DISCUSSÃO
155
O desenvolvimento de tumores sólidos no que concerne à difusão de oxigénio e
nutrientes depende da formação de uma rede vascular sanguínea a partir de vasos sanguíneos
periféricos pré-existentes (230-232). Segundo Folkman, a angiogénese intratumoral assegura,
por um lado, o crescimento da neoplasia e, por outro, facilita a disseminação hematogénia
(230, 231, in 413). A estrutura desorganizada e tortuosa dos neo-vasos permite a intravasão de
células malignas (337). Ramificações dos vasos pré-existentes comunicam com a rede vascular
imatura, possibilitando a migração das células. Estas seguem, assim, na circulação sanguínea,
podendo originar metástases à distância (230-232, 413).
O sistema vascular linfático constitui outra via de disseminação sistémica de um tumor
maligno. As características próprias dos capilares linfáticos, nomeadamente a descontinuidade
da membrana basal, facilitam a permeação de células malignas (192, 193). Por outro lado, a
baixa velocidade do fluxo linfático e a composição da linfa (semelhante à do fluido
intersticial) favorecem a viabilidade celular (nos vasos sanguíneos, pelo contrário, a
toxicidade celular é elevada) (188, in 221, 311, in 316). Como tal, a corrente linfática é preferencial
para a disseminação de muitos tipos de tumores malignos, principalmente os que apresentam
histogénese epitelial (188). A metastização de gânglios linfáticos regionais e, posteriormente,
distais do tumor primário, poderá constituir um evento precoce de progressão tumoral e é um
importante factor de prognóstico e de decisão terapêutica (151, 152).
A permeação vascular linfática é o ponto de partida para a metastização ganglionar.
Alguns autores defendem que são os vasos linfáticos peritumorais pré-existentes os
verdadeiros mediadores deste processo, sendo apenas permitido, num perímetro restrito, um
mecanismo de expansão destes vasos para o interior do tumor (322, 323). Muitas vezes, as
células endoteliais linfáticas migram e ocupam soluções de continuidade do estroma,
DISCUSSÃO 156
estabelecendo vias de drenagem do excesso de fluído intersticial e, eventualmente, de células
malignas que atingirão, assim, a rede linfática pré-existente (in 204, in 212, in 222, 312, 318, 321). Por
outro lado, em alguns modelos de cancro foi comprovada a existência de vasos linfáticos
intratumorais funcionais e a ocorrência de linfangiogénese, tanto intratumoral como
peritumoral. Também foi verificada a correlação entre a expressão de factores
linfangiogénicos e o aumento da densidade vascular linfática (324, 326-333). Assim, embora seja
consensual que a vasculatura linfática é uma via de disseminação primária, continuam a
existir opiniões divergentes acerca da ocorrência de linfangiogénese intratumoral, por um
lado, e da importância dos vasos linfáticos intratumorais na disseminação tumoral, por outro.
Prováveis determinantes específicas de cada tipo de tumor maligno tornam imperativa a
realização de estudos utilizando diferentes modelos de cancro, sendo fundamental avaliar qual
o factor indutor da linfangiogénese tumoral.
A bexiga possui um sistema de drenagem linfática organizado. O plexo de capilares
linfáticos inicia-se na mucosa e estende-se para além da camada muscular. No pericisto
reúnem-se grupos de pequenos gânglios linfáticos (in 175, 191, 201). Assim, a metastização
ganglionar regional de carcinomas invasores da bexiga é um evento usual na disseminação
deste tipo de tumor maligno, constituindo uma etapa precoce da metastização à distância.
Nestes casos, a tentativa de controlo da doença através de tratamento citotóxicos é, em grande
parte, ineficaz. De facto, embora o carcinoma da bexiga seja um tumor quimiossensível, a
maioria das mortes por esta doença ocorrem devido a metástases que não respondem à
quimioterapia convencional. Os doentes com doença avançada apresentam uma resposta
inicial à quimioterapia, mas rapidamente desenvolvem resistência (400), pois existem clones
celulares cuja taxa de proliferação é diminuta, não respondendo a drogas citotóxicas de fase
DISCUSSÃO
157
(414, 415).
No contexto acima referido, o estudo dos mecanismos de linfangiogénese e de
permeação vascular linfática associados ao carcinoma da bexiga constitui a primeira etapa
para a clarificação dos fenómenos subjacentes à metastização ganglionar. Tal poderá ser útil
para elaborar estratégias terapêuticas relacionadas com a necessidade e extensão da
linfadenectomia e com a possibilidade de modulação do processo biológico de permeação
vascular linfática, de modo a limitar a metastização ganglionar.
Assim, este trabalho iniciou-se tentando responder às questões propostas por Pepper
no seu artigo Lymphangiogenesis and Tumor Metastasis: Myth or Reality (204) (Ponto 1.3.7), e
que permanecem ainda por resolver. A resposta a estas questões poderá ser importante na
prática clínica, permitindo definir eventuais alvos terapêuticos. Para tal, estudou-se o
carcinoma urotelial da bexiga, tendo como objectivos gerais verificar a ocorrência de
linfangiogénese e de angiogénese em carcinomas superficiais de alto grau e invasores, bem
como o envolvimento dos vasos linfáticos e/ou sanguíneos na disseminação tumoral.
O padrão de disseminação loco-regional dos tumores da bexiga associou-se, na
amostra avaliada, com a invasão da parede do órgão pela neoplasia, com a perda de
diferenciação e com a morfologia não papilar. Este perfil de agressividade tumoral implicou
perdas significativas de sobrevivência nos doentes estudados. Tais resultados estão em
concordância com os obtidos noutros estudos realizados (416-421).
De um modo global, verificou-se que na série de carcinomas uroteliais da bexiga
estudada ocorrem fenómenos de angiogénese e de linfangiogénese. O envolvimento dos neo-
DISCUSSÃO 158
vasos por células malignas, bem como o impacto deste fenómeno na progressão tumoral e na
diminuição da taxa de sobrevivência global (5 anos) foram também comprovados.
DISCUSSÃO
159
5.1 ANGIOGÉNESE
À semelhança dos restantes tipos de tumores sólidos, as neoplasias vesicais malignas
dependem do fenómeno de angiogénese para assegurar o seu crescimento, progressão e
eventual disseminação (422). Na amostra estudada no presente trabalho, todos os carcinomas
uroteliais da bexiga apresentavam um rico suprimento vascular sanguíneo peritumoral; na
maior parte dos casos (81,9%) existiam igualmente vasos sanguíneos intratumorais. Os vasos
presentes nos cortes histológicos observados, principalmente os intratumorais, eram de
pequeno calibre e estruturalmente tortuosos, o que denota a ocorrência de neovascularização.
Inúmeros estudos têm sido desenvolvidos na tentativa de demonstrar o papel da
angiogénese no aumento da agressividade das neoplasias da bexiga. Tal tem também
motivado a procura de novas terapêuticas cujos alvos são moléculas associadas à formação de
neovasos sanguíneos peri ou intratumorais.
Cerca de 70%-80% dos carcinomas uroteliais da bexiga diagnosticados correspondem
a neoplasias superficiais. Embora sejam maioritariamente de baixo grau de malignidade, estes
tumores recidivam com frequência, e em 10% a 15% dos casos ocorre progressão da doença
(Ponto 1.2.2). Assim, a identificação de marcadores de recidiva e progressão revelou que a
angiogénese é um candidato preferencial, uma vez que este fenómeno biológico representa
um potencial alvo terapêutico. No entanto, a sua influência no prognóstico dos doentes com
tumores superficiais não é consensual.
Vários estudos relatam a associação significativa entre a densidade vascular sanguínea
DISCUSSÃO 160
e a ocorrência precoce de recidivas em doentes com carcinomas uroteliais superficiais (397,
423). Foi detectada a sobre-expressão do principal factor angiogénico – VEGF – em tecidos
tumorais (399, 424) e na urina (425, 426) de doentes com neoplasias superficiais, sendo
demonstrado um papel determinante na ocorrência de recidivas. Assim, esta molécula pró-
-angiogénica poderá ser um indicador do comportamento biológico do tumor, associando-se a
sua sobre-expressão a um fenótipo agressivo. É sugerido que a recidiva de um carcinoma
superficial surge por implantação de clones de células do tumor primário (427); as recidivas
que expressam altos níveis de VEGF apresentam uma vantagem selectiva, pois o seu
potencial angiogénico está incrementado. Tal possibilita a formação de um suprimento
vascular que assegura o seu crescimento (399, 424). Dada a importante função do VEGF na
recidiva tumoral, esta molécula poderá constituir um possível alvo terapêutico.
Embora os estudos referidos demonstrem a importância da neovascularização nos
tumores superficiais como mecanismo facilitador da recidiva, outros trabalhos contrariam esta
teoria. Vários autores verificaram que a ocorrência de angiogénese não determinou um risco
aumentado de recidiva e/ou progressão, ou a diminuição da taxa de sobrevivência global (428-
430). Stavropoulos e colaboradores, embora tenham demonstrado a correlação directa entre a
sobre-expressão de VEGF e o aumento da densidade vascular sanguínea, não encontraram
qualquer associação entre estas variáveis e as características histopatológicas dos tumores
estudados ou o risco de recidiva e/ou progressão (431). Por outro lado, outros autores, ao
avaliarem a actividade pró-angiogénica de neoplasias malignas da bexiga recorrendo à
quantificação de VEGF no soro dos doentes, verificaram que os casos de tumores superficiais
de baixo grau de diferenciação apresentavam níveis de VEGF aumentados em relação aos
doentes com tumores invasores pouco diferenciados; foi sugerido que a diminuição da
actividade angiogénica no soro poderia ser utilizada como factor de prognóstico,
DISCUSSÃO
161
determinando alto risco de progressão (432, 433). De facto, no estudo de Beecken e
colaboradores, 30% dos doentes com baixa actividade angiogénica no soro desenvolveram
metástases no período pós-cirurgia; por outro lado, nos doentes com níveis de actividade
aumentados não ocorreu disseminação da doença (433).
No subgrupo dos carcinomas uroteliais invasores, a maioria dos estudos relatam a
associação entre o incremento da angiogénese e prognósticos desfavoráveis. Canoğlu e
colaboradores verificaram que os tumores que ultrapassam a lâmina própria são
significativamente mais vascularizados do que os tumores superficiais. Uma elevada DVS
associou-se com o risco de progressão da doença em ambos os grupos (398). Esta variável foi
identificada como factor de prognóstico independente por outros autores (65, 434-436).
Em concordância com o aumento da DVS relatado noutros estudos, Yang e
colaboradores observaram sobre-expressão de VEGF em tumores invasores da bexiga (437).
Outros verificaram um aumento nos níveis de expressão do gene Vegf (438, 439). Inoue e
colaboradores demonstraram a importância da DVS e da imuno-expressão de VEGF na
identificação de doentes com carcinomas uroteliais invasores que apresentam alto risco de
recidiva e desenvolvimento de metástases após terapêutica agressiva por cirurgia radical e
quimioterapia sistémica adjuvante. Este autor enfatiza o papel do VEGF como factor de
sobrevivência celular, não só pela protecção conferida às células malignas em situações de
hipóxia, mas também durante a ocorrência de apoptose induzida pela quimioterapia (396).
Assim, como já foi acima referido, a expressão aumentada de VEGF representará uma
vantagem selectiva para o sucesso da sobrevivência das células malignas e da sua futura
disseminação, caso não existam mecanismos inibidores. No subgrupo dos tumores invasores,
este factor de crescimento constitui um potencial alvo terapêutico no sentido de controlar a
DISCUSSÃO 162
metastização.
Na amostra de carcinomas uroteliais da bexiga utilizada no presente trabalho não se
avaliou a imuno-expressão de VEGF. A densidade vascular sanguínea reflecte a actividade
final do VEGF e, como tal, optou-se por estudar apenas o primeiro parâmetro. Não foi
verificada qualquer associação entre a DVS e as variáveis clínico-patológicas. No entanto, a
presença de vasos sanguíneos intratumorais foi sugestivamente mais frequente no subgrupo
de tumores que ultrapassavam a camada muscular da bexiga. Tal denota a necessidade de
neovascularização intratumoral para a sua sobrevivência. A maioria dos tumores superficiais
apresentam uma morfologia tipicamente papilar em torno de um eixo fibrovascular, o que
aumenta a sua área de superfície de contacto. Por outro lado, os tumores invasores,
particularmente os de estádio T3 ou T4, são sólidos e possuem densidade celular elevada, o
que predispõe a stress hipóxico intratumoral. Esta situação pode ser resolvida pela ocorrência
de angiogénese. Vários autores demonstraram que a hipóxia é um importante factor regulador
da expressão de VEGF no carcinoma urotelial da bexiga (440-443).
Curiosamente, o estudo da imuno-expressão do factor linfangiogénico VEGF-C
demonstrou, no presente trabalho, uma correlação entre o incremento da angiogénese
intratumoral e a sobre-expressão deste factor. Estes resultados revelam um papel acessório do
VEGF-C como factor pró-angiogénico, o que está de acordo com o encontrado por outros
autores em neoplasias malignas da bexiga (390) e noutros tipos de carcinomas (351). Como já
foi referido no Ponto 1.4.5.4, a forma processada de VEGF-C activa não só o VEGFR-3
(expresso por células endoteliais linfáticas), mas também o VEGFR-2 (expresso
maioritariamente por células endoteliais sanguíneas), actuando, deste modo, na promoção da
angiogénese.
DISCUSSÃO
163
Em relação ao significado prognóstico da angiogénese, a DVS e a existência de vasos
sanguíneos intratumorais não tiveram impacto na sobrevivência livre de doença e na
sobrevivência global (5 anos) dos doentes com carcinomas uroteliais da bexiga estudados. No
entanto, no grupo restrito das neoplasias superficiais de alto grau, a presença de vasos
intratumorais determinou uma taxa de sobrevivência global (5 anos) significativamente
menor. Provavelmente, esta associação reflecte a documentada importância dos vasos
sanguíneos recém-formados na disseminação tumoral (313). Como já foi referido, a estrutura
tortuosa e o pequeno calibre dos vasos sanguíneos intratumorais presentes nos cortes
histológicos observados denotam a ocorrência recente de angiogénese. Estes vasos, por não
apresentarem estruturas de revestimento sub-endotelial, nomeadamente pericitos, podem ser
mais facilmente permeados por células malignas. Por outro lado, da vascularização sanguínea
peritumoral fazem parte neovasos e vasos que já existiam no feixe fibrovascular característico
dos tumores superficiais; estes últimos, estruturalmente maduros (cujo endotélio é recoberto
por células musculares lisas e pericitos), são mais difíceis de permear. Assim, é mais provável
que nos doentes com neoplasias superficiais em que estavam presentes vasos sanguíneos
intratumorais ocorra progressão da doença. A permeação vascular sanguínea (PVS) é a
manifestação precoce da disseminação maligna.
Vários autores identificaram a permeação vascular sanguínea como factor de
prognóstico independente em doentes submetidos a cistectomia radical (portadores de
carcinomas uroteliais superficiais de alto risco ou invasores) (392, 393). Tal parâmetro poderá
ser útil para planificar o esquema de seguimento pós-cirurgia e a aplicação de estratégias de
terapêutica adjuvante. É, de facto, essencial identificar os doentes que, uma vez
cistectomizados, poderão beneficiar do tratamento por quimioterapia por apresentarem
DISCUSSÃO 164
elevado risco de recidiva e/ou progressão.
No presente estudo, a PVS foi avaliada segundo três métodos de diagnóstico. O
método PVS-EHC (permeação vascular sanguínea – exame histopatológico clássico) refere-se
à avaliação deste parâmetro em cortes de tecido tumoral corados através da coloração de
hematoxilina-eosina. Com os métodos PVS-EME1 e PVS-EME2 (permeação vascular
sanguínea – exame após marcação específica) a PVS foi avaliada em cortes submetidos a
técnica imuno-histoquímica para marcação específica de vasos sanguíneos com o anticorpo
anti-CD31. O diagnóstico da ocorrência de permeação vascular sanguínea através dos
métodos PVS-EHC e PVS-EME1 foi realizado quando estava presente, pelo menos, uma
célula maligna no lúmen de vasos sanguíneos com revestimento endotelial contínuo. Com o
método PVS-EME2, apenas se consideraram permeados os vasos em que estivessem
presentes êmbolos tumorais. Assim, num total de 83 neoplasias estudadas, considerou-se a
ocorrência de PVS em 19 (22,9%), em 33 (39,8%) ou em 11 (13,3%) dos casos, quando o
diagnóstico foi realizado pelos métodos PVS-EHC, PVS-EME1 ou PVS-EME2,
respectivamente.
Leissner e colaboradores e Hong e colaboradores, ao estudarem a permeação vascular
sanguínea em neoplasias malignas da bexiga, verificaram a ocorrência deste fenómeno em
13,1% e 8,8% dos tumores observados, respectivamente (392, 393). O método de diagnóstico
utilizado por estes autores foi o equivalente ao PVS-EHC. Em ambos os estudos a frequência
absoluta de PVS foi mais baixa do que a obtida no presente trabalho (22,9%). Tais resultados
estão, provavelmente, relacionados com a constituição das amostras utilizadas. Da série
apresentada por Hong e colaboradores constavam 24% de tumores que ultrapassavam a
metade externa da parede muscular vesical, enquanto que a série utilizada neste estudo é
DISCUSSÃO
165
composta por 59% de tumores T3-T4. Sublinha-se a ocorrência de PVS em 84,2% dos
tumores T3-T4, e o facto de não ocorrerem fenómenos de permeação no grupo dos tumores
superficiais.
No presente estudo, com a utilização das três metodologias de diagnóstico da PVS
pretendia-se definir a que melhor reflectisse o impacto desta variável no prognóstico dos
doentes com carcinomas uroteliais da bexiga. O método PVS-EME1 foi o mais informativo
quando se estabeleceu a correlação entre a densidade vascular sanguínea e a existência de
vasos sanguíneos intratumorais, e a ocorrência de permeação. A PVS associou-se igualmente
à sobre-expressão de VEGF-C, quando foi avaliada pelo método PVS-EME1 (método mais
sensível). Por outro lado, a ocorrência de permeação vascular sanguínea associou-se
significativamente à diminuição da sobrevivência global dos doentes aos 5 anos de
seguimento quando o diagnóstico foi realizado através dos métodos PVS-EHC e PVS-EME2
(métodos mais específicos). A existência de êmbolos tumorais revelou-se um factor de
prognóstico independente na análise multivariada.
Assim, um elevado número de vasos sanguíneos, nomeadamente neovasos
intratumorais, associou-se a um maior risco de intravasão de células malignas isoladas e/ou de
êmbolos tumorais (quando este fenómeno foi diagnosticado pelo PVS-EME1). Este método
de diagnóstico, por implicar a marcação específica de vasos sanguíneos (ao contrário do que
acontece com a coloração clássica por hematoxilina-eosina – PVS-EHC) permite, por um
lado, a fácil visualização de células isoladas no interior de estruturas vasculares sanguíneas e,
por outro, a distinção entre a ocorrência de permeação vascular sanguínea e de permeação
vascular linfática. Embora no método clássico seja considerado o diagnóstico de PVS por
células malignas isoladas, este método apenas possibilita, na maior parte dos casos, a
visualização de êmbolos tumorais intravasados. Além disso, devido à falta de contraste entre
DISCUSSÃO 166
vasos sanguíneos e vasos linfáticos, o observador identifica a ocorrência de PVS quando
existem eritrócitos no interior dos vasos, o que nem sempre é um critério de diagnóstico
reprodutível.
A sobrevivência global (5 anos) dos doentes com carcinomas uroteliais da bexiga foi
significativamente menor no grupo em que a ocorrência de PVS se manifestou pela existência
de êmbolos tumorais intravasados (método PVS-EME2). Provavelmente, nos casos em que
apenas existem células malignas isoladas o prognóstico é influenciado pela sobrevivência
destas células na circulação. A maior resistência dos agregados celulares à adversidade da
circulação sanguínea, ou o microambiente que é criado após agregação das células tumorais e
que pode favorecer o seu crescimento, poderão explicar as diferenças observadas em termos
de sobrevivência global.
Quando se avaliou a sobrevivência em função do estádio, num modelo de análise
multivariada em que foi também incluída a PVS, identificaram-se ambas as variáveis como
factores de prognóstico independentes. No entanto, o estádio é a variável que melhor explica a
diminuição da sobrevivência dos doentes com carcinomas uroteliais da bexiga; tal é
corroborado por outros autores (in 393).
O processo de metastização constitui um aspecto crítico da biologia tumoral,
implicando efeitos significativos no que se refere às taxas de sobrevivência global. No caso
específico das neoplasias malignas da bexiga, quando ocorre metastização loco-regional ou à
distância apenas 46% e 6% dos doentes sobrevivem 5 anos após o diagnóstico primário,
respectivamente (444).
A ocorrência de progressão da doença e desenvolvimento de metástases secundárias
implicam a acumulação de alterações em genes envolvidos na homeostasia celular. O gene
DISCUSSÃO
167
KiSS-1, localizado em 1q32, foi identificado em linhas celulares de melanoma pelo seu papel
activo como gene supressor de metástases (445). Desde então, outros estudos verificaram a
diminuição dos seus níveis de expressão durante o processo metastático em carcinomas da
mama (446), pâncreas (447), esófago (448) e bexiga (449). No estudo de Sanchez-Carbayo e
colaboradores, foi demonstrada a perda completa de expressão do produto deste gene em
tumores invasores da bexiga; o mesmo se verificou nos casos em que ocorreu metastização à
distância, o que se relacionou com a diminuição da sobrevivência global. De sublinhar que a
diminuição da imunorreactividade para a proteína KiSS-1 se associou significativamente à
ocorrência de permeação vascular sanguínea (449). Assim, a promoção da PVS num ambiente
em que ocorreu neovascularização poderá resultar da ausência de expressão de KiSS-1.
Porém, são necessários estudos adicionais para clarificar o papel desta proteína no processo
de invasão e metastização do carcinoma urotelial da bexiga.
Os resultados obtidos através do estudo da angiogénese em 83 neoplasias malignas da
bexiga revelaram que este fenómeno se associa à progressão tumoral, tem significado
prognóstico no grupo de doentes com carcinomas superficiais de alto grau e determina a
ocorrência de intravasão tumoral. A angiogénese é, assim, um eventual alvo terapêutico.
Neste contexto, a molécula VEGF representa, para a maioria dos autores, o melhor alvo
terapêutico. Por ser uma molécula circulante e actuar directamente sobre as células
endoteliais, o tratamento não necessita de atingir a região intratumoral. A inibição do VEGF
circulante inibe a angiogénese e melhora a perfusão do tecido tumoral, o que permite uma
maior distribuição das drogas citotóxicas (343). Por outro lado, é por este motivo que tal
terapêutica se associa a efeitos colaterais sistémicos.
Inai e colaboradores demonstraram também os efeitos celulares dos inibidores do
DISCUSSÃO 168
VEGF nos vasos sanguíneos tumorais. Os autores verificaram não só o desaparecimento de
fenestrações endoteliais, a regressão da neovascularização e a estagnação do fluxo sanguíneo,
mas também um decréscimo da densidade de vasos sanguíneos (450).
Estudos utilizando linhas celulares e modelos animais de carcinomas da bexiga
demonstraram o efeito quimio-sensibilizante de antagonistas do VEGF. O tratamento com
estes agentes incrementou, de modo significativo, a citotoxicidade da quimioterapia (400, 451,
452), além de inibir directamente a expansão da massa tumoral e a metastização (400, 453). Uma
vez que estes e outros trabalhos revelaram o potencial da terapêutica anti-angiogénese em
doentes com neoplasias da bexiga, encontram-se em desenvolvimento alguns ensaios clínicos
de fase II.
O Eastern Cooperative Oncology Group e o Memorial Sloan-Kettering Cancer Center
estudam actualmente o efeito do Sorafenib (BAY 43-9006) e do Sunitinib (SU11248),
respectivamente, em doentes com carcinoma urotelial da bexiga disseminado (454, 455). Estas
moléculas inibem, entre outros, os receptores da família VEGF, estando já aprovada a sua
utilização para o tratamento de doentes com carcinoma avançado do rim (in 456, in 457). Outro
ensaio clínico promovido pelo California Cancer Consortium baseia-se na utilização do
VEGF-Trap para o tratamento de doentes com carcinomas uroteliais recidivantes, localmente
avançados ou metastáticos (458). O VEGF-Trap é um potente inibidor angiogénico consistindo
em porções dos receptores VEGFR1 e VEGFR2; a fusão com o VEGF impede a acção de
todas as suas isoformas (457). Um ensaio clínico a ser actualmente desenvolvido pelo M.D.
Anderson Cancer Center conjugou o tratamento quimioterapêutico neoadjuvante com a
aplicação de Bevacizumab (Avastin®), na tentativa de controlo da recidiva e disseminação
tumoral posterior à cistectomia radical de doentes com neoplasias avançadas da bexiga (459).
Não obstante as tentativas promissoras de controlo da disseminação tumoral por
DISCUSSÃO
169
inibição da angiogénese, muito há ainda a ser realizado para que este fenómeno seja
claramente compreendido e integralmente explorado. Recentemente, foi identificada uma
nova isoforma do VEGF – VEGF(165)β – cuja expressão em tumores superficiais da bexiga
parece estar aumentada em relação aos tumores invasores (460). Adicionalmente, um estudo de
avaliação em larga escala de genes candidatos identificou a associação entre polimorfismos da
região 5’-UTR do promotor do Vegf e o risco de desenvolvimento de cancro da bexiga (461).
Por outro lado, o VEGF, embora sendo o principal efector angiogénico, não é o único.
Existem outras moléculas pró-angiogénicas
largamente conhecidas (Tabela 5.1), cujo
potencial como alvos terapêuticos tem sido
também analisado. Trabalhos recentes procuram
esclarecer o papel de agentes angiogénicos
indirectos. Neste sentido, a família de receptores
transmembranares Notch e seus ligandos,
particularmente o receptor Notch1 e o ligando
Dll4 (Delta-like 4 ligand), têm sido objecto de estudo. A via de sinalização Notch e o ligando
Dll4 desempenham papéis fundamentais no desenvolvimento vascular embrionário (462) e na
angiogénese pós-natal (463). O VEGF incrementa a expressão deste sistema ligando-receptor
(464), pois tal parece ser essencial para que a formação de brotos dos vasos sanguíneos pré-
existentes ocorra selectivamente (465-470). Assim, para a angiogénese tumoral é necessária uma
fracção óptima de expressão do Dll4; a sua modulação selectiva poderá representar uma nova
estratégia de terapêutica anti-angiogénica (466, 471). O estudo de Patel e colaboradores
demonstrou que a sobre-expressão de Dll4 pode ter significado prognóstico para doentes com
carcinomas uroteliais superficiais ou invasores da bexiga, propondo esta molécula como
Tabela 5.1 – Reguladores da angiogénese (adaptado de 343)
Promotores Inibidores
VEGF Trombospondina
aFGF Angiostatina
bFGF Endostatina
TGF-α,β Vasostatina
EGF Prolactina
TNF-α Hormona do crescimento
Angiogenina Canstatina
Interleucina-8 Tumstatina
Angiopoietina-1,2 Interferão-α
DISCUSSÃO 170
possível alvo terapêutico (472).
Todos os aspectos críticos inerentes à angiogénese e seus efectores, já conhecidos ou
ainda por clarificar, serão importantes no desenho de novas terapêuticas. Como refere
Goddard, a angiogénese é um complexo processo multifaseado e multifactorial (423). Assim, a
utilização de um único indicador angiogénico como factor de prognóstico não deverá ser
suficientemente informativa. É mais provável que uma combinação de marcadores conduza a
um modelo biológico com maior potencial de previsão de riscos. Neste sentido, será
igualmente útil explorar outros fenómenos relacionados com a angiogénese, nomeadamente a
linfangiogénese. O mecanismo de formação de vasos linfáticos tumorais estabelece a via
sistémica de disseminação maligna alternativa ao sistema sanguíneo. O estudo de tal
fenómeno nos carcinomas uroteliais da bexiga constitui o próximo objectivo do presente
trabalho.
DISCUSSÃO
171
5.2 LINFANGIOGÉNESE
A existência de um suprimento vascular linfático organizado na bexiga pressupõe a
sua intervenção na drenagem de excesso de fluido intersticial. Tal assume particular
importância no decorrer do processo neoplásico. A necessária ocorrência de
neovascularização sanguínea desencadeada pelo switch angiogénico promove a formação de
vasos sanguíneos tortuosos e com paredes altamente permeáveis, o que implica uma taxa de
extravasão elevada. A vascularização linfática pré-existente fornece a “matéria-prima” para a
formação de novos vasos linfáticos. Estes, em conjunto com os vasos linfáticos pré-existentes,
poderão promover, por um lado, a diminuição da pressão intersticial, e por outro, a
disseminação maligna, nomeadamente a metastização ganglionar.
Na amostra de carcinomas uroteliais da bexiga estudada, em 89,2% dos tumores
observaram-se estruturas vasculares linfáticas. Na maior parte dos casos existiam vasos
linfáticos peritumorais e intratumorais, estando estes últimos colapsados em cerca de 58,7%
das neoplasias. Não se observaram imagens compatíveis com edema, o que denota a
funcionalidade da vasculatura linfática peritumoral e/ou intratumoral na drenagem de fluido
intersticial e, possivelmente, de células malignas. Por outro lado, comprovou-se a ocorrência
de linfangiogénese associada às neoplasias malignas da bexiga.
A identificação de factores linfangiogénicos e seus receptores, assim como a
caracterização de marcadores de endotélio linfático, são recentes. Assim, os mecanismos que
associam a linfangiogénese à progressão maligna e à metastização não são ainda claramente
DISCUSSÃO 172
compreendidos. No que se refere ao estudo deste fenómeno no carcinoma da bexiga, os
trabalhos publicados são escassos e praticamente restritos à expressão de factores de
crescimento vascular linfático, nomeadamente o VEGF-C e o VEGF-D. O principal receptor
destes factores linfangiogénicos não foi ainda estudado.
Zu e colaboradores e Suzuki e colaboradores verificaram a associação entre a imuno-
-expressão de VEGF-C e o tamanho do tumor, o grau de invasão, a perda de diferenciação, a
ocorrência de permeação vascular sanguínea e linfática e o envolvimento ganglionar. Este
parâmetro foi identificado como factor de prognóstico independente na análise multivariada,
revelando-se útil na identificação de doentes que desenvolverão metástases ganglionares após
o tratamento primário (388, 389). Noutro estudo foi demonstrado que a expressão de VEGF-C se
correlaciona tanto com o aumento da densidade vascular linfática (DVL) como da densidade
vascular sanguínea (390). Este último aspecto está em concordância com o obtido no presente
trabalho e já referido anteriormente. Por outro lado, Mylona e colaboradores encontraram
apenas 22% de imunorreactividade positiva para o VEGF-C nos tumores da bexiga
observados, estando tal associado ao menor grau de invasão da parede da bexiga e a
prognósticos favoráveis. Estes autores sugeriram a possível associação da expressão de
VEGF-C a um fenótipo anti-apoptótico (391).
No estudo de Miyata e colaboradores, o aumento da DVL associado à perda de
diferenciação de neoplasias malignas da bexiga revelou-se um factor de prognóstico. No
entanto, a densidade vascular linfática apenas foi identificada como factor de prognóstico
independente quando em combinação com a densidade vascular sanguínea. A expressão
VEGF-D associou-se ao aumento da DVL (390).
Fernández e colaboradores, num estudo recente, confirmaram a ocorrência de
proliferação de vasos linfáticos em carcinomas uroteliais invasores da bexiga, quer nas
DISCUSSÃO
173
regiões peritumorais, quer nas zonas intratumorais. O aumento da DVL no estroma tumoral
associou-se, no mesmo trabalho, à existência de metástases ganglionares em tumores restritos
à parede do órgão (473).
Noutros modelos de cancro, a expressão dos factores linfangiogénicos VEGF-C e/ou
VEGF-D (Tabela 1.3 de Ponto 1.4.5.4), bem como a densidade vascular linfática,
relacionaram-se com a ocorrência de linfangiogénese. Assim, este fenómeno parece ter um
papel significativo na progressão neoplásica (332, 336, 353-372, 474-479). Nakamura e
colaboradores, estudando a DVL em carcinomas gástricos, sugeriram a sua utilização como
parâmetro importante no nomograma de ocorrência de envolvimento ganglionar, mesmo em
casos de tumores superficiais precoces, o que poderá influenciar significativamente a opção
terapêutica a adoptar neste tipo de carcinomas (475).
No presente trabalho verificou-se associação estatisticamente significativa entre a
densidade vascular linfática e o grau de invasão da parede da bexiga, a perda de diferenciação,
a morfologia não papilar e a ocorrência de permeação vascular.
Miyata e colaboradores sugeriram que o estádio da doença não influencia directamente
a DVL nas neoplasias da bexiga (390). De modo divergente, o presente estudo demonstra a
ocorrência de linfangiogénese associada ao aumento da agressividade dos tumores vesicais
definida pelo grau de invasão da parede do órgão; o mesmo foi também verificado por outros
autores (473, 476).
A sobre-expressão do factor linfangiogénico VEGF-C associou-se significativamente
ao maior grau de invasão da parede da bexiga e à perda de diferenciação, assim como ao
incremento da densidade vascular linfática. Tal foi também observado por Miyata e
DISCUSSÃO 174
colaboradores (390).
Como já foi referido anteriormente, no presente trabalho demonstrou-se o papel do
VEGF-C como mediador da angiogénese, adicionalmente ao seu potencial linfangiogénico.
Uma vez que o processamento proteolítico altera a sua afinidade de ligação aos receptores
presentes nas superfícies vasculares (190, 315), pode especular-se que a forma de VEGF-C
expressa nos carcinomas da bexiga é a forma processada de 21 kDa, que activa, com alta
afinidade, não só o receptor associado aos vasos linfáticos (VEGFR-3), mas também o
receptor presente nos vasos sanguíneos (VEGFR-2) (190, 315).
A imuno-expressão de VEGFR-3 foi avaliada na amostra de carcinomas uroteliais da
bexiga. Ocorreu sobre-expressão desta molécula nas células malignas de todas as neoplasias
estudadas, sendo igualmente expressa por células endoteliais linfáticas e sanguíneas. Porém,
as células do estroma não expressaram este receptor. Nos tumores da bexiga não se verificou
especificidade endotelial linfática deste marcador, o que tinha já sido observado por outros
autores (410). O padrão monótono de expressão do VEGFR-3 na série estudada não permite
outras conclusões.
Noutros modelos de cancro, a imuno-expressão de VEGFR-3 e a co-expressão com o
ligando VEGF-C associaram-se a taxas de proliferação tumoral e de metastização ganglionar
aumentadas, assim como à diminuição da sobrevivência livre de doença e da sobrevivência
global (477, 478).
Em relação ao significado prognóstico da linfangiogénese na série estudada, a
sobrevivência livre de doença e a sobrevivência global (5 anos) revelaram-se menores no
grupo de doentes com maior densidade vascular linfática, embora as diferenças encontradas
DISCUSSÃO
175
não tenham sido significativas. O mesmo se verificou quando foi considerada a sobre-
expressão de VEGF-C. Tais resultados estão em concordância com os obtidos em outros
estudos (390, 473).
A associação entre permeação vascular linfática (PVL) e diminuição significativa da
sobrevivência livre de doença e da sobrevivência global de doentes com tumores da bexiga foi
observada em alguns estudos, embora a PVL não tenha sido identificada como factor de
prognóstico independente (392, 393). No entanto, a permeação vascular (PV) (que inclui ambas
as formas de permeação, sanguínea e linfática), foi identificada como factor de prognóstico
independente por vários autores (394, 395). Lotan e colaboradores verificaram que, nos casos
em que havia envolvimento ganglionar, 72% apresentavam ocorrência de PV; este fenómeno
apenas se verificou em 26% das neoplasias sem envolvimento ganglionar (395). Em
carcinomas da mama (483), rim (484) e tiróide (485) foi demonstrada a associação significativa
entre a ocorrência de PV e a presença de metástases ganglionares.
Nesta série, da mesma forma que no estudo da permeação vascular sanguínea, a
permeação vascular linfática foi avaliada segundo três métodos de diagnóstico equivalentes
aos já descritos (PVL-EHC, PVL-EME1, PVL-EME2). Assim, dos 83 casos analisados,
verificou-se a existência de imagens de PVL em 18 (21,7%), em 31 (37,3%) ou em 16
(19,3%) dos casos, quando o diagnóstico foi realizado pelos métodos PVL-EHC, PVL-EME1,
ou PVL-EME2, respectivamente. As frequências absolutas da ocorrência de PVL são
semelhantes às obtidas para a ocorrência de PVS; a relação entre a PVL e o aumento da
agressividade tumoral definida pelo grau de invasão da parede da bexiga foi também
verificada (88,9% dos tumores T3-T4 apresentavam imagens de PVL diagnosticadas pelo
DISCUSSÃO 176
método PVL-EHC; este fenómeno não foi verificado em nenhum dos tumores superficiais).
A ocorrência de permeação vascular linfática verificou-se predominantemente nos
casos com maior DVL. Este fenómeno ocorreu nas regiões peritumorais e intratumorais. No
interior do tumor, a PVL associou-se significativamente com a manutenção da permeabilidade
do lúmen vascular. A sobre-expressão de VEGF-C verificou-se principalmente nos casos em
que se observaram imagens de PVL. A ocorrência de PVL determinou taxas de sobrevivência
global, aos 5 anos, significativamente mais baixas. O método de diagnóstico mais informativo
para todas as correlações caracterizadas foi o PVL-EME1. Outros autores, utilizando
diferentes modelos de cancro, demonstraram igualmente a utilidade deste método de
diagnóstico (486, 487).
Um número aumentado de vasos linfáticos, promovido pela sobre-expressão de
VEGF-C, incrementa a possibilidade de intravasão de células malignas e/ou de êmbolos
tumorais, tal como no caso da permeação de vasos sanguíneos. Uma vez que a DVL e a
expressão de VEGF-C estão relacionadas com o crescimento tumoral, com o incremento da
pressão intersticial e com o aumento da agressividade tumoral, a ocorrência de PVL é,
provavelmente, um fenómeno tardio.
Ao contrário do que acontece no fluxo sanguíneo, as células malignas isoladas
poderão ter maior probabilidade de sobrevivência na circulação linfática. A membrana basal
dos capilares linfáticos é incompleta; a existência de válvulas abertas para o interior facilita a
intravasão do fluído intersticial, cuja corrente arrasta consigo células malignas isoladas e/ou
êmbolos tumorais. Além disso, a velocidade de fluxo da linfa é baixa, e a sua composição,
semelhante à do fluído intersticial, fornece um meio de cultura ideal para a manutenção da
viabilidade celular (Ponto 1.3.4).
No presente estudo, a ocorrência de PVL verificou-se tanto na região peritumoral
DISCUSSÃO
177
como na região intratumoral. Em todos os casos onde foram observados vasos linfáticos
peritumorais, estes apresentavam lúmens patentes e permeáveis. No estudo de Miyata e
colaboradores, foram detectados vasos peritumorais íntegros em 100,0% dos casos avaliados;
os vasos intratumorais, detectados em apenas 16,0% dos tumores, estavam maioritariamente
colapsados. Neste trabalho, os vasos linfáticos intratumorais, existentes em 46 (62,2%) dos 83
tumores malignos, estavam íntegros em 41,3% dos casos em que existiam. De notar que, no
interior do tumor, a ocorrência de PVL associou-se significativamente com a manutenção da
permeabilidade do lúmen vascular. Além disso, não se observaram imagens compatíveis com
edema em nenhum dos tumores avaliados, tanto no estroma circundante como entre as células
malignas. Estes resultados demonstram, assim, a existência de vasos linfáticos intratumorais
funcionais que, quando permeados por células malignas, contribuem para o sucesso da sua
disseminação. Vários autores encontraram resultados semelhantes aos obtidos neste estudo, ao
comprovarem a existência de vasos intratumorais íntegros, e demonstrarem o seu papel na
disseminação maligna (Ponto 1.4.5.2). Tal revela o provável papel de determinantes órgão-
específicas que condicionam a formação e funcionalidade de vasos linfáticos intratumorais.
O estudo da linfangiogénese na amostra de 83 carcinomas uroteliais da bexiga ilustra a
associação entre este fenómeno e o risco de disseminação da neoplasia maligna por via
vascular linfática. Como tal, a ocorrência de linfangiogénese é indicativa da necessidade de
controlo local da doença através de linfadenectomia. Por outro lado, utilizando os actores
presentes no processo de linfangiogénese como alvos terapêuticos, poderá ser igualmente
possível o controlo da disseminação por via linfática.
Os resultados obtidos na presente amostra apenas permitem responder à primeira e à
DISCUSSÃO 178
quarta questões propostas por Pepper (204). Assim, verificou-se que na série de carcinomas
uroteliais da bexiga ocorrem fenómenos de neovascularização linfática, evidenciados
principalmente pela existência de vasos linfáticos intratumorais com lúmens patentes e
permeáveis. Foi possível constatar o incremento da densidade vascular linfática na amostra
estudada em função de um maior grau de agressividade tumoral. Tal promoveu a
disseminação maligna determinada, a um primeiro nível, pela permeação vascular linfática.
Uma vez que um maior número de vasos se associou com a ocorrência de PVL, pode
concluir-se que, de facto, a linfangiogénese e a dilatação dos vasos linfáticos formados de
novo aumentam a probabilidade de disseminação tumoral. Fernández e colaboradores
verificaram que o aumento da densidade vascular linfática em tumores invasores da bexiga se
associa com a ocorrência de metastização ganglionar (473).
Uma vez clarificado o significado da linfangiogénese e de permeação vascular
linfática em termos de prognóstico, poder-se-ão desenhar estratégias terapêuticas de bloqueio
da disseminação e da formação de metástases baseadas na inibição da linfangiogénese.
Idealmente, a execução prática de tais estratégias deverá controlar a formação de vasos
linfáticos tumorais, a permeação vascular linfática e, finalmente, a metastização ganglionar.
O envolvimento do sistema VEGF-C/D – VEGFR-3 na promoção da linfangiogénese
fundamenta a maioria dos estudos actuais de terapêutica anti-linfangiogénica (Ponto 1.4.5.4).
A estratégia mais aplicada em modelos animais e linhas celulares de cancro tem sido a
utilização de versões solúveis de VEGFR-3 que inibem a activação de VEGFR-3 endógeno,
impedindo a interacção com os ligandos (383). A estratégia ideal seria aquela em que fosse
inibido, para além do VEGFR-3, também o VEGFR-2, pois assim estariam incluídas as
principais vias associadas à linfangiogénese e à angiogénese. Neste sentido, tratamentos com
Sorafenib (BAY 43-9006) (385), Vatalanib (PTK787/ZQ 222584) (386) e Vandetanib (ZD6474)
DISCUSSÃO
179
(387) têm revelado resultados promissores em vários modelos de cancro. Apenas o Sorafenib
está em fase de ensaio clínico para o tratamento de doentes com carcinoma da bexiga, como já
foi referido (454).
O conhecimento global acerca do fenómeno de linfangiogénese é ainda muito
limitado, principalmente no que se refere aos mecanismos subjacentes à sua promoção. É
essencial clarificar este processo. Além disso, para compreender o seu significado na biologia
tumoral será útil explorar o papel de factores linfangiogénicos adicionais aos mais comuns
(Ponto 1.4.3.2), uma vez que a linfangiogénese, tal como a angiogénese, é um fenómeno
multifactorial. Por outro lado, será também interessante procurar esclarecer mecanismos
complementares de inibição da linfangiogénese. Neste sentido, a rapamicina, inibidor
específico do mTOR (mammalian target of rapamycin) largamente utilizado como
imunossupressor, demonstrou potencial anti-linfangiogénico em alguns estudos (488, 489).
O mTOR pertence à família das fosfatidilinositol cinases, e possui actividade de
serina-treonina cinase. A rapamicina é um macrólido bacteriano com propriedades
antifúngicas, imunossupressoras e anti-tumorais. Este composto liga-se, com alta afinidade, a
uma proteína citoplasmática de 12 kDa, FKBP12. O complexo formado inibe o mTOR, o que
impede a fosforilação e consequente activação de proteínas que participam na regulação do
ciclo celular (490-493).
Um estudo realizado por Stephan e colaboradores, utilizando linhas celulares de
cancro do pâncreas, demonstrou o papel anti-angiogénico da rapamicina; este foi
incrementado quando a droga foi utilizada em combinação com um anticorpo anti-VEGF
(494). Noutro estudo utilizando ratinhos, a inibição do mTOR pela rapamicina impediu a
linfangiogénese regenerativa, o que resultou em edema e atraso na cicatrização. Por este
DISCUSSÃO 180
motivo, os autores sugerem que a utilização de rapamicina seguida a um dano tecidular deve
ser evitada. Por outro lado, utilizando células endoteliais linfáticas VEGF-C-dependentes
cultivadas in vitro, foi demonstrada a inibição da sua proliferação e migração pela rapamicina
(489). Num trabalho utilizando linhas celulares de cancro do pâncreas, verificou-se inibição da
imuno-expressão de VEGF e, principalmente, de VEGF-C pela rapamicina. Nos ratinhos, o
número e a área dos vasos linfáticos associados aos tumores pancreáticos foi
significativamente diminuído pela administração da mesma droga; ocorreu também supressão
da metastização ganglionar (488).
Os estudos referidos indiciam que a rapamicina ou drogas semelhantes poderão ter um
papel importante na luta contra o cancro, dado o seu papel anti-linfangiogénico.