Download - 1. Uma noção de Direito
![Page 1: 1. Uma noção de Direito](https://reader038.vdocuments.com.br/reader038/viewer/2022100500/5571f88b49795991698da4c1/html5/thumbnails/1.jpg)
1. Uma noção de Direito (Baptista Machado – pp. 31-62)
Visão Sociológica : O Direito como ordem de coacção
Duma maneira geral, o Direito é visto por todos os sociólogos como
um instrumento de controlo social particularmente eficaz, por se
tratar de um conjunto de normas assistidas de uma sanção
socialmente organizada.
Visão Jurídica: o Direito como uma ordem com um “sentido”
Larenz: faz notar que não é possível dar uma noção de Direito sem
fazer necessariamente referência à questão da Justiça. Dá a seguinte
definição de Direito: “O Direito é uma ordem de convivência humana
orientada pela ideia de uma ordem justa, ideia essa a que, pelo seu
próprio sentido, tal ordem vai referida (…) seria erróneo excluir do
conceito de Direito a referência à Justiça, como uma referência
intrínseca, postulada pelo próprio sentido do Direito”.
Esser: “O Direito apenas é ordem (ordenamento) enquanto esta pode
ser referida à ideia de Direito enquanto aspira a realizar esta ideia
(…) a ideia de Direito exige uma ordem com determinado sentido,
uma ordem justa.”
Opção Inicial. Sequência
Opta-se pela noção jurídica – o Direito é uma ordem de convivência
humana com um sentido – e esse sentido é o da Justiça.
Assim, a coacção ou a coercibilidade não especifica o Direito no plano
do ser, não o determina no seu conteúdo e, portanto, não faz parte da
sua essência.
O Direito, como realidade social, vigoram dentro de certo espaço e
dentro de certo tempo histórico. Ao tentar definir o Direito está-se
![Page 2: 1. Uma noção de Direito](https://reader038.vdocuments.com.br/reader038/viewer/2022100500/5571f88b49795991698da4c1/html5/thumbnails/2.jpg)
pois a tentar definir uma realidade, algo que tem uma determinada
existência social.
Questões que se suscitam a propósito da coacção. A
legitimidade da coacção
O Direito não se define pela coercibilidade, mas esta é uma
característica ou qualidade que resulta da própria natureza do Direito.
O que é “de Direito” é obrigatório, é exigível, mesmo contra a
vontade dos destinatários da norma – ou da decisão. Temos aqui uma
heteronomia que se impõe e limita a autonomia de cada um dos
membros da comunidade. Essa heteronomia é condição da existência
mesma da autonomia. O homem, como pessoa, só pode realizar-se
em comunidade; logo, a obrigatoriedade daquelas normas que são
necessárias à própria existência e subsistência da comunidade, ou
parafomentar o desenvolvimento da autonomia de todos e de cada
um dos seus membros, não só não viola o princípio da autonomia ou
da liberdade como é postulada até por esse mesmo princípio. ----» A
específica obrigatoriedade do Direito teria a sua raiz profunda na
própria natureza social do homem e na necessidade de garantir a
vida social indispensável à sua “humanidade”.
O recurso a meios de coacção para repor a Justiça é, não apenas
legítimo, mas até exigível.
A necessidade da coacção
O Direito é uma ordem necessária: não há sociedade sem Direito,
este entra necessariamente na constituição do social. Para que a
sociedade exista, tem de vigorar o Direito; e o Direito, para ser
Direito, tem de ter vigência social. Mas a vigência efectiva do Direito,
numa sociedade de homens imperfeitos, requer a coercibilidade, isto
é, a ameaça de uma sanção efectiva. Requer que por detrás do
Direito esteja um poder social organizado capaz de o impor pela
força, se necessário.
![Page 3: 1. Uma noção de Direito](https://reader038.vdocuments.com.br/reader038/viewer/2022100500/5571f88b49795991698da4c1/html5/thumbnails/3.jpg)
O Direito legitima e regula a Força
Estamos, pois, caídos na conclusão de que o Direito depende da
Força, precisa da Força ou, pelo menos, vive em simbiose com ela.
Porém, cabe ao Direito legitimar a própria Força de que ele carece
para se impor como Direito. O Direito depende da força no seu existir
(na sua vigência) como Direito, mas não no seu ser, na sua essência
ou no seu conteúdo. Ou seja, ao Direito não é inerente a coacção,
nem lógica nem ontologicamente. Bem pelo contrário, é o Direito que
legitima a Força. O Direito requer uma força, sim, mas uma força
legitimada pelo Direito, já por ele regulada no seu exercício – isto é, já
conforme a ideia de Direito (ou à Justiça).
Conclusão
Pois que o Direito não depende da Força na sua validade, no seu
sentido específico ou na sua essência; depende dela apenas no seu
existir. Trata-se, portanto, de uma dependência meramente de facto –
não de uma dependência de iure, isto é, situada no plano da validade
ou da legitimidade. Neste plano, como vimos, é a Força que deve
subordinar-se ao Direito, cabendo a este conferir àquela legitimidade
ou não (e, portanto, regulá-la e limitá-la).
Mas, por outro lado, só numa sociedade ideal o Direito dispensaria a
Força: o Direito carece da Força, mas, por seu turno, legitima e regula
o uso desta.
Facto e norma (descritivo e preceptivo). A teoria da força
normativa dos factos.
Esta teoria afirma que há factos que ditam as normas,
designadamente factos que ditam mudanças de regimes legais.
![Page 4: 1. Uma noção de Direito](https://reader038.vdocuments.com.br/reader038/viewer/2022100500/5571f88b49795991698da4c1/html5/thumbnails/4.jpg)
De igual modo afirma que, quando um novo facto social surge e é
descoberto, ou adquire nova importância por força da mudança do
seu contexto social, surgirá na consciência social um novo valor ou
uma nova ordenação de valores.
Questões suscitadas pela relação entre o normativo e o factual:
1. - Uma conduta que, de facto, se generaliza entre a maioria dos
membros de uma sociedade, transforma-se em nova norma de
conduta (normal ou jurídica)?
2. – Uma análise empírica apurada dos factos sociais, poderá, um
dia, vir a dispensar as decisões valorativas?
Respondendo somente à primeira questão, é incontestável a eficácia
dos factos na constituição e modificação de normas; o que é
contestável na teoria da força normativa dos factos é a interpretação
que ela dá a este fenómeno, ao entender que a factualidade, por si
mesma, determina o normativo, ao supor que aquilo que é de facto
praticado pela generalidade das pessoas deve ser considerado como
norma, como critério de acção válido e correcto.
A relação entre o Direito e o Estado
O Direito não se confunde com o poder e, portanto, também não pode
confundir-se com o Estado. Antes, cabe ao Estado limitar o poder do
Estado e legitimá-lo – o que não seria possível se com ele se
confundisse. Significa isto que há princípios de Direito que se impõem
ao próprio Estado – e este não pode constituir uma ordem jurídica
sem se referir ao princípio superior da Justiça
O Direito Internacional
![Page 5: 1. Uma noção de Direito](https://reader038.vdocuments.com.br/reader038/viewer/2022100500/5571f88b49795991698da4c1/html5/thumbnails/5.jpg)
Pelo que respeita ao Direito da sociedade internacional, deve
observar-se que não existe nesta sociedade um poder supremo que
exerça funções análogas às do Estado no Direito interno (legislador,
polícia, juiz). Daí que a eficácia das normas jurídicas internacionais
pareça, em regra, inferior à que têm as normas do Direito interno. É
maior a possibilidade das normas do Direito Internacional ficarem
sem sanção. Particularmente devido à falta de um poder organizado
capaz de impor sanções ao transgressor quando este é uma
superpotência – por falta de coercibilidade, portanto -, há muitos que
negam a existência de um verdadeiro Direito Internacional, ou seja,
recusam às suas normas o carácter de normas jurídicas.
Na sociedade internacional encontramos, na verdade, um conjunto de
normas de conduta que se consideram obrigatórias para os Estados e
delimitam as esferas de cada um em face dos outros, em termos de
um critério objectivo de Justiça. Tais normas distinguem-se bem das
normas de cortesia entre os Estados, bem como das normas morais.
O Direito de fonte não estadual
Não o é ainda hoje o direito consuetudinário, quer o internacional,
quer o nacional nos muitos Estados em que o costume é fonte
imediata de Direito.
As normas jurídicas editadas por entes autónomos (regiões
autónomas, autarquias regionais e locais, “corporações”) na sua
esfera de competência própria também não podem considerar-se
normas de fonte estadual.
O Direito e a Segurança
Relação entre Direito, Justiça e Segurança
![Page 6: 1. Uma noção de Direito](https://reader038.vdocuments.com.br/reader038/viewer/2022100500/5571f88b49795991698da4c1/html5/thumbnails/6.jpg)
Uma das principais funções das instituições sócias é criar estruturas
de ordem e estabilidade nas relações entre os membros da
comunidade. O Direito acrescenta a essa estabilidade uma segurança
ordenadora específica, a segurança jurídica. A segurança é uma das
exigências feitas ao Direito (e pode também representar uma missão
para o Direito), podendo esta conflituar com a exigência de Justiça
----» Justiça e Segurança acham-se numa relação de tensão dialéctica.
A Justiça representa um ideal de hierarquia superior. A segurança
representa um valor de escalão inferior, mais directamente ligado à
utilidade, às necessidades práticas e às urgências da vida ---- em
muitos casos, a própria praticabilidade do Direito pode exigir
que o valor segurança prevaleça sobre o valor justiça. Uma
Justiça puramente ideal, desacompanhada de segurança, seria vazia
de eficácia, não passaria de plena intenção.
A segurança como certeza jurídica
Como conhecimento prévio daquilo com que cada um pode contar
para, com base em expectativas firmes, governar a sua vida e
orientar a sua conduta, s segurança jurídica aparece-nos sob a forma
de “certeza jurídica”.
Há certos institutos jurídicos que são predominantemente inspirados
pelo valor da segurança e da certeza do Direito, por exemplo, a
maioridade, os prazos de prescrição e de caducidade, a
obrigatoriedade de certos actos serem levados a registo, o caso
julgado (insusceptibilidade de recurso ordinário contra as decisões
transitadas em julgado).
A segurança e certeza do Direito são, ainda, caucionadas pelo
princípio da não retroactividade da lei (protecção dos direitos
adquiridos e das expectativas legítimas). O princípio da
irretroactividade da lei tem mesmo o valor de um princípio
constitucional (art.º 29.º, 1, 3 e 4 da CRP) no domínio do Direito
Penal. Neste domínio, o princípio da tipicidade da lei penal
![Page 7: 1. Uma noção de Direito](https://reader038.vdocuments.com.br/reader038/viewer/2022100500/5571f88b49795991698da4c1/html5/thumbnails/7.jpg)
incriminadora e a proibição da aplicação analógica da mesma,
reforçam a segurança jurídica dos indivíduos frente ao detentor do
poder punitivo (o Estado).
Porém, em muitos sectores, o legislador utiliza conceitos
indeterminados e cláusulas gerais, pelo que a insegurança jurídica
aumenta.
A segurança, através do Direito, face ao poder político e à
Administração: o Estado de Direito.
No Estado de Direito Democrático, o cidadão goza também de
segurança perante eventuais intervenções ou intromissões dos
poderes públicos na sua esfera pessoal. O princípio do Estado de
Direito surge historicamente por contraposição ao Estado Absoluto,
no qual prevalecia a chamada “Razão de Estado” sobre os direitos e
liberdades dos cidadãos.
O Direito e a Moral
Critérios de distinção:
1. : Mínimo Ético – O Direito limitar-se-ia a impor aquelas regras
morais básicas cuja observância é indispensável para que na
vida social exista paz, liberdade e justiça;
2. : heteronomia e coercibilidade – o que importa no Direito não é
a vinculação autónoma de cada um aos ditames da sua
consciência, mas, pelo contrário, a “heteronomia” da vinculação
e a caução dada à observância dessa vinculação heterónoma
do Direito pela rela realização coerciva da mesma
(coercibilidade);
3. : exterioridade - O Direito parte do lado exterior d conduta
(contenta-se com a mera observância externa), ao passo que a
Moral exige uma intenção ou atitude interior do agente de
![Page 8: 1. Uma noção de Direito](https://reader038.vdocuments.com.br/reader038/viewer/2022100500/5571f88b49795991698da4c1/html5/thumbnails/8.jpg)
adesão à norma (adesão interna aos ditames da consciência
ética, vivência interior dos valores éticos).
Em qualquer dos critérios apontados há um núcleo de verdade: o
Direito limita-se e deverá limitar-se às regras fundamentais de
convivência cuja observância é necessária à manutenção da boa
ordem social. Em todos o caso importa advertir que a maioria das
normas jurídicas (por exemplo, as normas organizativas e as normas
processuais) são, em si mesmas consideradas, eticamente neutras.
De forma que o critério do “mínimo ético” apenas se reporta à
questão dês saber até que ponto o Direito pode ou deve dar
relevância jurídica a critérios éticos.
Relativamente ao critério da “exterioridade” do Direito – o Direito
apenas olharia ao lado externo da conduta, não à atitude interna da
consciência do agente – deve referir-se que muitas vezes o Direito se
preocupa com a intenção e com a personalidade do agente, na
medida em que uma e outra se possam revelar e comprovar através
de manifestações externas (ex: Direito Penal).
Do exposto também decorre que existe uma interligação profunda
entre o Direito e a Moral, não obstante a diversidade de funções
destas duas ordens normativas.