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Page 1: 70 anos após descoberta da cura, portador de hanseníase ainda é alvo de preconceito

SALVADORSALVADOR SEGUNDA-FEIRA 27/2/2012A4

REGIÃO METROPOLITANA

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Editor-coordenadorCláudio Bandeira

ACIDENTE Contêiner tomba após bater em viadutona Gamboa de Cima www.atarde.com.br

MULHER ENFRENTADIFICULDADE EM POSTO

“Fui buscar tratamento emum posto de saúde pertode casa. A moça do postoperguntou quem estava alipara tratar de hanseníase.Eu disse que era eu. Eladisse que não haviatratamento para a doençaali e saiu assustada, comose tivesse visto um bicho”,conta Rosangela Pereira.Por causa da doença, elatem dificuldade paraarranjar emprego e, àsvezes, precisa pedir aocompanheiro para ficarcom os filhos quando vaiao hospital. No trajeto, porvezes machuca os pés,região na qual perdeu asensibilidade.

SAÚDE Na Bahia, 42% das cidades foram priorizadas para ações contra a enfermidade, segundo órgão do governo federal

70 anos após descoberta da cura, portadorde hanseníase ainda é alvo de preconceitoJULIANA BRITO

Uma das doenças mais an-tigas do mundo – há registrosde casos há 600 anos antes deCristo (a.C) –, a hanseníase,também conhecida como le-pra, tem cura desde a décadade 40, mas continua sendomotivo para a estigmatizaçãosocial de portadores.

A demora em procurar aju-da médica, no geral, é mo-tivada pelo preconceito dospacientes em assumir a doen-ça, diz o secretário de vigi-lância sanitária do Ministérioda Saúde, Jarbas Barbosa, du-rante a divulgação dos dadosda hanseníase no País, no fi-nal de janeiro.

Na Bahia, pelo menos 42%das cidades foram considera-das prioritárias para açõescontra a hanseníase em 2011,segundo pelo Ministério daSaúde (MS). Três regiões doEstadoforamclassificadasco-mo áreas de maior risco: ex-tremo sul, norte e oeste.

Apesar de fazer parte da zo-na de média prevalência dadoença, a Bahia é o Estado dafaixa que possui o índice maisbaixo de caso por grupo de 10mil habitantes: 1,12. A médiano País, onde estão 90% doscasos da América Latina, é de1,24 por grupo. Há dez anoshavia 4,5.

Segundo o diretor do Hos-pital Dom Rodrigo de Mene-zes, José Mário Benevides Jú-nior, o preconceito atinge,predominantemente, quemjá possui sequelas da doença.Exemplo disso é RosângelaPereira, 36 anos, moradora domunicípio de Candeias. Elafoi contaminada há dez anos,mas só descobriu ser porta-dora da hanseníase há cinco.Com sequelas nas mãos e pés,tem sentido dificuldade emarrumar emprego.

“As pessoas desistem por-que vou ter que faltar algu-

mas vezes para ir ao hospitalou por acharem que não douconta de poucas atividades",analisa.

A diretora médica do Ro-drigo de Menezes, AldineaDourado, alerta para o fato deque o preconceito é fruto daignorância que ainda há so-bre a doença. E avisa: “Apesarda alta infectividade, a han-seníase é desenvolvida poruma pequena parcela da po-pulação brasileira”.

Para lutar contra o precon-

ceito e o estigma ligado àdoença, foi assinado, em 30de janeiro – logo após o DiaMundial de Luta Contra aHanseníase –, o Apelo Global.Coordenado pela FundaçãoSasakawa, o documento é ra-tificado por organismos e lí-deres de expressão mundial.Este ano, o Brasil foi o paísescolhido para o evento.

Efeito colateralO tratamento de hanseníasedura de 6 a 12 meses e pode ser

realizado em qualquer postode saúde. Apesar de prático,tem alguns efeitos colaterais,como pele seca, depressão eanemia. Reações alérgicastambém podem ocorrer atécinco anos após a cura. Umadelas levou o pintor FagnerVieira, 27 anos, a ser inter-nado. "Não estava aguentan-do de dor", conta.

Apesar dos efeitos decor-rentes do tratamento, os es-pecialistas ressaltam a im-portânciadededicar-seàcura

Fotos Raul Spinassé / Ag. A TARDE / 31.1.2012

O HospitalDom Rodrigode Menezes,em Cajazeiras II,é o único centroespecializado

A unidadeé referênciana doença evai abrigar oHospital CoutoMaia em 2014

VEJA OS SINAIS ESINTOMAS DERMATO--NEUROLÓGICOS

COR E LUBRIFICAÇÃOA pele apresenta alteraçõescomo o surgimento demanchas esbranquiçadasou avermelhadas ediminuição da sudorese

PÁPULAS Há modificaçãolocalizada na espessura dapele, que apresenta bordaselevadas. Quando essaalteração é extensa,constitui uma placa

INFILTRAÇÕES Ocorremalterações na espessurada pele, nas bordas, comtransbordo de líquido

TUBÉRCULOS Aparecemcaroços externos

NÓDULOS Surgem caroçosinternos, que são maispalpáveis que visíveis

NERVOS PERIFÉRICOSO doente sente dor e ouespessamento dos nervosperiféricos

DORMÊNCIA Há redução eou perda de sensibilidadenas áreas inervadasatingidas, principalmentenos olhos, nas mãos enos pés. A perda desensibilidade é o quediferencia a hanseníasede outras doençasdermatológicas

PERDA DE FORÇA Existediminuição e ou perdade força nos músculosatingidos, sobretudo, naspálpebras e nos membrossuperiores e inferiores

Hospital destaca-se no tratamentoO Hospital Dom Rodrigo deMenezes, especializado emdermatologia sanitária comênfase em hanseníase, é oúnico centro do tipo no Es-tado. Tem como missão cui-dar de casos da doença de mé-dia complexidade, mas aindaé bastante procurado paradiagnósticos.

A unidade médica recebe,em média, só no ambulatório,2 mil pessoas por mês. Alémde prestar atendimento clí-nico aos doentes de hanse-níase, oferece reabilitação fí-sica e psicossocial, sobretudoaos moradores de CajazeirasII e adjacências. O hospitalpossui uma oficina ortopédi-

ca que é referência no Estadona produção de órteses, pró-teses e palmilhas.

Em 2014, a unidade médicatambém vai abrigar o Hos-pital Couto Maia, que deixará

o espaço na Cidade Baixa, on-de vai ser montado uma uni-dade de saúde para depen-dentes químicos. “Então, te-remos que discutir o papel doDom Rodrigo”, diz o diretordo hospital, José Mário Bene-vides.

Internação compulsóriaInaugurado em 1949, o hos-pital foi criado para receberos hansenianos do Asilo Se-cular de Quintas. Ele foi umadas colônias, espalhadas peloBrasil, na primeira metade doséculo 20, em que doenteseram internados compulso-riamente pelo Estado.

“Como não havia, na época,

uma droga eficaz contra o ba-cilo, o governo queria isolaresses pacientes. As pessoasnão podiam sair daqui paranada”, conta o diretor.

Com o tempo, o sistema deasilo foi extinto no País. Hoje,apenas dois pacientes aindamoram no hospital de Caja-zeiras. Apartados da socieda-de, os ex-internos já tiveramreconhecimento do Estadopelosdanoscausadospelapo-lítica de isolamento. “Há uns25 anos, uma ong italiana ofe-receu casas aos residentes da-qui; o governo deu a aposen-tadoria. A grande maioria foiembora”, conta a médica Al-dinea Dourado.

Rosângela foi maltratadaem um posto de saúde

O QUE VOCÊ PRECISASABER SOBRE AHANSENÍASE

CURÁVEL A doença temcura desde os anos 40, mashá 30 anos a poliquimiote-rapia (PQT) acelerou otratamento, que hoje durade seis meses a um ano. Odiagnóstico e o tratamentopodem ser feitos em postosde saúde da rede SUS

CONTÁGIO O baciloMycobacterium leprae étransmitido por sereshumanos pelas vias aéreassuperiores. Mas existetambém a possibilidadede contaminação por meiode lesões na pele. Assimque o doente começa a sermedicado, cessa o perigode transmissão do bacilo

IMUNIDADE A maioriada população não tempredisposição para adoença. Mesmo em áreasde alta incidência, entre5% e 10% das pessoasadoecem. A hanseníaseaparece quando o sistemaimunológico está frágil.A imunidade do indivíduofaz diferença no modocomo a hanseníase semanifesta

INCUBAÇÃO A doençademora, em média, dedois a cinco anos para semanifestar no organismo

SEQUELAS É fundamentalprocurar ajuda assim queaparecerem os primeirossintomas, o que previnesequelas, como destruiçãode estruturas da pele,tendão, ligamentos e ossos

Fagner acredita que hádesinformação do baiano

HÁ DESINFORMAÇÃOSOBRE A DOENÇA

Em tratamento há mais deum ano e meio, o pintorFagner ainda sofre osefeitos colaterais damedicação. Enquanto suaaposentadoria porinvalidez não sai, ele éobrigado a trabalhar paramanter a esposa e oenteado – ambos foramcontaminados por ele,que, por sua vez, foicontaminado pelo pai. “É aprecisão. Mas pense estarlá em cima e sentir cãibrasnas mãos”, queixa-se. Eleacredita que as pessoassão desinformadas sobre ahanseníase. “Vejo muitagente com essa doença eque não sabe”, diz.

da hanseníase.Se diagnosticada tardia-

mente, a doença pode causardeformidades que incapaci-tam o paciente para o traba-lhoeprejudicamavidasocial.Fagner, em um futuro pró-ximo, vai poder voltar a teruma vida normal, garantemos médicos. "Ele procurouajuda antes de começar aapresentar as sequelas", ob-serva o diretor do Rodrigo deMenezes, José Mário Benevi-des Junior.

Aldinea Dourado milita há30 anos na cura da doença

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