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FACULDADE DE CINCIAS DA SADE FACS
CURSO: PSICOLOGIA
A DOENA DE ALZHEIMER
IMPACTOS NA FAMLIA
LCIA INS OLIVEIRA DO AMARAL
BRASLIA
MAIO/2005
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LCIA INS OLIVEIRA DO AMARAL
A DOENA DE ALZHEIMER
IMPACTOS NA FAMLIA
Monografia apresentada como um dos requisitos
para concluso do curso de Psicologia do
UniCEUB Centro Universitrio de Braslia.
Professora orientadora: Suzana Meira Lopes de
Castro Joffily
Braslia/DF, Maio de 2005
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Dedico este trabalho ao meu amado Werner Luckow por todo incentivo
e apoio prestados no decorrer destes cinco anos, por abrir meus olhos
nos momentos nublados e me fazer sorrir, mesmo quando parecia no
haver motivo. Por possibilitar que eu no desistisse e chegasse at aqui.
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Agradeo a Deus que me guiou do incio ao fim deste curso.
Agradeo queles que sempre admiraram minha mania de estudar e
souberam suportar as muitas horas de ausncia minha famlia: meus
filhos Yuri e Igor e meu irmo Helinho.
Agradeo a cumplicidade e suporte sempre presentes de minhas amigas
Grecileine, Marlia, Maria Lcia, Suely, Expedita e Luciana Marina.
Agradeo aos meus professores Gilberto Hazaa Godoy e Ana Maria
Schmarczek Beier por haverem acreditado no meu potencial e cujo
incentivo foi primordial para o alcance desta meta e, especialmente,
professora Suzana Meira Lopes de Castro Joffily, cuja competncia
profissional e firme orientao tornaram possvel a concluso desta
monografia.
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4 SUMRIO
RESUMO INTRODUO ..........................................................................................................................
1. FUNDAMENTAO TERICA .......................................................................................
1.1 O que a Doena de Alzheimer (D.A.) .........................................................................
1.2 Sintomas e Evoluo .....................................................................................................
1.3 Diagnstico e Tratamento ..............................................................................................
1.4 Curiosidades ..................................................................................................................
1.5 Como a Doena de Alzheimer atinge a famlia .............................................................
1.6 A escolha do cuidador ..................................................................................................
1.7 Impacto na vida do cuidador .........................................................................................
1.8 Atitudes benficas para com a pessoa com Doena de Alzheimer ...............................
1.9 Cuidando do cuidador ....................................................................................................
1.10 Grupos de Apoio ............................................................................................................
1.11 Aspectos ticos do diagnstico preditivo .....................................................................
1.12 Objetivos .......................................................................................................................
1.12.1 Objetivo geral .....................................................................................................
1.12.2 Objetivo especfico .............................................................................................
1.12.3 Questes para pesquisa .....................................................................................
2. METODOLOGIA ................................................................................................................
2.1 Instrumentos ...................................................................................................................
2.2 Contexto .........................................................................................................................
2.3 Material de coleta de dados ...........................................................................................
2.4 Sujeitos ..........................................................................................................................
3. ANLISE DOS DADOS .......................................................................................................
3.1 Impacto na vida cotidiana/Quebra de padro machista ...................................................
3.2 Impacto emocional-afetivo ..............................................................................................
3.3 Impacto ao confrontar-se com a morte ............................................................................
3.4 Impacto na religiosidade ..................................................................................................
3.5 Impacto da falta de informao .......................................................................................
3.6 Impacto na dinmica familiar ..........................................................................................
3.7 Impacto na representao dos papis familiares ..............................................................
3.8 Impacto na cobrana social ...............................................................................................
3.9 Impacto da ameaa de repetio transgeracional da D.A. ...............................................
4. CONSIDERAES FINAIS .................................................................................................
5. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ...................................................................................
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5 RESUMO
Esta monografia tem como tema a Doena de Alzheimer e o impacto que ela provoca na famlia, e especificamente na vida do cuidador, o qual foi analisado por meio da pesquisa qualitativa; usou-se como instrumentos entrevistas semi-diretivas e a metodologia de anlise dos dados foi baseada na proposta da hermenutica-dialtica de Minayo porque se trata de um tema complexo que envolve a subjetividade dos cuidadores e das dinmicas e estruturas familiares. Alm do mais, a D.A. tem tido destaque nos meios de sade pblica e a ateno deve-se voltar, tambm, para os cuidadores. Por isto a pesquisa procurou conhecer quais os impactos na vida destes, os quais foram detectados como: impacto na vida cotidiana/quebra do padro machista; impacto social-afetivo; impacto da confrontao com a morte; impacto na religiosidade; impacto da falta de informao; impacto na dinmica familiar; impacto na representao dos papis familiares; impacto da cobrana social; e impacto da ameaa de repetio transgeracional da D.A. Dentre as sugestes apresentadas destacam-se o incremento do suporte social junto aos cuidadores atravs de maior envolvimento da sociedade e do Estado; reforma do atendimento no sistema de sade; criao de um plano de sade especfico para doentes de Alzheimer e reforma na legislao trabalhista.
Palavras-chave: Doena, Alzheimer, cuidador, impactos.
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INTRODUO
Os avanos da medicina, a assistncia sade e a melhoria das condies de vida, tm
levado a um aumento da longevidade humana e, conseqentemente, do nmero de pessoas
com idade crtica para o desenvolvimento de doenas neurodegenerativas. Dentre estas, a
Doena de Alzheimer - cuja caracterstica a perda progressiva e irreversvel da memria
e de outras funes cognitivas - tem atingido propores que a colocam em destaque em
termos de sade pblica e suas implicaes scio-econmicas.
O ser humano nasce e morre s, entretanto, no vive s. sua volta existe uma rede
inicial de relaes, que funciona da como uma matriz de identidade, dando-lhe a
possibilidade de sentir-se pertencente a um grupo especfico e, tambm, de ser
discriminado e conseqentemente separado e ter participao em subsistemas e grupos
sociais externos. Campos (2005), cujo trabalho com grupos de suporte baseado na
dinmica descrita por Winnicott sobre a relao me-beb, particularmente sobre o
fenmeno do holding que se refere ao conjunto de cuidados que o ambiente representado
pela me dispensa ao beb, pontua a importncia da funo dinmica do pai diante da me,
amparando-a, dando-lhe suporte, formando uma dupla parental que cuida
permanentemente do beb e que se transforma num tringulo indissocivel. A esse
primeiro grupo no qual o homem est inserido, designa-se por famlia. Quando um de seus
membros adoece, torna-se imprescindvel a participao da famlia nos cuidados a ele
dispensados, porque o adoecimento interfere no equilbrio do sistema familiar. As
mudanas, de modo geral, provocam crises advindas, principalmente, do estresse gerado
pela quebra na rotina familiar, das redistribuies repentinas e foradas dos papis
familiares, do aumento dos custos, das inseguranas, das culpas, enfim, das exarcebaes e
atualizaes de crises antigas e de sentimentos antes no manifestados.
Velho (1989) chama ateno para a famlia atual, que se apresenta primeira vista
como nuclear, mas, na verdade, est imersa numa rede de relaes entre as mais diversas
formas de famlia, num complexo sistema de interdependncia. Esta rede inclui parentes,
amigos e vizinhos e se revela fortemente atuante em praticamente todos os momentos da
vida, mas se torna vital, principalmente, nos momentos de crise.
Baseado na constatao terica de que as conseqncias advindas em decorrncia da
Doena de Alzheimer provocam um impacto em todo sistema familiar, o tema de
investigao foi definido a partir do seguinte enunciado: a Doena de Alzheimer e o
impacto na famlia, especificamente na vida do cuidador - aquele que est sempre presente
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7 - considerando que ele tem a responsabilidade maior e permanente sobre a pessoa sobre a
pessoa que est a seus cuidados.
Toda investigao principia por indagaes que acionam o pesquisador para o trabalho
de vinculao do pensamento ao, extraindo dessa insero no real suas razes e seus
objetivos. No presente caso, a interpelao refere-se a descortinar o universo que envolve
as pessoas no papel de cuidador, sua motivao para valorizar e cuidar de vidas adoecidas
e j se aproximando da morte, seus anseios, sua submisso e as conseqncias decorrentes.
Foram participantes da pesquisa trs cuidadores de uma mesma famlia cuja me tem D.A.
Inicialmente, foi realizado um estudo terico a respeito da Doena de Alzheimer e a
forma como a famlia atingida pela doena. Como uma doena tpica de uma das fases
do ciclo da vida, identificou-se a necessidade de um preparo para enfrentar o
envelhecimento, tanto no mbito individual quanto social, uma vez que, frente ao
prolongamento da vida humana, o Estado no oferece condies de atender as demandas
dessa populao.
A partir da temtica a escolha do cuidador e a influncia que os distrbios cognitivos e
comportamentais da D.A. exercem sobre sua vida foram sendo aprofundadas questes
trazidas pela literatura a respeito do estresse a que esto sujeitas tais pessoas, as
conseqncias sobre a sade fsica e mental e a necessidade de lhes ser oferecido suporte
ou cuidados. Foram apresentadas sugestes para facilitar a interao com o portador da
sndrome e, mais adiante, salientou-se a importncia dos autocuidados, tanto fsicos quanto
psicolgicos, por parte do cuidador, frente emergncia de suas prprias necessidades.
Outro aspecto abordado foram as implicaes ticas do diagnstico preditivo no trato
da D.A., o dilema mdico entre seu dever de informar a famlia para prevenir um dano
futuro e o direito de no querer saber, por parte de algum familiar.
Com relao ao mtodo de pesquisa optou-se pelo qualitativo, tendo como principal
procedimento a aplicao de entrevistas semi-estruturadas cujo contedo das narrativas foi
analisado de acordo com o mtodo proposto por Minayo, o hermenutico-dialtico, o qual
proporciona a interpretao de forma mais fidedigna da vivncia das pessoas,
contextualizando-a e dando-lhe significado.
Na anlise dos dados foram pontuadas questes trazidas por familiares cuidadores de
uma pessoa adoecida de Alzheimer e, com embasamento terico, apresentada uma reflexo
sobre o que se passa no interior de uma famlia que se prope ser cuidadora.
Finalizando, destacou-se a importncia de um trabalho preventivo para os cuidadores e
de esclarecimento, junto populao, sobre a Doena de Alzheimer, como uma maior
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8 ateno do campo da Psicologia para o estudo do estresse provocados nos cuidadores como
uma demanda digna de ser mais investigada.
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9 1. FUNDAMENTAO TERICA
1.1 O QUE A DOENA DE ALZHEIMER
Ao se falar em Doena de Alzheimer (D.A.) a primeira conexo que fazemos com o
estgio de vida em que se encontra a pessoa que est acometida por essa sndrome. Tem-se
a impresso que ela s atinge pessoas com mais de 70 anos de idade, ou seja, aquelas que
esto no estgio de vida caracterizado pelo envelhecimento, entretanto, a D.A. a forma
mais comum de demncia que atinge a populao situada entre os 40 e 90 anos de idade,
sendo considerada precoce a incidncia ao redor dos 40 anos (recorrncia familiar) e tardia
a que ocorre por volta dos 65 anos.
Com o tempo, os homens haviam se esquecido de tudo. (Freitas, 2005, p. 30). O vai-
vem dirio, idas ao supermercado, ao Banco, consultas mdicas, conversas com os
vizinhos, na porta da Igreja, visitas, observar o crescimento da cidade, o excesso de carros,
de prdios, de gente nas ruas. L se iam esmaecendo as imagens da companheira, do
companheiro, dos filhos, dos netos, amigos. Tudo tinha se transformado em camadas de
esquecimento sobre o fundo daqueles dias inigualveis... Haveria algum meio de trazer de
volta o calor dos dias de criao? (Freitas, 2005, p. 30)
dessa forma insidiosa que a Doena de Alzheimer apodera-se da mente das pessoas.
Uma doena cerebral degenerativa, descoberta em 1907 pelo neuropatologista alemo
Alois Alzheimer, caracterizada pela perda progressiva e irreversvel da memria, que no
deve ser confundida com aqueles lapsos de memria comuns no envelhecimento, e de
outras funes cognitivas, que impossibilitam o pleno desempenho social e ocupacional do
paciente, bem como suas atividades da vida diria. A D.A. atinge o hipocampo, uma parte
do crebro que fixa importantes cenas de nossa vida. (Bottino, 2002). A doena se
manifesta por meio das chamadas placas senis, protenas txicas que se desenvolvem sem
qualquer motivo aparente, dentro e em volta das clulas cerebrais, atrapalhando seu
funcionamento normal e chegando a mat-las a longo prazo. Outra manifestao da D.A.
a criao de miocrotbulos, um emaranhado de pequenos fios proticos que atrapalham a
comunicao entre os neurnios. O Mal de Alzheimer impede que o crebro armazene
fatos recentes; a pessoa lembra-se bem do passado, mas esquece por exemplo o que fez
no mesmo dia. No inicio da enfermidade, o doente sofre porque tem conscincia das suas
limitaes e incapacidade. Procura por vezes ocult-las, manifestando alteraes de
temperamento e personalidade, caindo em depresso e postergando a visita ao mdico
achando que a perda da memria faz parte do processo de envelhecer. Quando resolvem ir
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10 acabam constatando que j esto num estgio moderado da doena. (Falco, 29 de maro
de 2005. Palestra de qualificao de tese) A demncia, segundo Machado (2002), pode ser definida como uma sndrome
caracterizada pelo comprometimento de mltiplas funes corticais superiores. Entre os
dficits cognitivos, incluem-se os da memria, do pensamento, da orientao, da
compreenso, da linguagem, do clculo, da capacidade de aprendizagem, do pensamento
abstrato e do julgamento. A deteriorao no necessariamente difusa nem global e o
comprometimento das funes cognitivas usualmente acompanhado e, s vezes,
antecedido por alteraes psicolgicas, do comprometimento e da personalidade. Em
essncia, a Doena de Alzheimer o resultado do mal funcionamento do crebro
provocado pela m configurao de duas protenas chamadas amiloide beta e tau.
De acordo com o Manual Diagnstico e Estatstico de Transtornos Mentais - DSM-IV
(1995), a caracterstica principal de uma demncia o desenvolvimento de mltiplos
dficits cognitivos, que incluem comprometimento da memria e pelo menos uma das
seguintes perturbaes: afasia, apraxia, agnosia ou uma perturbao do funcionamento
executivo. O incio da demncia do Tipo Alzheimer gradual e envolve declnio
cognitivo contnuo. Na maioria dos casos, uma atrofia cerebral est presente na Demncia
do Tipo Alzheimer, com sulcos corticais mais largos e ventrculos cerebrais maiores do
que seria de se esperar pelo processo normal de envelhecimento. (DSM-IV, 1995, pp.
136-137)
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11 1.2 SINTOMAS E EVOLUO
A Doena de Alzheimer resulta numa vagarosa, mas progressiva, deteriorao do
funcionamento intelectual e fsico. Os sintomas so, no incio, to sutis e o seu incio to
gradual que a pessoa portadora de D.A. e a famlia pode nem perceber que h algo errado.
Embora o declnio fsico possa ocorrer, a doena geralmente resulta numa deteriorao
mental muito mais rpida do que a fsica se no houver outra complicao devido a outra
doena. Alzheimer uma doena idiossincrtica: cada experincia da pessoa portadora de
D.A. de alguma forma diferente. Apesar disso, certos sintomas ocorrem com bastante
freqncia para serem chamados tpicos da doena que todas as pessoas por ela acometidas
atravessam.
Inicialmente a pessoa portadora de D.A. apresenta perda da memria recente, enquanto
mantm intacta a memria de longa data, e perda da linguagem, que levam ao abandono de
passatempos como a leitura, o jogo de cartas, evoluindo at o afastamento social. Nessa
fase ainda consegue executar atividades bsicas da vida diria, mantendo-se independente.
Na fase moderada aumenta o comprometimento intelectual e o paciente passa a necessitar
de assistncia para realizar tanto as atividades instrumentais como as atividades bsicas
dirias. Paralelamente, pode ocorrer alteraes do comportamento, confuso, agitao,
agressividade, alterao do sono. Na fase avanada o paciente geralmente fica acamado, a
comunicao se inviabiliza e ele passa a necessitar de assistncia integral. Pode apresentar
dificuldades de deglutio, sinais neurolgicos, incontinncia urinria e fecal. Essa fase
marcada pela trade: Afasia (dificuldade ou perda da capacidade para ler ou compreender a
linguagem falada, escrita ou gestual), Apraxia (incapacidade para efetuar movimentos
voluntrios) e Agnosia (perda da capacidade para reconhecer os objetos e para que
servem). O tempo que as pessoas portadoras de D.A. levam de um estgio para outro varia
e duas pessoas no mesmo estgio podem ter sintomas diferentes e imprevisveis. (Dantas,
2002)
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12 1.3 DIAGNSTICO E TRATAMENTO
O diagnstico da Doena de Alzheimer (D.A.) complexo e feito por excluso de
outras doenas com caractersticas semelhantes. Ainda no h exames capazes de detectar
a doena com preciso, por isso, a identificao feita por meio da avaliao completa do
paciente, o que inclui anlise clnica, avaliao neuropsicolgica, exames laboratoriais e
ressonncia magntica do crebro, este ltimo tem como funo excluir a presena de
outras demncias. Da a importncia de ter o acompanhamento mdico, com Geriatra ou
Neurologista, desde o aparecimento dos primeiros sintomas. Ainda no existe tratamento
estabelecido que determine a cura ou reverta a deteriorao causada pelo D.A., entretanto,
o uso de medicamentos associado a estratgias de atendimento multidisciplinar apontam
para aliviar os dficits cognitivos e as alteraes de comportamento, bem como a melhoria
da qualidade de vida do paciente e sua famlia. sabido que quanto mais se mantiver o
indivduo integrado famlia, menos complicaes ele vai ter e seu espao social ser
mantido (Sade e vida on line, 2005).
O tratamento multidisciplinar objetiva complementar o tratamento farmacolgico na
DA e nesse contexto destacam-se: treinamento cognitivo, tcnica para melhor estruturao
do ambiente, orientao nutricional, programas de exerccios fsicos, orientao e suporte
psicolgico aos familiares e cuidadores.
Sendo a perda paulatina da memria explcita a principal dificuldade na fase inicial da
doena, a prioridade da maioria das intervenes propostas estabelecer seu uso mais
eficiente atravs de repetio e treinamento, estratgias de aprendizagem e estratgias
compensatrias. Para tanto so utilizados agendas, blocos de notas, cartazes, despertadores,
entre outros, visando contornar os problemas de memria.
A terapia de orientao da realidade tem como princpio apresentar ao paciente, de
forma organizada e contnua, dados de realidade, criando estmulos ambientais que
facilitem a orientao e levando o paciente a engajar-se em interaes sociais e melhorar a
comunicao atravs do fornecimento de informao contnua, sinalizaes no ambiente,
linguagem clara ou no verbal e treinamento de habilidades cognitivas.
A terapia de reminiscncias, que uma variao da terapia de orientao da realidade,
tem como objetivo estimular o resgate de informaes por meio de figuras, fotos, jogos,
msicas e outros estmulos relacionados juventude do paciente.
Outro tipo de interveno fundamental a realizada com as famlias, pois a qualidade
de vida de pacientes com demncia depende daqueles que so responsveis por seu
cuidado. O trabalho de grupo visa ajudar a famlia a lidar melhor com a sobrecarga
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13 emocional e ocupacional gerada pelo cuidado intensivo e dar subsdios para a famlia
ajudar o paciente com suas dificuldades.
Como se trata de uma doena que tem crescido de forma acelerada, os meios
cientficos tm envidado esforos no sentido de sua preveno e tratamento a fim de que
daqui a algumas dcadas a Doena de Alzheimer no se transforme em uma terrvel
epidemia, situao essa incompatvel com uma ecologia social equilibrada.
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14 1.4 CURIOSIDADES
A Organizao Mundial da Sade OMS e a Federao Internacional de Alzheimer
ADI, com o objetivo de difundir informaes sobre a doena e conscientizar a sociedade e
as famlias sobre esta enfermidade, instituram o dia 21 de setembro como o Dia Mundial
da Doena de Alzheimer;
A D.A. uma doena que atinge cerca de 25 milhes de pessoas em todo mundo e, no
Brasil, cerca de um milho e duzentas mil;
erroneamente conhecida pela populao como esclerose ou caduquice;
Embora no seja hereditria, os parentes biolgicos em primeiro grau de indivduos
com Demncia do Tipo Alzheimer, com incio precoce, esto mais propensos a
desenvolver o transtorno. Os casos de incio tardio tambm podem ter um componente
gentico. Em algumas famlias a D.A. herdada, como um trao dominante com ligao a
vrios cromossomos, incluindo os cromossomos 14, 19 e 21. (DSM-IV, 1995);
Pessoas portadoras de Sndrome de Down tm grande probabilidade de desenvolver a
Doena de Alzheimer;
Estudos levados a efeito apontam para o fato de que pessoas que ao longo da vida
cultivam sua inteligncia, com estudos e atividades intelectuais, vo ser mais resistentes a
perder as faculdades mentais ao chegarem aos 70-80 anos, quando as leses do Alzheimer
se fazem presentes nos crebros. Essa atividade mental resulta numa reserva cerebral e
cognitiva que as vai dotar de maior neuroplasticidade, ainda que a D.A. j se avizinhe.
(Martinez Lage, 2002);
Em 02/03/2005 foi aprovada, pela Cmara dos Deputados do Brasil, a Lei de
Biossegurana que permite pesquisas com clulas-tronco que tornaro possvel tratar vrias
doenas como o cncer, leso de medula espinhal, cardiopatias, reconstituio de pele,
ossos e dentes e doenas genticas e crnico-degenerativas como Alzheimer e Parkinson
(Correio Braziliense, 4 de maro de 2005, p. 13).
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15 1.5 COMO A DOENA DE ALZHEIMER ATINGE A FAMLIA
A famlia o primeiro grupo no qual o homem est inserido, ou seja, a rede inicial de
relaes de um indivduo, que funciona como uma matriz de identidade, dando-lhe a
possibilidade de sentir-se pertencente a um grupo especfico e tambm de ser separado e
ter participao em subsistemas e grupos sociais externos. Sendo assim a famlia pode ser
entendida como um sistema, em que o todo maior que a soma das partes. Isto significa
dizer que cada elemento da famlia participa em diversos sistemas e sub-sistemas,
ocupando em simultneo diversos papis em diferentes contextos. O tipo de relaes que
se desenvolve entre e no interior de cada um dos subsistemas, coincide com a estrutura da
famlia, ou seja, com a organizao de seus elementos e respectivas funes e papis
(quem, com quem, para fazer o qu, como, quando e onde). O ciclo vital da famlia
caracteriza-se por cinco fases: casamento o casal assume o compromisso de ajustar-se
mutuamente; nascimento marido e mulher assumem os papis parentais; individuao
independncia das geraes mais jovens da famlia; partida dos filhos autonomia das
geraes mais velhas; integrao do luto enfrentamento de perdas diversas (Relvas,
2000).
Ao se tratar de famlia, os conceitos de tempo e mudana devem ser revistos. Sendo a
famlia um organismo vivo, o pulsar, a mudana, permanente, o tempo expresso no
ritmo do dia-a-dia e das fases por que cada famlia vai passando, j a mudana indica que a
idia de que a cada momento de transformao seguem-se momentos de estabilidade
absoluta inaceitvel (Relvas, 2000).
Na atualidade, a famlia possui uma significao que extrapola o tringulo pai, me e
filhos consangneos. Para alm da concepo biolgica, pode prevalecer uma ligao
subjetiva entre os membros, resultado das diversas composies que as famlias vivem.
Dias (1992) aponta para o fato de que o que liga uma pessoa a outra na famlia so os laos
de parentesco e/ou afinidade. A composio familiar depende do ponto de vista da pessoa e
pode variar; por exemplo, quando numa famlia um amigo mora na mesma casa, este pode
ser considerado da famlia, ao passo que a relao entre irmos consangneos pode ser
distante e sem afeto.
Seja qual for a configurao familiar, importante que a pessoa portadora de D.A.
saiba qual a sua famlia uma vez que os familiares funcionam como pontos de referncia.
Os cuidados prestados por este grupo so de extrema importncia para o enfrentamento da
doena uma vez que o sistema fica abalado e a famlia via de regra precisar recorrer a seus
recursos internos e externos para atuar com a doena (Dias, 1992).
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16 Frente situao de crise ocasionada pela doena e pelas limitaes por ela causadas a
famlia pode apresentar trs tipos de reao: primeiro uma reao com o intuito de resgate
de seu estado anterior. No caso das doenas crnicas e progressivas, esse estado anterior
no pode ser resgatado exigindo que a famlia alcance uma outra identidade no processo de
acomodar a enfermidade. O segundo tipo de reao a paralisao frente ao impacto da
crise que proporcional importncia que o indivduo possua no equilbrio dinmico do
sistema. O terceiro tipo quando o sistema identifica benefcios advindos da crise e se
mobiliza para mant-la. O doente colocado como bode expiatrio, sendo o depositrio de
todas as patologias das relaes dentro da famlia. No caso da doena crnica, tambm o
paciente ter dificuldades em se adaptar nova realidade, com suas limitaes e perdas,
devido ao fato de o sistema no abrir espao para que ele se coloque (Santos & Sebastiani,
2001).
Rolland (1998) descreve uma tipologia psicossocial que auxilia na identificao de
respostas e reaes familiares, baseada no impacto psicolgico, s diferentes caractersticas
e etapas da doena crnica, mencionando algumas reaes esperadas para cada fase.
Segundo esta descrio se o incio da doena ocorrer de forma aguda vai exigir que a
famlia se instrumentalize com mais rapidez diante da crise do que se o aparecimento for
gradual, e tero maior facilidade as famlias que toleram estados afetivos carregados,
utilizam recursos externos e possuem flexibilidade para troca de papis. Quando o curso
progressivo, a doena constantemente sintomtica e as limitaes tendem a aumentar
com severidade. A tenso vivida pela famlia crescente assim como os cuidados em
relao ao doente. A adaptao contnua, j que as limitaes do paciente ocorrem de
forma progressiva, podendo levar a famlia exausto. Os familiares se desgastam com os
cuidados e necessitam de apoio para lidar com as alteraes bruscas de comportamento do
doente provocadas pelas alteraes das funes intelectuais de base, no reconhecem a
pessoa em que o paciente se tornou; no se habilitam emocionalmente com as alteraes
definitivas da doena e para decidir o momento ideal de internao. Tudo isso provoca um
abalo no sistema emocional familiar. O grau de incapacitao que a doena gera vai
determinar o stress da famlia. O estresse sofrido vai depender do papel que esse indivduo
tinha na famlia antes da enfermidade, de como ela tem que reorganizar as funes, os
recursos disponveis e sua flexibilidade diante dos vrios papis de cada um. H mudanas
nos papis, nas funes e em todo o funcionamento do sistema que, em meio ao caos,
busca formas de adaptao. As fronteiras entre os membros tendem a se redefinir,
mudando toda a estrutura a que a famlia est acostumada a funcionar. H uma demanda
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17 para que todos, num esforo contnuo, auxiliem na adaptao para busca de um novo
funcionamento (Guterman & Levcovitz, 1998).
Segundo reportagem da Revista Veja (9 de maro de 2005) foi constatado que em cerca
de 2 milhes de lares brasileiros existe um adulto responsvel pelo cuidado de um parente
idoso portador de doenas tpicas da velhice. Essa situao traz em seu bojo as dificuldades
enfrentadas tanto em relao aos integrantes da gerao mais nova (filhos, netos e
cnjuges) quanto em relao ao idoso. Como no sabem quanto tempo a situao perdurar
e tampouco inicialmente como envolver os demais familiares nos cuidados necessrios, a
pessoa que precisa assumir o cuidado fica dividida entre o sentimento de culpa por no
poder atender os dois lados de maneira efetiva e tambm passa a se sentir usada e
injustiada pois muitas vezes tem que abandonar suas atividades de lazer e s vezes o
trabalho. So freqentes os desentendimentos entre os cnjuges e as cobranas dos filhos,
que sentem suas demandas colocadas em segundo plano. Entre os vrios depoimentos
colhidos pela reportagem est o da dentista Andra Santiago Cordeiro, 37 anos, que cuida
do pai, Luiz Gonzaga, de 84 anos, que tem Alzheimer, e do filho, Marcelo, de 8 anos:
Convenci meu pai a vir morar comigo h um ano e meio, quando ele comeou a se perder
na rua. S ento percebi como ele estava doente. Foi um caos. Ele, que sempre foi amvel
com o neto, passou a agredi-lo, e meu filho ficou apavorado, sem entender o que estava
acontecendo. Meu pai comeou a ter cime do meu filho e passou a agir pior que criana
para chamar minha ateno. Se me dedico mais a meu pai, meu filho quem fica
enciumado e pergunta: Por que voc est cuidando mais dele do que de mim? Um dia
quando meu filho crescer, ele vai entender o que est acontecendo hoje. Lamento que isso
nunca v ocorrer com meu pai. (p. 65) complicado ter que cuidar de duas geraes,
administrar seus prprios anseios e incumbir-se bem da tarefa de cuidar de um idoso, que
por ser difcil, cansativa, fatalmente acarreta conflitos emocionais e sintomas
psicossomticos tais como dores musculares, dor de cabea, insnia, problemas
gastrointestinais e fadiga. Segundo pesquisa desenvolvida pela filial brasileira International
Stress Management Association - Isma, as pessoas submetidas dupla responsabilidade,
por exemplo, quando o familiar alm de trabalhar tambm se ocupa do cuidado do doente,
encontram dificuldade para se concentrar no trabalho, apresentam alto ndice de
absentesmo no trabalho e queda na produtividade. um problema social para o qual as
famlias no esto preparadas, ainda mais levando-se em conta que a expectativa de vida
daqui a vinte anos ser de 75 anos e o pas ter 30 milhes de idosos (Revista Veja de 9 de
maro de 2005). Cabe aqui uma reflexo sobre o impacto provocado nessa rea da vida do
-
18 cuidador: ser que o Empregador est preparado ou interessado em aceitar esse
trabalhador, levando-se em conta a sociedade capitalista em que vivemos?
Envelhecer um processo natural da vida que pode ser experienciada com qualidade,
entretanto, tambm uma fase em que podem aparecer doenas caractersticas, tais como o
Mal de Alzheimer, da a premente necessidade de uma conscientizao, de um preparo
para enfrentar o envelhecimento, tanto no mbito individual quanto social. Estudos sobre
as mudanas no curso da vida e relaes intergeracionais apontam que o crescimento da
populao idosa em virtude do prolongamento da vida humana um dos fenmenos
marcantes do sculo XX, entretanto, esse ganho coletivo traz consigo um perigo
reproduo da vida social uma vez que o Estado no oferece condies de assumir os
custos de aposentadorias e cobertura de planos de sade. No Brasil essa situao chega a ser catica porque aqui as famlias no contam com qualquer tipo de rede de suporte de
sade ou social, a despeito da Poltica Nacional de Sade do Idoso, (regulamentada pela
Portaria n 1.395, de dezembro de 1999) e da Portaria n 703/GM/2002, esta ltima criada
para dar cobertura a um programa de assistncia a portadores de Doena de Alzheimer e
suporte a seus familiares dentro do mbito do Sistema nico de Sade SUS. Infelizmente
apenas a distribuio gratuita de remdios, assim mesmo de forma irregular, que
conseguiu ser implantada, at o momento (Santos & Rifiotis, 2003). No sem razo que
ainda perduram concepes pessimistas da velhice que apontam para a pessoa considerada
velha, no Brasil, como uma vtima do sofrimento, discriminada, empobrecida, isolada,
dependente da famlia ou do Estado. Entretanto, a tendncia contempornea nas sociedades
ocidentais a inverso da representao da velhice como um processo de perdas e a
atribuio de novos significados aos estgios mais avanados da vida, que passam a ser
tratados como momentos privilegiados para novas conquistas, em busca do prazer. No
Brasil os especialistas no envelhecimento, os gerontlogos, tm buscado implantar
programas que visam ao resgate da auto-estima e integrao do idoso nos diversos
segmentos da sociedade numa tentativa de rever os preconceitos com que vista a velhice
em nossa sociedade (Debert, 1992).
Outro fator preponderante a dificuldade de enfrentar a inevitabilidade da morte.
Apesar do jargo de que a nica certeza que temos na vida a morte, todos a tememos e
evitamos coment-la, como se ela estivesse muito distante de ns. O ato de morrer um
ato biolgico que rege toda a nossa vida, e esse terror s existe na raa humana e apenas
tenuemente no reino animal, na viso de Bailey (1998). Ainda sob ponto de vista da autora
o medo da morte se baseia em: terror dos processos finais de rompimento, no ato da
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19 prpria morte; horror do desconhecido e do indefinvel; dvida quanto imortalidade final;
infelicidade em deixar os entes queridos ou de ser por eles deixado; antigas reaes a
mortes violentas, guardadas no subconsciente; apego vida da forma, e mente identificada
com o lado formal das coisas; introjeo de ensinamentos relativos a cu e inferno,
desagradveis para certos temperamentos.
Um mecanismo psicolgico que muitas vezes nos protege do sofrimento, a negao
do conhecimento de um fato que nos incomoda. Quando um diagnstico da D.A.
apresentado, tanto a pessoa que est acometida da doena quanto seus familiares se vem
diante de uma morte anunciada. Terminal todos ns somos, s que quem tem o diagnstico
da D.A. fica em evidencia e sem saber quanto tempo durar o processo, podendo o
cuidador vir a morrer antes do doente. Muitos pacientes recorrem negao da Doena de
Alzheimer e se essa postura no os leva a recusar tratamentos necessrios, deve ser
respeitada. Elizabet Kbler-Ross, psiquiatra sua, em seu livro Sobre a Morte e o Morrer:
o que os doentes terminais tm para ensinar a mdicos, enfermeiros, religiosos e aos seus
prprios parentes (2002) descreve os estgios que muitos dos pacientes percorrem desde o
recebimento de um diagnstico maligno at a aceitao - que nem sempre acontece,
principalmente se no dada a chance para o paciente expressar seus sentimentos. As fases
que o paciente terminal pode percorrer so: 1) negao, 2) raiva, 3) barganha, 4) depresso
e 5) aceitao. Ao negar a chance de falar a respeito da morte, profissionais e parentes
muitas vezes esto evitando o confronto com a sua prpria finitude e com o fato de que
chegar a vez de cada um se despedir da vida e daqueles que continuaro a viver. Debater
o tema poderia ajudar a reduzir o nmero de acidentes provocados conscientemente como
forma de reao ao diagnstico, como, por exemplo, o grande ndice de pessoas que se
excedem em drogas (lcitas ou no) antes de dirigir, se acidenta e morre; bem como
poderia ajudar a mudar comportamentos sexuais, provavelmente daqueles que adotam
relaes sexuais sem usar preservativos, se expondo mais ao risco de contrarem doenas
sexualmente transmissveis, erigiram defesas para combater a angstia de morte. Tais
comportamentos, incompreensveis diante da quantidade de informaes de que se
dispem hoje em dia, mostram o quanto jovens e adultos podem fantasiar que so
inatingveis e invulnerveis, ou que - em alguns casos - escondem a crena de que so
especialmente "protegidos" por Deus. Desta forma, comportamentos de risco que, a
princpio, so interpretados como desejos suicidas podem, na verdade, ter por trs a crena
de que se um indivduo especial, que se est a salvo, e cuja morte s ocorrer quando
-
20 tiver vivido muito, e de forma suave. No entanto, nunca tarde para lembrar: ningum est
a salvo de morrer.
Alm da viso existencialista, focada no aqui-e-agora, uma abordagem holstica em
psicoterapia no exclui as tradies religiosas e seus ensinamentos acerca do momento em
que o corpo morre e a alma se liberta. E bom lembrar que cientistas j provaram que a
matria nada mais do que energia condensada. Assim, no se pode mais negar a
existncia de alma - sem alma, o corpo apenas um cadver... Para onde esta alma ir,
depois de deixar a matria? O cuidado e preparo que dedicamos para quando tivermos de
deixar esta vida, partindo em direo do que parcialmente desconhecido, decerto nos
ajudaro - tanto a ter uma existncia mais autntica e menos temerosa, quanto tambm
ajudaro pessoas nossa volta a lidarem melhor com a terminalidade - presente que todos
os existentes recebemos ao nascer. Cada pessoa adoecida que chega traz suas crenas,
herana de famlia ou de sua prpria escolha: todas devem ser acolhidas. O consultrio
pode - e deve - ser um lugar para se falar destas dvidas, angstias e medos que todos
temos, sem medo de ser julgado ou criticado pelo terapeuta, com uma viso diferente da
sua (Kbler-Ross, 2002).
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21 1.6 A ESCOLHA DO CUIDADOR
Quando do acometimento da Doena de Alzheimer em um de seus membros, a vida
familiar sofre uma reviravolta que se assemelha invaso provocada por um tsunami. H
mudanas nos papis, onde os filhos passam a cuidar dos pais, nas funes e em todo o
funcionamento do sistema que, em meio ao caos, busca formas de adaptao. As fronteiras
entre os membros tendem a se redefinir, mudando toda a estrutura a que a famlia est
acostumada a funcionar. O aparecimento da doena faz com que a rotina familiar sofra
mudanas e altere fortemente o psiquismo de sua constelao. Quase que
inconscientemente o grupo familiar elege um membro, que se deixa colocar no lugar de
cuidador, aquele que vai cuidar do outro que foi atingido pela doena, auxiliando-o em
suas atividades da vida diria e que tambm vai ser alvo das dores produzidas na famlia,
tendo que suportar as exigncias impostas pela D.A., pela famlia e por si mesmo. Essa
escolha na maioria das vezes recai sobre um membro da famlia que j mora com o idoso,
um familiar prximo que no incio tambm acha que essa misso naturalmente sua. O
que ele no sabe o que o espera nem o quanto lhe ser exigido. Quem mais assume o
papel de cuidador responsvel so as mulheres: a esposa, a filha, a irm, a sobrinha, a
cuidadora profissional, a enfermeira.
Com a expectativa de vida rondando os 80 anos j se fala em 4 idade e cabe aqui um
esclarecimento sobre um dos mitos que acompanham o envelhecimento: o do abandono
familiar na fase da velhice. Algumas estatsticas apontam para o fato de que a maior parte
dos adultos com mais de 65 anos vivem com os familiares e que s 4% vivem em
instituio cuja idade mdia de admisso de 80 anos. No que se refere prestao de
cuidados 2/3 dos idosos (americanos) vivem com a famlia e por ela so tratados. Estes
dados levantam uma questo interessante que o papel da mulher na dinmica familiar
nesta fase. Se numa famlia existe normalmente um prestador de cuidados principal
(ajudado ou no) a proporo de duas mulheres para cada homem, como indica Relvas
(2000). O idoso do sexo masculino , na maior parte das vezes, tratado pela mulher, com
65 anos ou mais, ou pelas filhas e noras com idades entre 55 60 anos. Parece haver, em
lugar de abandono, uma alterao na questo de quem cuida de quem, resultante da
evoluo scio-cultural e demogrfica, mas em que o papel da mulher mantm-se como
fundamental. Essa mais uma questo cultural visto que, em nossa sociedade, a mulher,
desde pequena, ensinada a cuidar do outro, seja atravs da observncia de um modelo
parental, seja quando lhe imposta a responsabilidade pelo cuidado de um irmo mais
-
22 novo. Na seqncia, medida que se desenvolve -lhe atribuda a funo de cuidar da casa,
mais tarde do companheiro, dos filhos e netos.
-
23 1.7 IMPACTO NA VIDA DO CUIDADOR
O desenvolvimento de distrbios de comportamento um dos problemas que emergem
durante a evoluo da doena. Assim, a vida do cuidador passa a ser influenciada tanto
pelos aspectos cognitivos como comportamentais da demncia. Existem ainda os aspectos
objetivos e subjetivos que provocam interferncia. O primeiro refere-se s dificuldades
sociais advindas do ato de cuidar do paciente, quais sejam, rotina do lar, relaes
familiares, relaes sociais, lazer, finanas; o segundo diz respeito ao stress fsico e mental
sofrido pelo cuidador e demais familiares. Sentimentos de raiva, fadiga, falta de esperana,
solido, so comuns. O desenvolvimento de quadros depressivos e ansiosos bem como a
deteriorao das condies fsicas esto em relao direta com a presena dos transtornos
psiquitricos apresentados pelos pacientes. A insatisfao do cuidador com a assistncia
recebida de parentes ou amigos, as muitas horas de cuidado dirio devido a dificuldade do
paciente em realizar tarefas rotineiras, resultam numa situao sentida como um fardo pelo
cuidador. Em contrapartida, apesar da sobrecarga, muitos cuidadores se sentem
gratificados com os aspectos do cuidar. Pode-se inferir que uma das razes que
determinam essa disposio seja a firme convico de que h doenas incurveis, mas no
h doentes intratveis. o pleno exerccio da compaixo, o sair de seu mundo particular
para ir ao encontro do Outro, com ele sofrendo, alegrando-se, responsabilizando-se, numa
vivncia de fraternura (Boff, 1999, p. 86). Outro motivo seria o sentimento de
solidariedade, caracterstica humana que leva a atitudes de altrusmo, exaltada pela cultura
crist, independente de racionalizaes que muitas vezes levam indiferena e
paralisao frente a situaes que urgem providncias. Pode-se, ainda, aventar a hiptese
de que o cuidado amoroso para com seu semelhante ajuda a superar a tristeza provocada
pela constatao de seu declnio gradativo, bem como ao aprendizado de v-lo como hoje
e no como era no passado. Essa capacidade de atualizao do sentimento inerente ao ser
humano e conforme nos ensina Boff (1999) quando vivenciamos o fascnio do amor...
fazemos da pessoa amada uma divindade, transformamos a dureza do trabalho numa
prazerosa ocupao (p. 150).
Nem todas as pessoas so talhadas para serem cuidadoras e aqueles que se vem
compelidos a assumir tal misso muitas vezes esto procura de si no espelho do Outro,
para alm dos valores interiorizados, ou mesmo, encontram nessa atitude uma maneira de
ganhar ateno e considerao por parte de pessoas que por eles so supervalorizadas
(Romero, 1994) .
-
24 A partir do momento em que uma pessoa vtima de uma condio comportamental,
emocional ou psicolgica decorrente de uma exposio prolongada de vivncia de uma
srie de situaes opressivas que inviabilizam a manifestao de sentimentos e a discusso
direta de problemas pessoais e interpessoais, est vivenciando uma relao de co-
dependncia. natural desejar proteger e ajudar as pessoas que nos so caras; de alguma
forma somos afetados e reagimos aos problemas dessas pessoas. O aspecto patolgico
dessa relao transparece a partir do momento em que o problema comea a afetar-nos a
ponto de paralisar nossas vidas, tornando-nos cronicamente preocupados, isolados,
depressivos e at doentes fisicamente (Beattie, 1999). Por vezes o cuidador v-se preso em
uma situao como esta e, por mais que procure sadas, no as encontra. Sem saber ao
certo como resolver tal problemtica pode desenvolver uma srie de doenas emocionais e
at mesmo fsicas em decorrncia do desconhecimento de algo bem simples: precisa
aprender a cuidar de si mesmo antes de se dispor a cuidar de outrem. Em entrevista
Revista poca (17 de janeiro de 2003) o Psiclogo Vicente Parizi descreveu o co-
dependente como uma pessoa que se desenvolveu em uma famlia disfuncional, onde
recebeu mensagens controversas emitidas pelos pais, como, por exemplo, estou batendo
em voc porque o amo. A co-dependncia tambm se apresenta em adultos que, quando
jovens, presenciaram situaes de conflito entre familiares ou eram usados por um dos pais
para obter coisas junto ao outro. Segundo o especialista, em nossa cultura de tradio
judaico-crist que estimula o altrusmo, o sacrifcio e a culpa em todos, existe uma enorme
presso para que a mulher assuma papis que, se extremados, podem levar co-
dependncia. Como j citado anteriormente, a mulher criada para ser mais doadora, mais
maternal, e isso a deixa mais suscetvel.
A referncia aqui feita a este tipo de comportamento reside no fato de que a co-
dependncia psicolgica pode estar presente na relao que o cuidador mantm com a
pessoa adoecida e que pode vir a implicar em muitos prejuzos sua vida emocional e
psquica. A ajuda que o Psiclogo pode emprestar neste caso de extrema importncia
pois dar um norte ao cuidador.
Um aspecto importante a salientar quanto a questo financeira uma vez que a D.A.
uma doena dispendiosa dada a multiplicidade de profissionais envolvidos (Geriatra,
Neurologista, Psiquiatra, Nutricionista). A famlia, o cuidador, deve preparar-se para as
despesas da decorrentes, inclusive procurando orientao quanto aos aspectos jurdicos da
questo.
-
25 1.8 ATITUDES BENFICAS PARA COM A PESSOA PORTADORA DE DOENA DE
ALZHEIMER
Cuidar de algum pressupe contato, proximidade, encontro, disposio para amar.
De acordo com a Associao Portuguesa de Familiares e Amigos de Doentes de Alzheimer
(2003) algumas atitudes podem propiciar uma melhor qualidade na relao entre o
cuidador e a pessoa portadora de D.A., que esto descritas a seguir.
O cuidador, no dia a dia deve procurar simplificar as atividades: ao solicitar ajuda do
idoso deve dar instrues simples. Se o idoso ainda til nas tarefa de casa, deve pedir-lhe
ajuda, dar-lhe tarefas simples, faz-lo sentir-se til, agradecer pela ajuda prestada. Isto
poder elevar muito a sua auto-estima.
Encorajar sempre o riso. O bom humor a melhor maneira de contornar a confuso e o
mal-entendido. Evitar levar preocupaes e tristezas ao idoso. Deix-lo frustrado no ajuda
em nada, e poder piorar seu estado geral.
Ao mostrar e tocar objetos, retratos e quadros, o cuidador pode ajudar a estimular a
memria e a melhorar a conversa. A msica pode ser um excelente modo de comunicao,
ajudando o idoso a recordar sentimentos, pessoas e situaes mais antigas.
No falar do idoso na frente de terceiros, como se ele no estivesse presente. No o
tratar como uma criana ou que se ele estivesse doente, de modo a que o idoso se sinta
minorado e com a dignidade e auto-estima lesadas.
Sempre que possvel continuar com as atividades sociais de modo natural: visitar
familiares e amigos, passear, deix-lo brincar com os netos ou outras crianas e cuidar de
pequenas tarefas que no ofeream perigo para ele, etc. Ouvir msica, danar, cuidar dos
animais de estimao poder ser teraputico.
fundamental manter a rotina do idoso com demncia. Fazer as coisas em horrios
certos e faz-las sempre na mesma seqncia ajuda o idoso a lembra-se dos seus hbitos.
Frente agressividade, que pode manifestar-se por ameaas verbais, destruio de
objetos prximos ou mesmo violncia fsica, o cuidador deve procurar entender que isso
acontece porque a pessoa adoecida sente-se incapaz de realizar tarefas simples como, por
exemplo, lavar-se e vestir-se sozinha; reconhece que est perdendo a independncia e
privacidade e assim vive sentimentos de frustrao; porque no compreende bem o que se
passa em redor e fica confusa; porque no consegue identificar pessoas ou lugares; porque
ouve muito barulho ou porque um rudo sbito causou-lhe medo; porque experimenta
angstia, ansiedade ou at alguma dor fsica e no consegue expressar-se (pode rir ao invs
de reclamar); porque pode ter algumas alucinaes que a amedrontam.
-
26 1.9 CUIDANDO DO CUIDADOR
Eu gostaria de enfatizar aos incansveis acompanhantes, que eles no podem
negligenciar suas prprias necessidades dedicando todo o seu amor aos seus seres amados.
Os acompanhantes esto sofrendo tambm inevitavelmente, pois eles querem
desesperadamente salvar seus parentes queridos... Infelizmente seus entes queridos no se
recuperaro jamais... mas eles podem se recuperar (Caring, 1991).
Muito embora a pessoa acometida pela D.A. possa muitas vezes encontrar-se em um
estado confusional no incio da doena, esse fato no impede que perceba subjetivamente o
nvel de estresse daquele(s) com quem se relaciona diretamente. Um olhar, uma entonao
de voz irritada, um gesto, nada passa despercebido e influencia de forma direta em seu
estado geral. Um primeiro pensamento perpassado de velada cobrana que pode ocorrer,
tanto por parte dos familiares quanto da equipe mdica, : se o cuidador familiar no se
encontra em boas condies devido ao intenso desgaste provocado pela doena, como fica
a sade e o cuidado do idoso adoecido e dependente, uma vez que sua qualidade de vida
est ligada diretamente qualidade de vida de seu cuidador? Naturalmente no se est
falando aqui de exigir para alm do que o cuidador pode oferecer uma vez que a D.A.
uma doena que atinge toda a famlia, e at j foi chamada doena da famlia. H que se
levar em considerao a subjetividade da pessoa envolvida nesse papel e suas mltiplas
configuraes e questionamentos. Fala-se muito da necessidade de se cuidar do cuidador,
mas quem o faz? Ser que ele, o cuidador, se permite? Boff (1999) pontua que necessrio
que o ser humano volte-se sobre si mesmo e descubra seu modo-de-ser-cuidado e
acrescenta cuidar do corpo de algum, prestar ateno ao sopro que o anima (p. 142).
Como o cuidador lida com os sentimentos de culpa que o assomam por delegar a terceiros
parte dos cuidados a que ele se impe, pela necessidade de presentear-se com momentos de
lazer, por admitir que quer/precisa afastar-se e ter vida prpria? E em no o fazendo, como
se sente abrindo mo de sua vida, sentindo raiva, revolta e tristeza? Py (2004) pontua que o
confronto com os sentimentos hostis na cena do cuidado tambm fonte de reconstruo
de ideais, cujo destino a expanso de uma generosidade libertadora (pp. 210-211). O
cuidador deve ser visto como mais um elo na cadeia de apoio a que est sujeita a pessoa
adoecida, da que o ato de delegar no quer dizer sua sada de cena, mas favorecer sua
integrao junto queles que se dispem a colaborar. Delegar obra de arte e renncia
(Py, 2004, p. 218). A generosidade libertadora se faz presente na ruptura da dade pessoa
acometida de D.A. cuidador, que realiza a abertura para a entrada de outros. Quanto aos
sentimentos de raiva, frustrao, medo, desamparo, etc. destinam-se no propriamente
-
27 pessoa adoecida mas prpria doena que, em sua marcha inexorvel, conduz morte. H
um luto antecipado em processo frente s perdas que se vo acumulando no caminho, um
confronto com a prpria vida, com a possibilidade de vir a adoecer, com a prpria morte
(Py, 2004).
Alguns aspectos psicolgicos do cuidador por lhe estar sendo exigido cuidar: o
cuidador muito embora esteja imbudo de profundo sentimento de solidariedade, v-se
cobrado no apenas pelos familiares, como tambm, pela equipe multidisciplinar com a
qual tem de lidar. Independentemente da necessidade de dispensar o cuidado pessoa
portadora de D.A. existem fatores que abalam emocionalmente como, por exemplo, o
constrangimento de um filho tendo que executar a assepsia de sua me ou de uma filha
frente a seu pai. O dilema se faz presente, mas, h premente uma necessidade de superao
que faz com que esse(a) filho(a) tomado pelo amor leve a termo sua misso. Boff (1999)
faz uma anlise do amor como fenmeno csmico e biolgico e enfatiza que quando h um
acolhimento consciente do outro cria-se condies para que o amor se instaure como o
mais alto valor da vida.
A atuao junto ao cuidador deve sempre ser no sentido preventivo, da ser essencial
fornecer-lhe todas as informaes sobre a D.A., como se manifesta, os sintomas, como se
d a evoluo, como agir em determinadas situaes. Planejar o trabalho do cuidador
outro fato importante, pois ele tem direito de receber ajuda dos demais familiares,
descansar, sair de frias, receber afeto, carinho e considerao por tudo o que faz, ter
tempo livre para cuidar de seus prprios problemas.
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28 1.10 GRUPOS DE APOIO
A finalidade da interveno em grupo, para os familiares cuidadores, a de ajudar os
membros a lidar com acontecimentos desgastantes da vida, e ajud-los a crescer e a
evoluir, medida que vo avanando pelas vrias fases de transio da doena. (Humbach,
M. & Apel, M., 1990). O grupo apia o cuidador a assumir a difcil tarefa de prestar
cuidados a um familiar com Alzheimer. Esta tarefa estressante traz sobrecarga, o que pode
diminuir as reservas do cuidador em se adaptar situao. Para alm disso, a situao da
prestao de cuidados conduz freqentemente a uma falta de apoio social aos membros da
famlia, ou aos amigos que no compreendem a situao do cuidador e se afastam.
Paralelamente, o cuidador pode-se encontrar demasiado envolvido com a pessoa com
demncia e com a prestao de cuidados, para poder ainda manter contatos sociais.
O grupo de suporte pode ajudar o cuidador a ultrapassar as conseqncias negativas da
assistncia e estabelecer novas vias de tratar positivamente a situao. Os membros do
grupo esto, eles prprios, em situaes semelhantes, o que nem sempre compreendido
por quem est de fora. Eles partilham experincia entre si, trocam conhecimentos teis e
vivenciam experincias da vida que os ajudam a ultrapassar o stress e a sobrecarga. Estes
interesses comuns aproximam mais os membros do grupo, e promovem a confiana e a
abertura. Os cuidadores se beneficiam, da seguinte forma, da participao num grupo:
O grupo fornece um ambiente protetor, onde os membros encontram aceitao e apoio,
por parte de outras pessoas que partilham preocupaes semelhantes. Eles podem tentar
novas vias de lidar com as situaes e desenvolver diferentes estratgias de resoluo de
problemas.
O grupo de suporte oferece novos contatos sociais e apoio social, ajuda os cuidadores a
ultrapassar o isolamento, compensa-os pela perda da companhia, e expande as suas redes
informais de apoio. Criam-se relaes que podem encorajar os membros do grupo a
procurar mais contatos sociais fora do grupo.
Obtm-se um alvio emocional, ao verificar que h poder de partilha com os pares, e
que os outros passam por problemas e dificuldades semelhantes. Aprendem uns com os
outros a encontrar apoio para a resoluo dos seus problemas crticos. Alm disso,
reforam a auto-estima, ao constatar que tm muito para oferecer e que os seus
conhecimentos so reconhecidos, aceitos e apreciados pelos outros.
Os participantes podem decidir de forma independente qual o nvel pretendido de
envolvimento com o grupo. Podem participar sua prpria medida. Os membros decidem,
-
29 eles prprios, quais os seus limites e fronteiras e podem continuar a participar no processo
de grupo, mesmo com escassa contribuio.
-
30 1.11 ASPECTOS TICOS DO DIAGNSTICO PREDITIVO
Ao se falar em tica pressupe-se a existncia de, no mnimo, duas pessoas. Ningum
tico sozinho. Conforme ensina Guareschi (1998, p. 14) tica uma busca infinita, uma
conscincia ntida de nossa incompletude, dever ser das relaes humanas em vista de
nossa plena realizao.
Como agir diante de uma situao em que constatado que a Doena de Alzheimer
est muito freqente no histrico familiar? Sugerir, a ttulo de preveno, que os parentes
prximos se submetam a exames, seria tico? E se constatada a positividade gentica, que
desdobramentos poderiam advir de tal conhecimento?
A gentica nos ltimos anos tem apresentado uma srie de desafios ticos e o
diagnstico preditivo pode ser visto como uma particularizao destes desafios. A
abordagem tica baseada na reflexo sobre a justificativa das aes e de suas
conseqncias. Quais os desafios ticos da medicina preditiva? Em primeiro lugar
preciso salientar que a ao realizada no individual, mas suas conseqncias so sociais
ou coletivas. A interveno feita na pessoa, mas o seu resultado ter um impacto no
apenas no indivduo mas, tambm, na sua famlia e na populao, tanto com relao a
questes sociais como discriminao, preconceito, excluso de seguro-sade ou de vida,
quanto conseqncias na freqncia de doenas genticas e de genes deletrios na
populao. Assim, todo o bem que se fizer para o indivduo ter uma repercusso social, da
mesma forma que os malefcios sero expandidos para uma esfera coletiva maior. As aes
so realizadas no presente, mas suas conseqncias ocorrem a longo prazo e podem afetar
indivduos que ainda no existem. As implicaes ticas deste fato fazem com que o tempo
passe a ser considerado uma varivel tica.
Um aspecto tico importante do diagnstico preditivo so as questes relativas a
confidencialidade e privacidade. Neste caso, como em vrios outros envolvendo questes
de gentica mdica, h uma dificuldade para a identificao do paciente. A maioria dos
autores sugere que deva haver consentimento do paciente para revelao da informao
para os familiares. Com o intuito de minimizar os problemas de revelao das informaes,
a Declarao sobre Aspectos ticos da Gentica Mdica da Organizao Mundial da Sade
(1998) sugere que a famlia seja considerada como paciente. Entretanto, essa
recomendao no garante a inexistncia de conflitos de interesse. Muitas vezes o mdico
se confronta com o dilema entre o seu dever de informar para prevenir um dano e o direito
do indivduo de no querer saber. Um exemplo de conflito de interesse dentro da famlia
pode ser dado no caso de gmeos monozigticos em que um deseja ser testado, para tomar
-
31 atitudes com relao ao seu futuro enquanto o outro no deseja conhecer o seu status de
portador ou no da mutao. Mesmo que o resultado seja dado em confiana para o gmeo
que o deseja, suas atitudes informaro, indiretamente, o outro sobre sua situao. Podemos
citar um caso de conflito intra-familiar gerado por um diagnstico de Doena de
Huntington resultante da falta de esclarecimento prvio dos envolvidos. Qual deveria ter
sido a ao adotada? A mulher e o casal de filhos de um paciente com Doena de
Huntington em fase terminal autorizaram a confirmao do diagnstico por anlise
molecular semanas antes da morte do paciente. Em seguida, surgiram conflitos entre os
familiares sobre a possibilidade de eles prprios serem testados. Enquanto a viva desejava
que todos fossem testados, incluindo os netos, o filho preferia que aquela informao
nunca lhe tivesse sido revelada e nem comunicou o fato sua mulher. O mesmo pode
acontecer com a Doena de Alzheimer.
preciso ainda ressaltar que existem duas classes distintas de diagnstico preditivo: o
de doenas monognicas, como, por exemplo, a Doena de Huntington, e o de
predisposio gentica, como Doena de Alzheimer e alguns tipos de cncer. A questo da
adequao tica do diagnstico preditivo, e de outros avanos da gentica, passa pela
questo da educao. Se no houver uma educao da populao e dos profissionais de
sade a respeito das bases genticas subjacentes s novas aplicaes corre-se o risco de
perpetuao de concepes falsas do tipo das que creditam ao DNA a resposta a todas as
questes. O papel das sociedades cientficas justamente o de promover essa educao, a
qual seja talvez mais importante que a normatizao do oferecimento destes servios.
Neste ponto, a Biotica, como campo interdisciplinar pode servir como mediador de
diferentes conhecimentos que devem ser integrados para que se possa utilizar de maneira
adequada as novas possibilidades diagnsticas e teraputicas oferecidas pela gentica.
Afinal, a biotica uma parte de nossa responsabilidade simplesmente humana; deveres do
homem para com outro homem, e de todos para com a Humanidade (Conte-Sponville,
1997).
-
32 1.12 OBJETIVOS
1.12.1 OBJETIVO GERAL
O objetivo geral desta pesquisa foi conhecer o impacto que a Doena de
Alzheimer causa na vida dos cuidadores.
1.12.2 OBJETIVO ESPECFICO
O objetivo especfico foi analisar a dinmica familiar, que tipo de alteraes
sofre, como lida com o estresse provocado pela doena.
1.12.3 QUESTES PARA PESQUISA
Quanto as questes para pesquisa tentou-se entender como os cuidadores
lidam com o provvel estresse que a relao de cuidar vai provocar. Ser que os
cuidadores modificam sua vida em funo da questo de cuidar? Que mecanismos de
defesa aciona quando se percebe tambm adoecido em funo do diuturno ato de cuidar?
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33 2. METODOLOGIA
Adotou-se o mtodo qualitativo de pesquisa devido complexidade do fenmeno
estudado, que a inter-relao do portador da Sndrome de Alzheimer e a famlia e esta
com os profissionais de sade, focalizando os impactos que a Sndrome traz para a vida
dos cuidadores.
A pesquisa qualitativa um mtodo do qual o pesquisador lana mo de ouvir o que as
pessoas tm a dizer, explorando as suas idias e preocupaes sobre determinado assunto,
procurando entender o contexto, observar vrios fenmenos em um pequeno grupo e
explicar comportamentos. A compreenso da forma de vida, o registro do comportamento
no-verbal, a incluso de informaes no esperadas, o fato de ser culturalmente
apropriado e possuir validade so algumas das vantagens apresentadas por este
instrumento, a quem dele resolve fazer uso. Esse tipo de pesquisa tem natureza
exploratria visto que estimula o sujeito entrevistado a pensar livremente sobre algum
tema ou conceito. Ele parte de questionamentos que fazem emergir aspectos subjetivos e
atingem motivaes no explcitas, ou mesmo conscientes, de maneira espontnea.
utilizado quando se busca percepes e entendimento sobre a natureza geral de uma
questo, abrindo espao para a interpretao.
Gonzlez Rey (2002) preconiza que toda pesquisa qualitativa deve implicar o
desenvolvimento de um dilogo progressivo e organicamente constitudo, como um das
fontes principais de produo de informao (p.56). atravs do dilogo que se criam
climas de segurana, confiana e interesse para a formao de vnculos que iro propiciar
o estabelecimento de nveis de conceitos da experincia que dificilmente podem ser
acessados na vida cotidiana.
Em seu trabalho sobre a abordagem qualitativa das relaes sociais que informam o
campo da Sade, Minayo (2000) pontua que o envolvimento do entrevistado com o
entrevistador pensado como condio de aprofundamento de uma relao intersubjetiva:
Assume-se que a inter-relao no ato da entrevista contempla o afetivo, o existencial, o
contexto do dia-a-dia... condio sine qua non do xito da pesquisa qualitativa (p.124).
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34 2.1 INSTRUMENTOS
A pesquisa foi realizada atravs de entrevistas semi-diretivas j que este procedimento
permite um conhecimento mais aprofundado da individualidade de cada sujeito e dos
sentidos prprios de suas vivncias. Os dados empricos foram os relatos verbais dos
sujeitos a respeito de suas vivncias como cuidadores e co-cuidadores de uma pessoa
idosa adoecida de Alzheimer e percepes acerca dos vrios aspectos de sua realidade
familiar e social.
Quando do convite para participar da pesquisa foram prestadas todas as informaes
necessrias quanto preservao de seus anonimatos, aos objetivos, contedo, durao
das entrevistas e gravao de seus depoimentos.
A entrevista semi-estruturada, com roteiro previamente elaborado, foi o instrumento
utilizado para a coleta de dados. O roteiro de entrevista foi utilizado no sentido de
possibilitar que os dados fossem coletados de forma satisfatria, contemplando o objetivo
da pesquisa, no se configurando como um questionrio rgido, permitindo que algumas
perguntas fossem elaboradas ou modificadas, de acordo com o contedo que estava sendo
manifestado pelos sujeitos, que vai ao encontro com os postulados da pesquisa qualitativa
e permite, tambm, adaptaes no mtodo. O instrumento uma ferramenta interativa...
suscetvel de multiplicidade de usos dentro do processo investigativo, que no se limitam
s primeiras expresses do sujeito diante dele (Gonzlez Rey, 2002, p. 80).
De acordo com Minayo (2000), o que torna a entrevista um instrumento privilegiado
para a coleta de informaes na pesquisa social a possibilidade de acessar condies
estruturantes da realidade, sistemas de valores, normas e smbolos por meio do discurso
do sujeito. Para Demo (2000) a entrevista semi-estruturada permite que o participante
discorra sobre o tema proposto pelo pesquisador, sem respostas ou condies pr-fixadas.
2.2 CONTEXTO
A entrevista foi realizada em contexto domiciliar, na residncia de uma das
cuidadoras, em horrio previamente combinado, em ambiente tranqilo, sem
interrupes.Trata-se de famlia de classe mdia, estando presentes duas irms que
revezam no cuidado de sua me, portadora de Doena de Alzheimer, procurando
caracterizar-se as representaes mobilizadas em torno do cuidado ao idoso portador de
D.A. O cuidador principal um irmo que reside em outro Estado com a me.
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35 2.3 MATERIAL DE COLETA DE DADOS
O registro foi efetuado em gravador e computador. Tambm foi utilizada entrevista
efetuada atravs da Internet, com o cuidador principal, que se encontra em outro Estado e
impressora para registro impresso da entrevista.
2.4 SUJEITOS
Optou-se por entrevistar outros familiares, alm do cuidador principal, para que se
pudesse alargar o horizonte da pesquisa restituindo a complexidade das relaes, dilemas
e conflitos mobilizados na prtica dos cuidados. Em outros termos, foram definidos os
papis de cuidadores, as suas responsabilidades e como estas so aceitas e rejeitadas, no
processo de definio da atribuio da posio de cuidador na sua pluralidade, j que so
trs filhos a se revezarem nos cuidados da me portadora de D.A.
So trs os entrevistados, irmos, um homem e duas mulheres, sendo o homem o filho
do meio. Designaremos os mesmos fazendo uma analogia s figuras da Mitologia Grega:
o homem por Hades e as mulheres por Cloto e ris e incluiremos a me na metfora,
apesar de no ter sido entrevistada, por ser a pea principal por onde o drama familiar
rbita a quem chamaremos de Hera (Brando, 2001).
Na Mitologia Grega Hades o herdeiro do reino dos mortos, invocado como o rico
com referncia no apenas a seus hspedes inumerveis, mas tambm s riquezas das
entranhas da terra. um deus prdigo, que beneficia a todos, tranqilo em sua majestade
de deus subterrneo, sensvel e introvertido. De acordo com Brando (2001) o homem que
possui esse arqutipo apresenta como dificuldades psicolgicas inadequao social,
distoro da realidade, depresso e baixa auto-estima. (p. 266)
Hades: tem 46 anos, o filho do meio, possui 3 grau com especializao, professor,
atualmente est desempregado e sua religio esprita. Est separado e mantm um
relacionamento h 8 anos, embora vivam em casas separadas. Mora em So Joo Del Rey,
cidade que possui uma cultura interiorana muito forte e tradicional. o cuidador
principal. A escolha deste nome para o entrevistado foi por analogia ao inferno grego, no
o catlico, que ele vive, suas lutas dirias, seu controle de toda situao familiar, e pela
proximidade com a morte.
Cloto uma das projees das Moiras, personificao do destino individual de todos
os homens, lei que nem mesmo os deuses podem transgredir. Na Mitologia Grega consta
que, aps as epopias homricas, a Moira se projetou em trs Moiras: tropos, Cloto e
Lquesis, cada qual com uma funo especfica. Cloto, a fiandeira, segura o fuso e vai
puxando o fio da vida. Lquesis, a sorteadora: sua tarefa era enrolar o fio da vida e
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36 sortear o nome de quem deveria morrer (Brando, 2000, p. 231). tropos, a que no volta
atrs, a inflexvel. Sua funo era cortar o fio da vida (Brando, 2000, pp. 230-231).
Cloto: tem 52 anos, a filha mais velha, possui 3 grau, atualmente est
desempregada, sua religio esprita, casada e tem um filho adolescente. Mora em
Braslia. Conforme declarou durante a entrevista, por ser a irm mais velha, concentrava
toda demanda familiar, era a pessoa a quem os irmos recorriam para resolver os
problemas, antes de a me adoecer. De alguma forma tecia o fio da vida familiar.
Considera-se a herdeira direta da doena que consome sua me, j estando, inclusive,
apresentando alguns sintomas como esquecimentos freqentes.
ris a ponte entre o Cu e a Terra, a mensageira dos deuses. Comumente
representada com asas e coberta com um vu ligeiro que, ao contato com os raios do sol,
toma as cores do arco-ris.
ris: tem 41 anos, a filha mais nova, possui 3 grau, funcionria pblica, sua
religio esprita, est separada e tem uma filha. A filha a mais informada sobre a D.A.,
participa das reunies de um Grupo de Apoio em Braslia e retransmite aos irmos todas
as informaes a que tem acesso. Possui um discurso no-fatalista, bem diferente do de
Cloto. Por ser a irm mais nova luta constantemente contra o controle que os demais
irmos tentam exercer sobre sua pessoa.
Hera significa a protetora das esposas, a guardi do amor legtimo. Sua unio com
Zeus, pai dos deuses e dos homens, simboliza a natureza inteira: o calor do sol, a chuva, a
terra e a vegetao. Hera personifica certos atributos morais, como o poder, a justia, a
bondade.
Hera: tem 83 anos, me de Hades, Cloto e ris, est adoecida de Doena de Alzheimer
h cinco anos, possui 2 grau completo, sua religio catlica. Mora com o marido e o
filho do meio em So Joo Del Rey. Segundo informaes de Cloto sempre foi uma
mulher forte e conseguiu manter a unio da famlia apesar das aventuras amorosas do
marido, quando jovem. Com o passar dos anos ambos se tornaram cada vez mais unidos e,
no entender das filhas, quando ela vier a falecer o pai no vai agentar muito tempo a dor
da separao.
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37 3. ANLISE DOS DADOS
A partir de uma anlise hermenutica-dialtica (Minayo, 2000) dos relatos verbais dos
sujeitos entrevistados, na qual todas as teorias e questes de pesquisa foram colocadas em
colaborao ao processo de interpretao das expresses dos sujeitos, e levados em
considerao o contexto scio-histrico, a comunicao, os afetos, o comportamento,
buscou-se apreender os significados implcitos em suas verbalizaes, atravs de um
processo interpretativo, definindo o que cada sujeito pretendeu, efetivamente, dizer com
suas narrativas e com o comportamento no verbal. Minayo (2000) buscou na
hermenutica-dialtica, ou seja, na compreenso do sentido que se d na comunicao
entre os seres humanos, a dialtica, uma via de encontro entre as cincias sociais e a
filosofia, por entender, citando Luckcs (1967), que nossos conhecimentos so apenas
aproximao da plenitude da realidade, e por isso mesmo so sempre relativos; na medida,
entretanto, em que representam a aproximao efetiva da realidade objetiva... so sempre
absolutos (p. 233).
Ao iniciar a anlise das entrevistas apresentou-se-nos ntida a diferena entre uma
entrevista realizada atravs de um veculo eletrnico e outra realizada pessoalmente, com
observao participativa, onde as emoes, os gestos, a entonao da voz, todo e qualquer
comportamento, so registrados pelo entrevistador. medida que so transcritos esses
dados percebe-se a emoo que perpassa a cada momento da entrevista. A ao
participante conseqente ao olhar que ensina um pensar generoso que, entrando em si,
sai de si pelo pensamento de outrem que o apanha e o prossegue (Chau, 1988, p. 61). O
tom impessoal da entrevista eletrnica, inegavelmente refletida, permeada pelo censor
social, em muito perde em termos de espontaneidade, fornecendo poucos dados a respeito
dos quais se possa inferir sobre a subjetividade do entrevistado. Ao contrrio, na entrevista
ao vivo, no aqui e agora, possvel constatar fenmenos e comportamentos totalmente
imprevistos uma vez que estabelecido um dilogo entre iguais e em que os processos
subjetivos, tanto de entrevistador quanto de entrevistado, vo sendo construdos
gradualmente, sendo uma parte inseparvel de suas expresses.
A escolha da entrevista e o nvel de envolvimento emocional entre o entrevistador e o
entrevistado so fatores importantes, de acordo com a metodologia qualitativa, na
produo de conhecimentos e na qualidade das informaes obtidas. A postura da
entrevistadora foi essencialmente fenomenolgica, uma vez que no momento das
entrevistas todos os pressupostos tericos e todas as hipteses foram colocadas em
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38 suspenso, para que estas no interferissem na revelao dos significados implcitos nas
verbalizaes dos entrevistados.
Foram detectados os seguintes impactos na vida dos cuidadores:
3.1 IMPACTO NA VIDA COTIDIANA/QUEBRA DE PADRO MACHISTA:
Inicialmente, causou grata surpresa o fato de um filho dedicar-se diuturnamente ao
cuidado de sua me, portadora de D.A., confirmando o discurso de Goldani (2000) sobre
os novos contratos intergeracionais e de gnero da poca atual, em que, apesar de a
mulher ser a protagonista do cuidado aos pais e parentes idosos, a emergncia dos novos
valores de gnero traz a proposta de eqidade para a responsabilidade de homens e
mulheres no cuidado com os idosos dependentes:
... Alm de ter perdido o emprego, no posso procurar emprego fora de
minha cidade ou Estado, devido a ter quer controlar tudo em casa e
cuidar de minha me... Os banhos tiveram que ser acompanhados... A
alimentao teve de ser dada na mo... (Hades)
... assumiu o papel de cuidador de toda dinmica da casa e remdios ...
Sobrecarregado, devido ao emprego que possua e despreparado (Hades)
Hades fala de si como se estivesse falando de outra pessoa; seria um personagem que
ele representa, o cuidador, o mantenedor da famlia, o lder? uma figura no assimilada
de cuidador, o Outro, ou fala assim para o afastamento do contedo emocional implcito e
auto desqualificao? A falta de um nmero maior de dados impede uma interpretao
mais aprofundada.
Embora Hades no se queixe, percebe-se a angstia de quem est vivendo dupla
perda: a do emprego, que um dos fatores de segurana do ser humano, garantia de sua
sobrevivncia, e a vida da me, para a doena. Segundo a Mitologia Grega Hades
simboliza o deus do mundo subterrneo, o que recebe as almas quando morrem. A vida de
Hades transformou-se num inferno em que ele convive com a doena, idas e vindas de
hospital e a iminncia da morte.
A constatao de que o que agrava a condio das famlias o fato de esses idosos
requererem cuidados integrais, dirios, bem diferente de outras situaes de dependncia na
velhice, em que o idoso preserva a autonomia e em que a dependncia funcional no to
acentuada (Santos & Rifiotis, 2003).
Houve um acmulo de preocupaes devido ao trabalho como professor,
que era extremamente duro e desgastante. A ateno que nossa me
passou a necessitar aumentou. Os banhos tiveram que ser acompanhados,
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39
j que ela no se dava conta de que devia tom-los. A alimentao teve de
ser dada na mo, j que ela, tambm, no se dava conta de que deveria se
alimentar (Hades)
Segundo a literatura especializada a escolha do cuidador est intimamente ligada
proximidade fsica, ou seja, pessoa da famlia que est mais prxima do doente, que em
geral mora junto. Esta proximidade fsica est ligada a relaes de parentesco e, mais
especificamente, a uma proximidade afetiva, destacadamente conjugal ou filial. No caso em
estudo, foi curioso notar as formas diferentes de vivenciar a situao. Pelo exposto parece
que foi por falta de opo que o cuidador principal assumiu resignadamente o encargo.
Percebe-se que o cuidador surge na medida que um dos membros da famlia vai se
comprometendo cada vez mais com o processo de cuidar do idoso e o outro ou outros se
desvencilham dele.
...assumiu o papel de cuidador de toda a dinmica da casa e remdios...
Lidei normalmente, sendo que minha religio foi fundamental para a
aceitao e entendimento do que ocorria (Hades)
No teve escolha. Porque todos ns samos. E s tem ele, o nico que
nunca quis sair de l, ento ele ficou como cuidador (Cloto e ris)
3.2 IMPACTO EMOCIONAL-AFETIVO:
Atravs da anlise das entrevistas foram percebidos alguns contedos e impactos,
detectados nas falas dos familiares, entre as quais a negao de sentimentos como raiva,
que levou reflexo se no seria um indicativo de forte represso emocional. Nessa
famlia, segundo informaes colhidas aps as entrevistas, os filhos foram ensinados, pela
me, a no sentir raiva:
Raiva? No, a mame nos ensinou a no sentir raiva (Cloto)
Um sentimento de remorso... por no ter forado mame a procurar um
mdico. Raiva, jamais (Hades)
Acho que todos os sentimentos: raiva, frustrao, tristeza, decepo, vem
tudo junto (ris)
O fato de ter que cuidar da me diuturnamente, impediu a procura de emprego em outra
cidade ou Estado; houve uma quebra de expectativa nos planos e projetos de vida de Hades.
Com base na Anlise Transacional (Berne, 1988) pode-se inferir que Hades transita entre
os papis de Salvador Fracassado, Perseguidor e Vtima; traz como preceito parental:
Trabalhe duro e ajude as pessoas; injuno parental: No progrida; carcias: Sou uma
pessoa legal; desqualificao: Mesmo que precise anular-me; jogo: S estou tentando
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40 ajudar; deciso: Vou me anular para que voc viva; parece possuir um script no-
ganhador cujo lema : Voc no pode progredir at que eles precisem de voc outra vez e
baseia-se no plano: Depois de que tem sua origem na Mitologia Grega, com Dmocles, a
quem foi permitido usufruir da felicidade de ser rei at que um dia percebeu a existncia de
uma espada por sobre sua cabea, suspensa por um nico fio de crina de cavalo. No caso de
Hades, parece que ele est esperando a morte de sua me, depois de, para que possa, sem
peso na conscincia, voltar a ter uma vida normal, correr atrs de seus sonhos, procurar
outro emprego.
A fim de tornar clara a compreenso dos termos utilizados acima sero descritos seus
significados, de acordo com a Anlise Transacional:
Salvador Fracassado, Perseguidor e Vtima: os trs papis do Tringulo Dramtico de
jogos psicolgicos que entram em ao. So manipulativos ou falsos, podendo deixar de
ser utilizados mediante uma deciso do Adulto (Crema, 1988, p. 75).
Preceito parental: uma programao efetuada pelos pais frente a criana e que determina
a maneira como ela reage frente s situaes da vida; quando e como os impulsos so
expressos e como e quando as restries so impostas (Berne, 1988).
Injuno parental: proibies transmitidas pelos pais que vm imbudas de uma sada
aceitvel.
Carcias: estmulos intencionalmente dirigidos de um ser vivo a outro, com possibilidade
de comunicao e acompanhados de um componente emocional.
Desqualificao: uma resposta no pertinente que tem por funo bsica o no
reconhecimento da existncia do outro.
Jogo: uma srie de transaes com uma armadilha, tendo um resultado previsvel, que
implica em desonestidade, substituindo relaes honestas, diretas e ntimas.
Deciso de script: posio que a criana adota baseada no que ouve, l e seleciona de uma
predio, para vir a ser um vencedor ou um perdedor.
Script: um plano de vida no consciente continuado, formado na primeira infncia sob
presso parental, planejado para durar toda uma vida. a fora psicolgica que
impulsiona a pessoa em direo ao seu destino.
3.3 IMPACTO AO CONFRONTAR-SE COM A MORTE:
V-se aqui, tambm, que a dependncia da me recria a dependncia do filho. Ambos
se prendem numa interdependncia, nos caminhos que levam a uma morte anunciada.
Conforme citado no decorrer deste trabalho, Kbler-Ross (2002) aponta para a necessidade
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41 do ser humano enfrentar o medo de confrontar-se com a prpria finitude, e que falar a
respeito da morte uma das formas para que esse estgio seja alcanado.
...ver algum que a gente ama, se definhar e nada podermos fazer para
minorar o estado... (Hades)
...essa uma fase terminal, se prepara. uma fase terminal do doente
de Alzheime. (ris)
Eu falei pra ele: a mame morrendo eu trago voc pra c (ris)
Constata-se o sentimento de impotncia frente a doena e frente a morte, como tambm
a promessa de cuidar aps a morte da me, como uma compensao.
3.4 IMPACTO NA RELIGIOSIDADE:
Outra constatao foi uma postura projetiva denotando a dificuldade em identificar o
que seu e atribuindo a outros, neste caso a Deus, a responsabilidade pelos prprios
fracassos.
Eu j briguei com Deus. Eu falei: por que que as duas nicas filhas
mulheres dela vieram pra c e deixaram ela sozinha? Voc se sente
frustrada, muito frustrada (Cloto)
J chorei, j fiquei muito triste por estar aqui. Por que que Deus me
mandou? Por que que fui escolher uma cidade to longe para morar?
(ris)
... Alm de ter perdido o emprego, no posso procurar emprego fora de
minha cidade ou Estado, devido a ter quer controlar tudo em casa e
cuidar de minha me... Os banhos tiveram que ser acompanhados... A
alimentao teve de ser dada na mo... (Hades)
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42 3.5 IMPACTO DA FALTA DE INFORMAO:
A falta de informaes sobre a D.A. - como