UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ
JULIANA WIESE
A COMPROVAÇÃO DO CAPITAL SOCIAL NAS SOCIEDADES LIMITADAS
Um comparativo com as Sociedades Anônimas
São José
2008
JULIANA WIESE
A COMPROVAÇÃO DA INTEGRALIZAÇÃO DO CAPITAL SOCIAL NAS SOCIEDADES LIMITADAS
Um comparativo com as Sociedades Anônimas
Monografia apresentada à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI como requisito parcial a obtenção do grau em Bacharel em Direito.
Orientadora: Professora MSc. Rosângela Barreto Laus
São José 2008
JULIANA WIESE
A COMPROVAÇÃO DA INTEGRALIZAÇÃO DO CAPITAL SOCIAL NAS SOCIEDADES LIMITADAS
Um comparativo com as Sociedades Anônimas
Esta Monografia foi julgada adequada para a obtenção do título de bacharel e
aprovada pelo Curso de Direito, da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de
Ciências Sociais e Jurídicas.
Área de Concentração: Direito Comercial
São José, 10 de novembro de 2008
Profa. MSc. Rosângela Barreto Laus UNIVALI – Campus de São José
Orientadora
Prof. MSc. Flaviano Vetter Tauscheck UNIVALI – Campus de São José
Membro
Prof. MSc. Márcio Roberto Harger UNIVALI – Campus de São José
Membro
Dedico este trabalho aos meus pais, pelo apoio incondicional e compreensão quanto
às minhas escolhas.
AGRADECIMENTOS
A Deus Pai Todo Poderoso, que nunca deixou de olhar por mim e nunca me
faltou diante das necessidades.
A todos do gabinete da 2ª Vara Cível da Comarca de São José, minha
segunda família, em especial ao meu chefe, Excelentíssimo Juiz Doutor Sérgio
Ramos, pelo encorajamento e estímulo dado.
A todos os professores que participaram de minha formação acadêmica, em
especial a minha professora e orientadora, Rosângela Barreto Laus, que aceitou
este desafio.
Ao coordenador do curso, professor Alceu de Oliveira Pinto Jr por ter
acreditado em meu potencial e pelos valiosos conselhos dados.
Aos meus amigos que estiveram ao meu lado durante esses cinco anos da
faculdade, que tanto sentiram minha ausência, principalmente durante a reta final.
E por fim, e sempre, a minha família, meu refúgio, meu lar, minha estrutura,
que me ensinou a arte da paciência e da compreensão.
O comércio civiliza as nações, enriquece os povos e constitui poderosas as
monarquias, que se arruínam com a sua decadência e abatimento de cultura; mas é
preciso que nele se pratique com mútua fidelidade. A alma do comércio consiste na
liberdade.
Alvará do Rei de Portugal, de 17 de agosto de 1758
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade
pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do
Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o
Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
São José, 31 de outubro de 2008
Juliana Wiese
RESUMO
Denomina-se Sociedade Limitada aquela em que a responsabilidade dos sócios é
restrita ao capital subscrito e não integralizado, respondendo todos solidariamente
pela sua integralização. O atual Código Civil revogou o Decreto nº 3.708 de 1919,
passando a regular de forma uníssona a disciplina das sociedades limitadas.
Todavia, da mesma forma como não dispunha o antigo decreto, o Código Civil não
regulou meios de comprovação da integralização do capital subscrito. Eis que se
tratam as sociedades limitadas de sociedades do tipo contratuais, os valores, bens
ou créditos entregues a sociedade a título de integralização das quotas devem ser
escriturados no contrato social para eximir os sócios da responsabilidade imputada a
estes. Todavia, o contrato social não serve ao sócio integralizado como prova da
resolução de suas quotas. No entanto, quando da escrituração dos valores no
contrato social, os mesmos são devidamente registrados no livro Diário da
sociedade, sendo deste modo, o único meio hábil ao sócio para comprovar a
integralização de suas quotas.
Palavra-chave : sociedade limitada; capital inicial; integralização das quotas sociais;
escrituração contábil.
ABSTRACT
Limited partnership is as known as that partnership in which each partner’s
responsibility is limited to the subscribed and non complemented capital, where all of
the partners are going to answer together by its complementation. The present Civil
Code has revoked the Edict 3.708 from 1909, regularizing in the same way the
limited partnership’s order. However, like the antique edict hasn’t legislated, the Civil
Code hasn’t legislated in order to prove the complementation of the internalized
capital. The limited partnerships are contractual types, the amounts, possessions or
credits addicted to the partnership in title of complementing the capital of the
complementation of the capital that must be book kept in the social contract to shirk
the partners from the responsibility imputed to them. However, the social contract
doesn’t assist the partner that has fulfilled the capital complementation as a proof of
his quotas complementation. However, the social contract is not worth it as a proof of
the complementation of the capital. Although, as a concern as the bookkeeping of
the values of the social contract, the same amount of money is going to be registered
in what’s called the Society’s Diary, being this way the only possibility to prove the
complementation of the capital of the partner.
Keywords : limited partnership; initial capital; social quotas complementation;
bookkeeping accounting.
SUMÁRIO
1 SOCIEDADE LIMITADA_______________________________ _____________12
1.1 BREVE HISTÓRICO _________________________________________________ 13
1.2 LEGISLAÇÃO APLICÁVEL E A INCIDÊNCIA DAS NORMAS DA SOCIEDADE SIMPLES E SOCIEDADE ANÔNIMA ________________________ _______________ 15
1.3 A NATUREZA JURÍDICA E A CONTRATUALIDADE DA MATÉ RIA ___________ 20
1.4 CONSTITUIÇÃO DA SOCIEDADE E NATUREZA JURÍDICA D AS QUOTAS SOCIAIS _____________________________________________________________ 26
1.4.1 O contrato social _________________________________________________________ 26 1.4.2 A natureza jurídica das quotas sociais ________________________________________ 28
2 DEVERES E RESPONSABILIDADES DOS SÓCIOS NA SOCIEDA DE LIMITADA EMPRESÁRIA _____________________________________________________31
2.1 INTEGRALIZAÇÃO DO CAPITAL SOCIAL _______________ ________________ 31 2.1.1 Integralização em dinheiro _________________________________________________ 32 2.1.2 Integralização com bens móveis_____________________________________________ 33 2.1.3 Integralização em créditos _________________________________________________ 34 2.1.4 Vedação da integralização por meio da indústria ________________________________ 35
2.2 EXPROPRIAÇÃO DA QUOTA NÃO INTEGRALIZADA DE SÓCI O REMISSO ___ 36
2.3 RESPONSABILIDADE PELAS OBRIGAÇÕES SOCIAIS ______ ______________ 41 2.3.1 Responsabilidade ilimitada: credores não negociais _____________________________ 42 2.3.2 Responsabilidade por irregularidades_________________________________________ 43
2.3.2.1 Deliberações contrárias à lei ou ao contrato social ___________________________ 44 2.3.2.2 Desconsideração da personalidade jurídica ________________________________ 44
2.3.3 Responsabilidade Limitada _________________________________________________ 47
3 MEIOS DE COMPROVAÇÃO DE INTEGRALIZAÇÃO DO CAPITAL SOCIAL__54
3.1 NA SOCIEDADE ANÔNIMA ___________________________ ________________ 54 3.1.1 Natureza Jurídica ________________________________________________________ 56 3.1.2 Ações__________________________________________________________________ 58 3.1.3 Na constituição das sociedades por ações_____________________________________ 60
3.2 NA SOCIEDADE LIMITADA EMPRESÁRIA _______________ _______________ 63 3.2.1 Capital social e patrimônio social ____________________________________________ 64 3.2.2 Integralização do capital social e meio hábil a comprovação _______________________ 66
3.2.2.1 Alteração contratual ___________________________________________________ 69 3.2.2.2 Escrituração e contabilidade ____________________________________________ 71
CONCLUSÃO _____________________________________________________73
REFERÊNCIAS ____________________________________________________76
10
INTRODUÇÃO
Conforme art. 1.052 do Código Civil a responsabilidade dos sócios da
sociedade limitada é restrita ao valor de suas quotas, contudo, todos respondem
solidariamente pela integralização do capital social subscrito. Não elege o
ordenamento jurídico pátrio qualquer via para a sua comprovação, como o faz, por
exemplo, a Lei das Sociedades por Ações quanto à comprovação da integralização
das ações subscritas ou adquiridas nesta espécie societária.
Deste modo, repousa indubitável importância acerca do tema, porquanto não
demonstrando ter sido o capital integralizado podem os credores societários buscar
a solvência das obrigações contraídas pela sociedade no patrimônio dos sócios.
Admite-se, ainda, a interposição de ação de integralização do capital social dos
demais sócios contra o sócio remisso, a fim de se isentarem da responsabilidade
solidária característica da sociedade em estudo.
Destarte, esta pesquisa desenvolveu-se com o intuito de analisar os meios
hábeis para comprovar a integralização do capital social. Para tanto, buscou-se,
compreender a natureza jurídica da Sociedade Limitada e estabelecer um
comparativo com a Sociedade Anônima, uma vez que nesta, há norma expressa
determinando a comprovação da integralização de parte do capital social na
assembléia constituinte. Da mesma maneira, as possíveis formas de
responsabilidade dos sócios quando integralizado o capital social, e os meios
resguardados a estes para comprovação de que suas quotas foram realizadas,
também foram igualmente analisadas.
O estudo proposto adota como base o método de abordagem dedutivo.
Segundo César Luiz Pasold1 o método consiste em partir de formulações gerais,
para neste contexto, sustentar a premissa menor. Ou seja, busca-se através de
levantamentos, estudos, dados e informações, elementos que visem compreender a
estrutura da responsabilidade dos sócios nas sociedades limitadas, para ao final do
trabalho concluir quais os meios que dispõem os sócios para comprovar a efetiva
realização do capital contratualmente subscrito. A temática é produzida através da
utilização da técnica de documentação indireta, envolvendo a pesquisa bibliográfica
11
e jurisprudencial.
A disposição dos capítulos segue a seguinte ordem: no capítulo 1 traçam-se
breves e gerais considerações acerca do histórico das sociedades limitadas; a
legislação aplicável ao tipo societário e a incidência das normas das sociedades
simples e anônimas; natureza jurídica e contratualidade da matéria; e o modo de
constituição da sociedade, bem como a natureza jurídica de suas quotas sociais.
O capítulo 2 abrange os deveres e responsabilidades dos sócios quanto às
formas de integralização do capital subscrito, bem como das hipóteses de
responsabilização destes em decorrência das obrigações sociais não adimplidas
pela pessoa jurídica, ou mesmo, por atos ilícitos praticados pelos sócios.
E, no capítulo derradeiro, explana-se acerca dos meios de integralização
admitidos pelo ordenamento jurídico com relação à Sociedade Anônima e à
Limitada, a fim de possibilitar tecer uma análise comparativa quanto à segurança
conferida aos sócios numa e na outra espécie societária. Ressalta-se que para
possibilitar esta avaliação, fez-se necessária uma breve abordagem sobre a
natureza jurídica das sociedades anônimas.
Completa-se o relato, tecendo as conclusões a que se chegou com a
pesquisa, na busca de se confirmar a hipótese traçada e almejada com o trabalho
concretizado.
1 Cf. PASSOLD, Cesar Luiz. Prática de pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis para o
12
1 SOCIEDADE LIMITADA
Imprescindível, ao iniciar a discussão sobre sociedade limitada, colacionar
as noções básicas a respeito deste tipo societário.
Nos termos do art. 1.0522 do Código Civil, sociedade limitada é aquela em
que a responsabilidade3 dos sócios está adstrita ao capital social subscrito,
respondendo estes pelo capital ainda não integralizado.
Itamar Gaino entende que:
[...] sociedade limitada é pessoa jurídica, constituída por contrato, chamado “contrato social”, com atividade de natureza comercial ou civil4, que tem capital fracionado em quotas, de valor igual ou distinto, e cujos sócios, em número de dois ou mais, têm responsabilidade limitada ao capital social5.
A nomenclatura adotada pelo antigo diploma legal de regência da Sociedade
Limitada, Decreto nº 3.708/1919, era a de “Sociedade por Cotas de
Responsabilidade Limitada”. Tal expressão foi muito criticada pela doutrina6, uma
vez que limitada é a responsabilidade dos sócios e não a da sociedade. Referindo-
pesquisador do direito, 4. ed. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2000, p. 85. 2 Código Civil: “Art. 1.052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social.” 3 Entende-se por responsabilidade a obrigatoriedade da pessoa física ou jurídica responder por suas ações ou omissões. 4 Com a adoção pelo Código Civil da doutrina italiana da teoria da empresa, as sociedades passaram a classificar-se em empresárias e simples. Deste modo, a distinção não mais reside no objeto das sociedades, mas sim, na maneira de sua organização. O Código Civil estabelece que sociedade empresária é aquela que visa atividade econômica de produção ou circulação de bens ou serviços, isto é, exerce atividade privativa de empresário, sujeitando-se a registro na Junta Comercial. Entende-se por maneira ou modo de organização, a sistematização dos fatores de produção (capital, mão-de-obra alheia, tecnologia e matéria-prima). Sociedade Simples seriam as demais. Podem, portanto, as sociedades limitadas serem constituídas sob a forma de sociedade simples ou empresária. Cf. RIZZARDO, Arnaldo. Direito de empresa: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. Rio de Janeiro: Forense: 2007, p.15-30; MARTINS, Fran. Curso de direito comercial. 31.ed. Rio de Janeiro: 2007, p.197. 5 GAINO, Itamar. Responsabilidade dos sócios na sociedade limitada. São Paulo: Saraiva, 2005, p.5. 6 Ver em REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. v.1, 25.ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p.456; RIZZARDO, Arnaldo. Direito de empresa: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. p.188; MARTINS, Fran. Curso de direito comercial. p.201-202.
13
se ao assunto, Rubens Requião7 menciona que a responsabilidade dos sócios é
limitada ao capital social integralizado, enquanto que a sociedade responde pelas
dívidas com todos os seus bens. Tal assertiva permite concluir que a
responsabilidade da sociedade é sempre ilimitada pelas obrigações que contrai.
1.1 BREVE HISTÓRICO
Ao criar tal figura societária o Legislativo, buscando atender aos anseios de
pequenos empreendedores, instituiu um novo tipo societário, no qual os sócios
tinham sua responsabilidade limitada e sua constituição era simplificada8.
Os modelos societários vigentes no século XIX, mais próximos às
sociedades limitadas, quanto à responsabilidade dos sócios e maneira de
constituição, eram as sociedades em nome coletivo e a sociedade por ações. A
sociedade por nome coletivo, de constituição mais simplista, responsabilizava os
sócios ilimitadamente pelos atos societários. A seu turno, a sociedade anônima na
qual os sócios detêm responsabilidade limitada pelos atos praticados pela empresa,
de constituição complexa, necessita de autorização governamental para sua criação.
Neste passo, o legislador mesclou essas duas espécies societárias –
sociedade anônima e sociedade em nome coletivo, aliando as vantagens de cada
um desses tipos societários9. A responsabilidade limitada dos sócios, principal
característica da sociedade por ações, combinada com a maneira simples de
constituição da sociedade em nome coletivo.
Adalberto Simão Filho10 ensina que dois foram os objetivos centrais para a
criação deste novo modelo societário. Explicita que um deles consistia em “formentar
a atividade mercantil”, e, o outro, em limitar a responsabilidade dos sócios à
integralização do capital social. No que diz respeito ao fomento da atividade,
entende o autor, ser este um meio de atrair novos empreendedores, pois sua
7 Cf. REQUIÃO, R. Curso de direito comercial, v.1, p.456. 8 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. v.2, 8.ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p.364. 9 Cf. FAZZIO JR., Waldo. Sociedades limitadas: de acordo com o Código Civil de 2002. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2007, p.11. 10 Cf. SIMÃO Fº., Adalberto. A nova sociedade limitada. Barueri: Manoele, 2004, p.4.
14
constituição exigiria menos complexidade do que as demandadas às sociedades
anônimas. Quanto ao aspecto da limitação da responsabilidade dos sócios, estes
somente responderiam pelas obrigações sociais contraídas pela pessoa jurídica, até
o limite do capital social não integralizado.
O surgimento da sociedade limitada é tema controverso na doutrina, eis que
uns11 consideram a sua origem como sendo britânica, enquanto outros12 atribuem ao
direito alemão à autoria da criação.
Efetivamente, o primeiro modelo instituído pelo sistema jurídico inglês tratou
de uma sociedade anônima que se utilizou da expressão limited, porquanto poderia
ser constituída sem autorização governamental. Exigência esta, diga-se de
passagem, indispensável à época para constituição de qualquer sociedade anônima.
Nestes mesmos moldes, surgiu na França a société à responsabilité limitée, cuja
característica era a de uma sociedade anônima simplificada13.
Ainda, quanto à adoção de um tipo societário de constituição menos
complexa do que a sociedade anônima, mas com responsabilidade limitada de todos
os sócios pelas obrigações sociais, o direito inglês inseriu, em 1857, na sua ordem
jurídica a limited by guarantee, com as seguintes características: “em caso de
liquidar-se, respondem os sócios pelas dívidas sociais até o montante estipulado no
contrato, nos estatutos sociais”.14
Todavia, em 1892 criou-se na Alemanha, por iniciativa parlamentar, a
sociedade de responsabilidade limitada de forma distinta da inglesa, a qual
[...] passou a conjugar a maleabilidade das sociedades de pessoas, sua administração mais personalizada, a maior ênfase na autonomia da vontade, a restrição à circulação dos quinhões societários e conseqüentemente estabilidade do quadro societário, com a limitação da responsabilidade própria da sociedade anônima15.
11 Tal qual Peixoto: “Verifica-se, pois, que a private company foi um desdobramento da sociedade anônima, mas pode assimilar-se à sociedade de responsabilidade limitada do direito alemão e que, sem dúvida, influenciou o direito comercial de muitos países, onde se introduziu essa espécie de legislação. Assim, as origens da sociedade de responsabilidade limitada não podem deixar de ser atribuídas à Inglaterra, onde a private company, emancipando-se às anônimas, constituiu uma categoria à parte que, em pouco tempo, tomou o impulso apontado nas estatísticas”. PEIXOTO, Carlos Fulgêncio da Cunha in RETTO, Marcel Gomes Bragança. Sociedades limitadas. São Paulo: Manole, 2007, p.7. 12 Dentre eles, MARTINS, F. Curso de direito comercial. p.251, REQUIÃO, R. Curso de direito comercial. v.1, p.458; RIZZARDO, A. Direito de empresa: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. p.188. 13 Cf. REQUIÃO, R. Curso de direito comercial. v.1, p.458. 14 Cf. GAINO, I. Responsabilidade dos sócios na sociedade limitada. p.11. 15 FRANCO, apud SIMÃO Fº., A. A nova sociedade limitada. p.7.
15
O direito brasileiro também se ressentia de um tipo societário com tais
características, isto é, uma sociedade que atendesse ao interesse dos pequenos e
médios empreendedores, mas que a responsabilidade de todos os sócios ficasse
limitada ao total do capital social.
Desse modo, conforme mencionado anteriormente, o primeiro diploma legal
dispondo sobre uma sociedade com tais peculiaridades foi o Decreto nº 3.708, de 10
de janeiro de 1919.
Tal norma jurídica contava com apenas 18 artigos, o que lhe rendeu severas
críticas doutrinárias16. Todavia, o mesmo regulou sobre a disciplina da sociedade por
quotas de responsabilidade limitada por pouco mais de oitenta anos. A exigüidade
de regras que possibilitassem a aplicação aos casos concretos deixava aos juízes,
nas situações de resolução de conflitos, a utilização de seu poder de
discricionariedade.
Assim, no ano de 2003, com a entrada em vigor do Código Civil, o vetusto
decreto foi revogado e, a sociedade limitada, passou a ser normatizada pelo atual
estatuto civil pátrio.
1.2 LEGISLAÇÃO APLICÁVEL E A INCIDÊNCIA DAS NORMAS DA SOCIEDADE
SIMPLES E SOCIEDADE ANÔNIMA
Atualmente, no direito brasileiro, o Código Civil de 2002 regula a matéria das
sociedades limitadas, no Capítulo IV, do Livro II da Parte Especial, especificamente
nos artigos 1.052 a 1.087.
No entanto, reza o artigo 1.05317 do Codex Civil que em caso de omissão do
capítulo em que está estabelecida a matéria, aplicar-se-á subsidiariamente as
16 A mais severa crítica fora de Fran Martins, que em 1960 publicou em sua doutrina censura à norma legal nos seguintes termos: “Há apenas um conglomerado de dispositivos, muitos deles sem nenhum sentido lógico, dentro do nosso sistema jurídico. E, acima de tudo, há uma falta absurda de detalhes que torna cansativo qualquer trabalho no sentido de conceituar esse tipo social, tendo por base as características do instituto”. MARTINS, Fran apud REQUIÃO, R. Curso de direito comercial. v.1, p.460. 17 Código Civil. “Art. 1.053. A sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, pelas normas da sociedade simples.”
16
normas da sociedade simples. Já o parágrafo único18 do mesmo comando legal,
dispõe que quando for de vontade dos sócios, e estabelecido no contrato social,
pode-se aplicar as normas da sociedade anônima.
Nas palavras de Itamar Gaino:
Em caso de omissão normativa, aplicam-se supletivamente as regras da sociedade simples (arts. 997 a 1.038). Fica reservada aos sócios, entretanto, a faculdade de dispor, no exercício da autonomia privada ao formar o contrato, da aplicação supletiva, não das normas da sociedade simples, mas das normas da sociedade anônima19.
Todavia, a aplicação supletiva das normas da sociedade anônima à
sociedade limitada está vinculada à contratualidade da matéria. Isto é, só podem ser
estabelecidas cláusulas que não conflitem com a natureza jurídica e os pressupostos
básicos de constituição e existência da sociedade limitada. Neste sentido, Fábio
Ulhoa Coelho ensina:
[...] não se aplicam às sociedades limitadas as disposições da Lei das Anônimas (ainda que previsto ser desta lei a regência supletiva ao regulamento específico do tipo societário constante no Código Civil) nos aspectos sobre os quais os sócios não podem contratar. A contratualidade da matéria – isto é, a possibilidade de os sócios a regularem por manifestação de vontade – é pressuposto para a invocação da lei do anonimato como supletiva da disciplina específica das limitadas constante do Código Civil. Se o tema não é tratado no contrato social – e não poderia ser tratado no contrato social –, então a legislação das sociedades anônimas é inaplicável às limitadas20.
Logo, conclui-se, que nem todas as normas atinentes às anônimas podem
reger a disciplina das limitadas. Não poderia a sociedade limitada emitir debêntures,
a fim de obter recursos para investir nela própria, eis que tal matéria foge da seara
contratual permitida aos sócios21.
O intuito de tal disposição legal, segundo Waldo Fazzio Júnior, fora o de
combinar a limitação da responsabilidade com o “caráter personalista”22, deixando
18 Código Civil. “Art. 1.053. [omissis]. Parágrafo único. O contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima.” 19 GAINO, I. Responsabilidade dos sócios na sociedade limitada. p.13. 20 COELHO, F.U. A sociedade limitada no novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2003, p.19. 21 Cf. COELHO, F. U. A sociedade limitada no novo Código Civil. p.19. 22 Cf. FAZZIO JR., W. Sociedades limitadas: de acordo com o Código Civil de 2002. p.10.
17
ao arbítrio dos sócios a escolha por uma sociedade mais ou menos pessoal, ao
frisar, mais ou menos, um ou outro tipo.
Desse modo, torna-se possível a interpretação de que desejando os sócios,
a sociedade limitada reger-se-á pelas normas estabelecidas na Lei n.º 6.404/76,
naquelas matérias passíveis de contratação.
Destarte, assevera Fábio Ulhoa Coelho23 que as disposições contratuais
devem ser harmoniosas e compatíveis com a legislação, pois “se uma cláusula
qualquer do contrato social indicou a LSA como fonte supletiva de regência vier a
contrariar alguma norma dessa lei, ela será ilegal, inválida”. O autor aponta para o
fato de que são substancialmente distintas as regras atinentes à constituição e
dissolução de um e outro tipo societário. Portanto, a sociedade limitada, jamais
poderia adotar os parâmetros adotados pela sociedade anônima.
Neste particular, a sociedade limitada deve levar em conta para sua
constituição e extinção as normas próprias das sociedades contratuais, de acordo
com o que disciplina o Código Civil para as sociedades simples, observadas as suas
especificidades.
Pondera Gladston Mamede que a análise da aplicabilidade supletiva das
normas da sociedade simples ou anônima é intrincada, eis que a disciplina de
regência da sociedade ficará condicionada à forma societária estabelecida pela
Limitada, se simples ou empresária24.
A sociedade limitada de forma simples é regida supletivamente pelas
normas da sociedade simples (artigos 997 a 1.038 do Código Civil). É o que dispõe o
artigo 98225 da norma civil.
De outro modo, a sociedade limitada de forma empresária não é impedida
de estabelecer qualquer uma dessas normas supletivas, eis que não contraria sua
natureza.
Ademais, é de se ressaltar que a sociedade limitada é mais próxima à
sociedade anônima quanto à limitação da responsabilidade dos sócios pelas
obrigações sociais.
23 Cf. COELHO, F. U. Curso de Direito comercial. v.2, p.365-366. 24 Cf. MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: direito societário: sociedade simples e empresárias. v.2, 2.ed. São Paulo: Atlas, 2007, p.295. 25 Código Civil: “Art. 982. Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 967); e, simples, as demais.”
18
Independentemente do estipulado no contrato social acerca da supletividade
da norma, sociedade simples ou anônima, a responsabilidade dos sócios da
Limitada perante terceiros será sobre o valor do capital social subscrito e não
integralizado. No entanto, todos respondem solidariamente pela integralização do
capital social, de acordo com o preceituado no artigo 1.052 do Código Civil26.
Entretanto, na Anônima, de conformidade com o preceito do artigo 1º da Lei
nº 6.404/76, "a responsabilidade dos sócios ou acionistas é limitada ao preço de
emissão das ações subscritas ou adquiridas”27.
Entende Fábio Ulhoa Coelho28 que a Lei das Sociedades Anônimas tem
incidência supletiva, na hipótese de omissão do Código Civil e no caso de matéria
passível de negociação entre os sócios. Nessas situações, segundo o autor, “o juiz
tem a alternativa da aplicação analógica da Lei das Sociedades por Ações para
integrar o direito”.
Rubens Requião manifesta-se contrário à possibilidade da aplicação
supletiva às sociedades limitadas das regras atinentes à sociedade anônima.
Embora, o posicionamento do autor faça referência ao Decreto nº 3.708 de 1919,
deve-se advertir que o preceito do parágrafo único do artigo 1.053 do Código Civil de
2002, apenas repetiu a regra estatuída no então artigo 18 daquele Decreto.
Nesse sentido, é deste teor das palavras do mencionado autor:
Não vimos como possível, desde logo, de plano, aplicar-se supletivamente a Lei das Sociedades Anônimas, como se fosse subsidiária do Decreto de 1919. Isso significaria igualar a sociedade limitada à anônima, o que não condiz com nosso sistema legal. Fosse a lei das sociedades por quotas omissa, cabia às partes estabelecer as normas que desejassem imprimir-lhe, em cláusula contratual. Cumpria, pois, em primeiro lugar examinar o contrato, lei entre as partes. Sendo o contrato omisso, devia apelar-se para as regras gerais do Código Comercial, referentes à disciplina das sociedades comerciais. Assim havia de ser, em vista da remissão que fazia o art. 2º do Decreto aos arts. 300 a 302 do Código Comercial, porque a sociedade por quotas se perfila entre as sociedades de pessoas. Estava, pois, sujeita à disciplina do Código, na parte relativa às sociedades. Na ausência de dispositivo adequado no Código Comercial, só então devia lançar-se mão da Lei das Sociedades Anônimas por analogia, assim mesmo quando o
26 Cf. TEIXEIRA, Egberto Lacerda. Das sociedades por quotas de responsabilidade limitada. 2. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p.27-29. 27 Cf. COELHO, F. U. Curso de direito comercial. v.2, p.63. 28 Cf. COELHO, F. U. Curso de direito comercial. v.2, p.367.
19
dispositivo dessa fosse adequado ao tipo de sociedade de que se tratava29.
Fábio Ulhoa Coelho30 classifica, quanto à esse aspecto de incidência da
norma supletiva, as sociedades limitadas em dois tipos.
As sociedades limitadas em que o contrato social silencia-se a respeito da
supletividade da norma, ou ainda, aquelas em que as regras pertinentes às
sociedades simples são eleitas, são denominadas de “limitadas com vínculo
societário instável”. São assim denominadas, porque a dissolução deste tipo
societário pode ocorrer sem motivação, eis que o artigo 1.02931 do Código Civil, que
versa sobre a dissolução da sociedade simples, assim o permite, mediante simples
notificação dos demais sócios, com 60 dias de antecedência.
Em posição diversa estão aquelas em que a norma eleita é das sociedades
anônimas, as chamadas de “limitadas com vínculo social estável”. Uma das
características atribuídas pelo autor32 quanto a este tipo diz respeito à dissolução
parcial da sociedade por motivo de dissidência. Enquanto que a lei das sociedades
anônimas não disciplina nenhuma maneira de o sócio retirar-se, imotivadamente, o
Código Civil estabelece no artigo 1.07733 que o sócio, nas limitadas, pode dissentir
de deliberações sociais no caso de modificação de cláusulas contratuais, fusão ou
incorporação da sociedade.
Contudo, há que se ressaltar que nas sociedades anônimas a retirada de um
acionista, independe de alteração do estatuto social34. Já nas Limitadas, a entrada
ou saída de qualquer dos sócios dos quadros sociais, exige que se proceda à
respectiva alteração do contrato35.
29 REQUIÃO, R. Curso de direito comercial. v.1, p.463. 30 Cf. COELHO, F. U. A sociedade limitadas no novo Código Civil. p.23-25. 31 Código Civil: “Art. 1.029. Além dos casos previstos na lei ou no contrato, qualquer sócio pode retirar-se da sociedade; se de prazo indeterminado, mediante notificação aos demais sócios, com antecedência mínima de sessenta dias; se de prazo determinado, provando judicialmente justa causa.”
32 Cf. COELHO, F. U. A sociedade limitadas no novo Código Civil. p.24. 33 Código Civil: “Art. 1.077. Quando houver modificação do contrato, fusão da sociedade, incorporação de outra, ou dela por outra, terá o sócio que dissentiu o direito de retirar-se da sociedade, nos trinta dias subseqüentes à reunião, aplicando-se, no silêncio do contrato social antes vigente, o disposto no art. 1.031.” 34 MARTINS, F. Curso de direito comercial. p.283. 35 RIZZARDO, A. Direito de empresa: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. p.207.
20
Cabível a ensinança de Tarsis Nametala Sarlo Jorge36 ao comentar sobre a
legislação aplicável às sociedades limitadas. Segundo o autor, a regência supletiva
estabelecida no contrato social deve ser respeitada, e em caso de omissão, ou
ainda, escolha dos sócios, as regras concernentes à sociedade simples. Pode ainda
o contrato social estabelecer a supletividade pelas duas normas (sociedades simples
e sociedades anônimas).
Em que pese o Código Civil, remeter os juristas às normas da sociedade
simples e da sociedade anônima na disciplina da sociedade limitada, reconhece-se o
avanço legislativo em relação à matéria, ao compará-lo com o Decreto nº 3.708/1937.
Todavia entendem alguns doutrinadores, a exemplo de Marcel Gomes Bragança
Retto38, que em sendo as sociedades limitadas o tipo societário mais difundido no
país, dever-se-ia tratar da matéria de modo exaustivo.
1.3 A NATUREZA JURÍDICA E A CONTRATUALIDADE DA MATÉRIA
É acirrada a discussão sobre a natureza jurídica da sociedade limitada.
Muito embora a doutrina esteja dividida entre classificá-la como de pessoas ou de
capitais, todas afirmam ser a sociedade limitada de natureza contratual, em
contraposição ao institucionalismo das sociedades anônimas39.
Outrora, sob a égide do Decreto nº 3.708/19, havia severa divergência
doutrinária entre os autores Fran Martins, Waldemar Ferreira, Cunha Peixoto, os
quais compartilhavam das mesmas idéias, e com posição contrária Pedro Barbosa
Pereira. Os primeiros caracterizam a sociedade limitada como de pessoas, enquanto
o último defendia tratar-se de sociedade de capitais40.
A tese de Waldemar Ferreira tinha como justificativa central que a sociedade
limitada se aproximava do tipo social das demais sociedades classificadas como de
36 Cf. JORGE, Tarsis Nametala Sarlo. Manual das sociedades limitadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora, 2007, p.193. 37 Cf. RETTO, M. G. B. Sociedades limitadas. p.27. 38 Cf. RETTO, M. G. B. Sociedades limitadas. p.27. 39 Cf. COELHO, F. U. Curso de direito comercial. v.2, p.368-369. 40 Cf. SIMÃO Fº., A. A nova sociedade limitada. p.31
21
pessoas (comandita simples, de capital e indústria41, em nome coletivo). Entendia o
doutrinador que a sociedade por quotas não era, “como a princípio se supôs,
sociedade anônima sem ações e assaz simplificada”. Ao comentar sobre o tema,
ainda sob a égide do Decreto nº 3.708/19, dizia que uma vez que o decreto
supracitado determinava observar as normas das sociedades anônimas em caso de
não regulação contratual, ressaltando a responsabilidade limitada dos sócios, esta
teria natureza de sociedade de pessoas. Se do contrário fosse, ou seja, se o decreto
estabelecesse que a sociedade deveria se constituir nos termos da lei das S.A.,
optando pela não supletividade da norma, esta seria de capital42.
No mesmo sentido é o ensinamento de Cunha Peixoto ao lecionar que seria
desnecessária a expressão ‘na parte aplicável’ trazida pelo artigo 18 do Decreto nº
3.708/19, se a disciplina das sociedades anônimas fosse totalmente empregada às
Limitadas, sem restrições. Deste modo, acreditava o autor que a natureza pessoal
da sociedade limitada estaria evidenciada.43
Rubens Requião44 comunga da mesma opinião ao que defender o caráter
personalístico da sociedade limitada. Todavia, não deixa de reconhecer que os
sócios, quando da constituição da sociedade, podem impingir-lhe “caráter
capitalístico”. Se do contrato social constar cláusula permissiva sobre cessão das
quotas a pessoas estranhas a sociedade, “sem a necessária anuência dos demais”,
o autor entende que “é porque os sócios mantêm a sociedade mais em atenção a
seu capital do que à qualidade pessoal dos companheiros.”
Adotando posição central na discussão, Fábio Ulhoa Coelho45 pondera que
a “sociedade limitada, pode ser de pessoas ou de capital, de acordo com a vontade
dos sócios. O contrato social define a natureza de cada limitada.”
Quanto à sociedade estar classificada como de pessoas ou de capital, o
elemento de preponderância diz respeito à incidência de maior ou menor grau de
dependência quanto às qualidades subjetivas do sócio para a realização do objeto
social. As sociedades em que o sucesso depender da competência e trabalho dos
41 A sociedade de capital e indústria era aquela disciplinada pelo artigo 317 do Código Comercial, em que um dos sócios ingressava com o capital societário, e o outro com a sua indústria (trabalho). Diante do advento do Código Civil (Lei n. 10.406/2002), tal espécie societária foi excluída do ordenamento pátrio. 42 Cf. FERREIRA apud RETTO, M. G. B. Sociedades limitadas. p.18. 43 Cf. PEIXOTO apud REQUIÃO, R. Curso de direito comercial. v.1, p.462. 44 Cf. REQUIÃO, R. Curso de direito comercial. v.1, p.468. 45 Cf. COELHO, F. U. Curso de direito comercial. v.2, p.369.
22
sócios são pessoais ou sociedade intuitu personae. Noutro lado, há, porém, as
sociedades em que a figura do sócio não influencia. O importante para este tipo
societário é o aporte de recursos materiais feito pelo sócio. Esta última é chamada
de sociedade de capital ou sociedade intuitu pecuniae.
Há ainda, sociedades mistas, sob esse ponto de vista, eis que parte dos
sócios é importante na sociedade pela sua contribuição com o trabalho, competência
e criatividade, enquanto outros por sua capacidade financeira para investir. Dessa
forma, para alguns sócios a sociedade seria de pessoas, enquanto para outros de
capital46.
Com relação ao tema, Egberto Lacerda Teixeira47 alude que é comum a
doutrina distinguir sociedade de pessoas e de capital, na medida em que apontam a
preponderância dos elementos de sua constituição. Com esta visão, realça o
significado dos conceitos de intuitu persona e intuitu pecuniae:
Nas sociedades de pessoas os sócios aceitam-se tendo em consideração seus atributos pessoais. Repousam tais sociedades na confiança recíproca, no crédito, na solvência, na experiência dos sócios. Dizem-se formadas intuitu personae, motivo por que, via de regra, a morte, a incapacidade ou a falência de um dos sócios, provoca a dissolução da sociedade. Ademais, a quota pertencente ao sócio não pode ser transferida ou cedida inter vivos sem o expresso consentimento, por escrito, dos demais sócios. Por último, e em conseqüência dos pressupostos personalíssimos da sociedade, os sócios ou pelo menos alguns deles respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais. Nas sociedades de capitais, ao contrário, a pessoa dos sócios não é levada em consideração especial. Unem-se os capitais, não os indivíduos. A transferência das quotas, ou ações, opera-se, via de regra, livremente. A morte, incapacidade ou falência dos sócios não prejudica a vida normal da sociedade. O capital social é a garantia única dos credores. Cada sócio responde apenas até os limites de sua subscrição. [...] A doutrina é hoje, no Brasil e fora dele, expressivamente contrária à bifurcação das sociedades em sociedade de pessoas e sociedade de capital. O critério é falho, ilógico e inócuo. Todas as sociedades são de pessoas e de capital a um só tempo. Nas sociedades de pessoas introduzem-se cláusulas permitindo a continuação da sociedade em caso de morte, falência ou incapacidade de um dos sócios, bem como a livre cessão das quotas a terceiros obedecidas certas formalidades.
46 Cf. COELHO, F. U. Curso de direito comercial. v.2, p.370. 47 TEIXEIRA, E. L. Das sociedades por quotas de responsabilidade limitada. p.24-25.
23
Ainda no que diz respeito à natureza jurídica de sociedade limitada, Marcel
Gomes Bragança Retto48, tal qual Fábio Ulhoa Coelho49 e Egberto Lacerda Teixeira,
Fran Martins50, admitem ter este tipo societário um caráter “híbrido”. Isto quer dizer
que por vezes, a sociedade limitada é caracterizada como sendo de pessoas, em
outras, verifica-se o predomínio das características de um caráter capitalista. Tudo
isto, em decorrência das disposições contratuais.
Em face da hibridez, pondera Marcel Retto que a classificação da sociedade
como sendo de pessoas ou de capital prematuramente pode levar à equívocos, eis
que diante da liberdade que os sócios possuem de contratar, a sociedade adquire
caracteres flexíveis, podendo estabelecer-se de forma mais “personalista ou
capitalista” 51.
Fábio Ulhoa Coelho52 assevera que o exame do tema deve concentrar-se na
cláusula que estabelece a cessão das quotas sociais. Isto é, caso o contrato social
estabeleça a imprescindibilidade de consentimento dos demais sócios a respeito da
alienação das quotas sociais a terceiros estranhos à sociedade, demonstrando a
inclinação intuitu personae desta, a sociedade é reconhecida como de pessoas.
Todavia, caso o instrumento contratual discipline ser desnecessária a
autorização dos sócios, esta sociedade é de capital.
Salienta o autor que em caso de não estipulação contratual acerca da
incessibilidade das quotas a terceiros, ou de forma para assim proceder, deve ter-se
a sociedade como de pessoas.
Após análise dos aspectos das sociedades de pessoas e de capital
referentes às Limitadas José Waldecy Lucena53, filiou-se à teoria do hibridismo
societário, isto é, uma mistura de características das sociedades de pessoas e de
capital.
Elenca aspectos que ao serem estabelecidos ou seguidos pelas Limitadas
transferem, a estas, caráter personalista. Dentre eles a “unanimidade nas
deliberações sociais, incessibilidade das quotas sociais a estranhos, dissolução por
morte ou vicissitudes pessoais dos sócios”.
48 Cf. RETTO, M. G. B. Sociedades limitadas. São Paulo: Manole, 2007, p.23. 49 Cf. COELHO, F. U. Curso de direito comercial. v.2, p.371. 50 Cf. MARTINS, F. Curso de direito comercial. p.253. 51 RETTO, M. G. B. Sociedades limitadas. p.23. 52 Cf. COELHO, F. U. Curso de direito comercial. v.2, p.372.
24
Todavia, conforme enumera o doutrinador, se a sociedade limitada
estabelece “princípio majoritário nas deliberações sociais, livre cessibilidade, ou
restrições mitigadas, das quotas sociais, adoção de assembléia geral e de conselho
fiscal” em seu instrumento contratual, assume feições capitalistas.
É oportuno registrar que, acerca da natureza constitutiva, entende a doutrina
majoritária54 que a sociedade limitada é de índole contratual. Alicerçam-se no
disposto no artigo 98155 do Código Civil que é explícito ao expor que, as pessoas as
quais se obrigam, mutuamente, a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício
de atividade econômica, celebram contrato.
Interessante o posicionamento de Calixto Salomão Filho, citado por
Adalberto Simão Filho, ao valorizar o princípio da preservação da empresa. O
doutrinador defende a tese do “institucionalismo organizativo” das sociedades
limitadas em vista do interesse social ao qual se destinam.
Para não incorrer em erro de interpretação transcreve-se, na íntegra, os
dizeres de Simão Filho:
Com base na teoria alemã, Calixto Salomão Filho apresenta, em contraposição à idéia do contratualismo, o institucionalismo organizativo, no qual, ao contrário de posições institucionalistas do passado, não parte da premissa da preservação da personalidade jurídica como dogma absoluto, mas abrange a idéia da tutela de interesse social que não necessariamente se identifique com o interesse dos sócios e sim que tenha afinidade com a idéia de preservação da empresa56.
A idéia do autor pode ser interpretada a partir da positivação pelo direito
brasileiro da teoria da empresa, conforme desenvolvida pelo direito italiano. Quer
parecer que o autor em citação vê a empresa com perfil institucional57. A empresa,
53 Cf. LUCENA, José Waldecy apud RIZZARDO, A. Direito de empresa: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. p.191. 54 Neste pensamento filia-se: RETTO, M. G. B. Sociedades limitadas. p.15; MAMEDE, G. Direito empresarial brasileiro: direito societário: sociedade simples e empresárias. v.2, p.63; COELHO, F. U. Curso de direito comercial. v.2, p.373. 55 Código Civil: “Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.” 56 SIMÃO Fº., A. A nova sociedade limitada. p.25. 57 De acordo com a teoria poliédrica do jurista italiano Alberto Asquini, o conceito de empresa foi desenvolvido a partir de quatro perfis: “a) o perfil ‘subjetivo’, que vê a empresa como o empresário; b) o perfil ‘funcional’, que vê a empresa como atividade empreendedora; c) o perfil ‘patrimonial’ ou ‘objetivo’, que vê a empresa como estabelecimento; d) o perfil
25
considerada como “atividade econômica organizada para a produção ou circulação
de bens ou serviços”58, não está fundada nos interesses dos sócios, mas tem,
precipuamente, uma função social. Por isso que a doutrina desenvolveu, a partir de
1970 a base do princípio da preservação da empresa, pois, esta é geradora de
postos de trabalho, de arrecadação de tributos, em suma, participa do
desenvolvimento social59.
As deliberações sociais buscam atender, inicialmente, a auto-preservação
societária, aliadas, e com especial atenção, ao fim social a que se propõe, dentre
eles, o de reduzir a desigualdade social, geração de empregos, criação de renda,
recolhimento de tributos etc.
Em contraposição às sociedades contratuais, existem as institucionais,
criadas a partir de estatutos. São assim chamadas as sociedades anônimas e a
sociedade em comandita por ações. Gladston Mamede60 diferencia-a das
contratuais eis que seu elemento constitutivo, o estatuto, não dispõe sobre
obrigações e deveres recíprocos assumidos entre as partes. Este instrumento
societário apenas reflete “o conjunto das normas que orientam a existência e o
funcionamento da pessoa jurídica”.
Há, entretanto, doutrina diversa61 que classifica o contrato das sociedades
limitadas como sendo plurilateral. Tal assertiva dá-se a partir da premissa de que as
parte componentes do contrato social assumem obrigações e direitos uns com os
outros de forma recíproca. A sociedade adquire direitos e toma para si obrigações,
da mesma forma que os sócios gozam de direitos e assume obrigações para com a
sociedade. De igual maneira se passa com os sócios, que passam a ser detentores
de direitos e obrigações uns com os outros.
Waldo Fazzio Júnior62 ao comparar a sociedade limitada aos demais tipos
societários, notadamente em relação à sociedade anônima, pontifica:
A sociedade limitada é contratual, sem ser exclusivamente personalista. Caracteriza-se pela limitação da responsabilidade dos sócios, sem ser essencialmente capitalista. [...] Não se trata, pois, de
‘corporativo’, que vê a empresa como instituição.” In REQUIÃO, R. Curso de direito comercial, v.1. p.55. 58 REQUIÃO, R. Curso de direito comercial. v.1, p.58. 59 COELHO, F. U. Curso de direito comercial. v.2, p.460. 60 Cf. MAMEDE, G. Direito empresarial brasileiro: direito societário: sociedade simples e empresárias. v.2, p.64. 61 Cf. ASCARELLI, Tullio apud RETTO, M. G. B. Sociedades limitadas. p.14. 62 FAZZIO JR., W. Sociedades limitadas: de acordo com o Código Civil de 2002. p.22.
26
uma adaptação da sociedade anônima com circulabilidade de participações restrita, porque não é institucional. Diferencia-se, basicamente, das companhias, porque a autonomia patrimonial dos sócios deflui de um contrato.
Todavia, como asseverado anteriormente, a doutrina majoritária entende que
a natureza constitutiva da sociedade limitada é contratual. Tal percepção é oriunda
do dispositivo legal já citado, o artigo 981 do Código Civil.
Fábio Ulhoa Coelho63 pondera que a diferenciação das sociedades
institucionais e contratuais reside na forma de sua constituição e dissolução.
Deste modo, o autor supra citado classifica a sociedade limitada como sendo
contratual, pois sua criação e solução respeitam as normas pertinentes à teoria dos
contratos, ditadas pelo Código Civil. Já nas sociedades anônimas, tais episódios
operam-se com base em sua lei de regência, posto inaplicável a disciplina contratual
em tal tipo societário, Lei n. 6.404 de 15 de dezembro de 1976.
1.4 CONSTITUIÇÃO DA SOCIEDADE E NATUREZA JURÍDICA DAS QUOTAS
SOCIAIS
1.4.1 O contrato social
Mister se faz, de imediato, enfatizar a natureza contratualista da sociedade
limitada e, o ajuste de vontade que conduz a formação do grupo de sócios é o
instrumento contratual. Isto é, o documento constituído especificamente para
comprovar as disposições acertadas pelas partes.
De tal modo, contratar uma sociedade implica definir obrigações recíprocas
e, a base desse vínculo obrigacional é revelada pela vontade livre e consciente dos
sócios64.
Portanto, ainda que o contrato social de determinada sociedade limitada
contemple a regência supletiva pelas normas da Lei das Sociedades por Ações (Lei
63 Cf. COELHO, F. U. Curso de direito comercial. v.2, p.373, 381.
27
nº 6.404/76), ela é uma sociedade contratual. E, por força do que se encontra
estipulado nos artigos 99765 e 1.05466 do Código Civil, a sua constituição dá-se por
instrumento público ou particular, sendo válida a estipulação de outras cláusulas
facultativas.
Contudo, respeitando-se o princípio da liberdade de contratação, o contrato
social deve atender os requisitos gerais a todos os contratos, de conformidade com
o que estabelece o artigo 104 do Código Civil, traduzidos pela capacidade, licitude
do objeto e, forma prevista em lei67.
Vale observar que deve ser respeitado, naquilo em que for compatível o
artigo 997 do Código Civil. Ou seja, a qualificação dos sócios (inciso I); nome social,
objeto social, sede, prazo (inciso II); capital social (inciso III), valor das quotas sociais
e a forma de integralização (inciso IV); administração da sociedade (inciso VI); e
finalmente, forma de participação dos sócios nos lucros e nas perdas (inciso VII).
Esclarece-se que o inciso VIII do artigo em comento68 não é aplicável às
sociedades limitadas, eis que o tipo societário já limita a responsabilidade dos
sócios, não podendo cláusulas contratuais dispor de maneira contrária69.
Entende Tavares Borba70 que o ato constitutivo de uma sociedade deve ser
[...] firmado por todos os sócios, no qual se declaram as condições básicas da entidade, inclusive nome, domicílio, capital social, cotas de cada sócio, objeto social, forma de administração, prazo de
64 Cf. MAMEDE, G. Direito empresarial brasileiro: direito societário: sociedade simples e empresárias. v.2, p.67. 65 Código Civil. “Art. 997. A sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público, que, além de cláusulas estipuladas pelas partes, mencionará: I - nome, nacionalidade, estado civil, profissão e residência dos sócios, se pessoas naturais, e a firma ou a denominação, nacionalidade e sede dos sócios, se jurídicas; II - denominação, objeto, sede e prazo da sociedade; III - capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo compreender qualquer espécie de bens, suscetíveis de avaliação pecuniária; IV - a quota de cada sócio no capital social, e o modo de realizá-la; [...]; VI - as pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade, e seus poderes e atribuições; VII - a participação de cada sócio nos lucros e nas perdas; [...]” 66 Código Civil. “Art. 1.054. O contrato mencionará, no que couber, as indicações do art. 997, e, se for o caso, a firma social.” 67 Cf. LUCENA apud RETTO, M. G. B. Sociedades Limitadas. p.29. 68 Código Civil: “Art. 997: [omissis] VIII - se os sócios respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais.” 69 Rubens Requião assevera que a ausência de tal cláusula implicaria na responsabilidade ilimitada dos sócios pelas obrigações societárias, mesmo que presente a expresso ‘limitada’ na firma ou razão social. In REQUIÃO, R. Curso de direito comercial. v.1, p.469-470. Gladston Mamede, por sua vez, apenas enumera o indigitado inciso como aplicável e cabível na disciplina das Limitas. In MAMEDE, G. Direito empresarial brasileiro: direito societário: sociedade simples e empresárias. v.2, p.296. 70 BORBA apud JORGE, T. N. S. Manual das sociedades limitadas. p.193-194.
28
existência e processo de liquidação. Esse ato constitutivo deverá ser arquivado no registro de comércio. Tratando-se de um ato jurídico, aplicam-se os requisitos gerais da lei civil: agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei.
Em breve síntese pode-se afirmar que além das condições específicas do
artigo 997 do Código Civil devem ser respeitados, também, os requisitos gerais dos
contratos, elencados no artigo 10471 do diploma civil, capacidade, objeto lícito e
observância à forma legal. E ainda, devem estar presentes os dois pressupostos de
existência, a pluralidade dos sócios e a affectio societatis72.
A sociedade limitada deve ser constituída por pelo menos dois sócios,
pessoas físicas ou jurídicas, excetuada a unipessoalidade temporária (artigo 1.033,
IV73 do Código Civil).
Há, ainda, o pressuposto da affectio societatis que significa a vontade dos
sócios em manter a sociedade. Desaparecendo tal requisito, dissolve-se a
sociedade.
1.4.2 A natureza jurídica das quotas sociais
Quanto à natureza jurídica das quotas sociais, diversas são as classificações
doutrinárias. Para Valeri, as quotas são direitos principais e direitos acessórios;
Brunetti, por sua vez, as denomina de direitos individuais e sociais; Neukamp
entende que traduzem um conjunto complexo de direitos; enquanto Graziani afirma
que representam os direitos de participação administrativa e os de participação
patrimonial74.
Ricardo Negrão75, assim como Rubens Requião76 e Adalberto Simão Filho77
são adeptos da teoria de Carvalho Mendonça de que as quotas sociais têm duplo
71 Código Civil: “Art. 104. A validade do negócio jurídico requer: I - agente capaz; II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III - forma prescrita ou não defesa em lei.” 72 Cf. COELHO, F. U. A sociedade limitada no novo Código Civil. p.30. 73 Código Civil: “Art. 1.033: [omissis] IV - a falta de pluralidade de sócios, não reconstituída no prazo de cento e oitenta dias; 74 FAZZIO JR., W. Sociedades limitadas: de acordo com o Código Civil de 2002. p.119. 75 Cf. NEGRÃO, R. Manual de direito comercial e de empresa, v.1, 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p.361-362. 76 Cf. REQUIÃO, R. Curso de direito comercial. v.1, p.479.
29
aspecto, porque traduzem tanto os direitos de natureza patrimonial quanto os de
natureza pessoal.
O direito patrimonial versa sobre o direito do sócio em perceber parcela dos
lucros sociais e, quando da liquidação da sociedade, tomar parte da massa residual,
se existente.
Já os direitos pessoais são os inerentes à qualidade de sócio, ou seja,
“participação na vida social, em atos de deliberação social, administração ou
fiscalização”78.
No entanto, para Arnaldo Rizzardo79 a quota social corresponde a uma
relação contratual. Isto é, a relação sócio e sociedade materializam-se em uma
relação de direitos e obrigações, “não corresponde a um direito real específico, nem
a um direito de crédito”. Reflete que não é a quota o instrumento pelo qual o sócio
adquire direitos e obrigações, mas sim o contrato social, sendo a quota a
comprovação numérica do quantum investido pelo sócio naquela sociedade.
Entretanto, a doutrina majoritária entende tratar-se de direitos de natureza
patrimonial, dentre os quais o de receber dividendos, e de natureza pessoal, direitos
intrínsecos de sócios, tal qual o de voto e fiscalização80.
O capital social deve ser estabelecido no contrato societário, instrumento de
constituição da sociedade. É dividido em quotas, as quais são expressadas
numericamente, de igual ou diferente valor81.
Neste sentido, oportuno colacionar a lição de Egberto Lacerda Teixeira82 ao
definir a quota social como sendo “a entrada, ou contingente de bens, coisas ou
valores com o qual cada um dos sócios contribui ou se obriga a contribuir para a
formação do capital social”.
Os doutrinadores83 pouco se atêm à expressão “igual ou desigual” das
quotas em que se divide o capital social. Asseveram que o objetivo do legislador fora
permitir aos sócios obterem quotas em número diferente dos demais. Entendem,
77 Cf. SIMÃO Fº., A. A nova sociedade limitada. p.104. 78 NEGRÃO, R. Manual de direito comercial e de empresa, v.1, p.361-362. 79 Cf. RIZZARDO, A. Direito de empresa: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. p.206. 80 Cf. RETTO, M. G. B. Sociedades limitadas. p.61. 81 Cf. RIZZARDO, A. Direito de empresa: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. p.203, 82 TEIXEIRA, E. L. Das sociedades por quotas de responsabilidade limitada. p.97. 83 Entre eles filia-se: RIZZARDO, A. Direito de empresa: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. p.203; NEGRÃO, R. Manual de direito comercial e de empresa, v.1, p.362-363.
30
também, que atribuir valores diferentes a cada quota, tal qual ocorre com as ações
das sociedades anônimas, inviabilizaria a contabilidade social.
A quota social é indivisível, salvo sob alteração contratual e readequação do
valor das quotas sociais. Sem alteração do instrumento contratual, os ajustes
efetuados não surtem efeitos perante a sociedade e seus sócios. Admite-se, porém
o condomínio sobre as quotas, todavia, estas perante a sociedade guardam seu
caráter de unicidade84.
Mister se faz distinguir as quotas sociais da sociedade limitada e as ações
da sociedade anônima. Vinícius José Marques Gontijo85 leciona que as ações
podem ser cedidas sem alterações no instrumento de constituição social, o estatuto,
eis que sua essência é desvinculada daquele instrumento. De outra forma, ocorre
com as quotas sociais, pois sua cessão certamente causará alterações no contrato
social.
As quotas sociais e as ações também diferem quanto ao aspecto de sua
circulação.
Ensina Fábio Ulhoa Coelho que “a livre circulação das ações é princípio
fundamental do regime jurídico das sociedades anônimas”86. Em função de que as
sociedades anônimas são sempre de capital, o acionista, independentemente do
consentimento dos demais sócios pode negociar suas ações, fazendo com que
estas circulem no mercado.
Egberto Lacerda Teixeira87, não discrepa do entendimento do autor acima
citado. Para este, as ações são títulos “suscetíveis de fácil alienação, usufruto e
penhora”.
Assim, a quota envolve uma relação contratual, que, segundo Arnaldo
Rizzardo88, “se concretiza em direitos e obrigações”. A sua natureza jurídica é de um
“título representantivo de crédito” sobre as quais recai o “exercício de direitos dos
sócios”. Em decorrência, os direitos e obrigações dos sócios, que se originam do
contrato, inibem que a sua circulação se promova de modo autônomo, posto estar
sujeita às restrições de ordem contratual.
84 Cf. MAMEDE, G. Direito empresarial brasileiro: direito societário: sociedade simples e empresárias. v.2, p.301. 85 Cf. GONTIJO, Vinícius José Marques apud RIZZARDO, A. Direito de empresa: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. p.205 86 COELHO, F. U. Curso de direito comercial. v.2, p.118. 87 Cf. TEIXEIRA, E. L. Das sociedades por quotas de responsabilidade limitada. p 99.
31
2 DEVERES E RESPONSABILIDADES DOS SÓCIOS NA SOCIEDA DE
LIMITADA EMPRESÁRIA
Nesta parte do trabalho ater-se-á a falar sobre as formas de integralização
do capital social subscrito, bem como das diversas formas pelas quais os sócios
poderão ser responsabilizados por atos por eles e pela sociedade praticados.
Consoante explanado no capítulo anterior, o contrato social estabelecerá o
valor do capital social da sociedade, dividido em quotas sociais, de igual ou diferente
valor.
2.1 INTEGRALIZAÇÃO DO CAPITAL SOCIAL
O primeiro compromisso do sócio para com a sociedade é integralizar o
capital por ele subscrito89. Este deve entregar à sociedade em formação, no
momento de sua constituição, dinheiro ou bens suficientes para o desenvolvimento
da atividade a que esta se propôs.
Oportuna, faz-se, primeiramente, a diferenciação destes dois conceitos,
capital subscrito e capital integralizado, porquanto, em que pese serem distintos,
estão intimamente ligados.
Capital subscrito é aquele prometido à sociedade. Ou seja, é o montante que
o sócio se comprometeu em entregar à sociedade, através de bens ou dinheiro90.
De outro lado, o capital integralizado é aquele composto pelos bens
entregues à sociedade para resolução do compromisso firmado no contrato social91.
88 RIZZARDO, A. Direito de empresa: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. p. 206. 89 Cf. COELHO, F. U. Curso de direito comercial. v.2, p.396. 90 Cf. COELHO, F. U. A sociedade limitada no novo Código Civil. p.2. 91 MAMEDE, G. Direito empresarial brasileiro: direito societário: sociedade simples e empresárias. v.2, p.74-75.
32
2.1.1 Integralização em dinheiro
Quanto à integralização do capital, faz-se referência quanto ao momento da
entrega de tais bens à sociedade, isto é, o contrato social deve mencionar “tempo e
modo para que o valor das quotas seja realizado (integralizado)”92.
Leciona Marcel Gomes de Bragança Retto93 que quanto à integralização do
capital existem três sistemas. O adotado pela Alemanha que permite a integralização
do capital da maneira como os sócios julgarem conveniente. Já na França a
integralização do capital social deve ocorrer no ato de constituição da sociedade.
Quanto ao terceiro sistema, chamado de misto, se feito de forma parcelada, deve ser
mediante o aporte de dinheiro à sociedade. O Brasil não estipula norma legal a
respeito deste tema, portanto, filiando-se, assim, ao sistema germânico.
Importa salientar que o ordenamento brasileiro nada estipula acerca do
quantum a ser entregue à sociedade no instante de sua constituição. De igual forma,
nada leciona a respeito do valor mínino do capital social da sociedade limitada94.
A integralização pode ocorrer concomitantemente com a criação da
sociedade, isto é, a entrega dos bens, dinheiro ou qualquer outro objeto sujeito à
avaliação pecuniária, realizar-se-á no momento da assinatura do contrato social,
instrumento de constituição da sociedade limitada95.
Pode ainda, a integralização dar-se a prazo, no todo ou em parte, ou seja,
em momento posterior à constituição societária96. Desta forma, compromete-se o
sócio perante os demais e perante a sociedade entregar o capital faltante no prazo
estipulado no contrato social.
Todavia, adverte-se que deve estar previsto no contrato societário o termo e
a forma de integralização do capital social, se a vista ou a prazo, e ainda, se em
bens ou em dinheiro97.
92 MAMEDE, G. Direito empresarial brasileiro: direito societário: sociedade simples e empresárias. v.2, p.299. 93 Cf. RETTO, M. G. B. Sociedades limitadas. p.53. 94 Cf. FAZZIO JR., W. Sociedades limitadas: de acordo com o Código Civil de 2002. p.108. 95 Cf. GAINO. I. Responsabilidade dos sócios na sociedade limitada. p.16. 96 Cf. COELHO, F. U. A sociedade limitada no novo Código Civil. p. 2. 97 Cf. MAMEDE, G. Direito empresarial brasileiro: direito societário: sociedade simples e empresárias, v.2, p.77.
33
2.1.2 Integralização com bens móveis
Aos sócios é permitida a integralização de suas quotas sociais com a
entrega de bens à sociedade, desde que estes sejam passíveis de avaliação
pecuniária. Contudo, tal ação deve ser resguardada de alguns cuidados98, porquanto
os bens dados à sociedade são recepcionados pela pessoa jurídica com o valor
atribuído pelos sócios, presumindo-se que os valores atribuídos são verdadeiros,
respondendo os sócios pela evicção, solidariamente, pelo prazo de 5 anos.
Como já introduzido, o Código Civil deixou ao arbítrio dos sócios a forma e o
modo de integralização do capital social. Tal disciplina fora infimamente regulada
quanto à sociedade limitada, todavia, sem o rigor despendido às sociedades
anônimas, sem, contudo, deixá-la às vicissitudes dos sócios como ocorre nas
sociedades simples99. Enquanto na Sociedade Simples a ação depende única e
exclusivamente do que fora pactuado entre os sócios, na Anônima a entrega de
bens a esta espécie societária depende do regulamento legal.
Neste diapasão, porquanto admitida no ordenamento pátrio a integralização
com bens, estes devem ser analisados sob duas perspectivas, o qualitativo e o
quantitativo.
Quanto à qualidade destes, entende Modesto Carvalhosa100 que os bens
devem ser analisados sob o ponto de vista da produtividade, ou seja, tais objetos
devem ser utilizados pela sociedade nas suas atividades sociais. Registra o autor
supra mencionado, que ao substituir o dinheiro na operação, os bens “devem
guardar a mesma utilidade” que estes. Quantitativamente, tais itens devem
corresponder ao “potencial valorativo do dinheiro, devem valer o que
representam”101, ou seja, devem expressar economicamente o valor atribuído
quando de sua entrega à sociedade.
98 Cf. TEIXEIRA, E. L. Das sociedade por quotas de responsabilidade limitada. p.89-91. 99 Cf. FAZZIO JR., W. Sociedades limitadas: de acordo com o Código Civil de 2002. p.109. 100 Cf. CARVALHOSA, Modesto apud FAZZIO JR., W. Sociedades limitadas: de acordo com o Código Civil de 2002. p.109. 101 FAZZIO JR., W. Sociedades limitadas: de acordo com o Código Civil de 2002. p.109.
34
2.1.3 Integralização em créditos
Admite-se, também, a integralização do capital social através de crédito à
sociedade. Tais créditos podem corresponder àqueles títulos emitidos pela própria
sociedade, relativos a créditos que o sócio possui contra esta, ou mesmo contra
terceiros102.
É de se ressaltar que responde o sócio pela solvência do devedor,
aplicando-se, da mesma maneira que aos bens imóveis integralizados, o artigo 8º da
lei das sociedades anônimas103. Ou seja, o valor atribuído ao crédito será aquele
arbitrado na avaliação pelos demais sócios. Ressalta-se que responsabilidade dos
sócios pela estimação do crédito, persiste pelo mesmo prazo registrado acima
quanto à integralização por meio de bens.
Trajano Miranda Valverde assevera que se compreendem créditos “todos os
escritos, papéis ou documentos que declaram ou provam a existência de uma
relação de crédito”104. Dessa forma, podem ser representados por “títulos cambiário
(letra, nota promissória, duplicata), contratos, instrumentos de confissão de dívida,
valores mobiliários, títulos oficiais, etc.”105.
Quanto à integralização por meio da emissão de títulos de crédito, esta só
pode ser considerada perfectibilizada quando houver o pagamento do título relativo.
Nesse sentido, Waldo Fazzio Júnior106 adverte:
[...] a integralização por meio de título de crédito é pro solvendo. É que, no caso, a conversão em dinheiro é condicionada ao prazo e nem sempre há garantia de que o devedor terá capacidade de solver a época do vencimento. Se tal não ocorrer, o sócio continua devendo à sociedade o pagamento de sua quota, podendo conforme o caso, até tornar-se remisso.
Assim, percebe-se que o sócio pode tornar-se remisso caso o título não seja
solvido em seu vencimento, e não o pague no prazo reclamado pelos demais sócios.
102 Cf. TEIXEIRA, E. L. Das sociedade por quotas de responsabilidade limitada. p.94. 103 Cf. FAZZIO JR., W. Sociedades limitadas. p.111-112. 104 VALVERDE, Trajano Miranda apud TEIXEIRA, E. L. Das sociedade por quotas de responsabilidade limitada. p.94. 105 FAZZIO JR., W. Sociedades limitadas. p.112. 106 FAZZIO JR., W. Sociedades limitadas. p.112.
35
2.1.4 Vedação da integralização por meio da indústr ia
Em que pese a liberdade de contratar, quanto ao modo e forma de
integralização do capital social, o Código Civil é expresso ao proibir sua
integralização por meio da indústria, ou seja, é vedada a contribuição ao capital
societário por meio da prestação de serviços107.
Tal instituto era uma das formas de integralização do capital da sociedade
de capital e indústria, composta por dois sócios, no qual um deles injetava o capital
na sociedade, enquanto o outro integralizava sua quota com seu serviço. Tal tipo
societário, como já explanado, inexiste atualmente, pois foi revogado pelo Código
Civil de 2002108.
Gladston Mamede explicita que tal vedação é salutar, porquanto é o capital
social da sociedade limitada a última garantia de seus credores, “face a inexistência
de responsabilidade subsidiária dos sócios”109.
Na mesma senda, Waldemar Ferreira110 explicita o embasamento legislativo
de tal proibição. Pondera que a existência de somente uma categoria de sócio, com
responsabilidade limitada ao capital subscrito e não integralizado, é incompatível
com a subsistência de sócios sem nenhuma responsabilidade. Esta assertiva é
adotada pelo autor para exemplificar o que ocorria com a antiga sociedade de capital
e indústria, atualmente banida do ordenamento jurídico brasileiro, regida outrora pelo
revogado artigo 317111 do Código Comercial.
107 Cf. MAMEDE, G. Direito empresarial brasileiro: direito societário: sociedade simples e empresárias. v.2, p.300. 108 Cf. REQUIÃO, R. Curso de direito comercial. v.1, p.420. 109 MAMEDE, G. Direito empresarial brasileiro: direito societário: sociedade simples e empresárias. v.2, p.300. 110 FERREIRA, Waldemar apud JORGE, T. N. S. Manual das sociedades limitas. p.212-213. 111 Código Comercial: “Art. 317 - Diz-se sociedade de capital e indústria aquela que se contrai entre pessoas, que entram por uma parte com os fundos necessários para uma negociação comercial em geral, ou para alguma operação mercantil em particular, e por outra parte com a sua indústria somente. O sócio de indústria não pode, salvo convenção
36
2.2 EXPROPRIAÇÃO DA QUOTA NÃO INTEGRALIZADA DE SÓCIO REMISSO
O sócio que não cumpre com a primeira obrigação contraída para com a
sociedade, isto é, a integralização de suas quotas sociais, é denominado
“remisso”112.
Na lição de Waldo Fazzio Júnior113 a designação de sócio remisso é
“reservada ao que não paga, total ou parcialmente, sua quota de participação na
formação do capital social. É o que se apresenta inadimplente com o principal dos
deveres sociais”.
Tal característica é atribuída ao sócio notificado a integralizar o capital
subscrito, no prazo de trinta dias, e não o faz, tornando-se deste modo remisso114.
Oportuno asseverar, neste momento, que a obrigatoriedade da notificação
para caracterização da mora é controversa. Rubens Requião115, Arnaldo Rizzardo116
e Gladston Mamede117 entendem a interpelação como imprescindível para a
caracterização da mora.
Diferente não é a percepção de Leonardo Guimarães a respeito da
necessidade de notificação da mora. Assim expressa:
[...] frente à nova lei, o sócio remisso deve, obrigatoriamente, ser notificado para que, contra este, possam ser adotadas as providências legais inerentes à espécie, das quais se destaca a exclusão118.
Noutro sentido, é o posicionamento doutrinário de Tarso Nametala Sarlo
Jorge119 e Waldo Fazzio Júnior120. Tais autores crêem que dispondo o contrato
social a respeito de um prazo para a integralização do capital social prometido à
em contrário, empregar-se em operação alguma comercial estranha à sociedade; pena de ser privado dos lucros daquela, e excluído desta.” 112 Cf. REQUIÃO, R. Curso de direito comercial. v.1, p.490. 113 FAZZIO JR., W. Sociedades limitadas. p.113. 114 Cf. RIZZARDO, A. Direito de empresa. p.261. 115 Cf. REQUIÃO, R. Curso de direito comercial. v.1, p.490. 116 Cf. RIZZARDO, A. Direito de empresa: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. p.261. 117 Cf. MAMEDE, G. Direito empresarial brasileiro: direito societário: sociedade simples e empresárias. v.2, p.311. 118 GUIMARÃES, Leonardo apud RIZZARDO, A. Direito de empresa. p.261. 119 Cf. JORGE, T. N. S. Manual das sociedades limitadas. p.216. 120 Cf. FAZZIO JR., W. Sociedades limitadas. p.113.
37
sociedade, o sócio não precisa ser notificado para tornar-se remisso, e sobre o
mesmo incidirá as penas da mora.
Entretanto, a posição majoritária e predominante da doutrina, na lição de
Marcel Gomes Bragança Retto121, é a de que, pela redação do artigo 1.058122 do
Código Civil e a referência dada ao artigo 1.004123, também, da norma material civil,
deve-se adotar a interpelação como maneira de constituir o sócio em mora.
Cumprido tal requisito, podem os demais sócios expulsar o sócio faltoso,
executá-lo, reduzir o capital social ao valor já integralizado, ou ainda, suplementar o
valor da quota, para não reduzir o capital da sociedade; tal escolha será regulada
pelos interesses sociais124.
Caso a sociedade necessite de recursos, não será viável a redução de seu
capital social, eis que além de necessitar modificar seu contrato social, deixará de
receber dos demais sócios os valores suplementares das quotas do sócio
remisso125. Podem os sócios ainda, autorizados pelo artigo 1.058 do Código Civil,
assumir as quotas ou transmiti-las a terceiros, estranhos a sociedade.
A execução do sócio remisso tem como finalidade a integralização da quota
social. Noutros termos, busca-se a satisfação dos créditos que a sociedade tem para
com o sócio por meio de ação judicial de execução.
Optando os sócios pela redução das quotas sociais ao montante já
integralizado por este, o principal e mais importante efeito incide sobre o capital
social. Este terá reduzido o valor de suas quotas, porquanto a diminuição das quotas
do remisso ao valor já integralizado torna menor a participação deste na
sociedade126. Ou seja, uma vez que as quotas sociais correspondem ao capital
social dividido em partes, deixando de existir uma destas partes, conseqüentemente,
o capital societário é reduzido.
121 Cf. RETTO, M. G. B. Sociedades limitadas. p.191. 122 Código Civil: “Art. 1.058. Não integralizada a quota de sócio remisso, os outros sócios podem, sem prejuízo do disposto no art. 1.004 e seu parágrafo único, tomá-la para si ou transferi-la a terceiros, excluindo o primitivo titular e devolvendo-lhe o que houver pago, deduzidos os juros da mora, as prestações estabelecidas no contrato mais as despesas.” 123 Código Civil: “Art. 1.004. Os sócios são obrigados, na forma e prazo previstos, às contribuições estabelecidas no contrato social, e aquele que deixar de fazê-lo, nos trinta dias seguintes ao da notificação pela sociedade, responderá perante esta pelo dano emergente da mora.” 124 Cf. NEGRÃO, R. Manual de direito comercial e de empresa. v.1, p.376. 125 Cf. COELHO, F. U. A sociedade limitada no novo Código Civil. p.48. 126 Cf. NEGRÃO, R. Manual de direito comercial e de empresa. v.1, p.376.
38
A outra opção dos sócios é a de tomar as quotas do sócio remisso para si,
ou transferi-las a terceiros127. No entanto, esta operação depende do que foi
previamente convencionado no contrato social, pois, o instrumento contratual pode
vedar a entrada de qualquer estranho na sociedade, independente da aquiescência
dos demais128.
Além disso, existe a possibilidade de os sócios tomarem para si as quotas
sociais, e suplementarem o valor faltante ao capital social, caso em que deve ser
precedido de alteração no contrato social129. Por fim, restará aos sócios, acaso seja
impossível o ingresso de terceiro na sociedade, ou a suplementação das quotas
societárias, a redução do capital social130.
Forte é a discussão doutrinária sobre a possibilidade de a sociedade limitada
tomar, para si, as quotas do sócio remisso. A posição de Rubens Requião131 é no
sentido de que a sociedade pode adquirir suas próprias quotas. Para justificar tal
entendimento se vale das disposições do artigo 8º132 do revogado Decreto nº
3.708/19 que, para o autor, tal previsão foi repetida pelo Código Civil em vigor.
Em sentido contrário, posiciona-se Gladston Mamede ao atentar que o
direito de tomar para si a quota do sócio remisso é restrito ao corpo societário, e não
à sociedade, eis que o artigo 1.058 do Código Civil, supra citado, é expresso neste
sentido133.
Ademais, continua o citado autor, o Decreto nº 3.708/19, a que Rubens
Requião se refere, fora revogado, ainda que tacitamente, pelo Código Civil de 2002.
Portanto, não tendo na legislação brasileira qualquer norma permissiva em relação à
aquisição de quotas pela sociedade. Pelo contrário, diante da omissão das normas
referentes à sociedade limitada, independente do tipo de regência supletiva
127 Cf. RIZZARDO, A. Direito de empresa: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. p.261. 128 Cf. FAZZIO JR., W. Sociedades limitadas. p.113. 129 Cf. MAMEDE, G. Direito empresarial brasileiro: direito societário: sociedade simples e empresárias. v.2, p.311. 130 Cf. FAZZIO JR., W. Sociedades limitadas. p.113. 131 Cf. REQUIÃO, R. Curso de direito comercia. v.1, p.485-486, 490. 132 Decreto nº 3.708: “Art. 8º - É lícito às sociedades a que se refere esta lei adquirir quotas liberadas, desde que o façam com fundos disponíveis e sem ofensa do capital estipulado no contrato. A aquisição dar-se-á por acordo dos sócios, ou verificada a exclusão de algum sócio remissivo, mantendo-se intacto o capital durante o prazo da sociedade.” 133 Cf. MAMEDE, G. Direito empresarial brasileiro: direito societário: sociedade simples e empresárias. v.2, p.311.
39
contratada, utiliza-se, o artigo 30134 da Lei das S.A. que é expresso ao proibir tal
espécie de negociação, com suas devidas exceções.
Importante anotar ainda, que a mudança do contrato da sociedade exige
quórum de três quartos do capital social, consoante disposto nos artigos 1.076, I135 e
1.071, V136, ambos do Código Civil137.
Assim, optando os sócios por transferir não só as quotas não integralizadas,
mas todas as quotas do sócio remisso a terceiro, ou tomá-las para si,
conseqüentemente, decidem também pela exclusão do remisso do corpo
societário138. Tal medida pode ser tomada quando, como discorrido anteriormente, o
sócio é interpelado para cumprir com a obrigação contraída diante da sociedade, no
prazo de 30 dias, sob pena de incorrer nas penas da mora, respondendo pelos
danos emergentes139, nos termos do já citado artigo 1.058 do Código Civil.
A exclusão do faltoso lhe gera direitos sobre a sociedade. Ou seja, ao sócio
remisso deverá ser devolvido o aporte dos bens ou dinheiro que este entregou à
sociedade140. Entretanto, deste valor, serão deduzidos os prejuízos decorrentes da
mora, “bem como juros, atualização monetária e honorários de advogado”141. Os
134 Lei 6.404/76: “Art. 30: A companhia não poderá negociar com as próprias ações. §1º Nessa proibição não se compreendem: a) as operações de resgate, reembolso ou amortização previstas em lei; b) a aquisição, para permanência em tesouraria ou cancelamento, desde que até o valor do saldo de lucros ou reservas, exceto a legal, e sem diminuição do capital social, ou por doação; c) a alienação das ações adquiridas nos termos da alínea b e mantidas em tesouraria; d) a compra quando, resolvida a redução do capital mediante restituição, em dinheiro, de parte do valor das ações, o preço destas em bolsa for inferior ou igual à importância que deve ser restituída. §2º A aquisição das próprias ações pela companhia aberta obedecerá, sob pena de nulidade, às normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários, que poderá subordiná-la à prévia autorização em cada caso. §3º A companhia não poderá receber em garantia as próprias ações, salvo para assegurar a gestão dos seus administradores. § 4º As ações adquiridas nos termos da alínea b do §1º, enquanto mantidas em tesouraria, não terão direito a dividendo nem a voto. §5º No caso da alínea d do § 1º, as ações adquiridas serão retiradas definitivamente de circulação.” 135 Código Civil: “Art. 1.076. Ressalvado o disposto no art. 1.061 e no § 1o do art. 1.063, as deliberações dos sócios serão tomadas: I - pelos votos correspondentes, no mínimo, a três quartos do capital social, nos casos previstos nos incisos V e VI do art. 1.071.” 136 Código Civil: “Art. 1.071. Dependem da deliberação dos sócios, além de outras matérias indicadas na lei ou no contrato: [...] V - a modificação do contrato social.” 137 Cf. NEGRÃO, R. Manual de direito comercial e de empresa. v.1, p.376. 138 Cf. RETTO, M. G. B. Sociedades limitadas. p.191. 139 Cf. MAMEDE, G. Direito empresarial brasileiro: direito societário: sociedade simples e empresárias. v.2, p.311. 140 Cf. RETTO, M. G. B. Sociedades limitadas. p.191. 141 JORGE, T. N. S. Manual das sociedades limitadas. p.216.
40
juros da mora, e demais prestações devidas pelo sócio inadimplente serão aquelas
estabelecidas no contrato social142.
Sobre o tema Fábio Ulhoa Coelho leciona:
[...] a expulsão pode gerar para o sócio remisso, perante a sociedade, um crédito (se as entradas que realizou superam o montante devido a titulo de juros moratórios ou indenização pelas perdas e danos) ou um débito143.
O sócio inadimplente ao ser excluído da sociedade terá o direito de
reembolso dos aportes que fez a sociedade. Todavia, deste quantum será
descontado os juros da mora e as demais prestações estabelecidas no instrumento
de constituição societário.
Pondera Marcel Gomes Bragança Retto144 que se o contrato social previa a
integralização por meio distinto do dinheiro, e o sócio, agora remisso, não concorre
para sua efetivação, responderá este pelo “dano emergente decorrente da mora”,
nos moldes do artigo 395145 do Código Civil. Todavia, acaso a integralização seja
contratada em dinheiro, responderá o sócio inadimplente pelos juros da mora146.
Percebe-se dessa maneira, que à sociedade são dadas várias opções de
comportamento quando da existência de um sócio remisso em seu quadro
societário, com o intuito de eximir os demais sócios da responsabilidade recorrente
da não integralização do capital social.
Em síntese pode-se dizer que a sociedade pode deliberar pela diminuição do
capital social ao montante já integralizado; os demais sócios podem suplementar as
quotas sociais do faltoso; as quotas do inadimplente podem ser oferecidas a terceiro
estranho a sociedade; pode a sociedade executá-lo, instando-o a integralizar o
capital subscrito; assim como, o remisso pode ser excluído da sociedade.
142 Cf. MAMEDE, G. Direito empresarial brasileiro: direito societário: sociedade simples e empresárias. v.2, p.311. 143 COELHO, F. U. A sociedade limitada no novo Código Civil. p.48. 144 RETTO, M. G. B. Sociedades limitadas. p.191. 145 Código Civil: “Art. 395. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.” 146 Juros de mora é aquele devido quando há atraso no cumprimento da obrigação, podendo ser convencionado ou não. O dano emergente da mora versa sobre os prejuízos experimentados pela sociedade em virtude da não integralização das quotas sócias no
41
2.3 RESPONSABILIDADE PELAS OBRIGAÇÕES SOCIAIS
A responsabilidade dos sócios está adstrita a certos limites e liames. Assim,
vê-se que a responsabilidade atribuída aos sócios pelos atos praticados pela
sociedade, em decorrência de sua estrutura e ditames sociais, estabelecidos no
Código Civil, é limitada, o que justifica o nome atribuído a esta espécie societária,
Sociedade (por quotas de responsabilidade) Limitada147.
Oportuno lembrar que a responsabilidade dos sócios está adstrita as suas
quotas sociais, no entanto, respondem solidariamente pela integralização do capital
social148. Não há que se confundir a responsabilidade dos sócios com a
responsabilidade da pessoa jurídica, pois, a responsabilidade da sociedade limitada
é ilimitada pelas obrigações por ela contraídas149.
Pondera, ainda, Fábio Ulhoa Coelho150 que a limitação da responsabilidade
dos sócios é preponderante no estímulo à ploriferação e exploração de atividade de
natureza econômica. Salienta o autor, que nenhum ou quase nenhum,
empreendedor “dedicar-se-ia a organizar novas empresas se o insucesso da
iniciativa pudesse redundar na perda de todo o patrimônio, amealhado ao longo de
anos de trabalho e investimento, de uma ou mais gerações”.
Deste modo, tem o credor somente como garantia o patrimônio da
sociedade, do qual o capital social corresponde a um dos itens, sob pena de furtar à
sociedade limitada sua principal característica, como dito anteriormente.
Vale salientar, como se demonstrará mais a frente, que em algumas
situações excepcionais, é possível alcançar os bens dos sócios em detrimento da
prática de alguns atos ou por força de previsão legal.
prazo dado quando da interpelação pela sociedade. Cf. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das obrigações: parte geral. 8. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 131, 142. 147 Cf. JORGE, T. N. S. Manual das sociedades limitadas. p.229. 148 Cf. COELHO, F. U. Curso de direito comercial. v.2, p.402. 149 Cf. REQUIÃO, R. Curso de direito comercial. v.1, p.491. 150 COELHO, F. U. A sociedade limitada no Código Civil. p.4.
42
2.3.1 Responsabilidade ilimitada: credores não nego ciais
A responsabilidade dos sócios da sociedade limitada é limitada ao capital
social subscrito e não integralizado. Ademais, oportuno rememorar que a sociedade
responde ilimitadamente por suas obrigações.
Todavia, como bem observa Rubens Requião151, a limitação da
responsabilidade dos sócios não significa que estes sejam irresponsáveis por todos
e quaisquer atos praticados pela sociedade.
Fábio Ulhoa Coelho152 relaciona algumas classes de credores que “não
dispõem, diante da autonomia patrimonial da sociedade limitada, de meios negociais
para a preservação de seus interesses”. Dentre eles encontram-se “o credor fiscal, a
Seguridade Social, o empregado e o titular de direito extracontratual à indenização”.
Salienta o autor que destes credores, os quais denomina de “não negociais”,
a legislação brasileira apenas atribuiu a duas classes proteção especial. É o caso do
Fisco e da Seguridade Social.
Na primeira hipótese somente o administrador da sociedade responde
perante o Fisco, desde que pratique atos irregulares ou ilícitos, ou seja, com excesso
de poder ou contrários a lei ou contrato social, conforme normatiza o artigo 135, III153
do Código Tributário Nacional.
Já frente à Seguridade Social todos os sócios, solidariamente, são
devedores, por força do artigo 13154 da Lei nº 8.620/93. Assim, podem-se atacar os
bens pessoais dos sócios para a satisfação das dívidas para com a Seguridade que
a sociedade possui.
No mesmo sentido é a responsabilização dos sócios da sociedade anônima.
Todavia, nesta espécie societária somente os sócios controladores, administradores,
gerentes e administradores responderão com seus bens pelas dívidas sociais, de
forma solidária e subsidiária. A responsabilidade é restrita a duas possibilidades,
151 Cf. REQUIÃO, R. Curso de direito comercial. v.1, p.496. 152 COELHO, F. U. A sociedade limitada no novo Código Civil. p.8. 153 Código Tributário Nacional: “Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: [omissis] III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.”
43
quais sejam, a ocorrência de dolo ou culpa. É o que versa o parágrafo único155 do
artigo e lei supracitados.
Fábio Ulhoa Coelho156 pondera que os demais credores têm mecanismos
próprios para evitar eventuais prejuízos e aumentar suas garantias, como por
exemplo, aumentar a taxa de juros dos empréstimos, exigirem a garantia pessoal
dos sócios, dentre outros.
2.3.2 Responsabilidade por irregularidades
A limitação da responsabilidade dos sócios não deve ser utilizada como
artifício para realização de atos irregulares ou ilegais157, porquanto que a limitação
da responsabilidade visa propiciar o surgimento de novos empreendimentos, e não
para patrocinar a práticas de atos contrários à norma jurídica.
Entretanto, existem duas exceções à regra da responsabilidade limitada dos
sócios, que buscam precipuamente punir e deter o cometimento de atos ilícitos em
nome da sociedade: deliberações dos sócios contrárias à lei ou ao contrato social e
a desconsideração da personalidade jurídica158.
154 Lei n. 8.620/93: “Art. 13. O titular da firma individual e os sócios das empresas por cotas de responsabilidade limitada respondem solidariamente, com seus bens pessoais, pelos débitos junto à Seguridade Social.” 155 Lei n. 8.620/93: “Art. 13. [omissis] Parágrafo único. Os acionistas controladores, os administradores, os gerentes e os diretores respondem solidariamente e subsidiariamente, com seus bens pessoais, quanto ao inadimplemento das obrigações para com a Seguridade Social, por dolo ou culpa.” 156 Cf. COELHO, F. U. A sociedade limitada no novo Código Civil. p.5. 157 Cf. REQUIÃO, R. Curso de direito comercial. v.1, p.496. 158 Cf. COELHO, F. U. A sociedade limitada no novo Código Civil. p.107.
44
2.3.2.1 Deliberações contrárias à lei ou ao contrato social
O artigo 1.080159 do Código Civil estabelece que os sócios serão
responsabilizados por deliberações contrárias ao disposto no contrato social e na
lei160.
Acrescenta ainda Rubens Requião161 que, por força do disposto no artigo
1.072, §5º162 do Código Civil, as decisões tomadas pelos sócios respeitando-se o
instrumento social, bem como a legislação, vinculam todos os sócios, ainda que
ausentes ou dissidentes. De modo contrário, como dito alhures, será quando tais
resoluções contrariarem a norma legal e o contrato. Deste modo, somente os sócios
que as aprovaram serão responsabilizados.
2.3.2.2 Desconsideração da personalidade jurídica
A desconsideração da personalidade jurídica visa o afastamento da pessoa
jurídica da obrigação contraída em seu nome, em determinados casos, como a
seguir se demonstrará163.
Consoante lição de Fábio Ulhoa Coelho164 o “superamento da personalidade
da jurídica” busca reprimir o mau uso da pessoa jurídica, e não afastar sua
personalidade autônoma.
Essa teoria foi abarcada pelo artigo 50165 do Código Civil, e estabelece a
desconsideração caso fique caracterizada o desvio de finalidade ou a confusão
patrimonial.
159 Código Civil: “Art. 1.080. As deliberações infringentes do contrato ou da lei tornam ilimitada a responsabilidade dos que expressamente as aprovaram.” 160 Cf. RIZZARDO, A. Direito de empresa: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. p.190. 161 Cf. REQUIÃO, R. Curso de direito comercial. p.497. 162 Código Civil: “Art. 1.072. As deliberações dos sócios, obedecido o disposto no art. 1.010, serão tomadas em reunião ou em assembléia, conforme previsto no contrato social, devendo ser convocadas pelos administradores nos casos previstos em lei ou no contrato. [omissis ]§5º As deliberações tomadas de conformidade com a lei e o contrato vinculam todos os sócios, ainda que ausentes ou dissidentes.” 163 Cf. MAMEDE, G. Direito empresarial brasileiro: direito societário: sociedade simples e empresárias. v.2, p.225
45
Essa primeira hipótese, o desvio de finalidade, resta caracterizada quando
um sócio usa da sociedade limitada para contrair obrigações estranhas as suas
atividades166.
Já a confusão patrimonial evidencia-se pela confusão dos patrimônios dos
sócios e da sociedade167. Ou seja, quando não se podem distinguir os bens da
pessoa jurídica, dos bens da pessoa física.
Gladston Mamede168, ainda lista mais algumas hipóteses que ensejam a
autorização do uso da desconsideração da personalidade jurídica: dolo e fraude,
relação de consumo e relação de trabalho.
Quanto às deliberações eivadas de dolo e fraude, estas já foram motivo de
estudo no item anterior. Como se viu, os sócios responsabilizam-se pelas resoluções
tomadas em afronta à lei ou ao disposto no contrato social.
Sabe-se que é princípio basilar do direito consumerista o reconhecimento da
hipossuficiência e vulnerabilidade do consumidor. Desta forma, o artigo 28169 do
Código de Defesa do Consumidor admitiu a desconsideração da personalidade
jurídica da sociedade limitada nas hipóteses ali elencadas170.
Quanto aos créditos trabalhistas a teoria da desconsideração tem sido
utilizada de maneira reiterada pela Justiça do Trabalho171.
Entende a Quarta Turma do Tribunal Superior de Justiça que diante da
natureza alimentar dos créditos oriundos das relações de trabalho, seu cumprimento
164 COELHO, F. U. A sociedade limitada no novo Código Civil. p.110. 165 Código Civil: “Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.” 166 Cf. COELHO, F. U. A sociedade limitada no novo Código Civil. p. 110. 167 Cf. FAZZIO JR., W. Sociedades limitadas. p. 42. 168 Cf. MAMEDE, G. Direito empresarial brasileiro: direito societário: sociedade simples e empresárias. v.2, p. 225. 169 Código de Defesa do Consumidor: “Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.” 170 Cf. GAINO, I. Responsabilidade dos sócios na sociedade limitada. p. 129. 171 Cf. MAMEDE, G. Direito empresarial brasileiro: direito societário: sociedade simples e empresárias. v.2, p. 237.
46
deve ser assegurado, utilizando-se da teoria aqui estudada para atingir o patrimônio
dos sócios quando insuficiente os bens da sociedade172.
Todavia, a Justiça do Trabalho faz uso indiscriminado desta teoria. A simples
recusa em oferecer bens à penhora em uma ação executória, no entendimento
desta justiça especializada, autoriza a aplicação da teoria invocada.
Entretanto, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica não pode
ser invocada a todo instante e sob qualquer alegação. O inadimplemento das
obrigações sociais não implica obrigatoriamente na existência de fraude na
administração da sociedade173.
Faz-se oportuna a lição de Rubens Requião174 em conferência ministrada na
Universidade Federal do Paraná, no ano de 1969, ao inserir a discussão sobre a
disciplina no Brasil:
[...] é preciso, para a invocação exata e adequada da doutrina, repelir a idéia preconcebida dos que estão imbuídos do fetichismo da intocabilidade da pessoa jurídica, que não pode ser equiparada tão insolitamente à pessoa humana no desfrute dos direitos incontestáveis da personalidade; mas também não devemos imaginar que a penetração do véu da personalidade jurídica se torne instrumento dócil nas mãos inábeis dos que, levados ao exagero, acabassem por destruir o instituto da pessoa jurídica, construído através de séculos pelo talento de juristas dos povos civilizados, em cuja galeria sempre há de ser iluminada a imagem genial de Teixeira de Freitas, que, no século passado, precedendo a muitos, fixou em nosso direito a doutrina da personalidade jurídica.
A teoria deve ser invocada e utilizada para coibir o desvirtuamento da
limitação da responsabilidade dos sócios, e não como dito acima, como meio de
pagar os débitos de uma sociedade falida175.
172 Cf. MAMEDE, G. Direito empresarial brasileiro: direito societário: sociedade simples e empresárias. v.2, p.237-238 173 Cf. GAINO, I. Responsabilidade dos sócios na sociedade limitada. p.118. 174 REQUIÃO, R. apud GAINO, I. Responsabilidade dos sócios na sociedade limitada. p.118. 175 Cf. FAZZIO JR., W. Sociedades limitadas. p.39.
47
2.3.3 Responsabilidade Limitada
Acerca da integralização das quotas subscritas, deve-se atribuir indubitável
atenção, eis que, como dito anteriormente, os sócios respondem, solidariamente,
pelo capital não integralizado176.
Em linhas gerais, “consultando o contrato social da limitada, se dele constar
o capital social totalmente integralizado, não haverá nenhuma responsabilidade dos
sócios pelas obrigações sociais de natureza negocial”177.
Isto quer dizer que a responsabilidade solidária dos sócios persiste enquanto
houver capital subscrito e ainda não integralizado. Desde que resolvida a obrigação
da integralização total das quotas sociais, não mais subsiste a responsabilidade dos
sócios pelas obrigações da sociedade.
Hipótese contrária se dá quando o sócio subscritor não quita sua obrigação
para com a sociedade. Neste caso, não só este que se comprometeu com a entrega
de bens, dinheiro etc., à sociedade, mas todo o corpo societário será
responsabilizado pelas obrigações sociais, até o limite do capital social não
integralizado.
O capital social é divido em quotas sociais, de igual valor monetário, de
acordo com o supracitado artigo 1.055 do Código Civil. Cada sócio entrega à
sociedade aportes em dinheiro ou bens, correspondente ao seu número de quotas, e
quando não o faz a vista, isto é, no momento de sua constituição, deverá fazê-lo
posteriormente178.
Em outras palavras, o capital subscrito e não integralizado no momento de
constituição da sociedade, deverá ser integralizado no prazo fixado no contrato
social ou no prazo de 30 dias após interpelação pelos demais sócios, conforme
artigo 1.044 do Código Civil.
Situação distinta ocorre nas sociedades anônimas. Nestas a
responsabilidade dos sócios está vinculada a sua parte subscrita e não integralizada
176 Cf. GAINO, I. Responsabilidade dos sócios na sociedade limitada. p.15. 177 JORGE, T. N. S. Manual das sociedades limitadas. p.229. 178 Cf. TEIXEIRA, E. L. Das sociedades por quotas de responsabilidade limitada. p.97.
48
do capital social, ou seja, é responsável pelo inadimplemento das ações subscritas e
não pagas179.
No que tange à sociedade limitada, a regra traçada no artigo 1.052 do
Código Civil, versa que “[...] a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de
suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital
social”.
Quanto ao meio adequado para os credores buscarem a parte faltante do
capital subscrito e não integralizado, há posicionamento divergente na doutrina180.
Modesto Carvalhosa181 entende que os credores ao promoverem ação
executória, e na hipótese do capital social não estar totalmente integralizado,
podem, por força do artigo 592, II182 do Código de Processo Civil, atacar os bens
particulares dos sócios. Contudo, apresenta a ressalva de que tal procedimento só
será possível “desde que os sócios tenham sido citados na ação de execução
movida contra a sociedade”. Desse modo, poder-se-ia “executar tantos bens dos
sócios quantos bastem para completar o valor do capital social”.
Todavia, pelo entendimento da doutrina majoritária183 os sócios só
responderão pelo capital ainda não integralizado no juízo falimentar quando, no
processo de falência, o administrador judicial nomeado interpor ação de
integralização do capital social contra os sócios, por força no disposto no artigo 82184
da Lei nº 11.101/05.
Itamar Gaino185, por sua vez, explica que os sócios não podem integrar o
pólo passivo da ação executiva, nos moldes do artigo 592, II do Código de Processo
Civil. Pondera que lhes “falta causa de imputação de responsabilidade prevista no
direito material”. Acrescenta, ainda, que a sociedade é que é devedora do terceiro, e
179 Cf. COELHO, F. U. Curso de direito comercial. v.2, p.403. 180 Cf. GAINO, I. Responsabilidade dos sócios na sociedade limitada. p.17. 181 CARVALHOSA, Modesto apud RIZZARDO, A. Direito de empresa. p.189. 182 Código de Processo Civil: “Art. 592. Ficam sujeitos à execução os bens: [omissis] II - do sócio, nos termos da lei.” 183 Neste linha filiam-se: COELHO, F. U. A sociedade limitada no novo Código Civil. p.11; TEIXEIRA, E. L. Das sociedades por quotas de sociedade limitada. p.30; REQUIÃO, R. Curso de direito comercial. v.1, p.491. 184 Lei n. 11.101/2005: “Art. 82. A responsabilidade pessoal dos sócios de responsabilidade limitada, dos controladores e dos administradores da sociedade falida, estabelecida nas respectivas leis, será apurada no próprio juízo da falência, independentemente da realização do ativo e da prova da sua insuficiência para cobrir o passivo, observado o procedimento ordinário previsto no Código de Processo Civil.” 185 GAINO, I. Responsabilidade dos sócios na sociedade limitada. p.20.
49
não seus sócios. Assim, só a sociedade tem legitimidade para buscar a
integralização da quota social subscrita.
Assim, chamado quaisquer dos sócios, ou até mesmo todos, “quando posto
em xeque globalmente o patrimônio social, (liquidação, falência, execução singular,
afetando todo o patrimônio)”186 para a solvência da parte remanescente, estes
respondem até o limite do capital subscrito e não integralizado. O chamamento de
quaisquer dos sócios, independentemente de sua obrigação societária estar
cumprida ou não, decorre da solidariedade inerente aos sócios das sociedades
limitadas, conforme dispõe o já citado artigo 1.052 do Código Civil.
Destarte, havendo a integralização do capital remanescente por um dos
sócios, este se sub-roga nos direitos que a sociedade detinha contra o sócio
devedor. Tal situação ocorre, porquanto é direito da sociedade em relação aos
sócios, bem como destes em relação aos demais, de haver o capital estipulado
contratualmente, totalmente integralizado187.
Deste modo, poderá o sócio interpor ação regressiva contra os demais. Em
atenção à regra da limitação da responsabilidade societária, estampada no artigo
1.052 do Código Civil, o sócio responsável pelo valor de suas quotas societárias,
poderá reclamar os valores pagos a mais. Em outros termos, o sócio poderá
requerer na ação judicial o ressarcimento dos valores excedentes ao de sua quota.
A sub-rogação no direito de cobrar a diferença do capital integralizado e não
devido pelo sócio pagador, conforme explicitado acima, é possibilitada em virtude da
divisão interna de responsabilidade entre os sócios, conforme Arnardo Rizzardo188
comenta, ser interna corpore. Isto é, em que pese ser solidária a responsabilidade
dos sócios pela integralização do capital social perante terceiros, os sócios em
relação um com os outros tem tal responsabilidade, limitada às quotas sociais
Deve-se salientar que a responsabilidade dos sócios permanece pelo prazo
de 2 anos, contados a partir da saída deste da sociedade, conforme regra o artigo
186 ALMEIDA, Amador Paes de. Execução de bens dos sócios: obrigações mercantis, tributárias, trabalhistas: da desconsideração da personalidade jurídica (doutrina e jurisprudência), 8.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p.53. 187 Cf. MAMEDE, G. Direito empresarial brasileiro: direito societário: sociedade simples e empresárias. v.2, p. 300. 188 Cf. RIZZARDO, A. Direito de empresa. p. 189.
50
1.032189 do Código Civil, aplicado em virtude do artigo 1.053 do mesmo diploma
legal190.
Respondem os sócios, também, pela exata estimação dos bens entregues
quando da integralização do capital social. Trata-se de responsabilidade solidária,
pelo prazo de cinco anos191, pelo valor atribuído pelos contratantes aos bens
integralizados, conforme disposto no artigo 1.055, §1º do Código Civil.
Oportuno relembrar que podem os sócios das sociedades limitadas
integralizarem o capital social com dinheiro ou bens192.
A conferência de bens ao capital societário, como já mencionado, deve ser
permeada de cuidados, porquanto sua entrega à sociedade clama por prévia
avaliação. Quando se trata de sociedade limitada, a avaliação é realizada pelos
próprios sócios193.
O mesmo já não ocorre nas Sociedades Anônimas. De acordo com o
estabelecido no artigo 8º194 da Lei n. 6.404/76, a integralização do capital social com
bens depende de prévia avaliação. A avaliação dos bens, tanto os móveis quanto os
189 Código Civil: “Art. 1.032. A retirada, exclusão ou morte do sócio, não o exime, ou a seus herdeiros, da responsabilidade pelas obrigações sociais anteriores, até dois anos após averbada a resolução da sociedade; nem nos dois primeiros casos, pelas posteriores e em igual prazo, enquanto não se requerer a averbação.” 190 Cf. RIZZARDO, A. Direito de empresa: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. p.190. 191 Cf. MARTINS, F. Curso de direito comercial. p.262. 192 Cf. FAZZIO JR., W. Sociedades limitadas: de acordo com o Código Civil de 2002. p.109. 193 Cf. JORGE, T. N. S. Manual das sociedades limitadas. p.203. 194 Lei n. 6.404/76: “Art. 8º. A avaliação dos bens será feita por 3 (três) peritos ou por empresa especializada, nomeados em assembléia-geral dos subscritores, convocada pela imprensa e presidida por um dos fundadores, instalando-se em primeira convocação com a presença de subscritores que representem metade, pelo menos, do capital social, e em segunda convocação com qualquer número. 1º Os peritos ou a empresa avaliadora deverão apresentar laudo fundamentado, com a indicação dos critérios de avaliação e dos elementos de comparação adotados e instruído com os documentos relativos aos bens avaliados, e estarão presentes à assembléia que conhecer do laudo, a fim de prestarem as informações que lhes forem solicitadas. § 2º Se o subscritor aceitar o valor aprovado pela assembléia, os bens incorporar-se-ão ao patrimônio da companhia, competindo aos primeiros diretores cumprir as formalidades necessárias à respectiva transmissão. § 3º Se a assembléia não aprovar a avaliação, ou o subscritor não aceitar a avaliação aprovada, ficará sem efeito o projeto de constituição da companhia.§ 4º Os bens não poderão ser incorporados ao patrimônio da companhia por valor acima do que lhes tiver dado o subscritor. 5º Aplica-se à assembléia referida neste artigo o disposto nos §§ 1º e 2º do artigo 115. 6º Os avaliadores e o subscritor responderão perante a companhia, os acionistas e terceiros, pelos danos que lhes causarem por culpa ou dolo na avaliação dos bens, sem prejuízo da responsabilidade penal em que tenham incorrido; no caso de bens em condomínio, a responsabilidade dos subscritores é solidária.”
51
imóveis, deve ser realizada por três peritos, ou empresa especializada, ambos
nomeados pela própria sociedade195.
O resultado da perícia deve constar de laudo fundamentado e documentado.
Tal laudo pericial ao ser aceito quando da submissão à votação, ou ainda, caso o
sócio subscritor aceite o valor estabelecido pela assembléia, ocasiona a
incorporação de tais bens ao patrimônio da empresa pelo valor atribuído naquele
instrumento ou o acordado na reunião196.
Acaso o valor arbitrado no laudo não seja aceito, ou o subscritor discorde do
valor estabelecido em assembléia, a constituição da sociedade resta prejudicada197.
Lembra Arnaldo Rizzardo198 que podem os sócios ainda, realizar o capital
em espécie.
Norma importante, acerca do tema, refere-se à responsabilização, civil e
criminal, dos peritos, em caso de culpa ou dolo na avaliação199.
Da mesma forma, respondem o subscritor ou acionistas que incorporaram
bens ao capital social da sociedade por danos ocorridos, culposa ou dolosamente200.
A partir daí pode-se concluir que os procedimentos adotados nas sociedades
anônimas e nas limitadas, são distintos. Enquanto na Sociedade por Ações
necessita-se de prévia avaliação por meio de perito, na Limitada esta é realizada
pelos sócios.
O Código Civil nada dispõe a respeito da obrigatoriedade de avaliação dos
bens, a serem entregues à sociedade limitada, por perito ou empresa especializada.
Waldo Fazzio Júnior201, a seu turno, entende que diante de tal omissão
legislativa não é necessária prévia avaliação. Pondera, entretanto, que devem os
sócios acordar a respeito do valor. Neste mesmo sentido se manifestaram Egberto
Lacerda Teixeira202, que colaciona a concordância, também, de Waldemar Ferreira e
Noredino Alves da Silva a respeito da matéria.
195 Cf. TEIXEIRA, E. L. Das sociedade por quotas de responsabilidade limitada. p.89. 196 Cf. MAMEDE, G. Direito empresarial brasileiro: direito societário: sociedade simples e empresárias. v.2, p.109. 197 Cf. MARTINS, F. Curso de direito comercial. p.289. 198 Cf. RIZZARDO, A. Direito de empresa: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. p.281. 199 Cf. FAZZIO JR., W. Sociedades limitadas: de acordo com o Código Civil de 2002. p.109. 200 Cf. TEIXEIRA, E. L. Das sociedade por quotas de responsabilidade limitada. p.90. 201 Cf. FAZZIO JR., W. Sociedades limitadas: de acordo com o Código Civil de 2002. p.109. 202 Cf. TEIXEIRA, E. L. Das sociedade por quotas de responsabilidade limitada. p.90.
52
Como já explicitado, os sócios respondem pela correta avaliação dos bens
apresentados à sociedade pelo prazo de até 5 anos, a partir do registro da
sociedade na Junta Comercial203. Nesse sentido dispõe o diploma civil pátrio:
Art. 1.055. [omissis]
§1º. Pela exata estimação de bens conferidos ao capital social respondem solidariamente todos os sócios, até o prazo de cinco anos da data do registro da sociedade.
Logo, presume-se verdadeiro o valor atribuído ao bem. Acaso seja verificada
a super valoração do bem poderão os credores ou terceiros interessados, interporem
ação própria, com o intuito de demonstrarem a fraude204.
Lembra Rubens Requião205 que a procedência da ação ocasiona a
declaração judicial de que o capital social não fora integralizado, ocasionando a
diminuição do capital, até o valor declarado na sentença.
Em caso de falência, face a responsabilidade dos sócios pela avaliação dos
bens, respondem pelo valor não integralizado do capital social206.
Vê-se dessa forma, que assim como nas sociedades anônimas, os sócios da
Limitada também são responsabilizados pelo valor que atribuem aos bens conferidos
à sociedade, quando da integralização de seu capital. Todavia, na Anônima só
responde o sócio subscritor.
Como dito anteriormente, acaso o sócio subscritor divirja do valor apurado
através do laudo, ou do firmado pela assembléia, a sociedade não é constituída, não
sendo possível o aproveitamento dos atos realizados207.
Já na Limitada todos os sócios respondem, solidariamente, pela exata
estimação dos bens atribuídos ao capital social208. O prazo decadencial para
reclamar a avaliação errônea do bem é de cinco anos, contados a partir do registro
da sociedade, e por conseqüência, de sua anotação no ato constitutivo da
sociedade.
203 Cf. MARTINS, F. Curso de direito comercial. p.262. 204 Cf. FAZZIO JR., W. Sociedades limitadas. p.110. 205 Cf. REQUIÃO, R. Curso de direito comercial. p.470. 206 Cf. FAZZIO JR., W. Sociedades limitadas. p.110. 207 Cf. MAMEDE, G. Direito empresarial brasileiro: direito societário: sociedade simples e empresárias. v.2, p. 449. 208 Cf. TEIXEIRA, E. L. Das sociedade por quotas de responsabilidade limitada. p.90-91.
53
Waldo Fazzio Júnior209 recorda que a transferência do bem, do sócio à
sociedade, torna-se eficaz desde que seja averbada no Cartório de Registro de
Imóveis, na respectiva matrícula, consoante disposto o artigo 1.245 do Código
Civil210. Segundo o artigo 64211 da Lei n. 8.934/94 não é necessária escritura pública
para a efetivação de tal transferência. O contrato social registrado na Junta
Comercial é meio hábil para a realização da transferência dos bens conferidos à
sociedade212.
209 Cf. FAZZIO JR., W. Sociedades limitadas. p.110. 210 Código Civil: “Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.” 211 Lei n. 8.934: “Art. 64. A certidão dos atos de constituição e de alteração de sociedades mercantis, passada pelas juntas comerciais em que foram arquivados, será o documento hábil para a transferência, por transcrição no registro público competente, dos bens com que o subscritor tiver contribuído para a formação ou aumento do capital social.” 212 Cf. FAZZIO JR., W. Sociedades limitadas. p.110-111.
54
3 MEIOS DE COMPROVAÇÃO DE INTEGRALIZAÇÃO DO CAPITAL
SOCIAL
Consoante explicitado nos capítulos anteriores é no contrato social que se
estabelece o montante que será investido na sociedade limitada em constituição,
bem como, a quantidade de quotas a qual cada sócio se comprometeu com a
sociedade.
Interessa mais uma vez rememorar, que é o contrato social que estipula o
valor do capital social. É este que primeiramente compõe o patrimônio social, e que
responderá pelas obrigações contraídas pela sociedade. Todavia, em situações
excepcionais, os sócios poderão ser instados a responder pelas dívidas da pessoa
jurídica, conforme anteriormente explanado.
Uma das formas de atacar o patrimônio dos sócios a fim de responsabilizá-
los pelas obrigações contraídas e não adimplidas pela sociedade é quando o capital
subscrito pelos sócios não se encontra totalmente integralizado e a sociedade vem a
falir.
Logo, neste último capítulo, demonstrar-se-á os meios de comprovação da
integralização do capital social subscrito na sociedade limitada, bem como na
sociedade anônima. Inicia-se a discorrer, inicialmente, pela sociedade anônima, até
porque necessário se estabelecer uma análise comparativa entre este tipo societário
e a Limitada, quanto à garantia de comprovação dos acionistas pelo aporte do
capital investido por estes na sociedade.
3.1 NA SOCIEDADE ANÔNIMA
No direito brasileiro a sociedade anônima reveste-se da forma societária
amoldada aos empreendimentos de maior porte econômico, razão pela qual se
55
constata uma maior ingerência do Estado na regulamentação para as companhias
fechadas e o de autorização para as de capital aberto213.
Para melhor compreensão, sociedade anônima, na definição esposada por
Fábio Ulhoa Coelho é:
[...] a sociedade empresária com o capital social dividido em ações, espécie de valor mobiliário, na qual os sócios, chamados acionistas, respondem pelas obrigações sociais até o limite do preço de emissão das ações que possuem 214.
No mesmo sentido, e com arremates complementares a noção conceitual de
Fábio Ulhoa Coelho, Waldo Fazzio Júnior revela que:
Sociedade anônima ou companhia é a pessoa jurídica de direito privado, empresária por força de lei, regida por um estatuto e identificada por uma denominação, criada com o objetivo de auferir lucro mediante o exercício da empresa, cujo capital é dividido em frações transmissíveis, compostas por sócios de responsabilidade limitada ao pagamento das ações subscritas215.
Dos conceitos em destaque é possível extrair as duas principais
características desse tipo societário: capital social repartido em ações; e
responsabilidade dos acionistas limitada ao preço de emissão das ações subscritas
ou adquiridas.
Salienta-se, ainda, tratar-se de típica sociedade empresária, porquanto será
sempre regida pelas “leis e usos do comércio”, nos termos do art. 2º, § 1º216 de seu
diploma de regência, que é a Lei n. 6.404/76, cujos conceitos e características
213 A Sociedade por Ações é regida pela Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976 e alterações posteriores. Em seu artigo 4º, com a redação dada pela Lei n. 10.303, de 2001 estabelece: “Art. 4º Para os efeitos desta Lei, a companhia é aberta ou fechada conforme os valores mobiliários de sua emissão estejam ou não admitidos à negociação no mercado de valores mobiliários.” 214 COELHO, F. U. Curso de direito comercial. v.2, p.63. 215 FAZZIO JUNIOR, Waldo. Manual de direito comercial, 3. Ed. São Paulo: Atlas, 2003, p.223. 216 Lei nº 6.404/76: “Art. 2º. [omissis] §1º Qualquer que seja o objeto, a companhia é mercantil e se rege pelas leis e usos do comércio.
56
encontram-se evidenciados em seu artigo 1º217, e reafirmados no artigo 1.088 do
Código Civil218.
3.1.1 Natureza Jurídica
No primeiro capítulo dissertou-se a respeito da natureza jurídica das
sociedades limitadas. Restou evidenciado que estas podem classificar-se tanto
como sociedade de pessoas219 ou de capitais220, ou ainda adotar um tipo híbrido221,
dependendo da importância dada no contrato social ao atributo pessoal dos sócios;
ou seja, sua natureza deriva da qualidade subjetiva do sócio.
Na sociedade em que a figura física do sócio for preponderante, dada suas
qualidades intrínsecas e subjetivas, esta sociedade será classificada como de
pessoas.
De outro lado, a sociedade em que houver desinteresse quanto ao sócio,
despertando atenção aos aportes financeiros que este faz a fim de possibilitar à
sociedade a realização de seu objeto social, é classificada como sociedade de
capital.
Há ainda, a posição intermediária, uma sociedade híbrida, na qual para parte
dos sócios da sociedade é caracterizada como de capital, enquanto para outros esta
é pessoal.
Tal característica é visível quando o contrato social trata da transferência
das quotas pelos sócios. Nas sociedades de pessoas, na qual a figura do sócio é
preponderante para o sucesso da sociedade, suas quotas não podem ser
transferidas sem a autorização dos demais sócios. Já nas sociedades de capital as
217 Lei n. 6.404/76: “Art. 1º. A companhia ou sociedade anônima terá o capital dividido em ações, e a responsabilidade dos sócios ou acionistas será limitada ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas.” 218 Código Civil: “Art. 1.088. Na sociedade anônima ou companhia, o capital divide-se em ações, obrigando-se cada sócio ou acionista somente pelo preço de emissão das ações que subscrever ou adquirir.” 219 Cf. REQUIÃO, R. Curso de direito comercial. v.1, p.468. 220 Cf. PEREIRA, Pedro Barbosa apud SIMÃO FILHO, A. A nova sociedade limitada. p. 31 221 Cf. COELHO, F. U. Curso de direito comercial. v.2, p.369.
57
quotas sociais são negociadas livremente, eis que omente os aportes financeiros
são de interesse da sociedade222.
De outro modo, quanto à natureza das sociedades anônimas não há
dissenso na doutrina. Os sócios, aqui denominados acionistas, não contratam a
constituição da sociedade, mas tão somente aderem ao seu estatuto fundador,
assumindo, assim, posição secundária diante da sociedade223.
Acerca da natureza constitutiva, conforme anteriormente mencionado, a
doutrina majoritária224 entende que a sociedade limitada é contratual, porque
constituídas por meio de um contrato que estabelece deveres e obrigações mútuos
entre os sócios, e destes com a sociedade.
De outro lado encontra-se a sociedade anônima, classificada dentre as
sociedades estatutárias ou institucionais225.
Wilson de Souza Campos Batalha226 ao discorrer acerca do caráter
institucionalista das Anônimas anota que tal feição decorre da análise do disposto no
artigo 116, parágrafo único227 da lei 6.404/76, eis que há
[...] uma sensível tendência ao institucionalismo, não só reforçando o princípio da autoridade e responsabilidade, como também acenando à função social da sociedade anônima, como reunião de homens, sob forma hierárquica, em torno de uma idéia e com as vistas voltadas para os interesses da economia nacional.
Assim, afastam-se as Anônimas da teoria contratualista, não só pelo ato
instituidor da sociedade, mas também pela importância destas na vida econômica do
país.
222 TEIXEIRA, E. L. Das sociedades por quotas de responsabilidade limitada. p.24-25. 223 Cf. MAMEDE. G. Direito empresarial brasileiro: direito societário: sociedades simples e empresárias. v.2, p.366. 224 Neste pensamento filia-se: RETTO, M. G. B. Sociedades limitadas. p. 15; MAMEDE, G. direito societário: Sociedades simples e empresárias. v.2, p. 63; COELHO, F. U. Curso de direito comercial. v.2, p. 373. 225 Cf. MAMEDE. G. Direito empresarial brasileiro: direito societário: sociedades simples e empresárias. v.2, p.64. 226 BATALHA, Wilson de Souza Campos apud RIZZARDO, A. Direito de empresa. p.277. 227 Lei 6.404/76: “Art. 116. [omissis] Parágrafo único. O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender.”
58
A sociedade tem como objetivo, além da realização do objeto, ao qual a
sociedade se dispôs a concretizar, o cumprimento de sua função social. Isto remete
a assertiva de que as sociedades anônimas têm importância para as comunidades
para a qual presta assistência.
Enquanto Fábio Ulhoa Coelho228 classifica as sociedades anônimas como
estatutárias, meramente face ao ato constitutivo destas tratar-se de estatuto,
Gladston Mamede229 arrazoa mais detalhadamente sobre o estatuto social.
Pondera o mencionado autor que em que pese o estatuto societário definir
normas basilares para a administração e funcionamento da sociedade, não estipula
direitos e deveres recíprocos dos sócios, tal qual ocorre no contrato social das
Limitadas.
Outra diferença apontada entre a sociedade limitada e a anônima, é que, em
combinação ao disposto anteriormente acerca da sociedade de capital, na Anônima
não há reconhecimento mútuo entre os acionistas, em face da não obrigatoriedade
de constar na ata da assembléia constituinte o nome de todos os acionistas. A
identificação destes registra-se em livro próprio, e a transferência de suas ações não
implica na alteração do estatuto, medida imprescindível nas Limitadas.
3.1.2 Ações
No que se refere à fração em que se divide o capital social, vale destacar
mais uma diferença das ações em relação às quotas. O valor das quotas sociais
corresponde à divisão do capital social pelo número de quotas existentes230.
Todavia, não é possível fazer tal relação com as ações das Anônimas. Estas
correspondem ao seu preço de emissão, ou seja, ao valor efetivamente pago pelo
acionista, e não à parcela correspondente do capital social da sociedade231.
228 COELHO, F. U. Curso de direito comercial. v.2, p. 25-27. 229 Cf. MAMEDE. G. Direito empresarial brasileiro: direito societário: sociedades simples e empresárias. v.2, p.64. 230 Cf. REQUIÃO, R. Curso de direito comercial. v.1, p.478. 231 Cf. RIZZARDO, A. Direito de empresa. p.271-272.
59
Vários são os tipos de ações existentes. Quanto à forma, critério baseado no
modo de transferência de sua titularidade, elas podem ser classificadas em
nominativas e escriturais232.
A Lei n. 8. 021/90 ao promover alteração na lei das sociedades anônimas,
excluiu duas classes de ações, as ações ao portador e as endossáveis. Esta medida
teve a finalidade de dirimir a evasão de tributos, eis que a partir desta lei impediu-se
a emissão de ações a titulares anônimos, todos deveriam ser identificados233. Deste
modo, permaneceram na legislação as ações escriturais e nominativas.
As ações nominativas são aquelas que identificam seus acionistas, e sua
titularidade é presumida pela inscrição de seu nome no livro “Registro de Ações
Nominativas”, e sua transferência é escriturada no livro de “Transferência de Ações
Nominativas”234.
Quanto às ações escriturais, em que pese a dispensa na emissão de
certificado, disserta Arnaldo Rizzardo235 que elas não deixam de ser nominativas,
porquanto são escrituradas nos livros da instituição financeira responsável.
Entretanto, as ações escriturais, por força do disposto no artigo 34236 da lei n.
6.404/76, ficam mantidas em contas de depósito, em nome de seus titulares, na
instituição designada pelo estatuto social, e autorizada pela Comissão de Valores
Mobiliários237.
Quanto ao direito que as ações encerram, três são as classes acionárias:
ordinárias, preferenciais e de fruição.
As ordinárias conferem ao seu titular os direitos comuns de um sócio, tal
qual, direito a voto238.
Fábio Ulhoa Coelho239 entende serem as ações preferenciais uma espécie
acionária, a qual é lhe dado vantagem na distribuição dos dividendos da sociedade.
232 Cf. COELHO, F. U. Curso de direito comercial. v.2, p.108. 233 Cf. RIZZARDO, A. Direito de empresa. p.305. 234 Cf. MAMEDE. G. Direito empresarial brasileiro: direito societário: sociedades simples e empresárias. v.2, p.422. 235 Cf. RIZZARDO, A. Direito de empresa. p.306 236 Lei n. 6.404/76: “Art. 34. O estatuto da companhia pode autorizar ou estabelecer que todas as ações da companhia, ou uma ou mais classes delas, sejam mantidas em contas de depósito, em nome de seus titulares, na instituição que designar, sem emissão de certificados.” 237 Cf. MAMEDE. G. Direito empresarial brasileiro: direito societário: sociedades simples e empresárias. v.2, p.423. 238 Cf. REQUIÃO, R. Curso de direito comercial. v.2, p.89. 239 Cf. COELHO, F. U. Curso de direito comercial. v.2, p.99.
60
Já as ações de fruição são aquelas em que os acionistas recebem
antecipadamente o valor investido na sociedade a título de amortização, na hipótese
de liquidação da companhia. Todavia, os acionistas não ficam despidos dos outros
direitos societários, dependendo da classe de suas ações originárias, ordinárias ou
preferenciais240.
3.1.3 Na constituição das sociedades por ações
A instituição das sociedades anônimas deve ser realizada observando-se os
requisitos preliminares à sua constituição na forma do preceito do artigo 80241 da Lei
nº 6.404/76. O estatuto social estabelece, além dos deveres e direitos dos sócios,
também o capital social, o qual conforme dito acima pode ser dividido em ações
ordinárias ou preferenciais.
Primeiramente, é exigida a subscrição de todas as ações por pelo menos
duas pessoas, a fim de configurar uma sociedade, eis que inadmissível no
ordenamento jurídico pátrio a contratação ou instituição de sociedades unipessoais,
com exceção das subsidiárias integrais242, permitidas pelo artigo 251243 da lei nº
6.404/76. Deve-se acrescentar que a subscrição parcial das ações implica na
ineficácia da constituição244.
O segundo requisito acerca dos requisitos preliminares à constituição da
sociedade versa sobre a exigência de integralização, de pelo menos 10% do preço
de emissão, das ações subscritas.
240 Cf. RIZZARDO, A. Direito de empresa. p.304-305. 241 Lei n. 6.404/76: “Art. 80. A constituição da companhia depende do cumprimento dos seguintes requisitos preliminares: I - subscrição, pelo menos por 2 (duas) pessoas, de todas as ações em que se divide o capital social fixado no estatuto; II - realização, como entrada, de 10% (dez por cento), no mínimo, do preço de emissão das ações subscritas em dinheiro; III - depósito, no Banco do Brasil S/A., ou em outro estabelecimento bancário autorizado pela Comissão de Valores Mobiliários, da parte do capital realizado em dinheiro.” 242 Cf. MAMEDE. G. Direito empresarial brasileiro: direito societário: sociedades simples e empresárias, v.2, p.434. 243 Lei 6.404/76: “Art. 251. A companhia pode ser constituída, mediante escritura pública, tendo como único acionista sociedade brasileira.” 244 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas, v.2, 2.ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p.74.
61
Ensina Gladston Mamede245 que esse valor deve ser integralizado em
dinheiro, não se admitindo bens de outra natureza. Anota, ainda, que essa é a regra
geral, podendo o estatuto estipular percentual maior.
Tais valores devem ser depositados no Banco do Brasil, ou em uma
instituição financeira autorizada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Sobre
tal exigência, faz-se importante mencionar que o Ato Declaratório 2/78 do CVM
autoriza todos os bancos comerciais a receber o depósito da integralização do
capital social246.
Esses valores devem ser depositados pelo fundador, no prazo de 5 dias
após o recebimento dos valores, prazo este estipulado pelo artigo 81247 da lei
6.404/76. Tal depósito deverá ser efetuado em favor da sociedade em constituição,
em nome do subscritor.
A partir do primeiro depósito a sociedade deve ser constituída no prazo de 6
meses, conforme dita o parágrafo único248 do artigo 81 da lei 8.404/76. Caso a
companhia não seja constituída no prazo anteriormente fixado, o banco devolverá ao
subscritor os valores entregues por este ao fundador249.
Tal ocorre, como leciona Modesto Carvalhosa250, porquanto o mandato do
fundador termina com o depósito efetuado por este em nome do subscritor. A
devolução dos valores ao subscritor, conforme conclui o mesmo Autor, é possível eis
que o mandato legal do fundador se finda com o depósito, não se admitindo, por
esse motivo, a devolução das quantias depositadas aos fundadores.
O recibo de depósito das ações integralizadas deverá ser apresentado, lido
e transcrito na ata da assembléia de constituição251, conforme normatiza o artigo 87,
§1º252 da lei 6.404/76.
245 Cf. MAMEDE. G. Direito empresarial brasileiro: direito societário: sociedades simples e empresárias. v.2, p.435. 246 Cf. COELHO, F. U. Curso de direito comercial. v.2, p.178. 247 Lei 6.404/76: “Art. 81. O depósito referido no número III do artigo 80 deverá ser feito pelo fundador, no prazo de 5 (cinco) dias contados do recebimento das quantias, em nome do subscritor e a favor da sociedade em organização, que só poderá levantá-lo após haver adquirido personalidade jurídica.” 248 Lei 6.404/76: “Art. 81 [omissis]. Parágrafo único. Caso a companhia não se constitua dentro de 6 (seis) meses da data do depósito, o banco restituirá as quantias depositadas diretamente aos subscritores.” 249 Cf. MAMEDE. G. Direito empresarial brasileiro: direito societário: sociedades simples e empresárias. v.2, p.436. 250 Cf. CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas. v.2, p.92 251 Cf. RIZZARDO, A. Direito de empresa. p.397.
62
Percebe-se, com isso, que o acionista detém em seu poder o comprovante
de haver transferido à sociedade o quantum que lhe cabia realizar a título de capital
social e, a garantia do cumprimento da obrigação.
A integralização a que alude o inciso II do artigo 80 da lei 6.404/76 por
permissão do artigo 7º desta mesma lei253 pode realizar-se por meio, além de
dinheiro, de qualquer bem suscetível de avaliação, tal qual ocorre com as
sociedades limitadas.
Gladston Mamede254 pontua que somente bens, dinheiro ou créditos podem
ser usados para a integralização, não se admitindo alusão à aplicação subsidiária
dos artigos 997, V255 e 1.006256, ambos do Código Civil, ou seja, a contribuição
consistente na prestação de serviços.
A avaliação de tais bens, conforme já exposto, deverá ser realizada por
peritos, em número de três, ou empresa especializada no ramo257. O laudo pericial
resultante deverá ser submetido à apreciação pela assembléia de constituição258.
Acaso aprovado, o bem será integralizado por este valor, ou ainda, pelo valor
atribuído pela assembléia em caso de concordância do sócio subscritor259.
Independente de ser a companhia de capital aberto ou fechado, sua
constituição, e conseqüente integralização dos bens é ditada pelas normas do artigo
80 da lei 6.404/76260. Ou seja, independente de ser a sociedade aberta ou fechada,
quanto às ações integralizadas em dinheiro, deverá ser depositado no mínimo 10%
das ações em instituição financeira, em favor do subscritor, e o comprovante do
depósito bancário de tais valores apresentado na assembléia de constituição.
Quanto aos bens, esses deverão ser avaliados e submetidos à apreciação da
252 Lei 6.404/76: “Art. 87 [omissis]. § 1º Na assembléia, presidida por um dos fundadores e secretariada por subscritor, será lido o recibo de depósito de que trata o número III do artigo 80, bem como discutido e votado o projeto de estatuto.” 253 Lei 6.404/76: “Art. 7º. O capital social poderá ser formado com contribuições em dinheiro ou em qualquer espécie de bens suscetíveis de avaliação em dinheiro.” 254 Cf. MAMEDE. G. Direito empresarial brasileiro: direito societário: sociedades simples e empresárias. v.2, p.447. 255 Código Civil: “Artigo 997 [omissis]. V - as prestações a que se obriga o sócio, cuja contribuição consista em serviços;” 256 Código Civil: “Art. 1.006. O sócio, cuja contribuição consista em serviços, não pode, salvo convenção em contrário, empregar-se em atividade estranha à sociedade, sob pena de ser privado de seus lucros e dela excluído.” 257 Cf. RIZZARDO, A. Direito de empresa. p.402. 258 Cf. REQUIÃO, R. Curso de direito comercial. p.58. 259 Cf. RIZZARDO, A. Direito de empresa. p.402.
63
assembléia para aprovação de sua incorporação, a qual só ocorre mediante
escrituração no Cartório de Registro de Imóveis.
Igual não ocorre com as sociedades limitadas, como se passará a explicitar
a seguir.
3.2 NA SOCIEDADE LIMITADA EMPRESÁRIA
Como analisado no capítulo anterior os sócios podem integralizar o capital
social com dinheiro, ou até mesmo com bens e créditos, desde que estes últimos,
sejam passíveis de avaliação261.
Tais bens são incorporados ao capital social pelo valor atribuído pelos
sócios, sendo dispensável a realização de avaliação por peritos, providência esta
imprescindível nas sociedades anônimas262, em conformidade com o exposto
anteriormente.
E ainda, nos termos do supracitado artigo 1.055, §1º do Código Civil,
respondem os sócios, solidariamente, pela “exata estimação dos bens conferidos ao
capital social”, pelo prazo de 5 anos. A transferência dos bens a sociedade será
registrado no Registro de Imóveis, e poderá ocorrer por meio de escritura pública ou
instrumento particular263.
Quanto à integralização das quotas por meio de créditos, estes dizem
respeitos a valores que o sócio tem a receber de terceiros, ou mesmo da própria
sociedade. Frisa-se que o sócio é responsável pela solvência futura do devedor.
Assim, caso não ocorra a efetiva compensação do crédito, continuará o sócio
responsável pela integralização de sua quota, eis que a integralização neste caso é
pro solvendo, ou seja, a quota só será considerada integralizada quando ocorrer o
pagamento à sociedade264.
Ademais, pode a integralização acontecer a vista, ou a prazo. Integralização
a vista é aquela que ocorre no momento da constituição da sociedade, face às
260 Cf. CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas. v.2, p.118 e 156. 261 Cf. FAZZIO JÚNIOR, W. Sociedades limitadas. p.107. 262 Cf. TEIXEIRA, E. L. Das sociedades por quotas de responsabilidade limitada. p. 90. 263 Cf. JORGE, T. N. S. Manual das sociedades limitadas. p. 204.
64
necessidades da mesma do capital naquela ocasião. Já a integralização a prazo
ocorre em instante posterior à contratação da sociedade, do modo e forma
contratados265.
Importante ressaltar que a obrigação assumida no contrato social é direito
não só da sociedade, mas também dos sócios. Isto é, a sociedade em constituição
tem direito de ter o capital social contratado integralizado a fim de possibilitar a
realização da atividade a que se propôs.
Quanto aos sócios, o contrato social ao especificar a participação de cada
um na sociedade, estipula também sua participação no capital social, e em
decorrência disso, a obrigação assumida perante os demais sócios na contratação
da sociedade266.
3.2.1 Capital social e patrimônio social
Válido, para este momento, distinguir o significado de capital social e
patrimônio social, porquanto este último, como se demonstrará, corresponde aos
valores reais com os quais a sociedade responde pelas suas obrigações societárias.
O capital social, “o qual consta do contrato ou estatuto, é a cifra
correspondente ao valor dos bens que os sócios transferiram ou se obrigaram a
transferir à sociedade”267. Enquanto que patrimônio social é “a soma de todos os
bens que podem ser objeto de troca, possuídos pela sociedade. O patrimônio da
sociedade compreende não somente o capital social como tudo que a sociedade
adquirir e possuir durante a sua existência”268.
Assim o capital da sociedade, delimitado inicialmente no contrato social, é
fixo, e nas palavras de Waldo Fazzio Júnior269, o seu valor “nominal é intangível”.
264 Cf. FAZZIO JÚNIOR, W. Sociedades limitadas. p.111. 265 Cf. COELHO, F. U. A sociedade limitada no novo Código Civil. p.2. 266 Cf. MAMEDE, G. Direito empresarial brasileiro: direito societário: sociedade simples e empresárias. v.2, p. 77. 267 BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito societário. 9.ed. Rio de Janeiro; Renovar, 2004, p. 63. 268 CARVALHO DE MENDONÇA apud TEIXEIRA, E. L. Das sociedades por quotas de responsabilidade limitada. p. 84. 269 FAZZIO JÚNIOR, W. Sociedades limitadas. p. 104.
65
Em outras palavras, o valor fixado inicialmente é estático, porquanto
corresponde ao valor dos bens entregues à sociedade quando de sua constituição.
Em que pese a regra de ser o capital fixo, este é passível de modificação,
para majoração ou redução. Ou seja, o capital social pode ser aumentado ou
diminuído, sempre por meio de alteração contratual, respeitando-se as exigências
legais e as situações previstas270.
O aumento do capital social é possível quando este está totalmente
integralizado, e caso tenha a aprovação de 75% (¾) dos votos correspondentes ao
capital social, conforme disposição dos artigos 1.076, I271 cominado com os artigos
1.071, V272 e 997, III, todos do Código Civil273.
Enquanto o capital social é fixo, o patrimônio social é variável. Este
representa os valores que a sociedade dispõe, porquanto é a diferença dos valores
ativos (bens móveis, imóveis, dinheiro, créditos, etc.) e, passivos (débitos da
sociedade com impostos, títulos a pagar, etc.).
A diferença entre o ativo e o passivo corresponde ao patrimônio líquido274.
Deste modo, o patrimônio líquido corresponde ao valor real que a sociedade dispõe
de valores275. Se tal operação resultar positiva, ou seja, se o valor do ativo for
superior ao passivo, a sociedade acumula lucros, face ao seu sucesso. No entanto,
se esta operação for negativa, sendo o passivo superior ao ativo, presume-se a
existência de prejuízos276.
O valor do patrimônio e do capital social é o mesmo no momento de
constituição da sociedade277. Primitivamente, ou seja, no ato de constituição da
sociedade o capital social, confunde-se com o patrimônio social, porquanto ambos,
inicialmente, correspondem aos mesmos valores.
270 Cf. BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito societário. 9.ed. Rio de Janeiro; Renovar, 2004, p.64. 271 Código Civil: “Art. 1.076. Ressalvado o disposto no art. 1.061 e no § 1o do art. 1.063, as deliberações dos sócios serão tomadas: I - pelos votos correspondentes, no mínimo, a três quartos do capital social, nos casos previstos nos incisos V e VI do art. 1.071.” 272 Código Civil: “Art. 1.071. Dependem da deliberação dos sócios, além de outras matérias indicadas na lei ou no contrato: [omissis]V - a modificação do contrato social.” 273 Cf. MAMEDE, G. Direito empresarial brasileiro: direito societário: sociedade simples e empresárias. v.2, p.313. 274 Cf. BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito societário. 9.ed. Rio de Janeiro; Renovar, 2004, p.63. 275 Cf. FAZZIO JÚNIOR, W. Sociedades limitadas. p.104. 276 Cf. BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito societário. 9.ed. Rio de Janeiro; Renovar, 2004, p.63. 277 TEIXEIRA, E. L. Das sociedades por quotas de responsabilidade limitada. p.84.
66
Deste modo é o patrimônio social que responde ilimitadamente pelas
obrigações contraídas pela sociedade278.
Todavia, assevera Waldo Fazzio Júnior279, que a garantia mínima dos
credores é o valor correspondente ao capital social, qualquer que seja a situação
societária. Portanto, a primeira e última garantia dos credores da Limitada
corresponde ao capital social subscrito.
3.2.2 Integralização do capital social e meio hábil a comprovação
O direito brasileiro não estipulou valores mínimos ou máximos, e nem
percentuais, para a constituição do capital da sociedade limitada, como fez com as
sociedades anônimas. Estas devem integralizar no mínimo 10% de seu capital
social, no ato de constituição280.
Interessante ressaltar que de forma diversa legisla o direito comparado
argentino. Tal norma legal (Lei n. 11.645, de 1932) estipula que a sociedade limitada
só será constituída se ao menos 50% de seu capital social for integralizado no ato
de sua contratação281.
No mesmo passo, o Código Civil pátrio manteve-se letárgico quanto à
comprovação do que Fábio Ulhoa Coelho282 chama de “realidade do capital social”,
como ocorre com as Anônimas. Nestas o capital social integralizado no ato de
constituição deve ser depositado em instituição bancária283, como elucidado no item
anterior.
Exige o diploma Substantivo Civil, no seu artigo 997, IV, apenas a indicação
da forma e tempo de realização do capital social. Anota Egberto Lacerda Teixeira284
que o Departamento Nacional de Registro do Comércio (DNRC)285, por força do
278 Cf. REQUIÃO, R. Curso de direito comercial. v.1, p.382. 279 Cf. FAZZIO JÚNIOR, W. Sociedades limitadas. p.106. 280 Cf. JORGE, T. N. S. Manual das sociedades limitadas. p. 203. 281 Cf. TEIXEIRA, E. L. Das sociedades por quotas de responsabilidade limitada. p. 96. 282 COELHO, F. U. A sociedade limitada no novo Código Civil. p.8. 283 Cf. FAZZIO JÚNIOR, W. Sociedades limitadas. p.108. 284 Cf. TEIXEIRA, E. L. Das sociedades por quotas de responsabilidade limitada. p. 96-97. 285 Uma das funções do DNRC é supervisionar o registro de empresas, nos seus órgãos competentes.
67
disposto no artigo 4º, I e II286, da Lei n. 8.934/94, recomenda às Juntas Comerciais a
indicação do prazo para a integralização do capital subscrito quando do registro do
contrato social.
Dado ao sócio a possibilidade de integralização do capital social a prazo,
deve tal vir indicado no instrumento de constituição da sociedade, tornando desta
maneira a obrigação líquida287. Ou seja, a não estipulação de prazo para o
cumprimento da obrigação pelo sócio, torna-a incerta e ilíquida.
Dessa maneira, não estipulando o contrato forma e prazo, a obrigação é
exigível a partir do registro da sociedade. Conforme explanado alhures, no item
referente ao sócio remisso, este deverá ser notificado para, no prazo de 30 dias,
integralizar sua obrigação. Neste caso, quando não estipulado no contrato prazo
para sua realização, o sócio deverá ser interpelado para integralizar suas quotas
sociais restante, de uma só vez, impedindo-se que ocorra de outra maneira, salvo
alteração contratual.
Esclarece Egberto Lacerda Teixeira288 que tal anotação facilita a percepção
de risco em contratar com a sociedade, uma vez que a vida das sociedades
limitadas passa intra muros, ou seja, a grande maioria de seus atos não são
públicos, ao contrário do que ocorre com as Anônimas289.
A comprovação da integralização do capital social é questão que merece
atenção. Segundo palavras de Fábio Ulhoa Coelho, “não se pode ter certeza,
apenas pela consulta ao contrato social, de que a integralização do capital, nele
declarada, realmente foi feita” 290.
Em que pese ser o contrato social o instrumento de constituição da
sociedade, e nele vir estipulado os valores das quotas, bem como o valor do capital
subscrito e ainda não integralizado, a lei não dispõe de qualquer meio para tal
286 Lei n. 8.934/94: “Art. 4º O Departamento Nacional de Registro do Comércio (DNRC), criado pelos arts. 17, II, e 20 da Lei nº 4.048, de 29 de dezembro de 1961, órgão integrante do Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo, tem por finalidade: I - supervisionar e coordenar, no plano técnico, os órgãos incumbidos da execução dos serviços de Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins; II - estabelecer e consolidar, com exclusividade, as normas e diretrizes gerais do Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins”. 287 Cf. MAMEDE, G. Direito empresarial brasileiro: direito societário: sociedade simples e empresárias. v.2, p. 77. 288 Cf. TEIXEIRA, E. L. Das sociedades por quotas de responsabilidade limitada. p. 96-97. 289 Cf. TEIXEIRA, E. L. Das sociedades por quotas de responsabilidade limitada. p. 96-97. 290 COELHO, F. U. A sociedade limitada no novo Código Civil. p.8.
68
comprovação. Desse modo, o simples exame deste pode levar à conclusão errônea
da real situação econômica da sociedade.
Para Waldo Fazzio Júnior, o tema relativo ao capital social, inobstante
parecer matéria simples, esconde a “gênese dos problemas mais complexos do
segmento jurídico das sociedades empresárias”. E, arremata com o seguinte
esclarecimento:
[...] a temática do capital social deve ser focalizada de uma perspectiva econômica e de um ponto de vista jurídico. No plano econômico, está relacionado com o contingente de bens devotados à atividade empresarial da sociedade, ou seja, do financiamento da empresa. No plano jurídico, é uma exigência legal derivada da isenção da responsabilidade subsidiária dos sócios, uma vez aperfeiçoada a cifra estatutária nominada no contrato social. Realmente é uma cifra que engloba os valores nominais dos aportes dos quotistas291.
Tal observação é de extrema relevância, porquanto na falta de capital social,
restando valores a integralizar, os sócios respondem solidariamente por tais
importâncias, independente do cumprimento de sua obrigação societária292.
Este é o entendimento esboçado no acórdão a seguir colacionado de
relatoria da Ministra Nancy Andrighi293:
COMERCIAL, CIVIL E PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PARA FINS DE PREQUESTIONAMENTO. [...] DECLARAÇÃO DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE ABUSO. ENCERRAMENTO DE ATIVIDADE SEM BAIXA NA JUNTA COMERCIAL. CIRCUNSTÂNCIA INSUFICIENTE À PRESUNÇÃO DE FRAUDE OU MÁ-FÉ NA CONDUÇÃO DOS NEGÓCIOS. ARTS. 592, II E 596 DO CPC. NORMAS EM BRANCO, QUE NÃO DEVEM SER APLICADAS DE FORMA SOLITÁRIA. SOCIEDADE POR QUOTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. AUSÊNCIA DE ADMINISTRAÇÃO IRREGULAR E DO CAPITAL SOCIAL INTEGRALIZADO. SÓCIOS NÃO RESPONDEM PELO PREJUÍZO SOCIAL. PRECEDENTES. [...] - Os sócios de empresa constituída sob a forma de sociedade por quotas de responsabilidade limitada
291 FAZZIO JR., W. Sociedades limitadas. p.115. 292 Cf. MAMEDE, G. Direito empresarial brasileiro: direito societário: sociedade simples e empresárias. v.2, p. 294. 293 Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial Nº 876.974 – SP, Relatora: Ministra Nancy Andrighi, j. 9/8/2007.
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não respondem pelos prejuízos sociais, desde que não tenha havido administração irregular e haja integralização do capital social.
Assim, conforme já exaustivamente discorrido no capítulo anterior, os bens
dos sócios só poderão ser atacados quando restar capital social não integralizado,
ou quando estes tenham incorrido numa das exceções levantadas, como
administração contrária à lei ou contrato social.
Todavia, a dúvida que repousa é: quais meios o sócio dispõe para
comprovar a efetiva integralização do capital social? É o tema que se passa a
enfrentar nos itens a seguir.
3.2.2.1 Alteração contratual
Não há que se olvidar que é o contrato social o instrumento pelo qual a
sociedade assume obrigações perante os sócios, e destes perante a sociedade294.
Imprescindível asseverar que para a validade dos atos ali estipulados deve
haver o seu registro na Junta Comercial, sob pena de figurar como atividade
econômica irregular295, da qual a principal conseqüência é a ilimitação da
responsabilidade dos sócios. Assim, há que se concluir que é condição para a
validade da cláusula limitadora de responsabilidade o registro da sociedade.
Da mesma forma ocorre quanto à integralização das quotas societárias. Não
basta o sócio cumprir com o pactuado contratualmente, no prazo e forma
estipulados. Faz-se necessária a alteração contratual, a fim de comprovar a
resolução das quotas societárias, sob pena do ato jurídico realizado torna-se
passível de anulação.
Na breve menção que se fez acima, com relação aos artigos 1.071, V e
1.076, I, ambos do Código Civil e que dizem respeito às matérias sujeitas à
deliberação social, mencionou-se o quorum exigido de 75% dos titulares do capital
social para deliberar sobre a alteração do contrato social.
294 Cf. JORGE, T. N. S. Manual das sociedades limitadas. p.198. 295 Cf. COELHO, F. U. Curso de direito comercial. v.1, 9.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005, p.74.
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Nesse sentido, Temístocles Pinho e Álvaro Peixoto296 destacam os
elementos essenciais para a escrituração da alteração: a) título; b) preâmbulo; c)
alterações, sendo que deve haver a indicação das cláusulas incluídas e excluídas,
bem como, a redação das cláusulas modificadas.
Sobre o tema, adverte Fábio Ulhoa Coelho297 que assim como os atos de
constituição, extinção e dissolução, as alterações também, por força de lei, devem
ser registradas e arquivadas na Junta Comercial.
Desse modo, as alterações no contrato social somente após o devido
arquivamento e registro é que terão o condão de produzir os efeitos jurídicos
esperados. Ressalta-se que a alteração contratual visa proteger direitos da
sociedade, como bem dito acima, o de haver integralizadas as quotas subscritas
pelos sócios.
Lembra ainda Fábio Ulhoa Coelho298 que os atos passíveis de registro, como
no caso estudado, as alterações contratuais, deverão ser levados às Juntas
Comerciais para arquivamento em até 30 dias de sua assinatura. Protocolado o
pedido neste prazo, a alteração estenderá seus efeitos a partir da assinatura. No
entanto, o não encaminhamento dos atos, no prazo de 30 dias seguidos da
assinatura, impossibilita a produção dos efeitos jurídicos na data da aposição da
firma, mas tão somente produzirão efeitos a partir do arquivamento.
É cediço caber ao administrador a responsabilidade pelo registro. O ato deve
ser levado ao arquivamento em até 30 dias de sua assinatura, momento em que
passará a produzirá efeitos.
Fábio Ulhoa Coelho299 menciona que o administrador da sociedade pode ser
responsabilizado quando da “omissão do arquivamento da alteração contratual,
relacionada à integralização da quota do capital social”, eis que há prejuízo direto a
mesma, como ressaltado acima.
296 Cf. PINHO, Temístocles; PEIXOTO, Álvaro apud RIZZARDO, A. Direito de empresa. p. 248. 297 Cf. COELHO, F. U. Curso de direito comercial. v.1, p.70. 298 Cf. COELHO, F. U. Curso de direito comercial. v.1, p.71. 299 COELHO, F. U. A sociedade limitada no novo Código Civil. p.53.
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3.2.2.2 Escrituração e contabilidade
O Código Civil em seu artigo 1.179300 obriga às sociedades a realização da
contabilidade e escrituração contábil de seus resultados. Anota Fábio Ulhoa
Coelho301 que “o exercício regular da atividade empresarial pressupõe a organização
de uma contabilidade, a cargo de profissionais habilitados”. Ou seja, é imprescindível
que um contador realize tais atos, porquanto é nos livros sociais que são registrados
os importantes acontecimentos da vida econômica da sociedade.
Ainda quanto às obrigações contábeis, Egberto Lacerda Teixeira302
menciona ser a principal delas o balanço patrimonial (artigo 1.188303 do Código Civil)
e o balanço de resultado econômico (artigo 1.189304, também do Código Civil). A
obrigação é pela realização de, no mínimo, um balanço por ano, ficando
resguardado à sociedade o levantamento de balanços em outras ocasiões. Os
balanços, patrimonial e econômico, deverão ser lançados no livro Diário, conforme
disposição do artigo 1.184, §2º305 do Código Civil.
Assim, como anotado anteriormente, indispensável faz-se a alteração
contratual quando da integralização das quotas sociais, independentemente se
através de bens, dinheiro ou crédito, eis que é este o instrumento pelo qual a
sociedade comprova os direitos titularizados em detrimento dos sócios.
Situação inversa ocorre com as sociedades anônimas. Nestas, como já se
disse, a integralização do capital social inicial deve ser realizado através de depósito
bancário, em nome da sociedade a ser instituída. Em que pese tal depósito ser
300 Código Civil: “Art. 1.179. O empresário e a sociedade empresária são obrigados a seguir um sistema de contabilidade, mecanizado ou não, com base na escrituração uniforme de seus livros, em correspondência com a documentação respectiva, e a levantar anualmente o balanço patrimonial e o de resultado econômico.” 301 COELHO, F. U. Curso de direito comercial. v.1, p.78. 302 Cf. TEIXEIRA, E. L. Das sociedades por quotas de responsabilidade limitada. p.329. 303 Código Civil: “Art. 1.188. O balanço patrimonial deverá exprimir, com fidelidade e clareza, a situação real da empresa e, atendidas as peculiaridades desta, bem como as disposições das leis especiais, indicará, distintamente, o ativo e o passivo.” 304 Código Civil: “Art. 1.189. O balanço de resultado econômico, ou demonstração da conta de lucros e perdas, acompanhará o balanço patrimonial e dele constarão crédito e débito, na forma da lei especial.” 305 Código Civil: “Art. 1.184. No Diário serão lançadas, com individuação, clareza e caracterização do documento respectivo, dia a dia, por escrita direta ou reprodução, todas as operações relativas ao exercício da empresa. [omissis]. § 2o Serão lançados no Diário o
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realizado pelo fundador, é possível a identificação do sócio integralizador, posto ser
a instituição bancária quem registra o nome do depositário.
Gladston Mamede306 anota que “o montante especificado no contrato social,
à medida que seja integralizado (atendendo às previsões – prazo e modo –
anotadas no contrato social), passará a compor a escrituração que é própria da
sociedade [...]”. Tal assertiva é de extrema importância, eis que o autor em uma
única frase, ainda que de forma sintética, esclarece que os valores e bens ao serem
integralizados devem ser inscritos no contrato social, e ainda, aponta para maneira
eficaz de o sócio resguardar seus direitos; o registro dos valores na escrituração
contábil.
balanço patrimonial e o de resultado econômico, devendo ambos ser assinados por técnico em Ciências Contábeis legalmente habilitado e pelo empresário ou sociedade empresária.”
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CONCLUSÃO
A anteriormente denominada sociedade por quotas de responsabilidade
limitada foi criada por iniciativa parlamentar no direito alemão. Sua criação teve o
intuito de possibilitar a formação de uma espécie societária com limitação da
responsabilidade dos sócios, tal qual ocorria nas Anônimas, mas com uma
constituição menos burocrática e, por conseguinte, mais acessível e capaz de
atender aos anseios dos burgueses do século XIX. Hoje, a Sociedade Limitada é um
dos tipos societários mais difundidos no país, o que por si só justifica o estudo
realizado.
Simplesmente denominada de Sociedade Limitada pelo Código Civil atual, a
responsabilidade dos sócios é limitada ao capital subscrito e não integralizado,
respondendo todos, solidariamente, pela integralização do capital social. Ou seja,
restando totalmente integralizado o capital da sociedade, os sócios não mais
respondem pelas obrigações sociais, exceto em casos excepcionais.
As exceções dizem respeito ao fato das deliberações sociais ferirem o
contrato social ou a lei, ou ainda, quando por desvio de finalidade ou confusão
patrimonial, a personalidade da sociedade for afastada, possibilitando o alcance do
patrimônio dos sócios.
Inicialmente, é o capital social a garantia dos credores, porquanto este
espelha o aporte de bens destinados à sociedade contratada. Entretanto, após a
constituição deste, é o patrimônio líquido social que evidencia a situação econômica
da sociedade, visto que este é o resultado contábil da diferença do passivo e do
ativo. Deste modo, é o patrimônio da sociedade que responde pelas obrigações
desta, ilimitadamente.
Por conseguinte, os sócios podem integralizar o capital societário em valores
(dinheiro) ou qualquer espécie de bens sujeitos à avaliação, sendo que a forma e o
prazo desta entrega devem estar estipulados no contrato social.
Requer-se especial atenção acerca da integralização através de bens, eia
que a entrega, na Sociedade Limitada, não prescinde de avaliação por perito, tal
qual ocorre nas Anônimas. Naquela, a avaliação é feita diretamente pelos sócios,
306 Cf. MAMEDE, G. Direito empresarial brasileiro: direito societário: sociedade simples e
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sendo que pela evicção e prejuízo causado a terceiros os sócios respondem,
solidariamente, pelo prazo de 5 (cinco) anos.
Os sócios também podem integralizar as quotas sociais por meio de
créditos. Tais aportes dizem respeito a títulos de créditos que o sócio possua contra
terceiros, ou mesmo contra a sociedade. Quando de sua cessão à sociedade, fica o
sócio integralizador responsável pela solvência presente e futura do terceiro, sendo
que os valores correspondentes ao titulo só serão integrados ao capital social
quando do seu pagamento. Ou seja, caso o devedor do título, ou seu responsável,
não salde o crédito em questão, o sócio deverá de outra forma integralizar o capital
social, eis que este é o responsável pelo título de crédito até o momento de sua
solvência.
Quanto ao prazo do cumprimento da obrigação assumida, deve este vir
estipulado no contrato social, sob pena da obrigação ser exigível a partir de seu
registro na Junta Comercial. Não cumprindo seu dever no prazo estabelecido, a
sociedade deve notificar o sócio para, no prazo de 30 (trinta) dias, integralizar suas
quotas, sob pena de caracterizá-lo como remisso. O não cumprimento da obrigação
no prazo da interpelação, autorizam aos demais sócios a adoção de diversas
medidas a fim de evitar a sua responsabilização pelo descumprimento do dever do
remisso, quais sejam, expulsão, diminuição do capital social ao limite do capital
integralizado, transferência das quotas à terceiros ou aos demais sócios, ou ainda
execução a fim de que este cumpra com o contratado.
Quanto às sociedades anônimas, por força no disposto na lei (artigo 7º da lei
nº 6.404/76), admite-se, de igual forma, a integralização do capital por meio de
dinheiro ou de quaisquer bens, desde que passíveis de avaliação. Tal avaliação é
realizada por empresa especializada ou por três peritos, sendo que o laudo
resultante deverá ser discutido em assembléia. O bem será integralizado pelo valor
apurado no laudo, ou pelo valor estabelecido em assembléia. Entretanto, em caso
de discordância do sócio subscritor quanto aos valores, resta impossibilitada a
constituição da sociedade.
Vê-se deste modo, que a discussão acerca da integralização, modo e forma
de sua realização nas sociedades limitadas, assume importante destaque no tema,
porquanto amoldam a durabilidade da responsabilidade dos sócios.
empresárias. v.2, p.75
75
No entanto, em que pese a importância dada à integralização das quotas
sociais, o Código Civil não elege meio eficaz de comprovação da realidade do capital
social nas sociedades limitadas, imprescindível a fim de resguardar os sócios dos
direitos e garantias assegurados no contrato social.
Ao contrário do que ocorre nas sociedades anônimas, os sócios ao
integralizarem suas quotas não lhes é conferido comprovante da transferência
efetuada à sociedade, no cumprimento de sua obrigação.
Por norma legal, nas sociedades anônimas, no mínimo 10% do capital social
devem ser integralizados em dinheiro, e no ato da constituição da sociedade, eis que
tais valores são depositados em instituição financeira pelo fundador, em até 5 (cinco)
dias após o recebimento do aporte, em nome do integralizador. O comprovante
deste depósito deve ser apresentado pelo fundador durante a assembléia de
constituição da sociedade.
Já nas sociedades limitadas, os valores, bens ou créditos cedidos à
sociedade, como forma de realização do capital subscrito, deverão ser anotados no
contrato social, por meio de alteração contratual, porquanto ficam os sócios adstritos
às obrigações estabelecidas no contrato social.
Tal é a forma adotada pelas sociedades limitadas, porque estas possuem
natureza contratual, sendo que os direitos que esta possui contra os sócios são ali
escriturados, da mesma forma que os deveres da sociedade para com aqueles.
Indubitável a importância desta, eis que visa, principalmente, resguardar os direitos
da sociedade, o de ver integralizado os valores a ela prometidas. Ademais, para tal
alteração contratual basta a aprovação por parte dos sócios titulares de 75% (¾) das
quotas sociais.
Assim, ao longo do presente trabalho constatou-se que o meio dado ao
sócio para resguardar seus direitos, são, além do contrato social que contém as
informações que os próprios sócios indicam, também a Escrituração contábil da
sociedade com o registro do capital integralizado. Este passa a compor o patrimônio
da sociedade a partir da entrega pelo sócio do bem, valor ou crédito. Assim, os
sócios não têm consigo prova de que integralizaram o dinheiro ou os bens, porque
não dispõem de recibo. Ou seja, a comprovação da integralização do sócio do
capital social que aportou na sociedade, fica por conta da própria sociedade, pois o
sócio não mantém em seu poder qualquer documento comprobatório.
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