História social e ideologia das sociedades. In LE GOFF, J; NORA, P. (Dir) História: Novos Problemas. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1979, pp.130-145, p.136-137.
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Por fim, utilizaremos o método de análise do discurso23 em que buscaremos
através deste suporte metodológico compreender questões como: o poder e a persuasão
no discurso religioso isidoriano, demonstrando que através de recursos retóricos, certos
grupos dotam os discursos de mecanismos persuasivos, porque o discurso e o poder se
contemplam e podem coexistir.
DESENVOLVIMENTO
No decorrer do século V, um lento processo de enfraquecimento do poder
imperial diante dos poderes regionais que estavam estabelecidos nas diversas regiões
do Império Romano Ocidental. Em outras palavras, percebe-se, nesta fase, uma
gradual substituição da prioridade política e ideológica do imperador pelo rei
germânico, tanto em termos jurídicos como religiosos, que possibilitou a fragmentação
do Império supracitado em novas unidades políticas e religiosas. Não obstante, a
mudança de fato do poder político, ocorrida em um contexto geral, tornou-se
completa em aspectos ideológicos após a conversão desses reis ao catolicismo de
Nicéia e, com a consequente, oficialização desta religião no interior dos respectivos
reinos.
No caso visigodo percebemos que sua história política esteve vinculada a sua
história religiosa bem como as suas relações com o Império Romano. Visto que, uma
vez estabelecidos no interior das fronteiras romanas conseguiram manter certa
independência política e social, muito em virtude de terem-se convertido ao
arianismo 24. Este fato os possibilitou na manutenção de certa autonomia, subtraindo
mais facilmente a ação unificadora e centralizadora dos imperadores romanos e da
Igreja oficial. Posteriormente, com o “desaparecimento” do Império Romano do
Ocidente e a consolidação dos visigodos como povo independente, desenvolveu-se a 23 Entre as obras de referências destacamos: ANDRADE, M. L. C. V. O. Poder e persuasão no discurso religioso medieval. In: Domínios de Língu@gem – Revista Eletrônica de Lingüística. Ano 1, n° 1, 2007, pp.01-10; RESENDE, V. de M.; RAMALHO, V. Análise de Discurso Crítica. São Paulo/SP: Contexto, 2009; IÑIGUEZ, L (Coord). Manual de Análise do Discurso em Ciências Sociais. Petrópolis/RJ: Vozes, 2004; CHARAUDEUA, P.; MAINGUENEAU, D. Dicionário de Análise do Discurso. São Paulo/SP: Contexto, 2008. 24 AGUILERA, Abilio Barbero. El pensamiento político visigodo y las primeras unciones regias en la Europa medieval. In: La sociedad visigoda y su entorno histórico. Madrid: XXI siglo veintiuno de España, 1992, pp. 01-77, p. 13.
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última fase da conversão oficial. Esta se concretizou devido à necessidade de unidade do
respectivo reino25.
A educação no reino visigodo alcançou no século VII destaque especial, tanto
em virtude das definições isidorianas neste âmbito como da obra legislativa levada
a término pelos grandes concílios gerais de Toledo26. Como apontamos anteriormente,
todo esse processo se iniciou com o III Concílio de Toledo (589) – que foi uma
iniciativa do rei Recaredo (568-601) e da Igreja –, episódio de fundamental importância
para a compreensão dessas mudanças.
Deste modo, quando ocorreu tal mudança na direção política, a Igreja Católica
assumiu um papel de representação religiosa frente a todo o reino. Neste contexto
assistiu-se a diversificação dos quadros eclesiásticos com a entrada dos visigodos na
instituição. Assim, ao mesmo tempo em que a Igreja Católica alcançava sua
legitimidade e autonomia ela se deparava com a necessidade de manter a coesão de
seus membros e se fazer presente na sociedade.
A asserção acima se deve, entre outros fatores, à ambição da nobreza em
tomar o poder, pois apesar dos reis serem considerados a cabeça da organização
judicial, financeira, administrativa, militar e inclusive religiosa, do reino visigodo,
foram forçados, devido às necessidades de governar, a delegar parte de suas
competências organizacionais com os nobres, que exerceram funções administrativas,
judiciais, financeiras e militares do reino.
Contudo, o que verdadeiramente determinava a importância política da nobreza
era a sua força econômica e social, que gradualmente foi aumentando à medida que os
monarcas a recompensavam pelos serviços prestados com a entrega de terras, homens e
bens móveis, na tentativa de criar vínculos de dependência pessoal que assegurassem a
fidelidade desse grupo ao soberano. Entretanto, tendo em mãos a possessão de extensos
domínios e muitos homens que neles habitavam, a nobreza dispunha de poder
25 VALVERDE CASTRO, M. R. Ideologia, simbolismo y ejercicio del poder real en la monarquía visigoda: un proceso de cambio. Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca, 2000, p. 17-68. 26 CONCILIOS VISIGÓTICOS E HISPANO-ROMANOS. Ed. bilíngüe (latim-espanhol) de J. Vives. Barcelona Madrid: CSIC, 1963.
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econômico, social e militar suficiente para poder defender seus interesses frente à
Monarquia27.
Portanto, essa contestação das facções nobiliárquias com relação às tentativas de
centralização empreendidas pelos monarcas pode ser apontada como um dos fatores
que refletiram essa necessidade de afirmação da Monarquia visigoda, na primeira
metade do século VII28. Em termos práticos, podemos afirmar que, a posição de uma
família aristocrática laica dependia de sua capacidade de inserção na corte régia. A
insubmissão da nobreza visigótica desestabilizou, em alguns momentos, a capacidade
centralizadora do poder real debilitando a posição do rei. E mais, não podemos nos
esquecer que, a instituição da realeza não se fundamentava teoricamente sobre o direito
de sangue, mas sim sobre a eleição que era realizada pela nobreza e os bispos que
designavam, em comum acordo, o sucessor ao trono.
O episcopado visigodo teve um comportamento paradoxo que, por um lado,
fortalecia a Monarquia com a formulação da doutrina teocrática e, por outro, junto à
nobreza laica, constituía um poder limitador da autoridade real. Na abjuração do
arianismo no III Concílio de Toledo não foi apenas uma mera mudança de crenças
religiosas, provocou também uma radical alteração nas relações que mantinham Igreja
e Monarquia, que teve importantes conseqüências para ambas. No terreno econômico, a
conversão provocou um notável aumento do patrimônio eclesiástico. No âmbito político
abriu-se caminho para a intervenção do poder eclesiástico em assuntos civis, obtendo o
clero paulatinamente uma maior participação na vida política do reino29.
Desta forma, revela-se uma situação de dependência entre os poderes da Igreja,
da Nobreza e da Monarquia. A Igreja dominava o espaço social, educacional e o
sobrenatural que gravitava em torno da religião, conquistando uma posição de
comando que submetia o rei. Enquanto que a nobreza dominava, fundamentalmente, o
campo econômico e administrativo do reino. Por outro lado, o monarca, cujo poder era
autenticado por sua origem familiar e pela liderança militar que movimentava,
dominava o campo político nos quais os clérigos e a aristocracia, apesar de suas
27 VALVERDE CASTRO, M. R. Ideologia, simbolismo y ejercicio del poder real en la monarquía visigoda: un proceso de cambio. Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca, 2000, p. 255-275. 28 FRIGHETTO, R. Cultura e Poder na Antigüidade Tardia Ocidental. Curitiba: Juruá, 2000, p. 30-32. 29 VALVERDE CASTRO, M. R. Ideologia, simbolismo y ejercicio del poder real en la monarquía visigoda: un proceso de cambio. Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca, 2000, p. 256.
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inserções, estavam subordinados. O que este fator demonstra, em certa medida, não foi
à primazia de um poder sobre outro, entretanto o equilíbrio e cooperação existentes
entre eles30. A partir destas circunstâncias, a Igreja sentiu a necessidade de elaborar
teorias e práticas político-educacionais que começaram a se desenvolver diretamente
com a conversão dos visigodos ao catolicismo, que foram se aperfeiçoando até o fim do
reino visigodo em 71131.
Acreditamos que Isidoro de Sevilha, através de alguns de seus trabalhos foi
um dos principais responsáveis pela construção de princípios educacionais, bem como
a solidificação e normatização dessa instância de poder. Como vimos, o sevilhano
viveu durante um período de transformações no qual se buscava a unidade religiosa,
política, legal, administrativa e de identidade do reino. Esse ambiente teve forte
influência na construção de suas ideias. Em razão de sua força e de sua riqueza
intelectual e episcopal exerceu uma preeminência sobre o reino visigodo32.
Antes de se tornar bispo de Sevilha, Isidoro foi abade de um monastério onde
empreendeu uma reforma que exerceu influência durante alguns séculos na Península.
Essa reforma esteve vinculada com a produção de uma “Regra” em que chamava a
atenção para o espírito metódico e ordenador, tendo como mentores as antigas regras
de Pacômio, Bento, Jerônimo, Agostinho, Cassiano e Cesário de Arles33.
I. Quiles ressalta que Isidoro, em sua gestão de abade, teve grande preocupação
com a escola de Sevilha. Esse centro de ensino teve como alunos jovens de várias
regiões da Hispânia, mas não era voltado apenas para clérigos, mas também para a elite
e para príncipes visigodos. Teve como alunos, por exemplo, Bráulio de Saragoça, que
foi um dos discípulos de Isidoro e que organizou a famosa obra do bispo sevilhano, as
30 VALVERDE CASTRO, M. R. Ideologia, simbolismo y ejercicio del poder real en la monarquía visigoda: un proceso de cambio. Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca, 2000, p. 17-68. 31 AGUILERA, A. B. El pensamiento político visigodo y las primeras unciones regias en la Europa medieval. In: IDEM. La sociedad visigoda y su entorno histórico. Madrid: XXI siglo veintiuno de España, 1992, pp.01-77, p. 15-16. 32 FONTAINE, J. Isidoro de Sevilla: Génesis y originalidad de la cultura hispánica en tiempos de los visigodos. Madrid: Encuentro, 2002, p. 99. 33 Mais sobre a Regra de Isidoro de Sevilha, ver em: QUILES, I. S. I. San Isidoro de Sevilla, Biografia-Escritos-Doctrina. Madrid: Espasa – Calpe, 1965, p. 29-32.
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Etimologias; e Ildefonso de Toledo. Já com relação aos príncipes, teve como
personalidades Sisebuto e Sisenando que posteriormente chegaram ao trono visigodo34.
Assim podemos perceber um triplo papel da educação na estrutura eclesiástica
da Igreja católica visigoda. São eles: garantir ao corpo eclesiástico uma identificação
própria, afastada dos referenciais anteriores; possibilitar a interação com outros campos
de poder da sociedade, permitindo a atuação política, com auxílio da influência obtida
junto aos monarcas; e, por fim, atuar como um modelo para o todo social, numa espécie
de ação catequizante por parte do clero, indicando a ideia de que para que fosse
alcançado o caminho da glória e salvação junto a Deus, eram necessários mestres. Neste
sentido, a Igreja teve o Cristo e os membros da Patrística, os clérigos seus mestres nas
escolas, e o povo teve a Igreja para lhes guiar.
Notamos que no discurso eclesiástico foi sublinhado o caráter peculiar do
entendimento da educação pautado nas relações de mestre-discípulo. Esta aparece como
uma representação retórica sobre a função da Igreja na sociedade visigoda, uma vez que
o caminho do sucesso dependia de um bom mestre, posição que o episcopado difundiu
como sendo a sua missão máxima nesse mundo sempre valorizando seu principal bem.
Uma da preocupações mais primárias, também presentes em Isidoro, para
perpetuação de qualquer instituição foi a necessidade de manter-se atrativa. Com a
Igreja o processo não foi diferente a maior missão de seus membros, principalmente e
m uma organização que pressupõe crença e fé, foi garantir a continuidade de sua própria
existência.
Devido a sua posição no seio da hierarquia eclesiástica, o bispo sevilhano foi
um expectador privilegiado da sociedade visigótica, visto que conviveu com muitos
dos personagens35 descritos em suas obras, exercendo uma espécie de “tutela” no
34 QUILES, I. S. I. San Isidoro de Sevilla, Biografia-Escritos-Doctrina. Madrid: Espasa – Calpe, 1965, p. 31-32. 35 Recaredo (568-601); Liuva II (601-603); Witérico (603-610); Gundemaro (610-612); Sisebuto (612-621); Recaredo II (612); Suintila (621-631); Sisenando (631-636).
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reino36. Não há dúvida, de que a doutrina político-educacional de Isidoro resultou
de seu contato com a realidade política e social do reino visigodo37.
O reconhecimento da relevância de uma formação qualificada dos membros da
Igreja, em especial no século VII com o afluxo de visigodos para seus quadros, foi
fundamental para legitimidade alcançada por este grupo religioso. A educação formal,
então, passou a atuar como elemento de coesão e de identificação dos clérigos. Esta faz
parte do próprio projeto de valorização do grupo, estabelecendo regras em torno da
especialização. Dessa forma, também tentavam evitar a intervenção nobiliárquica, em
especial dos monarcas.
No que tange aos concílios, não podemos deixar de mencionar que, a
frequência desses sínodos acabou por construir a imagem do que fora o catolicismo
visigodo na Hispânia: uma prática religiosa fortemente amparada em uma tradição
jurídico -canônica. Realizados com o objetivo de discutir questões pertinentes ao âmbito
da fé ou do político; as atividades conciliares acabaram apresentando-se como o espaço
de produção ideológica decorrente da interação entre interesses monárquicos e
eclesiásticos.
Nessa perspectiva deve-se destacar o IV Concílio de Toledo (633), presidido e
organizado por Isidoro de Sevilha e natureza essencialmente normativa, foi de
fundamental importância para se assimilar a importância da educação nas relações de
poder.
CONCLUSÕES
Com base no que foi discutido por essa sucinta apresentação, podemos concluir
que o bispo Isidoro de Sevilha como forte representante da Igreja visigoda tinha
objetivos bastante claros com relação ao fortalecimento da Igreja, perante as demais
instâncias de poder, no caso, Monarquia e Nobreza, que andavam juntas dentro deste
contexto hispânico.
36 REYDELLET, M. La royauté dans la litterature latine de Sidonio Apollinaire à Isidore de Séville. Roma: École Française de Rome – Palais Farnése, 1981, p. 554. 37 RIBEIRO, D. V. A sacralização do Poder Temporal: Gregório Magno, e Isidoro de Sevilha. In: Souza, José Antônio de C. R. (org.). O Reino e o Sacerdócio – O pensamento político na Alta Idade Média, s/d. pp. 91-112, p. 104.
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A formação educacional de muitos jovens, principalmente daqueles que faziam
parte desses grupos mencionados, não estavam descontextualizados das conjunturas
políticas e econômicas deste reino, mesmo porque, um dos principais objetivos com
esses alunos era formar grupos dirigentes desse novo momento que a Hispânia estava
vivendo pós conversão ao catolicismo niceísta.
Assim o papel do sevilhano foi fundamental, já que uma das principais
preocupações do bispo era o projeto da salvação, quem seriam os homens que levariam
o povo visigodo a essa conquista futura? Destacamos também o papel preponderante da
Igreja para serem alcançados esses propósitos, era ela que fazia esse papel de
intermediadora entre os assuntos divinos e os terrenos, só pensarmos na própria
preocupação que Isidoro teve com relação ao fortalecimento da figura do rei no IV
Concílio de Toledo, no cânone 75, ou mesmo o papel de tutor, como a historiografia o
classificou, perante figuras que posteriormente assumiriam cargos importantes dentro do
reino, como bispos e até reis.
Desta forma, esse breve exposo do nosso trabalho, ainda têm muito a
problematizar e analisar desse quadro, que as obras do bispo Isidoro de Sevilha e o
momento em que elas são produzidas nos trazem para nos aproximarmos dos projetos
de fortalecimento da Igreja pelo vies da formação e educação.