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Page 1: 226 mtorga-dc

Tiragem: 9311

País: Portugal

Period.: Diária

Âmbito: Regional

Pág: 3

Cores: Preto e Branco

Área: 26,20 x 31,92 cm²

Corte: 1 de 1ID: 57533703 18-01-2015

CoimbraA esperança doutra eraHumanidade, universalidade, defesa de valores, críticaterrível e...esperança. “É impossível que o tempo actualnão seja o amanhecer doutra era”, assinalou Manuel Ma-chado, ao citar Miguel Torga.

António Manuel Rodrigues

Volvidos 20 anos da morte deAdolfo Rocha, a 17 de Janeirode 1995, vai-se percebendo aimortalidade e a universali-dade de Miguel Torga. E tam-bém a humanidade do homemque nasceu nas terras agrestesde Trás-os-Montes, mas quecontornou a “fatalidade” geo-gráfica: “o destino destina/maso resto é comigo”, diria um diao poeta, numa frase ontem re-cordada pelo historiador e es-critor Carlos Carranca, nas ce-rimónias evocativas dos “20anos sobre o desaparecimentode Miguel Torga”.

«Vou-vos levar meia hora»,avisou Carlos Carranca, con-vidado para falar de um dosdois homens da sua vida (o ou-tro é o pai). Amigo e estudiosode Torga, Carlos Carrancaprendeu a assistência numapalestra rica em pormenoresde diferentes fases da vida doescritor, nascido em 1907, emS. Martinho de Anta, supor-tando-os em escritos do autorde “Bichos”.

Terminada a quarta classe, apar da «escola natural do pai»(amanho das terras) foi «con-frontado» com o seminário.Adolfo Rocha «nega-se a se-guir uma carreira de celibatá-rio, por esta lhe contrariar a suanatureza de bicho». Preferiu-se sujeitar-se a provações nafazenda de um tio, no Brasil,onde terá percebido o chama-mento das artes.

Seguir-se-ia o liceu emCoimbra, com estudos pagospelo tio, e a licenciatura emMedicina na Universidade deCoimbra, «formatura que re-forçou o carácter humano deTorga, que se completa na fi-delidade a Hipócrates e a Orp-heu». Escreve por essa alturao livro de poemas “Ansiedade”,ainda sem o pseudónimo queo celebrizou.

Aliás, Miguel Torga só che-garia em 1934, com o livro “Pri-

meira Voz”. Miguel em home-nagem a Cervantes e Una-muno, e Torga inspirado nonome do arbusto montanho-sos da terra natal.

Numa conferência transfor-mada no final em tertúlia -«em casa de Torga só poderiaser uma tertúlia», notou CarlosCarranca – foi-se revelandoum pouco do escritor quenunca poderia viver fora dapátria enquanto escritor, por-que lhe faltaria “o dicionárioda terra, a gramática da pai-sagem, o espírito santo dopovo”, como o próprio ilus-

trou. Purista da língua portu-

guesa, defensor da liberdade,detido em 1939. Na prisão deAljube recebe a visita de An-drée Crabbé, de nacionalidadebelga, com quem casou, em1940. Instala-se em Coimbra eabre consultório na Portagem.É pai em 1955, cinco anos an-tes da primeira proposta paraNobel da Literatura (que agi-taria os escritores portugue-ses).

Em Abril de 1974, «cumpre-se Torga», com a revolução, re-cordou Carlos Carranca. “A

alma nacional explodiu de ale-gria (…) parecia um sonho”. Orelato de Miguel Torga - “final-mente dava gosto em ser ci-dadão português” -, evolui paraum sonho que esmoreceu: “asprisões encheram-se de novo,as ambições recalcadas vieramà tona (…) a mediocridade ins-talou-se”.

Europeus de primeiraportugueses de terceira

Mais uma vez, sublinha Car-los Carranca, é no povo queMiguel Torga confia. «O povosempre foi o herói da sua

obra», reforçou, ao revelar que,apesar do desencanto, sabiaque o povo iria encontrar so-lução para os “momentos de-sajustados que lhe tentassemalterar o carácter”.

Com inúmeras distinções,Torga seria o primeiro PrémioCamões, em 1989. Muitas ho-menagens que «não lhe ado-cicaram o carácter». Acabariapor reconhecer que as suas re-lações com os governantes,em quem percebia o podercomo objectivo de vida, “já nãotêm remédio (…) mesmoquando uma real simpatia nosaproxima (…)”.

A adesão de Portugal à co-munidade europeia seria outradesilusão para Miguel Torga,que anteviu, em muitos mo-mentos, o que hoje se passa,mormente numa carta en-viada ao Presidente da Repú-blica Mário Soares: “não há,nem haverá num futuro pre-visível, outra Europa senãoesta malfadada do capitalismoinsaciável e tentacular”.Quando são abolidas as fron-teiras (1993), deixa perceber amágoa: “ocupados sem resis-tência e sem dor. Anestesiadospreviamente pelos invasorese seus cúmplices, somos agoraoficialmente europeus de pri-meira, espanhóis de segundae portugueses de terceira”.

A 17 de Janeiro, recordouCarlos Carranca, «o amigo An-tónio Arnaut fechava-lhe osolhos (…), terminavam todosos tempos de aprendizagemde um poeta que nos revelouhaver em Portugal duas cul-turas: uma que parece e outraque é (…), uma que nos arre-meda e outra que nos identi-fica».

A meia hora de Carlos Car-ranca deixou a vontade de ummeio-dia, pelo que disse e de-monstrou saber. Fica a men-sagem com que terminou omomento: «saibamos nós hojemerecer a obra de Torga e oseu exemplo cívico». |

“O povo foi sempre o herói” na obra de Miguel TorgaHomenagem Cumpriram-se ontem 20 anos da morte do poeta, momento que avivou a sua obra e permitiu perceber um pouco melhor a razão da sua imortalidade

À volta da obra de Miguel Torga recolheram-se “alentos de alma”

“Tempos de Aprendizagemna Vida e Obra de MiguelTorga”, livro de Carlos Car-ranca, inspirou a sua inter-venção na Casa Museu. De-pois, seria a sua relação econhecimentos sobre o es-critor que revelariam, emmomentos de boa disposi-ção, um pouco mais deTorga, o poeta que «não

dava autógrafos». Até umcerto dia… Contou Carlos Carranca quea actriz Simone de Oliveira,então em temporada emCoimbra, visitou Torga e pe-diu-lhe um autógrafo. A re-sistência seria vencida pelacompaixão por uma mulherque já tinha sido tão bonita… Concedida a assinatura, o

episódio teria continuidade,quando Mário Soares com-prou “Ansiedade” e pediu aotransmontano que o perso-nalizasse. Miguel Torga nãoassinou, o que levou Soaresa recordar-lhe que já tinhadado um autógrafo a Si-mone de Oliveira. Mas você,retorquiu Torga, «não temas pernas da Simone». |

O autógrafo a Simone e a nega a Mário Soares

Câmara querreanimar Casa-MuseuMiguel Torga

Além da palestra de CarlosCarranca, o programa que aCâmara de Coimbra preparoupara assinalar os 20 anos damorte do poeta incluiu visitasguiadas à Casa-Museu MiguelTorga, inauguração da expo-sição fotográfica e documental“Miguel Torga – Percurso deuma Vida”, apresentação, pelodirector da Biblioteca Geral daUC, José Augusto Bernardes,do livro “Dois Homens numsó Rosto – Temas Torguianos”,de Maria Hercília Agarez, e aexibição do filme “Natais deTorga” (produzido pela Coo-perativa Bonifrates).«Miguel Torga perdura, aju-dando-nos a recriar energias(…) por uma terra melhor euma humanidade melhor», di-ria Manuel Machado, recor-dando a pessoa «amável», mastambém «agreste», que «nãoera dissimulada». Se tivessesido «ouvido atentamente»,observou o presidente da Câ-mara Municipal de Coimbra,a propósito das consideraçõese vaticínios de Torga sobre aUnião Europeia», (…) «não te-ríamos a desvalorização davida humana», com conflitosque «desgraçam ou fazem cor-rer o risco de desgraça». Do«rigor da escrita e da palavra»de Torga retirou Manuel Ma-chado «mui tos e importantesgritos de alma», em que a li-berdade foi essência. Ao subli-nhar a importância de se dis-seminarem as mensagens dopoeta, cuja leitura aconselhariaa quem precisar de «alentosde alma», Manuel Machado -que ilustrou o discurso comleituras de trechos da obra deMiguel Torga - revelou queestá em curso um processo dereanimação da Casa-Museu,que se quer um «espaço vivode cultura e de conviviali-dade». |

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