Anais do V Simpósio Internacional Lutas Sociais na América Latina “Revoluções nas Américas: passado, presente e futuro”
ISSN 2177-9503 10 a 13/09/2013
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GT 10. Teoria política marxista
A atualidade da obra de Marx: a importância da teoria na rota da emancipação humana
Rodrigo Prado Evangelista
Sandra Rodrigues dos Santos
Resumo: O objetivo deste trabalho é discorrer sobre a importância da obra de Marx, a atualidade dela no sentido da revolução social radical, no horizonte da emancipação humana, ou seja, é discutir sobre as possibilidades da teoria do autor alemão ser ou não relevante para um caminho libertário, na busca de uma ruptura com a ordem social vigente: o modo de produção capitalista. As principais referências, que serão adotadas neste trabalho, são as obras de Karl Marx produzidas na década de 40 do século XIX, a saber, A Crítica da Filosofia do Direito de Hegel (1843), a Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel (1843), As Glosas Críticas ao Rei da Prússia (1843), a Questão Judaica (1843),o Manuscritos Econômicos-Filosóficos (1844), a Sagrada Família (1845) e a primeira parte da Ideologia Alemã (1846). Qualquer remissão a interlocutores importantes na trajetória marxiana como Hegel e David Ricardo, será feita a partir da maneira como esses autores aparecem na letra de Marx. Palavras-chave: teoria; atualidade; emancipação humana.
Introdução
Após 130 anos da morte de Karl Marx, mais de um século, fim da guerra fria com a
derrota da União Soviética. Depois do surgimento de Foucault, Deleuze, Guattari, William
Reich, Roberto Freire, entre outros, amplamente propagados durante o século XX, nos
movimentos e organizações políticas de esquerda, ou com propostas pretensamente
libertárias, uma questão se torna urgentemente importante, a obra de Marx ainda é atual?
É possível encontrar alguma relação entre o que foi publicado com a autoria do
Graduado em Psicologia pela UEL – Universidade Estadual de Londrina, em 2010, atualmente trabalha como
educador no Projeto – Programa de Proteção ao Jovem em Território de Vulnerabilidade Social, em Londrina e
região, no Paraná. Email: irreversí[email protected] Graduada em Serviço Social pela UFVJM – Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, em
2012, atualmente trabalha como assistente social no CRAS – Centro de Referência de Assistência Social em
Agua Boa, Minas Gerais.
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teórico alemão e o mundo vivido hoje? Alguma conexão com a sociedade, da qual fazemos
parte? Responder a essas questões não é empreendimento fácil, principalmente porque, já de
saída, demanda uma leitura, uma compreensão sobre o mundo atual, sobre a sociedade
contemporânea, mas se pensamos nessa leitura, nessa compreensão, como um exercício de
apreensão da materialidade do momento histórico vivido por nós, logo a nossa perspectiva é
influenciada pelo prisma de Marx, ou é convergente com a proposta dele, em todo caso
afirmar ou não a atualidade da teoria de Marx significa uma aposta. É extremamente frutífero,
potencializador, nessa encruzilhada, saber qual é a relação entre o que foi redigido pelo autor
alemão e as nossas vidas, inclusive no sentido mais imediato e individual. Nesse sentido é
fundamentalmente necessário conhecer e entender a proposta de Marx, não existe outro jeito,
é preciso se aproximar da teoria de Marx, se enveredar por ela, para saber se ainda é atual, se
corresponde ao mundo vivido por nós, se não agirmos dessa maneira, fica difícil exercer
qualquer posição (rever pontuação). Mesmo que exista a pretensão de ficar em cima do muro,
ainda que as nossas atitudes, o nosso comportamento, o nosso pensamento possam confirmar,
ou não, as tendências da atual ordem social, mesmo que não saibamos disso, que não seja um
fruto de nossa vontade, de nosso desejo.
A liberdade humana é o horizonte da atividade intelectual de Marx, a maneira como
ele chegou a essa problemática, e o que nos escreveu ser essencial para construir esse
horizonte configuram a particularidade de sua teoria. O estudioso alemão transitou pela
filosofia no decorrer de sua trajetória política e intelectual, mas não era apenas um filósofo.
Sua tensão com Hegel, extremamente polêmica, que o acompanhou até o fim de sua vida, não
se restringia a dizer quem era mais certo ou mais errado, quem era mais falso ou verdadeiro, o
que preocupava Marx era saber se a filosofia hegeliana podia, ou não, contribuir para a
elaboração da liberdade humana, é nesse mesmo sentido, que se aproxima e se afasta de
Feuerbach, que debate com Proudhon, que enfrenta David Ricardo e Adam Smith. “...Os
filósofos se limitaram a interpretar o mundo de diferentes maneiras; o que importa é
transformá-lo...”(MARX, 1999, p.14)
Não foi por generosidade, ou por altruísmo, que Karl Marx se enveredou pelo caminho
de contribuir para a construção da liberdade humana, desde a Introdução à Crítica da Filosofia
do Direito de Hegel (1843) até o Capital: crítica da economia política (1867). Nesse sentido é
necessário entender a trajetória do autor alemão, como a particularidade de sua teoria foi
configurada. Não se trata de fazer um retrato biográfico, o objetivo não é demonstrar como
era a personalidade de Marx, para que esta sirva de exemplo e inspiração, o que interessa é
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saber como a sua teoria foi desenvolvida, a sua proposta, para avaliarmos a atualidade dela, de
acordo com as nossas limitações.
Veredas
Em 1841, Marx defende a sua tese de doutorado “A diferença entre a filosofia da
natureza de Demócrito e a de Epicuro” (1841), é bem sucedido e consegue obter o título;
apesar de ter se formado em direito, a filosofia se tornou uma vereda mais atraente para ele. O
destino desejado por Marx era ocupar um lugar na academia, se tornar um professor
universitário, no entanto, seu amigo Bruno Bauer, que o ajudaria a construir essa
oportunidade, é proibido de lecionar na Universidade de Bonn1, e Marx precisa encontrar
outro emprego, mas que não seja um desencontro com suas convicções filosóficas e políticas
(KONDER, 1999, p.22). Dessa forma, começa a escrever artigos para a Gazeta Renana, um
jornal de orientações neo-hegelianas, financiado pela burguesia, suas ideias são tão bem
aceitas, que a partir de outubro de 1842, se torna o redator-chefe dessa mídia impressa. A
maior parte dos artigos da Gazeta Renana escritos por Marx são direcionados para a dieta
renana, uma reunião que acontecia entre representantes de segmentos sociais como a nobreza,
a burguesia, o clero e a monarquia. Nesses textos, Marx defende a liberdade de imprensa e
aposta na unificação alemã, na formação do Estado alemão como a possibilidade de acessar a
liberdade, de maneira geral. “O debate acerca da lei sobre o furto de lenha” é o artigo que
mais se destaca nesse momento de sua obra, é nele que Marx percebe a elaboração de uma lei
com o objetivo de defender interesses privados, de delinear a propriedade privada, porém, não
enxerga essa relação como intrínseca ao direito moderno burguês, para ele seria um desvio da
norma, da razão, e não imanente à especificidade do Estado na sociedade burguesa, como é
possível perceber no trecho abaixo.
[...]Uma vez que a propriedade privada não possui os meios para se
elevar ao ponto de vista do estado, o estado deve se rebaixar, contra o
direito e a razão, aos meios da propriedade privada, que são contrários
ao direito e à razão.(MARX, 1998, p.266)2
Para esclarecer melhor a situação, em uma das sessões da dieta renana, proprietários
rurais se manifestaram contra a apropriação da lenha caída de seus bosques por camponeses.
1 Assim como Marx, Bruno Bauer era um hegeliano de esquerda, essa perspectiva, buscava aplicar a filosofia da
Hegel na análise de questões sociais, e foi perseguida pela gestão de Frederico Guilherme IV, por ser contrária
ao regime absolutista que vigorava naquele momento. 2 O artigo Debates acerca da lei sobre o furto de lenha foi publicado na íntegra, como anexo IV, na dissertação de
mestrado em filosofia “O Estado racional: lineamentos do pensamento político de Marx na Gazeta Renana
(1842/1843)” de Celso Eidt. Belo Horizonte: UFMG, 1998.
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Buscavam o apoio institucional e legislativo para punir os indivíduos que resolvessem
apanhar a lenha caída presente em suas propriedades. Marx argumenta contra a punição, até
mesmo pela consideração do ato como um crime, pois, para ele, tal apropriação acontecia
devido às precárias condições de moradia e alimentação vividas pelos camponeses. Ele
defende que a pobreza deve ser o alvo de maior preocupação, assim como, a necessidade de
dispositivos institucionais e legislativos para mudar as condições do segmento social
camponês, ou seja, a resolução dessa situação é desenvolvida na esfera estatal.
[...]O legislador sábio previnirá o delito para não precisar puni-lo, mas
não o previnirá entorpecendo a esfera do direito, mas eliminando a
essência negativa de todo impulso jurídico, abrindo com isso, uma
esfera positiva de atividades. Não se limitará a remover a
impossibilidade dos componentes de uma classe integrarem uma
esfera de direitos mais amplos, mas elevará a própria classe à
possibilidade real de ter direitos. E se o estado, para isso, não é
bastante humano, rico e generoso, é, ao menos seu dever
incondicional não transformar em crime aquilo que só as
circunstâncias tornam uma transgressão. Deve proceder com maior
moderação, encarando como desordem social o que só com maior
injustiça poderia castigar como delito anti-social, senão combaterá o
instinto social crendo combater a forma anti-social do mesmo. Numa
palavra, quando se reprime direitos consuetudinários do povo, o
exercício destes só podem ser tratados como simples contravenção
policial, e nunca punidos como crime. A pena policial é o caminho
contra atos que as circunstâncias convertem em desordem externa,
sem que impliquem uma violação da ordem eterna do direito. A
punição não deve infundir mais horror do que a transgressão; a
infâmia do delito não deve transformar-se na infâmia da lei. A base do
estado está minada quando a desgraça se torna delito ou o delito uma
desgraça. Bem distante desse ponto de vista, a dieta não observa nem
mesmo as primeiras regras da legislação.(MARX, 1998, p.262)
Em 1843, por determinação do regime político prussiano, durante a gestão de
Frederico Guilherme IV, a gazeta renana foi fechada devido a enfrentamentos políticos. Marx
se muda para Paris, e juntamente com Arnold Ruge, a pessoa que havia lhe convidado para
participar da gazeta Renana, se dedica à publicação de um novo jornal chamado Anais
Franco-Alemães, no qual pela primeira vez a “Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de
Hegel” e “A Questão Judaica” foram publicadas. Mas as tensões, os conflitos que são
abordados no artigo “Debates acerca da lei sobre o furto de lenha” (1842) deixam marcas
intensas na trajetória política e intelectual de Marx, a separação ou possível relação entre
sociedade civil, liberdade e Estado se torna uma questão de extrema relevância para o
estudioso alemão. Nesse mesmo ano, em que se casa com Jenny Von Whestphalen, com
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quem já mantinha um romance há bastante tempo, redige a Crítica da Filosofia do Direito de
Hegel (1843), na qual volta a estudar sua principal referência, no sentido da inserção do
Estado como acesso à liberdade, o filósofo idealista Hegel, o qual, de acordo com Marx, havia
percebido a separação entre sociedade civil e Estado, como também, em relação à família, e
que a solução para as tensões e conflitos entre essas entidades seria a união entre elas, no
sentido de uma subordinação da família e da sociedade civil ao Estado, como pode ser
percebido no trecho abaixo:
[...]Por “necessidade externa” pode-se entender somente que “leis” e
“interesses” da família e da sociedade civil devem ceder, em caso de
colisão, às “leis” e “interesses do Estado; que aquelas são
subordinadas a este, que sua existência é dependente da existência do
Estado; ou também que a vontade e as leis do Estado aparecem à sua
“vontade” e às suas “leis” como uma necessidade.(MARX, 2005,
p.28)
O Estado é, para Hegel, de acordo com Marx, a possibilidade mais concreta de
realização da liberdade humana. Esta é materializada quando os interesses particulares
correspondem exatamente aos universais, os primeiros podem ser encontrados na família e na
sociedade civil, enquanto os outros fazem parte da esfera estatal: existência corpórea da Idéia
Absoluta e Real. A liberdade, portanto, é a identidade entre o particular e o universal, assim
todos se tornam igualmente livres.
[....]a liberdade concreta consiste na identidade (sein sollende,
zweschlachtige) do sistema de interesses particulares (da família, da
sociedade civil) com o sistema do interesse geral (do Estado). A
relação dessas esferas será, agora, determinado mais de perto.
De um lado, o Estado é, em face das esferas da família e da
sociedade civil, uma “necessidade externa”, uma potência à qual
“leis” e “interesses” são “subordinados” e do qual são
“dependentes”.(MARX, 2005, p.27)
Na subordinação da sociedade civil e da família ao Estado, ocorreria um movimento
de retorno para si da Idéia Absoluta e Real, encarnado na figura estatal, ou seja, a própria
origem dessas outras esferas é um desdobramento da Idéia Real. Por isso, Marx indica que, de
acordo com a lógica hegeliana, as particularidades da sociedade civil e da família são
negadas, precisam ser para que os indivíduos pertencentes a estes segmentos sociais possam
se libertar, serem livres.
[...]A passagem da família e da sociedade civil ao Estado político
consiste, portanto, em que o espírito dessas esferas, que é em si o
espírito do Estado, se comporte agora, também, como tal em relação a
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si mesmo e que ele seja, quanto a sua interioridade, real em si. A
passagem não é, portanto, derivada da essência particular da família
etc. e da essência particular do Estado, mas da relação universal entre
necessidade e liberdade. É exatamente a mesma passagem que se
realiza, na lógica, da esfera da Essência à esfera do Conceito. A
mesma passagem é feita, da filosofia da natureza, da natureza
inorgânica à vida. São sempre as mesmas categorias que animam ora
essas, ora aquelas esferas. Trata-se apenas de encontrar, para
determinações singulares concretas, as determinações abstratas
correspondentes. (MARX, 2005, p.32)
Na citação acima, Marx aponta uma arbitrariedade na filosofia idealista de Hegel, uma
desconsideração da essência particular das coisas, de maneira geral, para adequá-la a
abstrações universais, essa é a lógica utilizada para elaborar seus posicionamentos políticos.
Portanto, a perspectiva política de Hegel é intrinsecamente concatenada com o seu ponto de
vista filosófico. Marx não se opõe ao filósofo idealista apenas no âmbito político, mas,
também, à sua doutrina filosófica. Para Marx, o Estado é uma invenção humana, foi
concebido por pessoas, a partir de suas individualidades particulares, assim como, a sociedade
civil e a família.
[...] As funções e atividades do Estado estão vinculadas aos indivíduos
(o Estado só é ativo por meio dos indivíduos), mas não ao indivíduo
como indivíduo físico e sim ao indivíduo do Estado à sua qualidade
estatal. É, por isso, ridículo quando Hegel diz: elas estão “unidas à sua
personalidade particular como tal de uma maneira exterior e
acidental”. Elas estão, antes, unidas ao indivíduo mediante um
vinculum substantiale, por uma qualidade essencial do indivíduo. Elas
são a ação natural de sua qualidade essencial. Esse disparate advém do
fato de Hegel conceber as funções e as atividades estatais
abstratamente para si, e, por isso, em oposição à individualidade
particular; mas ele esquece que tanto a individualidade particular
como as funções e atividades estatais são funções humanas; ele
esquece que a essência da “personalidade particular” não é a sua
barba, o seu sangue, o seu físico abstrato, mas sim a sua qualidade
social, e que as funções estatais etc. são apenas modos de existência e
de atividade das qualidades sociais do homem. Compreende-se,
portanto, que os indivíduos, na medida em que estão investidos de
funções e poderes estatais são considerados segundo suas qualidades
sociais e não segundo suas qualidades privadas. (MARX, 2005, p.42)
Mas o que significa a humanidade para Marx? Nesse momento, é possível perceber a
oposição a Hegel, como já dita anteriormente, tanto no sentido filosófico, como no político.
Ao se deparar com conflitos, com tensões na própria constituição de leis para atender a
interesses privados de um segmento social, Marx começa a se questionar sobre relação entre a
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sociedade civil e o Estado. Na Gazeta Renana, de 42, a sua resolução para estas tensões era
extremamente amparada pela perspectiva hegeliana. No entanto, quando revisa a filosofia de
Hegel, percebe uma incoerência entre essa perspectiva e a realidade. Compreender “as
determinações singulares concretas” torna-se fundamental, principalmente para buscar a
emancipação. Marx propõe o desvendamento da lógica da coisa, e não a adaptação da coisa à
lógica filosófica, como Hegel o faz para ele. E é na busca da determinação concreta do Estado
que o afirma como invenção humana, para o homem, este como ponto de partida para a
existência estatal. No entanto, ainda procura um movimento que seja para si, ou seja, um
retorno a uma essência. A essência do estado é humana, o melhor modo de alcançá-la é a
efetivação da democracia. Na figura humana avista o povo, e o que é o povo? Onde estão
nesta entidade, as particularidades e aspectos sociais ausentes, ou consideradas acidentais, na
perspectiva de Hegel? Não as enxerga ou as define claramente ao se referir diretamente ao
humano, ainda não contempla a separação e o conflito entre classes sociais. Como pode ser
conferido abaixo:
[...] Na democracia, o Estado político na medida em que ele se
encontra ao lado desse conteúdo e dele se diferencia, é ele mesmo um
conteúdo particular, como uma forma de existência particular do
povo. Na monarquia, por exemplo, este fato particular, a constituição
política, tem a significação do universal que domina e determina todo
o particular. Na democracia o Estado, como particular, é apenas
particular, como o universal é o universal real, ou seja, não é uma
determinidade em contraste com os outros conteúdos. Os franceses
modernos concluíram, daí, que na verdadeira democracia o Estado
político desaparece. O que está correto, considerando-se que o Estado
político, como constituição, deixa de valer pelo todo. (MARX, 2005,
p.50, grifo do autor)
O Estado não é pedra angular na busca por liberdade, não é afirmação da
universalidade humana em si, é mais um desdobramento da humanidade, identificada na
figura do povo por Marx. Como bem observado, o Estado é diluído, deixa de existir, quando a
democracia é bem sucedida, o povo não precisa mais dele para mediar, controlar ou legislar
relações. A vida política se torna igual a vida do povo, a esfera estatal não é mais necessária.
O que os franceses modernos, como o filósofo iluminista Rousseau, já tinham concluído, de
acordo com o próprio Marx. Entretanto, essa identidade entre o povo e a política, esta
igualdade, diferente da proposta de Hegel, não é para Marx a efetivação da liberdade, ele
inclusive demonstra um exemplo para esta conclusão.
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[...] Na Idade Média, a vida do povo e a vida política são idênticas. O
homem é o princípio real do Estado, mas o homem não livre. É,
portanto, a democracia da não-liberdade, da alienação realizada. A
oposição abstrata e refletida pertence somente ao mundo moderno. A
Idade Média é o dualismo real, a modernidade é o dualismo abstrato.
(MARX, 2005, p.52, grifo do autor)
Na “Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel” (1843), que foi redigida
depois da “Crítica da Filosofia do Direito de Hegel” (1843) apesar do título, Marx realiza um
salto em sua produção teórica. É nesse artigo que o estudioso alemão demonstra uma clareza
maior sobre a importância da política na rota da liberdade humana, um avanço na sua
perspectiva referente à relação entre o Estado e sociedade. É também nesse momento de sua
obra que acontece outra mudança radical, a “classe social” aparece pela primeira vez e já não
se refere à entidade “povo” para falar de humanidade, como pode ser percebido na citação a
seguir.
[...] Qual é a base de uma revolução parcial, meramente política?
Apenas esta: uma seção da sociedade civil emancipa-se e alcança o
domínio universal: uma determinada classe empreende a partir de uma
situação particular, uma emancipação geral da sociedade. Tal classe
emancipa a sociedade como um todo, mas só no caso de a totalidade
da sociedade se encontrar na mesma situação que esta classe, por
exemplo, se possuir ou facilmente puder adquirir dinheiro ou cultura
(...) Para que a revolução de um povo e a emancipação de um classe
particular da sociedade civil coincidam, para que um elemento seja
reconhecido como o estamento de toda a sociedade, outra classe tem
de concentrar em si todos os males da sociedade, um estamento
particular tem ser o estamento de repúdio geral, a incorporação dos
limites gerais. (MARX, 2005, p.154, grifo do autor)
A partir desse instante, é que Karl Marx, também demonstrará uma preocupação muito
intensa com uma classe social, o proletariado. “...A dissolução da sociedade, como classe
particular, é o proletariado...”(2005, pg.155), pois é o segmento social que incorpora os
“limites gerais”, ou seja, a superação das barreiras do proletariado, enquanto classe, implica
na emancipação de toda a sociedade, Marx também indica a importância da teoria nessa luta,
nessa batalha. “...A teoria é capaz de se apossar das massas ao demonstrar-se ad hominem, e
demonstra-se ad hominem logo que se torna radical. Ser radical é agarrar as coisas pela raiz.
Mas, para o homem, a raiz é o próprio homem...” (2005, pg.151). Não se trata apenas de
apreender a lógica da coisa, as determinações singulares concretas, mas, fundamentalmente,
compreender a especificidade da natureza humana, saber o que define o ser humano, e para
Marx, é a potência de mudança, de transformação da natureza e de si mesmo, de modificar a
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lógica da coisa, de determinar singularidades concretas, o humano é a vida engendredora de
vida, ou seja, pode reinventar a si, construir novas formas de sociabilidade. Nesse sentido, o
Manuscritos Econômicos-Filosóficos, escrito em 1844, e publicado apenas em 1932, possui
imensa relevância na trajetória política e intelectual de Marx, na sua elaboração teórica.
[...] o homem não é apenas um ser natural, mas natural humano, isto é,
ser existente para si mesmo (fur sich sebst seiendes wesen), por isso,
ser genérico, que, enquanto tal tem de atuar e confirmar-se tanto em
seu ser quanto em seu saber. Conseqüentemente, nem os objetos
humanos são objetos naturais assim como estes se oferecem
imediatamente, nem o sentido humano, tal como é imediata e
objetivamente, é sensibilidade humana, objetividade humana. A
natureza não está, nem objetiva nem subjetivamente, imediatamente
disponível ao ser humano de modo adequado. (MARX, 2004, p.128,
grifo do autor)
Na cisão entre família, sociedade civil e estado, na separação entre o particular e o
universal, na incorporação ao espírito livre hegeliano (de acordo com Marx) como necessária
e simultânea negação das particularidades singulares concretas, Marx percebe uma divisão e
tensão ainda mais intensa, quando se depara com o contínuo devir do potencial humano em
decorrência da re-invenção e da contínua sustentação das barreiras relativas à liberdade
humana. Escravo de si mesmo, de sua própria força, o que produz se torna e é difundido
enquanto mercadoria, inclusive ele próprio. Todo valor que seja vendável, todo valor que seja
comprável. A sociedade, formada por pessoas, por indivíduos, produz riqueza material, mas
esse processo de produção também cria miséria, ruínas para a própria sociedade.
[...] O trabalhador se torna mais pobre quanto mais riqueza produz,
quanto mais a sua produção aumenta em poder e extensão. O
trabalhador se torna uma mercadoria tão mais barata quanto mais
mercadorias cria. Com a valorização do mundo das coisas
(Sachenwelt) aumenta em proporção direta com a desvalorização do
mundo dos homens (Menschenwelt). O trabalho não produz somente
mercadorias; ele produz a si mesmo e ao trabalhador como uma
mercadoria, e isto na medida em que produz, de fato, mercadorias em
geral. (MARX, 2004, p.80)
Enquanto Marx aponta em Hegel o geral, a universalidade como esfera a ser alcançada
para poder acessar a liberdade. Aqui, ele demonstra a generalidade como categoria social,
expressa no fazer humano, inclusive na vida em seu modo mais imediato. O indivíduo é ser
social, a sua particularidade singular é desenvolvida quando se relaciona socialmente. De
acordo com Marx, em qualquer forma de sociedade, em qualquer época é assim. Mas varia a
configuração desta sociabilidade, no modo de produção capitalista, o devir cotidiano do
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indivíduo, do ser social, se torna meio de vida. Ele vive para poder trabalhar, e trabalha para
poder viver. O próprio processo produtivo para ele é estranho, assim como, o que é produzido
mediante o seu trabalho. O lugar que ele ocupa na sociedade é nebuloso, a conexão que existe
entre si e os outros se perde na linha do horizonte. Produz a si mesmo, cotidianamente, em seu
trabalho, em seus fazeres, de modo geral, mas não se reconhece naquilo que é produzido por
ele próprio.
[...] o estranhamento não se mostra somente no resultado, mas
também, e principalmente no ato da produção, dentro da própria
atividade produtiva. Como poderia o trabalhador defrontar-se alheio
(fremd) ao produto de sua atividade se no ato mesmo da produção ele
não se estranhasse a si mesmo? O produto é, sim, somente o resumo
(Resumé) da atividade, da produção. Se, portanto, o produto do
trabalho é a exteriorização, então a produção mesmo tem de ser
exteriorização ativa, a exteriorização da atividade, a atividade da
exteriorização. No estranhamento do objeto do trabalho resume-se
somente o estranhamento, a exteriorização do trabalho mesmo.
(MARX, 2004, p.82)
Na sociedade burguesa, a pessoa só pode se apropriar da riqueza material produzida,
de maneira privada, através da posse, por isso, a pessoa se define não pelo que é, mas sim
pelo que tem. A propriedade privada se tornou um fenômeno histórico-mundial (MARX,
2004, pg.102), ela é um modo de apropriação de si mesmo e do outro, é uma maneira de se
relacionar socialmente. É possível de ser sentida como limitadora, não só pelo distanciamento
entre o produto e seu produtor, mas, também, nas esferas consideradas mais íntimas de nossas
vidas. A propriedade é um modo se relacionar socialmente, romper com ela, significa
construir uma nova maneira de se relacionar (MARX, 2004, pg.103). Nos alerta Marx: “...O
lugar de todos os sentidos físicos e espirituais passou a ser ocupado, portanto, pelo sentido do
ter. A esta absoluta miséria tinha de ser reduzida a essência humana, para com isso trazer para
fora de si sua riqueza interior...”( MARX, 2004, p.103)
É preciso conhecer, portanto, a especificidade da propriedade privada, saber como ela
se tornou um fenômeno histórico-mundial. Enxergar o seu enraizamento em nosso ser, nos
nossos fazeres, nas nossas relações. Não é possível simplesmente ignorá-la. Por esse motivo,
a necessidade da elaboração teórica, de encontrar conscientemente a conexão entre a
propriedade privada e o advento do modo de produção capitalista, saber da importância que
ela ocupa na sociedade contemporânea. Por isso, a crítica de Marx ao comunismo considerado
rude, por ele:
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GT 10. Teoria política marxista 107
[...] O comunismo é, finalmente, a expressão positiva da
propriedade privada supra-sumida, acima de tudo a propriedade
privada universal. Ao apreender esta relação em sua universalidade,
ele é 1) só uma generalização e aperfeiçoamento da mesma em sua
mesma figura; como tal, mostra-se em uma figura duplicada, uma vez
o domínio da propriedade coisal (sachliche) é tão grande frente a ele
que ele quer aniquilar tudo que não é capaz de ser possuído por todos
como propriedade privada; ele quer abstrair de um modo violento do
talento etc.; a posse imediata, física, lhe vale como finalidade única da
vida e da existência; a determinação do trabalhador não é supra-
sumida, mas estremecida a todos os homens; a relação da propriedade
privada permanece [sendo] a relação da comunidade com o mundo das
coisas (Saschewelt); finalmente, este movimento de contrapor a
propriedade privada universal à propriedade privada se exprime na
forma animal – na qual o casamento (que é certamente uma forma de
propriedade exclusiva) é contraposto à comunidade das mulheres, no
qual a mulher vem a ser, portanto, uma propriedade comunitária e
comum. Pode-se dizer que esta idéia da comunidade das mulheres é o
segredo expresso deste comunismo ainda considerado rude e
irrefletido (...) Este comunismo – que por toda a parte nega a
personalidade do homem – é precisamente apenas a expressão
consequente da propriedade privada, que por sua vez é esta negação
(...) Ele tem uma medida determinada limitada. Quão pouco esta
supra-sunção da propriedade privada é uma apropriação efetiva prova-
o precisamente a negação abstrata do mundo inteiro da cultura
(Bildung) e da civilização; o retorno à simplicidade [IV] não natural
do ser humano pobre e sem carências que não ultrapassou a
propriedade privada, e nem mesmo até ela chegou.
A espiritualidade humana, a sua maneira de sentir o mundo também é lugar inventado,
oriundo das relações sociais. Nesse sentido, é possível percebermos a amplitude do que é a
sociabilidade, e saber que não é apenas estar entre pessoas. Nos nossos momentos mais
solitários, mais isolados, ainda vivemos, a nossa vida ainda pulsa, nossos sentidos ainda
existem e se expressam. Aprendemos a sentir o ambiente construído ao nosso redor e a nós
mesmos na nossa relação com o outro, com a natureza que é apropriada, não porque usamos
um pronome possessivo para se referir a ela, mas porque dialogamos com as suas
particularidades concretas. A natureza é re-inventada, tudo o que faz parte de quem somos é
oriundo dessa interlocução que é um ato de transformação, de um novo devir que não nega a
história, que não nega o que um dia foi, o que um dia houve. É preciso saber da diferença, das
particularidades, para nos situarmos entre elas, para lançá-las em novo horizonte:
[...] assim como a música desperta primeiramente o sentido musical
do homem, assim como para o ouvido não musical a mais bela música
não tem nenhum sentido, é nenhum objeto, porque o meu objeto só
pode ser a confirmação de uma das minhas forças essenciais, portanto
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só pode ser para mim da maneira como a minha força essencial é para
si como capacidade subjetiva, porque o sentido de um objeto para
mim (só tem sentido para um sentido que lhe corresponda) vai
precisamente tão longe quanto vai o meu sentido, por causa disso é
que os sentidos do homem social são sentidos outros que os não os do
não social; [é] apenas pela riqueza objetivamente desdobrada da
essência humana que a riqueza da sensibilidade humana subjetiva, que
um ouvido musical, um olho para a beleza da forma, em suma as
fruições humanas todas se tornam sentidos capazes, sentidos que se
confirmam como forças essenciais humanas, em parte recém
cultivados, em parte recém engendrados. Pois não só os cinco
sentidos, mas também os assim chamados sentidos espirituais, os
sentidos práticos (vontade, amor, etc.), numa palavra o sentido
humano, a humanidade dos sentidos, vem a ser primeiramente pela
existência do seu objeto, pela natureza humanizada. (MARX, 2004,
p.110, grifo do autor)
A pessoa que estranha a si naquilo que faz, assim como, lhe é estranho e alheio o
produto realizado por ela, não percebe a conexão de sua essência, de sua particularidade
individual com a força essencial humana. Na “Ideologia Alemã” Marx demonstra com
bastante clareza a tensão entre relação social e força essencial humana, portanto produtiva. A
propriedade privada, enquanto fenômeno histórico mundial do modo de produção capitalista,
é a própria confirmação das barreiras para a liberdade humana, por isso superá-la é
fundamental, saibamos:
[...] A supra-sunção da propriedade privada é, por conseguinte, a
emancipação completa de todas as qualidades e sentidos humanos;
mas ela é esta emancipação justamente pelo fato desses sentidos e
propriedades terem se tornado humanos, tanto subjetiva quanto
objetivamente. O olho se tornou olho humano, da mesma forma como
o seu objeto se tornou um objeto social, humano, proveniente do
homem para o homem (...) Eu só posso, em termos práticos,
relacionar-me humanamente com a coisa se a coisa se relaciona
humanamente com o homem. A essência ou fruição perderam, assim,
a natureza egoísta e a natureza a sua mera utilidade (Nutglirhkeit) na
medida em que a utilidade (Nutzen) se tornou utilidade humana.
(MARX, 2004, p.109, grifo do autor)
Marx viveu num outro século, há muito tempo já faleceu, a escritura de suas obras
datam de um período bastante distante, mas ainda vivemos num mesmo momento histórico,
na época da sociedade burguesa, por isso a importância de sua teoria, e da própria elaboração
teórica na rota da emancipação humana: é conhecer a si mesmo, o que só pode ser possível se
implica no conhecimento de todo o emaranhado de relações sociais, do qual fazemos parte e
somos conseqüência. “...A crítica arrancou as flores imaginárias dos grilhões não para que o
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homem os suporte sem fantasias ou consolo, mas para que lance fora os grilhões e a flor viva
brote...”(MARX, 2005, p.146)
Não retrocedamos, não neguemos que o próprio conhecimento também adquiriu a
forma mercadológica, que o seu desenvolvimento caminhou no sentido de um
aperfeiçoamento da propriedade privada. Possuir qualificação científica na atualidade
significa a garantia ou, pelo menos, a preocupação de garantir a renovação e continuidade
deste modo de relação social. É nesse sentido que eficiência e produtividade científicas são
julgadas, são medidas. E para julgar, para medir, não existe apenas uma ciência, mas pacotes
de conhecimento, cada um com um objeto, com uma especificidade funcional que contribuem
tanto para o desenvolvimento da força essencial humana (logo produtiva), como para a
manutenção dos grilhões do atual momento histórico, ou seja, da maneira como as pessoas se
relacionam. Cada indivíduo situado num modo de conhecimento, como profissional do ramo,
torna o seu meio de vida uma afirmação de sua identidade, vê a sua potência no
aperfeiçoamento de sua especialidade, confia nesta como confirmação de sua existência, a sua
maior garantia de vida é transitar cotidianamente como mercadoria.
[...] As ciências naturais desenvolveram uma enorme atividade e se
apropriaram de um material sempre crescente. Entretanto, a filosofia
permaneceu para elas tão estranha justamente quanto elas
permaneceram estranhas para a filosofia. A fusão momentânea foi
apenas uma ilusão fantástica. Havia a vontade, mas faltava a
capacidade. A própria historiografia só de passagem leva em
consideração a ciência natural como momento de esclarecimento
(Aufklarung) da utilidade de grandes descobertas singulares. Mas
quanto mais a ciência natural interveio de modo prático na vida
humana mediante a indústria, reconfigurou-a e preparou a
emancipação humana, tanto mais teve de completar de maneira
imediata, a desumanização. (MARX, 2004, p.111)
FUTURO PRESENTE
Todas as obras de Marx, independente de terem sido publicadas durante a sua
existência, ou postumamente, seguem um mesmo sentido, a busca do máximo florescer das
potencialidades humanas, ou seja, a capacidade de ser uma forma de vida que reinventa a si
mesma, que constrói a sua própria história.
[...] Conhecemos apenas uma única ciência, a ciência da história. A
história pode ser examinada sob dois aspectos: história da natureza e
história dos homens. Os dois aspectos, contudo, não são separáveis,
enquanto existirem homens, a história da natureza e a história dos
homens se condicionarão reciprocamente. A história da natureza, a
chamada ciência natural, não nos interessa aqui; mas teremos que
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examinar a história dos homens, pois quase toda a ideologia se reduz a
uma concepção distorcida desta história, ou a uma abstração completa
dela. A própria ideologia não é senão um dos aspectos desta história.
(MARX, 1999, p.23)
Se pretende buscar o amanhecer da liberdade, da emancipação humana, a ciência
pretendida, a de convergência dos diversos saberes, é a história, não a historiografia, não a
disciplina inscrita no âmbito acadêmico, mas aquela referente ao percurso da humanidade,
que nos ajuda a compreender como o trabalho humano, as relações sociais, as forças essências
humanas adquiriram a atual configuração. Não é somente uma análise social, é uma pesquisa,
investigação constante, realizada cotidianamente, possível em nossos mais variados
pensamentos e ações. Constatar no ato de fazer uma comida, de compor uma canção ou de
tecer uma roupa, a intrínseca heterogeneidade desvelada quanto mais nós aproximamos de
algo ou de alguém. Saber que a nossa personalidade, nossa individualidade singular, é
conseqüente de nossas relações sociais, da maneira como nos posicionamos todos os dias.
Posições re-inventadas, participantes de uma história que nos precede, somos herdeiros da
riqueza humana, mas, também, da atual miséria. Esta, além do desprovimento mais alarmante,
se dá na própria condição de existência na sociedade burguesa, os grilhões desse momento
histórico são as correntes em nossos atos. Se somos o que fazemos e como fazemos, o limite
do nosso vôo é sentido no trabalho que é condição para que tenhamos condição de viver, é nas
mediações que não enriquecem a nossa sensibilidade, e sim configuram abismos e sombras
que restringem a nossa visão sobre as nossas próprias vidas. A proposta de ciência elaborada
por Marx é a de saber de si ao conhecer o outro, ao conhecer aquele não é idêntico a ti, é
perceber que a corda bamba, bem afiada, em baixo de seus pés, não é exclusivamente tua.
Esta tensão, explícita ou implicitamente está presente em toda sociedade, às vezes sentida a
flor da pele, às vezes sem conseguir romper a barreira da aparente indiferença. A teorização é
uma maneira de compartilhar o seu conhecimento, e se abrir para o espaço a ser preenchido
que constantemente haverá nele. Se não puder responder a todas as dúvidas, a todas as
questões possíveis de serem levantadas, erguidas, haverá o ímpeto do seu levante, expresso na
sua busca, não para saber mais, não para conseguir acumular mais informações. Tornar a
consciência de sua própria existência uma sonda por fendas que ainda te permitam sonhar, e
que o sonho seja motivo para prosseguir.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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MARX, Karl. Debate Acerca da Lei Sobre o Furto de Lenha, Anexo IV, In: EIDT, CELSO. O
Estado Racional: Lineamentos do Pensamento Político de Karl Marx nos Artigos da Gazeta
Renana (1842 - 1843). Belo Horizonte: UFMG, 1998. Em:
http://www.verinotio.org/di/di4_racional.pdf
__________. A Ideologia Alemã. São Paulo: Hucitec, 1999.
__________. Manuscritos Econômicos-Filosóficos. São Paulo: Boitempo,2004.
__________. Crítica da Filosofia do Direito de Hegel. São Paulo: Boitempo, 2005.