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QUATRO PINTURAS DO RETBULO DA S DE LAMEGO:ANLISE ICONOGRFICA E GEOMTRICA (1)
Lus Alberto Casimiro*
INTRODUO
Compreender uma determinada pintura passa, em termos gerais, pelaidentificao do pintor, pelo conhecimento do contexto histrico-cultural
em que foi realizada, por uma anlise formal, pela leitura iconogrfica e,
eventualmente, pela interpretao iconolgica. Porm, se quisermos apro-
ximar-nos ainda mais do pensamento criativo do pintor, tanto quanto nos
possvel faz-lo, necessrio ir at gnese da obra artstica, isto , ten-
tar conhecer os motivos que levaram o pintor a tomar determinadas
opes e que condicionam toda a composio. Em nossa opinio, mesmo
aps terem sido cumpridas as vrias etapas do processo analtico supra-
citado ainda no estamos em posse de todos os conhecimentos a que
podemos ter acesso e que nos permitem uma maior compreenso da pin-
tura (excluindo, deste procedimento, as modernas tcnicas que apenas so
viveis com recurso a equipamento adequado como, por exemplo, a foto-
grafia ou reflectografia de infravermelhos). Todas as fases a que aludimos so fundamentais e necessrias para a
devida contextualizao e entendimento da obra artstica e devem ser asprimeiras a serem realizadas. Porm, por mais completo que se apresentecada um dos passos anteriores e, ainda que se revele tudo quanto for pos-svel, no mais rigoroso cumprimento do processo de anlise e interpreta-o proposto por Panofsky, continuar a no existir resposta para algumasquestes, simples, mas fundamentais, que possvel efectuar sobre as pin-turas, porque o mtodo iconogrfico no prev a sua anlise.Efectivamente, os seus trs nveis de contedo ou de significado propostos
* Doutorando do Departamento de Cincias e Tcnicas do Patrimnio da Faculdade de Letras daUniversidade do Porto, no Ramo de Conhecimento em Histria da Arte.
Revista da Faculdade de LetrasCINCIAS E TCNICAS DO PATRIMNIO
Porto, 2003I Srie vol. 2, pp. 443-472
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por Panofsky (2), como etapas de um processo analtico, no realizam, nemcontemplam, qualquer referncia a uma outra vertente da anlise que sepode e deve efectuar sobre as obras de arte, em particular sobre a pintura:a componente geomtrica. Por isso, propomos, como complemento daanlise iconogrfica, o estudo das pinturas efectuado segundo um proces-so que designmos por Mtodo Geomtrico. Para comprovar a sua utilida-de vamos proceder anlise de quatro pinturas do retbulo da S deLamego, hoje pertencentes ao acervo do Museu Regional daquela cidade:Anunciao, Visitao, Circunciso e Apresentao de Jesus no Templo.
O estudo que apresentamos incide sobre as obras que integravam afiada inferior, optando por suprimir, desta investigao, a Criao dosAnimais, cuja temtica e composio se afastam das restantes. De acordocom o ttulo em epgrafe, este trabalho tem como objectivo efectuar a an-lise iconogrfica e geomtrica das quatro pinturas referidas. Contudo,atendendo s limitaes inerentes a uma publicao desta natureza, dare-mos maior relevo ao estudo geomtrico dado o facto deste se revestir deum carcter indito entre ns. Todavia, estamos perfeitamente convictosque esta anlise deve ser encarada, de forma cada vez mais premente,como complemento indispensvel da leitura iconogrfica, pois, no con-jugar das diversas contribuies que se poder alcanar uma compreen-so mais perfeita das pinturas. Para demonstrar a validade deste mtodoanalisaremos cada um dos quatro painis de Vasco Fernandes, efectuando,em primeiro lugar, uma anlise iconogrfica muito breve e, em seguida,tambm de forma sucinta, procedermos a uma leitura do esquema geo-mtrico de composio.
1. CONTEXTO HISTORICO
Como se sabe, durante o reinado de D. Manuel I, Portugal vive umperodo de grande prosperidade cujos efeitos se repercutem em diversosaspectos da sociedade. Uma das facetas que manifesta bem o poder eco-nmico dessa poca a euforia de construes que se verifica por todo o
(1) A verso original deste artigo foi escrita para publicao nas Actas do III Congresso Histrico deGuimares , D. Manuel e a sua poca. No mbito da 4 Seco: Arte e Cultura, coordenada pelo Prof.Doutor Fausto Sanches Martins, proferimos a comunicao subordinada ao tema: Vasco Fernandes eo retbulo da S de Lamego. Anlise iconogrfica e geomtrica com recurso s novas tecnologias.Problemas surgidos parecem tornar invivel a sua publicao e, tendo em conta a novidade da anli-se realizada, optmos por adaptar este trabalho para esta publicao. (2) Cf. PANOFSKY, Erwin Estudios sobre iconologa. Madrid: Alianza Editorial, 1994, pp.13-37.
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reino. No campo da arquitectura e da pintura religiosa assiste-se a umagrande actividade quer atravs da construo de novos lugares de culto,quer no melhoramento de outros j existentes, designadamente, pelaencomenda de grandes retbulos de altares destinados a enriquecer asigrejas, mas que serviam, igualmente, um objectivo de carcter pastoral edoutrinal: eram as Escrituras dos iletrados, segundo o pensamento deGregrio Magno (3).
Uma das maiores encomendas feitas, na poca, a artistas nacionais, foio retbulo para a capela-mor da S de Lamego. Resultou da iniciativa dobispo D. Joo Camelo de Madureira que o encomendou a VascoFernandes, o lendrio Gro Vasco, tendo sido realizado entre 1506 e 1511.Graas ao documento descoberto e publicado por Verglio Correia (4), sabe-mos que o contrato conheceu duas verses, a segunda das quais amplia-va o nmero de pinturas para o total de vinte, dispostas por trs fiadas,tendo, ao centro, dois painis de maiores dimenses. O assunto de cadauma das pinturas estava perfeitamente definido no contrato. Em meadosdo sculo XVIII, devido a obras na S, o retbulo foi desarmado e daresultou a perda da maior parte das obras. Hoje, restam, apenas, cinco pai-nis que fazem parte do acervo do Museu Regional de Lamego: Criaodos Animais, Anunciao, Visitao, Circunciso e Apresentao de Jesusno Templo.
2. O MTODO GEOMTRICO
A maior conquista que, em termos artsticos, os pintores doQuattrocento italiano tero realizado , em nossa opinio, a descobertadas regras matemticas que permitiram a realizao do desenho em pers-pectiva proporcionando uma observao directa, imediata e eficaz sobreo mundo, de modo semelhante forma como os olhos captam os objec-tos. Com o conhecimento e o domnio das leis da perspectiva, os pintoresadquirem a capacidade tcnica para realizar algo nunca ento alcanado:
(3) O papa Gregrio I refere sobre o assunto: Porque lo que es la Escritura para los que saben leer,esto lo oferece la pintura a los no instruidos que la miran, puesto que en ella los no instruidos ven loque deben seguir, en ella leen los que no conocen las letras; de ah que, para los pueblos principal-mente, la pintura ocupa el lugar de la lectura. Carta de Gregrio Magno Litterarum tuarum pri-mordia ao bispo Sereno de Marsella, em Outubro do ano de 600. Citmos a partir de DENZINGER,Henrich; HNERMANN, Peter El Magisterio de la Iglesia. Enchiridion Symbolorum Definitionum etDeclarationum de Rebus Fidei et Morum. Segunda edicin corrigida. Barcelona: Herder, 2000, p. 229.(4) Cf. CORREIA, Verglio Vasco Fernandes mestre do retbulo da S de Lamego. Coimbra: Imprensada Universidade, 1924. Subsdios para a Histria da Arte Portuguesa, 13, pp. 7-9.
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libertar o espao tridimensional dos vnculos que o ligavam superfcie doquadro (5). Deste modo, conseguem ir muito alm da construo medievaldo espao pictrico efectuada pela agregao de parcelas, individualiza-das, subjectivas e, muitas vezes, contraditrias, para proporcionar umarepresentao espacial unificada e racionalizada, isto , um espao coe-rente, construdo sobre slidas bases matemticas, perfeitamente defini-das, claras e objectivas, onde tudo pode ser medido e as propores cor-rectamente estabelecidas.
Este modo de conceber a pintura, corresponde a uma nova atitude por
parte dos pintores e que se pode resumir com as prprias palavras de
Leon Battista Alberti no Livro I do seu tratado De Pictura: a pintura como
uma janela aberta atravs da qual se contempla a histria (6). Por outras
palavras, a obra de arte , para o homem do Renascimento, a representa-
o directa e fiel da natureza que o rodeia. Mas para que tal pudesse ser
concretizado era necessrio fornecer aos pintores regras que lhes permi-
tissem construir sobre uma superfcie bidimensional, um espao tridi-
mensional, povoado por pessoas, edifcios, paisagens e objectos que, coe-
xistindo no mesmo espao real, se deveriam relacionar entre si de manei-
ra coerente e harmoniosa, segundo o conceito vitruviano de simetria (7).
Para concretizar esta aspirao os pintores recorrem s regras da pers-
pectiva linear e a outros processos geomtricos que contribuem para orga-
nizar todo o espao pictrico, desde as dimenses da superfcie de supor-
te at s respectivas divises internas estabelecendo propores e atri-
buindo a cada personagem o seu lugar. Deste modo, o pintor dispunha de
um traado regulador, sobre a superfcie, que o auxiliava a construir um
espao tridimensional mesurvel e a resolver os problemas da composio.
O objectivo do Mtodo Geomtrico, analisar as pinturas de forma a
efectuar a leitura do esquema geomtrico de composio que esteve na
gnese estrutural da pintura. Este esquema o resultado da conjugao do
(5) PANOFSKY, Erwin La perspectiva como forma simbolica. Barcelona: Tusquets Editor, 1973, p. 42.(6) O tratado de Leon Battista Alberti, De Pictura, publicado em 1435 na sua verso latina, conhece, noano seguinte, uma verso italiana, intitulada Della Pittura. Para o presente trabalho utilizmos aseguinte edio: ALBERTI, Leon Battista De la pintura y otros escritos sobre arte. Madrid: EditorialTecnos, 1999, p. 84.(7) No Livro I, Cap. II, Vitrvio refere: La Simetra surge a partir de una apropiada armona de las par-tes que componen una obra; surge tambin a partir de la conveniencia de cada una de las partes porseparado, respecto al conjunto de toda la estructura.. Fizemos uso da seguinte edio: POLIN,Mrco Lucio Vitruvio Los diez libros de Arquitectura. Madrid: Alianza Editorial, 2000, p. 69.
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delineamento definidor da perspectiva, com outras linhas de fora e figu-
ras gemtricas utilizadas pelo pintor como apoio de personagens e objec-
tos importantes, com a finalidade de reforar o significado da mensagem
iconogrfica. oportuno salientar que, salvo raras excepes, o traado
regulador que constitui a trama sobre a qual o pintor desenvolveu o seu
trabalho permanece totalmente oculto, no s porque estas estruturas
eram mantidas em segredo, no sendo divulgadas para fora da oficina,
como, tambm, pelo facto das linhas traadas irem desaparecendo com a
evoluo da pintura, tal como os andaimes de uma construo (8) o que
dificulta, hoje, o estudo desta geometria secreta. Como refere Jacques
Villon no prefcio do livro Charpentes. La gomtrie secrte des peintres,
da autoria de Charles Bouleau, necessrio descobrir os segredos da com-
posio que se escondem por trs de uma pintura de modo a podermos
compreender toda a beleza que ela encerra:
[...] Pretender reconhecer as disciplinas harmnicas que, em todas as
pocas, serviram secretamente de fundamento pintura, poderia parecer
uma loucura. Mas esta loucura sabedoria. Um saber necessrio para o
que quer pintar. E necessrio para o que quer observar. A trama de uma
obra a sua poesia mais secreta e, tambm, a mais profunda. [] Numa
palavra, este livro [] intenta descobrir esta geometria secreta da obra pic-
trica que, em qualquer poca, foi para os artistas uma das constantes
essenciais da beleza []. (9).
Assim, o trabalho que propomos levar a cabo, o de descobrir qual
seria o esquema geomtrico bsico que, eventualmente, teria sido utiliza-
do por Vasco Fernandes na realizao das quatro pinturas, pertencentes
ao retbulo do altar-mor da S de Lamego, de modo a obter, sobre elas,
um entendimento mais completo, ao conjugar este mtodo com a respec-
tiva anlise iconogrfica.
3. ESQUEMAS GEOMTRICOS DE COMPOSIO
Antes de efectuarmos a anlise das pinturas, vamos fazer uma breve
explicao sobre os dois esquemas geomtricos que, segundo a nossa lei-
(8) Cf. BOULEAU, Charles Tramas. La geometra secreta de los pintores. Madrid: Ediciones Akal, 1996,p. 43, legenda das figuras 2, 3 e 4.(9) Ibidem, p. 7.
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tura, foram utilizados por Gro Vasco como traado regulador da compo-
sio das pinturas em anlise.
O primeiro obtido pelo rebatimento dos lados menores do rectngu-
lo sobre os maiores. O processo, ilustrado na figura 1, o seguinte: dado
um determinado rectngulo ABCD, fazemos centro no vrtice B e trans-
pe-se o ponto A para a vertical, depois, com centro no ponto D, rebate-
mos o ponto C para o lado maior. Com esta operao obtemos, respecti-
vamente, os pontos A e C, pontos estes utilizados para traar as horizon-
tais FA e CE, assinaladas pelas setas e que determinam dois quadrados
que se intersectam mutuamente: o quadrado ABAF e CECD. Para com-
pletar a rede interna prpria desta diviso, falta, apenas, traar as diago-
nais dos quadrados e as linhas verticais e horizontais que passam pelos
pontos em que estas diagonais se intersectam (10).
Para delinear o segundo esquema geomtrico de composio precisa-
mos conhecer a forma de construir a Seco urea de um segmento (tam-
bm designada por Regra de Ouro ou Divina Proporo) e que diz res-
peito forma de o dividir segundo a sua mdia e extrema razo, constru-
o recuperada da Antiguidade grega e muito utilizada pelos pintores e
arquitectos do Renascimento (11). Em resumo, trata-se de seccionar um
determinado segmento em duas partes desiguais, de forma que exista,
entre elas, a seguinte razo: a parte menor deve estar para a maior, tal
como esta estar para a totalidade do segmento.
Atravs da figura 2, exemplificamos um processo muito utilizado para
dividir um segmento segundo a sua Seco urea. Comeamos por deter-
minar M, o ponto mdio do segmento. Em seguida, com centro no ponto
(10) Ibidem, pp. 43, 122.(11) Construo exemplificada, entre outras, nas seguintes publicaes: GHYKA, Matila C. Esttica delas proporciones en la naturaleza y en las artes. Tercera edicin. Barcelona: Editorial Poseidon, 1983,p. 27; GHYKA, Matila C. Le nombre dor. Mayenne: Ed. Gallimard, 2000, pp. 43-57; VINCENT,Robert Gomtrie du Nombre dOr. 3e dition. Marseille: Chalagam dition, 2001, p. 23; BOULEAU,Charles Tramas, p. 64; HUNTLEY, H. E. The divine proportion. A study in Mathematical Beauty.New York: Dover Publications, [s.d], p. 27; CLEYET-MICHAUD, Marius Le nombre dor. Quatrimedition. Paris, Presses Universitaires de France, 1982, p. 10. MARAIS, Pierre; REY, Denise Aperussur la geomtrie sacre. Paris, Guy Trdaniel ditions, 1998, p. 68, fig. 22. diviso de um segmentoem extrema e mdia razo, j Euclides se referia nos Elementos. Na Definio 3 do Livro VI, pode ler-se: Diz-se que uma recta foi cortada em extrema e mdia razo quando a recta inteira est para osegmento maior como o maior est para o menor. Euclides voltar a falar deste tema no Livro II,Proposio 11; no Livro IV, Proposio 10 e, de forma mais pormenorizada, no Livro VI, Proposio30 onde explica o modo de proceder para dividir uma recta finita dada em extrema e mdia razo.Basemo-nos na seguinte edio: EUCLIDES Elementos. Madrid: Editorial Gredos, 1994, 3 tomos.
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B, rebatemos o segmento BM sobre uma linha perpendicular a AB, com o
que obtemos o segmento BC. Em seguida, unimos o ponto C com o ponto
A. Depois, fazendo centro na extremidade C, transpomos o segmento BC
para o lado AC, resultando o ponto D. Temos, ento, a seguinte igualda-
de entre quatro segmentos: AM = MB = BC = CD. Por fim, utilizando o
ponto A como centro do rebatimento, vamos transpor o ponto D para o
segmento inicial AB. Com esta operao determina-se o ponto que divide
o segmento AB segundo a sua Divina Proporo, habitualmente designa-
do por (12).Fazendo uso deste processo para calcular a diviso dos lados de um
rectngulo, segundo a Regra de Ouro, obtemos o resultado que apresen-
tamos na figura 3, na qual se assinalam os diversos pontos , determina-dos aplicando, nos dois sentidos, e em cada um dos lados do rectngulo,
a construo apresentada na figura 2. Resta-nos acrescentar que os oito
pontos , assim obtidos, podem ser unidos entre si e aos vrtices de umaforma muito livre e, juntamente com as diagonais do rectngulo, construir
uma rede interna extremamente complexa, formada por inmeras linhas
oblquas, designadas por harmnicas (ilustradas na figura 4). A este tra-
ado podem ser acrescentadas linhas verticais e horizontais desenhadas a
partir dos pontos de interseco das oblquas anteriormente determinadas.
Entre todas as possibilidades permitidas, o pintor utilizar, apenas, as
linhas que realmente necessitar como forma de suportar e proporcionar a
sua composio, ignorando todas as restantes.
Pela pesquisa que efectumos, Vasco Fernandes ter recorrido ao pro-
cesso do rebatimento dos lados menores do rectngulo nas pinturas da
Anunciao e da Visitao, enquanto que a diviso dos lados efectuada
de acordo com a Divina Proporo foi empregue, como traado regula-
dor, nas pinturas da Circunciso e da Apresentao no Templo.
(12) Os matemticos modernos atriburam a esta razo a letra grega (phi) inicial do nome Phidias. Cf.HUNTLEY, H. E. The divine proportion: A study in mathematical beauty. New York: DoverPublications, Inc. [S.d.], p. 25.
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4. A PINTURA DA ANUNCIAO
4.1. Anlise iconogrfica
Neste painel, a Virgem Maria apresenta-se do lado direito, vestindo umatnica verde e um manto vermelho de exageradas dimenses. Interrompea leitura do livro sagrado com a chegada do Anjo. De cabea inclinada eolhar fixo no cho coloca a mo direita sobre o peito em sinal de aceita-o da vontade de Deus contida na mensagem acabada de escutar. Estaatitude corresponde Humilitatio (Submisso), de acordo com a classifi-cao divulgada por Michael Baxandall (13). Por sua vez, o anjo Gabrielapresenta-se no lado esquerdo com o joelho esquerdo no cho, soer-guendo o direito. Olha directamente para a Virgem enquanto que, com obrao direito erguido, indica a pomba do Esprito Santo que paira sobre asua cabea. Com o antebrao esquerdo segura um ceptro, smbolo daautoridade de que est revestido e, com a mo do mesmo lado, sustentaum pergaminho, parcialmente desenrolado, donde pendem trs selosovais. Esta uma forma, pouco comum, de apresentar as palavras iniciaisda saudao dirigida a Maria: AVE GRACIA PLENA DOMINUS TECUM (sic).O Anjo enverga uma alva e uma capa de asperges de brocado douradoque se apresentam, como as vestes de Maria, maneira flamenga, pro-longando-se excessivamente, pelo cho.
A pintura est repleta de elementos simblicos muito importantes queestabelecem uma relao entre o Antigo Testamento, a que se alude nosplanos mais recuados, com o Novo Testamento, figurado nos planos ante-riores. Entre os primeiros, destacamos, ao alto, um tondo, representandoa figura de Eva que aponta com o brao direito para a Virgem. VascoFernandes pretende aludir relao antittica entre a figura de Eva, amulher pecadora, pela desobedincia da qual entrou o pecado no mundoe Maria, a mulher que, pela sua obedincia havia de dar luz o Redentor,o Primognito da Nova Humanidade, o novo Ado como refere S. Paulo(Rom 8, 29; Col 1, 15-18). muito provvel que fosse a figura veterotes-tamentria de Ado que se encontrasse representada no medalho situa-do junto ao de Eva embora, actualmente, no possa ser identificada, pois,dele apenas se vislumbra uma parte diminuta. A figura de Ado utiliza-
(13) Cf. BAXANDALL, Michael Pintura y vida cotidiana en el Renacimiento. 4 edicin. Barcelona:Editorial Gustavo Gili, 2000, pp. 71-77.
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Fig. 1 - Rebatimento dos lados menores de umrectngulo sobre os lados maiores.
Fig. 3 - Determinao da Seco urea sobre
os lados de um rectngulo.Fig. 4 - Traado das Harmnicas da Seco
urea de um rectngulo.
Fig. 2 - Mtodo para efectuar a diviso do segmentoAB segundo a sua Seco urea: .
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(14) As identificao das trs figuras aqui representadas no tm reunido o consenso dos vrios histo-riadores. Sobre as diversas interpretaes, ver CASIMIRO, Lus Alberto A pintura da Anunciao doMuseu de Lamego. Porto. Museu. IV srie: 8 (1999) 22 e nota 23.(15) Ibidem, pp. 28-30. Esta profecia de Isaas surge, com muita frequncia, na pintura italiana quer ins-crita no prprio livro, quer em filactrias ostentadas pela figura do profeta.(16) Ibidem, p. 37.
da como anttese de Cristo cuja concepo anunciada pelo Anjo. Nocanto superior esquerdo encontra-se um trptico onde so representadastrs figuras em grisalha e que, em nossa opinio, simbolizam uma Sibila, esquerda, o profeta Ezequiel, ao centro, e o Guerreiro Gedeo, do ladodireito (14).
Junto Virgem destacamos a presena do livro, o castial com a vela e
a jarra de cristal com aucenas. O primeiro apresenta uma srie de linhas
alternadamente vermelhas e negras, sugerindo a presena de um texto
manuscrito. Porm, apenas se regista uma letra capital, de cor vermelha,
perfeitamente identificada: a letra P. A justificao para a representao
deste pormenor vamos encontr-la na bblia Vulgata, na passagem do pro-
feta Isaas: Propter hoc dabit Dominus ipse vobis signum: Ecce virgo con-
cipiet, et pariet filium, et vocabitis nomem eius Emmanuel (Is 7, 14). A ini-
cial deste versculo , precisamente, a letra P o que confirma a inteno
do pintor em representar a Virgem Maria em atitude de quem medita nas
Sagradas Escrituras e, em particular, sobre a passagem da profecia que iria
ter cumprimento na sua pessoa, com o anncio feito pelo Anjo (15).
A vela que se encontra junto ao genuflexrio , habitualmente, um sm-
bolo da presena de Cristo ressuscitado, a Luz do mundo. Porm, pelo
facto de ter sido representada, sem chama, apenas fumegante, indicando
que acaba de ser apagada, alude figura de Jesus Cristo, o Servo Sofredor
de Iahweh, referido pelo profeta Isaas ao indicar que o Servo no apa-
gar a mecha que ainda fumega (16) (Is 42, 3). Com este recurso o pintor
estabelece uma subtil referncia ao Mistrio da Paixo de Cristo que se
encontra ligado, de modo indissocivel, ao da Encarnao aludido na pin-
tura. Alis, o diadema do anjo Gabriel, que se encontra rematado por uma
cruz, vem reforar a simbologia desta associao.A jarra de cristal, bem como as aucenas, simbolizam a pureza da
Virgem Maria. No cho, sobre o tapete, perto do manto da jovem, est umnovelo de cor clara onde se encontra espetada uma agulha de costura.Juntamente com o dedal, figurado junto do castial com a vela, efectua
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uma aluso, multissecular, aos textos dos Evangelhos Apcrifos que apre-sentam a Virgem ocupada a tecer a cortina para o templo de Jerusalm nomomento em que o anjo Gabriel conduz, at ela, a sua embaixada (17).
4.2. Anlise Geomtrica
Na figura 5 apresentamos a aplicao do rebatimento dos lados meno-res, sobre a pintura da Anunciao, segundo o mtodo ilustrado na fig. 1.Entre vrios aspectos que poderamos destacar, como, por exemplo, aslinhas verticais situadas do lado direito e do lado esquerdo do painel eque servem de apoio a alguns elementos da composio, vamos relevarum dos mais importantes e, porventura, menos evidentes. Trata-se doponto de interseco das duas diagonais do quadrado inferior, devida-mente assinalado pela presena da seta. Este ponto constitui o centro dacircunferncia envolvente das duas personagens, tal como se desenha nasfiguras 5 e 6, onde se pode verificar como o limite inferior do manto daVirgem, bem como a inclinao da sua cabea, so determinadas por estacircunferncia. Constatamos, assim, que aquele ponto no foi escolhido aoacaso, pois encontra-se sobre uma construo geomtrica devidamenteponderada. Na figura 6 ilustra-se o pentgono e o pentagrama inscritos nacircunferncia e que, na nossa leitura, foram utilizados para apoiar algunscomponentes da pintura. O pentagrama era, no Renascimento, uma figu-ra geomtrica considerada extraordinria pelo facto de apresentar, emtodos os seus segmentos, a Regra de Ouro. Esta caracterstica encontra-sedevidamente salientada por Luca Pacioli no seu tratado De DivinaProporcione, que a considera como o efeito mais excelso de todos (18).Neste caso, verificamos como o novelo, aparentemente colocado no chosem obedecer a uma escolha criteriosa, se encontra posicionado, demaneira intencional, sobre o vrtice inferior esquerdo do pentagrama,enquanto a separao entre o manto e o estrado de madeira se situa sobreoutra extremidade, o mesmo acontecendo com a mo esquerda da Virgemapoiada no livro entreaberto. A prpria inclinao dada ao livro encontra-se determinada por uma diagonal do pentgono.
(17) Cf. Proto-Evangelho de Tiago XI, 1-3. Todas as citaes dos Evangelhos Apcrifos sero efectuadasa partir da seguinte edio: SANTOS OTERO, Aurelio de Los Evangelios Apcrifos. Decima edicin(Revisada y corregida) Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1999.(18) Para este tratado de Luca Pacioli, fizemos uso da seguinte publicao: PACIOLI, Luca La divi-na proporcin. Madrid: Ed. Akal, 1991, p. 54.
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(19) Cf. CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alan Diccionario de los smbolos. Sexta edicin. Barcelona:Herder, 1999, p. 302.(20) Ibidem. Ver ainda CASIMIRO, Lus Alberto A pintura da Anunciao, pp. 48-50. Infelizmente oarco de volta perfeita a que nos referimos totalmente imperceptvel nestas figuras, obrigatoriamen-te de reduzidas dimenses.(21) Uma vez mais, esta figura no recolhe a unanimidade dos estudiosos. Verificar as vrias opiniesem CASIMIRO, Lus Alberto A pintura da Anunciao, p. 20 e nota 21.
Verificamos, atravs da figura 6, que a circunferncia se inscreve, exac-
tamente, dentro do quadrado inferior. Esta opo de Vasco Fernandes
uma forma de reforar, por meios geomtricos, a mensagem iconogrfica.
De facto, o anncio do Anjo alude Encarnao do Filho de Deus no seio
de Maria e esta associao entre a circunferncia e o quadrado orienta-se
no mesmo sentido: pretende significar que a natureza divina (simbolizada
pelo crculo) assume a natureza humana, cujo smbolo dado pelo qua-
drado (19). Sobre a janela, qual veduta aberta para o exterior, deparamos,
novamente, com o par crculo-quadrado, mas numa disposio diferente:
trata-se do quadrado sobrepujado pelo semicrculo formado pelo arco de
volta perfeita, que envolve a pomba e a pequena roscea, numa associa-
o que simboliza a relao entre o cu e a terra (20).
Analiza-se, em seguida, um dos aspectos mais importantes e de maior
impacto no campo geomtrico: a localizao dos pontos de fuga e de dis-
tncia e a construo geomtrica dos ladrilhos do pavimento. O ponto de
fuga calculado pelo prolongamento de algumas das principais linhas da
pintura, nomeadamente, as que formam os ladrilhos, mas, tambm, as do
estrado, do genuflexrio e as do leito. Como se observa na figura 7, o
ponto de fuga, a partir do qual se marca a linha do horizonte, encontra-
se colocado no painel figurado sobre a cabea de Maria. Este pequeno
quadro ilustra uma figura sentada num trono, coroada e elevando a mo
direita em gesto de beno enquanto a esquerda sustenta, sobre os joe-
lhos, o globo terrestre. Em nossa opinio, est representado Cristo em
majestade, o Senhor vitorioso do Apocalipse (21). Ao ser tomado como cen-
tro das linhas de fuga, o pintor pretende salientar, recorrendo, de novo,
geometria, a importncia da sua presena simblica: Aquele cujo nasci-
mento agora anunciado, que passar pelo Mistrio Pascal, o Senhor do
Mundo.
Ao procurarmos reconstituir o esquema geomtrico utilizado para tra-
ar o ponto de distncia, situado sobre a linha do horizonte, deparamos
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com uma sria dificuldade. Seguindo a costruzione legittima de Leon
Battista Alberti (22), o traado dos ladrilhos fornece, em simultneo, o ponto
de fuga para onde convergem todas as linhas ortogonais ao plano de
representao e o ponto de distncia, determinado pelo prolongamento
das linhas olquas definidas pelas diagonais dos quadrados dos ladrilhos e
que indica o afastamento existente entre o observador e o plano do qua-
dro. Procedendo em conformidade, desenhamos, em primeiro lugar, os
traos do pavimento que se dirigem para o ponto de fuga, e em seguida
os horizontais, na mesma figura 7. Vamos considerar os pontos de inter-
seco entre os traos horizontais e o trao vertical, que assinala o limite
esquerdo da pintura. Se tudo estiver correcto, unindo cada um desses pon-
tos com os que se encontram na primeira linha horizontal, junto ao tape-
te, assinalada com o nmero 1, correspondentes s linhas divisrias dos
ladrilhos e determinados pela interseco desta linha com as linhas de
fuga, vamos obter as linhas de distncia (indicadas a negro) devendo estas
convergir para um ponto situado sobre a linha do horizonte. Como se
pode verificar, pela figura 7, tal no sucede. A interpretao que fazemos
deste facto, que no ter sido exactamente esta a construo geomtri-
ca que Vasco Fernandes utilizou para determinar o traado geomtrico dos
ladrilhos. E o erro ocorre porque a linha vertical, que devia constituir o
limite esquerdo da pintura, se encontra desenhada incorrectamente. Em
todas as ilustraes da costruzione legittima baseadas no tratado de
Alberti, o limite da pintura situa-se, exactamente, no ponto em que a linha
de fuga, mais esquerda, intersecta a primeira linha horizontal.
Vamos, ento, repetir todo o processo de clculo do ponto de distn-
cia introduzindo esta pequena correco: fazendo coincidir a linha verti-
cal, com o ponto em que a linha de fuga mais esquerda cruza com a
linha horizontal, junto ao tapete. De salientar que tambm a 3 linha de
fuga do lado esquerdo ao ser efectuado este acrescento, termina no vrti-
ce inferior, portanto, sobre a fronteira da pintura a partir da qual, habi-
(22) Os pormenores do estudo relativo a este traado podem ser acompanhados em ALBERTI, LeonBattista De la pintura y otros escritos sobre arte. Madrid: Ed. Tecnos, 1999, pp. 84-88. Dado o factode Alberti no apresentar qualquer esboo ilustrativo, ver a representao grfica da costruzione legit-tima, entre outros, nos seguintes livros: PANOFSKY, Erwin La perspectiva como forma simbolica, p.46; HAMOU, Philippe, dir. La vision perspective (1435-1740). Paris: ditions Payot & Rivages, 1995,pp. 82- 84.
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LUS ALBERTO CASIMIRO
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tualmente, se efectua a diviso do pavimento (23). Desta vez, o resultado
foi rigoroso: os pontos em que as linhas horizontais do pavimento inter-
sectam a linha vertical, uma vez unidos com os pontos marcados na
primeira horizontal, vo convergir sobre a linha do horizonte, assinalando
o ponto de distncia. A construo apresenta-se, assim, correctamente
efectuada.
Desta constatao parece-nos legtimo extrair a seguinte concluso: o
painel da Anunciao, tal como hoje o conhecemos, no deve estar com-
pleto, pois, h uma pequena faixa vertical que, em nossa opinio, se
encontra em falta no lado esquerdo e que corresponde distncia a que
colocmos o segmento vertical na figura 8. De acordo com a escala utili-
zada, o pequeno fragmento corresponde, em tamanho real, a cerca de 55
mm, o suficiente para que o tondo representando Ado ficasse completo,
o mesmo acontecendo ao painel do lado esquerdo do trptico e respec-
tiva moldura, como se pode verificar pela mesma figura. O conjunto for-
mado pelo trptico, pela pomba e a roscea, pela janela e pelo arco de
volta perfeita, que a delimita superiormente, apresenta como eixo de sime-
tria o segmento vertical assinalado a branco o que s se verifica aps ter
sido efectuado o pequeno acrescento. Tambm em termos iconogrficos
pertinente levantar a questo do painel se encontrar incompleto na mar-
gem esquerda, pois, aparentemente, no existe qualquer justificao para
que Gro Vasco tivesse representado apenas cerca de metade do meda-
lho com Ado e deixasse por concluir o trptico e a respectiva moldura.
A construo geomtrica vem apoiar e reforar esta tese, o que constitui
uma vantagem, clara e insubstituvel, da aplicao do mtodo geomtrico.
De salientar que em todas as publicaes e em todos os estudos at agora
(23) O facto de Dalila Rodrigues referir que as reflectografias indicam as linhas do pavimento (facto queconstatmos de modo claro analisando os originais fotogrficos) confirma esta anlise efectuada tendoem conta no o pavimento, oculto, no primeiro plano, mas, sim, o que se situa aps a primeira linhahorizontal junto ao tapete. De facto, se prolongarmos a 3 linha de fuga do lado esquerdo verificamosque a mesma s intersecta o canto inferior esquerdo da pintura no caso de procedermos ao acres-cento referido, como se pode constatar pelas figuras 7 e 8, o que confirmar a nossa hiptese. Noentanto, caso fossem assinalados os ladrilhos do primeiro plano, seguindo a marcao efectuada,resultaria uma enorme desproporo pelo que Vasco Fernandes, em nossa opinio, teria achado pre-fervel ocult-la recorrendo ao tapete e aos tecidos sobejantes do manto da Virgem e da tnica doAnjo. Para o trabalho de Dalila Rodrigues sobre o assunto ver: RODRIGUES, Dalila Modos de expres-so na pintura portuguesa. O processo criativo de Vasco Fernandes (1500-1542). Dissertao deDoutoramento apresentada a Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Coimbra, 2000, vol. I,p. 329. Texto policopiado; RODRIGUES, Dalila Gro Vasco. Pintura portuguesa del Renascimiento.Salamanca: Consorcio Salamanca 2002, 2002. Catlogo da exposio, p. 113.
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QUATRO PINTURAS DO RETBULO DA S DE LAMEGO
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Fig. 5 - AnunciaoEsquema resultante do rebatimentodos lados menores.
Fig. 6 - AnunciaoA presena dos quadrados,circunferncias, pentgono e pentagrama.
Fig. 7 - AnunciaoTraado inicial para determinar o ponto de distncia.
Fig. 8 - AnunciaoDeterminao correcta do ponto de distncia.
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efectuados sobre este painel, e que so do nosso conhecimento, nunca tal
hiptese tinha sido equacionada.
Chegados a este ponto, pode colocar-se a seguinte questo: uma vez
que, segundo a nossa hiptese, o painel apresentaria uma largura superior
que se verifica actualmente, ainda permanecem vlidas todas as conclu-
ses relativas ao esquema geomtrico de composio inicialmente consi-
derado? A resposta afirmativa. Com efeito, o acrescento, de cerca de 55
mm no lado esquerdo, apesar de ser importante para completar o dese-
nho de partes em falta, praticamente insignificante em termos da com-
posio geomtrica, permanecendo vlidas todas as concluses a que j
tnhamos chegado. Como exemplo, apresentamos, na figura 9, o desenho
resultante do rebatimento dos lados menores sobre os maiores e verifica-
mos que as linhas anteriormente referidas, continuam a servir de apoio a
elementos importantes da composio, como, por exemplo, do lado direi-
to, estante do genuflexrio, almofada do leito, s cortinas do dossel e,
do lado esquerdo, inclinao do brao e antebrao do anjo Gabriel.
Alm disso, verificamos que a inclinao do ceptro, sustentado pelo anjo
Gabriel, encontra uma justificao perfeita para o seu posicionamento:
est orientado pelo segmento, que tem incio no ponto mdio do lado
superior do quadrado, formado na zona inferior da pintura, enquanto a
outra extremidade dada pela linha horizontal que une os pontos onde
as diagonais desse mesmo quadrado se cruzam com as linhas verticais
prprias deste esquema. Por sua vez, a figura 10 mostra-nos como as figu-
ras geomtricas continuam a servir de suporte aos elementos anterior-
mente considerados verificando-se, portanto, que as concluses relativas
utilizao destas figuras permanecem vlidas.
5. A PINTURA DA VISITAO
5.1. Anlise Iconogrfica
O painel da Visitao descreve o encontro entre a Virgem Maria e sua
parente Isabel, referido no Evangelho de S. Lucas (Lc 1, 39-56). Apresenta
uma composio mais simplificada e isenta de tantos elementos simbli-
cos como a pintura da Anunciao, alis justificados, neste caso, pela
importncia e transcedncia do momento figurado.
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QUATRO PINTURAS DO RETBULO DA S DE LAMEGO
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Em primeiro plano, destacam-se as duas figuras femininas que se abra-am. Ambas concebem no seu seio um filho cujo nascimento se deve,embora de maneira diversa, a uma interveno divina: Maria concebe poraco do Esprito Santo e Isabel, apesar da sua idade e de ser estril, vaij no sexto ms da sua gestao, segundo as palavras dirigidas pelo anjoGabriel a Maria. O grau de importncia e a desigualdade entre os dois nas-cimentos extraordinrios, est patente pela diferena de alturas e de atitu-des estabelecidas entre as duas personagens.
A Me de Jesus situa-se do lado esquerdo da composio e veste umatnica azul, um manto roxo sobre o qual se encontra um tecido branco queformaria, eventualmente, o vu com que cobria a cabea. O seu olhar encon-tra o da sua parente. Por sua vez, Isabel, representada do lado direito, vesteuma tnica alaranjada, um manto cinzento com matizes azuis e avermelha-das, um toucado branco que lhe cobre toda a cabea e se prolonga pelosombros e, ainda, um avental de cor verde esmeralda, contra o qual se evi-dencia uma bolsa. Este detalhe , certamente, uma aluso elevada condi-o social de Isabel, mulher de Zacarias, sacerdote do templo. Atravessandooblquamente as vestes de Isabel, dispe-se, em primeiro plano uma canaque, na nossa leitura, assume o mesmo significado da vara: uma indicaoda eleio divina relativamente s duas santas mulheres, tal como sucederaantes, com a vara de Jos, o noivo de Maria, nos Evangelhos Apcrifos (24).
O episdio do encontro decorre ao ar livre, nos arredores de umapovoao, que se vislumbra nos planos mais recuados, constituda por umcasario de traos nrdicos. Algumas rvores equilibram a composio, jun-tamente com pequenas figuras de aldees e animais domsticos. Do ladoesquerdo do painel encontram-se duas figuras femininas, absorvidas numdilogo que as torna, aparentemente, alheias ao que se passa em primei-ro plano. As duas mulheres formam um agrupamento que voltaremos aencontrar representado, de modo semelhante, no painel da Circunciso.No canto superior esquerdo, vem descendo por um caminho, que seperde no arvoredo, uma figura masculina que mostra ares de surpresa,procurando discernir o que ocorre na cena de primeiro plano. Trata-se,quanto a ns, provavelmente, de Zacarias, o pai de S. Joo Baptista, oumesmo de S. Jos cuja presena neste encontro, embora no sendo um
(24) Cf. Proto-Evangelho de Tiago VIII-IX; Evangelho do Pseudo-Mateus VIII; Livro da Natividade deMaria VIII. Relativamente ao significado atribudo vara, cf. REVILLA, Frederico Diccionario deIconografa y Simbologa. Madrid: Ediciones Ctedra, 1995, p. 416.
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Fig. 9 - AnunciaoEsquema geomtrico resultante do rebatimento dos lados menores.
Fig. 10 - AnunciaoAs principais figuras geomtricasaps a correco das dimenses.
Fig. 11 - VisitaoEsquema geomtrico resultante do rebatimento dos lados menores.
Fig. 12 - VisitaoO tringulo que enquadra as duaspersonagens e a orientao da cana.
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QUATRO PINTURAS DO RETBULO DA S DE LAMEGO
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dado bblico, ocorre em determinadas pinturas alusivas ao tema. No cu,matizado de azul, esto representados, pairando, dois anjos, um dos quaisaponta para a cena que decorre no primeiro plano, enquanto o outro,colocado num nvel mais elevado, esboa um gesto de abrao, procuran-do, assim, chamar a ateno para o encontro entre as duas parentes. TeriaGro Vasco procurado representar os Anjos da guarda de Maria e de Isabelatendendo ao facto do culto ao Anjo custdio se encontrar, desde oMedievo, muito incrementado?
5.2. Anlise geomtrica
J aludimos ao facto de Vasco Fernandes ter utilizado, neste painel, omesmo esquema geomtrico da pintura da Anunciao. Vejamos o modocomo procedeu, sobrepondo o esquema geomtrico resultante do rebati-mento dos lados menores do rectngulo sobre a pintura da Visitao. Oresultado pode ser visto na figura 11. Tambm aqui a interseco das dia-gonais dos dois quadrados, que se sobrepem, mostra-se verdadeiramenteimportante: no quadrado superior determina a posio de uma linha hori-zontal, assinalada pela seta, que constitui o limite das duas personagenslocalizadas esquerda e condiciona a linha do horizonte da paisagem deltimo plano. No quadrado inferior, o cruzamento das diagonais define umsegmento horizontal, indicado pela seta do lado direito, que estabelece olimite superior dos mantos, dispostos, ordenadamente, no cho. Estemesmo segmento forma a base do tringulo equiltero, destacado na figu-ra 12, que enquadra as duas personagens principais. Todavia, no , ape-nas, a base do tringulo que se apoia em linhas fortes da composio, pois,tambm o seu vrtice superior se posiciona no ponto de interseco dasdiagonais do quadrado formado na zona superior do painel.
A posio da cana que se encontra em primeiro plano, justificadacom base neste mesmo esquema. A sua inclinao, salientada pela linhaoblqua representada na figura 12, determinada por dois pontos: no ladoesquerdo, o que se situa no cruzamento entre a diagonal do quadrado ea linha vertical, prpria deste esquema e, no lado direito, a extremidadeda linha horizontal que constitui a base do tringulo, ou seja o mesmo seg-mento determinado pelo ponto de cruzamento das duas diagonais do qua-drado inferior. Todos estes elementos que servem de suporte da compo-sio vm confirmar e dar consistncia hiptese de ter sido este esque-ma geomtrico utilizado por Vasco Fernandes nesta pintura.
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6. A PINTURA DA CIRCUNCISO
6.1. Anlise iconogrfica
O terceiro painel de que nos ocupamos representa a Circunciso. O
pintor representa, de novo, um espao interior, neste caso, de um templo,
onde se pode apreciar toda a sua capacidade tcnica para a figurao
miniatural.
Em primeiro plano, deparamos com um grupo de cinco personagens
que se dispem em redor da figura do Menino Jesus em planos diferen-
ciados. O Menino, apoiado sobre uma pequena mesa de base octogonal,
sustentada por figuras de lees e cujo tampo se cobre com um pesado teci-
do de brocado, olha para sua Me e estende para ela o brao esquerdo em
busca do necessrio refgio e proteco. Maria, numa pose solene, procu-
ra ocultar o rosto, cobrindo-o com a mo direita que se encontra tapada,
em parte, com o mesmo tecido branco que se estende sob o seu filho.
Diante da jovem Me, situa-se a figura do sacerdote, envergando vestes
eclesisticas e apoiando a cabea, ornada com a mitra, sobre a mo esquer-
da. Ao centro, segurando o Menino Jesus, o pintor representou a figura,
supostamente, do bispo mecenas, D. Joo Camelo de Madureira (25). Num
plano mais recuado observa-se a figura de S. Jos caracterizado como pes-
soa idosa, de acordo com a tradio dos Evangelhos Apcrifos. Encerra
este conjunto de personagens uma figura feminina, no identificada.
Do lado direito, sob o vo de um arco de volta perfeita, deparamos com
um grupo de duas mulheres numa associao muito semelhante que se
encontra representada no painel da Visitao a que, anteriormente, fizemos
referncia. Dois anjos afastam um longo cortinado verde, permitindo,
assim, visualizar um retbulo tripartido, com edculas rematadas por arcos
de volta perfeita, onde so representadas, em grisalha, figuras do Antigo
Testamento, nos espaos laterais e, ao centro, a figura de Deus Pai (26).
(25) A identificao desta figura como sendo, supostamente, a do bispo mecenas dada por RODRI-GUES, Dalila Vasco Fernandes e a oficina de Viseu. In AA. VV. Gro Vasco e a pintura europeiado Renascimento. Lisboa: Comisso Nacional para as Comemoraes dos DescobrimentosPortugueses, 1992. Catlogo da exposio, pp. 128-130; RODRIGUES, Dalila Gro Vasco. Pinturaportuguesa del Renascimiento, p. 127.(26) A problemtica envolvendo a identificao das figuras representadas pode ser esclarecida emRODRIGUES, Dalila Gro Vasco. Pintura portuguesa del Renascimiento, pp. 128-129.
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QUATRO PINTURAS DO RETBULO DA S DE LAMEGO
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6.2. Anlise geomtrica
O esquema geomtrico revela-se, neste painel, mais complexo que no
caso anterior. Em nossa opinio, nesta pintura, como na prxima, Vasco
Fernandes efectuou a diviso dos lados do rectngulo, que serve de supor-
te pintura, recorrendo Regra de Ouro, a qual aplicou nos dois sentidos,
como podemos observar atravs da figura 13. Para determinar as divises
de cada um dos lados, segundo a Divina Proporo (pontos 1 a 8), apli-cmos a construo, exemplificada na figura 2, sobre os quatro lados do rec-
tngulo (na figura 13 apenas indicamos, por facilidade de desenho, duas das
quatro operaes efectuadas). A partir deste esquema bsico o pintor utili-
zou determinados pontos e rectas para organizar a composio, alguns dos
quais nos parecem bastante evidentes. Assim, as diagonais assinaladas a
branco no espao superior determinam, no seu ponto de interseco, uma
linha horizontal utilizada para dimensionar o limite das figuras dos dois
anjos que seguram a cortina verde. As mesmas diagonais, desenhadas agora
no espao inferior, definem o segmento horizontal que serve, no lado
esquerdo, como elemento de apoio do dimetro da base octogonal da mesa
e, no lado direito, ao limite do manto da Virgem.
Na figura 14 podemos comprovar a complexidade do esquema geom-
trico utilizado. Em primeiro lugar, constatamos que a composio apresen-
ta uma forte simetria em torno de um eixo que, contrariamente ao que seria
de esperar, no passa pelo centro geomtrico do rectngulo, mas que se
encontra deslocado para o lado esquerdo. O eixo de simetria escolhido
pelo pintor uma das harmnicas da Seco urea, mais precisamente a
que une 1 a 6. Verificamos, ainda, a importncia deste traado atenden-do a outros aspectos. Assim, por exemplo, o centro da circunferncia con-
figurada pelo arco de volta perfeita, que limita superiormente a cena, est
situado sobre a harmnica que forma o eixo de simetria referido, no cru-
zamento entre duas outras: a que une 3 ao vrtice superior esquerdo dorectngulo e 7 ao vrtice superior direito. Por esse ponto conduzimos umalinha horizontal, que constitui o dimetro da circunferncia maior e tan-
gente s trs que configuram os arcos com que so rematadas as edculas
do pequeno retbulo (fig. 15). Ainda na figura 14 importa chamar a aten-
o para outros dois pormenores: o primeiro o facto da harmnica que
une 3 a 7 ser tangente circunferncia e determinar a inclinao dobrao do Menino Jesus que se estende para sua Me. Em segundo lugar,
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LUS ALBERTO CASIMIRO
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salienta-se a existncia de outra linha tangente circunferncia: a linha ver-
tical situada do lado direito e assinalada pela seta colocada ao alto, que
serve de apoio ao pilar de seco quadrada que sustenta o arco sob o qual
se encontram as duas figuras femininas localizadas do lado direito.
A posio particular em que se encontra o Menino merece, igualmen-
te, ser destacada. De facto, trata-se de uma colocao que corresponde
direco estabelecida por duas fortes linhas pertencentes s harmnicas
do rectngulo. A primeira delas a oblqua, tangente circunferncia, que
une 3 com 7, j referida. Por outro lado, assinalamos um outro seg-mento, perpendicular ao anterior como se pode verificar atravs da figura
14, o qual, para alm de manifestar esta caracterstica especfica da per-
pendicularidade , ainda, uma harmnica, definida, na sua extremidade
superior, pela linha vertical tangente circunferncia e, na extremidade
inferior, pelo segmento horizontal conduzido pelo ponto de interseco de
duas outras harmnicas do rectngulo: a que une 1 com 4 e a que for-mada entre 2 e 7. Esta linha horizontal, serve, ainda, de apoio ao limi-te inferior do manto da Virgem.
Para concluir a anlise geomtrica desta pintura verificaremos a posio
escolhida pelo artista para colocar o ponto de fuga, bastando, para o efei-
to, prolongar algumas das linhas mais destacadas, como sejam as do pavi-
mento e as das formas arquitectnicas mais direita, como se indica na
figura 15. notria a importncia dada localizao do ponto de fuga, assi-
nalado pelas iniciais P. F., atendendo confluncia de dois factores: por um
lado, situa-se sobre o cruzamento de duas harmnicas: a que une 1 com6 com a que une 4 a 7; por outro, verificamos que esse mesmo pontode fuga ainda escolhido para colocar sobre ele a presumvel figura do
bispo mecenas, que corresponde, tambm, a uma forma de destacar e pro-
mover a personagem e a aco deste eclesistico. Com esta opo, Gro
Vasco, intenta, uma vez mais, destacar uma figura na composio, cha-
mando a ateno sobre ela com este recurso de carcter geomtrico.
Torna-se evidente que a pintura foi desenvolvida em torno do esquema
geomtrico formado, basicamente, pelos segmentos que unem as divises
dos lados segundo a Seco urea e por algumas das harmnicas dese-
nhadas entre vrios pontos resultantes dessa diviso. Perante estas cons-tataes, concluimos que o esquema geomtrico apresentado corresponde,
com muita probabilidade, ao que foi utilizado por Gro Vasco para, sobre
ele, estabelecer as propores e a disposio dos vrios elementos.
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QUATRO PINTURAS DO RETBULO DA S DE LAMEGO
465Fig. 13 - CircuncisoEsquema geomtrico baseado na Seco urea dos lados.
Fig. 14 - CircuncisoUtilizao das harmnicas para suporte de linhas e figuras geomtricas.
Fig. 15 - CircuncisoIndicao do ponto de fuga e outroselementos geomtricos.
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7. A PINTURA DA APRESENTAO DE JESUS NO TEMPLO
7.1. Anlise iconogrfica
Terminamos este estudo com o painel da Apresentao de Jesus noTemplo. Trata-se de uma composio que evidencia semelhanas formaise estruturais com a que acabmos de analisar: um espao cnico situadono interior de um templo, o mesmo nmero de personagens que se agru-pam em torno da figura do Menino, a presena de anjos e de figurassecundrias. Tambm em termos geomtricos notamos bastantes afinida-des, no s no esquema bsico de composio, como, tambm, por detec-tarmos uma certa simetria entre os dois, como se a composio geomtri-ca de uma pintura constitusse o reflexo da outra num espelho. Assim, aMe de Jesus, envergando um longo manto de cor verde que lhe cobre acabea, apresenta-se, do lado esquerdo da composio e olha directa-mente para o sacerdote. Este, ostentando uma dalmtica da qual pendemalguns tintinbulos, passou a ser representado do lado direito. So Joscontinua a ser representado ao centro, entre as figuras de Maria e dosacerdote, enquanto que, do lado esquerdo, duas figuras femininas trans-portam as pombas que constituam a oferta dos pobres na cerimnia deapresentao do recm-nascido, prescrita na Lei. O Menino, seguro pelasmos do sacerdote, est, tal como na pintura anterior, sobre uma toalhabranca e estende a mo, neste caso a direita, para sua Me que a seguracom a sua mo esquerda.
Do lado direito, uma mulher, j idosa, aparece representada apenas embusto e em atitude de quem est em posse da palavra. Trata-se, sem dvi-da, da profetisa Ana, de idade muito avanada que, de acordo com o rela-to do evangelista S. Lucas, permanecia no templo participando no culto dedia e de noite. Depois de ter visto o Menino, ps-se a louv-lo, falandodele a todos os israelitas que esperavam a redeno de Jerusalm (Lc 2,36-38). semelhana da pintura anterior, sobre o conjunto de persona-gens de primeiro plano surgem dois anjos, neste caso, pairando e segu-rando uma estreita faixa de tecido, como que formando um plio sobre aspersonagens. Nos ltimos planos, sob o vo de um arco de volta perfeita,esto representados dois querubins, de asas flamejantes, ostentando umalana na mo e que servem de guardies da Arca da Aliana figurada sobum dossel de alparavaz circular. Vrias aberturas para o exterior so res-ponsveis pela entrada de luz, muito embora, a principal fonte lumnica
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se encontre no lado esquerdo da pintura, fora do alcance do observador,proporcionando um luz suave e uniforme, envolvendo a cena numaatmosfera de grande solenidade.
7.2. Anlise geomtrica
Tal como j tivemos ocasio de referir, partimos da hiptese que estapintura utiliza o mesmo esquema de composio que o painel represen-tado a Circunciso. Era natural que, tratando-se de uma composiosemelhante em determinadas manifestaes estruturais e iconogrficas,tambm o fosse em termos da sua geometria. Vamos, portanto, aplicar omesmo esquema geomtrico sobre este painel, de modo a obter a divisodos lados segundo a sua Seco urea seguindo idntico procedimento ao que efectumos para o caso da pintura anterior. O resultado obtidopode ser visto na figura 16, onde se indica a trama resultante da unio dos pontos que determinam a Divina Proporo de cada um dos lados(pontos 1 a 8).
Analisando, atentamente, a figura 16 podemos constatar que, tambmaqui, nos encontramos perante uma composio que apresenta um eixode simetria evidenciado, sobretudo, pelas formas arquitectnicas do arcode volta perfeita, apoiado em colunas marmoreadas da ordem toscana,bem como pela posio dos quatro anjos, pelo dossel, pelo candelabrosuspenso e, ainda, pelas figuras de Maria e do sacerdote. Todavia, talcomo na pintura da Circunciso, o eixo de simetria no est colocado nocentro geomtrico do quadro, mas, sim, sobre uma das harmnicas verti-cais: a que une 2 com 5. Para confirmar esta simetria, vamos, tal comona pintura anterior, utilizar o arco de volta perfeita para desenhar a cir-cunferncia que o sustenta. Verificamos que o centro se encontra sobre aharmnica referida, mais exactamente, no ponto de confluncia de duasoutras: a existente entre 4 e 6 e a que une 7 com o vrtice superiordireito do rectngulo. Pelo centro da circunferncia conduzimos o seg-mento horizontal, representado a trao interrompido e assinalado pela setacolocada no lado direito, que estabelece o limite da altura dos dois anjosque seguram a faixa de tecido e do baco das colunas anteriores.
Sustentando a hiptese de ter sido este o esquema geomtrico de com-posio empregue pelo pintor, verifica-se que foram utilizadas vrias har-mnicas para estabelecer a colocao e proporo de alguns elementos dacomposio como veremos. Na mesma imagem destacamos outra linha
QUATRO PINTURAS DO RETBULO DA S DE LAMEGO
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que refora a similitude entre esta pintura e a anteriormente analisada.Trata-se da linha vertical, desenhada do lado esquerdo e destacada pelaseta ao alto. Este segmento constituiu um apoio para o pintor posicionara coluna situada no mesmo lado da pintura e, alm disso, uma linha tan-gente circunferncia que configura o arco de volta perfeita.
Mas, em nossa opinio, o ponto culminante da afinidade estrutural e da
simetria, existente entre os dois painis, reside na posio em que foi
representado o Menino Jesus. Na figura 18 a pintura do lado esquerdo
mostra-nos que, tambm aqui, a inclinao do brao direito do Menino
dada pela harmnica que une 4 com 8, e que esta linha perpendicu-lar a uma outra que fornece a inclinao do tronco da criana. Trata-se do
segmento que tem origem no extremo da vertical tangente circunfern-
cia e termina junto extremidade da linha horizontal que passa pelo
ponto em que se intersectam as harmnicas que unem, respectivamente,
1 com 4 e 2 com 7. Ou seja, exactamente a mesma situao com quedeparmos na pintura da Circunciso, embora numa posio simtrica, tal
como se pode comprovar comparando as duas imagens da figura 18. De
referir que a horizontal situada na zona inferior da composio , nas duas
pinturas, muito importante para determinar a posio das personagens, tal
como importante o segmento horizontal que une 4 com 7, a qual con-diciona, por sua vez, a altura das personagens.
H, pois, um jogo de semelhanas entre a composio destas duas
ltimas pinturas que contribui para confirmar a hiptese de ter sido o
esquema de composio proposto nesta anlise aquele que, provavel-
mente, Vasco Fernandes ter utilizado como traado estruturante dos dois
painis. Esta convico , ainda, reforada pela posio em que se encon-
tra o ponto de fuga. No painel alusivo Apresentao do Menino no
Templo, o ponto de fuga est situado, tambm, sobre uma das Seces
ureas do rectngulo tal como se pode comprovar pela figura 17. Embora
a posio deste ponto, em nossa opinio, no se revista da importncia
registada na pintura anterior, no deixa de ser evidente o cuidado que o
pintor utilizou na sua colocao.
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CONCLUSO
O estudo efectuado sobre estes quatro painis, entre tantos outros a
que poderamos recorrer, conduzem-nos, inevitavelmente, mesma con-
cluso: a aplicao do Mtodo Geomtrico, como complemento da anli-
se iconogrfica, revela-nos novas e importantes facetas sobre as pinturas.
Por outro lado, permite, ainda, compreender os motivos que levaram os
artistas a tomar determinadas opes relativas composio, pois, pode-
mos descobrir quais as regras matemtico-geomtricas que estiveram na
origem estrutural das pinturas e que vm reforar o significado da mensa-
gem iconogrfica.
Esta complementaridade de processos analticos parece-nos absoluta-
mente indispensvel para uma interpretao correcta e mais perfeita das
obras de arte. Por isso, no podemos deixar de manifestar alguma estra-
nheza pelo facto do Mtodo Geomtrico no ter sido devidamente imple-
mentado, a par de outros mtodos de anlise, mas, pelo contrrio, ser pra-
ticamente desconhecido.
Aps o trabalho efectuado sobre os quatro painis de Vasco Fernandes,
pensamos ter ficado suficientemente comprovada a utilidade e as vanta-
gens do estudo geomtrico das pinturas, dado que a sua interveno inci-
de sobre uma determinada vertente para a qual nenhum outro mtodo se
encontra devidamente habilitado tornando-se, portanto, insubstituvel,
caso pretendamos descobrir a geometria secreta das obras de arte que
constitui uma das componentes intrnsecas da sua beleza.
QUATRO PINTURAS DO RETBULO DA S DE LAMEGO
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LUS ALBERTO CASIMIRO
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Fig. 16 - Apresentao de Jesus no Templo.Esquema geomtrico baseado na Secourea dos lados.
Fig. 17 - Apresentao de Jesus no Templo.Localizao do ponto de fuga.
Fig. 18 - Apresentao de Jesus no Templo e Circunciso.Comparao dos esquemas geomtricos e da simetria entre as linhas mais importantes das duas composies.
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QUATRO PINTURAS DO RETBULO DA S DE LAMEGO
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