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17ª Edição - 2 Março 2015 Núcleo de Ciência Política ISCSP - UL

“Portas d’Ouro”

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Quem tem medo dos preços do petróleo?

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“Seria bom que, com esta ameaça dos preços do petróleo, o Governo angolano pressen-

tisse a redução do seu capital político e se empenhasse nas reformas políticas necessárias,

para que não se tor-ne realidade a ame-aça bem mais negra de antigas convul-sões sociais.”

“Evasão Fiscal”

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Bandeiras do Syriza © JACOBINMAG.COM pág11

POLÍTICA INTERNA

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Portas d’Ouro

Tiago Santos

O Labirinto no qual se viram encurralados directores e altos quadros do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, do Instituto dos Registos

e Notariado, do Ministério da Justiça e empresas imobiliárias, conduziu ao congelamento da atribuição de vistos Gold durante os últimos meses do ano transacto e início daquele que agora decorre. Uma das principais medidas de atracção de investi-

mento para o nosso país, ao ser assolada por suspeitas de corrupção e pagamento de luvas, tornou-se obsoleta e foi, tal como seria

expectável, suspensa. O investimento estran-geiro em Portugal, principal factor de motivação para a im-plementação desta medida, verificou um crescimento de 641% até à implosão do referido escândalo e tendo como base o valor calculado em

Setembro de 2013. Derivado da medida concretamente definida, o Estado, reteve desde a introdução da mes-ma em 2012, um va-lor em torno dos 1100 milhões de eu-ros. Independen-temente da conclu-são do processo e das implicações judi-ciais que daí advirem, o Tesouro Nacional não poderia perma-necer privado de uma injecção de capi-tais desta ordem, ainda que pessoas individualmente con-sideradas venham a ser declaradas culpa-das em sede de julga-mento por ilícitos co-metidos no decorrer do processo. Aten-dendo a esta necessi-dade orçamental, Paulo Portas, en-quanto principal es-tratega do programa, viu-se obrigado a al-terar a formulação do projecto com o intuito de afastar possíveis irregulari-dades e, em simultâ-neo, alargar a base de incidência do

mesmo. O aumento da fiscalização e a sua descentralização cer-tamente cumpriram a função de evitar no-vos escândalos. As no-vas possibilidades de investimento altera-rão a génese dos in-vestidores e do inves-timento em si. No an-terior diploma o inves-timento era, na sua totalidade, afecto ao sector imobiliário que pelas suas característi-cas é uma vertente económica sem qual-quer valor acrescenta-do e na qual o investi-mento é único no pro-cesso de criação de riqueza. Para além dos factores enunciados não nos esqueçamos do efeito deste mes-mo sector no crash de 2008, coisa que Portu-gal não pode correr o risco de repetir. O no-vo diploma abre espa-ço a investimentos na investigação científica, na cultura e na reabili-tação de património. Ora desta forma o Go-verno colmata a difi-culdade financeira de investimento cultural e fomenta, em simul-

Paulo Portas © POLITICAPORTUGAL.COM

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O ESPECTRO | 03

POLÍTICA INTERNA

tâneo, o progresso científico-tecnológico dando resposta aos anseios da crescente comunidade de inves-tigadores que muitas vozes levantou aquan-do da atribuição de bolsas pela Fundação para a Ciência e Tec-nologia. Em acréscimo, atende-se também ao desfa-samento entre os grandes centros e as periferias interiores ao consagrar uma re-dução do valor míni-mo de investimento necessário para a ob-tenção do Visto. Por-tugal não pode conti-nuar a ser um país a duas velocidades. Por-tugal não pode ser mais interior e litoral porque as dimensões territoriais fazem de nós um país onde a coesão territorial tem de ser regra Cultura, Ciência e Rea-bilitação passam as-sim a ser uma tríade de conceitos com pos-sibilidade de cresci-mento num país onde urge a aproximação aos padrões euro-peus. Cultura, Ciência

e Reabilitação pas-sam assim a ser uma realidade no desen-volvimento nacional, sem que isso signifi-que uma alienação de recursos do Esta-do investidos nas áreas fundamentais para o investimento público como a Saú-de, a Educação e a Segurança. Atendendo às priori-dades que o Estado deve ter e numa par-ceria que se espera de sucesso entre o público e o privado, Paulo Portas lança os fundamentos para o aumento da Taxa de Crescimento sem hi-potecar as funções primordiais da rela-ção existente entre as autoridades esta-tais e os cidadãos. Aguardemos os pri-meiros resultados que comprovem que o investimento priva-do pode e deve col-matar os sectores aos quais o Orça-mento não consegue responder, tendo em conta os condicionamentos existentes.

em parceria com o NAE - ISCTE

Pedro Diogo

No atual momento em que Portugal está a sair de uma reces-são profunda, é de extrema pertinência discutir qual a me-lhor estratégia para o desenvolvimento de Portugal. Os últimos anos têm sido marca-dos pelas políticas de austeridade e por uma estratégia de desenvolvimento ba-seada nos baixos sa-lários e nas exporta-ções. Ora, mesmo após o fim do Progra-ma de Ajustamento, o país apresenta um crescimento residual, um desemprego ele-vado mesmo com a emigração e com os ocupados, a dívida pública continua a aumentar e a taxa de inflação já é negativa. A evolução destes

indicadores fulcrais mostra que esta estra-tégia económica neoli-beral, aplicada pelo atual governo, está a ser um falhanço (os dados económicos de outros países da UE mostram que também nesses países estas políticas estão a fa-lhar). Assim, é neces-sária uma estratégia de desenvolvimento alternativa. Com o fa-lhanço generalizado das políticas neolibe-rais, e devido ao facto de já existirem provas dadas, as políticas keynesianas assumem-se como a melhor al-ternativa disponível. Ou seja, num período de recessão ou de bai-xo crescimento, como o que vivemos atual-mente, é necessário estimular a economia.

Estratégia para o desenvolvimento de Portugal

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POLÍTICA INTERNA

Apesar do atraso tem-poral do BCE, a recen-te compra de títulos de dívida pública, esti-lo quantitative easing americano, e as baixas taxas de juro, mos-tram que a política monetária já está no caminho certo para

promover o cresci-mento e o emprego. Agora falta a outra parte, ou seja, uma política orçamental expansionista. Estas políticas são necessá-rias para aumentar o consumo e a procura interna. O objetivo é que, através de au-mentos salariais e da construção de obras públicas, se aumente o rendimento das fa-

mílias, aumentando assim o consumo e, portanto, a procura, o que seguidamente fará aumentar a pro-dução e novamente o emprego, trazendo crescimento à econo-mia. As políticas de prote-

ção social também devem ser re-alargadas. Também elas contribuem para recuperar a procura interna para além de combaterem a po-breza e a desigualda-de, algo que também tem aumentado fru-to das políticas de austeridade. Claro que devido à elevada dívida pública estas políticas keynesianas

devem ser acompa-nhadas de alguma contenção orçamen-tal, mas sempre até um ponto que permi-ta um crescimento económico significa-tivo (pelo menos 2%). Para além da alteração das políti-

cas conjunturais, Por-tugal necessita tam-bém de uma altera-ção das políticas es-truturais, ou seja, são necessárias políticas que promovam um crescimento a longo prazo. Portugal deve continuar a sua apos-ta nas exportações mas ao contrário do que tem sido promo-vido pelo atual go-verno, deve apostar

nas exportações de produtos com elevado valor acrescentado, já que os nossos salários nunca serão baixos o suficiente para com-petir sequer com paí-ses do Leste Europeu. Para esta alteração no padrão de especializa-ção é necessário um aumento do nível de educação dos jovens portugueses e progra-mas de aprendizagem ao longo da vida para trabalhadores menos qualificados já no ati-vo. O facto de o país ter uma moeda forte reforça ainda mais es-ta necessidade de ex-portar produtos com alto valor acrescenta-do. Deve existir igual-mente uma estratégia que promova um de-senvolvimento ambi-entalmente sustentá-vel com regulações ambientais mais aper-tadas em articulação com a UE, por exem-plo no que respeita aos níveis de CO2 e de outros poluentes, apostando também em produtos biológi-cos e proteção dos ecossistemas.

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Apelo aos Judeus para regressarem a Israel

João Ferreira

O Primeiro-Ministro israelita Netanyahu apelou aos judeus eu-ropeus a mudarem-se para Israel na sequên-cia dos atentados em Copenhaga contra a principal sinagoga da capital dinamarquesa. “A todos os judeus da Europa: eu digo que Israel vos espera de braços abertos”, acrescentou. Segundo Netanyahu, o governo israelita vai adoptar um plano para enco-rajar a imigração de judeus da França, Bél-gica e Ucrânia, com um montante de cer-ca de 45 milhões de dólares( cerca de 40 milhões de euros). No entanto, o mi-nistro israelita dos Ne-gócios Estrangeiros, Avigdor Lieberman, já tinha pedido “uma guerra sem quartel”

contra o terrorismo islâmico, após os últi-mos atentados come-tidos na capital dina-marquesa em que morreram duas pes-soas, entre elas um jovem judeu, e cinco ficaram feridas. O pri-meiro ministro israe-lita asserta que o seu país está preparado para acolher uma imigração em massa proveniente da Euro-pa.” Estamos à espe-ra que esta onde de ataques e os assassi-natos antissemíticos continuem a aconte-cer”, disse Benjamin Netanyahu. Os aten-tados na capital dina-marquesa asseme-lham-se aos do jornal francês “Charlie Heb-do”, em Janeiro, por terem como alvo uma sinagoga e um artista sueco conheci-

do pelas suas carica-turas controversas de Maomé. De acordo com a “Lei do Regres-so” de Israel, qual-quer pessoa que te-nha pelo menos um avô judeu tem o di-reito de emigrar para a Terra Sagrada e re-ceber automatica-mente a cidadania. Estas medidas aca-bam por ser benéfi-cas tanto para os ju-deus e extremistas de direita. Para os

judeus será benéfica porque podem re-gressar para a sua terra natal, onde não serão alvos de antis-semitismo, agressão, ódio e possível homi-cídio. Para os de ex-

trema direita será também benéfico, pois, terão a oportuni-dade de ver o seu país livre daqueles que mais odeiam e des-prezam, acabando por deitar fora os seus cartazes “ Judeus, fo-ra!” e viver uma vida tranquila a escolher que outra etnia irão odiar a seguir. Contu-do, o primeiro minis-tro francês, Manuel Valls, exortou os ju-deus de França a per-

manecerem no país, depois de centenas de túmulos judaicos te-rem sido profanados. “A minha mensagem para os judeus france-ses é a seguinte: Fran-ça também foi ferida e

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Primeiro-Ministro Netanyahu © HAARETZ.COM

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a França não quer que vocês se vão embora”, disse Valls. O ódio crescente aos judeus faz com que não te-nham mais nenhum sítio para viver em se-gurança senão em Is-rael, mas, face à guer-ra contra os palestini-anos, Israel não pare-ce um lugar tão segu-ro para os judeus co-mo parece. Concluo que, apesar dos esfor-ços feitos e dos esfor-ços que estão para vir, os judeus europeus e judeus em geral terão uma tendência a afas-tarem-se cada vez mais das sociedades europeias e desliga-rem-se do mundo as-sim que a guerra isra-elo-palestiniana aca-bar vitoriosa para o lado de Israel até o ódio acalmar na Euro-pa. Parece que caiu sobre os judeus uma maldição de ódio por terem sido responsá-veis pela morte de Je-sus Cristo, o Messias. No futuro, Israel po-derá vir a ser um vali-oso Aliado, ou um te-mível Inimigo.

A semana passada deu início a mais um escândalo de evasão fiscal no velho conti-nente e o suspeito do costume voltou a aparecer em cena – o HSBC. O banco que, em 2012, foi conde-nado ao pagamento de uma multa de 1,9 mil milhões de dólares nos EUA por lavagem de dinheiro proveniente de car-téis de droga Mexi-canos e que se viu envolvido no escân-dalo de manipulação da taxa libor, é agora arguido num caso de fuga fiscal sem prece-dentes. O caso torna-do agora público re-monta a 2007, quan-do Hervé Falciani, um especialista em se-gurança informática do HSBC, roubou uma lista detalhada de 100 000 clientes que, alegadamente, estariam a usar a fil-ial suíça do HSBC pa-

ra evitar obrigações fiscais. Ao todo, esti-ma-se que o mon-tante que escapou aos cofres de mais de 200 países ascenda a 180 mil milhões de euros. O caso vem alertar novamente para a premência do com-bate à evasão fiscal, numa altura em que o controlo orçamen-tal tem estado na or-dem do dia das agen-das políticas europe-ias. A fuga ao fisco representa hoje um dos principais atenta-dos ao Estado de Direito, à coesão so-cial, ao desenvolvi-mento económico e ao próprio projeto europeu. Para que tenhamos uma ideia mais clara da gravi-dade do fenómeno, relembremos que, especificamente no caso português, as estimativas em 2013 apontaram para um

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Evasão Fiscal

João Rodrigues

fuga ao fisco no valor de 12 mil milhões de euros – o suficiente para financiar em 63% o Serviço Nacional de Saúde ou para reembolsar a troika das tranches rece-bidas nesse ano. Tor-na-se desta forma evi-dente o risco que este crime representa para a concretização do Es-tado Social, ao retirar verbas astronómicas dos cofres do estado para o financiamento dos serviços públicos de educação, saúde e segurança social. Esta apropriação de recur-sos públicos tem con-sequências incisivas no aumento da desig-ualdade social e no aumento do risco de pobreza, deixando particularmente vul-neráveis jovens e idosos. O combate à evasão fiscal tem sido uma das bandeiras políticas do executivo portu-guês nos últimos anos e têm sido tomadas medidas importantes para o aumento da eficácia e da eficiência da Autoridade

em parceria com o NAE - ISCTE

tório de Economia e Gestão da Fraude). Mais do que sortear Audis no Portal das Finanças, é necessária uma ação europeia enérgica e

coordenada para evi-tar as grandes fugas de capital para off-shores e o dumping fiscal dentro do espa-ço europeu. Nesse sentido, a Comissão Europeia prepara-se para avançar em Março com um plano contra a evasão fis-cal, que terá como principal objetivo um maior intercâmbio de informação e a tributação das em-

presas nos espaços económicos em que exercem atividade, mitigando assim o planeamento fiscal agressivo que as grandes empresas

conseguem exercer para explorar vantag-ens fiscais em países como a Holanda, Malta, Chipre e Lux-emburgo. Pelo caso exposto por Falciani, agora acusado de espio-nagem industrial na Suíça, torna-se ainda evidente a neces-sidade de combater o poder instalado dos bancos para dar cobertura a ativida-

POLÍTICA EXTERNA

Tributária e Aduanei-ra. Contudo, em 2013, a economia paralela em Portugal aumen-tou para uns extraor-dinários 26,81% do PIB, bastante acima

da média da OCDE de 16%. Quer isto dizer que, se a economia paralela não existisse, Portugal teria tido um superavit orçamental de 0,4% ao invés de ter registado um defi-cit de 4,85% ou, não sendo demasiado ex-tremista, se Portugal estivesse dentro da média da OCDE nesta matéria, o deficit teria sido de apenas 2,5% (números do Observa-

des criminosas, sejam elas a lavagem de din-heiro ou a evasão fis-cal, através de uma supervisão mais aper-tada. Resta saber se o poder político eu-

ropeu tem a coragem e a tenacidade sufi-cientes para atacar pela raiz as células cancerígenas que ameaçam a in-tegridade das socie-dades europeias ou se se continuará a apresentar medidas a conta-gotas, à medida que a opinião pública se vai exaltando pelos escândalos dados à luz pelo jornalismo de investigação.

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Gonçalo Lima

Quem tem medo dos preços do petróleo?

A economia angolana baseia o seu cresci-mento na produção de petróleo, como bem se sabe. O ouro negro vale mais de 90% das exportações do país e 75% das re-ceitas fiscais. Em 2014, 29 mil milhões de dólares petrolífe-ros forraram os cofres do Estado angolano porém, bastante abai-xo dos 34,9 mil mi-lhões de dólares, em 2013. Esta quebra de-veu-se sobretudo ao recuo nas exportações e à queda acentuada dos preços do petró-leo, desde Junho. Ape-sar de poder chegar à produção de 2 mi-lhões de barris de pe-tróleo por dia, este ano, o país não tem sequer uma quota do mercado mundial de 2%, o que faz de An-

gola um price-taker e, assim, mais sus-cetível a flutuações do mercado. A queda abrupta dos preços parece dever-se so-bretudo a duas ra-zões, uma eminente-mente política, outra estritamente mer-cantil, mas ambas com o mesmo ator principal, a Arábia Saudita, maior pro-dutora da OPEP. Se formos pelo lado do mercado, tem-se ve-rificado um abranda-mento da procura internacional de pe-tróleo sobretudo de-vido à estagnação da economia europeia e ao abrandamento do crescimento na Chi-na. Ora, a Arábia Saudita tinha duas opções, ou mantinha a mesma quantidade de produção, fazen-

do descer os preços, ou restringia a pro-dução para manter as margens de lucro, de resto em concor-dância com a estraté-gia do cartel. Porém, o quadro internacio-nal tem-se alterado, no que diz respeito ao equilíbrio de for-ças com o Ocidente. A oferta de petróleo tem aumentado significativamente (cerca de 80% entre 2008 e 2014), bem como a direção dos fluxos internacionais: os EUA passaram a importar mais do Ca-nadá que dos países do Golfo e a ameaça dos produtores norte-americanos de xisto betuminoso come-çou a tonar-se mais premente. Ou seja, por um lado a con-corrência começa a apertar, por outro, os interesses políticos e geoestratégicos ga-nham maior relevân-cia. Assim sendo, a restrição da produ-ção poderia levar a Arábia Saudita a per-der a sua quota de mercado para outros

produtores. A verdade é que o país tem mar-gens mais confortá-veis que os seus par-ceiros da OPEP para entrar numa guerra de preços, devido à sua capacidade de produção de petróleo onshore, a “baixo” custo. Ao contrário dos árabes, Angola tem uma produção offshore, com custos ainda relativamente elevados (segundo estimativas da Mor-gan Stanley a produ-ção em águas profun-das e ultra-profundas varia entre os 52 dóla-res e os 56 dólares por barril), o que põe em causa a viabilidade económica da extrac-ção de petróleo em águas angolanas, visto os preços já terem co-tizado abaixo desses valores. Ora, se os preços do petróleo se mantiverem em torno dos 60 dólares por barril nos próximos tempos, como até à data deste texto se encontram, isto signi-ficará graves proble-mas para a economia angolana. Uma políti-

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POLÍTICA EXTERNA

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ca económica obtusa poderá levar a uma aposta cada vez mai-or na produção de petróleo, no sentido de cortar os custos e manter a vantagem comparativa. Porém, o padrão de especiali-zação seguido pela

economia do país (produção de recur-sos naturais não reno-váveis, como o petró-leo e os diamantes) acarreta sérios dile-mas para o seu de-senvolvimento. Devi-do à fraca dinâmica do crescimento da procura por recursos naturais no longo-prazo, e devido à re-dução do seu preço,

tenderá a haver uma degradação significa-tiva dos termos de troca do país face ao exterior. Isto tenderá a provocar instabili-dade económica e política. Algumas me-didas têm sido toma-das para conter esta

instabilidade, nome-adamente a criação do Fundo Soberano de Angola, de modo a garantir uma repar-tição inter-geracional dos benefícios da ex-ploração petrolífera, e o investimento em infraestruturas de carácter produtivo. Porém, e mais recen-temente, políticas de restrição de importa-

ções (que afetam muitas empresas ex-portadoras portugue-sas) tendem a distor-cer as reais capacida-des de criação de ri-queza do país. Em boa verdade, basta uma análise do Rela-tório Social de Ango-

la (RSA), de 2013, co-ordenado pelo Pro-fessor Alves da Ro-cha, para perceber que as condições so-ciais e o quadro insti-tucional, apesar dos esforços tímidos, es-tão ainda longe de garantir a manuten-ção de um fluxo míni-mo de rendimento que se traduza no efetivo desenvolvi-

mento do país. Apesar de, segundo o Banco Mundial, Angola ser um país de rendimen-to médio elevado (PIB per capita), a organi-zação política angola-na continua a deixar «incólume o essencial do atual modelo de reprodução de desi-gualdade» (RSA, p. 28), o que se reflecte no seu desenvolvi-mento humano e no seu crescimento, com o sistema de ensino ainda a ser incapaz de formar os técnicos ne-cessários à sua susten-tabilidade económica, e os níveis de corrup-ção a serem um entra-ve à condução de me-lhores negócios. Seria bom que, com esta ameaça dos preços do petróleo, o Governo angolano pressentisse a redução do seu capi-tal político e se empe-nhasse nas reformas políticas necessárias, para que não se torne realidade a ameaça bem mais negra de antigas convulsões sociais.

Petroleira © HYPESCIENCE.COM

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SOCIEDADE DE DEBATE DO ISCSP - UL

AEISCSP - UL

NECPRI - FCSH/NOVA

POLÍTICA EXTERNA

Dilemas do CashCall

Rui Sousa

No final de Janeiro al-go estranho aconte-ceu. Abriam telejor-nais, as pessoas fala-vam na rua, questio-nava-se a origem do acontecimento, ener-gúmenos enchiam es-paço televisivo arra-sando o desconhecido e para espanto de muitos, um partido constitucionalmente legal ganhou eleições no país ao qual con-correu. Se um ser ex-tra-planetário aterras-se na Europa no fatídi-co mês de Fevereiro poderia ainda supor que o Syriza se enga-nou no país que que-ria governar. Mas não, aparentemente e para choque de muitos, a democracia vigorou e uma coligação rapida-mente foi formada para corresponder às expectativas do eleito-rado. De seguida, no-vo desafio e nova lição dada pela Europa aos próprios europeus,

neste caso no âmbito da linguística. Habil-mente, o senhor Schäuble, a senhora Lagarde, o se-nhor Dijsselbloem e outros que possuem o título de Sr. ensina-ram à população a utilização devida das conjunções adversa-tivas numa frase cor-rectamente construí-da. Orações que pos-suam mas, contudo, porém ou todavia na ligação de dois pen-samentos, adquiri-ram um novo signifi-cado: esquecer por completo a ideia an-tes da conjunção. An-tes de Fevereiro de 2015, a frase "tentei chegar cedo, mas perdi o comboio" li-gava duas orações com pensamentos contrários ou com-pensatórios. Depois do mês do Carnaval de 2015, a frase "a democracia é muito bonita, mas a Grécia

tem de cumprir os seus compromissos" ganha um novo rele-vo. A parte anterior à conjunção pode de-saparecer e ficamos só com a segunda parte. A importância do discurso passou a residir na segunda parte da frase, confe-rindo ao resto o pro-pósito de acessório e complementar. No fundo, o debate de resolução dos proble-mas da Grécia reside nesta pequena gran-de questão. O que vale mais, a primeira oração ou a segun-da? É possível conju-gar as vontades con-trárias ou o avanço para a ruptura é o caminho único? Não estará a Grécia a des-cobrir o caminho ma-rítimo para a resolu-ção da dívida, lidera-do por Bartolomeu Varoufakis lutando contra o Herr Ada-mastor? Em época de Óscares, Maria Luis Albuquerque foi me-dalha de Schäuble. Portugal faz lembrar aquele tio convidado para um casamento

que aluga um BMW e compra uns óculos Ray Ban só para mos-trar que tem dinheiro aos familiares mas no final devolve tudo e não tem onde cair morto. Cultura portu-guesa. Um check nas aparências, um zero na substância. Não somos a Grécia. Roger Hodgson escreveu e compôs em 1979 uma das canções mais ricas e criticas dos Super-Tramp e, sobretudo, dos anos 70. A música visava a padronização excessiva do sistema de ensino inglês que cada vez mais castrava a criatividade e sensi-bilidade das crianças. A dada altura da can-ção, uma estrofe re-produz na perfeição a actualidade greco-europeia. Now watch what you say/ Or they'll be calling you a radical/ A liberal, oh fanatical, crimi-nal/ Oh, won't you sign up your na-me?/ We'd like to feel you're/ Acceptable, respectable, oh pre-sentable, a vegetable.

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O ESPECTRO | 11

Propriedade do Núcleo de Ciência Política ISCSP - UL Coordenador: Isa Rafael | Co-coordenador: André Cabral | Revisores: André Cabral e Beatriz Bagarrão | Design: Isa Rafael | Plataformas de Comunicação: Daniela Nascimento, João Cunha

e João Silva | Cartaz Cultural: Isa Rafael

www.facebook.com/OEspectro [email protected]

CARTAZ CULTURAL

10h - 18h

Museu Nacional de Arte Antiga

Rua das Janelas Verdes

1249-017 Lisboa

3,50€

COLEÇÃO FRANCO

MARIA RICCI

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CICLO DE

CINEMA

MUDO

19h

Museu da Música

Rua João de Freitas Branco

1500-359 Lisboa

Preço sob consulta

até 12 MARÇO

HOT CLUBE

DE

PORTUGAL

22h30 e às 00h

Hot Clube de Portugal

Praça da Alegria, 48

1250-004 Lisboa

5€ - 10€

parceria com

até 08 JULHO

até 12 ABRIL


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