1 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários
A Anatomia do Mercado Português: Uma Análise da Microestrutura e Liquidez da Euronext Lisbon
Paulo Pereira da Silva *
1. Introdução
Nas últimas duas décadas assistiu-se a um cres-
cente interesse por parte de académicos, regula-
dores e profissionais da indústria financeira na
análise da microestrutura dos mercados de capi-
tais. Atualmente esta temática assume ainda
maior importância num contexto em que algo-
ritmos e high frequency traders têm um papel
cada vez mais preponderante na criação de li-
quidez e na formação dos preços de mercado.
De facto, nos últimos anos verificaram-se alte-
rações importantes na estrutura dos mercados
(por exemplo, com o aparecimento de Multila-
teral Trading Facilities e outras plataformas
alternativas de negociação), advento de novas
tecnologias (as quais fomentaram novas estraté-
gias de negociação) e nova regulamentação
(entre as quais a Diretiva dos Mercados de Ins-
trumentos Financeiros).
Os efeitos de todos estes fatores na estrutura de
negociação têm sido estudados para diversos
mercados. Todavia, no que se refere ao merca-
do português existe ainda escassez de análises
empíricas nesta área. Uma vez que a realização
deste tipo de análises requer uma grande quanti-
dade de informação, muitas vezes não acessível
ao público, estudos aprofundados sobre esta
temática no contexto do mercado português são
praticamente inexistentes. O presente estudo
pretende contrariar essa tendência e contribuir
para uma melhor compreensão de como funcio-
na a microestrutura do mercado português.
A existência de fricções nos mercados financei-
ros impossibilita que os preços de mercado
atinjam, no curto prazo, os seus respetivos valo-
res de equilíbrio em mercados eficientes. Mui-
tas dessas imperfeições são geradas pela própria
microestrutura dos mercados. A liquidez (ou a
sua ausência) poderá ter influência no próprio
preço de equilíbrio se os investidores exigirem
um prémio de liquidez para deter esses ativos.
Por outro lado, também é sabido que a liquidez
dos títulos varia ao longo do tempo e é sensível
ao ciclo económico, tornando o risco de liqui-
dez não diversificável.
Numa análise inicial são focadas três vertentes
do conceito de liquidez: custos de transação
implícitos, profundidade do mercado e impacto
das transações nos preços. Estas três vertentes
são aqui estudadas usando dados intradiários
da negociação. Dessa análise emergem duas
importantes conclusões. Por um lado, a liqui-
dez, medida nas suas várias facetas, tende a
aumentar com a dimensão da empresa. Por
outro lado, numa perspetiva intradiária a liqui-
dez - medida pelos custos de transação ou im-
pacto das transações no preço - tende a diminuir
no fecho da sessão, sem prejuízo de se verificar
* - Economista, Comissão do Mercado de Valores Mobiliários. As opiniões expressas neste texto são as do autor, e não necessariamente as da CMVM.
2 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários
paralelamente um aumento da profundidade.
Num outro domínio, constata-se que a atividade
de negociação tende a intensificar-se no fecho
da sessão, o que é consistente com a ideia de
que a procura de liquidez é muito elevada nesse
período de negociação, elevando os custos de
transação. Uma análise ao risco de liquidez
também mostra maior variabilidade dos custos
de transação e impacto das transações durante o
fecho da sessão, mesmo nas empresas de maior
dimensão. O risco de liquidez parece advir da
maior intensidade da negociação resultante de
ordens agressivas (e como tal “consumidoras”
de liquidez) durante este período.1
Por fim, analisa-se a eficiência dos preços numa
ótica intradiária. A componente de ruído nos
preços é bastante diminuta nos títulos de empre-
sas de maior dimensão, e mais elevada nos títu-
los de menor dimensão. Estima-se que o bid-
ask bounce dos títulos de menor dimensão ex-
plique 75% da variação intradiária dos preços.
A volatilidade intradiária tende a crescer quan-
do se aproxima o fecho das sessões de negocia-
ção, sendo este padrão mais evidente nos títulos
de empresas de maior dimensão.
Este documento encontra-se estruturado do se-
guinte modo. A Secção 2 apresenta as fontes de
informação e a definição das variáveis analisa-
das. A Secção 3 mostra os principais resultados.
Finalmente, na Secção 4 apresenta-se as princi-
pais conclusões e algumas implicações dos re-
sultados para investidores, profissionais da in-
dústria financeira e entidades de supervisão e
regulação.
2. Fontes de informação, variáveis
analisadas e estatísticas descritivas
Os dados utilizados na análise foram extraídos
da Bloomberg. Em particular, recolheu-se da-
dos intradiários para cotações bid, ask, mid,
trade, quantidades associadas à melhor cota-
ção de compra, quantidades associadas à me-
lhor cotação de venda e quantidades associadas
a transações. Os dados foram recolhidos para
janelas temporais de um minuto para o período
compreendido entre 02 de abril de 2015 e 16 de
outubro de 2015. A análise abrange os títulos
ativos negociados na Euronext Lisbon.
Foram calculados diversos indicadores para
medir os custos de transação, profundidade e o
impacto da negociação nos preços. Relativa-
mente aos primeiros calculou-se o best bid-ask
spread (BAS), o bid-ask spread efetivo (EBAS)
e indicadores compósitos de profundidade. O
BAS é um indicador clássico de liquidez que
traduz o custo de comprar e vender instantanea-
mente um ativo às melhores cotações de merca-
do em determinado momento. É importante
sublinhar que o BAS pode subestimar os custos
de transação, sobretudo nos casos em que a pro-
fundidade é diminuta. Tal acontece devido à
existência de múltiplos preços de compra e ven-
da (com diferentes quantidades disponíveis as-
sociadas) em vez de um preço único no livro de
ofertas.
O best bid (ask) reflete a melhor cotação de
compra (venda) em determinado momento. A
diferença entre as melhores cotações de venda e
compra constitui o BAS. Para facilitar compara-
ções entre diferentes títulos, o BAS reportado
neste documento é calculado em termos relati-
vos, isto é, consiste no rácio entre a diferença
das melhores cotações de venda e compra
e a cotação média (a média entre as me-
lhores cotações de venda e compra).
(1)
O EBAS traduz-se no valor absoluto da diferen-
ça entre o preço da transação e a cotação média.
Novamente, para facilitar a comparação entre
diferentes títulos aquele valor é dividido pela
cotação média. A vantagem deste indicador
face ao BAS reside no facto de ser considerada
1- É sabido que muito fundos passivos e ETFs atuam principalmente no fecho das sessões.
3 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários
a profundidade do mercado. Nos casos em que
a quantidade transacionada é inferior ou igual
às melhores quantidades associadas à compra
ou venda, o EBAS deverá ser inferior ou igual
ao BAS. Porém, quando tal não sucede, não é
possível ao investidor executar a totalidade da
ordem à melhor cotação. Assim, essa ordem é
fracionada e executada em piores condições por
comparação com as melhores cotações de mer-
cado, traduzindo-se numa perda superior ao
BAS.
(2)
em que e correspondem ao preço da tran-
sação e à cotação média, respetivamente.
No que se refere à profundidade do mercado
são calculados quatro indicadores de profundi-
dade do mercado: (i) valor das quantidades
associadas às melhores cotações de compra; (ii)
valor das quantidades associadas às melhores
cotações de venda; (iii) valor médio das quanti-
dades associadas às melhores cotações de com-
pra e de venda; e (iv) medida compósita de pro-
fundidade (MCP) obtida através do rácio entre
o BAS e o valor médio das quantidades associa-
das às melhores cotações de compra e venda.
(3)
Relativamente ao impacto das transações nos
preços analisa-se a versão intradiária do indica-
dor de Amihud e o lambda de Kyle calculados
em intervalos minuto-a-minuto. O indicador de
Amihud baseia-se no rácio entre o valor absolu-
to dos retornos ( ) e o valor das transações
efetuadas durante intervalos de um minuto.
(4)
O segundo indicador inspira-se no indicador de
iliquidez de Kyle e obtém-se através do rácio
entre o valor absoluto dos retornos em interva-
los de um minuto e uma medida do valor líqui-
do do fluxo de ordens executadas (o valor de
cada transação é multiplicado por uma variável
binária (D) que assume o valor 1 quando a tran-
sação é iniciada pelo comprador e -1 quando é
iniciada pelo vendedor).2
(5)
O EBAS pode ser decomposto em duas medi-
das complementares: o spread realizado e o im-
pacto nos preços. A primeira medida captura
efeitos transitórios no preço, ao passo que a
segunda foca movimentos mais permanentes.
Estes indicadores são calculados do seguinte
modo:
(6)
(7)
em que e correspondem ao preço da tran-
sação e à cotação média em t, respetivamente; e
denota a cotação média cinco minutos
após a transação.
O facto de estas medidas permitirem desagregar
efeitos transitórios de movimentos permanentes
nos preços torna a sua análise interessante.
Combinando as duas medidas obtém-se um in-
dicador de resiliência dos preços calculado do
seguinte modo:
(8)
Quanto menor o peso do spread realizado maior
será a resiliência dos preços. Quando o rácio se
aproxima de zero, as variações dos preços ex-
plicadas por choques de liquidez assumem me-
nor relevância.
A secção seguinte expõe os principais
resultados da análise.
2- Para distinguir as transações iniciadas pelo comprador das iniciadas pelo vendedor recorreu-se ao algoritmo de Lee e Ready (1991). Lee, C. M. C., e M. Ready, 1991, Inferring trade direction from intraday data, Journal of Finance 46, 733-747.
A Anatomia do Mercado Português... : 03
4 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários
3. Resultados
3.1 Custos de transação e profundidade
Numa primeira fase, analisam-se os custos de
transação implícitos em investimentos em títu-
los negociados no mercado regulamentado por-
tuguês. Para facilitar a interpretação dos resulta-
dos, a amostra foi seriada pela capitalização
bolsista de cada sociedade a 01 de abril de
2015, tendo-se constituído de seguida cinco
grupos distintos de ações. A cada quintil da
amostra (obtido com a ordenação mencionada
acima) é assignado um grupo distinto.
A Tabela 1 mostra o BAS para cada grupo de
títulos e permite identificar uma associação ne-
gativa entre a dimensão da empresa e a liqui-
dez. A média global deste indicador oscila entre
0.1% para os títulos de maior dimensão (Q1) e
3.3% para os títulos de menor dimensão (Q5). É
de assinalar que a heterogeneidade dentro dos
diferentes grupos diminui com a dimensão da
empresa, pelo que as empresas de maior dimen-
são evidenciam menores desvios-padrão.
Um outro aspeto relevante prende-se com a
evolução intradiária desta variável. Para o efei-
to, subdividiu-se o período amostral em subpe-
ríodos hora-a-hora, com exceção do período
associado ao fecho que inclui apenas os trinta
minutos finais da negociação. A Tabela 2 apre-
senta valores médios do BAS por grupo de
empresas e por subperíodo. Nos três grupos de
empresas com maior dimensão (Q1-Q3), o BAS
é substancialmente superior no fecho da sessão
por comparação com outros períodos. No caso
de empresas de maior dimensão, o BAS
diminui entre a abertura da sessão e as 16:00.
5 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários
Deste modo, e partindo do ponto de vista de um
pequeno investidor, será preferível executar
uma ordem “agressiva” fora do período de fe-
cho da negociação, porquanto nesse período
terá que efetuar uma maior concessão de preço
aos fornecedores de liquidez.
De seguida, analisa-se o padrão do EBAS se-
gundo a dimensão da empresa. Sem surpresa, o
EBAS é, em média, superior ao BAS refletindo
o facto de parte das transações não se efetuar às
melhores cotações do mercado. É também de
sublinhar que este indicador tende a diminuir
com a dimensão da empresa. Assim, ao passo
que um investidor ao transmitir uma ordem
“agressiva” teria que abdicar, em média, de
0.21% do preço num título de maior dimensão,
num título de menor dimensão essa perda
ascende a 3.13%.
A Anatomia do Mercado Português... : 05
A análise do padrão intradiário do EBAS refor-
ça a ideia de que os custos de transação tendem
a aumentar significativamente próximo do fe-
cho da negociação. É também de sublinhar o
facto de o EBAS associado ao segundo quintil
ser inferior ao do primeiro quintil quando anali-
sado próximo do fecho do mercado. De facto, a
associação entre a dimensão e os custos de tran-
sação é mais forte quando considerada toda a
negociação, do que quando considerada a parte
da negociação que se realiza próximo do fecho.
Já os títulos de empresas de menor dimensão
(Q4 e Q5) tendem a tornar-se mais líquidos
com o aproximar do fecho da sessão.
6 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários
A diferença entre as melhores cotações de com-
pra e venda são, por si só, um indicador insufi-
ciente para caracterizar a liquidez de um título.
Um complemento importante dos indicadores
estudados até este ponto são as quantidades
(valores) associadas às melhores cotações. A
Tabela 5 mostra estatísticas descritivas dos va-
lores das quantidades oferecidas às melhores
cotações de compra e venda, e a sua média.
Como seria de esperar, as empresas de maior
dimensão (Q1) denotam maior profundidade
que as demais. Em termos médios, para estas
empresas seria possível efetuar uma transação
de 775 mil € às melhores cotações de mercado.
É, porém, de assinalar o elevado desvio-padrão
associado a este grupo. Entre as empresas do
primeiro quintil existe alguma heterogeneidade.
De facto, os valores médios da profundidade
são influenciados por uma (ou mais) empresas
que evidenciam uma profundidade bastante su-
perior às demais.
Já os quintis formados pelas empresas de menor
dimensão apresentam uma profundidade dimi-
nuta. Com efeito, não será exequível realizar
transações aos melhores preços na maioria das
situações, porquanto a mediana da profundida-
de é inferior a 2,5 mil € para os grupos Q4 e
Q5.
A profundidade associada às empresas de maior
dimensão (Q1) tende a aumentar substancial-
mente no fecho da sessão. Com efeito, quer o
valor das quantidades disponíveis para compra,
quer o valor das quantidades disponíveis para
venda duplicam no fecho da sessão por compa-
ração com o valor evidenciado no intervalo ho-
rário anterior. É de assinalar que o BAS e a pro-
fundidade apresentam uma associação positiva
para os títulos de maior dimensão ao longo da
sessão de negociação. Este resultado sugere que
existe alguma endogeneidade na formação da
liquidez, em que maiores BAS atraem fornece-
dores de liquidez e geram maiores quantidades
disponíveis para transacionar. Por conseguinte,
parte do impacto negativo do aumento do BAS
no fecho da sessão é atenuado.
Outra nota de interesse é que os custos de liqui-
dez podem ser minimizados para os negócios de
maior dimensão se a transação for efetuada pró-
ximo do horário de fecho da sessão de negocia-
ção. Para os grupos Q3, Q4 e Q5 a profundida-
de não se altera substancialmente ao longo da
sessão de negociação.
7 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários
A Anatomia do Mercado Português... : 07
O rácio entre o bid-ask spread e a profundidade
(MCP) tem sido sugerido nos meios académi-
cos como uma medida de liquidez capaz de reu-
nir informação relacionada com custos de tran-
sação e profundidade. Esta medida está inversa-
mente correlacionada com a liquidez. A Tabela
7 mostra um largo desvio entre a média e a me-
diana deste indicador para as empresas dos cin-
co grupos. De facto, a média tende a ser bastan-
te superior à mediana, o que sugere a existência
de valores extremos acima da mediana. Tam-
bém é importante assinalar que a mediana dos
três primeiros grupos é bastante semelhante
(contrariamente à média), mas aumenta subs-
tancialmente para os grupos Q4 e Q5.
8 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários
A análise do indicador compósito de liquidez
também permite retirar ilações interessantes ao
nível do comportamento intradiário da liquidez.
À semelhança de outras medidas atrás referidas,
a iliquidez nos grupos Q1-Q3 parece crescer no
fecho da sessão. À luz dos resultados da análise
desta medida, o aumento das quantidades asso-
ciadas às melhores cotações de compra e de
venda (profundidade) são insuficientes para
compensar o aumento do BAS.
No subcapítulo seguinte, o enfoque estará na
atividade de negociação, designadamente nos
montantes transacionados ao longo das sessões
de negociação analisadas.
3.2 Negociação
Durante o período em análise, cada título tran-
sacionou, em média, 2 780 705 € diariamente.
Todavia, é importante realçar a forte heteroge-
neidade da atividade de negociação no mercado
português: enquanto essa média foi de 9 747
015 € nas maiores empresas (Q1), a média para
as empresas incluídas nos quintis Q4 e Q5 foi
inferior a 25 000 €. Ademais, se atendermos à
mediana ao invés da média, verifica-se que os
títulos de empresas de menor dimensão transa-
cionaram diariamente menos de 4 000 € em
50% das sessões de negociação analisadas. Esse
valor aumenta para 44 168 € para as empresas
do quintil 3.
A atividade de negociação das empresas perten-
centes aos quintis Q1 e Q2 encontra-se centrada
no fecho da sessão. De facto, quase 30% (24%)
do valor das transações de empresas do grupo
Q1 (Q2) é feita a partir das 16:00, isto é, nos
últimos trinta minutos da sessão de negociação.
Uma forte pressão de negociação neste período
de tempo traduz-se em maior risco de liquidez
e, por conseguinte, em mais elevados BAS. A
procura de liquidez no fecho da negociação ten-
derá a crescer no fecho da sessão por variadas
razões. Uma das quais poderá ser a presença de
day-traders que aguardam o fecho da sessão
para fechar as suas posições em aberto.
9 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários
A Anatomia do Mercado Português... : 09
3.3 Impacto no preço
O impacto das transações no preço constitui
uma vertente do conceito de liquidez. Por um
lado, quanto maior for a quantidade pretendida
maior deverá ser a concessão no preço a reali-
zar pelo investidor (desvio do preço face à cota-
ção média). Por outro lado, a impaciência dos
investidores também tem um custo associado.
Assim, ordens ao melhor serão executadas mais
rapidamente, mas por contrapartida de um pre-
ço mais desfavorável que a cotação média. O
fracionamento de ordens de maior dimensão
pode por seu turno resultar em menor impacto
no preço, mas aumenta o tempo necessário para
completar a transação.
São analisadas duas medidas de impacto no
preço: indicador de iliquidez de Amihud e indi-
cador de iliquidez de Kyle. A Tabela 11 apre-
senta estatísticas descritivas para cada um dos
indicadores. No cálculo dessas estatísticas re-
moveu-se as observações situadas acima do
percentil 90 e abaixo do percentil 10 com o in-
tuito de reduzir o impacto de valores extremos
na análise.
Como seria de esperar, ambos os indicadores
tendem a diminuir com a dimensão da empresa.
Em média, um volume de negociação de
100,000 € poderá gerar uma variação de 0.6%
no preço das ações de empresas com maior di-
mensão se atendermos ao indicador de Amihud.
O indicador de Kyle sugere um impacto no pre-
ço mais reduzido, cerca de 0.2%. A diferença
nas estimativas poderá derivar de assimetria nos
impactos de ordens agressivas de compra e de
venda ou de se estarem a excluir observações
desta média.
10 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários
A análise intradiária sugere que o impacto nos
preços é quase homogéneo ao longo da sessão
de negociação para as empresas de maior di-
mensão (quintis Q1 e Q2). Já os demais grupos
de empresas apresentam maior heterogeneidade
de impacto da negociação nos preços ao longo
da sessão de negociação, pese embora essa he-
terogeneidade não obedeça a um padrão facil-
mente identificável.
3.4 Reversão dos preços
e volatilidade de curto prazo
A reduzida liquidez dos títulos é geradora de
movimentos transitórios dos preços dos títulos.
Em virtude disso, transações que envolvem
montantes elevados poderão dar origem a fenó-
menos de overshooting, em que os preços apre-
ciam (depreciam) acima (abaixo) do valor de
equilíbrio corrigindo subsequentemente ao lon-
go da sessão de negociação. Os preços de títu-
los menos líquidos podem assim tornar-se me-
nos eficientes do ponto de vista informacional.
Este aspeto da microestrutura dos mercados é
aqui examinado através do indicador que mede
a resiliência dos preços (equação [8]).
A Tabela 13 mostra estatísticas descritivas para
o indicador de resiliência. Depreende-se destes
resultados que as variações dos preços das
ações das empresas de menor dimensão se de-
vem sobretudo a fricções associadas a choques
resultantes da procura de liquidez por parte dos
investidores e não à incorporação de nova infor-
mação. Os negócios tendem assim, a gerar vari-
ações temporárias nos preços que são revertidas
ao longo da sessão de negociação. Tendo por
base os resultados obtidos, em média, cerca de
75% da variação de preços das ações destas
empresas são desencadeadas por fricções de
mercado e não por informação relevante.
11 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários
A Anatomia do Mercado Português... : 11
A Tabela 14 permite observar o indicador de
resiliência numa ótica intradiária. No que se
refere às empresas dos grupos Q1 e Q2, este
indicador tende a apresentar-se de forma mais
homogénea ao longo da sessão, pese embora
também apresente valores inferiores na abertura
e no fecho das sessões de negociação.
Para melhor compreender a formação de preços
das ações negociadas no mercado português
calculou-se a associação entre desequilíbrios no
fluxo de ordens e os retornos intradiários. O
desequilíbrio do fluxo de ordens é calculado do
seguinte modo:
o valor de cada transação é multiplicado por
uma variável binária que assume o valor 1
quando a transação é iniciada pelo compra-
dor e -1 quando é iniciada pelo vendedor
usando o método de Lee and Ready (1991);
esta variável é posteriormente somada para
cada intervalo horário da sessão de negocia-
ção e dividida pelo valor total das transações
alcançado nesse período.
De seguida calcula-se o coeficiente de correla-
ção entre a variável de desequilíbrio do fluxo de
ordens e os retornos obtidos no intervalo horá-
rio subsequente. Caso a correlação seja negati-
va, um desequilíbrio positivo (negativo) do flu-
xo de ordens será corrigido durante o intervalo
horário ulterior através de uma desvalorização
(valorização) do preço. Tal também significa
que possíveis valorizações (desvalorizações)
durante o período em que incidiu o desequilí-
brio do fluxo de ordens se caracterizam pela sua
reversibilidade.
A Tabela 15 mostra a correlação entre a variá-
vel de desequilíbrio do fluxo de ordens e os
retornos obtidos no intervalo horário subse-
quente. O coeficiente de correlação é negativo
para os vários grupos. Todavia, é também pos-
sível identificar uma associação entre o coefici-
ente de correlação e a dimensão das empresas,
sendo que essa medida de associação estatística
diminui (em termos absolutos) com a dimensão
12 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários
da empresa. Este resultado é consistente com a
ilação retirada acima de que os preços dos títu-
los de empresas de menor dimensão tendem a
ser mais afetados por fricções de mercado.
Finalmente, analisa-se a volatilidade intradiária
dos títulos. A volatilidade intradiária é calcula-
da a partir do desvio padrão dos retornos obti-
dos em intervalos de minuto-a-minuto. Para o
efeito foram calculados retornos baseados em
preços (e como tal mais suscetíveis a choques
de liquidez) e retornos baseados em cotações
médias. A Tabela 16 apresenta a volatilidade
intradiária dos retornos para cada quintil em
termos agregados. A volatilidade tende a dimi-
nuir com a dimensão da empresa. As empresas
do quintil Q1 apresentam um desvio-padrão
médio dos retornos (cotação média) de 0.13%,
ao passo que as empresas do quintil Q5 exibem
um desvio-padrão médio de 1.52%. Além da
liquidez, uma segunda justificação para as dife-
renças de volatilidade intradiária dos vários tí-
tulos relaciona-se com o tick size. As reduzidas
cotações de alguns títulos (em regra com menor
capitalização bolsista) induzem variações mais
acentuadas de preços em resultado da existência
de um tick size mínimo.
O padrão intradiário desta medida de risco su-
gere, por seu lado, um aumento bastante acentu-
ado da volatilidade com o aproximar do fecho
da sessão para as empresas dos quintis Q1- Q3
e Q5. Tal padrão não ocorre entre as empresas
do quintil Q4.
13 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários
A Anatomia do Mercado Português... : 13
O nível de resiliência dos preços também pode
ser avaliado através do rácio da variância dos
retornos calculados em diferentes frequências
temporais. Neste caso, comparou-se a variância
dos retornos hora-a-hora com a variância dos
retornos minuto-a-minuto multiplicados por 60.
Se os retornos forem independentes, o rácio
entre aquelas duas parcelas deverá aproximar-se
da unidade.
Para cada um dos grupos calculou-se a mediana
do rácio da variância. A análise da Tabela 18
sugere que os preços do quintil Q1 aparentam
ser quasi- eficientes. A mediana do rácio da
variância é de 93% para aquele grupo, um valor
bastante próximo da unidade. Para o grupo Q2,
a mediana é de 81%. Nos grupos Q4 e Q5, a
evolução dos preços parece ser dominada por
ruído da microestrutura de mercado.
3.5 Risco de liquidez
Na última década passou a ser atribuída maior
importância ao risco de liquidez. O risco de
liquidez reflete a variabilidade da liquidez ao
longo do tempo. De facto, títulos com elevada
liquidez quando o ciclo é favorável podem tor-
nar-se extremamente ilíquidos em períodos de
crise. Como tal, para esses títulos poderá ser
exigido um prémio de risco de liquidez pelos
investidores. O desvio-padrão do BAS, EBAS,
ICP e Amihud foi calculado para os diversos
grupos de títulos em intervalos minuto-a-
minuto. Posteriormente, esses resultados foram
agregados para os diversos grupos. Os valores
médios foram calculados eliminando observa-
ções situadas acima do percentil 90 e abaixo do
percentil 10, no sentido de reduzir a influência
de valores extremos.
A Tabela 19 permite identificar uma associação
entre o risco de liquidez e a dimensão da em-
presa. De facto, o desvio-padrão do BAS e
Amihud diminuem com a dimensão da empre-
sa. Todavia, é curioso que o quintil Q5 apresen-
ta menor risco de liquidez por comparação com
o quintil Q4 quando a liquidez é medida pelo
EBAS ou ICP.
14 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários
Em linha com resultados anteriores, verifica-se
igualmente que o risco de liquidez se tende a
agravar no fecho da sessão de negociação, em
particular no que se refere aos títulos de empre-
sas de maior dimensão (i.e., aqueles compreen-
didos nos quintis Q1-Q3).
15 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários
A Anatomia do Mercado Português... : 15
4. Conclusão
O presente estudo teve por finalidade a análise
do padrão intradiário da atividade de negocia-
ção dos títulos negociados na Euronext Lisbon.
Os resultados obtidos têm interesse para os in-
vestidores, em particular para os pequenos in-
vestidores, para os gestores das estruturas de
mercado e para reguladores. Sem surpresa, veri-
fica-se alguma idiossincrasia ao nível da liqui-
dez dos títulos, com as empresas de maior di-
mensão a exibirem consideravelmente menores
custos de transação (BAS) e menor impacto das
transações nos preços. A análise da eficiência
dos preços revela também que as empresas de
menor dimensão apresentam maior reversão de
preços face a desequilíbrios na procura e na
oferta.
A análise intradiária da negociação mostra que
os custos de transação (medidos pelo BAS e
EBAS) tendem a aumentar significativamente
no fecho da negociação. Em sentido contrário,
durante esse período regista-se um aumento
substancial da profundidade, quando medida
pelo valor das melhores ofertas associadas à
compra e à venda. A análise de indicadores
compósitos de liquidez e do risco de liquidez
indiciam uma deterioração do nível de liquidez
com o aproximar do fecho da sessão. Este resul-
tado pode ter implicações interessantes para os
pequenos investidores. Assim, se a sua intenção
for transacionar agressivamente pequenos mon-
tantes, os pequenos investidores poderão mini-
mizar os custos de transação negociando fora
dos períodos de abertura e fecho das sessões de
negociação.
Os elevados montantes transacionados e a in-
tensidade de negociação durante o fecho da ses-
são poderão, em última análise, ser a causa do
maior risco de liquidez durante esse período.
Entidades gestoras do mercado e reguladores
deverão analisar com maior profundidade as
consequências que daí poderão advir. Desequi-
líbrios entre a procura e a oferta poderão desen-
cadear variações mais abruptas nos preços nes-
ses períodos, muito embora o aumento da pro-
fundidade do mercado tenda a atenuar esse pa-
drão. Tal poderá ocorrer se os operadores de
mercado (market-makers, high frequency tra-
ders e outros investidores intradiários) aguar-
darem pelo fecho da sessão para fecharem posi-
ções em aberto. Uma elevada concentração de
ordens agressivas no fecho da sessão poderá
conduzir a desequilíbrios na procura e na oferta
não justificados por informação relevante, e a
alterações transitórias nos preços.
De facto, consistente com essa premissa verifi-
ca-se que a volatilidade dos preços é de sobre-
maneira mais elevada próximo do fecho da ses-
são entre as empresas de maior dimensão. A
volatilidade dos preços, o risco de liquidez e a
intensidade da negociação parecem, assim, re-
gistar uma associação forte no fecho das ses-
sões de negociação.