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2. Ausência, uma abordagem
Interessando-se pela narrativa de modo geral, independente do seu suporte expressivo ou do seu prestígio sociocultural, a narratologia não tem que limitar a sua atenção aos textos narrativos literários. Mas é verdade que aqui são sobretudo esses os privilegiados: sabendo-se que é na narrativa verbal que se tem apoiado o desenvolvimento da narratologia e que a narrativa literária desfruta de uma projeção que não se pode ignorar, não se estranhará que os conceitos com ela relacionados apareçam largamente contemplados. (Reis & Lopes, 1988 p. 8-9)
A teoria e a crítica narrativa, por privilegiarem o texto em suas abordagens,
refletem decisivamente nas duas áreas de interesse desse estudo – as Artes
Cênicas e a Literatura. Nas Artes Cênicas o texto, na forma do diálogo, é um
elemento culturalmente encontrado e esperado numa peça teatral. O registro e a
documentação de peças de teatro normalmente ocorrem textualmente no roteiro.
Diálogos, rubricas são características desse tipo de documento. Se nas Artes
Cênicas a presença do texto é de fato evidente, é na Literatura (aqui como grande
área) que ele se torna inegável.
Tanto as Artes Cênicas como a Literatura, portanto, apresentam uma
característica comum: a presença do texto como elemento com o qual e pelo qual
é construída e transmitida a narrativa. A contribuição pretendida neste trabalho ao
estudo da narrativa se fundamenta na possibilidade de considerar como objetos de
estudo o Palhaço Mímico dentro das Artes Cênicas e o Livro de Imagem dentro da
Literatura – justamente pela ausência do texto no suporte, escrito ou falado.
O que se pretende dizer com ausência de texto, aqui, não significa ausência
de discurso. O que culturalmente se tem em ambas as situações citadas é a
ausência de texto representado pela linguagem verbal (escrita ou oral).
Obviamente, a narrativa apresenta um discurso, mas este não é representado ou
veiculado sob a forma verbal. Nas Artes Cênicas, o Palhaço Mímico lança mão da
linguagem corporal/gestual, de códigos da pantomima e de diversos outros
recursos para construir o discurso narrativo que pretende. Igualmente, no Livro de
Imagem a ausência de texto escrito leva o autor a revelar o discurso narrativo
apenas no desencadear das imagens. Logo, pelo discurso não ser transmitido
textualmente, por permanecer em silêncio no palhaço e no livro, é que vai
interessar aqui sua análise narrativa. Quando a linguagem textual/verbal é retirada
do objeto no qual culturalmente seria encontrada, e mantém-se o discurso
narrativo, como podemos obter uma análise que venha contribuir para o campo da
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narrativa? O que pode ser útil ao estudo da narrativa quando é retirado o elemento
principal de sua análise?
Para admitir a possibilidade de se estudar e analisar a narrativa sem a
representação do texto verbal é necessário reconhecer de antemão o potencial
narrativo de imagens e objetos. É justamente para analisar essa possibilidade que
recorreremos aos estudos de Pier Paolo Pasolini, um autor que traz para esta
pesquisa as vozes de duas áreas em particular: da Semiologia do Cinema e da
Pedagogia. Tal contribuição vai ser bastante significativa porque traz em si uma
afinidade com o estudo: a tensão entre duas áreas distintas, o Cinema e a
Literatura. Apesar de não apontar essa tensão especificamente com as Artes
Cênicas, Pasolini traz questões bastante interessantes quando analisa as
especificidades da linguagem visual, no Cinema, em contraponto com a
linguagem textual na Literatura. Assim, mesmo não coincidindo com as áreas
abordadas, sua análise trará contribuições importantes para se pensar a relação
entre a Literatura Ilustrada e as Artes Cênicas.
Em Os Jovens Infelizes, Pasolini (1990) aponta para a existência de uma
linguagem própria dos objetos, das coisas. Portanto, uma linguagem que é
apreendida visualmente:
As primeiras lembranças da vida são lembranças visuais. A vida, na lembrança, torna-se um filme mudo. Todos nós temos na mente a imagem que é a primeira, ou uma das primeiras, da nossa vida. Essa imagem é um signo, e, para sermos exatos um signo lingüístico. Portanto, se é um signo lingüístico, comunica ou expressa alguma coisa. (...) A primeira imagem da minha vida é uma cortina, branca, transparente, que pende – imóvel, creio – de uma janela que dá para um beco bastante triste e escuro. Essa cortina me aterroriza e me angustia: não como alguma coisa ameaçadora ou desagradável, mas como algo cósmico. Naquela cortina se resume e toma corpo todo o espírito da casa em que nasci. Era uma casa burguesa em Bolonha. (...) Mas se nos objetos e nas coisas cujas imagens ficam gravadas na minha lembrança, como as de um sonho indelével, se condensa e se concentra todo um mundo de ‘memórias’ que essas imagens evocam num só instante... (Pasolini, 1990 p. 125-26)
Outros autores também apontam para uma linguagem presente em objetos,
não se tratando exatamente de uma ideia original no que concerne a uma “leitura
de mundo”. Mas a forma como essa linguagem é lida, as características próprias
dessa linguagem que são colocadas por Pasolini, é que traz uma contribuição
diferenciada para o trabalho. O fato de a linguagem das coisas nos chegar de
forma visual, e mesmo quando não dominamos ainda a linguagem verbal,
determina um modo de olhar e de apreender. Um “aprender”, como defende
Pasolini, que não nos permite resposta – no âmbito do texto verbal apenas.
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O conteúdo das minhas lembranças não se sobrepunha de fato a eles: o conteúdo deles era somente deles. E me era comunicado por eles. Sua comunicação era, portanto, essencialmente pedagógica. Ensinavam-me onde eu tinha nascido, em que mundo vivia e, acima de tudo, como devia conceber meu nascimento e minha vida. Em se tratando de um discurso pedagógico inarticulado, fixo, incontestável, não pode deixar de ser, como se diz hoje, autoritário e repressivo. O que aquela cortina me disse e me ensinou não admitia (e não admite) réplicas. (Pasolini, 1990 p. 126)
Ao passo que não permite réplica, esse tipo de discurso, portanto, inscreve-
se na totalidade da construção subjetiva do leitor e não somente na formação
intelectual, ou, nas próprias palavras do autor, “o que é educada é a sua carne,
como forma do seu espírito”. Mais do que salientar a forma impositiva desse tipo
de linguagem, o interessante é perceber seu caráter inarticulado. O domínio da
linguagem verbal, que permite posteriormente resposta, discussão, análise, está
associado a um conhecimento da linguagem e de seu mecanismo de construção.
Sua articulação, quando conhecida, permite não só compreender os mecanismos
sob os quais essas informações são comunicadas, como permite também resposta.
O não domínio, o desconhecimento dos mecanismos da linguagem pedagógica
das coisas e a maneira como ela atua precocemente na psicologia do indivíduo a
caracterizam como uma linguagem inarticulada. E, por isso, sua imposição.
Como fato agravante para a situação, em paralelo a essa formação do
indivíduo, a nossa cultura como um todo ainda não tem uma preocupação na
educação visual, quando comparada ao texto verbal. Alguns autores apontam para
tal deficiência como um “analfabetismo visual”, que sugere uma falta de estudo da
linguagem visual como parte do currículo escolar.
Como esclarecimento da diferença entre uma representação pela linguagem
textual e visual, Pasolini, como cineasta, propõe-nos uma análise sob o ponto de
vista conflitante entre a visão e a representação própria do literato e do cineasta.
Se o primeiro, a partir de seu olhar, reconstrói simbolicamente aquele mundo, “os
‘signos’ do sistema cinematográfico são evidentemente as próprias coisas, na sua
materialidade e na sua realidade. É verdade que essas coisas se tornam ‘signos’,
mas são ‘signos’, por assim dizer vivos.” (Pasolini, 1990 p.128) Se para o literato
é necessária uma “tradução” da linguagem das coisas, para transmissão e
comunicação, no cinema essa representação dá-se por meio da própria
representação da imagem das coisas. E é claro que isso tem consequências
inevitáveis e que vão proporcionar a riqueza poética própria de cada linguagem,
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incluindo suas subversões e contaminações. O que, porém, não exclui a
possibilidade de se apropriar de uma linguagem, mas trabalhar as especificidades
dela em outra linguagem diferente, ou em outro suporte.1
A diferença da prática profissional do literato e do cineasta analisada por
Pasolini, no entanto, não exclui uma convergência entre as duas linguagens. O
literato, ao procurar representar a realidade vivida e percebida visualmente por
meio de palavras, terá no contexto de consumo a possibilidade de sua inversão:
imaginação decorrente da leitura do texto. O cineasta, por outro lado, ao expor a
realidade pela própria representação visual das coisas, não impede a produção
textual pelo seu expectador. Assim, também no livro produzido exclusivamente
com palavras, o leitor, no ato de fruição, reconstrói o texto em imagens. Ou seja,
cria imagens para os cenários e personagens narrados no texto. Portanto, imagens
podem ser consequência de uma leitura de um texto verbal. Um produtor de
discurso que utiliza a linguagem visual – cineasta, ilustrador, palhaço etc. – pode
ter como resultado da fruição de sua obra uma produção textual. E é por isso que
as linguagens híbridas – o cinema, artes cênicas, o livro ilustrado – buscam nessa
tensão entre a imagem e o texto uma construção conjunta, para que não só evitem
um discurso redundante (apesar de questionável a equivalência precisa entre
linguagens diferentes), como também para tirar partido das potencialidades
próprias de cada linguagem. Aqui voltamos ao tema da ausência, agora naquilo
que a especificidade de uma complementa a outra.
Portanto, considerando a produção textual a partir das imagens, propõe-se
nesse trabalho o termo “ausência”, não com o significado de “ausência de
discurso”, mas como uma não representação do texto na experiência de leitura.
Assim, ao nos referirmos à ausência do texto no Livro de Imagem, por exemplo,
não significa que este não possua um discurso, mas que o discurso pode ser de
forma diferente como usualmente e culturalmente o encontramos. É essa ausência
que Pasolini reconhece quando exemplifica a lembrança da vida como um filme
mudo, mesmo ao explicitar a quantidade de informação, discurso e ensinamentos
contidos nas coisas. A mudez à qual se refere Pasolini não é a mudez da ausência
1 Pasolini entende que o literato pode apresentar uma abordagem em sua produção textual que
traz características próprias do cinema e vice-versa. Quando apontamos para as características próprias, e as especificidades de uma linguagem, não estamos restringindo a possibilidade de outras dentro dessa linguagem. Pelo contrário, prevemos possibilidades de relativização e de outras maneiras de se trabalhar a linguagem que não seja só “obedecendo” aos princípios próprios dela.
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de discurso, mas a de um discurso que é feito na ausência do texto como código.
Outro exemplo que talvez seja ainda mais contundente é o trecho extraído do
texto “O ‘discurso’ dos cabelos” (In: Pasolini, 1990) em que o autor expõe a
presença de dois jovens, com cabelos compridos, no hall de um hotel onde estava
hospedado. O que esses jovens diziam não era expresso por palavras, era tudo
narrado pelos cabelos:
Naquela situação particular – que era plenamente política, ou social, e, até diria, oficial – eles não tinham, na verdade, nenhuma necessidade de falar. Seu silêncio era rigorosamente funcional. E isso simplesmente porque a fala era supérflua. Ambos, de fato, usavam para se comunicar, com os presentes, com os observadores – com seus irmãos daquele momento –, uma linguagem diferente daquela composta de palavras. Aquilo que substituía a tradicional linguagem verbal, tornando-a supérflua – e encontrando, de resto, um lugar imediato no amplo domínio dos ‘signos’, ou seja, no âmbito da semiologia –, era a linguagem dos seus cabelos. (Pasolini, 1990 p. 37-8)
No Discurso dos Cabelos, Pasolini aborda a linguagem contida nos jovens
dos anos 1960, especificamente a linguagem contida no cabelo dos jovens daquela
época. Os cabelos compridos, adotados pela juventude revolucionária, traziam,
para o autor, um discurso ‘silencioso’, revolucionário, político, ideológico etc.
Aqueles cabelos longos eram uma linguagem, por produzir códigos
compartilhados e com eles um discurso próprio também. Além disso, essa
linguagem física, material, aponta para algo diferente da linguagem verbal, mais
comum: a linguagem inarticulada. Uma linguagem à qual não temos acesso
integralmente aos seus mecanismos, a sua articulação. (Pasolini, 1990 p. 38)
Um outro enfoque sobre a ausência é feito por Roland Barthes (2003), em
seu livro O Neutro. Desdobrando o enfoque de Pasolini, que defende uma
ausência da linguagem textual, Barthes procura demonstrar que mesmo na
ausência absoluta de código, ainda se mantém algo ‘falante’. Esse silêncio é
absorvido como código. O autor considera que na denominada “semiologia da
moral mundana, o silêncio tem de fato uma substância ‘faladeira’ ou ‘falante’: ele
é sempre o implícito”. (Barthes, 2003 p. 54) Sendo inclusive interpretado como
discursos de diversas ordens: ora como direito, como defesa, como arma, como
crime etc. Portanto, no silêncio – a que explicitamente se refere Barthes, o silêncio
da fala – não está necessariamente ausente um discurso. Ao contrário, nele pode
estar presente de forma implícita, dissimulada.
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Pode-se dizer que nenhum dos escritores que partiram de um combate assaz solitário contra o poder da língua pôde ou pode evitar ser recuperado por ele, quer sob a forma presente póstuma de uma inscrição na cultura oficial, quer sob a forma presente de uma moda que impõe sua imagem e lhe prescreve a conformidade com aquilo que dele se espera. (Barthes, 1988 p. 26)
E, por fim, dentro do próprio estudo da Literatura em geral, a noção de
elipse – como figura de linguagem – traz em si a característica de algo que é
silenciado, mas que (dentro do contexto) é subentendido. Ou seja, uma ausência
textual que também ajuda a produzir o discurso narrativo.
O silêncio, assim, reúne dentro do próprio termo algo de temível e de belo.
Um termo que permite dentro de si uma ambivalência. O silêncio que me permite
concentração, um foco dentro do meu pensamento e só nele, até o silêncio que
preciso fazer para escutar o outro, dar a palavra. Para ouvir com toda atenção o
que o outro me tem a dizer. O silêncio no qual é de direito permanecer, até o
silêncio que me é imposto, obrigado. O silêncio que permanece diante de uma
beleza onde não são encontradas palavras que a traduzam até o silêncio do horror,
onde não se tem nada a dizer. O silêncio na cerimônia como sinal de respeito, até
o silêncio que é feito por precaução. Silêncio por negligência até o silêncio
exigido na cumplicidade. E tantos outros que poderíamos listar aqui.
Em resumo, quando Pasolini aponta para a mudez da linguagem presente
nos cabelos, está se referindo a uma mudez de código textual, mas que através das
imagens (cabelo) é produzido um discurso. Assim, na ausência do código textual,
temos as imagens como portadoras de signo e matéria-prima do discurso. Por
outro lado, Barthes vai apontar que mesmo na ausência absoluta de códigos, o
discurso ainda é produzido. Ou seja, a ausência de código é absorvida pela
linguagem como signo.
A narrativa, tanto no Livro de Imagem quanto na cena do Palhaço Mímico,
prescinde da palavra em sua construção, mas não a ignora. Pelo contrário, tem
consciência da sua falta, da importância cultural dada ao seu uso – daí sua
subversão. E é justamente no jogo e na compreensão do silêncio, proposto nos
dois casos, que funciona a fruição estética e a experiência narrativa nos objetos
escolhidos. É através da análise dessa experiência narrativa, calcada na tensão
entre a expectativa e a ausência, na criação, na veiculação e na recepção, que
procuraremos nortear o trabalho. Não só nortear, mas fazer dessa tensão uma
forma de abordagem alternativa.
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Para compreendermos de que maneira será conduzida essa abordagem é
necessária, primeiramente, a fundamentação de três termos com os quais
inevitavelmente se trabalhará ao longo de todo o estudo: Linguagem, Discurso e
Narrativa.
Em seguida, uma abordagem sobre as características da Linguagem, em
especial seu caráter afirmativo, e sobre a potencialização dessas características no
contexto de uso (discurso) e no encontro com as especificidades do gênero
(narrativa).
É diante desse panorama que buscaremos inserir a noção de ausência. Como
contraponto complementar, e não contrário, como poderíamos suspeitar. A noção
de ausência e a característica afirmativa da linguagem serão ambas contempladas,
proporcionando assim uma abordagem que se estabeleça nesse contraponto.
Sabendo de antemão da impossibilidade de uma abordagem teórica exclusiva para
as noções de Linguagem, Discurso e Narrativa, explicitamos a escolha feita neste
estudo, sem pensar ser ela a única possibilidade de enfrentamento da questão.
2.1 Linguagem, Discurso e Narrativa
Como o objetivo deste trabalho é estudar a experiência narrativa em duas
linguagens específicas, faz-se necessário uma abordagem mais aprofundada do
termo Narrativa, o que inevitavelmente nos leva aos outros dois termos: Discurso
e Linguagem. Por isso, buscaremos referências que nos permitam maior clareza e
justificar a escolha dos termos nesta pesquisa. Verificando entre os principais
autores com os quais iremos trabalhar se temos coerência na acepção dos termos,
mesmo que respeitadas as nuances de abordagem própria a cada obra.
Entendendo a Narrativa como um gênero do Discurso, sendo este a
Linguagem no seu contexto de uso e a linguagem o conjunto de códigos,
poderíamos então entender a Linguagem como substrato do Discurso e este como
substrato da Narrativa.
Porém, cabe apontar que a forma de abordagem, usualmente associada aos
estruturalistas, que entende Linguagem, Discurso e Narrativa como sendo uma
sequência gradativa de complexidade já foi questionada e revista. Autores mais
recentes, com alguns dos quais iremos trabalhar, apontam a sequência de maneira
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inversa: a Narrativa como substrato do Discurso, e este como substrato da
Linguagem. O que propõe a nova organização é entender que o ser humano possui
em si uma pulsão à Narrativa que o conduz no caminho inverso, a produzir
Discurso, e é daí que surge a produção de Linguagem. Ou seja, que a necessidade
da expressão narrativa na comunicação é que, em última instância, levou à
produção do código. Apesar das proposições históricas, entendemos que ambas as
posições não são contraditórias, nem se invalidam mutuamente, e, dentro dessa
perspectiva, procuraremos lidar com ambas de maneira complementar. Essa
abordagem, em que não se propõe o confronto que resulta numa polarização,
deverá ser buscada porque não se entende a ciência como um discurso de
trajetória retilínea e contínua.2
Apesar de aprofundados em áreas de estudos específicas (Linguística,
Análise de Discurso e Narratologia), é importante frisar a característica
indissociável que possuem os termos entre si. O que significa dizer que uma
análise aprofundada que se possa fazer sobre qualquer uma das três áreas acabará
por buscar referências nas outras duas. Assim, os estudos que versam sobre
Linguagem, Discurso e Narrativa necessitarão de um foco interdisciplinar, não só
pela relação entre os três campos, mas também pela relação deles com o sujeito e
seu contexto social. Para este estudo, portanto, também será necessário transitar
entre as áreas e refletir sobre as questões próprias de cada termo e de sua relação
com os outros.
Para iniciarmos essa análise, usamos a obra Análise de Discurso, cuja
autora, Eni Orlandi (2005), aponta as diferenças entre essa área e a análise de duas
outras áreas que também se ocupam da linguagem: uma delas que a trata como
código – Linguística –, e a outra como normas – Gramática. A Linguística procura
pensar a Linguagem como código, como matéria-prima com a qual se procurará
trabalhar e produzir enunciados e, portanto, discurso. A Gramática, como “normas
de bem dizer”. A linguagem seria, então, “a materialidade do discurso”, o
conjunto de elementos básicos com os quais se produz enunciados discursivos.
A preocupação de Eni Orlandi é sobre a análise de discurso, por isso, a
autora vai se ater de forma abrangente não à matéria-prima, mas ao contexto
social onde ela é usada. O que fica claro na passagem a seguir. 2 Tal discussão é aprofundada no artigo escrito por Gamba Jr, e Eliane Garcia apresentado
no ??? Congresso de Desenvolvimento e Pesquisa em Design ???, em que segundo o autor o desafio é conseguir lidar com a complementaridade de visões diferentes.
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... não se trabalha, como na Linguística, com a língua fechada nela mesma mas com o discurso, que é um objeto sócio-histórico em que o linguístico intervém como pressuposto. Nem se trabalha, por outro lado, com a história e a sociedade como se elas fossem independentes do fato de que elas significam. Nessa confluência, a Análise de Discurso critica a prática das Ciências Sociais e a da Linguística, refletindo sobre a maneira como a linguagem está materializada na ideologia e como a ideologia se manifesta na língua. Partindo da ideia de que a materialidade específica da ideologia é o discurso e a materialidade específica do discurso é a língua, trabalha a relação língua-discurso-ideologia. (Orlandi, 2005 p. 16-7)
Apesar de não termos uma equivalência direta entre os termos Linguagem e
Língua, encontraremos em alguns autores o uso quase como sinônimos. Serão
compreendidos aqui: a língua como código e a linguagem como a qualidade desse
código. Ou de maneira exemplar para Barthes: “A linguagem é uma legislação, a
língua é seu código.” (Barthes, 1988 p. 12)
Por conta dessa questão, neste estudo teremos a preocupação de quando
falar da linguagem explicitar a natureza do código (icônico, textual, gestual). Por
isso a adjetivação de linguagem nesta pesquisa sempre remete ao tipo de código:
linguagem visual, textual, híbrida etc.
O discurso para Eni Orlandi é a palavra em curso, o processo, a linguagem
produzindo sentido. O que, portanto, inevitavelmente levará em consideração o
seu contexto de uso, caracterizando-se como uma área do conhecimento que é
fundamentalmente interdisciplinar.3
Para ilustrar, Eni Orlandi cita um evento ocorrido em uma eleição
universitária em que uma faixa (preta com letras brancas) fora colocada para
tranquilizar os eleitores de que o processo de votação seria seguro, pois os votos
não seriam identificados. A análise feita pela autora parte não só da frase “vote
sem medo”, mas também da maneira como ela foi apresentada e do contexto onde
ela estava. Segundo Eni, a faixa na cor preta nos anos 1960 trazia uma memória,
que não se pode negar numa análise do discurso. A cor preta, do ponto de vista da
cromatografia política da época, era associada ao fascismo, aos conservadores, à
“direita” política. As palavras “sem medo” trazem em si características implícitas:
a de que há uma suspeita sobre algum candidato – que supostamente estaria
3 A autora procura trabalhar sua obra sobre três pilares que considera fundamentais para a
abordagem: a Linguística – pela abordagem mais específica que faz do código, da língua; o Materialismo Histórico, por pressupor o contexto social e o “legado do materialismo histórico”, onde o homem é parte actante da história; e a Psicanálise, pois leva em consideração também a construção subjetiva (do leitor e do autor).
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ameaçando o eleitor que não votasse a seu favor e, portanto, sugerem uma
ameaça.
Como contraponto para explicitar melhor o exemplo, Eni propõe que na
mesma situação a faixa tivesse configurações diferentes: fosse branca e escrita em
cores vermelhas: “vote com coragem!”. A cor vermelha ligaria historicamente a
posições revolucionárias, transformadoras (referenciada ao comunismo e ao
socialismo da época), e o termo coragem faze apelo à disposição de luta. Assim,
as duas situações colocariam condições diferentes de leituras, o que implicaria em
estabelecer condições políticas diferentes. Se no primeiro caso estaríamos
associando à faixa negra e ao texto uma posição fascista, conservadora, isso
significa dizer que independentemente da posição política de quem colocou a
faixa, o discurso seria analisado agregando a ele questões políticas bem
determinadas.
Ficam nítidas com esse exemplo, portanto, as contribuições que a análise de
discurso pode dar ao campo do Design. Justamente por sua característica
fundamentalmente interdisciplinar é que uma análise que busca esse tipo de
abordagem torna-se relevante para uma pesquisa voltada ao Projeto. Uma análise
que se propõe a pensar as imagens, as cores, o contexto, além do conteúdo textual,
está intimamente ligada ao pensamento projetual. E assim:
Os dizeres não são, como dissemos, apenas mensagens a serem decodificadas. São efeitos de sentidos que são produzidos em condições determinadas e que estão de alguma forma presentes no modo como se diz, deixando vestígios que o analista de discurso tem de apreender. São pistas que ele aprende a seguir para compreender os sentidos aí produzidos, pondo em relação o dizer com sua exterioridade, suas condições de produção. Esses sentidos tem a ver com o que é dito ali mas também em outros lugares, assim como com o que não é dito, e com o que poderia ser dito e não foi. Desse modo, as margens do dizer, do texto, também fazem parte dele. (Orlandi, 2005 p. 30)
No Dicionário de Teoria Narrativa, de Carlos Reis e Ana Cristina Lopes
(1988), sob o ponto de vista de Benevistes encontra-se uma noção do termo
Discurso, que é determinante “pela introdução do sujeito e da situação como
parâmetros decisivos da descrição da atividade verbal”. Eles entendem o discurso
dessa maneira, diferentemente da língua, pois segundo eles a língua é o “sistema
de sinais formais que só se atualiza quando assumidos por um sujeito no ato da
enunciação”. O discurso, porém, é o uso dessa língua, que também “faculta uma
referência ao mundo e comporta marcas mais ou menos explícitas da situação em
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que emerge” (Reis & Lopes, 1988 p. 28). Ou, em outras palavras, concebe-se o
discurso como uma enunciação que é fundamentada no seu contexto de produção.
Na esteira desta abertura, encontra-se a concepção de discurso como enunciado considerado em função das suas condições de produção. Com esta formulação, pretende sublinhar-se que os locutores não são meros pólos de um circuito comunicativo, mas sim entidades situadas num tempo histórico e num espaço sociocultural bem definido que condicionam o seu comportamento lingüístico. (Reis & Lopes, 1988 p. 28)
E a narrativa, por sua vez, como gênero discursivo se especifica por três
características fundamentais: alteridade, sequencialidade e dimensão
temporal/espacial. A característica da alteridade nos remete a uma narração de
fatos que estão objetivamente colocados diante do sujeito. E, nessa situação, o
sujeito formula uma narrativa, transmitindo aquela experiência para outro. A
forma como se desenvolve essa narrativa é sequencial, ou seja, pressupõe uma
apresentação organizada numa sequência factual. Inclui por fim a dimensão
temporal (tempo de leitura, tempo da narrativa, ritmo) e espacial (deslocamento,
cenários etc.).
É importante diferenciar um segundo aspecto, que diz respeito ao gênero:
lírico e narrativo. O que essa separação propõe é pensar na dimensão lírica e
poética como uma perspectiva subjetiva da produção de discurso. Apesar de
diferenciar-se da narrativa pela alteridade, isso não impossibilita que possamos ter
uma visão poética inserida em uma narrativa, mas que essa, prioritariamente, nos
apresenta a dimensão temporal, sequencial, factual, espacial e numa perspectiva
da alteridade.
A partir de então podemos pensar em outro processo de classificação que
por vezes será usado nesta dissertação: os gêneros narrativos. A primeira grande
divisão é quanto ao caráter real ou ficcional da narrativa. Sobre essa ótica pode-se
colocar a divergência entre a perspectiva filosófica – a qual faz referência à
realidade como sendo percebida pelo sujeito e, portanto, inevitavelmente
reelaborada e transformada: o que implica numa inexistência de uma realidade
objetiva, já que toda realidade é mediada; portanto, “tudo é ficcional” – e a
perspectiva cultural, que pressupõe uma circunstância de provas que legitima a
veracidade dos fatos colocados. Dessa discussão, no campo da ficcionalidade
emerge a ideia de Verossimilhança: semelhança intuitiva com a verdade que
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satisfaz a perspectiva cultural, sem, contudo, desfazer a noção da ficcionalidade –
uma “suspensão da prova”, como aponta Umberto Eco (1994).
Outra divisão proposta é segundo o destino do conteúdo, ou seja, seu
receptor: Infantil ou Adulto. Posteriormente, gêneros historicamente construídos
que pertencem também à ordem da fruição, mas que pressupõe muitas vezes
características intrínsecas à obra e sua estrutura: Narrativa Trágica, Cômica e
Dramática. Por fim, numa perspectiva de uso aplicado: Narrativa Informacional,
de Entretenimento, Didática e Cultural.
Acrescenta-se enfim a ideia de que a narrativa pode ainda ser expressa nos
mais diferentes suportes fazendo uso comumente da linguagem verbal (texto
escrito ou oral), mas também icônica (Livro de Imagem, Cinema Mudo etc.),
inclusive em situações híbridas (Livros Ilustrados, Histórias em Quadrinhos,
Cinema, Artes Cênicas etc.).
Elementos Narrativos
Dentro da narrativa levamos em consideração os seguintes elementos
estruturais que a caracterizam: Universo temático, Personagens, Cenário, Trama,
Matriz Temporal e Narrador. Apesar de procurarmos trazer uma definição
específica de cada um deles, vale sublinhar que tratam-se de elementos
indissociáveis entre si. Em diversos momentos poderemos notar que na tentativa
de uma definição de um determinado elemento, inevitavelmente conduziremos a
uma abordagem em conjunto com um ou mais elementos diferentes.
O Universo temático caracteriza a atmosfera em que está inserida a
narrativa, atravessando todos os outros elementos. É assim, talvez, o elemento de
maior amplitude dentro da narrativa, criando uma harmonia entre os elementos.
A personagem é o actante da história, ou seja, aquele que vive os fatos e age
dentro da narrativa. Mesmo que este não seja um humano, comumente adota-se
uma perspectiva antropomorfa sobre ele. Num sentido mais amplo, pois
antropomorfizar aqui não se resume somente a dar formas físicas, mas também
características subjetivas, culturais, psicológicas, cognitivas e de personalidade.
Dotada, então, da capacidade de agir como um ser humano. Pode haver diversas
personagens, distribuídos numa hierarquia de importância ao longo da história.
O cenário é o ambiente em que se desenvolve a narrativa. O plano de fundo,
o local ou os locais onde transcorrem os fatos vividos pelos personagens.
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A trama é o sequenciamento dos fatos a que o personagem se depara. A
construção da narrativa dá-se nesse encadeamento, onde um fato tem sempre
relação com o seguinte, o anterior e o contexto geral da narrativa.
A este último está ligado, principalmente, o tempo – estrutura de uma matriz
sob a qual se organizam os fatos, sequenciadamente. A disposição sequencial não
implica pensar que se organizam necessariamente em ordem cronológica linear.
O Narrador é quem nos apresenta os fatos. Este pode ser também um
personagem da história, que vivencia os fatos e os transmite para o leitor, ou um
ser onisciente que apresenta a história sem participar efetivamente dela como
actante. Podemos classificá-lo em diferentes categorias de acordo com seu
envolvimento mais ou menos distanciado da narrativa: narrador autodiegético –
entidade que relata os fatos de sua própria experiência; heterodiegético – aquele
que narra fatos vivenciados por uma terceira pessoa, não fazendo parte da história
como actante; homodiegético – entendido como um participante dos fatos
narrados, sem, contudo, se colocar na figura central que protagoniza a história.
Aproxima-se assim do autodiegético, pela vivência dos fatos narrados, mas
distancia-se por não tratar-se da personagem central da narrativa.
A partir desses elementos é importante perceber as relações construídas
internamente na narrativa, por cada um deles ou pelo conjunto. A matriz temporal,
por exemplo, permite uma reorganização factual, que não obedece literalmente à
ordem dos fatos naturalmente vividos. O que conduz à ideia de analepse (ex.
flashback), um deslocamento temporal dentro da história. O que interfere
decisivamente no ritmo da narrativa, ou seja, na relação entre o tempo da história
(o tempo de duração dos fatos) e o tempo da narração (tempo gasto para se narrar
os fatos). Uma história que transcorra em um ano pode ser transmitida em apenas
alguns minutos. Por outro lado, a experiência de uma situação de risco, que dure
alguns segundos, pode levar horas para ser narrada. Assim, deparamo-nos com
duas ideias de tempo: o tempo de leitura (tempo gasto para receber a narrativa) e o
tempo da narrativa (aquele a que faz referencia a história).4
Diante dessa breve apresentação do que compreendemos por Linguagem,
Discurso e Narrativa, cabe partirmos agora para as questões mais recentes que a
eles estão colocadas. Diversos foram os autores que levantaram questões e
4 Sobre essa questão, consultar a obra Seus passeios pelos bosques da ficção, de Umberto Eco (1994).
33
relacionaram esses três termos com outros contextos de estudo. Alguns desses
foram escolhidos por trazerem questões pertinentes à perspectiva que se pretende
nesse trabalho.
Relacionando Narrativa e Ciência, temos um autor que traz contribuições
importantes para a pesquisa: Jean-François Lyotard (2006). Em seu livro A
Condição Pós-Moderna, ele aponta para a ciência como uma espécie de discurso,
inclusive protagonizando reflexões acerca da linguagem e também sendo afetada
diretamente por ela. Este é um dos pontos principais abordados por Lyotard, pois
sendo o saber uma espécie de discurso, o saber científico não é todo o saber, pois
além de diretamente ligado, compete com outro saber ao qual Lyotard denomina
de saber narrativo. Assim, narrativa e ciência, segundo o autor, encontram-se
equiparados, no que tange à terminologia adotada, traduzidos como produtos
discursivos.
Lyotard, ao adotar como método de seu estudo os Jogos de Linguagem de
Wittgenstein, vai também propor um olhar sobre a linguagem como regras
promovidas a partir da constituição de um contrato social. Ou seja, sob a ótica dos
Jogos de Linguagens, que
centraliza sua atenção sobre os efeitos dos discursos, chama os diversos tipos de enunciados que ele caracteriza desta maneira, e dos quais enumerou-se alguns, de jogos de linguagem. Por este termo quer dizer que cada uma destas diversas categorias de enunciados deve poder ser determinada por regras que especifique suas propriedades e o uso que delas se pode fazer. Exatamente como o jogo de xadrez se define como um conjunto de regras que determinam as propriedades das peças, ou o modo conveniente de deslocá-las. (Lyotard, 2006 p. 16-7)
E assim considera três observações: as regras dos jogos de linguagem não
possuem sua legitimação em si mesmas, constituem um objeto de contrato entre
os jogadores; sem regras não há jogo e se modificadas, modifica a natureza do
jogo, portanto se um lance não satisfaz as regras, não pertence ao jogo; por último
considera-se cada enunciado como um lance. A última observação entende, assim,
a fala, o discurso, no sentido de jogo, como atos que provém de uma agonística. E
essa agonística, o “espírito competitivo” está na natureza do homem e que este
portanto só estabelece as regras para que o jogo, a disputa, possa ser realizada.
Entendendo então discurso como produção de sentido e linguagem como o seu
processo de uso.
34
Por outro lado, Umberto Eco (2005), em a Obra Aberta, considera a
Linguagem como uma organização de estímulos efetuada pelo homem, portanto
não natural, e baseando-se em definições da Linguística, compreende que “a
linguagem não é um meio de comunicação entre outros; é o ‘fundamento de toda
comunicação’; melhor ainda, ‘a linguagem é realmente o próprio fundamento da
cultura’.” (Eco, 2005 p. 73) Ao longo do texto, ele utiliza-se dessa terminologia
para analisar o conceito de “discurso aberto” em uma obra de arte. Este
caracterizado pela ambiguidade permitida numa organização da linguagem que dá
abertura a leituras e significações diversas. A possibilidade de significações
diferentes para a mesma obra dá-se, para Eco, na relação de fruição, ou seja, no
contexto em que se dá sua recepção.
Giovanni Cutolo, autor que escreve a apresentação de Obra Aberta, nos
mostra como Umberto Eco se coloca mediante essa discussão. Segundo ele, Eco
não se apóia sobre a teoria estruturalista ao descrever o que entende por obra
aberta, apesar de utilizar-se de alguns conceitos e termos, como vistos acima. Para
Cutolo,
Eco, na realidade, sustenta um ‘modelo teórico’ de obra aberta, que não reproduza uma presumida estrutura objetiva de certas obras, mas represente antes a estrutura de uma relação fruitiva, isto independentemente da existência prática, factual, de obras caracterizáveis como ‘abertas’. Ele não nos oferece o ‘modelo’ de um dado grupo de obras, mas sim de um grupo de relações de fruição entre estas e seus receptores. Trata-se portanto da tentativa de estatuir uma nova ordem de valores que extraia os seus próprios elementos de juízo e os seus próprios parâmetros da análise do contexto no qual a obra de arte se coloca, movendo-se em suas indagações para antes e depois dela, a fim de individuar aquilo que na verdade interessa: não a obra-definição, mas o mundo de relações de que esta se origina; não a obra-resultado, mas o processo que preside a sua formação; … (Cutolo, A abertura de Obra Aberta. In: Eco, 2005 p. 9-10)
Assim, Eco demonstra não considerar a obra de arte como uma estrutura na
qual se pode separar as partes, e separá-la do contexto. E, além disso, percebe uma
obra como a manifestação de uma pulsão anterior à criação e sua fruição, ou seja,
sua relação com a recepção, como parte dessa criação. Parte da obra estaria sendo
construída na relação de fruição, e não apresentada como resultado de uma
organização de uma estrutura mais elementar. A linguagem viria a serviço do
discurso, na qual torna-se significativa, não o contrário. Representaria a torção
pós-estruturalista que mencionamos no início.
Também em Barthes é nítida a concepção de Linguagem como matéria-
prima, principalmente no texto Aula (Barthes, 1988), em que discute
35
fundamentalmente sobre Linguagem e Poder. Para o autor, o poder está
“emboscado em todo e qualquer discurso”. O que permite ao autor a generalização
da presença de poder no discurso é que para ele o poder não está somente no
discurso, mas engendrado na própria matéria-prima da qual ele é feito
(linguagem). Assim, estando o poder presente na própria linguagem, todo
discurso, toda comunicação está impregnada inevitavelmente dele.
Em outro momento interessante, Barthes chama atenção para a necessidade
de “representação de alguma coisa” pelo homem, como pulsão à constituição, e,
posteriormente, transgressão da linguagem. Para o autor, desde tempos antigos até
as tentativas mais recentes o homem busca, talvez inutilmente, como afirma o
autor, a representação do real. Assim, aponta então para uma recusa do homem
em acreditar na impossibilidade do real ser representado pela linguagem e,
portanto, sua produção discursiva incessante. O desejo então de representar o real
seria o motor para a manutenção, recriação e criação da linguagem.
É ainda fundamental a abordagem de Michel Lahud (1993) no que tange a
discussão sobre o cinema e sua linguagem. Nele podemos perceber a visão
contrária à de uma linguagem pronta com a qual o homem trabalha, organiza e se
comunica. Segundo Lahud, Pasolini reconhecia na linguagem cinematográfica
uma certa realidade, “uma expressão da realidade através da própria realidade”. A
experiência linguística do cinema seria portanto uma experiência filosófica, de um
olhar sobre o real. Assim, “se as coisas podem ser significantes quando
reproduzidas, é porque certamente já são, mesmo antes de se tornarem imagens
cinematográficas, elas próprias sempre significativas” (Lahud, 1993 p. 40-2).
Ainda mais radical, Pasolini afirmaria que nada escapa à esfera do simbólico, não
existindo uma realidade natural e muda, transformável em discurso através do
processo artístico ou cultural, mas que tudo já é “naturalmente” percebido como
signo de si mesmo, ou seja, ela mesmo, a realidade, é linguagem. Linguagem que
se dá no confronto dessa realidade com o homem. E conclui que na natureza do
homem existe uma pulsão discursiva que conduz a uma tradução da natureza e
portanto uma produção de linguagem.
Assim, a inclinação humana ao discurso impulsionaria a elaboração,
tradução e percepção de linguagem.
Em resumo, teríamos esquematicamente duas reflexões:
36
- Linguagem como matéria-prima do discurso e narrativa como gênero
discursivo.
- Pulsão narrativa de organização do espaço/tempo como uma demanda de
produção de sentido discursivo e a partir daí a estruturação do código.
Nessa dupla visão sobre os termos Linguagem, Discurso e Narrativa é que
conduziremos a abordagem deste trabalho levando em consideração ambas as
vertentes. Não entendidas como contraditórias, mas como complementares, já que
suas definições não se alteram ao se modificar essa relação. Permitindo-se
compreender de forma mais complexa e plástica: Linguagem como a estrutura do
código, Discurso como produção de sentido pela Linguagem e Narrativa como
produção discursiva numa organização específica que inclui os elementos:
alteridade, sequência e relação espaço/tempo.
Dentre as diversas reflexões já feitas sobre a Linguagem, uma questão
emerge de maneira oportuna para a perspectiva desse trabalho e que justifica uma
análise mais aprofundada: a inclinação afirmativa, ou assertiva, da linguagem.
2.2 Inclinação Afirmativa da Linguagem
As discussões sobre essa questão envolvem diversas áreas que dialogam
nessa pesquisa com o campo do design, sendo elas: a área da filosofia em Barthes
(1988 e 2003) na Aula e em O Neutro; da produção científica (entendendo a
ciência como produto discursivo), como aponta Lyotard (2006) em A Condição
Pós-Moderna; a área da comunicação nos estudos de Umberto Eco (2005) em
Obra Aberta; e finalmente no âmbito das relações sociais e das artes com Pasolini
(1990) em Jovens Infelizes.
Barthes (1988) abre o seu texto Aula discorrendo sobre o poder e vai chegar
à linguagem como sendo o lugar onde se instala o poder que atravessa a história
da humanidade:
A razão dessa resistência e dessa ubiquidade é que o poder é o parasita de um organismo trans-social, ligado à história inteira do homem, e não somente à sua história política, histórica. Esse objeto em que se inscreve o poder, desde toda eternidade humana, é: a linguagem – ou, para ser mais preciso, sua expressão obrigatória: a língua. (Barthes, 1988 p. 12)
37
Mais adiante, ainda aponta na linguagem uma “voz dominadora, teimosa,
implacável”, em cuja característica “fascista” dois outros aspectos se colocam: “a
autoridade da asserção, o gregarismo da repetição” (Barthes, 1988 p. 14,15).
Assim, segundo o autor, somos forçados pela linguagem a nos comunicar,
pensar e produzir conhecimento de maneira assertiva. A comunicação por signos
também traz em si uma característica fundamental: a de reconhecimento dos
signos. Um signo torna-se signo à medida que é reconhecido. Para tanto é
necessária sua repetição. Essa repetição dita a segunda característica apontada.
A ciência se coloca no centro dessa discussão porque, entendida como
discurso, e impregnada das duas características citadas (e potencializadas por
estarem em movimento, em uso), tende agir de maneira afirmativa – excluindo a
dúvida, a incerteza. A discussão sobre o confronto de dados quantitativos e
qualitativos, a produção acadêmica e o mercado, método teórico-crítico e prático,
podem servir aqui de exemplo à perspectiva abordada – se entendermos que das
discussões não se assume a adoção de um, em detrimento do outro, definindo
portanto o enfoque interdisciplinar. Além disso, concordam tanto Barthes (1988)
como Eco (2005), que ao rediscutir na ciência sua inclinação assertiva esbarram
em uma outra característica da linguagem: sua capacidade de absorção, de rápida
significação, de readaptação. Ou seja, qualquer ruptura, qualquer proposta que
trapaceie a linguagem, tende a ser reabsorvida como linguagem. O que quer dizer
que a alternativa proposta por Barthes de “trapacear a língua” encontra um
obstáculo: o de que nenhum combate contra o poder da linguagem pode evitar ser
reabsorvido por ela sob a “inscrição na cultura oficial”. “Não há outra saída (...)
senão o deslocamento – ou a teimosia – ou os dois ao mesmo tempo.” (Barthes,
1988 p. 26) Eco aponta para uma “constante ruptura” necessária à tensão no
discurso.
No âmbito da comunicação podemos perceber também uma situação
parecida, justamente porque, como afirma Eco, a linguagem não é só um meio de
comunicação, mas o fundamento dela e num âmbito maior, o fundamento da
cultura. A questão então está entranhada, como previa Barthes e como reforça
Eco, dentro da trajetória da humanidade, pois está inserida na cultura.
Ao mesmo tempo então que a linguagem empresta suas características ao
discurso, e portanto à narrativa, estes últimos, por serem organizações mais
38
complexas, tendem a potencializar e intensificar tais características. Mas, por
tratar-se da linguagem em curso, em processo, é o momento também onde torna-
se possível o enfrentamento proposto. Ao mesmo tempo em que se complexifica,
se abre a possibilidade de enfrentamento.
Alguns autores apontam para essa ruptura, esse enfrentamento do afirmativo
da linguagem, uma chance à dupla leitura. Numa tentativa de transgressão, pela
possibilidade de se construir um discurso que possa conter diversos sentidos numa
mesma leitura. Assim, em vez de termos uma definição e uma transparência do
discurso, própria da assertividade da linguagem, teríamos uma abertura a
diferentes leituras, diferentes entendimentos de uma mesma enunciação e também
a dúvida, a incerteza. A essa ideia, está intimamente associada a noção cunhada
por Bakhtin (2003) de Inacabamento, que será de grande importância para o
trabalho. A ideia de Inacabamento nasce da percepção da necessidade de um
complemento (acabamento) no ato da fruição estética da obra. Ou seja, a noção de
que a obra só se faz completa na medida em que encontra um espectador que a
preenche de sentido. E assim, o entendimento de que o acabamento presente no
ato da fruição depende do sujeito e do contexto em que ele a observa permite
leituras distintas de uma mesma obra. Como na Obra Aberta de Umberto Eco.
“É nossa relação que define o objeto e não o contrário.” (Bakhtin, 2003 p. 4)
Segundo Bakhtin, a vida é um acontecimento inacabado, sendo isso uma condição
necessária à vida. Mas na Arte, o autor no ato de criação de um personagem
precisa dar-lhe uma vida esteticamente acabada. Precisar criá-lo integralmente.
Esse “excedente” na criação, ou seja, esse complemento axiológico proposto por
Bakhtin, é o que ele vai chamar de Acabamento. É o excedente de visão, essa
visão externa – “sempre verei e saberei algo que ele, da sua posição fora e diante
de mim, não pode ver” (Bakhtin, 2003 p. 21) – que não posso ter de mim mesmo
na vida, só no encontro com o outro. “O autor vivencia a vida da personagem em
categorias axiológicas inteiramente diversas daquelas em que vivencia sua própria
vida e a vida de outras pessoas.” (Bakhtin, 2003 p. 13) Ou seja, o que vejo no
outro, só o outro tem o poder de ver em mim. Da mesma maneira como o
vivenciamento interno, só eu posso ter da vida. E é no jogo entre a visão que
contempla o vivenciamento interno que Bakhtin vai dar o nome de “volitivo-
emocional” e o “excedente de visão”, que permitirá o acabamento estético, ou
seja, o ato de dar forma ao objeto de criação, que se dará a criação estética.
39
Diversas foram as discussões sobre a pluralidade de leituras de uma mesma
obra, sobre um mesmo texto ou sobre uma imagem. Umberto Eco torna-se
referência com a Obra Aberta por esclarecer de que maneira ele compreende essa
pluralidade de sentido. Especialmente na área da Literatura Ilustrada, muitos
autores abordam a questão, em especial pela relação entre o texto e a imagem e a
possibilidade de leitura híbrida. Nesse ponto em especial, poderíamos destacar um
fator presente na maior parte dessas abordagens: a construção conjunta permite
que o texto e as imagens se complementem mutuamente. Assim, o que é dito no
texto é complementado pelas informações visuais e vice-versa, numa construção
em que já não se torna mais possível separar as duas linguagens sem que altere o
sentido da história. Uma das possíveis maneiras de se construir essa relação é no
contraponto de linguagem: enquanto uma linguagem propõe parte das
informações sobre a narrativa, mantém em suspenso outras que serão apresentadas
pela outra linguagem. Logo, funcionando numa espécie de jogo onde na ausência
de uma linguagem a outra se faz presente.
Veremos que a noção de Inacabamento está presente também no humor – na
ideia de duplo sentido, por exemplo. Freud (1905) aponta a questão da
possibilidade de múltipla leitura, justamente quando aborda a questão do chiste. O
autor subdivide a sua análise em três partes, nas quais procurou estudar e observar
a técnica, os propósitos, os motivos e o processo social dos chistes. Diante da obra
pudemos verificar algumas características apontadas por Freud que nos permitem
compreender melhor o fenômeno e relacioná-lo com a questão.
O chiste seria um mecanismo de “transgressão e liberdade”, uma forma de
desconcertar as pessoas diante das regras, normas e moral. Essa transgressão é
possível por uma outra forma de leitura das regras e normas, o que conduz a um
deslocamento de sentido e o desconserto. As brechas que podem haver nas regras
sociais são exploradas no chiste. A essa possibilidade de duplo sentido, ou de
multiuso, como chama o autor, está ligada então a ideia de uma abertura que
permite outra leitura. Muitas vezes, como no caso do Palhaço, esse deslocamento
é feito por uma visão estúpida ou absurda do mundo, o que provoca o riso. Há
ainda a possibilidade da representação pelo oposto, partindo de uma ótica
invertida ou a possibilidade de alusão.
O mecanismo de transgressão, de possibilidades de novas leituras, de
rompimento de leituras e olhares “pré-estabelecidos”, é furar os procedimentos e
40
normas que constroem e codificam um determinado modo de enxergar certa
situação. Mas não somente de furar os procedimentos. Também é preciso
reconhecer que a multiplicidade de leituras está presente no discurso, ou ainda
pode ser proposto no discurso. O que deixa implícita a ideia de que há, nos
discursos, lacunas ou brechas que serão “preenchidas” ou “acabadas” de
diferentes maneiras. A possibilidade do Palhaço romper com a rigidez pelo humor
é a mostra de que há múltiplas possibilidades de ler um discurso, uma situação e,
por fim, de ver o mundo.
Podemos perceber o Inacabamento quando pensamos nos intervalos
presentes na narrativa dos livros ilustrados. Sendo de natureza elíptica (Linden,
2011), implica uma complementação pelo leitor. Assim como na narrativa textual
podemos perceber informações que estão contidas nas “entrelinhas”, que não
estão presente mas são subentendidas, também nos livros de imagem, mesmo sem
o texto escrito, perceberemos o jogo estabelecido pelo autor com informações que
estão ausentes mas são subentendidas. Quer seja na passagem de uma ilustração
para outra – que pressupondo a noção de sequencialidade, provoca o
preenchimento da lacuna temporal entre as páginas/imagens –, quer seja pelo
recorte feito pelo ponto de vista proposto na ilustração – que contempla parte da
realidade narrada, enquanto inevitavelmente omite outras. E é nesse jogo,
sequencial, de ausência e complementação que se desenvolve a narrativa.
É a partir dessas questões que Sophie Van der Linden vai compreender o
Livro Ilustrado (e também o Livro de Imagem), especialmente como um objeto de
natureza “elíptica e incompleta” (Linden, 2011 p. 48). Em diversos momentos os
autores referenciados neste trabalho abordam essa questão, seja pelo aspecto das
“lacunas e brechas” preenchidas pela outra linguagem (textual/visual), seja pelas
lacunas existentes entre uma página dupla e outra – numa espécie de
“entrepáginas”, parodiando a noção de “entrelinhas”. Sendo assim, o que “não é
dito” é também de potencial importância para o texto. Como as pausas e silêncios
destacados por Linden para a composição do ritmo (Linden, 2011 p. 147), ou nas
formas “inacabadas”, bem como nos “brancos” (Linden, 2011 p. 150):
Textos e imagens manifestamente trabalham em conjunto, mas também sabem, por sua vez, criar alguns ‘brancos’. Aos do texto correspondem a vaporosidade da imagem, seja quando mantém indefinição, seja quando
41
revela a carência à custa de muita observação ou interpretação subjetiva. (...) Os ‘brancos’ não são sistematicamente preenchidos e, na maioria das vezes, texto e imagem lançam seus não ditos um para o outro. (Linden, 2011 p. 152, 153)
Cabe ressaltar que a ideia de uma natureza elíptica e incompleta não se
limita somente ao objeto em questão. Poderíamos verificar além dos livros
ilustrados, também nos livros sem imagens a ideia de uma natureza elíptica que
complementaria a narrativa, como propusemos num paralelo entre os termos
“entrepáginas” e “entrelinhas”. A ideia, portanto, é perceber na ausência, no que
não é dito, a potencialização de múltiplas leituras. É explorando as brechas de
regras e normas que o Palhaço constrói seus números e é explorando as imagens e
suas ausências (o que está fora do quadro, ou que está “entre as páginas”) que
também se constrói a narrativa no Livro de Imagem. E mais visível ainda no
Palhaço Mímico, que constrói sua narrativa no que não mostra, utilizando-se de
elementos que não estão presentes para produção de discurso e sentido. É,
portanto, na ausência que trabalha o Palhaço Mímico – na ausência da fala, como
é de costume associá-lo, mas muitas vezes também na ausência de objetos
(elementos de cena, de cenários etc.).
Na ideia de ausência duas questões estão colocadas. A primeira corresponde
a certa competência de leitura – a ideia de que o leitor compreende o mecanismo
de que na sequência de imagens é apresentada uma narrativa. E que as imagens
mostradas não são necessariamente todas as ações dessa narrativa, mas o
suficiente para que sejam compreendidas. Na junção entre as informações
apresentadas com as informações que não são ditas na sequência visual, o leitor
constrói um sentido para o discurso narrativo. A segunda, de que o leitor está
diante dos fatos no momento em que eles acontecem. Sendo assim a história não
está escrita, está em processo de construção.
Destacando a característica afirmativa da linguagem, a ela propomos um
contraponto, uma abordagem alternativa pretendida neste trabalho: um olhar para
um objeto cuja característica é a ausência do elemento sob o qual esse objeto é
normalmente analisado e criticado. A narrativa, tanto no Livro de Imagem quanto
na cena do Palhaço Mímico, prescinde da palavra em sua construção. E é
justamente partindo da ideia de que no jogo e na compreensão do silêncio,
propostos nos dois casos, funcionam a fruição estética e a experiência narrativa.
42
Assim, a ausência como forma de abordagem se coloca como uma busca por
enfrentar a característica afirmativa da linguagem, sem contudo entendê-la como
oposta. Mas, na concepção de que nesse jogo de complementaridade se estabelece
uma condição oportuna para a análise.
2.3 Um olhar para a ausência
Para darmos início a abordagem sobre ausência, iremos primeiramente
pensá-la como forma de Silêncio. Utilizaremos o termo silêncio apesar de
encontrarmos em diferentes autores a mesma noção nomeada de maneira diversa.
A partir de então, averiguaremos as razões desses silêncios e o que eles teriam em
comum entre si, de tal maneira que permitissem uma organização.
O caminho escolhido para essa organização se deu a partir de três categorias
em que o uso da palavra silêncio poderia ser pensado: o que é indizível, o que não
deve ser dito e o que não é dito. Em todos os casos iremos, por simplificação,
conduzir o silêncio como ausência de discurso representado pela linguagem verbal
(oral ou escrita). O que não limita a perceber o silêncio somente no âmbito dessa
linguagem. A discussão que se estabelece poderia ser expandida a outras
linguagens diferentes, sem contudo perder sua essência.
O vácuo do indizível
Axel Honneth (2009), através dos estudos da psicanálise, traz uma análise
da relação entre mãe e filho chamando atenção, principalmente, pela maneira
como essa relação é construída, já que a criança ainda não possui domínio da
linguagem verbal. A partir do exemplo de Honneth, podemos dar início à reflexão
sobre essa categoria do silêncio: o indizível. No exemplo dado acima, em que a
criança ainda não possui o domínio da linguagem verbal para traduzir seus
sentimentos e ânsias, está presente o indizível. O que buscamos entender desse
vácuo é a ausência (como desconhecimento) do código.
Bem próximo a esse tipo de silêncio imposto pela ausência do código temos
o silêncio pela limitação de um código. Uma expressão sensível diante da qual
diríamos como consenso que “não temos palavras para descrevê-lo” é o motivo,
43
por exemplo, para o silêncio indizível por limitação. É uma experiência que pode
ser percebida em uma obra de arte, na fruição, no prazer, na alegria, no gozo. Mas
como o silêncio é ambivalente e convive bem com o diferente e o contrário,
também encontramos o silêncio na violência, na feiúra, na tristeza, na dor –
também muitas vezes rompido com grunhidos e sons que na tentativa de exprimir
o sentimento, só encontra sons sem significado verbal.
Cabe ressaltar que no silêncio por limitação da linguagem, quando não
encontramos recursos suficientes, muitas vezes lançamos mão de outras
linguagens que possibilitem o escape. É uma espécie de complementação à lacuna
deixada por uma linguagem. Ou ainda conjugamos informações de linguagens
distintas produzindo construções na tentativa de possibilitar a expressividade
nesse hibridismo. O que veremos em muitos casos é que há mudança de
linguagem no discurso, na busca por uma expressão mais fiel, ou viável, ao que se
pretende.
Como outro exemplo, poderíamos citar os filmes mudos do princípio do
século XX. O som, os diálogos, nas películas projetadas, eram pouco utilizados
(por demandar cartelas) ou não eram utilizados. O silêncio – genialmente
trabalhado por artistas como Charlie Chaplin e Buster Keaton – muitas vezes foi
inevitável, por impossibilidades técnicas. Os sistemas de reprodução de som, na
época, não tinham potência nem desempenho suficientes que dessem conta de
serem utilizados nas salas de projeção. Assim, como não havia no momento
aparelhos com tecnologia para gravar e reproduzir o som com qualidade e
sincronia suficientes para serem utilizados, os filmes ficaram conhecidos como
“mudos”. Muitas vezes esse silêncio era interrompido por orquestras ou músicos
que tocavam ao vivo, acompanhando a projeção. Apesar disso, continuamos a
chamá-los de “mudos”. O silêncio nesses casos não é colocado por uma limitação
da linguagem, mas por uma limitação técnica de reproduzi-lo, e é por isso alocado
aqui na categoria de indizível.
Poderíamos também apontar o Indizível na exclusão proposta por uma
prática cultural. Um exemplo disso é a dicotomia “racional x irracional”. Sobre
isso, Maffesoli (2005) em seu texto Elogio da Razão Sensível pontua diversos
aspectos dessa dicotomia e o que ela acabou gerando dentro do racionalismo, que
para a discussão é bem representativo. Essa dicotomia evocada pelo racionalismo
científico, não só determina a separação entre esses dois polos da inteligência
44
humana – que por si só já conduz a uma fragilidade de ambos –, como também
negligencia a forma de pensar sensível. Assim, como o próprio Maffesoli coloca:
podemos insistir sobre o fato de que foi no rastro da dicotomia evocada mais acima que se constituiu o racionalismo científico; e isso, tanto no que diz respeito à realidade individual quanto à realidade social. Como bom representante de tal tendência, Freud nota que a oposição eu/não-eu, sujeito/objeto, e poderíamos prosseguir com cultura/natureza, corpo/espírito, funda-se sobre o espírito de dominação. (Maffesoli, 2005 p. 40)
A dicotomia que exclui do pensamento científico o polo sensível/emocional
demonstra a incapacidade de se levar em consideração questões da subjetividade
dentro desse método de produção de conhecimento. O polo sensível/emocional é
então contido, silenciado para valorização do pensamento racional. O que não é
possível de ser dito, expresso, traduzível pela razão, não interessa ao discurso
científico.
Gianni Vattimo (2004) é outro autor que também traz uma boa contribuição
para o tema silêncio, quando trata do silêncio que existe na definição de Deus para
a Filosofia. Em seu livro Depois da Cristandade, ele salienta que é preciso
retomar a discussão a respeito de Deus, interrompida na Filosofia – ilustrada por
Nietzsche no seu anúncio da Morte de Deus. Essa interrupção, segundo Vattimo, é
resultado do
crepúsculo das grandes metanarrativas (segundo a expressão de Lyotard) – das filosofias sistemáticas persuadidas de terem apreendido a verdadeira estrutura do real, as leis da história, o método para o conhecimento da única verdade –, também perderam o valor todas as razões fortes para um ateísmo filosófico. Se não é mais válida a metanarrativa do positivismo, não se pode mais pensar que Deus não existe porque este não é um fato demonstrável cientificamente. (Vattimo, 2004 p. 109)
O silêncio que se instaura na filosofia, quando o tema é Deus, também se
aproxima do que estamos chamando de Indizível. Nada mais complexo – e
arrisca-se a dizer “impossível” de ser traduzido em linguagem – do que a
experiência e a crença da existência divina. O silêncio que se estabelece é, para
Nietzsche, o mesmo silêncio diante da Morte. Um encontro com Deus não poderia
ser descrito, não teria linguagem que daria conta de representá-lo.
O silêncio do que não deve ser dito
Neste tópico o que chama atenção para a discussão é a palavra “deve”,
colocada antes do dizer. O que deixa implícito uma ação desejada pelo outro,
45
construída socialmente, internalizada ou não pelo próprio sujeito. Trata-se de
regras mais ou menos ocultas, porque levaremos em consideração regras
explícitas – normas, leis; bem como as implícitas ou não claras –, moral, ética,
valores. Uma pontuação bastante interessante para a discussão é colocada por
Pasolini (1990). O autor aponta para uma diferença entre as regras colocadas em
regimes ditatoriais e as regras do sistema capitalista. Nas duas situações temos
repressões e regras de conduta a serem obedecidas. A diferença para Pasolini está
na natureza dessas regras. O que para o autor fica claro nos regimes políticos
ditatoriais (censura, violência, repressão, autoritarismo), também está presente no
sistema capitalista, mas de maneira não clara. Para o autor, o capitalismo de
consumo concede ao sujeito uma “liberdade”. Mas essa liberdade, na leitura de
Pasolini, não se trata de uma “ausência de regras”, ausência da violência, da
repressão e da censura – visíveis nos sistemas ditatoriais, trata-se agora de regras
não claras. Portanto, o silêncio do que não deve ser dito trata do sujeito diante da
sociedade, e o que esta espera dele como atitude ou reserva, segundo regras claras
ou não.
Ainda segundo Honneth (2009), podemos verificar o silêncio do que não se
deve ser dito nas Artes, sob a forma da Censura. Como exemplo oportuno,
podemos trazer a Commedia dell’ Arte Italiana, que durante a Idade Média sofreu
com a repressão e censura. Nesse caso, a censura era uma norma estabelecida
pelos governantes contra à prática artística desses indivíduos. Atores, diretores,
artistas em geral foram ameaçados e perseguidos. E por isso, fugindo percorriam
diversas cidades e países encenando suas peças, que na maioria das vezes eram
compostas sobre a temática das fraquezas humanas. Assim, não raros apareciam
temas como adultério, roubo, chantagem, corrupção e diversos outros que iriam de
encontro à moral, aos bons costumes ou aos poderosos e as leis, o que na época,
para os governantes, justificava a censura. Curiosamente a censura muitas vezes
dava-se sobre a palavra, sobre o diálogo. Como resposta desenvolveu-se nessa
época a técnica da mímica na Comedia dell’Arte, como alternativa à encenação
sem palavras. E acredita-se que por conta disso vincula-se à mímica o palhaço e
os artistas de rua e do circo.
Figuras muito comuns durante a Idade Média, e que tiveram bastante
influência da Commedia dell’Arte, foram os bobos da corte e bufões – que por
força de simplificação chamaremos todos de palhaços. Em contrapartida, esses
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personagens – que para Bakhtin (1993) não se despiam de seus papéis em nenhum
momento, tornando vida e cena instâncias inseparáveis – eram os únicos que
podiam – possuíam a permissão dos reis – dizer certas “verdades proibidas”.
Essas verdades já eram de conhecimento geral muitas vezes, mas ninguém ousava
comentar por medo de retaliações. Essas verdades proibidas, ou melhor, o silêncio
dessas verdades é o que podemos chamar de silêncio do que não deve ser dito.
Apenas alguns, naquela ocasião, tinham certa liberdade de falar. Que por sinal
possuíam somente por não obter credibilidade social. Eram vistos como sujeitos
confundidos com loucos e desprovidos de dignidade humana. Obviamente por
isso poderiam tecer tais comentários sem receber punições tão severas quanto as
que seriam impostas a qualquer outro cidadão. Isso não retira, obviamente, a
possibilidade de muitos deles terem sido castigados – ou por passarem dos limites,
ou simplesmente por perderem a liberdade concedida pelo rei.
Dentro de sistemas autoritários, que são um risco presente sempre que há
radicalismo e inflexibilidade ao lidar com o diferente, a censura é muito comum.
No texto Interdependência e Sensibilidade Solidária de Hugo Asmann e Jung Mo
Sung (2000), os autores afirmaram que a cultura na qual vivemos sempre abre e
fecha janelas, permitindo e impedindo visões de mundo. Limitando, selecionando
a forma de se perceber a realidade. Repudiando e ignorando o diferente. Assim
abrindo espaço ao preconceito, à marginalização e a diversas maneiras silenciosas
(ou não) de rejeitar o diferente. Podendo em casos mais graves chegar à violência
– não faltando exemplos no fascismo, nazismo, ditaduras no Brasil e América
Latina, regime de escravidão e conflitos religiosos espalhados ao redor do mundo.
Há também as regras estabelecidas silenciosamente dentro da sociedade que
dizem respeito à conduta social, à maneira de agir em grupo, à polidez. De forma
mais branda, mais ainda uma conduta que “deve ser respeitada”, é o que no Brasil
dá-se o nome de “politicamente correto”. O que “não deve ser dito” aqui aparece
dentro da dicotomia do certo/errado. São “pactos sociais”, são contratos
estabelecidos no silêncio (por vezes) onde o que fica calado tem um significado e
uma repressão externa e não oficializada. Não é assim, uma norma, uma regra,
mas um “senso comum”. E podemos citar também as regras de etiqueta, a
educação, tabus etc. São todas formas não normativas de se limitar certas ações –
condutas esperadas.
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Novamente em Asmann & Sung (2000), a temática do silêncio se mostra
presente também na questão da Solidariedade e nas questões relativas a valores. A
breve análise do uso da palavra solidariedade recorrente na sociedade traz como
exemplo os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio. Nesse contexto,
os autores destacam a palavra solidariedade, que aparece com dois significados
distintos. O primeiro é a solidariedade entendida como um fato e uma necessidade
de compreensão da interdependência na vida social; o segundo, mais normativo e
propositivo, é “um chamado à superação da exclusão e da segmentação social
através da educação” (Asmann & Sung, 2000 p. 75).
Estes dois sentidos estão interligados na medida em que a solidariedade como atitude, ou a solidariedade como uma questão ética, nasce de reconhecimento de que a solidariedade/interdependência é um fato, uma necessidade para a vida da e na sociedade. (Asmann & Sung, 2000 p. 75)
O que chama atenção com relação ao tema silêncio aqui está nos exemplos
apresentados no texto em que duas pessoas cientes do risco de causarem acidentes
graves a outras, continuam agindo como se suas ações não fossem interferir na
vida alheia. A forma de interpretar essa recusa em ser solidário, pelo autor, é
figurada como um “tipo de cegueira”, que impede a percepção das relações de
interdependência de todos os seres vivos, o que provoca a recusa de agir “de
acordo com o esperado” – de tal forma a manter a coesão social. (Asmann &
Sung, 2000 p. 78)
Essa recusa, essa não ação ou não atitude – para utilizar as palavras dos
autores, é num certo sentido voluntária, ou seja, um ato que parte da própria
vontade do agente em recusar-se a fazer. Aqui percebemos a alocação dessa
recusa no “não dito”, o silêncio que parte do sujeito – que me é confortável ou
oportuno.
Poderíamos lançar mão de André Comte-Sponville (1995), que aborda a
virtude como uma tentativa de, na ação, nos tornarmos “mais humanos”, o
“esforço de nos portar bem” (Comte-Sponville, 1995 p.9). E então pontuamos a
lacuna como boa conduta, polidez. Assim, aqui poderíamos compreender que o
que seria calado seria o que não deve ser dito, para ser mantida em equilíbrio o
que o autor chama de “relação simétrica”. A necessidade do outro e do
reconhecimento é parte do ato de fazer, da escolha e dos valores adotados.
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Claro vê-se que esse tema tem relação direta com “bom convívio social”.
Regras de boa convivência são condutas (apoiada em itens já revelados: moral,
ética, valores etc.) que geram no interior da sociedade uma implícita
normatização. O silêncio que é imposto e colocado segundo a lei e respeitado sob
penas previstas. Assim, como o próprio Honneth coloca, trata-se das relações
sociais discutidas no campo jurídico.
Se o indizível não encontra na linguagem maneira de ser expresso, o
silêncio do que não deve ser dito cala por regras e normas estabelecidas. A lacuna
do não dito se coloca como um contraponto a essas duas situações.
A lacuna do não dito
Diferentemente do indizível, é uma categoria que recusa a ação. Não se trata
de uma impossibilidade de organização do código ou mais ainda, uma limitação,
nem uma proibição que não permita traduzir a experiência vivida. Trata-se de um
silêncio oriundo do arbítrio. O que é dizível, mas não é dito, tem razões diversas.
Poderíamos classificar como razões de ordem emocional, psíquicas, sensíveis,
traumáticas etc. Bem como estratégica, poética etc. De qualquer modo, a lacuna
do não dito passa pela retenção subjetiva.
Para dar início à discussão traremos uma forma de visualizar a lacuna do
não dito no início de qualquer processo. Ou, em outras palavras, a lacuna original.
O silêncio tratado como uma folha branca, alva, pura e virgem, é para alguns um
ambiente sagrado onde nele se procurará manter a sacralidade. A folha em branco,
onde a partir dela tudo pode ser desenhado, pintado, reproduzido e criado, traz
uma representação de originalidade. E utilizamos aqui, para definir essa palavra, o
sentido de retorno à origem, ao início.
Cabe também abordar a lacuna como expressão. E nesse caso ressaltaríamos
a expressão artística. A escolha do termo “lacuna” no nome dessa categoria traz
em si a ideia de uma falta. De algo que deveria estar ali, mas não está. E por conta
disso, a ideia de algo que é esperado mas não se confirma. O silêncio que envolve
uma expectativa. Esse silêncio como “frustração” pode ser uma provocação
poética. Uma intencionalidade na supressão de algum termo, com a esperança de
que no ato de fruição essa lacuna seja preenchida pelo próprio espectador. Como
no caso da elipse, citada anteriormente. Pode ser assim, uma provocação do autor
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em fragmentar a obra, fragmentar um texto, para uma reconstrução no ato da
fruição.
E aí, estamos diante da lacuna como subversão, como transgressão. Barthes
em Aula (1988), quando aponta para a característica assertiva da linguagem,
apesar de acreditar que uma língua se caracteriza mais pelo que ela obriga e
menos pelo que ela impede de dizer, e por isso a chama de fascista, não deixa de
considerar as restrições da língua. O que chamamos de silêncio do indizível, em
Barthes encontraríamos claramente ao que ele se refere de “liberdade impossível”.
Ou seja,
Na língua, portanto, servidão e poder se confundem inelutavelmente. Se chamamos de liberdade não só a potência de subtrair-se ao poder, mas também e sobretudo a de não submeter ninguém, não pode então haver liberdade senão fora da linguagem. Infelizmente, a linguagem humana é sem exterior: é um lugar fechado. Só se pode sair dela pelo preço do impossível. (Barthes, 1988 p. 15-6)
A solução proposta pelo autor é encontrar maneiras de trapacear com a
língua, trapacear a língua. E dá a essa “revolução permanente da linguagem”, essa
“trapaça salutar, essa esquiva, esse logro magnífico que permite ouvir a língua
fora do poder” o nome de: Literatura.
Claro que toda categorização é em si mesma uma forma de exclusão, e,
portanto, gera as tão discutidas sombras e silêncios. Aqui, o esforço de categorizar
se deu em função de perceber as proximidades dos motivos que geravam cada
silêncio, mas compreendendo ser possíveis áreas de transição entre categorias, que
impossibilitariam uma delimitação de forma rígida e definitiva. Um silêncio
limitado pela linguagem pode muitas vezes não ser possível devido ao
desconhecimento de outros mecanismos dessa linguagem. E retomando o exemplo
de fechar e abrir janelas, de Asmann & Sung (2000): “cremos que o que vemos é
toda a realidade ou toda a verdade”. O não dito voluntário, por vezes, pode ser
apenas uma “norma oculta” já tão interiorizada que não nos damos conta que a
vontade foi conduzida pela norma. Assim, as categorias aqui descritas não são,
nem devem ser, de qualquer maneira restritivas. Podendo haver mesclas,
hibridismo e contaminações.
Portanto, o silêncio pode ser gerado a partir de motivações poéticas –
quando se procura no silêncio a reflexão e a participação do espectador no
momento da fruição. Motivação intelectual – como momento de reflexão,
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pensamento, em que me silencio para o exterior, mas direciono atenção para
minha subjetivdade. Na religião – onde a prece, a meditação necessita do silêncio
como encontro com o espiritual, ou o respeito ao ritual, à cerimônia, à ideia de
transcendência. Até num campo mais violento, como o silêncio da repressão, da
censura. O silêncio da destruição, da degradação, da desumanização, da violência.
Assim, colocamos a possibilidade de se analisar um objeto pela ausência de
determinada linguagem. Também a possibilidade de um olhar que leve em
consideração o que não é mostrado, parte para uma abordagem que não só
considera o que é visível, dito, como o que permanece oculto. E essa é a proposta
para a abordagem do Livro de Imagem com apoio no Palhaço Mímico, quando
ambos apresentam a ausência do elemento textual esperado culturalmente.
Cabe a partir de agora um olhar mais detalhado sobre ambos os objetos de
estudo para perceber, ao longo de sua trajetória histórica e de sua práxis, o que
poderíamos extrair de questões úteis para uma análise da narrativa – no seu
contexto de produção, transmissão e consumo. De tal forma que leve em
consideração os aspectos próprios da Linguagem – principalmente seu caráter
afirmativo; ao Discurso por levar em consideração o contexto de uso da
linguagem; e então compreendermos de que maneira se processa o
desenvolvimento da experiência Narrativa nos dois campos.