Download - 1- Beijada Pelo Demônio - (Rev. PL)
Página 1
Página 2
Série Demon Kissed 01
H. M. Ward
Página 3
Envio: Soryu
Tradução e verificação ortográfica: Patycris
Revisão Inicial: Valentina VS, Silvia Lima, Tathy,
Sisi, Gix, Adriana Correa, Diana Carmelo
2ª Revisão Inicial: Gislaine Vagliengo
Revisão Final: Kiria Santos, Helô Barros, Ana
Ferraz, Jaqueline Liny, A. Moura, Michele Lopes,
Elizabeth
Leitura Final: Márcia Bronzatti
Formatação: Márcia Bronzatti
Página 4
Página 5
Página 6
Sinopse
O garoto Valefar enganou Ivy Taylor para que o beijasse, mas ele tomou muito mais que um simples beijo, roubou-lhe a alma e a deixou a escassos centímetros da morte. Para sobreviver, Ivy se vê envolvida no conflito entre Martis e Valefar. A guerra entre estas duas forças imortais durou milênios sem distração alguma. Até agora.
Ivy é uma anormalidade, ela é a única pessoa que saiu com vida do beijo de um demônio. Sua sobrevivência lhe dá habilidades únicas e mortais. Poderosa demais para ser ignorada, Ivy é uma ameaça para ambos os exércitos. Estes dois antigos inimigos não se deterão diante de nada para matar a jovem de dezessete anos.
Sobreviver não é nada novo para a teimosa Ivy, mas sua sobrevivência nunca dependeu de outra pessoa antes. Desta vez sim, depende. E se a sua confiança se equivocar, estará morta. Para seu horror, ela começa a apaixonar-se no pior momento possível… pelo inimigo. Ele parece estar protegendo-a. Mas não pode estar segura se está tentando ajudá-la, ou ajudando a si mesmo, ao potencializá-la. Para Ivy, confiar na pessoa correta é a diferença entre o amor e a sobrevivência, ou um beijo mortal de demônio.
Página 7
Capitulo 1
Deixe-me ir, Jake. Você não é assim. O desespero estava em
minha voz.
— Ivy, você não tem ideia de como eu sou. — A lua pairava
acima das árvores. Pintava sombras no rosto de Jake, destacando seu
contorno perfeito. Meus braços se sentiam como chumbo, inúteis aos
meus lados. Não poderia dizer como me apanhou. Sentia como se meus
pulsos e tornozelos estivessem presos ao chão, mas não havia nada.
Forçando, mas incapaz de me mover, meu coração começou a disparar.
Odiava me sentir presa. Na realidade, estar presa piorava as coisas. Por
uns momentos tudo era normal. Ríamos, rodando pela grama.
— Pensei… pensei que queria um beijo? Perguntei-lhe.
— Eu quero um beijo. Aproximando-se, Jake saiu do mosaico
de sombras. A tênue luz da lua derramava em seu rosto, deixando
descobertos os seus olhos. Eu não podia desviar o olhar. Meu coração
golpeou quando nossos olhares se encontraram. Um malvado anel de
cor carmesim rodeava seus olhos normalmente azuis, abraçando
fortemente sua íris. Era como o fogo e o sangue, ardendo juntos. E se
focaram intensamente em uma coisa.
Eu.
O pânico disparou por minhas veias. — O que está errado com
seus olhos? Eu tremia, reprimindo o temor que se arrastava até
minha garganta. Movendo-se, flutuando sobre mim. Os lábios de Jake
se estenderam em um sorriso suave. — Sigo sendo eu. Pode confiar em
Página 8
mim, Ivy. Eu quis lhe dar um beijo durante tanto tempo. Meu momento
escolhido foi perfeito.
— Momento escolhido? Perguntei-lhe. — Eu queria que me
beijasse desde nosso primeiro encontro. E você queria esperar. Assim,
esperamos. Então me chamou aqui, e me joga no chão? Que diabo
passa com você? Deixe-me ir!
Ele riu brandamente. — Deus, Ivy, eu não estava seguro sobre
você a princípio, mas estava certo… Terá o seu beijo.
O terror correu através de mim. — O que quer Jake?
— Eu vou lhe mostrar. Inclinou-se mais perto, sorrindo.
Quando seus lábios tocaram os meus, gritei, incapaz de conter a dor
agonizante. A sensação de arame farpado deslizou dentro de mim,
desde meus lábios até meus pés. Serpenteava através de meu corpo. A
nitidez me cortou como um milhão de pequenos anzóis de pesca, todos
enganchando em meu interior de uma vez.
Tentei gritar, mas os lábios de Jake estavam pressionados nos
meus. Suas mãos agarraram minha face, ainda me sustentando, me
impedindo de me mover e romper o beijo. A adrenalina bombeava
dentro de mim, fazendo com que meus pensamentos se acendessem em
uma dúzia de diferentes direções, tentando encontrar uma saída. A
sensação cortava mais profundo, enquanto me retorcia debaixo dele.
Desesperadamente tratei de pensar em uma maneira de aliviar a dor, e
fiz a única coisa que podia fazê-lo deter-se, sem pensar no que ocorreria
a seguir.
Chupando seus lábios em minha boca mordi com força. Jake se
afastou gritando, enquanto o calor penetrante enchia minha boca. Um
rastro quente derramado sobre minha bochecha. Eu cuspi, minha boca
estava cheia de seu sangue. Amaldiçoando, afastou-se de mim,
sustentando seu lábio com a mão, tratando de deter o fluxo de cor
carmesim.
As árvores rangiam, desviando meu olhar de seus enormes
troncos. Meus olhos se moveram através das sombras esperando que
Página 9
alguém estivesse ali. Mas não havia ninguém. Estávamos sozinhos.
Ninguém me salvaria. Jake retornou furioso. — Isso foi estúpido, Ivy.
Eu tenho sido bom, e o teria feito menos doloroso. Mas agora não. ele
se equilibrou sobre mim. Gritando, tentando me liberar. Esmagando
seus lábios com os meus. A sensação de arame farpado serpenteava por
minha garganta, enchendo meu corpo. Enganchada em cada centímetro
de pele e músculo, estendendo-se profundamente em meus ossos.
Então ele tirou as navalhas invisíveis. Duras.
A intensa dor rasgou através de mim, e eu era incapaz de detê-
lo. Meus músculos tensos tentaram suportar a agonia, enquanto
manchas se formavam e minha visão piscava. Freneticamente, minha
mente tratava de averiguar o que estava acontecendo. A lógica não
tinha uma resposta, mas meu corpo sabia exatamente o que estava
acontecendo. Minha alma, meu próprio ser, que estava trancado dentro
de mim, ele o estava arrancando. Não deslizava para longe, solto como
uma fita, atada em um bonito laço. Estava ligado a mim, de maneira
inseparável.
Coisas inseparáveis - aprendi podiam ser separadas, mas
doía como o inferno.
Liberando-me de seu beijo, Jake se deteve antes de eu desmaiar.
Oh Deus, quero que me desperte. Uma sonolência caiu sobre mim,
tornando difícil pensar. A dor girava em meus músculos, enquanto
tremiam sem controle. Jake passou o dorso de sua mão através de sua
boca manchada de sangue e sorriu, satisfeito.
Cuspi mais de seu sangue no chão. Gosto ruim. Tinha um sabor
estranho que me fez vomitar. Eu sabia que seu sangue cobria meus
lábios e se arrastava através da minha face, mas não podia limpá-lo.
Soluços histéricos brotavam de meu estômago, mas engoli todos, não
querendo que ele visse meu terror. Tremendo, uma pergunta se formou
em minha mente, e se derramou sobre meus lábios ensanguentados: —
Por quê?
Página 10
Seu ambicioso sorriso se desvaneceu e seu rosto se retorceu.
Suas formosas feições eram assimétricas, sem mostrar rastro do
menino que eu conhecia. Com as veias salientes, cuspiu, falando bem
perto do meu rosto. Grunhiu: — Você é um deles. Por que não a
caçaria? Segui você durante meses, escutando você e sua insignificante
vida. Por que eu iria perder o meu tempo com alguém como você?
O ódio cruzou por minha face. — Por que esperou? Por que não
aspirou minha alma, há três meses? Senti-me estranha ao dizer
essas palavras, mas eu sabia que era verdade.
— Tive que esperar que isso aparecesse. Afastando uma
mecha do meu rosto, seus dedos tocaram a pele sobre minha testa —
Isso é interessante. Sua marca é mais… fez uma pausa, sentando-se
de novo, limpando seus lábios — Não importa de todos os modos, já que
vocês são todos iguais. Uma beijada por um anjo, tristes bastardos. É
seu décimo sétimo aniversário, e isto passou. Justo como todos outros.
Ele se inclinou para trás rindo de mim. — As primeiras vinte e quatro
horas são uma merda. Não tem ideia do que é, do que é capaz, ou por
que aconteceu isto com você. Os cantos de sua boca se detiveram em
um sorriso apertado. — É o momento perfeito para matá-la. É por isso
que esperei. E geralmente sou bastante agradável sobre isso. Mas você
me mordeu, pequena puta. Portanto, vou me assegurar de que irá doer
muito mais do que o habitual. Ele me olhou de lado com um sorriso
satânico. — Vou arrancar sua alma tão rápido que romperá seus ossos.
Os dentes manchados de sangue sorriram abertamente, à medida
que avançava para mim. Gritando selvagemente, dirigi o som através
das árvores, fazendo pedacinhos à noite. Os olhos do Jake queimavam
na escuridão enquanto chegava mais perto. Os batimentos de meu
coração rugindo, afogavam todos os outros ruídos. Endureci em
antecipação, as lágrimas correram por minhas bochechas. Não podia
suportá-lo. Não de novo.
Encharcado com satisfação, ele pairou sobre mim. — Tem medo,
Ivy? Seu rosto deslizou para mim, lentamente. Seus lábios se
Página 11
curvaram, ao sentir meu terror. — É obvio que sim. Eu sou seu inimigo
mortal. Bem, inimigo imortal. Você teria existido durante um tempo…
se nunca tivesse me conhecido.
O anel de fogo ao redor de seus olhos brilhou e combinou o
sólido carmesim com apenas um detalhe simples do restante negro. Um
sorriso malicioso surgiu em seus lábios, enquanto sua mão golpeava o
chão ao lado de minha cabeça. Jake baixou seu corpo em cima de mim,
me esmagando, enquanto se aproximava para o último beijo.
— Não! Jake não! O terror disparou através de mim. Os lábios
ensanguentados se estrelaram para baixo sobre os meus. Cortantes
navalhas inundaram meu corpo, pela terceira vez, em busca do pedaço
que restava de minha alma.
O último fragmento de meu espírito entrou em contato com seu
beijo mortal. Pequenos ganchos se engancharam, e começaram a rasgá-
la longe de meus ossos. Meu corpo estremeceu pela última vez antes de
ficar sem vida, e minha alma se soltou. Flutuava livremente, enquanto
viajava de dentro de mim para os lábios de Jake.
Uma névoa escura distorcia minha visão, enquanto compreendia
que a morte estava tratando de me levar. Apenas consciente da boca de
Jake na minha, a dor entorpecida em minha consciência lutou para
viver, mas meu corpo se rendeu. Fios da vida pouco a pouco se
derramaram de mim. Podia vê-los sair de meu corpo, e derramar-se
sobre o chão, como ouro líquido. Tinha ficado um fio, só um pouco de
minha alma permaneceu.
À medida que o último fio dourado de vida me deixava, Jake foi
violentamente arrancado. Meu corpo reagiu sem meu consentimento, e
disparei suspiros. Senti como se o arame farpado fosse arrancado de
minha garganta com um forte puxão. Minha cabeça cambaleava em
meu pescoço, meu corpo desabou e caiu ao chão. Mãos me agarraram
antes que minha cabeça batesse contra o chão. Tudo ocorreu tão rápido
que não estava segura do que aconteceu.
Página 12
A morte ainda estava tentando me levar, mesmo que Jake
tivesse sumido. Meu peito se sentia como se estivesse debaixo de uma
pilha de rochas. Minha respiração era tão superficial que queria deixar
de respirar. Só por um minuto. Era tão pesada e eu estava tão fraca.
À medida que minha consciência estava se desvanecendo, senti
braços quentes me envolverem. Uma voz sussurrou, mas não podia
entender as palavras. Meus músculos ainda recordavam vividamente a
dor. Tratei de me concentrar na voz, para permitir-lhe me tirar da
escuridão que estava me tomando, mas não pude. Tudo soava muito
longe, fazendo ecos em minha cabeça. Era impossível tomar outro
fôlego. Os sussurros da voz do estranho soavam mais longe, quando
senti o calor difundindo-se através de minha cabeça, com um toque
suave. Suavemente roçou através de meus lábios. Sentindo uma quebra
de onda de vida, suguei ar e a escuridão retrocedeu tão rapidamente
como tinha aparecido. A névoa ficou fazendo com que meu corpo se
sentisse como se tivesse despertado de um sonho muito rápido. Engoli
em seco, acalmando a sensação de ardor em minha garganta.
De repente, consciente dos braços quentes que me seguravam,
meus olhos abriram. A lua parecia mais brilhante do que eu recordava,
delineando uma forma masculina. As árvores por cima de mim se
esfumavam nos eixos serrilhados das sombras e da luz. Tentando me
centrar, olhei para o rosto impreciso, com olhos tristes, e ele não disse
nada. O sono me pegou, fazendo meus olhos piscarem, e se sentirem
mais pesados. Olhando, não podia perceber mais que um par de olhos e
pele pálida. Com cuidado, seus dedos quentes empurraram meus
cachos para trás. Uma mensagem subliminar roçou dentro de minha
mente. Agora está a salvo.
Um leve sorriso surgiu em meus lábios, quando me apoiei em
seu peito, e o sono me roubou.
Página 13
Capitulo 2
O terror arranhava em meu estômago, quando compreendi que
tinha desmaiado. Forcei meus olhos a se abrirem.
Um medo avassalador me esmagou e encheu meu peito,
enquanto me dava conta que estava sozinha. Os braços que me
protegiam tinham desaparecido. Assustada, sacudi-me em posição
vertical. Desesperadamente tratei de me concentrar na giratória falta de
definição de pinheiros e carvalhos. Cada músculo de meu corpo se
flexionou, esperando. Estava ferida, meio morta, e sozinha.
Onde estava Jake?
Uma mão posou em meu ombro, provocando um grito a ponto de
explodir de minha garganta. Voltei-me, lançando violentamente a pouca
força que tinha nos joelhos de meu agressor. Ele cambaleou para trás,
mas não caiu. Aproximou-se de novo.
Freneticamente, tratei de empurrar meu corpo debilitado para
fora do chão, mas era impossível levantar sem sentir como me deslizava
novamente. Braços me agarraram ao cair.
— Calma Ivy. Sou eu disse. Meu coração pulsava em meus
ouvidos, distorcendo a voz que deveria ter conhecido. Torcendo os
ombros, liberei-me de seu controle.
— Eric, suspirei — o que está fazendo aqui? Nervosamente
procurei Jake ao redor. Mas estávamos sozinhos.
A preocupação enrugou sua testa. — Eu estava perto. Foi
atacada? O que aconteceu? — Seus olhos se agitaram, capturando
tudo, e logo aterrissaram de novo em meu rosto.
Página 14
Com dedos trêmulos, pus uma porção de meu cabelo para trás.
Era um desastre encaracolado que emoldurava meu rosto, e caía para
frente constantemente. Minha pele estava úmida e fria. — Não sei. Eu…
não lembro. Tratei de recordar exatamente o que aconteceu, mas não
estava segura do que tinha acontecido. Parecia uma loucura.
Olhando no rosto de Eric, sua expressão se suavizou. Olhou-me,
e sussurrou: — Oh, uau! Seus olhos não se separaram de meu rosto.
Meu estômago se retorcia sob seu olhar. Não tinha ideia do que
estava acontecendo, mas eu estava assustada, e não com a expressão
de seu rosto. Engolindo em seco, tratei de recordar se tínhamos falado
alguma coisa fora da aula, mas nunca o fizemos. Fomos companheiros
de laboratório. Apenas o conhecia.
— Temos que sair daqui antes que retornem.
No caso de que tivesse espantado meu agressor, olhei-o me
perguntando como foi isso possível. Seu corpo era pequeno, e não tinha
desenvolvido os músculos, embora não fosse fraco. Ele era de aspecto
normal. Deslizou seus braços ao redor de minhas costas e debaixo de
minhas pernas, e começou a me levantar do chão.
— Eric, não pode… — mas estava equivocada. Ele pôde. E me
carregou. Eu não gostei, mas estava muito fraca para caminhar. A
autoconsciência que me invadia também não ajudava. Não sou uma
pessoa vaidosa, mas seus braços estavam ao redor de mim, sentindo as
curvas de meu corpo e me fez sentir incômoda. Eu esperava que ele
fosse lento sob meu peso, mas não era. Eric caminhou rapidamente a
grandes passadas. Seu aroma mesclando-se com o ar da noite. Era
familiar, algo da infância, que não podia recordar.
Eric entrou no estacionamento e me deslizou para baixo contra
sua velha caminhonete azul. Depois de abrir a porta, deslizou a mão
por baixo de minha coxa, enquanto me acomodava no interior. Logo,
deslizou em seu assento, ligou o motor, e saiu do estacionamento.
As lágrimas corriam por minhas bochechas, embora eu as
proibisse. Chorar em frente de outras pessoas era horrível. Tratei de
Página 15
detê-las, mas não podia. Não disse nada e não sentia nada, exceto o
ensurdecedor tamborilar do meu coração em meus ouvidos. Olhei Eric,
me perguntando como me encontrou.
— Ivy. Tenho que lhe dizer algo. É importante. — Olhou-me, e
logo à estrada. — Eu sei que não está bem, mas tenho que lhe dizer
algo. Isto vai soar estranho. Prometa que não vai se assustar comigo,
está bem?
Minha voz era plana. Sentia como se estivesse falando de um
milhão de quilômetros de distância — Depois desta noite, não há nada
que diga que possa me surpreender. — O escapamento da velha
caminhonete retumbava, quando deixamos um som alto para trás. Com
o corpo dolorido, deixei-me cair em meu assento.
— Bom isto poderia. — A cor verde das luzes do painel se refletia
em seu rosto. Agarrando o volante com força, chegamos a minha
quadra. Ele deteve a caminhonete algumas portas de minha casa. Seu
olhar dourado se encontrou com o meu — Ivy, eu necessito que me
escute. Não pode esquecer. Sei que passou por muitas coisas…
Interrompendo, murmurei: — Estou bem. — Não estava, mas
não queria falar disso. Nesse momento, só queria me enterrar sob meus
lençóis.
Tomando uma respiração profunda, voltou-se para mim com
uma expressão de súplica em seu rosto. — Ivy, tem uma marca em sua
cabeça. É uma de nós. Isto é importante. Se esquecer de todo o resto…
recorde isto. Esconda essa marca. Não diga a ninguém e me refiro a
ninguém, que a tem. Entende? — sua mão deslizou sobre a minha,
acariciando, enquanto seus olhos procuraram minha face. Olhei-o
fixamente. Parecia alarmado, como se algo estivesse mal.
Agarrei o visor. — Do que está falando? Tenho uma ferida ou
algo assim? Tenho uma cicatriz? — Por que estava me olhando assim?
Meus dedos saíram do visor, e abri o espelho. Uma pequena luz se
acendeu.
— Não se assuste. Ivy, por favor? — disse.
Página 16
Eu esperava ver uma contusão ou um corte feio. Não isto. A
primeira vista, tudo estava normal: pele pálida, cabelo escuro, cachos
selvagens encrespados por rolar na terra. Isso era tudo ali, com uma
diferença notória. Ao pressionar os dedos em minha pele, fiquei olhando
à pálida marca na cor azul, brilhando por cima de minha sobrancelha
direita. Parecia como se alguém tomasse um inseto piscando,
lubrificou-o em minha pele, e então pontilhou um redemoinho azul,
elaborado, na parte superior. Empurrando-o com meus dedos, minha
mandíbula estava aberta. Via-se como uma tatuagem.
De onde veio isto? Tirei meus dedos da marca e os examinei. Não
havia nenhum resíduo azul. Meus dedos deslizaram sobre a marca.
Sentia como se não houvesse nada. Nenhuma pintura. Nenhum brilho.
Nenhuma contusão. Nenhuma queimadura. Mas estava ali, um leve
arco azul brilhante com pálidas videiras serpenteando que formavam
um S inclinado.
— Ivy? Fala comigo, Ivy. — A voz de Eric interrompeu meu olhar
de olhos muito abertos no espelho pequeno.
O pânico se arrastou até minha garganta, enquanto perguntava:
O que é isto? Isto é ruim, não é?
Eric falou no mesmo tom usado quando se consola a uma
criança assustada: — Não é mau, absolutamente. É simplesmente
diferente. Precisa cobri-la, e não diga a ninguém, está bem?
Engolindo em seco perguntei: — O que é? Jake fez isto?
— Não, não o fez. E não é mau. Mas, já é tarde. E aposto que
ninguém sabe que escapou. Tem que deixar de fazer isso, por certo. —
Sorriu para mim. Olhei-o fixamente, muito surpreendida para reagir.
Seu rosto recuperou sua antiga seriedade. — Vou lhe contar tudo o que
precisa saber. Amanhã. Estará a salvo em sua casa esta noite.
Precisamos lhe ter no interior. Enquanto isso, permaneça no interior, e
não diga a ninguém. Sua vida depende disso.
— Eric? — meus olhos descansaram em seu rosto. Ele era meu
companheiro de Biologia. Ele era o outro tolo, em uma aula cheia de
Página 17
estudantes de honra, que tiravam puros A. Nós não o fizemos. Além
disso, eu sabia pouco dele. — Como sabe?
— Direi isso tudo. Baixou a cabeça para apanhar meu olhar.
— Prometo a você. Deixe-me saber que está a salvo em sua casa esta
noite. Vá à escola amanhã. Não mencione o parque a ninguém. E não
escape de novo. Promete?
Aturdida, alcancei a maçaneta para abrir a porta, não estava de
acordo em nada. Eric chegou rapidamente, pondo sua mão sobre meu
ombro — Vão lhe matar, Ivy. Prometa-me isso. Sua voz trocou de
uma ordem, para um pedido. — Por favor. — Nossos olhares se
encontraram. Ele nunca disse mais que duas palavras para mim, fora
da sala de aula. A novidade disto era estranha, sobretudo depois do que
acabava de acontecer. Senti a minha alma sair de meu corpo durante o
ataque, mas de algum jeito não morri. Estava com vida. Eric me salvou.
Rompendo o olhar, declarei: — Prometo. — Deslizei meu ombro
fora de seu agarre, minha mão ficou na porta por um momento, então
voltei a olhar Eric — Obrigado.
Um sorriso se desenhou em sua boca. — Não há problema.
Página 18
Capitulo 3
Às vezes olhar fixamente seu reflexo não ajuda para ver o que se
tornou. Esta era uma dessas vezes. Inclinei-me sobre o mostrador de
mosaico, me sustentando perto do vidro. Grandes olhos marrons me
devolviam o olhar de um rosto emoldurado com cachos longos e negros.
Parecia normal, à exceção da marca. O padrão se fez mais intrincado e
se obscureceu em um tom escuro de cor púrpura. Meus dedos
deslizaram por cima dela, e não senti nada mais que pele suave. Cobri-
a, como Eric me disse.
E Jake. Deus, eu fui tão estúpida. Zangada comigo mesmo,
comecei a chorar através de minhas lembranças dele, procurando
pedaços do menino que me atacou na noite anterior. Tinha que ter
havido alguma parte de comportamento que me tivesse advertido. Tinha
que haver.
Três meses atrás, o vi pela primeira vez. Meu amigo, Collin
Smith e eu, estávamos no teatro comunitário para ver Hamlet. Eu
adorava o teatro. Era um lugar para se perder na vida de alguém mais,
e esquecer a minha por um momento.
Cortinas sem defeito, de veludo vermelho, murmuraram ao
abrir-se, enquanto nos sentávamos envoltos na escuridão. As luzes do
cenário surgiram, derramando-se brandamente na segunda fila, onde
estávamos sentados. Esperando para tirar sarro de uma má atuação,
fiquei surpreendida, quando o escutei pela primeira vez. Dominando o
cenário, Jake pronunciava tão belamente suas linhas; sentia como se
ele fosse Hamlet. Sua voz fluída, enriquecida com tons de mel, e seu
corpo bronzeado, parecia o de um deus grego. Estava hipnotizada.
Página 19
Olhos azul ardósia completava sua compleição, com um cabelo que fluía
até seus ombros da mesma cor que o trigo no inverno. Completamente
flechada, meu dedo se arrastou para baixo pelo programa, procurando
seu nome.
— O que está procurando? Sussurrou Collin, em meu ouvido.
Varrendo o programa, seus olhos se lançaram ao cenário para ver o que
eu estava olhando.
— Esse menino. — sussurrei. Encontrando seu nome, JAKE
PETERSON, voltei à página do programa para ler sobre ele.
Um hálito quente deslizou por meu pescoço quando Collin
sussurrou em meu ouvido:
— Oh não. A fantástica Ivy vai ser a fanática de alguém? Pensei
que você estivesse além disso. — Recostando-se em sua cadeira, um
satisfeito sorriso surgiu nos cantos de sua boca, e cruzou os braços.
Collin Smith era altivo e incrivelmente ardente. Seu brilhante cabelo cor
castanho escuro caía até uma forte mandíbula, destacando os lábios
que geralmente estavam curvados num sorriso brincalhão. Combinando
com seus surpreendentes olhos azul safira, com sua pele de porcelana,
e um peito cinzelado, bom, era fácil ver por que ele tinha seguidoras.
Seus problemas de ego eram do tamanho do Titanic, e nos
mantínhamos como amigos, só amigos. Ao menos isso era o que me
dizia. Enquanto que suas seguidoras encontravam sua extrema
arrogância sexy, eu não o fazia.
Collin soube que havia dito a única coisa que me faria sentir
como uma perseguidora. Fechando o papel do programa, coloquei-o
sobre meu colo, enquanto Collin afogava um apagado bufo de triunfo.
Fiz beicinho pelo resto da atuação. Após o espetáculo, Collin
correu para ser adulado por suas seguidoras. Ugh. Estremeci. Passando
o assado aos roedores. Eu era 1,65 de puro repelente de seguidoras.
Elas permaneciam longe de Collin quando eu estava perto.
Sozinha, me sentei com desinteresse em minha cadeira, olhando o
Página 20
programa. Collin era minha carona de volta para casa, assim estava
presa, esperando.
Quando senti olhos sobre mim, elevei a vista. Jake estava
sorrindo, e caminhando em minha direção. As luzes do teatro se
acenderam, mas a sala estava em penumbras. As luzes davam a seu
corpo um brilho etéreo. Bebendo de seu formoso corpo, observei-o
aproximar-se. Baixava o olhar com um passo, e com o seguinte o
elevava para meus olhos com um sorriso tímido em seu rosto. Meu
fôlego ficou preso em minha garganta. Seu cabelo castanho claro e
olhos azuis brilhantes o faziam atraente, mas adicionava menino tímido
à mescla, e eu estava pateticamente apaixonada.
Estendeu sua mão para mim, e disse:
— Olá, meu nome é Jake. Fui um dos atores na obra. —
Gentilmente, pus minha mão em seu aperto, olhando-o fixamente nos
olhos. A emoção explodia dentro de mim, ameaçando me fazer soar
como uma idiota. Baixou seu perfeito corpo na cadeira diante de mim.
Tudo sobre Jake me cativava.
Sorri e deslizei para trás em meu assento.
— Sei. Eu vi. Um super sorriso se estendeu em meu rosto.
Não pude evitá-lo. Conseguindo cruzar meus braços, voltei minha
posição defensiva normal, enquanto tratava de conter um sorriso de
adoração — Sou Ivy. Ivy Taylor.
— Ivy, eu tenho que saber… por que você não gostou de minha
atuação? Lançando seu cabelo longe de seu rosto, olhou-me
novamente, e se preparou para escutar minha resposta.
A confusão me fez fraquejar. Por que pensava isso? Como me
viu? Ver a plateia do cenário era quase impossível. Os refletores eram
tão visivelmente brilhantes que a plateia desaparecia nas sombras além
da primeira fila. Nós estávamos na segunda fila. Sentei-me com os
braços cruzados, franzindo o cenho para Collin. Ele me viu. Meu
coração saltou em minha garganta. Ugh, merda. Jake pensou que eu
estava franzindo o cenho para ele. Dizer a este garoto que estava
Página 21
franzindo o cenho para ele porque fedia era uma total mentira, mas
permitiria me afastar sem me envergonhar. Ou podia dizer a verdade e
admitir que estivesse babando. Ambas as opções eram uma porcaria,
assim optei por negá-lo.
— Não Jake. Penso que foi… fantástico. — Encolhendo os
ombros, levantei meu programa, tratando de me esconder.
Ele sorriu dizendo:
— Sinto muito, mas parecia como se estivesse sofrendo. Sentar-
se aí e escutar foi assim tão mau… deveria desistir agora mesmo. Sério.
Suas sobrancelhas se elevaram, adicionando a sua súplica. — Que
parte foi horrível? Toda?
Sentindo-me encurralada, olhei de um extremo ao outro da sala.
Onde estava Collin? Era sua culpa. Jake tinha entendido tudo errado.
Tinha que dizer-lhe. Isto ia feder. — Quando subiu ao palco,
meu coração se deteve. Sua voz. Oh, meu Deus. E a maneira em que
estava dizendo suas falas. Foi impressionante. Comecei a ler isto, —
disse, sustentando alto o programa. — Procurando seu nome e
biografia. Meu estúpido amigo notou, e zombou de mim. Estava,
hummm, franzindo o cenho para ele, não para você. — Senti meu rosto
quente, e meu coração estava pulsando tão alto que estava segura de
que ele podia escutá-lo. — Bom, tão gracioso como pode ter sido…
Tenho que ir.
Normalmente, não digo às pessoas coisas como essa, mas
quebrar a confiança do artista era sacrilégio, em especial alguém tão
talentoso como Jake. Pus-me em pé de um salto para fazer uma
retirada apressada, mas sua mão roçou sobre a minha, levantando-se
comigo. Hesitando, o olhei.
Seu cabelo caía sobre seus olhos. Sorrindo brandamente,
perguntou: — Ivy, você gostaria de tomar uma xícara de café?
Tomamos café várias vezes no decorrer das seguintes semanas.
Tinha querido que me beijasse logo depois desse primeiro encontro, mas
ele tinha insistido em tomar as coisas com calma. Estupidamente,
Página 22
pensei que parecia um garoto doce, que se preocupava comigo. Isso fez
que o ataque pelas costas daquele bastardo me golpeasse com mais
força. A noite passada sai da minha cama, deslizei por minha janela, e
corri para o parque para encontrá-lo. Sair às escondidas tornou-se
parte de meu repertório durante o ano passado. Embora tivesse me
livrado da maior parte de meu comportamento delinquente juvenil, não
o detive por completo. Sair agachada, pela janela, no meio da noite,
ainda era um padrão. Não podia dormir de todas as maneiras. Mamãe
não tinha ideia. E ninguém sabia onde se encontrava meu pai. Mamãe
era doce, mas seguia pensando que eu era uma boa garota. Via a garota
que eu tinha sido, e não na que tinha me tornado. Não foi inesperado.
Ela tinha seu próprio trauma com o qual lutar. Esconder meu grave
amor não foi difícil. Escondi todos. Somente algumas pessoas me viram
cair em chamas depois do funeral da minha irmã, inclusive poucos
permaneceram perto para incomodá-los, e me ajudar a seguir adiante
com minha vida.
Jake incentivava minhas saídas à meia-noite, e sempre estava
ali para caminhar e conversar. Uma volta pelo parque à meia-noite era
normal, enquanto minhas noites se encheram com menos sonho,
insônias e muito mais.
A noite de ontem se desenvolveu da maneira exata que ele
queria. Tinha me atraído com a única coisa que sabia que eu queria,
um beijo. Quando cheguei, tinha tomado minha mão fora do portão do
parque e caminhamos um pouco. Apoiando-me contra uma árvore, logo
depois de ter caminhado pelo parque mais profundamente que o
habitual, Jake pressionou seu corpo contra o meu. Senti-me bem. Seus
dedos roçaram meu rosto, e empurrou brandamente um cacho solto,
fazendo com que meu pulso disparasse.
A luz da lua projetava um efeito de encaixe sobre o chão. Seu
rosto permanecia a centímetros do meu. Quente e bem-vindo, senti sua
respiração sobre minha pele fria. Foi duro. Dedos formigantes passaram
contra minha cintura. Respondi rapidamente. Caindo ao chão, em um
Página 23
emaranhado de pernas e braços, fizemo-nos cócegas e rimos. Parecia
tão doce, tão normal, até que fiquei presa ao chão. Como se converteu
no monstro de olhos carmesim que me atacou ontem à noite? Uma dor
como essa era inimaginável. Nunca havia sentido algo como isso,
jamais. E esperava em Deus, nunca voltar a sentir.
Agarrei-me aos poucos fatos que tinha, e suspirei. Jake me
atacou. Eric me salvou. E agora tinha uma marca sobre minha cabeça.
Aceitando que tudo isso que sabia me deixava louca, mas sabia quem
tinha respostas. Eric. Minha força retornou no decorrer da noite, e já
estava preparada para escutar o que fosse que ele tivesse para me dizer.
O relógio piscou 07h45min da manhã. Agarrando meu telefone,
lancei-o em minha bolsa, sem me incomodar em ver a tela, e fui para a
escola.
Página 24
Capitulo 4
Arrastei meus pés até a escola. Os meninos falavam, os armários
batiam e o sinal tocou. Os sons de meu dia normal zumbiam como
vozes mais à frente. Continuando para meu armário, agarrei meus
livros.
Embora minha marca estivesse coberta com uma grossa capa de
maquiagem, me senti exposta. Não saber o que estava acontecendo
deixava-me nervosa. Agarrei meus livros e caminhei para a aula quando
o sinal tocou. Minha mão empurrou a porta para abri-la, e o professor
me lançou um olhar desgostoso. Caminhei em silêncio para meu
assento. O Sr. Tanner era um homem rechonchudo com traços severos.
Emocionar-se fazia com que seu rosto ficasse vermelho e sua papada
tremesse. As manchas de suor faziam com que sua camisa, uma vez
branca, parecesse suja, e o cinto de suas calças agarrava com todas
suas forças, sob sua enorme barriga. — Boa tarde. Já são dois. —
Agitou um dedo do tamanho de uma salsicha para mim. Mais uma vez e
vai passar à tarde em detenção. Marcou em seu livro, grunhindo.
Se isto tivesse ocorrido há um ano, teria me horrorizado. Mas
agora? Não me importava. Os risos parariam em um segundo, e
esqueceriam que eu estava aqui. À exceção da Jenna Marie. Ela estava
em cada maldita aula comigo. Acredito que era alguma brincadeira
divina, pôr a princesa rosa junto à garota gótica. Bom, eu não era
realmente gótica. Só me vestia com um sólido preto muitas vezes. A cor
escura era adequada para mim.
Página 25
Sentada na aula, olhei o relógio fazer tic-tac lentamente,
contando os minutos até o sinal. Movi-me à medida que passava o dia,
tratando de não falar com ninguém. Fui moderadamente bem-sucedida.
Não importava para Jenna Marie se eu não queria falar. Ela
falava o suficiente para duas pessoas.
— O rosa ficaria genial. Sua voz era alegre. Alegria que me
irritava. Sentando-se reta em seu assento, sentou do outro lado de
minha mesa.
Olhando-a diretamente de frente murmurei:
— Eu gosto do preto. Obrigado. Falar de meu monocromático
armário era um ritual diário para ela. Isto é o que consigo por chegar a
tempo à aula. Preferiria me sentar na detenção. Meus olhos se moveram
para o relógio, vendo o segundo ponteiro do relógio dar um tic de uma
vez. Orei para que o sinal tocasse.
— Mas tem um cabelo tão bonito. Esses belos cachos de cor
avelã estariam deslumbrantes com rosa! E se veste de preto a cada dia.
Franziu o cenho. Não a vi usar outra cor em mais de um ano. É hora
de pensar em rosa! Olhando-a, minhas sobrancelhas se levantaram
com incredulidade até a raiz do cabelo. O sinal tocou, e cortei as
palavras grosseiras que se formaram em minha língua.
Quando a aula terminou, saltei da cadeira para evitar mais
conversa sobre o rosa. Abrindo o passo para sair pela porta, e entrar no
corredor, detive-me quando encontrei Collin correndo atrás de mim. —
Oi Ivy! - Gritou.
— Olá. Respondi, elevando a vista para olhá-lo.
Começamos a andar e navegamos entre a multidão de meninos,
armários abertos, e os nerds que sempre estavam correndo para algum
lugar. — O que acontece?
Dando de ombros, disse:
— O mesmo de sempre. Só queria lhe dizer para me esperar
quando terminasse a aula. Arqueando uma sobrancelha, um sorriso se
Página 26
estendeu em seu rosto. Saltando sobre os dedos de seus pés, com
ambas as mãos atrás de suas costas, disse: — Tenho algo para você.
— Sei. — me detendo um momento eu adicionei: — Não fez. Não
é? Inclinei meu quadril ao mesmo tempo em que minha cabeça
automaticamente se inclinava. Suspirei. — Lembra? Nada de presentes
de aniversário? Raios Collin.
Celebrar não parecia certo, não este ano. Meu aniversário
sempre estava conectado ao pior dia de minha vida. E depois de ontem
à noite, simplesmente não podia.
Uma voz encheu meus ouvidos antes de ver seu rosto. — Uau, a
virgem disse que não quer seu presente Collin. Eu quero. Nicole
Scambotti se envolveu ao redor de Collin. Sorriu-lhe. Saíram de vez em
quando nos anos passados. Ele parecia gostar tanto como qualquer de
suas outras seguidoras. Ela formava parte de seu gosto do clube do
mês. O qual neste momento, eram enormes peitos no corpo de uma
loira espantosa, com uma boca mordaz.
Olhei-a desdenhosamente, enquanto apertava mais forte meus
livros contra meu peito. O apelido a ―Virgem‖ era minha culpa. Collin
me levou a uma boate uma noite, e me diverti um pouco mais da conta.
Todos estavam lá, inclusive Nicole. Collin me viu perder o controle,
enquanto deixei a gloriosa dormência me inundar. Logo depois de
dançar, sentei-me com um menino que não conhecia. Tivemos uma
embaraçosa sessão pública de beijos da qual não me lembro. A parte de
que me lembro foi sua mão deslizando para cima de minha camisa.
Emocionou-me, e foi tão bom sentir algo além de dor. Deixei que suas
mãos ficassem, mas quando foi para minha saia, afastei-o com um tapa
na cara. Quando não parou, gritei. Collin o empurrou para longe de
mim, e Nicole começou a fazer brincadeiras de virgem cada vez que
podia.
Collin me levou para longe dela, e falou baixinho em meu
ouvido: — Existem apelidos piores.
Página 27
Olhei para Nicole, falando alto o suficiente para que ela me
escutasse. — Sim, prostituta é muito pior.
O sinal abafou a resposta mordaz da Nicole.
Collin a empurrou para as aulas, dizendo sobre seu ombro: —
Nos vemos mais tarde. Encontro-te no seu armário. Saudei-o, e
caminhei para aula.
Collin gostava de me ajudar a esquecer dos meus problemas, e
sempre me encontrava colocada ao pescoço dele. Às vezes tinha me
levado à praia, e tínhamos sentado perto das ondas. O mar levava as
ondas dentro e fora, em um hipnótico ritmo que me acalmava. Collin se
sentava junto a mim, silenciosamente. Algo sobre o mar e o vento fazia-
me sentir livre, como se não estivesse apanhada em minha vida. Mas
quando as coisas ficavam muito más, precisava de mais. Começava a
me divertir, e Collin sempre estava perto. Não me parava, mas me
mantinha longe dos problemas. Ele não gostava dos meus outros
amigos, mas de mim sim. Deixava-me viver, e me arrepender sem
preconceito.
Logo depois de um tempo, dava-me conta que todas as coisas
que me atormentavam se desfaziam perto dele. E o verdadeiro Collin,
que ninguém via, estava inseguro de si mesmo. A incerteza era
sedutora. Fazia me perguntar quem era realmente; se o menino seguro
que caminhava como se a escola lhe pertencesse, ou a versão tímida
que estava tão profundamente escondida que realmente existia. Collin
nunca tentou ficar comigo; à exceção do primeiro dia que o conheci. As
seguidoras só eram um risco saudável. Isso foi antes que minha vida
tomasse um giro inesperado, e viesse abaixo. Enquanto que o título de
virgem ainda era preciso, não era estranho que me encontrasse aos
beijos com algum sujeito que não me importava. Jogavame nos
estranhos, para aliviar o buraco em meu peito. Afastava os meninos que
realmente eu gostava, com muito medo da dor que isso poderia me
causar.
Página 28
Meu ritmo se acelerou quando vi Eric na minha frente, a ponto
de entrar em sala de aula.
— Eric disse. — Espera. Comecei a andar junto a ele.
— Olá Ivy. Pronta para mais diversão em biologia? — perguntou
enquanto o alcançava sem dizer nada do acontecido a noite anterior.
— Sim, como sempre.
Eric tinha um jeito de falar o óbvio que me fazia querer rir. Ele
era simples, mas de uma boa maneira. Era minha atadura à
normalidade. Ao menos pensei que era. Sentei-me em biologia
escutando as instruções para a prática seguinte. Minha mente me
arrastou para a noite de ontem. Meus dedos distraidamente se
desviavam à marca em minha testa.
Suspirei. Eric me olhou pela extremidade do olho. Ignorei-o,
sabendo que não podíamos falar sobre isso agora. Esperar é um saco.
Movia meu lápis inquietamente, entre meu polegar e indicador,
enquanto uma sensação nervosa se arrastava pela minha garganta.
Sempre tomando nota com um lápis, para poder desenhar se a aula se
tornasse muito chata, o lápis amarelo girava sobre cada dedo com uma
graça rápida, antes que fosse tirado de minha mão, e parasse no
menino sentado na minha frente, em sua nuca.
O esportista moveu-se em seu assento e se voltou para me
olhar. Articulei: — Sinto muito. Eric elevou a vista de suas notas
polidamente impressas, e riu. Dois minutos até que o sinal tocasse.
Graças a Deus. Revirei meus olhos, e apoiei minha cabeça sobre minha
mão.
Olhando fixamente o relógio, vi o escuro ponteiro do relógio
mover-se, e o sinal finalmente tocou. O professor lançou avisos sobre
atribuições. Rapidamente agarrei meus livros, e olhei para Eric,
esperando que me dissesse o que estávamos fazendo. Ele fechou seu
livro e empilhou polidamente seus papéis. Meus livros tinham papéis
colados ao lado como às orelhas de um coelho. A organização não era
realmente o meu forte. Eric parecia um pouco ordenado demais para
Página 29
mim, mas ele era a razão pela qual não faltei à aula, assim não o
incomodei sobre isso. Eric deu a volta e procurou sob a mesa de
laboratório debaixo de nós. Levantou meu lápis, sorrindo. Peguei. —
Obrigada. Pensei que Bret ia me matar.
— Está sozinha, porque essa foi à quinta vez que o golpeia com
um lápis no último mês. — Recolheu seus livros, e o persegui para fora
da sala de aula.
— Não foram cinco vezes! Chiei incapaz de conter meu
sorriso. Enquanto dobrávamos a esquina, vi Collin apoiado contra meu
armário. Voltei-me para o Eric e perguntei:
— Quando podemos conversar? Lentamente, toquei seu
braço, e ele se deteve.
Eric olhou para Collin e logo voltou para mim. — Caminharei
contigo até em casa. Deixe-me pegar minhas coisas. Senti-me um
pouco incômoda, mas concordei. Collin e Eric se olharam. Ignorando a
ambos, fui ao meu armário.
O braço de Collin deslizou sobre meu ombro. — Ouça Ivy, está
preparada? Falou alto o suficiente para que Eric o escutasse. Vi Eric
dobrar no corredor, e desaparecer de vista.
— Uh, espera. Espera um segundo. Sobre o que está tão
emocionado? Perguntei enquanto devagar punha minha combinação.
Seu sorriso se foi, substituído por uma seriedade que não parecia
correta nele. Limpando sua garganta perguntou:
— Então, namorado novo?
O cadeado fez um clique quando se abriu em minha mão. —
Não. É somente um amigo. Não dê uma de irmão mais velho e não o
persiga até afastá-lo.
Collin cruzou os braços sobre o peito. — Quando fiz isso? Os
cantos de sua boca atiraram para cima em um sorrisinho, e soube que
não estava falando sério. Arqueei uma só sobrancelha, até que encolheu
de ombros, rindo.
Página 30
— Então, o que queria? — perguntei, procurando entre minhas
coisas e agarrando o que precisava.
— Só queria falar contigo. E tenho algo para você. Apoiou seu
corpo na fila de armários, me esperando.
Peguei meu livro, e fechei de repente a porta do armário.
Duvidei, olhando-o.
— Espera. O que é? Olhei sobre o ombro de Collin, vendo Eric
caminhando para mim.
Collin deu a volta para ver o que eu estava olhando, e ficou
tenso. Observei os dois juntos por um momento. Eric era uns
centímetros mais baixo que Collin. Eric tinha seu cabelo perfeitamente
curto e desenhado ordenadamente em seu lugar, com sua camisa
dentro de seus jeans, e uma pilha de livros debaixo do braço. Collin
tinha um olhar provocador de recém-saído da cama. Seu cabelo ia
aonde queria, indomável como o resto dele. Sua camisa preta se
agarrava a seu corpo, coberto por uma jaqueta de couro preta e botas
de motociclista. Ambos estavam bons, de uma maneira diferente.
Voltando-me para Collin, perguntei-lhe: — E…? Seus olhos azuis
voltaram para meu rosto. A incerteza brilhou através de seus rasgos,
mas desapareceu tão rápido que não estava segura se realmente a tinha
visto.
Ele se inclinou perto, apoiando sua mão sobre meu ombro, seus
lábios ocultos por meu cabelo, enquanto me sussurrava ao ouvido: —
Vou falar com você mais tarde. Deu a Eric um olhar agudo e se
afastou. Suspirei, vendo-o ir. Não estava zangado, mas tampouco estava
feliz. Merda.
Eric me olhou, perguntando: — Vocês estão… saindo?
— Não. Neguei com a cabeça. Com toda segurança não estamos
saindo. Coloquei meu livro sob um braço, abrindo passo pelas
estreitas portas metálicas que conduziam à parte traseira do edifício,
com Eric ao meu lado. Os meninos caminhavam por um beco atrás da
escola para chegar à avenida. Não estava escuro ou horripilante, e com
Página 31
a companhia dos outros meninos, não era o tipo de beco que te deixaria
arrepiada. As pessoas dispersavam à medida que passávamos através
das portas de metal, e aspirei o ar fresco. Apesar de minha fachada
aparentemente escura, desfrutava da sensação da luz do sol em minha
pele. Eric me olhava pela extremidade de seus olhos, sem dizer nada até
que estávamos fora do alcance do ouvido de outros.
— Então, me diga — soltei quando não pude esperar mais. — O
que é isto? — assinalei minha cabeça.
Enquanto caminhávamos passando por vitrines, olhei-o pela
extremidade de meu olho. A conversa estava envolta pelo ruído dos
motores e das buzinas dos automóveis. Sempre havia uma grande
quantidade de trafego a esta hora do dia. Cruzar a rua, sem chegar a
ser atropelado, era um truque.
Eric trocou seus livros para seu outro braço, e diminuiu o passo.
Seus olhos cor âmbar cintilavam dourados na luz do sol. — Vai soar
estranho. Não vai acreditar em mim.
— Só me diga. — Que tão estranho poderia ser?
Eric sorriu levemente e disse: — Ontem à noite me perguntou se
Jake te fez isto, se te fez essa marca. A resposta é não. Não fez. A marca
em sua cabeça faz de você inimigo. Demonstra que é um Martis. Nós
geralmente escondemos, mas quando aparece pela primeira vez, a vida
pode ser um pouco rude. Em poucas palavras, foi reclamada para lutar
pelos meninos bons. Foi escolhida devido a sua forte lealdade e
coragem. Essa é a razão pela qual se elege qualquer Martis.
— Escolhida por quem? Perguntei-lhe.
Eric encolheu de ombros. — Os anjos. Eles lhe fizeram isto.
Quando reclamam a um mortal para lutar a seu lado, essa marca azul
aparece sobre a sobrancelha direita, exatamente onde está a sua.
Olhei-o com a boca aberta, sem acreditar realmente no que estava
dizendo. Tínhamos parado de caminhar. Minhas sobrancelhas estavam
levantando-se com incredulidade. Consegui dizer: — Então, Jake é o
que? É impossível que seja normal. A expressão do Eric era sombria.
Página 32
— Ele é um Valefar. São os únicos seres que podem destruir a um
Martis. É imortal, a menos que um desses o elimine. Há uma guerra
que esteve sempre na moda. Os demônios já não têm prazer em
permanecer no seu reino, o submundo. Estão tratando de tomar
também o reino dos anjos. Lutaram largas e terríveis batalha com a
intenção de destruir a qualquer um que se oponha a eles. Em algum
momento, ambas as partes estavam em um ponto morto. Estavam
igualados. Mas os demônios não voltariam. Foi então quando os
demônios fizeram algo que mudou tudo, um deles beijou a um mortal.
O beijo do demônio arrancou a alma do ser humano, e logo injetou no
corpo da vítima sangue de demônio. Esse foi o nascimento dos Valefar.
Basicamente, um Valefar é uma marionete humana que mantém a vida
com o sangue de demônio. São como cadáveres animados, mas se veem
exatamente como gente real. Não se pode saber a diferença a menos que
se dê uma olhada em sua marca ou em seus olhos quando são
apanhados na sede de sangue, ficam de cor vermelha sangue. É o
sangue do demônio que os fez o que são.
— O que quer dizer? Perguntei-lhe. Meus dedos estavam
apertados com força em punhos. Quando tratei de relaxá-los e
desdobrá-los, dei-me conta de quão escorregadios estavam. Suas
palavras estavam me assustando. Soavam completamente loucas, mas
meu instinto me dizia que era real. Tudo.
O olhar do Eric se encontrou com o meu. — Os demônios são as
únicas criaturas que não necessitam de uma alma para sobreviver. E
eles fizeram os Valefar justo como eles, sem alma. O sangue de demônio
é diferente. Perverso. Dá-lhes vida de uma maneira antinatural. O resto
de nós têm almas, os seres humanos, os Martis, inclusive os anjos.
Quando os demônios ficaram em seu próprio reino, os anjos os
deixaram sozinhos, mas quando atacaram e começaram a tratar de
ampliar seu reino, os anjos tinham que fazer algo para detê-los.
Portanto, fizeram os Martis. Nós quase perdemos a guerra por causa
dos Valefar, Ivy. Os anjos não queriam envolver os seres humanos, mas
Página 33
foram obrigados a fazê-lo. E foi para melhor, os Martis foram capazes de
apanhar o demônio mais capitalista em uma fossa no submundo,
Kreturus. Ele ainda está vivo ali, esperando que seu Valefar o libere. Os
Martis se asseguram de que isso não aconteça. Minha garganta
deslizou até meu estômago.
— Portanto, um anjo me escolheu para lutar em uma batalha
que não posso ver, e meu namorado era uma marionete demônio. É isso
o que está dizendo?
Eric levantou o olhar para meu rosto. — O que quer acreditar?
Depois de ontem à noite, não posso imaginar como poderia pensar que
o que aconteceu foi normal.
Negando com a cabeça, disse: — Não foi normal. — Estremeci,
esfregando minhas mãos contra meus braços distraidamente. — Ele
estava tirando minha alma do corpo com um beijo, arrancando-a de
meus ossos como se fosse carne.
A mão de Eric se aproximou, e deu um apertão tranquilizador no
meu braço. — Ivy, é o que fazem. Assim é como fazem mais Valefar. Ele
estava te espreitando, com a esperança de te apanhar antes que
soubesse o que era. Ia te vincular, ou te matar.
Com os olhos bem abertos, assenti com a cabeça. — Ele disse
isso. Ontem à noite. Disse que era o momento perfeito, porque ainda
não sabia o que era. — Fechando meus olhos, pisquei com força
tratando de apagar essa lembrança. Levantando o olhar para Eric,
perguntei: — Disse-me que era nova?
— Bom, é, verdade Respondeu Eric. — Sua marca brilhava
mais amadurecida, o qual me confundiu um pouco. Mas parece nova.
Quando viu pela primeira vez a marca?
— Ontem à noite. Não a vi antes. Não estava ali. — Meus dedos
distraidamente tocaram a maquiagem que cobria a marca.
Os olhos do Eric se dirigiram para o lugar, e logo voltaram para
minha cara. — Isso é o que fazem, os Valefar mais velhos nos caçam,
tratando de nos encontrar antes que estejamos prontos. Quase não fica
Página 34
nenhum Martis. Quando os anjos pensaram que ganhamos, quando
trancamos ao Kreturus no poço, permitiram que os Martis
diminuíssem. Entretanto, quando se fez evidente que precisavam se
livrar dos Valefar, começaram a adicionar gente aos nossos números de
novo. Não é estranho ter dezessete ou dezoito anos quando lhe marcam.
E os Valefar sabem que os novos Martis não têm nem ideia.
— O que quer dizer? Perguntei-lhe.
— Quero dizer que os Anjos não dão um toque no ombro a seus
escolhidos e entregam um pacote de boas-vindas. Não é a forma que
fazem. Os Martis aprendem que estão por sua própria conta. De todos
os modos, os Valefar fazem amizade com humanos que acreditam poder
obter a marca, esperando destruí-los logo que a marca aparece. Somos
um alvo fácil nesse momento. Talvez esta vez tivesse sorte? — Olhou-
me.
— Isso foi um pouco de sorte. Ouvi a incredulidade em minha
voz. — Isso não foi sorte. Fui enganada. Jake sabia o que eu ia ser
antes que eu. Como Eric soube? Eu não tinha nem ideia do que
estava acontecendo. Nunca sequer escutei nada disso antes.
— Não sei ao certo, mas suspeitamos que cacem as suas presas
de forma que sejam únicas para os Valefar, usando habilidades que não
temos. Ninguém está realmente seguro de como funciona, mas quando
te converte em um Martis, é um processo. Normalmente não acordara
com uma marca amadurecida de Martis na cabeça. É normalmente
uma mudança gradual. Primeiro a marca aparece como uma contusão
azul, antes que se intensifique em um padrão. Assumimos que os
Martis novos estavam sendo assassinados porque sua marca estava
exposta. Mas você não teve essa marca como uma contusão. Deveria ter
visto. Acaba de aparecer, totalmente formada. — Negou com a cabeça.
— Ivy, não sabia que te caçariam. Nem sequer sabia que seria marcada.
— Sua voz era sincera e sombria.
Movendo minha cabeça com incredulidade, fiquei olhando-o
fixamente, com meus olhos bem abertos. Senti que o ar enchia meus
Página 35
pulmões enquanto meu estômago se retorcia em nós, sem saber no que
acreditar. — Ivy — disse, se recordar algo sobre os Valefar, recorde isto.
Não sentem nada, não se preocupam com ninguém, e só estão
interessados em uma coisa, o poder. Neste momento, estão tratando de
trocar o equilíbrio de poder de novo a seu favor, assim podem nos
derrotar. Traguei o nó em minha garganta.
— E se nos derrotarem? O olhar do Eric se afastou enquanto
se afastava de mim.
— Podem liberar o Kreturus.
Uma buzina soou, me fazendo estremecer. Atirando minha
cabeça para trás, olhei para o céu azul pálido, e envolvi meus braços ao
redor de minha cintura. Não sabia o que pensar. Olhando para ele,
perguntei:
— Então, o que fazemos?
— Nos mantemos ocultos, e os destruímos antes que possam
nos matar. — Soava muito razoável, como se matar imortais fosse uma
coisa cotidiana.
— Ocultos? É por isso que ocultamos nossa marca, verdade?
Assim os Valefar não sabem se somos humanos ou não? Perguntei.
— Sim, isso torna mais difícil nos encontrarem. Se deixar a
marca descoberta, é como andar com um alvo em sua testa, qualquer
Valefar pode vê-la, não só seus caçadores — fez uma pausa.
— Por que, o que tem de ruim? Senti-me empalidecer. — Eric,
ele me conhece. O Valefar que me atacou ontem à noite, Jake, sabe
quem eu sou. Sabe onde vivo. Saímos por um tempo, antes de tudo isto
acontecer.
— Ivy, eles podem te caçar, uma vez que sabem quem é. Temos
que encontrá-lo, antes que te encontre, e espero que não tenha dito a
outros. Como se chama? Diga-me tudo o que sabe sobre ele.
Disse-lhe o que sabia sobre ele, ou o que acreditava que sabia.
A mão de Eric se levantou até minha bochecha, mas vacilou, e
logo apoiou sua mão em meu ombro. — Vou cuidar dele. Não se
Página 36
preocupe com isso. — Seus olhos cor âmbar eram tranquilizadores, mas
não via como podia derrotar Jake.
Neguei com a cabeça. — Não pode ir atrás dele. Ele te matará.
— Sei o que é. E lutei contra os Beijados por um Demônio antes,
Ivy.
Levantando o olhar para sua cara, olhei-o fixamente. — O que é?
Como sabe tudo isto?
Seus olhos cor âmbar brilharam no sol da tarde. — Pensei que
soubesse o óbvio, sou um Martis.
É por isso que me salvou. Então foi assim que dominou Jake.
Senti algo agitando dentro de mim. Eu não gostava de estar sendo
levada a isto, e não ter nada que dizer sobre o assunto, mas tinha gente
muito pior para me aliar do que Eric. Devia minha vida a ele. Não sabia
o que dizer. Pena se derramou por seu rosto.
— Ontem à noite, desejei ter chegado antes. Nunca tinha
conhecido alguém que sobrevivesse a um ataque. Ser beijado por um
Valefar se supõe que é insuportável.
Estremeci e disse: — Foi.
Página 37
Capitulo 5
Eric me deixou em minha porta, e foi procurar Jake. Não podia
fingir que as coisas que disse eram falsas. Não depois de ontem à noite.
E, não quando o medo de Eric de lutar contra Jake era tão real. Deixei-
me cair em minha cama, esperando não mandá-lo para sua morte. Se
algo lhe acontecesse por minha causa, não poderia suportá-lo. Em
especial hoje.
Fazia um ano, até hoje, 15 de outubro. Olhei fixamente o teto,
tratando de não recordar. Meu último aniversário, passei averiguando o
que aconteceu a minha irmã, logo depois do acidente. Apryl foi passar
umas férias internacionais com sua melhor amiga, Maggie. Estava com
ciúmes, mas superei contente de ler seus postais e ver o que estava
fazendo.
Um dia os postais cessaram. Não houve nada no dia seguinte.
Logo depois de meu aniversário, minha vida se destroçou como
porcelana quebrada. Os postais desapareceram porque ela se foi. Um
estranho acidente e nunca mais voltamos a vê-la. Mamãe e eu
enterramos um ataúde vazio, e a lápide tinha seu nome, embora nunca
fosse encontrada. Durante muito tempo, esperava vê-la entrar
caminhando pela porta, rindo. Os sonhos me atormentavam igual às
lembranças, tratando de me convencer de que estava viva. Mas ela não
estava. Tinha que seguir repetindo isso, Apryl estava morta.
Admiti-lo ainda fazia com que meu estômago se apertasse como
um nó. Cada dia, eu tinha que reviver a mesma afirmação, minha irmã
estava morta, apesar de que nada tivesse mudado. Era uma âncora que
não se voltou mais leve com o transcurso do ano. Voltei mais forte,
Página 38
consegui me arrastar ao redor sem que constantemente ficasse
deprimida.
Meu telefone apitou com uma nova mensagem de Shannon. Sua
mensagem dizia que íamos fazer algo muito pouco característico de
aniversário: Tire seu macacão. Vamos limpar o apartamento de
cobertura da igreja mais tarde! Saltando fora de minha cama, procurei
no fundo de meu armário umas velhas sapatilhas, me perguntando se
era estúpido sair agora. Se Jake estava me procurando, me encontraria
sem importar onde estivesse. Odiava ficar aqui esperando sozinha. Não
podia. Ia, e isso era tudo.
A distração de Shannon aliviaria meu estado de ânimo.
Enquanto que alguém poderia pensar que limpar um apartamento de
cobertura era uma porcaria de presente de aniversário, eu adorava.
Tinha uma estranha afeição pelas coisas velhas, e Shannon sabia. Era
um ano mais velha do que eu, e minha outra melhor amiga. O que me
chateava era que ela estivesse em uma escola privada, e eu não. Mamãe
era muito a favor das escolas públicas apesar de sua rotina, drogas,
sexo e seu normal alvoroço. Pensava que era melhor ser endurecida
enquanto era jovem.
Tirando um par de jeans com buracos nos joelhos, vesti-o e
calcei as minhas sapatilhas. Pus um velho suéter e tratei de domar meu
cabelo rebelde. Shannon é uma dessas garotas que nunca têm cabelo
para domar. Ela é realmente desligada sobre quão impressionante é
com sua pele perfeita, e largas mechas de cor canela. Seu corpo era
magro, e ela era um pouco mais alta que eu. Usava roupas que eram
muito grandes para ela, o qual lhe dava um look de que se perde dentro
de seu J. Crew. Seus olhos verdes brilham, e sua boca se crispa em um
magro sorriso quando está fazendo algo não muito bom.
As pranchas de madeira do saguão rangem, delatando as
pisadas silenciosas antes que mamãe empurre a porta de meu quarto
para abri-la. Sua mão sustenta uma caixa quadrada com um arco. Sorri
quando para ali.
Página 39
— Mamãe. Queixei-me.
Antes que pudesse terminar, ondeou uma mão e me deteve. —
Sei que disse nada de presentes, mas este não é meu. Aproximou-se de
mim lentamente. E foi deixado para ti antes que te chamasse, ah — se
deteve procurando as palavras corretas aversão aos presentes. Sorriu
de maneira triste e me estendeu a caixa.
Estava envolta em papel prateado com um arco azul escuro.
Uma etiqueta que dizia ―Para‖ ―De‖ pendurada no topo. Meu coração
desabou em meu peito quando reconheci a letra.
Apryl.
A pequena caixa me fez sentir como se estivesse sustentando um
fantasma. Se mamãe não estivesse ali, poderia não havê-lo aberto
nunca. A dor e a curiosidade se mesclaram, tanto que me perguntei o
que havia dentro. Retirando o papel, descobri uma caixa de madeira
escura. Estava decorada com heras e flores. Parecia feita para mim,
mas não podia ser possível já que tinha aspecto de ser realmente
antiga. Meus dedos riscaram o desenho talhado na madeira suave. Abri
a tampa, um travesseiro de cor escarlate se acolchoava ao redor de um
pente de prender cabelo de prata que descansava no centro. Era a coisa
mais linda que tinha visto. O pente de prender os cabelos tinha dentes
que eram feitos de prata, compridos, e curvados com pontas bicudas. O
punho estava profusamente esculpido, com pedras incrustadas, para
revelar uma pálida mariposa púrpura entalada em redemoinhos de
hera. Era perfeita. Um único soluço escapou de meu peito, enquanto
meus dedos tremiam por cima do pente de prender os cabelos, estava
muito assustada de tocá-lo. — De onde veio?
— Apryl o enviou por correio da Itália o ano passado. Antes de
tudo acontecer. — O braço de mamãe envolveu minhas costas. Quis
lhe dar isso para seu aniversário. Pediu-me que o escondesse. Não
estava segura de encontrá-lo se o trouxesse para casa em sua bagagem.
Página 40
Ri. Mas sem nenhum sentimento. Assim era Apryl. Planejava
tudo, até o mínimo detalhe. E fenomenalmente com muito tempo de
antecedência.
— É lindo — disse, enquanto meus dedos trementes tiravam o
pente de prender os cabelos do veludo. Fechei a delicada caixa e a pus
sobre minha cama. — Sim, é. Sua irmã estava tão emocionada por lhe
dar isso. Sabia o quanto você gostava de antiguidades. Estava segura de
que isto era muito antigo, e parecia feito para ti. Um sorriso triste
cruzou por seu rosto.
Assenti. Mamãe pegou o pente de prender os cabelos de minha
mão e pôs um espelho na minha frente. Com um movimento gracioso,
retorceu minhas mechas aneladas para cima e o segurou no lugar com
o pente de prender os cabelos. A filigrana de prata da hera e as gemas
sobre a mariposa brilhava contra meu cabelo escuro.
Olhei fixamente meu reflexo. O remorso me atravessou, por
todas as coisas que eu tinha feito, e inclusive mais pelas coisas que
tinha deixado inacabadas e sem dizer entre nós.
Mamãe me beijou a testa. Depois, deu a volta, e me deixou
olhando meu reflexo, a sós.
O passado e o presente impactaram em um silêncio
ensurdecedor. Quis que o passado morresse assim podia me distanciar
da dor, e o esquecimento, inclusive por um momento. Mas não passou.
Olhando fixamente o pente de prender os cabelos, tocando-o
brandamente com meus dedos, meus olhos se deslocaram para minha
marca oculta. Deveria ter sido capaz de ver uma leve tintura púrpura
mostrando-se, inclusive tão brandamente. Mas tinha ido. Esfreguei a
maquiagem com a palma de minha mão. Esfreguei bastante a marca
púrpura que deveria haver se mostrado em toda sua cor. Mas a marca
tinha desaparecido.
— OH, graças a Deus! Corri para o banheiro e lavei o rosto. A
marca tinha desaparecido. Nenhum rastro dela. Sorri fracamente para
Página 41
meu reflexo, pensando que meus problemas tinham diminuído, escutei
a campainha anunciar a chegada de Shannon.
Página 42
Capitulo 6
Ivy, isso é tão malditamente estranho! Disse Shannon, enquanto
franzia o nariz desaprovando. Não me interprete mal. Alegro-me de que
conseguisse o perfeito pente de presente de aniversário. Mas estamos
sentadas em um apartamento de cobertura velho e asqueroso, rodeadas
de porcarias mofadas, e seu rosto está tão iluminado como a Times
Square.
Sorriu, soltando um pequeno bufo e voltou para as caixas.
Shannon não entendia minha fascinação pelas coisas antigas.
Apreciava, mas não revelava da mesma maneira que eu. Shannon
moveu uma caixa e tirou a tampa. Uma aranha saiu correndo sobre sua
mão. Engoliu um grito antes que a aranha pudesse escapar, e
estremeceu. — Isso é tão asqueroso.
Ri. Senti-me estranha, mas não pude conter minha emoção. —
É fantástico! Não posso acreditar que nos deixaram subir aqui. Nunca
deixam ninguém.
— Sim, sim. Acredito que as velhas damas da igreja estavam
contentes de não ter que limpar o apartamento de cobertura esta vez. —
Um sorriso preguiçoso cruzou seu rosto. — Desfrute de seu divino
mergulho no lixo. Eu começarei aqui. Em alguma parte. Demônios...
Escutei-a movendo suas caixas, tratando de chegar à parte traseira do
apartamento de cobertura.
Três lâmpadas diretas iluminavam a habitação. Penduradas do
comprido teto, refletindo a forma do corredor abaixo. Suas lâmpadas
emitiam uma cálida luz amarela nas caixas e livros que estavam
empilhados até o teto nas pilhas próximas. As pilhas dividiam a sala em
Página 43
um labirinto. Já que as pilhas não pareciam a ponto de cair, não quis
me chocar contra elas tampouco.
Recolhi uma Bíblia gasta. Abrindo a capa, meu dedo se deslocou
lentamente para baixo sobre uma lista de nomes. Estava cheio com
famílias, pessoas que viveram e morreram com nomes e datas dos já
esquecidos. O lugar vazio em meu peito queimou. As sensações de ser
privada de algo me incomodou.
Desejo saber o que aconteceu com ela. Meu aperto sobre a velha
bíblia se fez mais forte, tanto que pensei o que faria se alguma vez
descobrisse como Apryl morreu. Como reagiria? A dor aliviaria? Pus-me
de pé e caminhei para outra pilha, tratando de deter o vazio que estava
caindo em mim, me sugando no passado. Minhas mãos se deslocaram
através da pilha, tocando, mas sem ver. Antes de Apryl morrer, tinha
sido uma sonhadora. Pensava que tudo era possível. Mas, finalmente
comecei a enfrentar a realidade de que minha vida seguia, sem ela.
Um brilho chamou minha atenção, e me tirou de meu
deteriorado estado de ânimo. Uma esquina de um marco dourado
entupido debaixo de um velho lençol. A curiosidade fez presa de mim, e
caminhei para lá querendo ver o que estava oculto. Uma pilha de livros
poeirentos bloqueou meu caminho. Movendo-os para um lado, apertei-
me entre os livros e o marco.
A voz de Shannon me chamou. — Vou levar esta caixa para
baixo. — Balançou-a sobre seu quadril no topo das escadas. —Voltarei
em seguida!
Foi tragada pela escuridão da escada, e estava sozinha. Meus
dedos envolveram com cobiça ao redor do marco. Peguei com rapidez,
liberando-o de toda uma vida de pó. O marco rangeu, enquanto o
elevava por cima de uma pilha de livros e o depositava no chão.
Na minha frente, elaboradas figuras de querubins rechonchudos
e demônios de feio aspecto estavam esculpidos na moldura de madeira
e laminada em ouro. Estavam debruçados no padrão de uma folha
deslizável. Era como ‗Onde está Wally‘, mas com criaturas do Céu e do
Página 44
Inferno, meus dedos se arrastaram sobre as folhas esculpidas e as
espirais de querubins. As cores se esfumavam oscilando ao puro
branco, à negra meia-noite, e a cada cor entre os que se canalizava na
pintura, de acima a abaixo. As cores estavam pintadas em linhas
entrecortadas que me recordavam os escarpados na costa. Parecia como
um lugar onde o mar se encontrava com as montanhas, mas ali não
havia água, só a feroz e recortada rocha. Na porção superior estavam os
anjos, ambos os querubins e serafins com espadas chamejantes.
Ligeiramente por cima deles havia uma pura luz branca. Meus olhos
seguiram o redemoinho à parte mais profundamente escura da fossa.
Inclusive as rochas pareciam malvadas. Não havia nada de luz, só uma
escuridão seccionadora de almas.
Rocei meus braços com minhas mãos de acima abaixo, tratando
de acalmar a agitação na fossa de meu estômago. Um pouco por cima
da parte mais profunda e escura da fossa, estavam os demônios. Foram
pintados como coisas vis, com carne gotejando de cor negra.
Assemelhavam-se um pouco aos humanos com ávidos olhos cor sangre,
e afiados dedos.
À medida que meus olhos se deslizavam para a metade da
pintura, havia uma mescla de humanos e seres de aspecto demoníaco.
Já não eram completamente demônios, mas tampouco pareciam
totalmente humanos. Seus olhos eram diferentes, duros, frios, e
debruados de vermelho. Por cima de sua sobrancelha direita havia uma
brilhante cicatriz vermelho sangre. Valefar. Minha mão subiu
distraidamente aonde tinha estado minha marca púrpura. Minha marca
parecia como se uma arma tivesse me golpeado com uma bola de
pintura de purpurina. Mas estas cicatrizes pareciam como ressonantes
purulentas mutações de carne. Senti um retorcer de repulsão atirar no
fundo de minha garganta, e fechei minha boca para afogá-lo.
Mais acima na pintura, havia cores mais quentes e mais
brilhantes. Aí é onde os seres humanos estavam representados. Em
sua maioria eram grupos pequenos de jovens e adultos. As mulheres
Página 45
estavam sentadas com bebês sobre seus colos, e os meninos maiores
rodeavam seus pés, jogando tranquilamente na grama. As rochas
estavam cobertas de musgo e flores, e o sol banhava absolutamente
tudo de uma rica luz, vibrantes cores, e profundas sombras.
Enquanto os meus olhos viajavam mais alto ainda, havia seres
de aspecto humano, mas pareciam mais graciosos, mais compassivos, e
mais formosos.
Algo sobre suas posturas me disse que não eram mortais,
embora não havia diferenças reais perceptíveis. Inclinei-me mais perto
para ver seus rostos, riscando-os com meu dedo. Senti culpa por fazer
isso a semelhante pintura antiga, mas o fiz de todos os modos. Tinha
que fazê-lo.
Havia só um punhado destes seres, a diferença dos tradicionais
humanoides demônio obviamente malvados de marcas-vermelhas. Os
azuis estavam pulverizados entre os humanos com suas leves marcas
azuis, brilhando como pó de estrelas. Esses eram os Martis. No topo do
escarpado estavam os anjos suspensos no ar, rodeados por uns Martis
pulverizados no topo do escarpado. Estavam todos reunidos ao redor de
duas figuras centrais, um casal jovem. Cabelo escuro pendurava em
largas ondas, e mechas rodeavam tranquilamente o rosto dela pela
eternidade. Ela estava de pé sobre uma diminuta escada de pedra, por
cima do menino. Os pés dele estavam pendurando. Seus dedos estavam
entrelaçados numa classe de agarre que estava a ponto de escapar. Ele
cairia se ela o soltasse. Era bonito, com rasgos angulosos, cabelo
marrom ondulando e obscurecendo seu rosto. Seus olhos estavam
olhando para baixo à fossa abaixo. A primeira vista parecia como se ela
estivesse puxando-o para cima, longe da fossa. Mas logo depois de olhá-
lo por um minuto, não pude estar segura se ele a estava atirando para
baixo. Não podia dizer se ela estava tratando de ajudá-lo, ou atirá-lo.
Mas algo estava claro. A pintura inteira estava colocada ao redor destas
duas pessoas. Seu comprido vestido branco fluía sobre seus pés nus.
Os dedos de seus pés estavam precariamente na beira de uma só pedra.
Página 46
Um de seus braços estava elevando-se para o Céu, e o outro estava
estendendo-se para o Inferno, e seu agarre soltando-se da mão do
menino. A comoção me alagou quando reconheci à garota do vestido
branco. Não pode ser. Não é possível…
Meu coração martelou, à medida que alcançava ao casal grafite.
Senti minha pele formigar com a sensação de que algo ruim estava a
ponto de acontecer. Meu polegar roçou seus rostos, removendo uma
fina capa de pó. Tremendo, agarrei o marco com ambas as mãos.
Olhando fixamente. A marca dele igualava a grotesca cicatriz das
vermelhas, e malvadas coisas demônio-humanas, mas era púrpura. E a
garota… Sua marca era um ligeiro rastro de pó de estrelas púrpuras,
sobre sua sobrancelha direita e formava redemoinhos em um S de lado,
exatamente onde estava a minha esta manhã.
— Santo Céu! A voz de Shannon me assustou. O resto de
suas palavras foi ofuscado por meus gritos. Agarrando meu peito,
tropeçando com meus pés, enquanto meu traseiro golpeava o chão.
O impacto que senti foi como se tivesse golpeado minhas costas
contra uma tabela rígida. O pente de prender os cabelos de Apryl
repicou no chão, escorregando até deter-se nos pés de Shannon. Houve
um silêncio sepulcral, quando seus olhos verdes olharam meu rosto,
emocionada. Logo depois de um momento, sussurrou:
— Ivy, é você.
Pisquei com força olhando a pintura, desejando que mudasse.
Esperando que se parecesse com alguém mais, inclusive um pouco.
Mas não mudou. Era eu, e ele. Quem é que fosse ele.
Shannon me olhou. — Por que não me disse isso?
— Dizer o que? — perguntei, esfregando meu cóccix. Não podia
lhe contar nada sobre os Valefar e os Martis. Não podia dizer que fui
atacada por um demônio na noite passada, consegui ser marcada com
uma marca púrpura no dia de hoje, e vi a mim mesma em uma antiga
pintura esta noite. Sim, certo. Isso parece estranho.
Página 47
Olhou-me, e enterrou seu rosto entre suas mãos. Seus dedos
arranhando sua carne por um segundo, logo o afrouxou. Era uma
pessoa moderadamente paciente, mas não podia suportar quando lhe
ocultavam as coisas. — Sua marca. Por que não me disse que estava
marcada? Dobrou suas pernas, sentando-se junto a mim.
Minha mão se levantou para minha sobrancelha, enquanto
meus olhos se ampliavam com alarme. Toquei-o brandamente. — Como
sabe?
Shannon sacudiu a cabeça. Seus elegantes dedos se estenderam
e recolheram meu pente de prender os cabelos. Sua outra mão trouxe
um espelho de mão de uma pilha de pó. Logo depois de limpá-lo em
seus jeans me estendeu o espelho. Olhando meu reflexo, vi os
redemoinhos púrpuras brilhando exatamente onde estavam essa
manhã.
Página 48
Capitulo 7
Ainda em estado de choque apertei meus dedos e os esfreguei.
Shannon se apoiou contra uma pilha de caixas, e me olhou antes de
dizer:
— Não vai funcionar. Este pente de prender cabelo é de prata
celestial. Oculta sua marca, para que ninguém mais possa vê-la.
Brandamente tomou a confusão de cachos que cobria meu surpreso
rosto. Retirou-os, deixando descoberta toda a minha marca púrpura.
Quando passou o pente pelo cabelo, a cor se dissipou, como uma
mancha tinta que foi pulverizada com cloro.
Agarrando o espelho, joguei-me para frente, e tirei o pente. A
marca reapareceu, encontrava-se brilhante. Passei o pente de novo, e se
desvaneceu no esquecimento mais uma vez.
Meus olhos procuraram violentamente os dela, pedindo
respostas.
— Shannon, Como...? Foi tudo o que pude dizer.
— Como sei? Perguntou ela em voz baixa. Um suave sorriso
cobriu seus lábios de cor vermelho rubi. Levantou suas mãos para seu
colar, envolvendo seus dedos ao redor da corrente, e puxou. Rompeu a
corrente, enquanto o pendente caía ao chão. A parte de pele por cima de
sua sobrancelha direita, a pele de porcelana que tinha sido perfeita,
agora continha uma raia azul brilhante.
Aturdida, senti que minha boca se abria.
— É um Martis? — Ela assentiu com a cabeça.
— Por estranho que pareça, sim. Foi meu presente de
aniversário número 17, também. Não tinha ideia do que estava
Página 49
acontecendo. De repente, não podia dormir bem, e logo quase nada.
Então, em meu aniversário, despertei com esta coisa sobre meu olho. —
Ela assinalou a sua marca azul — Assim — perguntou — Quem lhe
disse isso?
Um sorriso apareceu em meus lábios. Não podia acreditar na
minha boa sorte. Minha melhor amiga ia me ajudar a tratar disto.
— Meu companheiro de laboratório. Comecei a rir, rompendo a
tensão — Um Valefar me espreitava, e me atacou. Eric me salvou e me
trouxe para casa. Disse-me o que sou.
— Eric — Soprou Shannon. É provável que te desse uma lição de
história. Deixe-me te explicar o que omitiu. — Shannon recolheu seu
cabelo em um rabo-de-cavalo enquanto falava — Porque estou segura
de que omitiu coisas. Ivy, já não somos normais. Nem sequer somos
mortais. A marca nos troca. Não somos humanos, mas não somos
anjos, estamos em um ponto intermediário. O poder do anjo se mescla
com o sangue e, de repente, a gente tem mais poder do que pensou que
fosse possível. Podemos fazer coisas que nunca acreditaríamos possível.
Não precisamos dormir, somos mais fortes que qualquer ser humano,
podemos correr mais rápido que qualquer outro animal, e podemos ver
na escuridão, sem um pingo de luz. Alguns Martis são antigos, mas
muitos são jovens como você e eu. Seus olhos verdes se moveram dos
meus — Viveremos para sempre, se um Valefar não nos destruir.
Seus ombros pareciam rígidos, como se algo a estivesse fazendo
ficar tensa. Eu assumi que fosse a surpresa de saber que eu estava
marcada, também.
— Há mais? Mais Martis, além do Eric? — perguntei com
emoção. Talvez isto não fosse tão mau como eu pensava. Shannon
vacilou. Esse deveria ter sido meu sinal de que algo tinha trocado entre
nós, mas eu perdi isso.
— Sim, há mais. Cada um de nós tem uma peça de prata
celestial para mascarar nossa marca. Os Valefar têm algo que mascara
as suas também. Não sei o que é, mas sabemos que, a menos que se
Página 50
revelem, não podemos estar seguros de quem são. Ocultar nossas
marcas é uma questão de vida ou morte. — Seus olhos estavam abertos
sem pestanejar. Ela olhava fixamente enquanto sustentava suas mãos
tensamente em seu colo.
Perguntava-me se deveria contar-lhe, Eric me disse que não
dissesse a ninguém, mas ela já a viu. Não vendo o prejuízo, respondi-
lhe: — Eric me disse que a ocultasse. Não o diga a ninguém.
Suas sobrancelhas se arquearam.
— Ele a viu? Viu que era púrpura e não disse nada? Ele não fez
nada? Ela parecia ligeiramente surpreendida, e esperou uma resposta.
Algo trocou, embora eu não pudesse entender a razão. Duvidei.
— Era azul na primeira noite. Ele não a viu de cor púrpura. Eu a
havia disfarçado com maquiagem então, a marca trocou de cor depois
de que eu fui atacada. Minha marca mudou de cor. Talvez isso fosse o
que a incomodou? Por que lhe importaria?
Ela vacilou, mexendo na barra de seu suéter de grande
tamanho, olhava-me com uma expressão estranha. Seus dedos
alcançaram seu colar de prata, e o recolheu do chão. A peça de metal
desapareceu em seu punho.
— Já sabe. Riu — Nunca pensei que seria você. Nem em um
milhão de anos. — Rapidamente se levantou, passeando pela habitação,
sem me olhar.
Meu ritmo cardíaco se precipitou a um nível superior. Levantei-
me e lhe perguntei:
— O que quer dizer com que não pensou que seria eu? O que é o
que não está me dizendo? Meu estômago se retorceu. Quanto pior
poderia voltar-se? Eu já estava marcada, e alistada para lutar em uma
batalha da qual não queria ser parte, mas o olhar no rosto do Shannon
me preocupava. Algo andava mal. Muito mal.
Ela se deteve abruptamente, pressionando a prata
profundamente na palma de sua mão.
Página 51
— Ivy. Há uma profecia. É antiga. — Seus olhos se dirigiram à
pintura, e logo depois de novo para mim — É sobre você.
Nossos olhares se encontraram, e senti a garra da tensão em
meu estômago. Mas eu tinha que saber.
— Conte-me o Shannon.
— Supõe-se que é sobre alguém cruel. Alguém malicioso que é
mais sordidamente mau que eles... Mas, é você. Como isso, é você?
Sacudiu a cabeça, avançando para mim rapidamente. Seu punho
branco se abriu e pressionou o pendente de prata com sua marca. Uma
luz azul brilhou sobre o colar, e se apagou a seguir, enquanto o
pendente trocava de forma.
A pequena peça de metal fundido em sua mão transformou-se
numa pequena adaga de prata. Sem pestanejar, seus olhos verdes me
olhavam, enquanto ela sustentava a folha apontando diretamente para
mim.
Com o coração palpitando rapidamente, lancei-me longe dela,
surpreendida. Minhas costas bateram contra uma pilha de livros. Senti-
os balançar sob meu peso.
— Shannon, O que está fazendo? Chiei. A adaga de prata
brilhava sob as lâmpadas nuas. Não podia tirar meus olhos da lâmina
letal. A partir desse momento, tudo saiu mal. Minha melhor amiga
desapareceu e eu fiquei com esta garota louca. Tinha o aspecto de
Shannon, mas não agia como ela. Algo estava em conflito dentro dela,
causando erráticos movimentos bruscos da adaga. Podia vê-lo em seus
olhos. Meu coração pulsava com força, sem poder acreditar no que
estava acontecendo. A semelhança com a noite passada era incrível.
Não podia estar acontecendo. Eu a conhecia muito mais que ao Jake.
Ela não me faria mal. Não havia maneira. Meu estômago se revolveu,
fazendo me sentir doente. Minhas mãos tremiam enquanto as mantinha
no alto, com as palmas de frente para ela.
Moveu-se com rapidez. Seu rosto tenso, enquanto a adaga
flutuava perto de minha garganta, sem tocar minha pele. Aspirei,
Página 52
tratando de me afastar da lâmina. Meu corpo estava pressionado contra
a pilha de livros. Resisti à tentação de fazer retroceder ainda mais,
sabendo que tudo viria abaixo. Gritei:
— Shannon. Que demônios está fazendo?
Ela parecia perdida, ali de pé, incapaz de mover-se. Seus lábios
apertados em uma fina linha. Seus olhos estavam frágeis, mas a folha
não se movia. Sua voz era débil, como se desculpando.
— Nos ordenaram destruir à Profetizada. Tenho que fazê-lo.
Sacudiu a cabeça — Eu não posso te salvar. Lágrimas sulcavam seu
rosto.
— Me salvar do que? Shannon está me assustando. Baixe a faca.
Meus músculos estavam muito tensos. Minha pele sentia como se eu
fosse explodir.
Seu olhar sem pestanejar era inabalável. A única pista que
revelava que estava em conflito eram as lágrimas correndo por seu
rosto. Sua voz era suave:
— Disseram-nos que a matasse, antes que aprendesse o que era.
Antes que pudesse cumprir a profecia.
— Tem que haver algum engano. Shannon sou eu! Você me
conhece. Meus olhos se precipitaram pela habitação, procurando uma
saída. Empurrei-me para trás contra os livros que formavam uma
parede atrás de mim.
Shannon estava parada ali, congelada, com seus olhos movendo-
se entre meu rosto e sua adaga. Falou tão baixo que quase não pude
ouvi-la. — Se eu pudesse te salvar, faria. Mas não posso. Ninguém pode
te salvar.
— Shannon, você está equivocada. Não sei do que está falando.
Por que me matariam? Não tem que me salvar. Continuo sendo eu.
Mantendo meu corpo rígido, tratei de permanecer completamente
imóvel. Seu braço se sacudiu, e a adaga de frio metal tocou minha pele.
Não pude suportá-lo mais. Algo se rompeu dentro de mim. Eu não era
uma lutadora, mas não iriam me matar no andar da cobertura de uma
Página 53
igreja. Obrigando a pôr minhas mãos em seus ombros rapidamente,
fechei os olhos, e a empurrei. Todo meu corpo se pressionava para trás,
para a torre de livros, precariamente empilhados detrás de mim. A pilha
não suportou. A seção central deslizou para trás, formando um buraco
que me envolveu, antes que o resto da parede dos livros se derrubasse
adiante. Os livros se desabaram do alto, golpeando as prateleiras dos
arredores. No momento em que meu traseiro bateu contra o chão, os
livros choviam por toda parte. Aí foi quando notei: o som de metal
batendo no chão de madeira. Sua adaga caiu. O pulso se acelerou em
meus ouvidos, empurrei os livros de cima de mim, e me levantei. Não
havia um lugar vazio no chão, mas eu a vi. Arrastei-me sobre um
obstáculo, rastejando como um caranguejo, me precipitando através da
incerteza, por sua adaga.
Shannon estava já de pé, tratando de chegar a sua adaga.
Estava fora de seu alcance. Tinha que chegar primeiro. Saltei,
chocando-me contra o chão de madeira, e tomei sua adaga. Sem
pensar, corri para a janela da cobertura e a lancei ao ar. A seguir caiu
no chão, apunhalando a grama.
— Não! Shannon se equilibrou sobre mim, mas tropeçou, e caiu
ao chão. — Que diabos esta pensando? Gritei. Estava sentada a meus
pés com lágrimas em seu rosto — Por que querem me matar? Por que
você...? A exasperação alcançou minha voz, e não pude terminar a
frase. Paralisei no chão de madeira diante dela, gritando: — Diga-me o
que está acontecendo! Diga-me isso agora mesmo!
— Não posso fazê-lo! Não posso! — balbuciou ela, balançando-
se, sem me olhar. Estava completamente atormentada.
Esta traição foi mais do que podia suportar. Ela sempre estava
em minhas costas, e eu às suas. Tremendo, tratei de controlar minha
ira. Minha voz saiu de meu corpo, rouca em um tom monótono:
— Se minha amizade te importou alguma vez, é melhor que
deixe de se passar por boba e me diga isso agora. — Meus olhos
Página 54
estavam fazendo um buraco em sua cara. Meus punhos fechados com
força em seus ombros.
— Ivy me importo com você. O que te acontecer é insuportável.
Limpou os olhos, enquanto sua voz tomou o tom de alguém muito
dolorido para falar. — A profecia diz isto: Marca púrpura sobre sua
fronte, brandamente conquista os vermelhos como são agora, ou eles
sucumbirão, devorará a líder, e se elevará como um. Ela ficou sentada
em silêncio, passando suas mãos por sua cara. — Todo mundo pensa
que significa que a garota com a marca de cor púrpura é a que anuncia
o ataque maciço do mal no mundo. Você é a garota com a marca de cor
púrpura, Ivy. É você! — Seus olhos esmeraldas me olharam fixamente,
sem pestanejar.
Sacudindo a cabeça, continuei:
— Não sou eu. Olhe-me Shann! Não sou má. Não me importa o
que diga a profecia. Não sou um Valefar. Não sou má. Você sabe isso.
Por que não pode ser outra pessoa? — Com minhas mãos rígidas em
minha cabeça, separei-me dela.
Sua voz era suave:
— Não há ninguém mais com uma marca de cor púrpura. Não
houve ninguém nunca. É possível que tenha começado azul, mas já não
o é agora. Não tenho ideia de como aconteceu. Só sei que a pintura
mostra a profecia da garota com a marca de cor púrpura. Ela é você.
Você é ela. De algum jeito aconteceu. De algum jeito te converte em má.
— Não acontecerá! Gritei as palavras com desprezo, irritada de
que ela não acreditasse em mim.
Olhei-a. Seus olhos eram enormes, e estavam cheios de dor. Ela
sacudiu sua cabeça para a lona.
— Vê o tipo da pintura?
— Sim. Disse olhando-o — O que acontece a ele?
—Também tem uma marca de cor púrpura, mas a sua é uma
cicatriz. Vê sua pele danificada? — assenti. E continuou — Ele era um
Página 55
beijo do demônio, é um Valefar. Ele vai te levar para baixo, para te
converter em um deles. Vê suas mãos? Tenta atirá-las para cima. Trata
de salvá-lo. E então, falhará Ivy. Se falhar, se converterá em um deles.
E destruirá a todos nós: os Martis, o mundo, tudo e a todos. Ivy é o
indício. O cavalo de Tróia. O final de tudo. Isso é você, Ivy! Seus futuros
estão entrelaçados. Se ele ganhar, você perde.
Traguei fortemente, não querendo acreditar em nada do que
estava dizendo. — Por que deveria estar envolvida com um deles? Eles
tratavam de me matar. Shannon tentou falar, mas a interrompi,
caminhando para ela. — Shannon, eu não sou um deles. Nunca vou ser
um deles. — Detive-me ante ela, olhando-a nos olhos. — Acredite em
mim. Foi minha melhor amiga por dezessete anos. Tem que acreditar.
A voz do Shannon foi tensa.
— Quero fazê-lo. Mas não funciona assim. Uma profecia é uma
visão do futuro. Este futuro é mau. E é por sua culpa. — Seus olhos
revelaram a tristeza que consumia sua alma. — Ivy, Quem é ele?
Sentindo o conflito de lealdade de Shannon trocando a meu
favor, olhei fixamente a pintura de novo, olhando sua cara. Sentia como
se o conhecesse, mas eu não podia estar segura.
Neguei com a cabeça.
— Não sei.
— Não posso te destruir. Simplesmente não posso. Mas não
posso mentir. Os Martis não podem mentir, assim se alguém me
perguntar, teremos um problema. Mas eles não deveriam porque eu não
sou a Buscadora, mas ainda assim. Não, não deveriam me perguntar.
Entretanto, ocultá-la vai ser difícil. Vou me assegurar de que não tenha
nada que ver com esse tipo. Proteger-te-ei. Não acontecerá. Não pode
acontecer. — Soou como se estivesse falando e tratando de convencer-
se a si mesma, e não a mim.
Prendi-me a uma palavra:
— O que é uma Buscadora?
Página 56
Seus olhos verdes cheios de cansaço piscaram para meu rosto.
— A Buscadora esteve te procurando. Seu trabalho consiste em
averiguar quando foi criada, o segundo em que as marcas definitivas se
formem em sua cabeça e lhe destruam.
Duvidei segura de que nossa amizade era frágil. Eu não podia
confiar mais nela, nem sequer se ela me perdoasse. Meu estômago se
esticou. — Assim... — insegura, olhando-a fixamente — Não vai me
matar? Mas há alguém me buscando que o fará?
Assentindo com a cabeça, seus olhos verdes ficaram fixos em
mim. — Sim. E Ivy... Eric te matará, se o disser.
Eu respondi: — Então, não o direi.
— Ivy – vacilou — não é tão singelo. Estamos obrigados a certos
atos. Alguns de nós não podemos resistir. Destruir o mal é inato, um
reflexo. Não posso te matar, porque eu sei quem é e que não está
maldita agora. Fomos amigas há dezessete anos. Conheço-te.
Entretanto, Eric não duvidará. Se algo for mau, e ver que a marca é de
cor púrpura, confirmará que é parte da profecia... Ele não te deixará
caminhar. E não se deterá de caçar até que esteja morta.
Com toda a segurança disse:
— Ele não o averiguará. — Ela começou a objetar, mas a
interrompi — Ele não o averiguará. Mas, O que tem você? Caçara-me?
Se não houvesse jogado sua faca pela janela, não teria se detido,
verdade?
Shannon me olhou, dando um passo adiante, e disse:
— Eu não necessito da adaga para te matar. — A tensão atou
meus músculos, enquanto ficamos paradas como estátuas, nariz contra
nariz. Finalmente, ela respirou, e continuou: — Não está maldita. Você
não é a garota da profecia. Ainda não. Talvez possamos evitá-lo. E não
vou me dar por vencida contigo até que não veja motivo para fazê-lo. —
Deu um passo atrás e se voltou. A velada ameaça estava ali. Ela me
destruiria quando pensasse que não havia esperança.
Página 57
— Eu não sou ela. — disse, desdobrando os braços, e apontando
à pintura.
Ela caminhou para mim com os braços cruzados, em frente, alta
e magra.
— Converter-se-á nela. A profecia diz que ele os empurrará aos
mais profundos abismos do inferno com ele. Servirão-te os demônios e
os monstros durante toda a eternidade. Os filmes de horror que você e
eu estávamos acostumados a ver no cinema empalidecem em
comparação com esse lugar. — Assinalou com o dedo à parte mais
escura da pintura. — Ivy, se esse tipo chegar a ti, trocará. Algo dentro
de ti se romperá, e você quererá estar ali. No inferno. Para estar com
ele. E não vou poder fazer nada para te ajudar. Todos os Martis se
armarão para te destruir, antes que você destrua tudo.
— Eu nunca trairia meus amigos por um cara. Eu nunca
deixaria que o mundo fosse ao inferno por um homem. Não terá que me
ajudar, porque não acontecerá.
Página 58
Capitulo 8
A comoção mental estava golpeando os lados de minha cabeça,
me dando dor, enquanto olhava fixamente o teto do meu quarto. Estava
de merda até o pescoço e não sabia como sair. Negá-lo, em realidade,
não estava funcionando. Poderia dizer que tudo isto não aconteceu, mas
não mudaria nada. Ainda seria caçada. Quanto mais pensava nisso,
mais zangada me sentia. Empurrei meu travesseiro sobre meu rosto e
gritei. Quando o ar escapou de meus pulmões, minha ira se apagou um
pouco. Apoiei o travesseiro sobre meu ventre, com o olhar perdido. Não
tinha outra opção, exceto aceitar tudo o que me impôs, e tratar de fazer
algo disso. A parte que mais me incomodava não era a Buscadora atrás
de mim no meio da noite, era que pensassem que eu era má.
Ter alguém me chamando de ruim na minha cara era estranho;
já que eu não sou. Mas me fazia perguntar se em algum nível, estava
certo. Talvez esse fosse o lugar onde me dirigia. Fazia algumas coisas
idiotas no último ano, mas não haveriam dito que nada disso era mal.
Desfrutei de festas, bebi e me joguei em cima de qualquer menino. A
maioria dos adolescentes também o fazia de todos os modos. Não era
bom, mas não acredito que me desse um Passe Rápido ao inferno
tampouco.
Necessitava algo. Parecia muito com um sonho para ser real. Se
tivesse algo para tocar e sustentar, não se sentiria tão malditamente
estranho. O plano se formou em minha mente sem muito pensamento
consciente. E esperei.
Ao cair da noite, senti-me um pouco melhor. Minha mãe me deu
bolo de aniversário e apaguei minhas dezessete velas. O ano que vem
Página 59
haveria uma vela mais, mas eu ainda estaria nos dezessete anos. Teria
dezessete anos quando eu tivesse setenta. Como se supõe que ocultaria
isso? Teria que lutar com isso mais tarde.
Manter-me com vida era mais urgente neste momento. Era
estranho, mas não tinha ideia do muito que queria viver, até que Jake
tratou de me matar. Estava contente de que ainda estivesse aqui para
soprar as velas. Depois de muito bolo, joguei-me sobre minha cama
esquecendo a delicada caixa que ainda estava ali. Ricocheteou na cama
e se estrelou contra o chão.
Dava a volta para agarrá-la, mas a madeira não sobreviveu ao
impacto. Estava recostada no chão, quebrada. Fechei os olhos,
piscando para afastar as lágrimas. Meus dedos recolheram a caixa, e a
sustentei com delicadeza em minhas mãos, tratando de arrumá-la. Não
é que estivesse em mal estado. Meus dedos passaram através da
abertura na parte inferior do quadro. Tirei a almofadinha para ver quão
danificada estava, mas o interior da caixa não estava quebrado. Quando
a virei, o fundo exterior da caixa estava quebrado. Pressionei minha
unha no espaço para confirmar o que viam meus olhos, imediatamente
me arrependi. A caixa se deslizou fora de minhas mãos.
— OH, não. Não. Pressionei as peças juntas, mas já era muito
tarde. Elas estavam divididas exatamente pela metade. Suspirando
pesadamente, senti as lágrimas brotando. Arruinei o último presente
que Apryl me deu.
Deixei cair a metade da caixa quebrada na cama, para limpar
uma lágrima dos meus olhos quando a vi. Uma corrente negra se
deslizou para fora da parte inferior. Enlaçando a corrente ao redor de
meus dedos, tirei-a. Era um colar com um pendente pequeno, do
tamanho de uma moeda. Era um disco de pedra sólido de cor negra que
tinha incrustados duas peônias de marfim. Sustentei-o em minha mão,
olhando-o, me perguntando se Apryl sabia que estava na caixa. Abri o
fecho e pendurei-a ao redor do pescoço. O pendente ficou suspenso no
oco de minha garganta, exatamente onde teria levado uma gargantilha.
Página 60
Meus dedos se deslizaram pelo marfim áspero. Romper a caixa
não parecia tão amargo agora. Encontrei um tesouro escondido. E
harmonizava tudo. Não era muito elegante nem muito singelo. Poderia
usá-lo todo o tempo. Manuseei o disco frio em meus dedos me
perguntando por que estava oculto na parte inferior da caixa.
Não estava cansada quando fui dormir essa noite. O sonho era
algo que já não necessitava mais. Fiquei sentada na borda puída de
minha manta, esperando. Mamãe tinha que estar dormindo. Assim
esperei, movendo nervosamente meu pé sem descanso até que os sons
do silêncio se ecoaram por toda a casa. Sacudindo meu corpo em
posição vertical, caminhei para minha penteadeira. Olhando no espelho,
percorri minhas bochechas com meus finos dedos. Ainda parecia
comigo, e essa marca púrpura ainda estava ali, delicadamente escondo
com uma grande quantidade de cachos. A marca estava trocando,
voltando-se cada vez mais elaborada. Trocou minha vida mais rápida e
mais forte que qualquer outra coisa que já tenha encontrado. Perguntei-
me se sobreviveria.
Rapidamente, bati nas bochechas e recolhi o meu cabelo em um
rabo de cavalo firme. Apunhalei-o com meu pente de prata para ocultar
minha marca. Então me lancei pela janela, para o ar da noite. Minhas
sapatilhas golpearam o pavimento em golpes rápidos. Não era
corredora. Nem sequer caminhava, se podia evitá-lo. Mas essa noite, eu
corri o mais rápido e por mais tempo que nunca. Corri até que meus
pulmões queimaram desejando ar.
Detive-me. Minha igreja estava assentada, banhada na
escuridão, diante de mim. Atravessei o estacionamento vazio. O manto
das árvores rangia, enquanto caminhava sob seus enormes ramos.
Colocando a chave na fechadura, girei-a uma vez, e abri a porta. Meus
pés atravessaram corredores escuros, indo diretamente ao andar da
cobertura. Encontrei o marco coberto com um lençol, que tinha deixado
antes.
Página 61
Agarrei-o e comecei a tirar os grampos metálicos da estrutura de
madeira. Estava destruindo uma obra de arte. Genial. Mas tinha que
tomá-lo. Tinha que ver no que me convertia e como o fazia. A pintura
tinha que dizer mais do que parecia. Era meu único vínculo com a
pessoa em que me converteria. A pessoa que não queria ser. O tecido se
soltou, e o enrolei silenciosamente. Voltando para a manta, coloquei o
marco vazio de volta no rincão poeirento. A pintura se enrolou até o
tamanho de um tubo de toalha de papel. Meti-o em minha jaqueta, e saí
do edifício. Ninguém me viu.
Deslizando de volta na noite, meu rabo-de-cavalo se agitava,
enquanto corria. Meus pulmões queimavam, enquanto que meus pés
golpeavam o chão sem saber aonde ia. Não me importava. O vento da
noite glacial me açoitava a cara até que minha carne queimou. Mas não
podia parar. Minha preocupação se derramou fora de meus membros, e
a energia nervosa me levou mais longe e mais longe de casa. Enquanto
corria os altos edifícios se faziam menores, e as árvores se faziam mais
finas. Logo só a grama nua das fazendas me rodeava.
Quando não pude obrigar meu corpo a dar um passo mais,
detive-me bruscamente. Dobrei-me para diante, e meu rosto girou para
os lados respirando com dificuldade. Um edifício escuro e enorme
estava em pé, na distância. Coloquei minhas mãos em meus joelhos,
respirando. Minha camisa empapada de suor se pegava a meu corpo.
Recompus-me, reconhecendo a silhueta de uma igreja estendendo-se
diante de mim. A grama morta rangia sob meus pés, enquanto
caminhava para o decrépito edifício. As magníficas ruínas me
chamavam. Falavam-me silenciosamente, deixando abandonadas
esperanças e promessas.
Uma torre se estendia para o céu escuro, e estava sujeito por um
edifício de pedra que estava em ruínas. Parecia que era uma versão do
tamanho de capela de uma das velhas catedrais europeias. Do tipo com
grandes arcos que se estendiam para o espaço com pedras, ancorados
em seu lugar, com ângulos que desafiavam a gravidade. As portas eram
Página 62
feitas de madeira maciça esculpidas com ferragens decorativas e cabos
nas portas. O edifício estava solitário, envolto em silêncio e sombras. A
inquietação me atormentava. Olhei ao redor, sem saber onde estava. E
estava sozinha, a menos que contasse o cemitério. Minhas mãos
empurraram contra a porta de madeira, esperando encontrar
resistência, mas cedeu ao peso de meu tato. Entrei no edifício, e saí da
luz da lua. O interior estava escuro, mas ainda podia ver com minha
visão Martis. Entretanto, as comodidades da luz solar, como o fato de
que conseguia afugentar estranhos, estavam desaparecidas. Retorci
minhas mãos, e caminhei para dentro. Passei por uma entrada
pequena, e uns bancos perfeitamente alinhados cobertos por uma
grossa capa de pó branco. Meus pés pressionavam brandamente a
pedra. O som de minhas pegadas rompia o silêncio. A vidraça que
brilhava na luz da lua não estava intacta.
Cristais quebrados revelavam estrelas, enquanto a frescura do
ar noturno se filtrava através das aberturas. Não sei se eu adorava
porque estava abandonado, ou porque alguma vez tinha sido formoso e
agora estava quebrado.
Quando cheguei à parte dianteira da igreja, detive-me. O
crucifixo se foi. O material do altar se foi. Tudo o que não estava
agarrado ao chão, como os bancos de igreja, foi-se. Uma grande roseta
pendurava em cima do altar. Tinha mais cores que um caleidoscópio.
Sentei-me e cruzei as pernas debaixo de mim, meu olhar fixo na janela
redonda. O ar estava calmo. Estava sentada sozinha, no espaço
sagrado, me sentindo perdida e necessitada. A derrota estava me
superando. Deixei-me cair para frente.
O tecido enrolado me golpeou o peito.
Colocando a mão na jaqueta, tirei o tecido. Desabotoei minha
jaqueta, afastando-a de meu corpo empapado de suor, e a atirei ao
chão. O frio no ar da noite me fez sentir melhor. Desesperadamente,
desejei poder controlar esta confusão, meus dedos desenrolaram a
pintura no chão. O tecido era pequeno. Era muito mais manejável
Página 63
despojado das tiras. O pensamento de que o tinha roubado de uma
igreja, bom, isso não tinha me ocorrido ainda. Sentia-me como se
tivesse um direito sobre este quadro: necessitava-o. Vivia ou morria
pelo que ocorresse nesta coisa. Tratava-se de mim, e eu tinha que saber
que razão tinha de estar na pintura: o ponto onde tudo saiu mal.
Meus dedos se deslizaram através do óleo, enquanto estudava as
caras. Os seres humanos pareciam pacíficos e felizes. Nenhuma das
caras resultou-me conhecida. Todas elas eram estranhas, levando
roupas não reconhecíveis de todos os tempos. Meus olhos se deslizaram
sobre a que me descrevia. A angústia encheu minha cara. A garota da
pintura parecia sentir-se da mesma maneira em que me sentia.
Confundida. Perdida. Sozinha.
Seus dedos estavam entrelaçados com força com os do moço. Ele
cairia, se o deixava ir. Não o deixaria ir. Não deixaria que simplesmente
morresse, segurando a pintura, falei a mim mesma:
— Como isso me faz má? Não entendia. Sustentei o tecido mais
perto, sacudindo a cabeça. Na borda da pintura, havia pequenas
marcas em tinta dourada. A moldura havia escondido estes antes,
assim não pude vê-los. Olhei-os, com a esperança de dar sentido a
seus pequenos patrões intrincados, mas isso é tudo o que era: um
patrão. Algo que se veria bonito em lugar de um marco.
O desespero se apoderou de mim, enchendo minhas veias.
Derramou-se em minha boca em um grito tosco. Aferrei meu rosto com
minhas mãos, sem saber o que fazer. Não havia nada ali. Não havia
pistas sobre como me converteria neste monstro sinistro. Quando o
olhei de novo, tinha a esperança de que tivesse uma revelação ou algo
assim. Mas não tive.
Nada. Não havia nada mais ali. Meus olhos escanearam a
pintura em busca de símbolos, de esperança, direção, ou algo que me
ajudasse. Mas não havia nada. Teria que averiguá-lo por minha conta.
Sozinha.
Página 64
Traços com pincel estavam pintados, cortando os escarpados
negros, formando pequenos atalhos. Todos os caminhos aparentemente
levavam a nenhuma parte. Não é de se admirar que todas estas pessoas
estivessem presas no penhasco. Não havia maneira de sair. Isso resume
minha nova vida. Não havia maneira de sair. Era o único inseto
estranho com uma marca púrpura por aí. Até que arruíne tudo, e jogue
o cara neste penhasco. Talvez assim fosse como me convertia em má?
Talvez não fosse que eu tratasse de salvá-lo, mas sim como não o salvei.
Deixar morrer, se podia evitá-lo, não era algo que eu faria. Nunca.
Baixei a cabeça em minhas mãos.
Apenas podia sobreviver a minha vida normal, e agora isto se
lançava contra mim. Meus dedos se deslizaram sobre a pintura. Lisa
sob minha pele. Este era meu futuro, tanto se o aceitasse ou não.
— Foda disse para mim mesma. Estava um pouco
surpreendida pela palavra, inclusive à medida que saía de minha boca.
Uma voz falou detrás de mim.
— Nunca te ouvi dizer isso antes.
Página 65
Capitulo 9
Meus dedos se lançaram para meu rosto limpando as manchas
de lágrimas. Não se aproximou de mim. Permaneceu onde estava atrás
de mim, nas sombras mais profundas.
— Collin — disse em voz baixa, sem me girar para olhá-lo,
sabendo que me escutava. Minha camisa molhada colava em meu
corpo. Quis tirar a jaqueta, mas a pintura estava oculta debaixo, e não
queria admitir que a roubara. De uma igreja. OH, Deus. O que estava
fazendo? Antes de lhe dar outro pensamento os pelos em meu pescoço
se arrepiaram. Meu estômago se revolveu em resposta, sentindo como
se tivesse comido um sanduíche de vidro. Algo não estava bem.
Girando, meus olhos atravessaram a escuridão, procurando ver
o que me inquietava. Era Collin. As sombras não podiam ocultar a
ansiedade em seu corpo. Sua postura era rígida, sua tensão ecoava à
minha. Seus braços estavam cruzados sobre seu peito, e seus músculos
flexionados, pressionando fortemente seus braços contra seu corpo. Seu
cabelo se estendia sobre seus olhos, e parecia estar úmido, como o
meu.
Correu até aqui? Olhei seu peito subir e baixar lentamente,
enquanto dava profundas respirações. Só era Collin.
Desprezei o pensamento, pensando que meu cérebro estava frito
e muito paranoico para distinguir o perigo da loucura. Não ia afastar a
todos meus amigos devido ao Jake. A traição doía, mas não deixaria
que me fizesse temer a todos. E este era o típico, misterioso Collin.
Aparecendo quando eu estava uma ruína, como sempre o fazia.
Página 66
Separando nossos olhares, voltei meu rosto para baixo, e olhei
fixamente o chão. E bem a tempo, também. As lágrimas brotaram de
meus olhos e transbordaram. Odiava chorar na frente de outras
pessoas, mas logo depois de tudo o que eu tinha passado meu cérebro
finalmente se enredou com meu coração. Traição, medo, amor, luxúria,
e ódio, todos formando redemoinhos amargamente.
Não escutei aproximar-se. Collin se sentou junto a mim, sem
dizer uma palavra até que as lágrimas diminuíram. Finalmente, colocou
sua mão no bolso e logo a colocou sobre meu colo. Quando levantei a
vista para olhá-lo, abriu sua palma. Um anel de prata com uma pedra
vermelha sangue brilhava para mim. Pressionou-o em minha mão. — O
que é? — Solucei.
— Seu presente. — antes que pudesse protestar disse: — Não
vou recebê-lo se me devolver isso. É para você. Pensei que podia usá-lo
hoje. É um rubi em ouro branco. Escutei que expulsarão a dor de sua
alma. Possivelmente seja um conto de velhas, mas de todos os modos,
pensei que podia usá-lo hoje. — Sorriu-me fracamente, sabendo que
estava pisando em território perigoso.
Deslizei o anel em meu dedo indicador e o olhei me perguntando
se ele o teria feito.
— Não me sinto diferente.
Sorriu. — Possivelmente demore mais que dois segundos. —
aproximou-se mais.
Consciente de sua proximidade e meu corpo coberto de suor,
senti-me incômoda. Deveria ter me reconfortado que sua pele estivesse
suada também, mas ele cheirava bem, e eu fedia. Fiquei de pé, e
sustentei o anel na luz da lua. Os rubis podiam realmente absorver a
dor? Levei minha mão até o pingente de Apryl sem pensá-lo. Se
pudesse, inclusive um pouco, iria usá-lo.
Dava a volta esperando encontrar Collin no chão, mas estava
parado atrás de mim. Ao calcular mal a distância entre nós, tinha
alinhado meu corpo muito perto do dele. Respirei fundo, assustada.
Página 67
Quando elevei o olhar, estávamos nariz com nariz, quase nos tocando,
mas nenhum dos dois se moveu. Ficamos olhando fixamente, nossos
olhares travados. Algo se moveu dentro de mim. A sensação fez que
meus braços se sentissem leves, como se pudessem elevar-se flutuando
por vontade própria até cair ao redor do pescoço de Collin. Envolver
meus dedos em seu suave cabelo seria tão fácil, mas meus braços
permaneceram em seus ombros.
Uma imagem apagada atravessou minha mente. Senti mais
como uma velha lembrança, apagada e nebulosa pelo tempo. O eco de
uns dedos tocando a pele, deslizando-se lentamente sobre a suave
bochecha. A sensação raspou meu estômago brandamente, fazendo com
que meu coração pulsasse mais rápido. Sua cálida respiração acariciou
minha pele, enquanto nos encontrávamos rodeados pelo vidro
destroçado. Minha dor se derreteu, fluindo fora de mim, levando junto
com isso minha irritação e tristeza. Nada tinha ficado exceto eu. E ele.
O calor se disparou através de mim, me obrigando a respirar
profundamente em uma resposta inesperada. Os dedos de Collin se
aproximaram de minha cara. A esperança me encheu, desejando que
acontecesse o que acabava de ver em minha mente. Fiquei ali, olhando-
o nos olhos, com muito medo de inclusive respirar. Meus lábios se
separaram, como se respirasse superficialmente, fechando os olhos e
lentamente abrindo-os de novo. A compreensão de querer que a
premonição acontecesse me consumiu. Nunca havia me sentido assim
antes. Havia tanta emoção conectada a um pensamento, e a sua
presença. A mão dele baixou, aproximando-se de meu rosto. E ficou
imóvel no ar, quase me tocando. As mariposas infestaram meu
estômago, enquanto a expectativa se apoderava de mim. Entretanto,
quando se moveu novamente, seus dedos tocaram somente um cacho,
evitando minha pele. Esperei que deslizasse sua mão por minha
bochecha. Esperei a sensação sobre minha pele. Em seu lugar, colocou
o cacho perdido detrás de minha orelha, e retirou sua mão. A decepção
me encheu, enquanto nossos olhares se separavam. A magia do
Página 68
momento se destroçou, e ele retrocedeu um passo. O que foi isso? Meu
corpo estremeceu, enquanto me dirigia para longe dele, dando alguns
passos. Envolvi meus braços ao redor de meu corpo, olhando-o sobre
meu ombro. Seu olhar fixo em todos os lados, menos em mim.
Raramente nos olhamos fixamente nos olhos. Nunca havíamos nos
tocado. E era por este tipo de razão que não acontecia. Sentia-me como
em um jogo mental, mas não queria admitir que fora mais do que isso.
Minha voz saiu áspera: — Por que veio aqui, Collin? — Nem
sequer o olhei.
— Chamou-me — disse brandamente — Tive que vir. — deu a
volta, sem saber o que fazer. Meus nervos se esticaram ante sua
inesperada resposta. Algo estava me incomodando, mas não sabia o que
era. Eu gostava que aparecesse quando estava necessitada de alguém,
mas nunca soube como o fazia. Ou como me encontrava. Ou por que
não me tocava quando me encontrava destroçada. A maioria dos meus
amigos ao pior ofereceria um abraço. Mas ele não. Sentia que era
intencional, como se evitasse me tocar a toda custo. De repente, a ideia
resultou intolerável. A irritação cresceu incontrolável em meu interior.
Sem saber como responder simplesmente apontei: — Não te chamei.
Collin guardou silêncio por alguns minutos. Pareceu inseguro
de si mesmo, o que era estranho de sua parte. Pude escutar sua
respiração, lenta e deliberada. Fez uma falsa menção de falar, e logo
disse:
— Deveria voltar para casa, Ivy. Não saia sozinha. Não é seguro.
— Lentamente, deu a volta para partir.
Não me movi. Olhando sem nenhuma expressão, as lágrimas
correndo por minhas bochechas, e um sussurro saiu de minha boca.
— Nada é seguro. Não mais.
Collin parou e deu a volta, me olhando. Seus lábios se
separaram, como se quisesse dizer algo, mas não o fez.
Senti-me derrotada, parada frente a ele, completamente exposta.
A crueldade disso cresceu em mim, fazendo que meu estômago se
Página 69
revirasse. Meu olhar evitou seus olhos. O ar ficou espesso, e nós dois,
ali de pé como se tivéssemos feito algo de ruim, embora não tivéssemos
feito nada. Não podia mais suportá-lo.
Quis lhe perguntar, por que não me toca? Mas escutei a minha
voz perguntar: — Como me encontrou?
Seus olhos azuis sustentaram meu olhar fixamente. Seus lábios
se separaram, enquanto eu esperava as palavras. Entretanto, quão
único pude escutar foi sua respiração escapando de seu corpo. Rompeu
o contato de nossos olhares e passou seus dedos por entre seu cabelo,
para longe do seu rosto. Sua pele era suave e perfeita. Nenhuma
cicatriz. Mas, os Valefar a ocultavam igual a minha marca, oculta neste
mesmo instante. O choque me alagou quando me dava conta do que
estava pensando. Realmente não confiava nele? Não, eu estava
paranoica. Podia confiar em Collin.
Deu um passo para mim, mas não tão perto esta vez. Cruzou os
braços, sustentando-os frouxamente contra seu peito. Sua voz era
suave: Ivy, chamou-me. Fez-me vir. Não sei exatamente como sei
onde está, mas sei. É como se seu espírito me chamasse e não pudesse
ignorá-lo. — Meu olhar se fixou em sua boca à medida que falava —
Não tem importância onde me encontre ou o que esteja fazendo, ou com
quem esteja… Quando te escuto fez uma pausa — quando escuto
sua angústia… Não posso ignorá-lo. É como a canção de uma sereia.
Não posso resistir, Ivy. Tenho que vir a ti.
Suas palavras penetraram minha mente, se infiltravam em
lugares escuros que estavam voltando-se maiores e desconfiados.
Minha pele pinicava, enquanto meu coração pulsava acelerado. Pude
sentir seus olhos sobre mim, esperando que o olhasse outra vez. Mas
não sabia o que fazer. A desesperada sensação de querer saber, sem
dúvida nenhuma, se ele era normal me afogava. Não soube que loucura
me levou a fazê-lo, mas o fiz. Dando um passo para ele, fechei a brecha
entre nós.
Elevando meus olhos a seu rosto, disse: — Beije-me, Collin.
Página 70
A vulnerabilidade e a dúvida se alinharam em meus
pensamentos. Havia uma maneira de prová-lo, um beijo. Se me
beijasse, saberia se era normal. Somente Collin. Se não o fazia, então
ele era algo mais. O medo e a desconfiança estavam lutando com a
lealdade que sentia com ele. Tinha que saber. Esta era a maneira mais
fácil de averiguar. O rosto de Collin vacilou. Sua postura segura
derreteu, enquanto fisicamente se afastava de mim, levantando suas
mãos, para que eu pudesse ver sua palmas.
— Ivy. Isso não é… uma boa ideia.
Com os olhos fixos, dei um passo para ele, vendo sua fachada de
confiança desaparecer. Pude sentir o pulsar de meu coração
profundamente em meu interior. Isto me diria se era normal.
Necessitava que Collin fosse. Nada mais. Querido Deus, nada mais.
— Uma vez quis. Sei que quis.
Collin deslizou seus pés para trás, aumentando a distância entre
nós, mas seus olhos não abandonaram os meus.
— Ivy, agora não é um bom momento. Não posso tomar
vantagem de ti quando está neste estado. — Seu pé se deslizou outro
passo para trás.
Meu olhar ficou fixo em seus olhos azuis sem pestanejar. Minha
voz sussurrou: — Só um beijo.
Dei outro passo para ele, fechando o espaço entre nós.
Elevou suas mãos no símbolo universal para deter-se. Não nos
tocávamos. Rompeu meu olhar e olhou para outro lado.
— Não posso Ivy. Não me sinto dessa maneira. Sinto muito. — A
resposta a minha pergunta, estava olhando fixamente para mim. Ele
não era normal. Só que eu não queria admiti-lo. Ainda não.
— Collin — perguntei com suavidade — O que é você?
Seu olhar azul se aumentou, enquanto passava seus dedos entre
seus cabelos.
— O que quer dizer com isso? — Soou ofendido e começou a
afastar-se. Sacudi minha cabeça.
Página 71
— Sabe o quero dizer. Não me toca. Jamais. Por que não? Sei
que gosta de mim, mas não me beijará. Pensei que era eu que nunca
lhe permitia isso. Todo este tempo, pensei que você respeitava minha
distância. Mas não é isso, não é mesmo? — Meu coração se acelerou
dentro do meu peito. Não podia digerir outra traição, e não vindo de sua
parte. Só me diga Collin.
Sorrindo dessa forma juvenil tão sua, Collin começou a dizer: —
Ivy, isso é loucura. Estamos sozinhos… Mas não o deixei terminar.
Alcançando seu pescoço, enlacei meus dedos em seu cabelo, puxando
ele para mim. O corpo de Collin se afrouxou em meus braços, quando o
senti pressionar-se contra mim. Senti-me excelente, até que minhas
mãos se deslizaram, e toquei sua pele. Uma quebra de onda
calidamente fria estalou em mim, viajando através de minha mão, e
entrando em meu corpo como um gigantesco golpe de eletricidade
estática. Ambos nos sacudimos, rompendo o contato.
A comoção estava gravada em meu rosto, enquanto olhava a
minha mão tremente, e logo depois de volta a Collin.
Sua voz era tensa: — Que demônios foi isso? — Sacudindo sua
cabeça, com os olhos bem abertos, continuou movendo-se mais longe
de mim — Isso foi muito. Não posso ser o que necessita. Ivy, não sou
esse cara. Não o sou. — Deu a volta afastando-se de mim, caminhando
em largos passos, desaparecendo além das portas no fundo da igreja e
na noite.
O pavor me encheu enquanto agarrava minha jaqueta,
tampando a pintura sob meu outro braço e correndo em direção oposta.
Corri para a parte traseira da igreja, e subi uma escada pouco
iluminada. Atravessando a primeira porta que encontrei, deslizei no
quarto, e empurrei a porta para fechá-la atrás de mim. Collin não me
seguiu. Não desta vez. Foi-se. E era minha culpa. Não quis que fugisse.
Apenas queria saber a razão pela qual me enlouquecia.
Que demônios tinha de errado comigo? As emoções borbulharam
em uma mescla espumosa de humilhação e arrependimento. A ira
Página 72
queimou através de tudo isso. Collin era um dos únicos amigos que
tinham me restado, e o arruinei. Grunhindo com frustração, dei a volta
e joguei a pintura em uma pilha de livros. Rolei-o por trás deles e longe
da minha vista. Deslizando minhas costas para baixo pela parede,
baixei meu traseiro ao chão, golpeando minha cabeça brandamente nas
prateleiras de madeira de trás. Ele não quer me tocar. A realidade se
chocou contra mim com um golpe ensurdecedor.
Página 73
Capitulo 10
A escola continuou. Minha vida como uma problemática Martis
resultou ser menos entristecedora durante o dia escolar. Ninguém me
caçava ali.
Ao menos, não acreditava que o fizessem. Ainda me perguntava
quem era a buscadora, e o quanto estava perto de me encontrar, mas
ninguém se destacava como um perseguidor angélico. Minha nova vida
era estranha, e estava tendo problemas com ela. Aprender a sobreviver,
sem expor meu segredo, me fazia querer lançar algo. Deixar de lado
todos os pensamentos dos Martis e Valefar que queriam me matar, me
fazia passar o dia. De algum jeito, também arrumei isso para evitar ter
que lutar com o maior engano de minha vida.
Collin brilhava por sua ausência, o que significava que ou se
escondia, ou que me evitava a todo custo. Ou ambas as coisas. Não
sabia como solucioná-lo.
Ele correu. Como se o assustasse, como se não pudesse
suportar a ideia de me tocar. Era um grande desastre. Sem ter ideia do
que lhe diria, estava contente de que estivesse me evitando. E não era
como se lhe pudesse dizer a verdade, o qual soaria louco ―Olá Collin,
estou atuando como uma louca, porque um escravo do demônio tratou
de arrancar minha alma na outra noite, logo minha melhor amiga me
atacou. Senti-me completamente sozinha, e você estava ali, e... bom‖.
Não importava de todos os modos. Não podia dizer-lhe. O último
sinal tocou às 14:26. Como não queria ir para casa ainda, retardei
minha saída, caminhando com Eric, perdida em meus pensamentos.
Avançamos através de uma multidão de meninos, em direção a meu
Página 74
armário. Algo me disse que deveria tomar cuidado com Eric, mas justo
agora era uma das poucas pessoas com as que podia falar. Isto obrigou
a uma amizade que estava apoiada em mentiras, o que fazia com que
minha pele formigasse. Odiava mentir, mas não tinha escolha.
Nossas conversas foram tornando-se cada vez mais normais,
enquanto minha vida ficava estranha. Sorri para ele.
— Não sei como pode suportar me ter como sua companheira de
laboratório. Vou arruinar nossas notas.
Tomamos nosso caminho pelo corredor, através de uma
multidão de meninos dispersos. Uma caixa de luz piscava em cima. Eric
tinha um suave sorriso nos lábios.
— Não, Ivy. Ficará tudo bem. — A advertência de Shannon ecoou
em minha mente, algo como Ele te matará. Não podia imaginar. Isso me
fazia ou temerária, ou retardada. Provavelmente ambas.
— Sempre pensa que tudo estará bem. — lhe disse meio rindo.
Ah sério, mutilei nosso verme e a rã. Se o porco já não estivesse
morto, sentiria por ele. Como está, posso-te dizer que há um acidente
de trem esperando por ocorrer. Vou me sentir como este Wilbur... Ou
me fará pensar em presunto. — Encolhi-me de ombros. — Bom, de
qualquer maneira, isto tem uma C escrita por toda parte. - Os suaves
passos de Eric caíram em ritmo perfeito com os meus. Eles igualavam
sua atitude doce e tranquila.
— Estou falando sério. Vai ficar tudo bem. — Olhou-me pela
extremidade do olho, ainda sorrindo, divertido.
— A única razão de que você seja o outro maluco. — Deus me
ajude, utilizei o gesto de aspas ao ar para assinalar o maluco. — Porque
me deixará baixar todas suas notas de laboratório. Não acredito que
seja justo. — disse-lhe olhando-o direto à cara. — Você sabe tudo sobre
este tipo de coisas. E eu não deixo de enredá-lo.
Nossos passos se desaceleraram em sincronia, enquanto me
aproximava de meu armário. Eric se deteve, e me tocou o braço. Ainda
emocionalmente alterada de meu encontro com Collin na noite passada,
Página 75
estremeci. Retirou sua mão. Não querendo afastá-lo, aproximei-me dele.
Meus dedos se envolveram ao redor de seu braço brandamente, e ele se
deteve, me olhando.
— Eric, eu estou nervosa. Isso é tudo. Não é sua culpa. Juro. O
que ia dizer?
Eu não estava interessada no Eric. Não assim, mas não queria
que pensasse que era desagradável ou algo assim. Não era dessas que
viviam tocando seus amigos, mas tampouco evitava o toque de meus
amigos. Suponho que estava em um ponto intermediário.
Ele sorriu, assentindo. — Nada, é só. Bom, eu vou jantar em um
segundo. Quer vir?
— Claro, só me deixe ir procurar minhas coisas. — Não queria ir
para casa ainda. Estaria bem, e se Jake aparecesse, Eric era uma boa
pessoa com a qual estar.
Eric começou a dizer algo, mas sua boca vacilou e se fechou de
repente. Seu sorriso se desvaneceu com a mesma rapidez. Levantei o
olhar para ver o que causou sua abrupta mudança. Meus olhos
vagaram por grupos de meninos e aterrissaram em meu armário. Collin
estava apoiado nele, rodeado por uma manada de garotas. Gemi em voz
alta. Eric riu dissimuladamente. Voltando para o Eric, perguntei: — Te
encontro lá?
Deu-me um olhar de condolência, e disse: — Claro. Vemo-nos lá.
Seu passo se acelerou. Eric e Collin se olharam enquanto ele
passava. Voltei minha atenção ao meu armário. A vergonha em relação
à noite anterior se apoderou de minha pele, me fazendo sentir quente.
Não queria falar disso. Não queria vê-lo, sobre tudo, porque eu tinha
feito de mim uma idiota.
Não disse nada, e abri meu armário. Collin me olhava. Coloquei
meu livro de biologia na parte inferior, e logo me pus nas pontas dos
pés para procurar através do lixo na parte superior. Meu livro de
matemática estava ali. Em alguma parte. Ao não encontrá-lo, agachei-
me. Ugh. Devia estar no fundo.
Página 76
O fundo de meu armário parecia uma colina para esqui feita de
papel, livros, e o ocasional lixo. Agachei-me para procurar através da
pilha, de cócoras, desejando poder sair evitando isto.
Collin se agachou junto a mim.
— Ivy. Querida. Isto pode ser óbvio, mas é uma porca. — Um
sorriso brincalhão cruzou por seu rosto, enquanto me olhava. Ele ia
atuar como se ontem à noite nunca tivesse passado. OH Deus. Nesse
caso estaria pendurada ali, permanentemente pega, como um CD
riscado, saltando de novo repetindo por toda a eternidade.
Mas, igual a ele, não queria falar disso agora. — Vê Collin —
disse, sem lhe dar muita atenção, pinçando nos papéis, lentamente
desentupindo meus livros de texto. Ele continuou de cócoras junto a
mim, rindo brandamente. Chocou comigo, e me tirou de meu equilíbrio.
Se estivesse prestando atenção, não teria ocorrido. Mas não estava.
Incapaz de trocar meu peso o suficientemente rápido, caí para trás, e
aterrissei sobre meu traseiro. Quando o olhei, um tímido sorriso saía
dos cantos de sua boca.
Queixei-me pela metade.
— Cresça! — Levantei-me, procurando em meu armário e agarrei
meu livro de biologia. Dei a volta, sustentei o livro com as duas mãos, e
o empurrei contra seu peito. Ele caiu de sua posição de cócoras. Mas
antes de cair, tirou seu pé e me derrubou junto com ele. Minha risada
escapou, enquanto o resto de meu mau humor se esfumava. As pernas
de nossos jeans se enredaram, e caí sobre seu peito com o livro de
biologia nos separando. Por um segundo, minha vida estava normal.
Tinha um de meus melhores amigos de novo, mas a sensação se
desvaneceu rapidamente. A proximidade conjurou a lembrança da noite
anterior. Rapidamente, afastei-me dele. Sentei-me no chão diante de
meu armário, empurrando o cabelo fora de meus olhos. Collin rodou
levantando-se, sem deixar de rir.
Página 77
— Consigam um quarto! — gritou um menino, enquanto passava
correndo. A maioria dos alunos tinha saído do edifício, ou se dirigiam a
suas atividades depois de classes.
Olhamo-nos um ao outro e rimos um pouco, mas a risada
acabou muito rápido para ser real. Merda. Isto era o que tinha feito com
a nossa amizade. Os corredores estavam vazios.
Desesperadamente, desejei que ontem à noite não tivesse
ocorrido. Eu queria o meu amigo de volta. Collin apoiou a cabeça contra
o armário, e nos olhamos. O silêncio continuou. O cômodo silêncio era
normal para nós, mas este não era. Sentia-me estranha. Eu só queria
sua amizade, a segurança de saber que ainda a tinha. O medo caiu em
mim, me dando conta da ideia que estava temendo. Perdi.
— Não, não perdeu. Sempre me terá — disse depravado.
O sorriso desapareceu de minha cara. Levantei meu traseiro
dando um passo para trás para o armário pouco a pouco, o coração
martelando. — O que? O que disse? — Merda. Ouviu-me? O pânico
disparou por todo meu corpo. Meu estômago se retorceu em nós. Suas
sobrancelhas se elevaram, enquanto ele se retorcia, afastando o olhar
de mim. Correu as duas mãos por seu cabelo ao mesmo tempo,
evitando meu olhar. — Collin… — fiz uma pausa, me sentindo estúpida.
Quase muito estúpida para fazer a pergunta, mas eu tinha que saber.
— Você... Me escuta?
Meu pulso correu. Nossos olhos se encontraram, e não podia
afastar o olhar. O canto de sua boca puxou em um sorriso torcido.
Nervosamente perguntou: — Então, finalmente vai admitir?
Comecei a protestar, mas ele me interrompeu. — Não. Não, você
não pode negá-lo agora. E sim, eu posso te escutar. E sei que você pode
me escutar. — Afastei-me, sentindo o pânico crescendo em minha
garganta. Apoiando sua cabeça contra o armário, ignorou meu pânico.
— Não fique surpreendida. Soube durante tanto tempo como eu. Desde
a noite em que sua amiga ficou louca comigo. Sei que te deu conta.
Página 78
Fez uma pausa, olhando a seu redor para assegurar-se de que
estávamos realmente sozinhos.
— Estávamos nessa festa, e sua amiga estava me dizendo que
fosse. Você veio arrastá-la de volta para sua cova de bruxa, e isto
aconteceu. Nossos olhos se encontraram, e roçou meu braço enquanto
passava. Foi cara a cara, corpo a corpo. Senti-te. Ouvi-te. E sei que me
escutou. Só que nunca quis admitir. — Deu de ombros. — Eu
tampouco. Mas aí está.
Meus olhos estavam arregalados, enquanto ele voltava a contar
uma lembrança que me perseguia. Fazia-me pensar que estava
totalmente louca. Esses tipos de coisas não acontecem. Pensei nisso um
milhão de vezes, me perguntando o que aconteceu.
Quando passei junto a ele nessa noite, quer dizer tirar o cabelo,
e deixá-lo sem equilíbrio, assim ele deixaria Shannon sozinha.
Encontrei seus olhos, rocei meu braço contra ele ao passar. Mas cometi
um engano. Eu não contava com o que aconteceu. Quando nos
tocamos, senti como se lambesse uma tomada elétrica. Quando a
sacudida estática passou, uma sensação quente alagou meu cérebro,
me derretendo, enquanto o resto de meu corpo se sentia como se
estivesse nua na neve. Era estranhamente incômodo. Mas essa não era
a parte mais incômoda, era senti-lo. Sua alma, seu ser, ou como queira
chamá-lo, falou com a minha. Eu o ouvi. Senti-o. Sabia exatamente do
que ele estava falando.
Tragando saliva, a incerteza me agarrou. Sabia que ele tinha
razão, mas ainda não podia aceitar.
— Não. — Minha voz era suave, apenas audível. — É só intuição.
Ou uma intuição. Não há maneira de que esteja lendo minha mente. —
Meus cachos caíam sobre meu ombro, formando um muro para me
esconder. Neguei-me a olhá-lo.
— Então me olhe nos olhos. Demonstre que estou errado. —
Esperou, mas não levantei o olhar. Não podia. O medo cravou através
de meu estômago em ondas. Não sabia que estava acontecendo. — Ivy…
Página 79
Sua voz se suavizou do arrogante ―lhe disse isso‖ ao tipo "tudo está
bem‖. Você o evita pela mesma razão que eu o faço, faz te sentir
vulnerável. E estremece um pouco. Olhando com a extremidade do
olho, o vi sorrindo. — Eu sei que o evita, a propósito, porque quer
ignorar nosso vínculo.
Uma sobrancelha levantou, enquanto eu gaguejava as palavras.
Olhando-o direto aos olhos, perguntei:
— Nosso vínculo? OH, por favor. Não há nenhum vínculo. Você
o quê? — Comecei a rir nervosamente. — E o que seja que está fazendo
não é ler a mente.
Cruzei os braços, apoiando minhas costas contra o armário. —
O que estou fazendo? — riu. — Isto não é obra minha. É tua Ivy. Não
posso ler a mente das pessoas. Você está fazendo! — Seus olhos azuis
estavam muito abertos, enquanto se voltava para mim.
— Não faço! — protestei. — Não sei como, você faz isso.
— Sim, você o faz. Se fecharmos os olhos, posso te ouvir. Se me
tocar, todas suas sensações me alagam. É entristecedor às vezes.
Assustou-me como o inferno no princípio, logo me dei conta que era
algo que só ocorria quando estava ao redor. Já que parecia contente
ignorando, eu fiz o mesmo.
— Não há maneira de que seja eu a causadora disso! — Queria
desesperadamente que estivesse equivocado. Não podia ser eu. Não
havia maneira. Saltando aos meus pés, o desejo de fugir me alagou.
Com o coração acelerado, comecei a me afastar rapidamente pelo
corredor, mas Collin veio atrás de mim.
— Ivy, espera — disse ele me seguindo. Mas não podia parar.
Senti meu corpo tremendo, aterrorizada pelas palavras, dele. Seus
passos se apressaram atrás de mim, e logo girou em frente a mim tão
rápido que saltei para trás. De repente, Collin ficou diante de mim,
preparado para me prender ao armário se me movesse. Virei o rosto, me
negando a olhá-lo nos olhos, esperando que não me tocasse. Meu
Página 80
coração golpeou contra minhas costelas, fazendo impossível ignorar o
medo.
— Ivy… — disse em voz baixa as palavras a uma pequena
distância de meu rosto virado. — Não acreditava que fosse uma
covarde.
Arrepiei-me. Meu rosto voltou de repente, e o olhei. — O quê?
Sua expressão estava cheia de compaixão. — Nunca diria nada,
se soubesse que correria. Dos dois, acreditei que você aceitasse isto
melhor.
Deu um passo para trás, rompendo nosso olhar, e fez gestos
para que me fosse. Confusa, fiquei ali, incapaz de me mover. Covarde
não era algo que queria ser. Sua opinião golpeou meu ego, impossível
fugir. Não disse nada, não sabendo o que fazer.
Collin disse: — Sei que isto é estranho. Mas está aí. E não quero
te perder por isso. Ontem à noite... — parou, voltando-se para mim.
Meus olhos se levantaram, olhando suas costas. Suas mãos se
agarraram desesperadamente a sua cabeça. Ele não estava aceitando
bem isto e eu tampouco. De algum jeito, isso me deu coragem quando
já não tinha nenhuma.
Dando um passo, aproximei-me por trás, estirando uma mão
para seu ombro. Antes que o tocasse, deu a volta, quase me tocando.
Seus intensos olhos azuis se encontraram com os meus. A incerteza me
agarrou, afogando minha garganta.
Tragando forte, perguntei-lhe: — É por isso que correu? Ontem
à noite. Tinha medo? De mim? — Meu coração golpeou forte enquanto o
via absorvendo minhas palavras.
Collin olhou para outro lado, inseguro. Seus braços cruzados,
enquanto olhava ao chão. Seu cabelo escuro caindo sobre seus olhos.
Depois de um momento, assentiu com a cabeça, dizendo:
— Veja por si mesma.
Página 81
— Já fiz. Estava lá, lembra? Vi, mas não sei o que aconteceu.
Por que correu? — Meu corpo tremia, e eu lutava para deixar de tremer.
A ideia disto me aterrorizou, e atuar como se fosse real, foi pior.
Caminhando para mim, disse: — Não, pode ver por si mesma.
Agarrou minhas mãos, tomando nas suas. Seu corpo se esticou
com o contato, claramente tomando ar. Levantou minhas mãos para
seu rosto e soltou seu aperto. De pé frente a mim, seus olhos cor safira
estavam intensos, observando. Minhas mãos descansavam
brandamente sobre seu rosto, enquanto deslizava meus dedos por suas
bochechas, ajustando meu alcance a sua altura. Sua cálida pele era
suave, mas esse sentimento foi sugado antes que tivesse tempo de
pensar nisso. Uma sacudida quente e gelada disparou através de mim,
e logo desapareceu na estranha sensação nua na neve que me fez
retorcer. Meu coração acelerou dentro de meu peito. Estava perdendo a
razão.
Sua voz era suave: — Olhe para mim Ivy. Olhe em meus olhos e
não olhe para outro lado. Deixa que aconteça desta vez. Mostrarei por
que corri. Poderá ver. Minhas mãos tremiam, enquanto elas tocavam
sua pele. Olhei em seus olhos, aterrorizada. Não era o mesmo terror de
ser atacada, sabendo que minha vida estava em jogo. Era algo mais
carnal, mais íntimo do que jamais tinha compartilhado com ninguém.
Era a total exposição da alma e o eu, sem nenhum lugar para esconder-
se. Odiava-o.
Meu coração acelerou grosseiramente, até que a avalanche de
sensações diminuiu. Soltando um comprido suspiro, o vínculo trocou.
Fez-me sentir como se eu fosse Collin. Podia ouvir e sentir seus
pensamentos. Seus caprichos. Seus sonhos. Tudo. Isto estava
flutuando para mim ao redor, dentro de mim, roçando minha
consciência. Suas defesas de encanto e engenho passaram voando,
enquanto eu caía mais profundo em sua mente. Pensamentos secretos
voaram mais à frente, enquanto via as coisas que ele encobria ao resto
do mundo. Então me encontrei localizada em sua lembrança de uns
Página 82
momentos. Senti a alegria pura que sentiu quando tinha caído sobre
meu traseiro. O peito de Collin subia e baixava, enquanto respirava
lentamente, seu olhar azul intenso. Ainda parado rígido, me olhando,
permitindo a invasão em sua mente. Olhei os olhos sem ver, sentindo
suas lembranças através de meu contato. Estes tinham sua voz, e sua
percepção da realidade. Então, vi a noite anterior, mas através de seus
olhos. Ele ouviu minha voz em sua mente, enquanto estava sentado
rindo com seus amigos. Então, uma enorme tristeza se apoderou dele.
Estava cheio de crua emoção a qual era muito dolorosa para ignorar.
Combatia, mas o consumia. A onda de remorso, raiva e medo
que se apoderou de mim quando me sentei e chorei no chão de pedra da
igreja, consumiu-o. Minha angústia se converteu em sua angústia.
Incapaz de ignorá-lo outro segundo, de repente estava correndo para
mim. Senti seus pés golpeando o chão, enquanto seu coração palpitava.
Correu, sem saber onde eu estava. Tudo aconteceu tão rápido. A versão
da lembrança que eu vi não estava em tempo real. Voou como um
comercial de Tivo¹ que ninguém quer ver.
De repente, encontrou-me sozinha no piso. A velha igreja o
rodeava, caindo em sua memória como uma manta, aproximando-se
lentamente para o centro. A mudança de ritmo me sacudiu, enquanto a
sensação da minha tristeza se apoderou dele com toda sua força. Foi
mais intenso que antes.
Apareceu em um lugar escuro, me observando, incapaz de
mover-se. Permanecendo oculto pelas sombras, pensou que ele estava a
salvo. Sem ser visto. Ele olhava para minhas costas, enquanto eu
respirava profundamente com minha camisa molhada grudada à minha
pele. Meu rabo-de-cavalo caía sobre meu ombro, enquanto eu desabava
para frente. As emoções que ele sentia chegando de mim estavam
enchendo-o em implacáveis ondas, e fizeram com que seu corpo
tencionasse. Seus sentimentos estavam muito enredados para ler, mas
enquanto ele me olhava eu sabia que ele estava esmigalhado.
Página 83
De repente, a memória se dispersou como pequenos grãos de
areia arrastados pelo vento. Meu contato com sua pele se rompeu,
enquanto meus dedos tocavam seu pescoço. Apoiei minhas mãos sobre
seus ombros por um momento, respirando com dificuldade, antes de
baixar os braços e dar um passo atrás. Uma onda fria de pânico passou
por cima de mim, enquanto eu aceitava a verdade.
Era real. OH Deus. Podia sentir tudo o que ele sentia, ver o que
via, e era mais vívido que estar lá, vendo o mesmo. Era como se eu
estivesse dentro dele, experimentando com ele. Mordi o lábio
nervosamente. Pensamentos voaram como morcegos cegos, estrelando-
se incoerentemente por minha mente.
Com o coração palpitando e os olhos abertos, perguntei: — Leu
minha mente, também?
Ele negou com a cabeça, com o olhar. — Não. Na realidade não.
Isto parece que vai só em uma direção, em sua maior parte.
Soltei o fôlego que não tinha dado conta que estava retendo,
olhando seu rosto. Os olhos cor de safira me olharam, antes que Collin
afastasse o olhar. Ele possuía um caráter melancólico, do qual não me
dei conta porque estava muito alterada. Tinha-o visto em sua mente.
Não, senti-o em sua mente. Isto pesava sobre ele, perseguindo-o,
fazendo-o imprudente. Os braços de Collin estavam cruzados sobre seu
peito, enquanto seu cabelo deslizou em seu rosto. Empurrou-o para
trás, olhando rapidamente entre o chão e eu.
Tragando forte, pensei nele fazendo uma leitura rápida de minha
mente. A ideia me fez sentir como se alguém jogasse gelo em minhas
costas. Fechei os olhos pouco a pouco, sem saber o que pensar muito
temerosa para me mover.
Sua voz rompeu o silêncio: — É por isso que não posso te beijar.
A surpresa se apoderou de mim, sumindo com meu medo. Olhei
direto em seus olhos. Isso era a última coisa que esperava que dissesse.
— O quê?
Página 84
Seus olhos eram tão azuis, e sua expressão era atormentada
enquanto falava.
— Ivy, suas emoções fluem através de mim quando nem sequer
estamos nos tocando. Uma leve carícia tua, algo do qual apenas me
daria conta em outras garotas, é tão intensa que… — Suas palavras se
desvaneceram. — Não sei o que aconteceria, com um beijo.
Sacudiu a cabeça, quase envergonhado do que havia dito. Uma
estranha sensação serpenteou através de meu corpo. Eu queria
considerar o que era, e lhe dizer que estava bem. Mas não era assim. Eu
tinha um segredo mortal. Ele o veria, maldição, sentiria se nos
beijássemos. Aprenderia o que eu era, e sobre os Martis. Se ele ficasse
de ver isso depois, não havia maneira de que ficasse sabendo a respeito
da profecia. Eu estava condenada, destinada a destruir a todo mundo.
Olhando para baixo, escutei a mim mesma estar de acordo com
ele. — Não tem que explicar. Tem razão.
O silêncio encheu o ar até que não pude suportá-lo mais. As
emoções formavam redemoinhos sem descanso dentro de meu peito, me
enchendo de pesar. Minha voz foi débil.
— Te verei por aí, suponho. — Cuidando de não olhá-lo nos
olhos, dei a volta e comecei a me afastar. Nenhuma voz me chamou.
Nada de passos chegando correndo detrás de mim. Meu estômago se
afundou no silêncio ensurdecedor, ao me dar conta de que meu temor
se tornou realidade. Perdi-o.
Página 85
Capitulo 11
O ar frio golpeou meu rosto enquanto abria a porta de metal e
me dirigia através do estacionamento. Meus passos se estrelaram
contra o pavimento, rápido e forte. Era um estúpido engano.
Por que não podia deixar as coisas assim?
O beco vazio, enquanto meus pés me levavam além das buzinas
e o ruído da rua.
Meu cérebro ordenava, através das emoções mescladas. Podia
pensar sobre isso mais tarde. Eric estava me esperando no restaurante.
Aspirei o ar frio e deixei que um calafrio alagasse meu corpo. Uma
rajada de vento alvoroçou meu cabelo, abrindo um pouco minha
jaqueta. Segurando a jaqueta, tratei de passar a penetrante rajada.
Quando a brisa morreu, olhei para cima. Meu cabelo escuro
estava enredado frente a meus olhos, e o vi. Meu pulso se acelerou e
parei em seco. Jake estava me olhando através da imagem imprecisa do
tráfego na transitada rua. Ele estava apoiado sobre a fachada de uma
loja... Olhando-me. Meu coração saltou a minha garganta. Uma buzina
de um automóvel me surpreendeu e desviei o olhar, foi suficiente. Jake
desapareceu.
Freneticamente, o busquei com os olhos na rua, mas ele se foi.
Isso foi tudo. Sabendo que não poderia ficar quieta por outro segundo,
corri até o final da quadra. O Prata do Forro estava na esquina. E
enormes letras de néon diziam Restaurantes. Era como 1950 no
exterior, mas o interior era mais moderno; mas ainda havia uma placa
de cor brilhante.
Página 86
Entrei pela porta, procurando Eric. Ele estava sentado em uma
mesa da esquina na parte de atrás. Deslizei-me na mesa em frente dele,
totalmente alucinada. Um abajur de cabeça estava a ponto de se chocar
em meu crânio. Com os olhos muito abertos, disse:
— O Vi.
Um garçom deixou dois copos de água. A condensação começou
a mostrar-se no claro cristal, escorrendo pelos lados.
— Onde? — perguntou Eric.
— Quando saí da escola. Estava cruzando a rua. O vi entre os
automóveis, mas ele desapareceu. — Senti meu rosto vacilar. — Não vi
aonde foi.
O pânico apareceu em minha garganta. Os olhos cor âmbar de
Eric se estreitaram.
— Então, ainda está vivo. Localizei e encontrei onde ele vivia,
mas ele já havia ido. Não havia maneira de saber se sobreviveu à noite
que te atacou.
Neguei com a cabeça, esfregando minhas mãos sobre meus
braços uma e outra vez.
— O que faremos?
— Ouça, está bem. Há alguns lugares onde um Valefar não pode
atacar. Um deles é uma igreja, terra Santa. O outro, tão estranho como
possa ser, é sua casa. — Eric encostou-se.
— Minha casa? Por quê? É outra dessas coisas estranhas de
vampiros? Tenho que convidá-lo a entrar ou algo assim? — Queria pôr
minha cabeça sobre a mesa. Mas, em lugar disso, desabei para frente,
sustentando minha cabeça entre minhas mãos. Eric sorriu um pouco.
— Não, é uma coisa mágica. Tem um pai, alguém que te ama. É algo
natural contra a magia demoníaca. Eles não podem entrar em sua casa
porque sua mãe vive lá também. É por isso que te estou dizendo para
que fique em casa. Soa estranho, mas é certo. — Bebeu um pouco de
água e disse: — Agora, a melhor maneira de apanhá-lo é esperar que
tente te prejudicar.
Página 87
Suas palavras engasgaram o ar de meus pulmões. Como é que
minha vida saiu de controle tão rapidamente? Resumi em uma palavra:
— Merda.
— Sim. — Eric me olhava enquanto falava. Inclinou-se para
frente, com seus braços estendidos sobre a mesa. E falou em voz baixa:
— Não te fará mal de novo. Prometo isso, Ivy. Não permitirei. Não
deixarei que nada de mau te aconteça.
Seus dedos tocaram a borda da mesa.
Eu queria desesperadamente acreditar nele, mas meu instinto
me obrigava a dizer o contrário.
— Como? — perguntei. — Sei que tem boas intenções, Eric, mas
não pode me proteger dele. Nem sequer sabe onde está. Sou um alvo
fácil, caminhando. É só uma questão de tempo.
— Ivy, olhe para mim. — Eric tomou minha mão e meu olhar
lentamente se levantou para seu rosto. — Não te fará mal de novo.
Juro. Não deixarei que nada te faça mal.
Seus olhos estavam sérios; mas ele estava me prometendo algo
que eu sabia não podia me oferecer. Inclusive sim, podia me proteger do
Jake, não podia esperar que mantivesse sua promessa assim que ele
descobrisse quem eu era realmente.
Retirando minha mão, recostei-me na mesa.
— Eric — suspirei, sem saber como dizer o que sentia. — Não
pode me proteger. Simplesmente não pode. As coisas são... Maiores do
que parecem.
Inclinando-se para frente, perguntou: — O que quer dizer? —
Uma mulher, grega alta deteve nossa conversa. Parou em frente a nossa
mesa e inclinou sua cabeça, esperando.
Escreveu nossos pedidos em sua caderneta; logo se foi, nos
deixando sozinho. Baixando a voz, ele repetiu:
— O que quer dizer com as coisas são maiores do que parecem?
Tragando saliva, respondi:
Página 88
—É só que... As coisas não são simples. Já não são. É
complicado, Eric. — O desespero que se agarrava a meu estômago todo
o dia, deslizou por minha garganta, me afogando. Sabia que estava
dizendo muito, mas precisava confiar em alguém. Provavelmente
poderia haver dito mais se Shannon não tivesse plantado a semente da
desconfiança em minha mente. Mas o fez.
A expressão de seu rosto era suave e preocupada.
— É Collin? — perguntou.
— Não realmente. — Parei, reconsiderando e logo disse: — um
pouco. Queria dizer ao Eric que minha marca estava poluída, mas não
podia correr o risco. Não sabia o suficiente sobre os Martis ou sobre ele
para decidir ainda. Além disso, os problemas de meninos poderiam
acontecer como drama adolescente normal.
Eric se recostou em seu lado da mesa e disse:
— Sabe, não estava seguro de que ainda fosse vir.
— Por quê? — perguntei.
Eric se encolheu de ombros.
— Bom, passa muito tempo com esse menino. Na realidade não
lhe agrado; assim pensei que ele tinha feito você mudar de opinião. O
que ele pensaria se passasse um momento comigo, de todos os modos?
Seu queixo estava inclinado para cima, o suficiente para
apanhar minha atenção.
— Na realidade... Não gosta. — Senti um sorriso cruzando meus
lábios.
Eric tomou seu copo e bebeu um gole.
— Por quê? O que acha?
Encolhi-me de ombros.
— Ele é superprotetor. Isso é tudo. Até agora, ele foi o irmão
mais velho que nunca tive. Já sabe, colocando seu nariz onde não é
chamado. — Sorri, pensando nisso.
Nada escapou da atenção do Eric. Inclinando a cabeça,
perguntou:
Página 89
— Até agora? Algo mudou? — inclinou-se para frente para
adicionar: — Não lhe disse que é um Martis, certo? Zombei.
Sacudindo minha cabeça, respondi:
— Não. Não sou estúpida. Ele não sabe. Não disse a ninguém.
Exceto... — A garçonete se aproximou, silenciando minhas palavras.
Eric me olhou horrorizado de que houvesse dito a alguém, mas sabia
que não lhe importaria quando lhe dissesse quem já sabia. A garçonete
deixou pratos brancos com comida frita. O aroma de óleo que alagou o
ar me recordou que estava faminta.
Quando ela se foi, Eric se inclinou, perguntando:
— Quem? A quem disse?! Disse que não dissesse a ninguém.
— Encontrei uma Martis ontem à noite — disse. — Shannon
McClure.
Eric relaxou visivelmente e pude ver que sua tensão
desapareceu.
— Está bem. Ela está bem. Como soube que era uma Martis?
— Foi acidentalmente — respondi. — Ela viu minha marca e se
revelou como uma Martis.
Disse o resto do que aconteceu... Bom, a maior parte do que
aconteceu. Deixei fora a parte de minha marca ficando púrpura,
Shannon me atacando e minha participação na profecia. Olhei por cima
de meu prato, considerando Eric. Se eu pudesse lhe dizer tudo, seria
muito mais fácil. Talvez pudesse me ajudar da minha marca escapar da
profecia. Mas, se estivesse realmente condenada, não haveria nada que
ele pudesse fazer a respeito.
— Posso te perguntar uma coisa? — Um sorriso saiu dos cantos
de minha boca.
— Claro. O que quer saber? — Ele se recostou, seus braços bem
abertos. Ele estava tão seguro como Collin, mas o fazia de uma forma
diferente.
Página 90
— É uma pergunta pessoal. Podia fazer um par de pacotes
rosa de açúcar para ocupar minhas mãos enquanto falava. Ele apertou
seus lábios.
— Pessoal? Claro - respondeu. E os Martis não podem
mentir, já sabe. Vou responder algo que pergunte. — Um olhar
brincalhão cruzou seu rosto.
— Fale-me de você. Realmente não te conheço. O que você
gosta? Que filmes vê? Que coisas você gosta de fazer? Quando pensa
nisso, é muito estranho. Nem sequer sei quantos anos tem.
A expressão de seu rosto mudou para um olhar surpreendido.
— O que quer dizer? Tenho dezessete, como você. Já me
conhece, Ivy. Sorrindo, inclinei-me para frente dizendo:
— Já! Ao que parece os Martis não podem mentir. Mas sim pode
evitar perguntas. — Esperei que falasse, mas ele só me sorriu. — Não
tem dezessete, Eric! — Ri. — Só os aparenta. Os Martis são imortais,
não? Então, em que ano nasceu o menino de dezessete anos?
Seu sorriso cresceu. O canto superior direito atirou com mais
força, revelando covinhas que se ocultavam geralmente. Movi-me
incômoda em meu assento.
— Deixe de me olhar assim. E responda minha pergunta,
Senhor Elucidador de Perguntas.
Eric soltou uma gargalhada. Foi um maravilhoso som profundo.
— Então, pensou rapidamente. Não podemos mentir, mas não
temos que responder.
Fiz uma nota mental de que se supunha que a falta de mentiras
me incluía. Mas, obviamente não era certo, dado que tinha estado
mentindo como louca desde o ataque.
— Mas disse que faria. — Joguei-me para trás, olhando-o. Ele
estava desfrutando disso.
Assentindo com a cabeça, disse:
— Fiz. Direi algo que queira saber, se estiver segura de que pode
aguentar. E lembre, posso te perguntar o mesmo. Ambos estamos
Página 91
obrigados a dizer a verdade pela magia. — Eric tomou a garrafa de
ketchup e a golpeou até que parecia que seu frango tinha recebido um
disparo no prato. O canto de minha boca se contorceu. — Posso
aguentar. Então, algo que pergunte, responderá? — Peguei uma batata
frita. Ele assentiu com a cabeça, comendo um pedaço de frango. As
perguntas surgiram em minha cabeça. — Você falou de magia. E vi
quão forte era Jake. — Estremeci. Não podia evitar me sujeitar no chão.
Isso era magia, certo? — Eric assentiu com a cabeça. — Então, o que
podemos fazer? Nós também temos magia como essa?
Secou sua boca com um guardanapo.
— Sim. Temos nossas habilidades, únicas como Martis. Temos a
imortalidade, força, velocidade, mas temos diferentes manifestações de
poder. Alguns de nós podem ver o futuro, e outros são grandes
guerreiros que sobreviveram às terríveis guerras milenares falou
como se estivesse recordando algo.
Essa foi a primeira vez que tive a ideia do poder de Eric. Os
poderes me intrigaram, mas queria o básico primeiro.
— Quantos anos têm Eric? Quando nasceu?
— Nasci na Grécia. — Seus olhos cor âmbar me olhavam
fixamente. — A Antiga Grécia. Fui eleito para ser um Martis faz muito
tempo. — Fez uma pausa, sem deixar de me olhar. — Nasci ao redor do
ano 39 D.C. Sentou-se, esperando minha reação. Meus dedos
deixaram cair à batata frita que sustentava. Ricocheteou no prato e caiu
debaixo da mesa. Sacudindo minha cabeça, disse:
— Sabia. Sabia que não era tolo. — Ele se inclinou para diante,
rendendo-se e disse:
— O quê?
— Em classe — disse, me recostando no assento, girando uma
batata. — Comporta-se como se não tivesse ideia do que está passando,
mas cada vez que estava com alguma de suas escassas anotações,
soava muito inteligente para estar recebendo 7. — Levantei as
Página 92
sobrancelhas e me inclinei, assinalando com uma batata em seu peito.
— É um farsante. Um farsante realmente velho.
Em honra a minha ridícula declaração, recebi outra sincera
gargalhada. Seus olhos caramelo brilhavam e seu rosto se iluminou.
— Sim, já sabe. Sou realmente uma pessoa que oculta seu
verdadeiro conhecimento. Uma pessoa muito velha. — Riu outra vez
enquanto sustentava uma batata. — Será divertido. Posso dizer.
— Então, teve dezessete por quase dois mil anos? Isso tem que
ser... Estranho.
Assentindo com a cabeça, disse:
— Às vezes sim. Às vezes não.
Seus olhos se dirigiram para a mesa e seu estado de ânimo ficou
sério.
— Estava comprometido. Supunha-se que as bodas seriam uns
dias depois de que fora marcado. — Seu rosto escureceu. — Logo,
sobrevivi. — Ele continuou. — Mas o fiz, e depois que encontrei ao resto
dos Martis, foi melhor. Eles me ajudaram e me deram isto, disse
levantando um X de prata em uma corrente debaixo de sua camisa. Era
uma velha cruz.
Levantei uma sobrancelha. Parecia perfeita, sem pó de estrelas.
Nem rastro de pixels.
— Uma cruz? — Senti minha sobrancelha arquear-se.
Assentindo, ele respondeu:
— É de prata celestial. Nos oculta, assim ninguém pode ver
nossa marca. Também é nossa arma mais poderosa. Só a prata celestial
pode matar a um Valefar. Necessita para que possa te defender por você
mesma. — Olhou meu cabelo, assinalando. — Como conseguiu? Estava
tratando de te conseguir uma peça, mas não pude fazê-lo muito rápido.
É uma peça muito estranha e se mantém sob chave.
Meu coração se afundou enquanto suas palavras se apoderavam
de mim.
Página 93
— Minha irmã me enviou isso. Ganhei no mesmo dia que me
encontrou no parque.
— Sua irmã?
— Sim, ela o enviou a mamãe quando estava na Itália o ano
passado, antes que falecesse. Não sei onde Apryl o conseguiu. — Meus
dedos o tocaram com suavidade. — É realmente prata celestial? Isto é
um pouco estranho, certo?
Eric assentiu com a cabeça.
— Sim a ambas as perguntas. Sim é prata celestial, do contrário
não ocultaria sua marca. E sim é realmente muito estranho. Então sua
mãe o escondeu por um ano?
— Sim. Era um presente de aniversário. Supunha-se que tinha
que ocultá-lo. Apryl sempre fazia coisas assim. — Me olhando, vi sua
expressão mudar. — Qual é o problema? É só uma coincidência.
Encolhi-me de ombros, comendo um pedaço de frango. Seus
olhos âmbar se centraram em meu rosto.
— Não há coincidências. Não quando os Valefar estão ao redor.
Minha pele se arrepiou.
— O que está dizendo? Que Apryl era... O que? Um Valefar?
Ele negou com a cabeça.
— OH, Deus não. Não quis dizer isso. — Olhou seu prato, pondo
mais batatas fritas em sua boca. Senti que talvez estivesse me
ocultando algo.
— Então, o que quer dizer?
Cruzei meus braços, à defensiva.
— O que quero dizer, Ivy, é que não acredito nas coincidências.
Isso é tudo. Aprendi a observar as coisas de todos seus ângulos. É um
requerimento para seguir com vida. — Seus olhos cor âmbar se
separaram de mim. — Escuta. O presente de sua irmã foi uma bênção.
Chegou justo quando mais o necessitava. Embora seja possível aceitar
que isso é tudo, o que pede que o seja, também tenho que considerar
que outra coisa poderia ter acontecido.
Página 94
Não disse nada. Não o podia comparar com o Jake, já que Eric
não era um Valefar, mas meu cérebro tratava de tirar a mesma
conclusão, me advertindo que não confiasse nele. O problema era que já
confiava nele. Ele me salvou. É obvio que confiava nele. Senti meus
braços afrouxarem-se e que minhas defesas se desvaneciam.
— Conhecia-a? — perguntei em voz baixa.
Olhando para cima, disse:
— Apryl? Não, não realmente. — Ele deu uns tapinhas com o
guardanapo em seus lábios e logo o pôs no prato. — Ivy, me alegro que
tenha uma peça de prata. Há duas coisas que qualquer Martis
necessita. A primeira é a prata.
— Qual é a outra? — perguntei.
— Não é o que, a não ser quem. Há alguém a quem precisa
conhecer. Um Martis adulto. Maior que eu. Vamos. Não é muito longe.
Eu te levarei já que Jake está à espreita. — Ele deslizou da mesa e
perguntou: — Onde estão seus livros?
Joguei uma olhada à mesa.
— Deixei-os na escola. — E me encolhendo de ombros, adicionei:
— Não precisava deles de qualquer modo.
Tinha deixado no Collin, sai tão depressa que não os tinha
pegado. Ele riu.
— Temos uma prova amanhã. Sim se usar seu livro para mais
que um batente de porta; conseguirá a nota mais alta. Já sabe, não? —
inclinou-se para meu lado da mesa, usando jeans, sapatilhas de esporte
e uma impecável camisa branca. O aroma da secadora e o sabão de
marfim ficaram. Eric cheirava bem.
Rindo ligeiramente, deslizei-me fora da mesa dizendo:
— Sim, sim... Fala como minha mãe.
Página 95
Capitulo 12
Eric dirigiu sem dizer muito, perdido em seus próprios
pensamentos. Enquanto passávamos as casas ao estilo Cape Cód.
alinhadas nas ruas, entramos em uma vizinhança cheia de vida.
Abóbodas alinhavam os alpendres dianteiros, enquanto as outras casas
tinham palhas perfeitamente empilhadas e caules de milho atados aos
postes do alpendre. Amava o outono em Long Island. Era minha época
favorita do ano.
Paramos no estacionamento do St. Bart uns minutos depois. Era
uma igreja difícil de distinguir. Isso significava que ninguém a percebia,
porque não tinha nada surpreendente nela… absolutamente. A fachada
era marrom, o pasto estava desvanecendo-se com a próxima geada, e
havia algumas folhas perenes na grama. Em outras palavras, era feia,
mas não de uma feia monstruosidade.
Eric abriu as portas, e eu o segui para dentro. Os corredores
eram silenciosos e escuros. Serpenteamos através de um labirinto de
corredores e passamos algumas monjas. Entramos em uma sala de
estar com uma velha monja desfigurada sentada em uma cadeira de
balanço. Era difícil de dizer, já que usava roupa de monja, mas eu
estava segura de que tinha sido construída como um tijolo. Seu corpo
tinha um marco retangular, curvado pela idade. Seu rosto tinha rugas
angulosas, que deveriam ter sido bonitos em sua juventude. O sol
danificou a pele sardenta em suas bochechas e o cabelo rígido que
carecia de cor emoldurava seu rosto envelhecido. Seu olhar estava
centrado intensamente no livro em suas mãos.
Eric pigarreou.
Página 96
A monja elevou a vista e sorriu.
— Ah, Eric. Meu favorito. Vem aqui e ajude a uma anciã a
levantar-se. — A Irmã colocou seu livro na mesa. Ela levantou sua mão
para Eric. Ele tomou e colocou sua outra palma em seu cotovelo para
sustentá-la.
Era esta a mulher que ia me ensinar a sobreviver?
— Ivy Taylor, tire esse olhar presunçoso de seu rosto. — A voz
era notavelmente menos doce do que momentos antes. Sua roupa
folgada negra se agitava ao redor de seus tornozelos enquanto falava.
Meus olhos descansaram no chão... Que era o melhor, disse. — As
coisas nem sempre são o que parecem.
Assenti perplexa sobre o que dizer. — Sim, senhora.
A monja riu nisso.
— Sou a Irmã Althea. Pode me chamar Irmã Al. — Ela estendeu
sua mão manchada para mim. Pus minhas mãos entre as suas. Sua
sacudida à antiga tinha o vigor de uma de vinte anos. — Prazer em
conhecê-la — disse. Meu olhar se lançou para Eric, quem estava
sentado em uma das cadeiras acolchoadas. — Meu nome é Ivy Taylor.
— Sei quem é menina. Sei que há grandes coisas planejadas
para ti. Sei que já sobreviveu. — Piscou os olhos quando disse que
sobrevivi. — E sei que se sente arremessada à deriva e com medo.
Senti-me pequena por admiti-lo a um estranho, mas ela tinha
razão. — Isso o resumia bastante bem.
— Uh huh. Sei. — Ela apontou para uma cadeira do outro lado
de Eric, e voltou para sua cadeira de balanço. — Sou mais velha que o
pó, querida. Sei das coisas. Só pergunte ao Eric. — Fez uma pausa por
um momento, me olhando. — Há algo diferente em você — disse. Tratei
de esconder meu pânico, mas tinha a sensação de que não podia
ocultar nada desta mulher. Havia algo nela. A monja continuou: — Sim,
há algo diferente. Leva uma carga maior que a maioria. Mas não está
além de ti. — Seus pés a balançavam lentamente enquanto falava. —
Muitas pessoas vagam por esta vida sem saber quem são. Não lhes
Página 97
importa muito. Mas a ti sim. O problema é que te vê, sem ver realmente.
Não tem nem ideia de quem é ainda. Isso é um pouco incomum, mas
manejável.
— Então o que devo fazer? — perguntei insegura. Ela estava
falando em códigos. Senti como se devesse tirar um bloco de notas,
para poder olhá-lo mais tarde. Odiava os enigmas, sobre tudo porque
era ruim.
Seus envelhecidos olhos se fecharam.
— Precisa desfazer dessa ira infiltrando-se em sua alma antes
que te polua. — Ela me olhou. Estreitamente. Não me movi. Tampouco
o neguei nem o afirmei. Eu sabia que tinha problemas. Mas Eric não
pareceu gostar de sua resposta. Suas mãos artríticas agarraram a
cadeira de balanço enquanto se inclinava de frente para Eric. — Mostre
como dirigir essa ira. Ensine-a se defender. E logo a treinaremos do
zero, lhe mostrando como usar todos seus poderes… como um Martis.
— Seus envelhecidos olhos perfuraram os meus, me fazendo
estremecer.
Eric vacilou, procurando as palavras adequadas.
— Irmã, não entendo o que quer dizer. Sua cabeça girou para
ele.
— Faz moço. E espero que lhe ensine. Sem perder essa ira
infectando seu interior, ela nunca se converterá no que está destinada a
ser.
Bufei.
— Destinada a ser? Crê que tudo isto trata sobre o destino? —
Não pude me deter. — Este não é o destino! Isto não é justo! — Este não
era meu destino! Era uma sentença de morte.
Os olhos da Irmã Al varreram através de minha marca oculta
antes de sorrir docemente, e disse:
— Não, não é justo que fosse convertida tão jovem, enquanto que
eu fui convertida tão velha. Não é justo que não tenha outra opção. Mas
tem uma opção agora. Pode escolher de que lado quer lutar. Pode
Página 98
escolher com quem te alinhará. E pode escolher como viver. A vida não
é justa, menina. Mas não teria sido escolhida se não houvesse algo
especial em ti. — Sua pele estava curtida como o couro velho, mas seus
olhos ainda brilhavam como se fossem jovens. — Venha aqui, Ivy.
Olhei para Eric e ele assentiu, me animando a seguir. A confiar
nela.
Olhei para a mulher. Ela era uma monja. Se não podia confiar
em uma monja, estava severamente perdida. Sentindo-me tola, pisei
brandamente no tapete. Isto amorteceu meus passos torpes. Parei em
frente a sua cadeira de balanço.
A Irmã Al se inclinou para diante e disse:
— Posso? — Assenti, sem saber o que estava fazendo. A Irmã Al
pressionou seus nodosos dedos em minha palma. Eles arranharam
minha pele suave como papel de lixa. Senti que meu corpo tencionava
inseguro do que estava fazendo. Seu olhar permaneceu em minha mão,
enquanto piscava lentamente. Quando me liberou, levantou seu rosto
para o meu. Por um momento não disse nada, não havia brilho em seus
olhos… nem sorriso em seu rosto. Era uma expressão que reconheci
nos olhos de minha mãe quando soube que Apryl havia morrido. Era
como se o tempo congelasse, e ela estivesse muito aturdida para piscar
ou respirar. A Irmã Al levava a mesma expressão angustiada. Quando
falou, sua voz era baixa.
— Querida menina. — Fechou seus olhos, movendo sua cabeça
lentamente. — Tem um conjunto único de circunstâncias, não? — Eu
não disse nada. Só fiquei ali, com meus olhos muito abertos esperando
que ela despertasse. — Seu vício também é seu salvador. Essa é uma
situação muito pegajosa.
— O que é? — perguntei. Meu estômago revirando, esmagando-
se sobre a mesma náusea.
Ela me sorriu brandamente, liberando minha mão.
— Paixão. Tem a força para levar a cabo as coisas que lhe
importam, mas também tem a habilidade de ser influenciada pelas
Página 99
coisas que lhe atormentam. Isso será problemático em algum momento.
— Sua paixão te manterá viva Ivy Taylor, mas também porá em risco
sua alma. Isso dita o que faz, como vive e a quem dá sua lealdade. OH,
menina. Tem muitas coisas boas em ti, e muita escuridão também. —
Sua voz se desvaneceu.
Incômoda, fiquei ali e me senti como uma grande bolacha da
fortuna. Deslizando minhas mãos em meus bolsos, notei os olhos de
Eric em mim. Sua expressão não era boa. Tratei de reprimir um
calafrio, mas isto percorreu meu corpo, fazendo com que meus ombros
tremessem. Querendo matar o terrível silêncio, perguntei:
— Leu as mãos?
A surpresa derreteu o sério olhar em seu rosto.
— Já! — soprou. — Não, filha. Mas suponho que pode chamá-lo
assim. É parte do poder dos Martis. Sou uma Seyer, estranha como
nós. Assenti, sem saber o que dizer ou a que se referia. Um incômodo
silêncio se prolongou, enquanto ambos me olhavam. Meus dedos
agarraram nervosamente minha perna através dos bolsos de minha
calça.
Finalmente, fiquei de costas, incapaz de suportar seus olhares
por mais tempo. Passeei pela habitação, lentamente. Esperando. Os
olhos de Eric estavam sobre mim, me observando. Não perdia nada.
Talvez fosse um homem perigoso.
— Eric — disse ela. — Quero que seu treinamento comece de
imediato. Ensine-a como lutar. Necessitamos que sobreviva
especialmente depois do que passou a outra noite. Esse Valefar a
caçará. E quero que você a treine. Ninguém mais. Você e só você. Se
necessitar ajuda com algo, pode pedir a outro Martis, apresente-a, mas
não deixe que ela treine com eles. Compreende? — Seu olhar se posou
nele com uma intensidade que respaldou a importância de suas
palavras.
Os olhos de Eric se precipitaram para mim, e logo para Al. —
Claro, mas por que eu?
Página 100
Um sorriso puxou os cantos de sua boca. Envelhecidos dentes
foram revelados detrás de seus magros lábios.
— É o melhor guerreiro que temos. Ela precisa aprender com os
melhores. Isso é tudo. Não interferirá com seus outros deveres. Ensine-
a lutar e eu lhe ensinarei o resto. Você e eu a prepararemos em pouco
tempo. — Ela cruzou seus dedos nodosos em seu colo, sorrindo. Era
um sorriso de cumplicidade, um que pressagiava coisas más.
Voltei a olhar seu rosto envelhecido, me perguntando como ia
sobreviver a isto. Eu não podia lutar. Quando alguém me incomodava,
eu não contra-atacava. Não era esse tipo de garota. Mas depois que
Jake me atacou, pedi a Deus ser essa garota. Jazendo ali impotente,
bom, terminei com isso. Não queria ser apanhada assim de novo. E se
chegasse o momento de rasgar minha alma de meu corpo, ou matar,
mataria. O pensamento me surpreendeu, mas a lógica interveio. É obvio
que mataria. Já não queria viver essa dor novamente, e tampouco o
desejava a ninguém mais. Não se eu pudesse detê-lo. A determinação
disparou através de minhas veias, alagando meu corpo com resolução.
Aprenderia. Podia fazê-lo. Tinha que fazê-lo.
Assenti para Eric. — Só me diga quando e onde. Estarei lá.
— Ela é um pouco horripilante, Eric. — Não sabia por onde
começar, mas isso resumiu. Coloquei o cinto de segurança da
caminhonete de Eric. Soprou uma gargalhada e disse:
— Ela é uma das mais antigas entre nós. Tem alguns dons
muito incomuns e deve pensar que você também.
Eu me contorci.
— Por que diz isso?
— Ela está te tratando diferente. E nunca ouvi falar de um de
nós tendo seu vício antes. — Ele estava preocupado. — Ao que parece,
essa é sua fortaleza também.
— Isso mais ou menos resume tudo. Sou uma maníaca
apaixonada pelo trabalho. — Via todo mundo voando através da janela.
Página 101
O sol tinha sido tragado pelo céu noturno e as luzes brilhavam de uma
cor amarela opaca.
— As paixões são boas. — Ele me olhou e rapidamente
adicionou: — Quando se mantêm sob controle. Precisamos revisar as
suas e as manter aí. — Parou na calçada a umas poucas casas abaixo
da minha. — A ira nunca é boa. Sabe do que ela estava falando? Sabe
por que está tão zangada?
Mantive meus olhos olhando através do vidro ao mundo exterior.
As casas alinhadas na rua com pessoas dentro em seus lares felizes,
vivendo uma vida normal. Uma vida que queria tão desesperadamente
que doía. Assenti com a cabeça:
— Sim, sei. — Minha voz era débil, esgotada.
Eric disse:
— Não posso pretender saber como se sente e não o farei. Eu
estava muito emocionado, fui escolhido para isto. E não posso imaginar
estar zangado por isso. — Recolheu o selo em sua janela e me olhou por
cima do ombro. Encolhi-me de ombros.
Mas algo me dizia que ser marcada como uma Martis não
era o que me incomodava. E por algum motivo, Eric supôs que essa era
a razão de minha irritação. De certa forma, possivelmente era. Não
estava contente que tivesse sido empurrada para isto, isso estava certo.
Não, a ira que ardia dentro de mim tão ferozmente e com tanta paixão,
não era por ser reclamada. Foi desde que fui poluída pela besta que
Shannon descreveu. Estava atada ao medo e à dor da lembrança de
meu amigo dependendo de mim. E me perguntei quem mais poderia ser
desleal quando visse que minha marca era da cor dos Malditos.
— Você é diferente… — titubeei sem saber o que dizer.
— Por quê? Por que estava feliz de me impor esta vida? Em
algum nível tem razão, Ivy. Não vou negar. Estava muito emocionado
quando aconteceu isto, porque significava que realmente poderia ajudar
às pessoas e fazer a diferença… inclusive se isso me custasse à vida.
Compartilho sua paixão e entusiasmo. — Fez uma pausa e me olhou
Página 102
pela extremidade do olho. — Somos mais parecidos do que se dá conta.
Não se preocupe. Melhorará.
— Não estou preocupada — minto.
Seus olhos estudaram meu rosto. Eric nunca me julgou, ele
sozinho assumiu o que viu como uma confusão, e atuou como ele.
— Ivy, jogaram-lhe sobre a cabeça uma vida que nem sequer
podia imaginar faz uma semana. Vai para casa, janta, e olha o teto até o
amanhecer. Sei. Fiz o mesmo. Mas fica melhor.
Assenti com a cabeça sem entusiasmo:
— Sim, certo.
— Não aja assim. Ofereceram-lhe uma vida que a maioria da
gente sonha. E dentre todas as pessoas deve entender - ralhou.
— O que quer dizer com isso? — perguntei.
— Significa que pode chegar a viver uma vida que faça diferença.
É uma mudança que pode ver durante sua vida, já que esta seja por
dezessete anos ou por dezessete séculos. Se destruir um Valefar, faz a
diferença. Salva as pessoas. Estende o bem pelo mundo e ataca ao mal.
Tem a oportunidade de ver que sua vida não vive em um fio. Ivy, quase
ninguém nunca lhe concede esse dom, nunca. — Sua voz se fez mais
alta ao terminar. — E por alguma razão concedeu a ti, e está zangada
por isso.
Suas palavras impregnam através de minha consternada
carapaça. Que parte de mim, a parte Martis. Podia sentir a influência de
suas palavras como música para minha alma:
— Tem razão.
— O quê? — Ele estava surpreso.
— Posso admitir quando estou errada. Estou errada ao estar
zangada por tudo isto, mas não entende totalmente.
— Bom, me ajude então. Diga-me. — Suplicou o rosto de Eric.
Aproximou-se de mim com seu rosto mal iluminado pelo painel.
Devia lhe dizer? As palavras desejavam sair da ponta de minha
língua. ―Algo está errado comigo, Eric. Ajude-me‖. Queria confiar nele
Página 103
tão fortemente, mas não podia. Não podia lhe contar. Mordi o lábio. —
Não posso.
Deixou sair um assobio enquanto olhava o céu estofado.
— Não posso te entender. Sabe? Senta-se em aula e é
inteligente, e bonita. Não faz uma boa prova. E qualquer um pode ver
que é só uma prova, mas você não. Qualquer um menos você. E isso te
faz pensar que é tola. Essa mesma originalidade que evita os resultados
das provas alivia sua alma. Essa alegria que fluí quem lhe rodeia. Te
vejo, Ivy. É uma boa amiga para a Shannon. E é boa amiga para o idiota
do Collin, apesar de que não o mereça. — Sacudiu a cabeça e disse: —
Não entendo.
Observei-o. Eu o tinha conhecido durante tanto tempo, mas
nunca lhe ouvi dizer tanto. E perguntei:
— O que não entende?
O rosto de Eric se enrugou carrancudo.
— Como pode estar disposta a compartilhar isso com ele? Mas
não comigo?
— Não entendo o que quer dizer. — Me contorci no assento.
— Confia nele. E te trata mal, te jogando em situações nas quais
não deveria estar, mas ainda assim, confia nele. Eu te trato muito
melhor. Mas antes de hoje, nunca me deu uma segunda olhada. —
Seus olhos se encontraram com os meus em cada palavra sincera. Não
sabia o que dizer. Collin não me tratava mal, a maioria das pessoas
pensava que meus encontros amorosos eram o resultado de sua
influência. Não eram. Eram minhas próprias confusões, mas não
estava pronta para dizer ao Eric. Então disse:
— Sinto… me detive, tentei lhe contar. Explicar-lhe. Tomei
uma respiração profunda. — É só que… tenho um montão de
problemas para confiar nas pessoas. — Eric ia me interromper, mas
levantei minha mão para calá-lo. — Por favor, me deixe terminar. É algo
que desejei mudar, mas não posso. Continuo tentando, mas continua
saindo errado.
Página 104
— O que quer dizer? — perguntou. E se moveu em seu assento,
inclinando-se um pouco mais para mim.
Demorei a responder, não queria dizê-lo. Queria estar
equivocada a respeito de Eric. Não podia lhe dar uma punhalada nas
costas de novo.
— Jake. Eu confiei nele e… — Não tinha que dizer nada mais.
Ele pôs as peças juntas. Está além de te foder quando alguém de
confiança te trai. Jake me traiu da pior maneira possível. O braço de
Eric se aproximou e roçou a minha mão. Olhei para cima e ele disse:
— Me certificarei de que sua fé em mim esteja em boas
condições. Pode confiar em mim, Ivy.
Sua mão estava no assento, ao mesmo tempo da minha. Seus
olhos estavam procurando meu rosto para ver se acreditava. E queria,
mas a confiança não voltará a funcionar dessa maneira. Querer não era
suficiente. — Espero que sim.
— Não, você sabe. Escuta. — mostrou-se crédulo. — Necessita
de amigos agora, mais do que nunca. Tem que confiar em alguém. Não
pode fazer isso sozinha. Os solitários terminam mortos. Te protegerei,
Ivy. Vou te treinar. Vou te proteger. Nunca te darei uma razão para
que não confie em mim. Juro. — Seus olhos cor âmbar eram sinceros. A
culpa me sacudiu, mas ele seguiu pressionando. Estava sentada lhe
mentindo na cara. Ele pensou que era uma Martis pura, uma aliada. E
eu sabia que não era. Eu era um híbrido anjo-demônio quebrado que
tinha que confiar nele ou morrer.
E disse:
— Assim espero.
— Confie em mim, Ivy. É tudo o que peço. Acredite em mim. —
Seus olhos me perfuraram.
Sabia quando tinha começado minha ira. Embora eu não
gostasse de falar disso, não vejo que dano pode fazer agora. Sacudi a
cabeça. — A fonte de minha irritação não é totalmente por ter sido
marcada. Não é de agora. Jake não era de todo… é desde antes. Desde
Página 105
Apryl. Perdi uma parte de mim quando ela morreu. Fez-me algo, e não
posso me desfazer da ira que ardeu em meu peito. Ainda está aí.
Enterrada. Poluindo as coisas. Posso senti-la.
A mão de Eric deslizou sobre a minha brevemente.
— Ah, não sei nada sobre isso. Al sabe mais do que diz.
Inclinou a cabeça para trás contra o assento, e perguntei:
— O que quer dizer?
Suspirou, me imitando.
— Foi faz muito tempo. Tratei de ocultá-lo. Pensei que ninguém
sabia. Lydia minha… bom eu estava zangado. E a perdi da mesma
maneira em que você perdeu a sua irmã. Porque Al queria me ajudar.
Ela sabia que tinha algo parecido. — Uma estranha sensação me
alagou. Nunca tinha falado sobre Apryl com alguém fora de minha
família. Nenhum de meus amigos teve que lutar com a morte. E fiquei
presa averiguando como suportar, sozinha. Levei um momento para
identificar a sensação que borbulhava dentro de mim… esperança.
— Estava zangado? — perguntei. Ele assentiu. — O escuro, Eric.
Como o manteve longe? Como evitou que te tragasse inteiro? — Senti
minhas sobrancelhas apertadas e a umidade em meus olhos. Verbalizar
minha batalha a fez parecer como se terminasse logo.
Seus olhos caramelo me observaram triste.
— Tragou-me. Deixei que a escuridão me alagasse, até que não
quis tomar outra pausa. Sei do que está falando. Levou tempo e…
confiança. Então o que diz?
O que se supõe que diga? Sacudi a cabeça.
— Levará tempo. Quero confiar em ti Eric. É só que…
Inclinando-se para frente disse:
— O que? Diga-me.
Sacudi a cabeça.
— Sou um desastre. — Era possível? Se me iludiu o suficiente,
Consegui-lo-ia? Sim Shannon sabia da profecia, ele tinha que sabê-lo
Página 106
também. — Não sou o que você pensa. — Procurei a porta e a abri
enquanto deslizava do assento.
Antes que meus pés tocassem o chão senti a mão de Eric em
meu pulso.
— Espera. Não vou te pressionar. Só me diga quando estiver
preparada. Enquanto isso saiba que estarei aqui, e serei seu amigo. E
Ivy — sorriu — já sei que é um desastre, é parte de seu encanto.
Página 107
Capitulo 13
A semana passou sem incidentes. Enquanto outros aspectos de
minha vida se estabilizavam, uma parte não o fazia... Collin. Nos
evitávamos. Via-o passando, caminhando pelo corredor ou no cenário
depois da escola. Eric sempre estava perto, assim não tentei falar com
ele. Inclusive se estivéssemos sozinhos, o que lhe diria? Perguntava-me
se poderíamos voltar a ser amigos, mas duvidava que isso fosse
possível.
De noite, depois que Eric me trouxe para casa, sentei-me
sozinha, olhando para o teto até amanhecer, me escondendo na
segurança da protegida casa dos meus pais. Escutava as palavras de
Collin ecoando dentro de minha mente. A lembrança de sua voz sedosa
e seus intensos olhos safira se apoderou de mim. A lembrança me
deixou sem fôlego, como se estivesse caindo em um sonho escuro, sem
forma de despertar. A ausência de Collin me fazia dar conta de quanto
significava para mim, sem importar quanto queria negar. Maldição. O
que acontecia comigo? Beijá-lo revelaria tudo. Me deixaria
completamente exposta, colocaria Collin em perigo. A melhor maneira
de encarar este problema era aguentando. A luxúria acabaria e eu teria
meu amigo de volta... Isso esperava.
Tentando levar meus pensamentos para algo um pouco mais
produtivo, tentei descobrir como me tinha contaminado em primeiro
lugar. Não parecia algo muito comum, já que a profecia tinha estado
dando voltas por um tempo e ninguém mais tinha tido este problema
antes. Convidei Shannon uma noite, e tentamos decifrar como tinha
acontecido. Ela se sentou em minha cama, atuando como se só
Página 108
fôssemos nós de novo. Entristeceu-me, porque sabia que nunca
seríamos só nós de novo. Sempre haveria um elemento de desconfiança
entre nós.
Ela disse:
— Investiguei algumas coisas para você. Não havia muita
informação. Acredito que encontrei, mas é estranho. — Olhou-me,
colocando seus pés debaixo dela. Shannon gostava de encolher-se como
uma bola quando estava nervosa. Aparentemente, estava mais que
nervosa porque não podia apertar-se mais.
— Posso lidar com o estranho. Conte-me. — Meu coração
acelerou ligeiramente. A esperança fluiu através de mim. Descobriria o
que havia causado, e logo poderia muda-lo, verdade? Tentei parar de
perambular.
— Tudo se resume ao sangue. O sangue de demônio é poderoso,
e funciona diferente do sangue de anjo. O sangue de anjo se acumula e
te faz mais... Você. Só que melhor. O sangue de demônio é mais como
ácido, arrasta-se dentro de seu corpo, corrompendo-o lentamente,
apoderando-se de você lentamente — fez uma pausa, me olhando —
Quando um Valefar se une... Escraviza... A um Martis, têm que tirar a
alma e então acrescentar seu sangue. Abrem a frente da vítima, e
cobrem a cicatriz com sangue de demônio. Este entra na corrente
sanguínea através da marca e une à vítima ao Valefar ao mesmo tempo.
Mas você não tem nenhuma cicatriz. Ele não chegou tão longe. Mas...
Deve ter tido sangue. Ele sangrou? Há alguma possibilidade, durante o
beijo do demônio, de que você tenha acidentalmente... Ingerido seu
sangue? — Shannon formulou a pergunta como se fosse o mais bizarro
e improvável do mundo. E era... Ou o tivesse sido, se eu não resistisse.
Mas sim o fiz.
Meu estômago se afundou.
— Mordi o lábio. Não podia interromper o beijo. Ele era muito
forte... Assim o mordi. Forte.
Ela pareceu perturbada.
Página 109
— Bebeu? — Seus lábios se franziram em uma expressão de
desgosto. — Não disse — não bebi. Cuspi tudo. Seu sangue correu por
meu rosto, sobre mim. Mas não acredito que tenha engolido algo. —
Segurando meus braços, apertei-os com força contra meu peito, e
comecei a andar de novo. Recordava claramente o sangue em minha
boca, mas não recordava tê-lo ingerido. E parte da noite era um borrão.
Não sabia o que tinha acontecido. Em um momento estava consciente,
e no seguinte estava nos braços de Eric. Ainda não sabia o que ele tinha
feito para me reanimar. Pensei que tinha morrido — O que acontece se
engoli? Ela se apoiou contra a parede, suas pernas pendurando do
lado da cama.
— Não sei. Nunca ninguém bebeu. Os que o fazem, geralmente
morrem... Ou se tornam Valefar. Ninguém nunca esteve preso no meio
antes. — Passou seu comprido cabelo sobre o ombro — É possível que
ingerisse uma pequena quantidade, e isso foi o que causou a mudança
da cor de sua marca, te poluindo, como disse a profecia. Olhei-a,
horrorizada.
— Então, isso é o que causou? Sangue de demônio... — A única
coisa que podia fazer para me liberar, era também o que me condenava.
Merda. Como me aconteceu isto? Sentindo-me doente, envolvi meu
corpo com os braços, e olhei pela janela para o céu escuro. O frio do
cristal se filtrava através dele, e estremeci — O que acontece com minha
alma? Ele tirou uma grande parte, mas não sei quanto. Pensei que a
tinha tomado toda. Pensei que tinha morrido Shann.
Sua expressão era afligida.
— Ainda tem alma, do contrário essa marca em sua testa seria
de cor vermelha brilhante. E você estaria morta. Os Martis se
encontram entre os vivos e devem ter uma alma para sobreviver. Os
Valefar não. É por isso que primeiro nos drenam e logo acrescentam seu
sangue. Enquanto tenha suficiente de sua alma, não pode te converter
em uma deles. Não completamente.
Página 110
Fechei os olhos, pressionando minha mão contra a testa.
Amaldiçoei-me. Eu fiz isto a mim mesma. Depois de um ataque de
pânico que durou um ou dois dias, a ira lentamente se converteu em
algo mais; algo escuro. Se Jake não tivesse me atacado, não teria
acontecido. Não teria sido poluída. Não seria a garota da profecia. Mas
foi eu que o fez. Eu fui a que o fez sangrar. No final, era minha culpa.
Tinha que manter em segredo. Ninguém podia saber que tinha bebido
sangue de demônio, porque todos os que o tinham feito morriam ou se
haviam tornado Valefar. Todos... Exceto eu.
Os dias passaram e não disse nada. A escuridão, os dedos frios
que se sentiam como a morte me levando de novo, sufocavam-me. Não
contei a ninguém, embora soubesse que Eric podia ver que estava
sofrendo. Continuávamos treinando, mas eu tinha progredido pouco.
Um dia o treinamento mudou das coisas físicas normais, a algo melhor.
Estava agradecida pela mudança e entrei no ginásio com Eric.
Passamos por um grupo de monjas, e algum Martis que vinham à igreja
para treinar com Eric. O lugar estava sendo invadido pelos Martis. Não
era casualidade que todos estivessem pululando ao meu redor. Mas
ninguém notou que eu era diferente. Ninguém viu. E eu escondi o
melhor que pude.
Aparentemente Eric era um guerreiro estupendo. Estava claro
que era um dos melhores do mundo. Os Martis vinham de todas as
partes para aprender com ele. Sussurravam sobre suas capacidades, e
estavam pasmos. Tinha visto alguns deles treinando com ele. Lutava
com graça, não como meu patético treinamento. Sem dúvida, eu era
sua pior aluna.
Depois que ele abriu as portas, parou a minha frente. Vestia
jeans e uma camiseta branca, como sempre. Seus olhos cor âmbar
eram brincalhões.
— Quero te mostrar algo. Um segundo. — Quando entramos
havia outros três Martis na sala. Eric foi para eles. Todos conversaram
como se conhecessem desde sempre. Virou-se para mim, enquanto
Página 111
falava muito brandamente para que eu escutasse. Os Martis riram e
lançaram suas bolsas sobre seus ombros e partiram. A última a sair foi
uma mulher com cabelo negro azeviche chamado Elena. Tinha-a visto
treinando com Eric nas últimas semanas. Ela exclamou por cima do
ombro:
— Boa sorte novata!
Meus olhos aumentaram quando olhei para Eric, sem gostar do
que estava se tornando esta sessão de treinamento.
— Por que me olharam assim, Eric?
Ele sorriu, aproximando-se de mim com grandes pernadas.
— Está nervosa? Pensei que Ivy Taylor podia lutar com algo?
— Sim — disse — Isso foi antes que as coisas ficassem loucas. O
que estamos fazendo? Por que é tão secreto?
— Não é tanto um segredo como uma medida de segurança. E
queria que estivesse sozinha quando treinássemos. Assim joguei a todos
outros. Genial, não é?
— Sim. Genial. — Minha boca se aplanou em uma linha magra.
Eu não gostava de ser tratada de forma diferente. As pessoas me
notariam. Já o tinham feito.
Eric passava mais tempo me treinando do que a outros. Eu só
ria, diminuía a importância dizendo que era impossível de treinar. Ele
se sentou em um dos colchonetes e cruzou suas pernas. Imitei-o.
— Ivy, vou te mostrar uma das coisas mais fantásticas que os
Martis podem fazer. Quero assegurar de que aprenda como se faz. E
leva tempo aprendê-lo. — Sorriu, e se recostou para trás, apoiando-se
em seus braços — Os Martis têm a capacidade de converter a luz em
matéria física.
Minhas sobrancelhas se arquearam. Isso era inesperado.
— Do que está falando?
— É parte do poder do sangue de anjo. Os Martis podem
converter luz em uma forma física. Podemos usá-la para muitas coisas.
Tipicamente é usada pelos Polomotis quando combatem e os Dyconisi
Página 112
enquanto curam. Não vi Seyers suficientes para saber exatamente como
o usam, mas disse que você a usaria e que eu devia te ensinar. Assenti,
sem estar segura do que pensava. Ele se endireitou, sustentando sua
palma frente a ele. Seus dedos se crisparam quando sorriu, seu olhar
em meu rosto, enquanto meus olhos olhavam sua palma. Apareceu um
ponto do tamanho de um alfinete, resplandecendo com um azul tênue.
De uma vez que seus dedos se crispavam, a esfera se tornava maior.
Logo se tratava de uma esfera flutuante com um centro azul brilhante,
rodeada por outra esfera de luz branca translúcida.
Era formosa. Elevei a mão para ela, estendendo os dedos para
tocá-la, me perguntando como se sentiria. Olhei a Eric lhe pedindo
permissão e ele assentiu dizendo:
— Pode tocá-la. — Elevei a mão, estendendo meus dedos para a
esfera. Sua suave luz irradiava um calor relaxante. Sua superfície era
lisa, com uma suavidade subjacente, como uma pérola. Hipnotizada,
deslizei um dedo sobre a polida superfície, finalmente pressionando a
palma de minha mão contra ela. A luz envolveu minha mão. O interior
da esfera não era líquido, mas tampouco era sólido. Sentia-se como um
pudim morno, congelado até converter-se em um líquido suave. Movi os
dedos através da substância pegajosa e tirei a mão, esperando que
estivesse úmida, mas não estava.
— Eric, o que é isto? Para que se usa? — perguntei, olhando-o.
Ele me olhou intensamente enquanto eu examinava a esfera, sorrindo.
— É luz. Bom, uma parte de luz. Os curadores a utilizam para curar
feridas. Pode curar quase tudo nas mãos do curador correto. Os bons
curadores podem usar vastas quantidades de luz e fazer coisas
maravilhosas. Os guerreiros a usam em batalha. Podemos usá-la para
tudo desde iluminação até usá-la como uma arma. Mas, a única
maneira de assegurar-se de que um Valefar realmente morra é com
prata celestial. A luz pode detê-los, e nos salvar, mas o Valefar não
estará completamente destroçado e pode ressurgir depois, se só
usarmos luz.
Página 113
— Posso segura-la? — perguntei.
Ele sacudiu a cabeça. Observei enquanto a luz da esfera se
atenuava, enquanto desaparecia de sua palma.
— Vai aprender a invocá-la. Dessa forma posso te ensinar como
usá-la.
Um sorriso surgiu no canto de minha boca. A antecipação me
alagou com uma excitação vertiginosa. Queria ser capaz de invocar a
esfera de luz, porque era genial. Está bem, possivelmente minhas razões
eram superficiais nesse momento, mas a esfera tinha um fator
hipnotizante semelhante a olhar as borbulhas dentro de um abajur de
lava. Ele me disse o básico, e sustentou sua palma sob a minha, depois
de aproximar-se mais.
— Como é luz, está morna. Pode tentar tomá-la, e ela virá a ti
porque você é uma Martis. — A mão de Eric embalou a minha. Invocou
a luz e a esfera se formou sobre minha palma. Podia sentir a morna
forma em minha carne antes que o ponto azul aparecesse. Mas a luz
não cresceu. Desapareceu. Respirei profundamente, e o olhei. Eu não
era completamente Martis. Perguntei-me se a luz me ouviria, ou se a
escuridão que havia dentro de mim a afugentaria.
Eric podia dizer que eu estava tensa, mas não tinha nem ideia
do por que.
— Pode fazer isto, Ivy. É básico. Algo que quero que você faça
com ela será muito mais difícil. Não tem que preocupar-se
absolutamente. — Sorriu-me e logo reposicionou sua mão debaixo da
minha — Tente agora.
Embora me explicasse isso várias vezes, era difícil de fazer.
Concentrei-me no ar morno girando ao redor de meus dedos, buscando
a fonte de calor para a luz que iluminava minha mão. Invoquei-a,
desejando que se acumulasse em minha palma na forma que Eric o
fazia. Olhei, enquanto sentia minha mão manter-se em uma
temperatura constante. Não houve uma espetada de calor, nenhum
Página 114
ponto de luz azul. Depois de uns poucos momentos, a voz de Eric
rompeu o silêncio. Deixou cair sua mão e deslizou frente a mim.
— Uh. Fez exatamente o que te disse? Sentiu o calor no ar, e
logo deteve o caminho para a luz? Invocou-a? Assenti.
— Possivelmente preciso de mais prática — Que mais podia
dizer? Que meu sangue de demônio mantinha a luz afastada de mim?
As sobrancelhas do Eric se juntaram.
— Não. Isso usualmente não demanda prática. É mais uma
compreensão e uma execução. Repassemos tudo uma vez mais.
Possivelmente nos passou algo.
Eric começou desde o começo, e repetiu tudo o que já me
havia dito. Quando terminou, disse-me que separasse os dedos
amplamente e me concentrasse na sensação do ar fluindo sobre minha
pele. Logo retomamos nossas posições com sua mão embalando a
minha.
— Agora, te concentre no ar. Sinta-o tocando sua palma;
está pressionando ligeiramente contra sua carne.
Concentrei-me. Tinha que fazer que isto funcionasse. Por pura
força de vontade, tinha que funcionar. Sabia que falhar uma vez seria
algo fortuito, mas falhar duas vezes, em algo tão básico, bom, não havia
maneira de ocultar isso. Concentrando com mais força, enfoquei-me no
ar que rodeava minha palma. Senti seus sutis movimentos enquanto se
movia lentamente sobre minha palma imóvel. Senti o ar apanhado entre
o dorso da minha mão e a de Eric enfraquecendo-se. O ar morno viajava
por toda a longitude de seus dedos, enchendo a pequena brecha entre
nossas mãos. Respirando profundamente, concentrei-me no calor,
sentindo-o irradiar ao redor de mim. Imaginei a esfera azul, invocando-a
com minha mente, lhe ordenando vir para mim. Eric me havia dito que
encontrasse a luz que fluía fazia de mim como o mel, emergindo
lentamente em raios dourados. Para meu horror, senti os raios de mel
ao redor de mim recusando-se a responder a meu chamado.
Inicialmente se moveram para mim, mas quando estiveram a ponto de
Página 115
formar uma mini esfera azul, foram rechaçados por mim. Minha mão
estava vazia, pela segunda vez.
Eric estava desconcertado. Sua testa se enrugou quando se
girou frente a mim.
— O que aconteceu? Sentiu-a?
Assenti, sem querer olhá-lo. A luz não queria ter nada que ver
comigo. Estava poluída, e sabia. Logo ele saberia.
— Sim, senti-a.
—De acordo, tentemos uma vez mais. Esta vez irei me sentar a
sua frente e te observarei. Mas eu invocarei a luz. Você só vai sujeita-la.
Se for capaz de senti-la, deveria ser capaz de sustentá-la. Isto é fácil,
Ivy. Estou seguro de que é seu professor, e não você. De acordo? -
Sorri-lhe fracamente, sabendo de antemão o que aconteceria. Seguindo
a corrente, fiz de todas as formas. Eric invocou a luz, e logo teve a
formosa esfera formando redemoinhos em sua palma. Sentou-se
diretamente de frente a mim. Com sua mão livre, levantou minha mão.
Abri os dedos para receber a esfera, e logo embalou a parte traseira de
minha mão para mantê-la em seu lugar. Aproximou a esfera para mim
lentamente. Meu coração deslizou para meu estômago. Não podia
suportar ver isto. Ele pôs a mão que sustentava a esfera diretamente
sobre minha palma e lentamente começou a depositá-la ali. A esfera
adotou uma forma estranha, e começou a derramar-se por minha mão
aberta. A esperança revoou através de mim quando vi a luz fluindo em
minha direção. Invoquei-a, lhe rogando que desta vez ficasse. Mas não
aconteceu. Justo antes que a luz tocasse minha carne, senti seu
rechaço. Quando a esfera se moveu da palma de Eric à minha, a luz
desapareceu.
Eric olhou minha palma vazia. Seus dedos pressionaram minha
carne quando falou.
— Não entendo. Qualquer um pode invocar a luz. Mas não vai
para ti. Afastei minha palma, meus braços rendendo-se com força ao
meu redor.
Página 116
— Não parece que goste de mim.
— Não funciona assim. À luz não gosta de um Martis mais que
outro. Não lhe importa. Chama de igual a igual, como duas gotas de
água unindo-se em uma só. —Elevou seu olhar para mim. Sua
expressão era confusa. Sentou-se esperando que lhe chegasse uma
explicação; uma que tivesse sentido. Mas nada veio. Sentamo-nos ali
olhando um ao outro.
Eu era a única que sabia por que a luz não vinha para mim, que
nunca poderia vir para mim. Enquanto que meu sangue de anjo me
permitia invocá-la, meu sangue de demônio a repelia. Traguei com
força, me perguntando se era tão óbvio para Eric. Eventualmente ele
sugeriu que fôssemos para este problema. Não protestei. Quando
contou a anciã, agradeceu a Eric e lhe perguntou se tinha alguma ideia.
Ele atribuiu o fracasso a suas destrezas como professor. Agradeceu-lhe
amavelmente, e pediu para falar comigo a sós.
Meu coração ia explodir. Por quanto tempo poderia ocultar isto?
Ela tinha que saber. Ao se sentar em seu lugar de sempre, seus anciões
olhos estavam me olhando.
— Sim, a luz não te obedece? Traguei com força.
— Suponho que não.
— Essa é uma raridade, para uma Martis. — Houve um
comprido silêncio como se esperasse que eu confessasse. Mas não o
faria. Finalmente disse — Todos nós usamos a luz de forma diferente,
de acordo com nossas capacidades. Eric a usa como um guerreiro, e
outros a usam para curar. Os de minha classe, os Seyers, a invocamos
em nossas visões. Podemos ver coisas que ainda não aconteceram. Ser
capaz de invocar a luz é uma medida de segurança. Assegura que não
ficarei apanhada em uma visão. A luz nos defende, e nos protege.
Embora não estou certa de suas habilidades neste momento, sei que
deve ser capaz de fazê-lo. Se a luz não for para ti... Não terá esse
amparo, Ivy. Isso será perigoso.
Tentando não me retorcer, continuei:
Página 117
— Praticarei. Sei que posso fazê-lo.
— Sabe? — perguntou ela — Realmente pensa que o problema
foi que não tentou?
Retrocedi para a porta, pronta para sair.
— Tem que ser isso. Praticarei até que consiga. — Ela assentiu,
e fui. Tinha que aperfeiçoar algo que não podia fazer. E desta vez mentir
não resolveria.
No final da semana, Eric me disse que queria falar comigo a sós.
Isso funcionou bem, porque Eric tinha uma reunião. Assim
combinamos de nos encontrar depois da escola. Partimos por caminhos
diferentes, enquanto ele tomava o caminho mais curto para seu
armário. Era estranho, mas me sentia segura ao redor de Eric. Embora
soubesse que não era real. Logo que ele descobrisse o que eu era, ficaria
contra mim.
Enquanto dobrava a esquina, meus olhos estavam fixos no piso
liso, até que estive a uns metros de meu armário. Estremeci-me e
levantei o olhar. Os braços de Collin estavam cruzados com força sobre
seu peito, acentuando a firme curva de seus braços. Uma camisa azul
escuro agarrava seu torso, e vestia sua jaqueta de couro negra. O couro
estava bem gasto. Era sua jaqueta favorita.
Detive-me, incapaz de me mover no meio do corredor
movimentado. Era como deixar cair uma rocha em meio de um
formigueiro. Todos se moviam ao meu redor em grupos. Emoções
mescladas me alagaram. Queria vê-lo, mas não podia suportar a ideia
de falar com ele. Necessitava desesperadamente um amigo. Alguém em
quem pudesse confiar, mas sem importar quanto, queria lhe contar
tudo, não podia. Teria que fazer isto sozinha. Engolindo com força,
dando um passo para a corrente de pessoas, passei para meu armário.
Todo o tempo, os olhos de Collin estiveram intensamente fixos em mim.
Ignorou aqueles que o chamavam, sem jamais afastar o olhar. Movendo
seu corpo, apoiou-se contra o armário próximo, e logo me fez um gesto
para que me aproximasse e abrisse o meu. Vacilei uma vez que meu
Página 118
pulso se acelerava. Elevando a mão para a porta de meu armário,
apartei os olhos, tentando me apurar. Não disse nada.
— Assim, está saindo com ele? — Sua mandíbula estava
apertada, enquanto me perguntava o que todos assumiam
naturalmente. Um pouco confusa, detive-me, olhando seus pés. Minha
cabeça se apoiou contra meu armário, enquanto fechava os olhos com
força.
Isto é o que o incomodou tanto que rompeu o silêncio? Não era
nada, mas Collin não sabia. Eric e eu estávamos juntos todos os dias,
na aula, depois de aula, no ensaio, e depois. Este era o primeiro dia que
estava sozinha depois da aula. Eric e eu tínhamos falado disso, e
pensava que era melhor deixar que os outros assumissem que
estávamos saindo, embora não fosse assim. Fazia a vida mais fácil, e eu
necessitava de facilidade. Collin não era fácil. Desejava lhe contar, e
sentir a carga das últimas semanas derreter-se. Mas não podia. Tinha
que mentir. Outra vez.
— Possivelmente estou — menti, olhando dentro de meu
armário. Fiquei de pé ali, sem ver nada, mal me movendo. O pelo de
meu pescoço fazia cócegas, enquanto sentia seu olhar em meu rosto.
Ele não respondeu em seguida. Seus olhos se mantiveram no
lado de meu rosto, com seus lábios pressionados com força. Finalmente
disse: — Ou, possivelmente não. — Não houve uma mudança em sua
postura, e seus braços continuavam travados apertadamente sobre seu
peito. Mais gente passou, chamando-o, mas Collin os ignorou
completamente.
Escapou-me uma risada nervosa. Esta era minha oportunidade.
Podia lhe contar a verdade, ou parte dela, de todos os modos. Podia
dizer que não estávamos saindo, que Eric e eu não nos gostávamos
dessa maneira. Empurrei um cacho para trás de minha orelha, e me
virei para ele. Tomei cuidado de olhar sua bochecha e não seus olhos.
Mas, em lugar da verdade, articulei as palavras que me protegeriam.
Página 119
— É obvio que estamos saindo. Não me diga que está ciumento
Collin — Sorri-lhe.
Sua expressão era intensa, sem pestanejar.
— Nunca se tocam. Ele não pega na sua mão. Não te vi tocá-lo...
Em absoluto. Isso é um pouco estranho, Ivy. — Seus olhos estavam
fixos em meu queixo. Ele poderia ter tirado a informação de minha
cabeça, se levantasse meus olhos. Mas não o fez. Esperou por minha
resposta. Mexi em meu armário, atuando como se não me importasse.
— Talvez para você seja estranho, mas não para mim. Já não sou
assim. — Lembranças de beijar meninos sem nome saíram à superfície
junto com a dor que tinha tentado conter o ano passado. Empurrei
esses pensamentos para baixo. Sacudindo a cabeça, olhei-o — Já não
sou assim.
Sua voz foi tão baixa que foi quase inaudível.
— Só me conte. — Seu peito subiu e baixou com inalações
profundas, controladas. Seus dedos estavam aferrando seus braços com
tanta força que estavam ficando brancos. Não importava o que ele
perguntasse ou o que eu queria. Não podia lhe contar. O
arrependimento se acumulou em meu estômago, fazendo que meus
lábios se enroscassem. Mordi-os delicadamente, para tirar o cenho
franzido de meu rosto.
Escutei-me dizer:
— Não há nada para contar. Não sou como você. Não durmo com
tudo o que tenha duas pernas, certo?
Ele sorriu ligeiramente. Era um sorriso de menino presunçoso
que raramente via em seu rosto. Era o olhar que dizia que eu tinha
razão, e que não lhe importava muito. Ganhou sua reputação antes que
eu o conhecesse, e era de conhecimento geral que não era um menino
de uma só garota. Pensava que por isso me tinha deixado tranquila o
ano passado, quando havia me tornado louca. A dor de perder alguém
que amava era insuportável. Afogá-lo em luxúria tinha sido a única fuga
Página 120
que tinha encontrado. Seu cabelo se deslizou sobre seus olhos,
enquanto ele olhava o piso.
— Não. Não tudo. — Seus olhos azuis me atravessaram. Um
arrepio se derramou por minha coluna — Você não.
— Não, eu não - sussurrei com o coração pulsando com força.
Baixei o olhar pros livros que tinha apertados com força no meu peito.
Dando-me conta de que minhas palavras soavam cheias de remorso,
sorri brandamente — Acredito que essa foi a primeira vez que alguém te
rejeitou.
Os cantos de sua boca se elevaram, e o aperto mortal que ele
tinha sobre seus braços diminuiu.
— Mais ou menos. Você nem sequer me olhava. Lembra? — Seus
braços se afrouxaram, e deslizaram dentro dos bolsos. Um sorriso
cruzou meus lábios. Recordava-o. Os meninos do teatro, os que eu
passava o tempo depois da escola tinham empurrado um guia em
minhas mãos.
Fizeram-me cobrir alguém, e me baniram por apontar em uma
das asas nos bastidores. Sentei-me num espaço escuro sozinha,
desordenando sinais, e perdendo meu lugar no script. Foi humilhante.
Collin saiu depois de suas linhas, e me viu sozinha na
escuridão. Moveu-se com confiança para mim. A linha de conquista que
usou não me afetou. Estava tão agitada como uma idiota que pensava
que ele estava tirando sarro de mim. A surpresa o deixou em silêncio
quando me afastei. Em algum momento me dei conta de que era real;
eu gostava. Mas tinha passado muito tempo, e não estava disposta a
admitir que tivesse confundido suas insinuações com brincadeira.
Assim que se converteu em um jogo; um jogo onde ele dizia coisas
incríveis para me convencer de sair com ele, e eu sempre ria e dizia que
não. As coisas que dizia eram ligeiramente absurdas, o que me fazia rir.
Meus rechaços brincalhões se voltaram igualmente divertidos. Mas isso
era o passado. Por que lembrar-se disso agora? Assentindo, apoiei-me
contra meu armário, olhando seu peito. Olhá-lo nos olhos era seguro,
Página 121
ele não podia ouvir meus pensamentos, mas me esquecia de que se o
tocava, sim poderia.
Muitas garotas o olhavam. Uma menos não importava. Encolhi
os ombros — Algumas pessoas foram feitas para serem amigos. Isso é
tudo.
Ele moveu os pés, apoiando as costas contra o armário, seu
olhar azul intenso e sem piscar.
— Não o beije.
O sorriso deslizou de meu rosto. Por que insistia com isto?
Endireitei-me, pronta para ir, mas antes de me afastar, encontrei-me
brincando com a ideia de lhe contar um segredo. Nunca tinha contado a
ninguém a respeito desta parte escondida de mim. Contar-lhe esta
pequena parte da verdade era perigoso, como fazer desfilar a um
camundongo frente a um leão adormecido. E me deu uma sensação de
controle que me faltava completamente. Retorcendo-me ligeiramente
contra o armário, olhei a linha de sua mandíbula. Senti o segredo
queimando em meus lábios, enquanto pronunciava as palavras:
— Não beijo aos meninos que realmente gosto. Nunca tenho
feito. Certo?
Uma só sobrancelha se levantou no rosto de Collin. Seus lábios
me deram um sorriso incrédulo, e instantaneamente me arrependi de
lhe contar. Minhas defesas levantaram-se rapidamente zombando de
mim.
— OH, basta. Não é tão estranho. — Apertei os livros com mais
força contra meu corpo como se fosse uma manta de segurança. O
coração golpeava em meu peito. Acidentalmente lhe tinha contado um
segredo muito mais pessoal do que queria. Podia sentir o ardor
aumentando em minhas bochechas de uma vez que minha vergonha se
tornava visível. — Ivy disse ele com um sorriso em seus lábios — é
obvio que é estranho. Beijou meia escola, e não houve um menino em
todo esse grupo que você gostasse sequer um pouco?
Página 122
— Esse é um número gravemente inflado. E não. Não havia. —
Um sorriso tímido se apoderou de mim antes que pudesse tirá-lo. Podia
ver como era estranho a garota que tinha beijado quase todos por mais
de um ano, nunca tivesse beijado alguém que realmente gostasse.
Ninguém sabia.
As feições de Collin estavam totalmente sérias. Sua voz era rica,
perguntando brandamente:
— Por quê? Por que não o beija? — Estava completamente
concentrado agora, me observando, esperando que eu levantasse os
olhos. Não deveria ter dito nada. Minha garganta parecia seca. Engoli
com força, sem querer responder. Como contaria esta parte? Não estava
segura se queria lhe contar. Sabia que se não respondia, ele
pressionaria até que o fizesse. Seria muito mais sério se contasse agora.
E enquanto não o tocasse, ele não saberia toda a verdade.
Atuando como se não fosse importante, mesmo que fora a base
do meu relacionamento ideal, cuspi algumas palavras.
— Porque dele eu gosto. E não funciona de ambos os lados. Os
amigos não têm encontros. Há uma relação aí que é muito valiosa para
jogá-la fora por causa dos hormônios. Parece estúpido, mas não
acredito que seja possível ter ambas.
Ele se inclinou um pouco para frente, intrigado.
— Ambas o que? — Nossos olhos estavam perigosamente perto
de se encontrar.
— Um amigo que também é um namorado. Isso é coisa de
contos de fadas, Collin. Isso não acontece na vida real. — As palavras
eram pensamentos distantes, alojados na parte traseira de minha
mente por anos, mas sua verdade ressonou em mim enquanto as dizia.
Não era possível ter tudo. Esse era um sonho; um sonho inalcançável
que as pessoas tolas custava uma vida para entender.
Sua resposta me surpreendeu.
— Não posso acreditar no que está dizendo — me esquecendo de
evitar seus olhos, olhei diretamente para essas ricas piscinas azuis. Não
Página 123
podia afastar o olhar. Não o toque, e estará bem. Ondas de emoções se
apoderaram de mim, mas estavam tão mescladas que não podia dizer o
que significavam — Ivy, essa é a última meta quando está no jogo...
Encontrar a pessoa que chegue... Alguém que conheça seus defeitos, e
ainda assim goste. Por que não quereria isso? Por que separá-los?
As coisas pareciam familiares, como se tivessem voltado para a
forma que eram antes. Antes de tudo se tornar estranho. Antes que
minha vida fosse arrancada das minhas mãos. Estava contente me
deleitando com isso no momento, mas sua franqueza fez que meus
olhos baixassem. Não sabia se era para evitar o julgamento, ou para
afastá-lo. Este era um de meus segredos mais valiosos. Ele não
entendia, mas eu não estava segura se queria que o fizesse. Finalmente
respondi:
— Porque não podem coexistir. Simplesmente não podem. Não
é uma questão de separá-los. Não estão juntos. Não existe tal coisa
como o amor verdadeiro.
— Verdade? — perguntou. Assenti. Sua voz soava sem fôlego —
Ivy, como se tornou tão cínica? — Ele inclinou sua cabeça, perguntando
sinceramente — Assim, me diga, por que não pode ter ambos? Por que
não pode ter ao menino que é seu melhor amigo, e seu amante? Por que
não pode ser a mesma pessoa? — Seus olhos de safira procuraram em
meu rosto, sem medo, esperando minha resposta.
Olhei-o nos olhos, e de repente não sentia como se
continuássemos falando de Eric. Meu coração deslizou para meu
estômago. Estas eram coisas que nunca contava a ninguém. Perguntei-
me se estava cometendo um engano. Disse:
— Não posso arriscar. É muito imprudente. As relações se
destroçam quando um casal rompe... Mesmo se fossem amigos.
Algumas vezes é melhor agarrar ao que tem em lugar de arriscar ao que
poderia ser. — Senti-me tão exposta, e normalmente isso me
aterrorizaria, mas com Collin, nesse momento... Não era assim. Sentia-
Página 124
me normal, e não queria que parasse. Fazia-me sentir encontrada, e
havia me sentido perdida, por tanto tempo.
Um sorriso triste se formou em seu rosto.
— Mas, Ivy, se arrisca a perder tudo o que poderia ganhar se
funcionasse. Tem que funcionar para alguém, em algum momento. Por
que não para você? — Seus olhos eram tão azuis.
Sacudindo a cabeça, meus olhos permaneceram fixos nos seus.
Coragem e imprudência se misturavam. O que ele sugeria não era
possível. — Quando algo assim funcionou para mim? — Não me sentia
tão amarga como soava — Não está nas cartas para mim, Collin. Estou
contente com as coisas como estão. Não obtenho o conto de fadas. Sou
a garota emocionalmente machucada com um olhar cínico da vida, e
estou bem com isso. Sei quem sou. E sei o que tenho.
Inclinou-se contra o armário me olhando, aproximando-se mais.
Fechou a brecha entre nossos corpos de forma tal que nossos corpos
quase se tocavam. Seu fôlego morno deslizou sobre minha pele quando
falou:
— De todas as pessoas, eu teria pensado que você seria a que o
perseguiria, e logo se aferraria a isso.
Minha cabeça se moveu para trás de repente, surpreendida por
suas palavras.
—Por que pensaria isso? — Não havia maneira de que arriscasse
isso. Não depois de perder a minha irmã, e lutar com a dor agonizante
que tinha vindo depois. Não tinha desejos de amar ninguém,
especialmente se tivesse uma opção. O amor só trazia dor.
Sua mão se deslizou sobre minha bochecha. Uma sacudida
gelada e quente floresceu sob sua mão antes que a retirasse
murmurando. — Sinto muito, esqueci.
O contato me fez saltar, mas me sentia diferente... Quase
desejável. Nenhum pensamento se filtrou, então. Umas poucas
emoções, mas eram as óbvias, exibidas no rosto de Collin. Fez uma
pausa, me olhando, mas evitando meu olhar. Encolheu os ombros. — É
Página 125
só... Você não é alguém que faça as coisas pela metade. Em algum
momento, pensei que renunciaria às observações pela metade e
apontaria às estrelas. Só pensei... Que queria fazê-lo. — Seus olhos se
levantaram para ver como eu tomava suas palavras.
Estava surpresa de que estivéssemos tendo esta conversa. O
aperto nos meus livros se afrouxou em algum momento, enquanto
levantava o olhar para seu rosto voltado para baixo. — Collin? —
perguntei. Ele me olhou — Isto é o que veio me perguntar?
Sacudindo a cabeça, disse:
— Não, não era. — Respirou profundamente, e deslizou os dedos
através de seu escuro cabelo.
— Então, o que era?
Seu olhar safira era suave, enquanto encontrava o meu. — O
vínculo... Está mudando.
— O que quer dizer? Não notei nada.
Collin me sorriu com tristeza.
— Não estava seguro. Tinha que falar contigo para averiguá-lo.
— Tragou com força — Ivy está crescendo. — Suas palavras não
estavam engrenadas com a realidade. Crescendo? Eu não tinha notado
nada. Do que estava falando?
Sacudindo a cabeça, continuei:
— Não, não é assim. Collin, só estivemos parados aqui e
falamos, e não foi estranho. Eu gostei um pouco. Senti-me como nós,
uma vez mais. A forma como as coisas costumavam ser. — Mas logo
que falei essas palavras, me arrependi delas. As rugas em sua fronte
não desapareceram, e seus olhos permaneceram fixos nos meus.
Sua voz roçou delicadamente contra minha mente. — Já não
precisa que nos toquemos verdade?
Inalei com força dando um passo para trás, deixando cair meus
livros no piso. Caíram de minhas mãos, e fizeram um som de bofetada
enquanto caíam. Os corredores estavam vazios agora, e nenhum outro
som diminuía o ruído. Sacudindo a cabeça, continuei:
Página 126
— Não. Não pode fazer isso.
Collin deu um passo para mim, suas mãos estendidas, mas
rapidamente as meteu em seus bolsos.
— Faz. Já o tem feito.
Com os olhos muito abertos pelo pânico, meu coração corria
grosseiramente em meu peito. Confiava em Collin, era uma das poucas
pessoas nas quais confiava, mas não queria isto. Arruinaria tudo.
Sacudindo a cabeça, ainda não podia aceitar o que ele me estava
dizendo, o que sabia, era verdade.
— Não. Não, não pode... Temos que nos tocar. Não pode
simplesmente funcionar sem isso. Não pode. — A histeria estava
aparecendo em minha voz. Odiava que isso ainda estivesse aí, mas
tinha estado em um constante estado de sobrecarga emocional por
muito tempo. Não podia forçá-lo a ir embora.
— Sei que antes você gostava de meu contato. Sei que a
sensação não te assustava, e que não dava um salto mental. — Deu um
passo para mim, cuidadosamente. Lentamente, como se eu fosse fugir
— Pergunte-me algo. Algo que não tenha dito em voz alta nesta
conversa. Algo para o final. Algo em que tenha pensado, mas que não
tenha dito. Um calafrio se estabeleceu em minha pele que não tinha
nada a ver com a temperatura. A vulnerabilidade se apoderou de mim.
Ele não podia saber. Não pensei. Apenas pensei. Finalmente falei,
fazendo a pergunta que me aterrorizava.
— Por que realmente penso que não posso ter ambos? - Collin
se aproximou, e enrolou um comprido cacho ao redor de seus dedos,
com cuidado de não me tocar.
Manteve seus dedos ali enquanto falava. — Porque não quer se
apaixonar. Não se pode evitá-lo, porque a dor de perdê-lo seria
insuportável. Decidiu que é melhor não amar. Perder a sua irmã a
quase destruiu. — Seus olhos encontraram os meus e não vacilaram
quando disse — Não é que não possa ter ambos... É que não quer a
ambos. Só quer sobreviver.
Página 127
Tremendo, o batimento do meu coração rugiu em meus ouvidos.
Ele tinha dito a razão que eu não podia me obrigar a dizer. As desculpas
que tinha criado para afastar as pessoas. Era medo; frio, medo cru que
me tinha impulsionado ao modo de sobrevivência. Eu estava ali, com
muito medo para voltar.
Página 128
Capitulo 14
Eric era suficientemente inteligente para não perguntar o que
acontecia. Conduzimos em silêncio. Olhei-o navegar pelo tráfego do
meio-dia. Seu cabelo perfeitamente penteado emoldurava seu rosto.
Havia um leve sorriso em seus lábios. Sempre estava ali. Ele não fazia
gestos obscenos para as outras pessoas, não insultava, e não mentia.
Eu, por outro lado, não era tão boa. Mentia. Muito. Ainda olhando-o,
desabei-me no assento. Eric me pegou observando-o pelo canto do
olho. — O que?
Sacudi a cabeça, apartando o olhar.
— Nada. É só que antes nunca tinha notado... Que é um bom
menino. Bom. Só é... Você. Nunca tinha notado, mas claro, não tinha
notado muitas coisas. — Minha mente começou a vagar, enquanto
observava o mundo borrado fora da janela. O último ano de minha vida
era virtualmente nebuloso. Tinha perdido muitas coisas.
— Notou o suficiente. E não se preocupe hoje. Tenho que me
reunir com Julia, você fala com Al, e logo podemos ir ao ginásio e
praticar um pouco mais. — A igreja tinha um velho ginásio, completo
com equipamentos de ginástica de 1945. Era uma relíquia, mas me
proporcionava um lugar seguro para aprender. Os Valefar não podiam
entrar nas Igrejas. Como o ginásio estava junto a ela, estávamos a
salvo.
— Obrigado, Eric. — Passei meus cabelos por sobre o ombro, e
longe de meu rosto — Então, o que acha que a irmã Al quer comigo? -
Eric me olhou, antes de voltar a olhar ao tráfego.
— Possivelmente descobriu qual é seu dom!
Página 129
Todos os Martis eram classificados em um de três grupos
baseados em suas habilidades naturais ou dons. Supunha-se que o
dom ia ajudar-me a lutar contra os Valefar. Supunha-se que devia fazer
minha vida mais fácil, mas Al estava levando mais tempo do que o
normal para determinar qual era meu dom. Ela queria me falar disso
hoje.
— Possivelmente — respondi.
Estava esperando que Al me marcasse com um dom. Ia ser um
grande dom Valefar que golpearia como um ressonante gongo. Baixando
a cabeça, a preocupação enrugou meu rosto. Esperava que ela
encontrasse um dom que fosse normal para um Martis. Não podia me
dar o luxo de revelar meu segredo; não ainda.
Estacionamos na parte de trás do edifício da igreja, e saímos da
caminhonete. Eric caminhava a meu lado. Parecia se como se
tivéssemos sido chamados ao escritório do diretor. Eric não disse nada
quando abriu a porta com um puxão. Atravessando a soleira,
imediatamente choquei com alguém. A alta morena estava irritada por
minha falta de jeito. Atuava como se nunca ninguém tivesse tropeçado
com ela antes. Luzia como uma supermodelo italiana, assim
possivelmente ninguém tinha feito. Sua cintura era pequena, e seus
quadris com curvas na medida certa, encontravam com umas pernas
assassinas. A maioria das garotas não tinham pernas assim, mesmo se
ficasse na escaladora o dia todo. Seu cabelo escuro era suave e estava
ordenadamente puxado para trás com uma fivela na nuca. Ia vestida
como uma bibliotecária, vestindo uma saia estreita cinza e um colete de
malha estreito. E me olhou furiosamente.
A mão de Eric estava na parte baixa de minhas costas, enquanto
me empurrava para ela, e dentro da sala.
— Ivy, esta é Julia. Julia, Ivy Taylor. — Olhou a Julia,
acrescentando — É nova. – Uma única e perfeitamente depilada
sobrancelha se arqueou em seu rosto anguloso, enquanto seus olhos
marrons me avaliavam. Falou com palavras fortemente acentuadas.
Página 130
— Prazer em conhecê-la. — Embora pudesse dizer que não era
— Sou a Martis Regente dos Dyconisi. — Em seu espesso acento
italiano continuou — Vai ser uma guerreira ou uma curadora? — Minha
boca se abriu, mas não soube o que dizer. Olhei para Eric.
Eric respondeu por mim.
— Ainda não sabe o que será. Al esteve trabalhando com ela
para descobrir.
Julia emitiu um: - Hmmm. — Para mim.
Sentindo um fio de pânico, percebi que seu olhar me assustava
terrivelmente. Aproximei-me apenas de Eric, e perguntei: — Do que
estão falando?
— A irmã Al lhe dirá isso. Precisa ir falar com ela — disse Eric
docemente.
Os braços de Julia estavam cruzados.
— Sim, esse é seu trabalho. Vá falar com ela. Reporte-se comigo
quando tiver terminado. — E me dispensou com um movimento de sua
mão. As palavras de Julia tinham autoridade, e duvidava que houvesse
alguém que não a escutasse.
Abri a boca para dizer algo, mas Eric interrompeu minha réplica
aguda.
— Permita-me te indicar o caminho para Al. Vamos. — Puxou-
me pelo braço, me levando para fora da sala. Quando estávamos no
corredor disse — Essa pessoa é importante. É minha chefa... De certa
forma. E alguém a quem não quer incomodar. Seja amável. —
Liberando meu braço, deixou-me no corredor, sozinha, e voltou para
ela. Franzi o cenho, e me afastei lentamente.
O aperto no meu peito aumentou enquanto chegava à porta de
Al. Fechei os olhos por um segundo e respirei fundo. Não temia a uma
anciã; de fato, eu gostava. Entretanto, me perguntar se sabia, ou se
suspeitava que eu fosse algo menos que uma Martis me fez temer falar
com ela. Falar com ela só fazia com que essa sensação piorasse. Era só
Página 131
questão de tempo até que arruinasse meu disfarce. Ou Al descobriria o
que eu era realmente, ou o faria eu mesma.
— Vai ficar parada aí fora para sempre? — A voz da irmã Al se
derramou para o corredor — Entra jovem. Não me faça esperar a noite
toda.
Atravessei a soleira e entrei na sala de estar. A monja estava na
cadeira de balanço que gostava.
— São quatro em ponto — zombei. Tínhamos desenvolvido um
entendimento mútuo. Na realidade, ela era muito divertida, o que me
surpreendeu a princípio. Eu teria pensado que as monjas eram sérias e
recatadas. Al não era.
— Deixe de ser desrespeitosa e entre menina. Fecha a porta. —
Empurrei a porta de madeira até fechá-la, e caminhei para o assento
vazio junto a ela. Antes que me sentasse, ela disse algo que me deixou
gelada — Ivy Taylor. Não é o que aparenta — disse.
Meus olhos desviaram-se, evitando seu olhar, enquanto meu
coração trotava.
—Não sei a que se refere. — Sorri. Sorrir fazia com que os
mentirosos parecessem mais honestos. Odiava mentir para ela, mas
não podia contar a ninguém.
Seu nodoso dedo apontou ao chão frente a ela.
— Sente-se. Falemos. — Cruzei minhas pernas debaixo de mim e
me sentei como se tivesse seis anos de idade no tapete; logo levantei o
queixo para olhá-la.
Pele curtida pendurava de seu rosto, coberto com pequenas
rugas. Olhou-me, sem perder nada.
Eu gostava de atirar em um só movimento rápido e doloroso.
Disse rispidamente:
— Do que estamos falando? — Queria terminar com isto.
— Como sabe cada um de nós tem um propósito diferente. É
momento de encontrar o seu. Eu sou uma Seyer. Mencionei isso antes,
mas nunca te disse o que realmente significa. Um Seyer literalmente vê
Página 132
o futuro. Temos visões, e então é nosso trabalho as entregar aos
Dyconisi. Eles fazem as leis, regras e ideias sobre o que vemos. — Fez
uma pausa, dobrando seus velhos dedos em seu colo — Ficam muito
poucos Seyer. Sou uma das últimas. É por isso que veio para mim.
Posso ver o que será. — Meu estômago parecia como se tivesse comido
um crepe de chumbo, enquanto o medo enchia minhas veias.
Assumindo que ela não estava louca, ver o que eu era, era uma grave
ameaça à saúde.
— Assim sabe? Sabe que sou... O que sou? — Senti a marca
púrpura em minha cabeça arder. Queria cravar minhas unhas na carne
e arranhá-la. Mas mantive meus dedos entrelaçados sobre minhas
pernas.
— Sim. E não tem que me temer. Vejo o que é. — Fez uma
pausa — Mas você não. Direi o básico. Estou segura de que quer saber
que dons têm Eric e Shannon. Eric é um Polomotis... Um guerreiro. Seu
trabalho é proteger aos Martis e aos inocentes. Tem uma das filas mais
alta entre os Polomotis nesta zona do mundo. Pode formular estratégias
militares com nossos limitados recursos. São os servidores como Eric os
que nos protegem, a todos, dos Valefar. Sem eles seríamos
vulneráveis... E muito provavelmente estaríamos mortos. — esclareceu.
— E, Shannon, é uma Dyconisi. Uma curadora. Pode curar as
feridas. Só as físicas. Não as feridas espirituais — fez uma pausa e
levantou o olhar para mim — Há uma diferença.
Assenti.
— Sim, há. — Eu conhecia a diferença muito bem — Assim, ela
pode curar uma ferida... Uma ferida física. Mas, não pode curar um
coração quebrado? Não é?
Ela assentiu.
— Sim, exatamente. Nossos Dyconisi curam e estudam nossas
leis. Qual crê que é, menina? Polomotis, Seyers, ou Dyconisi? — Seus
anciões olhos me estudaram. A cadeira de balanço rangeu enquanto
ela empurrava brandamente, balançando a cadeira.
Página 133
— Não tenho nem ideia. Não me sinto como nenhuma dessas
coisas. — Olhei-a. Eu não podia dizer o que eu era, nem que traço
tinha. Não tinha visões. Não podia curar, e Eric já me tinha mostrado
que não podia lutar.
— Verdade — concordou — E enquanto não veja si mesma como
uma guerreira, será. Será a maior guerreira que vimos em muito tempo.
Minha sobrancelha se elevou, enquanto afogava uma gargalhada
quando me dava conta de que falava a sério.
— Mas não posso lutar. Viu-me com Eric. Como posso ser uma
guerreira?
Seu rosto envelhecido me examinou antes de falar de novo.
— Eric vai ter as mãos cheias contigo. E apesar de rebelar-se
contra as leis, não pode evitar encontrar consolo nelas. E embora não
pode curar a si mesma, busca curar a outros — fez uma pausa — Mas
das três, a parte maior de sua alma é de uma Seyer. É uma Seyer, Ivy
Taylor. Como eu.
— Mas, eu não vejo nada. Não tenho visões — respondi.
Assentindo, um suave sorriso se estendeu por seu rosto.
— Mas o fará. O momento chegará. E verá. Guiara-te na direção
correta. Quando te tocar, te aferre a ela. Será logo, menina. E eu te
ensinarei não se preocupe.
Milhões de perguntas alagaram minha mente, mas voltava para
uma. Uma à que ela já tinha aludido, mas que tinha dado como certa.
— Pode ver meu futuro?
Ela assentiu.
— Sim, vi-o.
Meu coração estava palpitando em meus ouvidos. Ela tinha que
sabê-lo. Por que não o dizia? Perguntei:
— Então, sabe? — Tinha certa esperança de que ela dissesse que
estava bem que eu estivesse poluída. Então haveria esperança para
mim. Manter-me apanhada no meio, escondendo minha alma infectada,
era tedioso.
Página 134
— Sei tudo o que preciso saber — disse, evitando minha
pergunta na típica forma de uma Martis. Seus olhos anciões eram
penetrantes. Inclinou-se para frente em sua cadeira de balanço. — Ivy,
sua posição é Seyer. Nós lhe ajudaremos a ser o que se supõe que deve
ser. Os Seyer são pouco comuns. Muito pouco comuns. — Um dedo
ancião apontou para meu peito — Especialmente os de sua classe.
Instintivamente, dei um coice. Ela tinha que sabê-lo. Queria que
o dissesse. Mas não o fez. Esse foi o final de nossa discussão, e ela me
afugentou. Lentamente voltei com Eric, ligeiramente desconcertada. Se
Al sabia que eu era a garota da profecia, por que não me delatava?
Baixando a velocidade enquanto me aproximava da habitação que Eric
ocupava, pude ouvir suas vozes chegando ao corredor.
O rico acento de Julia falou:
—... Não é aceitável. Não podemos permitir que algo assim
ocorra. Não encontraste nada no tempo que estiveste aqui? Não
podemos permitir que o mesmo volte a acontecer, Eric. Conhece seu
dever... E quão importante é para nós. Quem é ela?
A voz do Eric seguiu.
— Eu não tenho seu nome exato, mas sei que se formou. Há
muitos Valefar aqui, e não é como a última vez. Há mais Valefar em
Long Island que em toda costa leste. Eles também a estão procurando.
Não, este é o lugar adequado. Esta vez é ela. É o lugar correto, Julia. E
eu sei quão importante é isto. Se a profecia for realmente verdadeira,
tudo pelo que trabalhamos se perderá. Não deixarei que isso aconteça.
— Bem — respondeu ela — Destrua-a. E quero que me
mantenha informada. Quando a encontrar, a retenha da forma em que
discutimos. Ela terá novos atributos, e acreditam que isso a sustentará.
Então o Tribunal pode reunir-se e despachá-la corretamente. As
Criaturas do Inferno devem ser destruídas, para que não possam
ressurgir em outro momento. Não podemos permitir que ela retorne. —
Não fugir gritando do edifício demandou cada grama de minha força.
Página 135
Estavam falando de mim. Inclinei-me por volta do quarto, tentando ser
completamente silenciosa.
Eric disse:
— Quando a encontrar, será a primeira, a saber. Estamos perto.
Muito perto.
— Graças a Deus. — A tensão em sua voz diminuiu — Você e eu
procuramos esta criatura por mais de mil anos. Esta é uma das poucas
vezes que tivemos algum sinal de que o momento e o lugar são corretos.
E a última vez foi um pesadelo. Está seguro de que o Valefar está aqui
por ela?
Eric esclareceu sua garganta. Sua voz soava divertida.
— Sim. Há muitos aqui para que seja uma coincidência. Os
Martis também estão gravitando aqui. Isso só se supõe que deve
acontece quando a garota da profecia se forme — fez uma pausa — A
menos que acredite que algo mais está acontecendo?
— Não. Acredito que está correto — disse Julia — E a profecia
ainda está oculta, assim eles não podem tomá-la. Devem estar
procurando-a. Tem mais guardas do que o habitual aqui? — Sua voz
era tensa.
— Sim — respondeu Eric — E nós estivemos trabalhando
estreitamente com a Seyer para nos assegurar de que saberemos
quando a garota esteja ao nosso alcance. — As palavras começaram a
aprofundar em minha mente uma vez que a surpresa se fundia através
de meu crânio. Eric e Al estavam me procurando. Meu coração acelerou
enquanto meus olhos se abriam exageradamente.
— Ah — se burlou Julia — Os Seyer são uma raça morta. Não
precisa confiar em sua classe. Lógica e discernimento, isso que não
possuía a última vez, levaram-lhe a esta garota. A profecia não deve se
tornar realidade. Protege a sua classe.
— Farei-o. — Sua voz se armou de valor — Ela será capturada. E
a matarei eu mesmo, de forma permanente... Se for necessário.
Eric voltou à cabeça e me viu na porta.
Página 136
Capitulo 15
Ouça Ivy. — Eric me alcançou, puxando-me para a sala.
Limpei a expressão de minha cara antes que pudesse ver o pânico total
em meus olhos. Não podia acreditar.
Eric era o Buscador. Ele estava me procurando — Terminamos
aqui. Então o que disse que você é?
Esperava que respondesse. O terror empurrou o pulso a um
ritmo acelerado, enquanto lutava por suprimir o pânico — Sim. Diga-
me. O que disse? É necessário documentar sua vocação antes de ir. —
A cara de Julia sustentava uma expressão de desconcerto.
Quem eles caçavam estava em sua frente. Mas eles não tinham a
menor ideia. Mantive a voz firme, colocando minhas mãos trêmulas em
meus bolsos. — Disse que sou uma Seyer. — A boca de Eric se abriu
ligeiramente.
Julia zombou. — Ok. Uma Seyer!
Os olhos de Eric passavam entre a cara de Julia e minha
postura nervosa. Esfregou meu antebraço em um gesto reconfortante.
— Isso é genial. E estranho. Uau. — Sorri fracamente, tratando de não
me afastar para longe de seu tato. Estavam lendo mal meu nervosismo;
graças a Deus. Eles pensavam que era por ser uma Seyer.
Perguntei: — Sério? Al fez soar como se não fosse grande coisa.
— E não é. — A voz da anciã ressonou atrás de mim — Cada um
de nós tem um papel diferente no panorama geral das coisas. Não é
verdade Julia? — O cabelo prateado emoldurava seu rosto. Julia
suspirou, agitando as mãos enquanto falava.
Página 137
— Sim, sim. Sabemos como se sente Althea. — Afastou o olhar,
revirando seus olhos. Parecia que tinham tido esta discussão antes. Al
deu um passo para Julia, fazendo um gesto para mim. — Ivy vai nos
ajudar com a profecia.
Meu coração retumbou. O que disse ela? — Perdão? — chiei. —
Sério? — questionou Eric, olhando emocionado.
Julia se curvou e cruzou os braços. — Conhecemos a profecia.
Nossos guerreiros vão erradicar o problema, não esta menina.
— Isso não é o que vi. Esta menina vai ser quem acabará com o
problema. — Seus velhos olhos me olharam. O pânico estava me
agarrando dos pés ao pescoço. Seus tentáculos atando meu estômago,
e apertando.
Al sabe o que sou. Ela vai me entregar. Lutei contra cada
impulso de autopreservação que freneticamente fluía dentro de mim e
meus pés estavam presos ao chão.
— Puff. Você faz seu caminho. Nós o nosso. Vou informar-lhes
de seu novo Seyer — disse com desdém — e sua previsão. — Julia
agarrou a bolsa de verniz. A irmã Al acompanhou-a, deixando Eric e eu,
sozinhos.
— Assim. — Eric se voltou para mim com um sorriso orgulhoso
em seu rosto — Uma Seyer! Uau. — Meu coração pulsava com força,
assenti, evitando a tentação de sair correndo para longe de Eric.
Por que tem que ser Eric? O que ia lhe dizer? Que eu era o que
ele estava tentando matar. Fingir o que era, ia ser muito mais difícil.
Olhando em seu rosto, vi pacíficos olhos de cor âmbar, não ao guerreiro
me caçando. Só vi doçura, refletindo de Eric. Como pude estar tão
incrivelmente equivocada a respeito da gente? Era minha percepção tão
ruim assim? Meu estômago estava apertado, enquanto sustentava meus
punhos fortemente em meus bolsos. — Vou reunir-me com Shannon,
está bem? — Era difícil olhá-lo nos olhos, mas respondeu com um fraco
assentimento.
Eric sorriu. — Claro. Está bem?
Página 138
— Sim. Estou bem. — Tirei minhas mãos dos bolsos, e as dobrei
sobre meu peito. Pouco a pouco me virei para me afastar dele, e saí das
portas dianteiras.
O automóvel vermelho de Shannon estava esperando, como
tínhamos planejado. Em silêncio, deslizei-me no assento, e fechei a
porta. — O que aconteceu? — perguntou. A luz do sol bateu no seu
cabelo dando um brilho dourado. Ela se pôs a conduzir o carro, e
entrou no tráfego. Sentei-me ali por um segundo insegura do que fazer.
A tensão em minha fronte não diminuía. Pressionei-a com meus dedos,
enquanto conduzíamos em silêncio. A verdade se chocou na parte
traseira de minha mente. Queria desesperadamente negá-la. As
palavras de Eric, mescladas com as coisas que Shannon tinha me
contado antes, me fizeram sentir mal. Mas, eu sabia que era verdade.
O aperto na minha garganta afogava minha voz, por isso minhas
palavras eram quase inaudíveis. — Eric é o Buscador.
Shannon abriu a boca, desviando o automóvel um pouco quando
me olhou. — Como descobriu? — Sua voz estava oitavas mais alta do
que o habitual — Ivy, o que aconteceu?
— Ouvi-o falar com alguém chamada Julia. Acreditam que sou
uma criatura... E sabem que estou perto. Eles simplesmente não têm
ideia do quão perto. — Minha voz se desvaneceu no silêncio chocado.
Os pés de Shannon se voltaram para os pedais. Chegamos a minha
casa muito mais rápido do que o normal. Ela se voltou e me perguntou:
— O que vai fazer?
Tirei o cinto, encolhendo os ombros. — Eles não sabem que sou
eu. — Julia é um problema, – disse. — Eric tem que escutá-la.
Ainda surpreendida, olhou pelo para-brisa, olhando um nada. — Eric
disse que ajudaria… e me matará. — Sacudindo a cabeça, saí do
automóvel.
Shannon gritou trás de mim. — Ivy, quer que entre? Não está
bem.
Página 139
Voltando-me para ela disse: Não. Só quero ficar sozinha. —
Minha mão empurrou o portão fechado, e caminhei pela calçada
surpreendida pelo silêncio.
Ao cair à noite, os sentimentos reprimidos estavam fluindo à
superfície. Tinha graves tendências anormais de controle, e quando não
tinha nenhum controle, assustava-me. A necessidade de repetir meu
comportamento no passado consome meus pensamentos. Tinha que
fazer algo para afastar o caos. Olhando meu reflexo, avaliei meu traje.
Camisa preta de gaze com um sutiã ajustado e mangas que fluíam
emparelhados com uma saia negra. Agarrei minhas botas pretas e as
calcei. Estas foram feitas para que pudesse correr se fosse necessário,
mas se viam impressionantes também. Ajustei o presente de Apryl em
meu cabelo, organizei a metade para cima e a outra metade para baixo.
Minha pele de porcelana absorveu o pigmento púrpuro enquanto minha
marca desaparecia.
O convite estava enrugado em minha penteadeira. Tinha-o
conseguido por meio de um menino da escola, fazia uma semana. Não
tinha intenção de ir, até agora. A festa era em Babilônia. Isso não era
muito longe daqui. Haveria meninos de outras escolas, e um montão de
meninos que não conhecia. Resignada por aliviar um pouco do caos, dei
a volta e sai pela janela e para a noite. Quando cheguei a casa, a festa
já tinha começado. Era uma das casas grandes que ficavam na linha da
costa, com um gramado igualmente enorme. Tinha um passeio circular
de tijolos que estava cheio de carros, com uma enorme fonte de três
níveis no centro. Os meninos formavam círculos ao redor, não afetados
pelo ar fresco da noite. A maioria tinha uma taça na mão, falando em
voz alta em cima da música vibrante que emitia um BOOM, BOOM,
BOOM procedente da casa.
Passei pela porta e naveguei na multidão de meninos, até que
encontrei a pista de dança. A grande sala se encheu do aroma
persistente de suor e fumaça. As janelas abertas na parte traseira da
casa, mostrando a linha da costa. Havia muitos meninos no espaço.
Página 140
Conectava-se a outra sala que tinha igualmente uma grande
quantidade de pessoas. Com a esperança de me perder na multidão, fiz
meu caminho através do labirinto.
Nicole e suas abelhas me olharam ao passar. — Veio transar,
Virgem? — gritou Nicole, rindo de mim. Seu grupo de amigos zombava.
Suas palavras chamaram a atenção de uns poucos meninos que
estavam próximos.
Aproximei-me dela, olhando o seu perfeito rosto, e respondi o
suficientemente alto para que outros pudessem ouvir. — Sim. — Nicole
teve uma perda momentânea de voz. Enquanto me afastava dela, um
menino de cabelos castanhos e olhos marrons sorriu-me. Tinha o
cabelo pendurando em seus olhos. Aproximei-me dele e lhe sussurrei ao
ouvido. Ele pôs sua mão na parte baixa de minhas costas, e sorriu para
Nicole, enquanto nos afastávamos. Sorri-lhe por cima do ombro,
saudando, e disse — Obrigado! — Seu rosto ficou contraído em uma
careta.
Caminhamos para a parte posterior da casa, para os rincões
mais escuros da sala. O menino de cabelo marrom se inclinou, falando
em voz alta em meu ouvido: - Ouça. Sou...
Voltando-me para ele, pus meus dedos sobre seus lábios para
silenciá-lo. — Não quero saber quem é. — Deslizando meu corpo contra
o seu, empurrei-o contra a parede, enlacei meus braços ao redor de seu
pescoço.
Um sorriso se desenhou em seu rosto, enquanto se dava conta
do que estava oferecendo. Suas mãos se deslizaram por minhas costas,
cobrindo meu traseiro, enquanto me atraía para ele. — Perfeito.
— Deixe de falar — ordenei, pressionando meu corpo contra ele.
Minhas mãos deslizaram até seu rosto, e colou sua boca sobre a minha.
Não sabia quem era, e não me importava. Era perfeito dessa maneira.
Só um estranho poderia oferecer o escape que necessitava, e me ajudar
a sentir como se ainda tivesse certo controle sobre minha vida. Ficamos
entrelaçados no canto escuro da sala, com as mãos deslizando-se,
Página 141
tocando e provando. Os casais que nos rodeavam se moviam a um
ritmo mais lento, mas não me importava. Seus lábios se moviam por
meu pescoço. Comecei a me derreter, meus joelhos dobrando-se pela
sensação. A corrente de emoções estava me alagando e adormecendo
minha dor. Não duraria muito tempo, mas poderia ser capaz de fazer
que durasse mais tempo se não me contivesse nesta ocasião. Os
pensamentos passavam por minha mente, e me dava conta de que
tinha decidido fazer aqui antes de minha chegada.
Isto de verdade me machucava? Não podia recordar a última vez.
Danificaria minha reputação, mas não podia recordar nada mais.
Outras sensações estavam diminuindo meus pensamentos. Uma forte
mão deslizou debaixo de meu decote, enquanto que seus dentes me
roçavam o pescoço com beijos fortes. Um suspiro me escapou, e me
apoiei nele. Enredei meus dedos por seu cabelo e puxei com firmeza.
Seu rosto surgiu de meu pescoço com um sorriso infantil. Respirava
com dificuldade, e brilhava. A sala estava quente, mas agora me sentia
incrivelmente quente. Fechando os olhos, aspirei seu aroma. Ele
cheirava a picante loção de barbear.
— Leve-me para cima, — lhe disse sem fôlego. Sorrindo
amplamente, voltamo-nos para subir pelas escadas. Suas mãos se
moviam mais ou menos por cima de meu corpo, enquanto nos
tropeçávamos pelas escadas, e em um corredor escuro. O homem
estava talhado como um patinador, com antebraços e corpo de um
atleta forte. Deslizei minhas mãos sob sua camisa, enquanto ele me
empurrou contra uma parede do segundo andar.
Seus lábios se moviam pelo meu pescoço, me fazendo sentir
maravilhosamente quente. Uma mão se deslizou debaixo de minha
camisa, e por cima do meu sutiã. A felicidade embriagadora se
apoderou de mim, e gemi. Ele respondeu, deslizando a outra mão em
cima de minha coxa, por debaixo da saia. Apoiada em seu corpo duro,
senti-me fundida por um momento. A entristecedora sensação de estar
perdida se desvaneceu. Parecia como se tudo ficaria bem. Braços fortes
Página 142
me sujeitavam, e nada mais podia me tocar. Ao menos, eu não
planejava isso.
A sensação de calor gelado me atirou de novo, antes de escutar
sua voz me repreendendo. — Ivy! Que diabo está fazendo? Olhe-me. —
Ele me separou do menino patinador. Os olhos azuis de Collin entraram
na minha visão, enquanto que meu zumbido se desvanecia, deixando
nada mais que me afogar no meu medo.
— Ouça amigo, — disse o menino de cabelo marrom. — Afaste-
se. Ela é minha. — O menino tratou de conseguir que Collin me
soltasse, mas não o conseguiu.
Muito aturdida para compreender o que estava acontecendo,
senti Collin em minha mente. No momento em que viu quão fodida
estava, era muito tarde. Não pude ocultar minhas intenções
pecaminosas. Seu aperto não afrouxou. Em seu lugar, empurrou a meu
amigo de beijoca. — Vai à merda. Ela é minha. — Tratei de tirar meu
pulso fora do aperto de Collin, mas as coisas ficaram estranhas
rapidamente. Sua tristeza e preocupação começaram a gotejar em
minhas emoções e formavam redemoinhos juntas. Mas em lugar de
mesclar-se, estavam ficando separadas, como gelo formando
redemoinhos.
Com o coração acelerado, tratei de me afastar de Collin. —
Deixe-me em paz, Collin. Não sabe...
Suas mãos se apertou, enquanto se interpunha entre nós. Seu
rosto aproximou e baixou ao meu, nossos narizes quase se tocavam. —
Eu não vou lhe deixar arruinar sua vida. Disse que tinha terminado
com esta merda, Ivy. O que está fazendo?
— Ouça, ela já disse isso, se afaste. Afaste-se. — O menino
patinador tentou ser valente, mas não pôde.
Collin se voltou lentamente, com raiva em seus olhos. Parecia
um pouco louco. — Se a quiser, vai ter que tira-la de mim. — Collin
pegou meu outro braço antes que soubesse o que acontecia. Movendo-
se rapidamente, jogou-me em cima de seu ombro, e correu.
Página 143
— Deixe-me ir! — gritei. Chiava em um grito aterrador,
enquanto sacodia pelas escadas, e pela porta principal. Meu corpo
sacodiu como uma boneca de trapo, e pendurava no meio da minha
vida. Collin correu por toda a casa, e através das portas dianteiras.
Reduziu a velocidade em frente à fonte luminosa. Gritei — Não! — Antes
que jogasse, mas já estava no ar. Meu corpo se retorcia, enquanto que
tratava de deixar de golpear a água até a cintura. O líquido frio me
puxava por debaixo, expulsando o fôlego de meu peito. Meu traseiro
chocou-se contra a parte inferior do cimento, cambaleando sobre meus
joelhos. O vento provocou um calafrio através de mim, e meu corpo se
sacudia enquanto fulminava Collin com o olhar. A água caía de meu
cabelo que estava preso no meu rosto. O presente de Apryl estava quase
que pendurado. A água encheu minhas botas, e um montão de outros
lugares que a água fria não deveria estar.
A ira fluía através de mim, quente. A princípio, só respirava,
olhando-o. Uma multidão parou para ver o que acontecia. Alguns
meninos disseram algo a respeito de não querer estar no lugar.
Finalmente, lancei minha perna sobre a borda da fonte, e corri para ele.
Meu corpo se chocou contra o seu. Meus punhos golpearam em seu
peito, enquanto lhe gritava à cara: — Não tem nenhum direito! Quem
demônios acredita que é?
Collin não se moveu. Ele me deixou desabafar, olhava-me com
irritante calma. Seus olhos retornaram à sua cor normal, e não o
incrivelmente azul profundo que parecia louco fazia uns momentos.
Agora eu parecia louca. A multidão estava rindo. Alguns gritavam
coisas, mas eu estava muito zangada para entender. Ignorei a todos, à
exceção de Collin. — Como pôde?! O que o faz pensar que pode me fazer
isto? — O chiado de minha voz estava morrendo, enquanto que o frio se
infiltrava. Minha ira se queimava, e o frio estava dando procuração.
Meu traje de renda preta grudou ao meu corpo, me fazendo sentir mais
fria do que pensei que fosse possível. Afastei-me de Collin, as lágrimas
Página 144
corriam pelo meu rosto. Entre soluços disse — Você deveria ter me
deixado sozinha.
— Não posso lhe deixar sozinha, — ficou a um braço de
distância de mim, luzindo desesperadamente perdido. — Nicole a
incomodou. Realmente não queria estar com esse tipo.
— Nicole não me incomodou. Vim aqui por ele. — Não podia
olhar para Collin. Ele não entendia. E não podia lhe dizer. Suas mãos
se aproximaram sem duvidar, e com firmeza segurou meus braços. Não
houve um formigamento gelado e quente, só uma rajada de remorso que
me alagou através da união.
— Ivy, — suspirou. — Só me diga. O que a assustou tanto para
fazer isto? — Sua voz era mais suave. — Estava acostumado a dizer
algo. E tudo. Não tínhamos segredos. Só me diga. — Seu fôlego se
apoderou de minha pele, surpreendentemente quente.
Retorci meus ombros, esclareci minha mente quando rompi o
contato com ele. — As coisas mudaram. Não é assim. Não sou mais a
mesma garota. Se você não gostar… que mau. — Cruzei os braços com
força, tratando de não tremer. Endireitou-se, olhando como se o tivesse
chutado no estômago. Deu um passo para mim. Seus olhos estavam
tratando de bloquear meus.
Determinação destilava dele.
— Sei que algo lhe aconteceu, e a assustou até a morte. O medo
está rodando fora de você, grosso e pesado. Está lhe afogando. Está a
aproximando de meninos ao azar, assim posso sentir algo mais que o
terror horrível que te consome. — Mantive meu rosto para baixo, para o
chão, sem dizer nada. Todo meu corpo estava intumescido. Não podia
lhe dizer que tinha razão. Ele já sabia de todos os modos. Sua cálida
mão tocou meu rosto.
Ele o levantou para olhá-lo nos olhos. — Segue sendo a mesma
garota, vendo ou não.
Tragando a saliva, sacudi meu rosto para fora do seu aperto.
Respondi-lhe: — Nunca esteve tão errado.
Página 145
Capitulo 16
Shannon emergiu da multidão com um olhar de surpresa em
seu rosto. Ficou entre Collin e eu, e depois me afastou dos olhos da
multidão que tínhamos atraído.
Nada havia dito. Nada tinha que ser. Podia ver o olhar em seu
rosto, e vi o agradecimento que assentiu para Collin antes que ela me
levasse a casa.
Ensopada até os ossos, sentei-me em seu automóvel, e senti a
explosão de calor em meu rosto. Cada intento era feito para não tirar
minha irritação de Shannon. Fiz algo incrivelmente estúpido, e fui
apanhada. Depois de um longo silencio ela disse: Jogá-la na água
fria foi a melhor coisa que ele pôde fazer. — Volteando minha cabeça
molhada, olhei-a. Minha sobrancelha se elevou, conforme minha boca
se abria. Estava do lado dele? — Não, — disse ela. — É sério. Para os
Martis, a água fria é como um botão de reinicio. Tem o mesmo efeito
que a água fria tem nos humanos, mas sem nenhum risco de
hipotermia. O frio supõe-se que deve purgar as doenças dos imortais,
ajudou?
— Ajudar? — disse entre dentes — Ajudar! Não, não ajudou. Ele
me lançou à água fria, na frente de todos. Agora, serei uma virgem
molhada. Ugh. Isso foi muito pior! — Minha cabeça caiu para frente,
enquanto segurava o rosto.
— Ivy, é uma idiota. — Suas duras palavras atravessaram meu
orgulho em uma forma única de Shannon.
— Não estou falando a respeito de sua posição social. Não há
como esse pequeno deslize ajudar a sua vida social. Apesar de que os
Página 146
patinadores poderiam a evitar agora. — Ela sorriu, reprimindo uma
gargalhada — Ajudou-a a purgar o que quer que a estivesse
incomodando? Estou assumindo que a ideia de estar ao redor de Eric, e
sabendo quem ele é, a deixou aterrada. Está melhor agora?
—Talvez. — Olhou-me enquanto eu punha cara má. — Bem,
sim. Ajudou. Foi-se por agora. Mas, voltará?
Ela me olhou pelo canto do olho. — Só se o deixar. — Seu rosto
tomou a expressão de uma estrela. — Eu gostaria de ter força suficiente
para atira-la em uma fonte. — Riu ela. — É como se ele soubesse que
isso a golpearia. Que mal que não é um Martis. — Ela moveu suas
sobrancelhas para mim.
Olhei-a com incredulidade. — Ugh, merda, Shann. Agora você
gosta? Não pode gostar. Você odeia a sua coragem. Ele a odeia. Não
podem gostar. Minha cabeça explodirá.
O automóvel se deteve, a umas poucas portas de minha casa.
Ela me sorriu. — Talvez não seja tão mau. Quero dizer, ele evitou que
caísse em seu Valefar interior. Ivy, os Martis não se deitam com
qualquer um. Isso pode danificar a relação de seu bem e mal interior.
Nós não sabemos o que a joga na profecia. Collin pode ter impedido que
você cometesse um grande engano. — Ela encolheu os ombros —
Assim, talvez não seja tão mau. — Entra, preciso lhe dizer algo a
respeito dele e de mim. — Vendo um estranho olhar cruzando seu rosto,
rapidamente acrescentei. — Não é o que está pensando.
Depois que troquei minha roupa por outra seca, senti-me
melhor. Curiosamente o mergulho não me deixou fria toda a noite.
Parecia mais como se tivesse saltado a um reservatório fresco em um
dia incrivelmente quente. Senti-me mais fresca, e o medo esmagador se
foi. Shannon se sentou ao pé de minha cama. Deixou-se cair sobre os
travesseiros da cabeceira.
— Shannon, — disse. — Acredito que fiz algo ao Collin. Não
disse nada a ninguém mais a respeito disso, penso que pôde ter sido
induzido por minha parte Valefar.
Página 147
Shannon assentiu seus olhos verdes ampliando-se. — Ivy, O que
foi o que fez?
Tomando uma profunda pausa, continuei. — Não sei. Ele pode
me ouvir. E eu posso ouvi-lo. É como ler a mente, mas mais real. Isto
parece estranho, mas se sente como se nossos espíritos estivessem
entrelaçados, como se estivéssemos unidos ou algo. Diga que ouviu
falar disto. — Apertei meus dedos com força.
Recostou-se contra a parede, luzindo muito intrigada. — Só é
com o Collin? Não com alguém mais?
Assenti. — Só com ele.
— Hmmm. Os Seyer têm poderes únicos que o resto de nós não,
mas nunca estive a par de algo como isto. Mas, isso não significa que
não esteja aí. Significa que não é um Seyer. — Ela recolheu o cabelo por
cima do ombro girando as pontas.
— Quem lhe disse que sou um Seyer? — perguntei
— Escapou-me essa parte hoje cedo. – Encolheu os ombros. —
Eric me chamou. Pensei que talvez se acrescentasse a que estava
assustada, assim tratei de localiza-la. No momento em que a encontrei,
Collin a tinha na fonte.
— A coisa Seyer não ajudou. — Reconheci. — E deixou claro que
ela sabe que eu sou diferente, apesar de não dizer que sabe o que sou.
Parece pensar que faço coisas. Não tenho ideia se souber que estou
poluída. Mas isto? Shannon… — suspirei, percorrendo com meus dedos
o cabelo — Estou assustada de machucá-lo. Não sei o que é, ou o que
seja isto, este laço que nos une, está mudando. Sente-se diferente.
Antes só podia ouvir seus pensamentos olhando-o nos olhos e tocando-
o. Mas esta noite não houve necessidade de nenhuma dessas coisas.
Ele me escutou de todas as formas.
Shannon esteve calada antes de perguntar: — Algo mais
mudou?
Pensando nisso, não estava segura. A ira mais cedo tinha
nublado todo o resto. Assentindo, continuei: Posso sentir o laço.
Página 148
Parece como uma velha banda de borracha, esticando de mim para ele.
Quando nos separamos, não gostou. Sentiu-se esticada além da
comodidade, e logo se rompeu. Estava tão zangada, que não o notei.
— Precisa falar com Al. Ela é sua mentora. Ela saberá de enlaces
como esse, Martis ou não. — Ela se sentou, me olhando.
—É a parte que me preocupa, — continuei.
A escola no dia seguinte não prestou. Arrumei isso para arruinar
minha reputação, e acender a de Eric em uma rajada gloriosa. Houve
sussurros de conversações quando passava. Pelo que escutei, enganei
Eric com um patinador, o que era horrível, porque todo mundo pensava
que Eric era um menino doce. Como alguém podia fazer algo assim a
ele? Logo fui acusada de ter uma aventura com Collin, que foi pelo que
ele me atirou na fonte em um ataque de ciúmes.
Basicamente, fui coroada a puta da classe. Nicole, é obvio,
estava encantada com as ações humilhantes de Collin. Assegurou-se de
que zombassem de mim quando entrava em meu primeiro período de
classes.
O Sr. Turner agrupou todos para o trabalho em classe, e tive a
alegria de trabalhar com um dos parasitas da Nicole. Lily tinha um
rosto ovalado, cabelo loiro platinado, e unhas vermelhas brilhantes.
Também tinha a marca de grandes seios que fazia à camarilha da Nicole
notável. Ela se afastou de mim quando me deslizei sobre a mesa. — Isso
foi trapaceiro de sua parte, inclusive para você. — Seus lábios se
contraíram em uma expressão de desgosto enquanto me olhava.
— O que seja Barbie. Só terá que fazer o trabalho. — Não podia
olhá-la. Normalmente os clones não me incomodavam, e sua conversa
se escorregava de minhas costas, mas me sentia áspera. Suas palavras
foram prejudiciais.
Afastou-se, assobiando enquanto se inclinava mais a mim. — O
que vai tomar para que o note? É cruel, o que fez, deixando-o. Saindo
com qualquer outro menino. Chupando a cara de qualquer fenômeno
em patins, quando está justo em frente a você.
Página 149
Deixei cair minha caneta, e a olhei. — Eu não o deixei. Escuta,
eu…
Ela me cortou antes que pudesse finalizar o resto de meu
pensamento. — Não, escuta você, pequena puta, — burlou-se,
empurrando meu braço com sua caneta — Nicole não queria que
dissesse, mas não posso ficar olhando como segue torturando Collin.
Desde que é muito estúpida para notá-lo, estou lhe dizendo isso, ele a
ama. Coloque isso na sua cabeça dura. — Minha boca se abriu com
incredulidade, mas não pude articular uma palavra.
Ela sussurrou: — Um menino não faz assim só por fazê-lo. Ele
não recolhe uma garota e a leva longe de outro menino se é somente um
amigo. O resto de nós, quando saímos com ele, mas não nos nota,
somos como ar, invisíveis. Mas não com você. Nunca com você. Corre
atrás de você, observa-a, faz coisas por você, lhe deu esse anel. Ele a
ama. Deixa de tratá-lo como lixo.
Sacudindo minha cabeça, continuei: — Ele não me ama. É só
luxúria. Ou algo assim. Sua perfeita sobrancelha se levantou.
— Dê a você mesmo o que queira, mas é melhor deixar de
machucar Collin. Nicole vai mata-la. E tampouco a posso suportar. —
Suas palavras penduraram no ar. A horrível certeza de que seus clones
acreditavam que me amava, fez-me sentir doente.
Se ele me amasse, a forma como o tratei foi horrível. Não. Elas
não podiam estar certas. Não era possível. Esta era uma vingança por
incomodar Nicole. Collin não podia me amar. Ele não podia.
O resto do dia passou, e eu temi ver o Eric. A gente estava
falando a respeito dele e isso era completamente minha culpa. Não
soube como ele respondeu. Quando me voltei para o corredor do salão
de biologia, vi Eric recostado na parede. Seus braços cruzados,
enquanto me via aproximar. Meu ritmo mais lento. A queimação da
humilhação roçando minhas bochechas. Quando o alcancei lhe disse:
— Eric deixe lhe explicar.
Página 150
Seus olhos âmbar eram frios. Baixou seu rosto para o meu, e
disse: — Explique. Explique-me como pôde fazer algo assim. Nem
sequer o conhecia, — endireitou-se, e deu um passo para trás.
— Eric… - O sino soou. Sua decepção desinflou meu desejo de
lutar. Minha defesa inteira, a necessidade de ocultar o sangue de
demônio em minhas veias se derreteu. Não podia seguir ocultando isto.
Estava-me comendo viva e destruindo cada amizade que tinha.
Horrorizada, escutei as palavras saindo de minha boca antes que
pudesse detê-las — Eric, eu não sou como você. Sou diferente. Há
escuridão em meu interior que não posso controlar. Ontem, escutei
você falar a respeito de matar alguém, permanentemente. Estava
sobrecarregada. Não pude suportar esse pensamento. Oh Deus, Eric.
— A confissão saiu de minha boca antes de detê-la — Sou eu. Sou
quem está procurando. Seus lábios se rompem em um sorriso, como
se risse. Ele pôs sua mão em meu ombro atuando totalmente divertido.
— Isso foi o que a assustou? Você pensa que é quem estivemos
procurando? — E riu um pouco mais, sacudindo sua cabeça —
Suponho que isso justifica sua reação, mas lhe asseguro — sorriu —
não estou caçando você.
Ele não me acreditou! Incrível. Disse ao Buscador, que estava
me caçando que estava parada na frente dele, e não acreditou! Sentia-
me irritada, mas também me assegurou que estava bem escondida. Ele
não suspeitava de mim absolutamente. Pelo olhar de seu rosto, ele
acreditava que tinha estado enganando por pensar tal coisa. Eric me
perdoou facilmente, era parte de seu encanto, mas isso o fez mais
difícil. Haveria um momento em que se daria conta quem era eu. A
traição ia ser horrível, e não havia nada que pudesse fazer para detê-lo.
Meu humor estava uma merda quando fui ver a monja. A irmã estava
me dizendo sobre o tipo de premonição do Seyer que passou antes da
visão, quando soltei a pergunta que estava morrendo por perguntar. —
É normal para um Seyer ter uma maior sensação com outra pessoa?
Página 151
Seu rosto enrugado se mostrou surpreendida por minha
pergunta. — Não. Isso não é normal, mas para nenhum de nós é igual.
E você foi talhada em um molde diferente, menina. Qualquer parvo
pode ver isso. Por que está perguntando? — Seus anciões olhos
sustentaram os meus.
Não pude olhar longe. Queria lhe dizer. Queria confiar nela. Mas
minha boca não disse a verdade. Encolhi os ombros. — Pensei que
talvez em geral tivéssemos os sentidos intensificados.
Ela replicou. — Faça sua pergunta, se tiver alguma.
— Tenho uma conexão com outra pessoa. É como se
pudéssemos escutar os pensamentos do outro. Sinto-me muito,
estranha — fiz uma pausa. Ela não me olhou como se estivesse louca,
assim comecei outra vez a formar lentamente as palavras tentando
descrever nossa união. — E a conexão, o laço que temos, está
crescendo. Quando trato de me afastar desta pessoa, começa a doer
fisicamente. Algo dentro de mim começa a estirar-se. E me golpeia
quando me afasto — me detenho aí, esperando que me diga que estou
louca.
— Hmm. Não é com todos, só com uma pessoa? — Seus dedos
anciões tocaram constantemente seu queixo.
— Só uma. — suspirei.
Seus olhos me consideram. — E está mudando?
Assenti. — Sim. Está se voltando mais forte. A princípio, só era
uma sensação. Requeria contato visual ou um toque. Estou assustada
de que não seja capaz de manter meus segredos para mim. Como
Martis. O que devo fazer?
Seu rosto era sério, enquanto golpeava seu lábio superior.
Esperei que esta sábia tivesse todas as respostas que necessitaria para
o resto de minha vida. Agarrei a suas palavras, esperando por elas para
que me iluminassem, e me tirassem desta confusão. Sua resposta foi
um impacto. — Não tenho ideia, mas essa é uma situação interessante.
Tem que me deixar saber como resulta tudo.
Página 152
— O quê?! — chiei. — Tem que me dizer. Não sei o que fazer. Ele
não é um Martis! Ele é um mortal!
Inclinou-se para diante. — Você é um com ele?
— Sim. Pode me dizer agora? O que devo fazer? A única forma de
mantê-lo fora de minha cabeça é empurrando-o longe. Mas o laço está
me devorando. Não acredito que possa me manter afastada,
especialmente se está fazendo a mesma coisa com ele. — E eu não
queria estar afastada dele. Ele era meu melhor amigo, não importava os
eventos recentemente ocorridos.
Um sorriso se estendeu por seus lábios enquanto se inclinava
para trás rindo-se. — Oh menina!
— Não tem graça! Preciso saber. Não posso suportá-lo. — Havia
ficado sem fôlego. O pânico aumentando em meu interior. Ao final
respondeu, — Não pode suportá-lo, porque trata de controlar tudo. Mas
não poderá controlar isto. E não pode dobrar a sua vontade, tampouco.
Vocês dois estão feitos para fazer algo, juntos. Em algum ponto. Não
importa o que faça, passará. Lutar não tem sentido, inclusive se você
não gosta. Em algum momento, ele saberá o que é. — inclinou-se para
frente — Todos o faremos. Quando estiver preparada.
Meu coração ficou apanhado em minha garganta. Seu rosto
velho viu o meu. Grande. Ela ia jogar comigo até que o dissesse. Bem,
isso podia controlar, e não ia dizer que era o único Martis caminhando
ao redor com sangue de demônio nesse momento. Esse era o final da
discussão. Tinha que lutar com Collin eu mesma.
Página 153
Capitulo 17
Já passou uma semana do incidente da fonte. Collin manteve
sua distância. Tivemos problemas fazendo as pazes logo depois do
incidente, e já não estávamos nos falando. Minha fúria se desvaneceu,
mas ainda não podia falar com ele.
As palavras que Lily havia me dito tinham me incomodado,
embora fosse difícil de acreditar. Não podia ser que ele me amasse. E,
além disso, sabia que havia outra razão pela qual Collin se mantinha
longe de mim. Podia sentir. O vínculo estava mudando de novo. Parecia
que tinha vida própria. Não discuti com Collin, mas sabia que ele
também tinha sentido a mudança. O receio entrelaçava seus
pensamentos. Quando nos cruzávamos nos corredores, sentia que o
vínculo devorava, me empurrando para ele. Frequentemente, nos fazia
deter, sem poder falar.
Nossos olhos se encontravam e nos olhávamos fixamente,
enquanto que pensamentos sem palavras passavam entre nós.
Outros se davam conta. Diziam que algo novo e dramático
acontecia entre nós, o que era mentira. O olhar fixo era uma intenção
de bloquear minha mente antes que os pensamentos pudessem
deslizar-se para a mente de Collin. Quando ele estava perto, forçava
tudo fora de minha mente. Ele fazia o mesmo, mas o vínculo cresceu
mais incômodo. Cada vez, que terminávamos nos movendo e rompendo
assim o vínculo, meu coração se afundava, e as balizas do vínculo em
meu peito se interrompiam, em um curto e doloroso pop.
Sentei-me escarranchada sobre meu tamborete em biologia, e
desabei sobre a mesa. A mesa estava fria sobre minha bochecha.
Página 154
Olhando a parede, pensei sobre o vínculo, esperando que o sino soava.
As coisas estavam se pondo estranhas. Quando Collin cruzava o meu
caminho, eu estava focada exclusivamente em romper a proximidade, e
submetendo ao vínculo antes que a informação se filtrasse. Estúpido
vínculo. Estava ficando difícil, muito difícil. O fato de estar no corredor
não ajudava muito. Podíamos nos escutar a distâncias maiores, e
através das paredes. Era particularmente terrível em Matemática,
quando ele estava na sala de aula ao lado da minha. Seus emudecidos
pensamentos atravessavam as paredes de concreto. A pior parte era a
sensação de ser devorada. Havia uma parede no meio. Não era como se
pudesse atravessá-la e ir para ele! Mas ao vínculo não se importava.
A cadeira ao meu lado raspou o chão. Escutei Eric perguntar. —
Está bem?
Jogando-me para trás, levantei minha cabeça e esbocei um
sorriso. — Sim. Estou bem. Só um pouco nervosa. — Ele assentiu. A
classe continuou como usualmente o fazia. Quando o sino soou,
caminhamos para meu armário, juntos. Não havia nenhum círculo de
garotas loiras. Nem Collin. Eric me deixou, planejamos nos encontrar
na fonte. Estava decepcionada de que Collin não estivesse ali. Quase
desejava que ele dissesse algo, para que assim pudéssemos deixar a
outra noite para trás. Mas, não o fez. Tampouco faria eu. Não é como se
devesse me desculpar. Mas ainda, se tivesse a oportunidade de permitir
que as coisas se esquecessem, saltaria para ela.
Os meninos ainda me consideravam como a puta da escola,
mas já não era o tema do dia. Graças a Deus. Isso era terrível e durou
muito tempo. Eric inventou uma história sobre voltar comigo, apesar de
meu lado selvagem, o qual era certo, já que ele não podia mentir. E
fomos um casal falso novamente. Eric conduziu para a igreja, dizendo
pouco e nada. Quando finalmente falou, não era algo sobre o que
quisesse falar. — Por que o fez?
Página 155
Voltando minha cabeça, olhei-o zombeteiramente. — Fazer o
que? Seu rosto se entristeceu, e já não me olhava. — O patinador.
Na festa. Escutei um montão de versões. Não escutei a sua.
— Realmente não quero falar disso, certo? — Olhei pela janela
para fora, apoiando minha cabeça sobre o vidro. Ele limpou sua
garganta, claramente incômodo. — Ivy, Shannon me disse que Collin a
atirou em uma fonte. Estava brigando com seu melhor amigo? Tudo
isso soa estranho.
Encolhi os ombros. — Foi estranho.
Eric me olhou, sustentando o volante fortemente. — As coisas
tendem a agravar-se e apodrecer, a não ser que lute com elas. Tende a
colocar seus problemas dentro de uma caixa, e logo eles explodem em
sua cara.
Arrepiei-me. — Meus problemas não… bom, talvez o faça, um
pouco. O que quer que faça? — Olhei-o pela extremidade do olho, me
endireitando no assento.
— Que enfrente o problema. Seja o que seja. Da maneira que
possa. Selando-o dentro de ti realmente não funciona muito bem. — Ele
encolheu os ombros — Sei por que é o que eu fiz. Estava muito zangado
quando fui trocado. Não devido à marca, mas sim pelo que perdi. Os
Valefar a mataram… Sua voz se voltou mais tranquila, enquanto
dirigia, entrando no estacionamento. O cascalho rangeu sob a
caminhonete enquanto ele freava e estacionava — Lydia significava tudo
para mim. Perdi-a porque fui um idiota. Queira admiti-lo ou não, Collin
significa algo para você. Não seja tola e termine arruinando tudo.
— Talvez seja uma tola. Que tipo de garota seria, se em realidade
eu gostasse? Você mesmo o disse, ele me trata como lixo. — Não queria
falar mais sobre isto.
Eric tirou meu cabelo do meu rosto, voltando meu queixo para
ele. Seus olhos caramelo eram compassivos. — Ivy, eu invejo você. Não
tem ideia do quanto a invejo. Sei o que ele fez por você. O que tem feito
Página 156
por você. O amor não se apresenta muito frequentemente. Acredite em
mim, eu sei. Quando aparece, só os tolos os deixam ir. Ainda se for ele.
— Eric deslizou fora da caminhonete. Surpreendida, fiquei sentada ali
sem poder me mover. Amor? Não saberia se Collin me amasse?
Escutava seus pensamentos e emoções através do vínculo. Admiração
se filtrava antes que o amor, e inclusive luxúria, mas não amor, nunca
amor. Não, eles se equivocavam. Não sei o que viam, mas sabia, sem
dúvida nenhuma, que Collin não me amava. Éramos amigos. Isso é
tudo.
Quando finalmente saí, Al estava me esperando. Hoje ela ia
preparar-me para minhas visões. Como não tinha tido nenhuma, ela
pensou que me chocariam como um trem de carga. O presente era para
mim ou simplesmente não o era, sem nada no meio. Como esse era o
modo em que minha vida usualmente se dava, não duvidei dela. Estava
emocionada por aprender esta parte. Existia a remota possibilidade de
que eu visse algo de mim no futuro, a respeito da profecia. Logo, talvez,
poderia arrumar as coisas.
Al se sacudiu enquanto falava. — Os Seyers têm vislumbres do
futuro. Eles não podem ver tudo, só parte e fragmentos. Se você obtiver
suficientes detalhes, pode tratar de adivinhar o que acontecerá. Quando
tiver sua primeira visão, será como um sonho. Mas, como não
dormimos, não estará dormindo. Mas será vulnerável. A primeira coisa
que tem que fazer quando sentir que está por chegar uma visão é se
afastar do perigo. Logo quando estiver tendo a visão, foque em todos os
detalhes que possa. Vai necessitar deles para averiguar o que viu. Logo
venha e me conte.
— Está bem. — Não sabia o que dizer. Supunha que as visões
eram como os sonhos, assim pensei que teria que esperar e averiguar. E
parecia que ela não podia me ensinar algo mais a menos que o
experimentasse. Teria que esperar e ver como era por mim mesma.
— Há algo que queira me dizer? — ela adicionou.
Endureci-me ligeiramente. — Como o que?
Página 157
— Oh, não sei. — Ela sorriu — Simplesmente parece como
se tivesse decisões a tomar e não o tivesse feito. Se deixar o bolo dentro
do forno muito tempo queimará.
Do que estava falando? Bolo? Pestanejei. — Não tenho bolos,
Irmã.
—Sim, tem. Todo mundo tem bolos. Bolos sobre que se pôr a
comer, com quem sair, com quem brigar a quem dizer… ela se
deteve. Sua pele curtida enrugada ao redor de seus brilhantes olhos. —
E se não nos decidirmos, tudo se queima. Se não escolhermos a tempo,
alguém mais o fará por nós, e o departamento de bombeiros lhe dirá
que os bolos queimaram sua casa. Entende o que estou dizendo?
Não. — Sim. — Sorri. Não tinha palavras que replicar pelos
bolos, mas sim me sentia um pouco faminta. — Bem, obrigada.
Eric apontou a cabeça na sala. — Está preparada? — A Irmã me
olhou, esperando por minha resposta.
Assenti para Eric e continuei: Acredito que sim. — girando,
perguntei: — Terminamos?
— Sim. — Ela parecia ligeiramente ofendida. Mas não podia
dizer nada. Quase me faço pisar em cima quando tirou o tema a reluzir.
Sabia que havia visto meu futuro, mas não sabia quanto tinha visto.
Era possível que ela não soubesse que minha marca estava manchada.
Não queria ser a que lhe dissesse. Logo pensei no metafórico bolo
queimado. Isso é o que passa quando espera muito. O poder de decisão
lhe é tirado. Começava a entender lentamente, mas entendia. Continuei
com a única coisa que podia dizer. — Obrigada. — Apertei minha mão
em seu ombro quando passei ao seu lado.
Ela a cobriu com seus nodosos dedos e disse. — A ajudarei.
Prometo-o. As monjas não mentem menina.
Eric era um magnífico professor. Ele não mencionava meus
enganos. A paciência era um requerimento quando se trabalhava
comigo, e ele a tinha em abundância. Tinha aperfeiçoado uns
movimentos, mas estava assombrada quando disse: — Simplesmente
Página 158
vamos divertir-nos hoje. — O olhar em seu rosto me deixou saber
imediatamente que eu não pensava que isto era divertido.
— Nos divertir? Do que está falando? — perguntei. Praticar
nunca era divertido. Usualmente me chutavam o traseiro. O terror
correu por minhas veias.
Ele sorriu. — Terminamos quando um de nós esteja imobilizado.
Usa as coisas que lhe ensinei. Não deixe o ginásio. E sem armas.
— Eric, eu não tenho armas. — Ri. Coloquei minhas mãos em
minhas calças. Do que estava falando? Os Martis que tinham treinado
com Eric se detiveram, sorrindo, nos vendo. Seus pés se detiveram
enquanto observavam o intercâmbio.
Assinalando meu pente de prender cabelo, ele disse. — Sem
prata. Que seja limpo. — Sorrindo como louco, ele se dobrou pela
cintura, me fazendo gestos para que me aproximasse. — Vem e me
agarre.
A Martis morena sorriu, enquanto se sentava com os dois
homens, preparados para nos ver lutar. Meus olhos pestanejaram entre
eles e nós. Cruzei meus braços, me sentindo mais que tola. — Eric.
Sério? E eles?
— Eles podem olhar. Nós acabamos de fazer o mesmo exercício.
Será bom para eles, e para você. — Sorriu-me enquanto dizia — Melhor
começar ou o farei eu. —Ligeiramente em choque, fiquei ali parada com
meus braços cruzados, negando a me mover. Incredulidade se propagou
por meu rosto. Sério? Queria que o apanhasse? Aparentemente, esperei
muito tempo porque ele se lançou para mim com muita rapidez. Eu
chiei, e corri, evitando por pouco que me agarrasse. — Isto não é justo!
— gritei sobre meu ombro. — Vai me apanhar em cinco segundos!
Os outros Martis riram. Elena, a mulher Martis com cabelo
negro gritou, com um sorriso em seu rosto: — Luta garota! Pare de
correr. Ele a apanhará! Use seus movimentos ofensivos.
Deslizou sua mão em minha cintura, e eu me retorci para ver
quem tinha falado. Girei, me agachando e correndo sob seus braços. —
Página 159
Não posso ganhar! Tem dois mil anos mais que eu! — Seu pé se
disparou para fora quando eu ia à metade do caminho, me dando uma
rasteira, e tropecei para o chão. Em lugar de levá-lo comigo, encolhi-me
em uma bola, e rodei longe. Saltando sobre meus pés, esperando que
me agarrasse, meio agachada. Suas mãos tentaram me agarrar, mas
falharam. Ri, enquanto saltava sobre ele para subir a corda.
Eric ficou debaixo. — Isso foi tolo. Agora, como planeja escapar
de mim?
Gritei. — Você disse que tinha que me imobilizar. Ainda posso
me mover. —Movi meus braços para lhe demonstrar — Você não ganha,
porque é um impasse. — Meu coração estava saltando e usei o
momento para recuperar meu fôlego, sabendo que Eric não permitiria
que passasse isso. Suas mãos pegaram a corda e senti que se movia
debaixo de mim. Ele disparou, subindo rapidamente. Movia-se mais
rápido que antes, e estava na metade do caminho antes que eu
recuperasse meu fôlego. Meus dedos soltaram a corda, enquanto sentia
um redemoinho de ar me rodear com um WOOSH. Enquanto caía, Eric
gritou, tratando de me alcançar, mas falhando. Meus pés aterrissaram
no chão com um ruído ensurdecedor, seguido por algumas incômodas
dores em minha face. Eric estava atônito, sumido no silêncio, e
permanecia sem emoções na corda. Meu olhar disparou para os Martis,
suas bocas estavam abertas. Merda. O que tinha feito? Corri do lugar
onde tinha aterrissado, através da sala. Uma sensação doentia se
formou em meu estomago. Ninguém tinha se movido nem dito nada.
Sabendo que tinha arruinado tudo, segui correndo, e me estrilei contra
as portas do ginásio. Tinha que escapar. Uma olhada em seus rostos
me dizia que algo ia mal. Fiz algo mau, mas não tinha ideia do que.
Tinha terminado com tudo isto. Pretendendo ser um Martis. Rodeada
por quatro deles, que se soubessem o que eu em realidade era. Estaria
morta.
Corri através das escuras paredes, me afastando de todos eles.
As pisadas de Eric se aproximavam pelo corredor, atrás de mim,
Página 160
aumentando rapidamente sua velocidade. Empurrei a porta exterior,
entrando totalmente no jardim traseiro da Igreja. Seus dedos me
agarraram pelas costas de minha camiseta, antes que me voltasse
rapidamente, evitando seu agarre por pouco.
— Ivy, pare! — disse-me. Mas não pararia. Tinha que correr. Não
podia ficar mais tempo. Não queria ver a traição refletida em seu rosto
quando juntasse todas as peças do quebra-cabeça. Ofegando
sonoramente, joguei-me longe de seu agarre. Corri muito rápido, me
lançando para o bosque, sabendo que seria mais fácil perdê-lo entre as
árvores. Os dedos de Eric se fecharam sobre meu braço, e me puxou
para trás. Sentia que perdia o equilíbrio, sem poder me recuperar. Meu
corpo caiu golpeando a grama na borda do bosque. Eric me cobriu com
seu corpo. Retorcer para girar e sair de seu agarre não tinha sentido.
Seu agarre era de aço.
Respirando pesadamente, ele disse: Por que correu? E a
propósito, eu ganhei. — Ele se agachou e se sentou sobre minhas
pernas. Soltei um som exasperado, flexionando cada músculo de meu
corpo. O pânico fluiu através de mim, e tratei de chutá-lo. Meu peito
não podia tragar ar suficiente. Meus braços queimavam, enquanto lhe
arrojava murros grosseiramente.
— Perdeu Ivy, — ele disse, fixando meus braços aos lados.
Abatia-se sobre mim triunfante.
Solte-me! Deixe ir! — gritei. Meu coração corria tão rápido
que pensei que morreria. Eric respirava pesadamente. Ele soltou meus
braços, mas não parou. Eu ainda estava pega ao chão. Fechei meus
olhos, passando minhas mãos por meu rosto. Ele não disse nada e ficou
sentado sobre mim, me olhando. Finalmente deixei cair meus braços,
sabendo agora quão estúpido teria sido correr para o bosque. Estava
escuro, e as nuvens encobriam a luz da lua. Jake podia estar ali. Eric
se levantou de minhas pernas, e se sentou ao meu lado. Ele não disse
nada. Só me olhava.
Página 161
Quando já não pude suportá-lo, disse com voz áspera: — O que?
Diga-me o que está pensando. — Limpei com minha mão gotas de suor
de minha testa. Fechei minhas mãos para esconder meus tremores.
Eric respondeu um pouco aturdido. — Está bem. Como pôde saltar
assim? Nunca vi um Martis saltar dessa altura antes. Nem sequer
parecia um salto. Parecia que voou para o chão. — Seus ambarinos
olhos queimavam buracos em meu rosto. Não podia olhá-lo. Só o
pensamento de mentir me fazia sentir doente, odiava essa sensação.
Mas não havia nada mais que fazer. As mentiras me protegiam, mas a
realidade de que eu era diferente estava surgindo. Ele saberia logo.
Continuei sacudindo a grama de meu cabelo, e o olhei
cautelosamente pela extremidade do olho. Só diga, Ivy. Ele suspeita de
algo. Mas não o fiz. Preparei minha voz para outra mentira. — Céus,
Eric. Não sei. Parece que posso saltar longe. E o que? Tive sorte.
A expressão do Eric era ilegível. — Não sei o que foi, mas não foi
sorte.
Página 162
Capitulo 18
Eram seis horas quando Eric e eu chegamos à escola para o
estágio. Eu conversava como de costume, e ele estava mais calado do
que o normal. Isso me preocupou. Eric se separou de mim quando
chegamos ao palco. Ele foi à jaula para fazer coisas técnicas, enquanto
eu fui pintar algo. Algo sempre precisava ser pintado, e amava pintar.
Agarrei um pincel, ansiando enterrar meu estado de ânimo no látex.
Jenna Enjoe vinha atrás de mim. Ela tinha um avental com coques. Seu
cabelo estava recolhido para trás em um acréscimo. Ela soltou:
— Ivy, está saindo com o Collin e Eric? — Impactada com sua
pergunta, engasguei com minha saliva. Outras alegres garotas que não
conhecia se aproximaram detrás dela. Nenhuma delas nunca
necessitou de café. Eram naturalmente alegres. Retornei meu olhar
para Jenna Enjoe tratando de recuperar minha placidez usual.
— Não, Collin e eu… somos só amigos. Estou saindo com Eric.
— Ela estava tão louca.
Mudando de conversa, perguntei:
— Então, o que estamos pintando?
Sorrindo disse. — Só terminando alguns cacarecos. Estava
retocando os planos, mas necessito algumas mesas. Terminaria por
mim? — Entregou-me seu pincel, e outro avental rosa.
— Sim, claro. — Agarrei o pincel, ignorando o avental. Caminhei
para quão planos estavam nas decorações.
Sua voz gritou: — Não esses. Já temos esses. Estava retocando
esses planos. — Seus delicados dedos assinalaram ao cenário onde sete
Página 163
de nove planos já estavam erguidos — Retoque as costuras — disse e se
afastou.
Vi o problema antes de caminhar para lá, mas agora era muito
tarde. Ofereci-me para estar dentro de uma das rochas lançadas por
Collin. Depois de nos evitar por uma semana, terminei justo junto a ele.
Agora era muito tarde. Uns quantos olhos estavam postos em mim,
assim subi os degraus de madeira para o lugar onde Jenna tinha
indicado. Com o pincel em minha mão, movi-me detrás dos atores,
cuidadosa de não pintá-los. Pus-me frente ao pote de pintura, e afundei
o pincel dentro.
Não tenho ideia do que aconteceu depois disso. Collin estava
muito perto. Era como se meu cérebro se fundisse e a única coisa de
que estava consciente era Collin Smith. Seus pensamentos me
acariciaram brandamente, fazendo com que meu corpo se inclinasse
para ele. Forcei minha coluna a ficar reta e me sentei. Dava pinceladas
de preto, e tratei de deixar de prestar atenção. Isso só tratava mais,
ficou pior. Finalmente me movi um passo longe dele, para o seguinte
plano. Logo me movi ao seguinte. Quando estava na ponta do cenário,
tratei de romper a união, mas não cedeu. Não podia ir. Meu coração
saltou em meu peito. Sentindo seus olhos em mim, perguntei-me se ele
sentiu o mesmo.
Sim. Sua voz passou por minha mente. Parecia como uma suave
carícia. Imediatamente quis outra. Tive que me afastar dele. Precisava
romper a conexão. Se pudesse mover minhas pernas fora do cenário, e
descer pelas escadas, romperia. Movam-se! Ordenei para minhas
pernas, mas estavam doendo por caminhar para Collin.
Vi Eric me vendo do outro lado do cenário. Algo mais estava
acontecendo. Sua atenção estava nos atores. De repente a voz do
professor atravessou minha neblina mental.
— Não retorne até que esteja sério! Sempre está arruinando os
outros. Demônios! Estamos a duas semanas da noite de abertura,
Collin. Sempre faz tudo no último minuto, mas não desta vez. Saia
Página 164
daqui e não retorne até que esteja preparado. — Lançaram lhe um guia.
Collin o agarrou, e saiu disparado do cenário.
Escutei a porta de metal do porão chiar e abrir. Mantinham
todos os objetos de cenário e velhos cenários no porão da escola. O local
era escuro e cheirava a umidade, diretamente debaixo do cenário. A voz
de Collin sussurrou em minha mente:
— Siga-me.
Como se tivesse opção? A conexão me puxou bruscamente,
inclinando-me para ele. Meus pés lentamente caminharam para baixo,
sem saber o que estava acontecendo. As luzes estavam apagadas.
Procedendo no negrume, senti o humor tormentoso de Collin, mas não
o vi até que estive na aterrissagem mais baixo.
Voltou-se para mim. — Que demônios foi isso? O que está me
fazendo, Ivy? — Seus olhos estavam abertos, e pude sentir seu medo.
Tratando de permanecer calma, respondi:
— Eu não estou fazendo nada, Collin. É por isso que esteve me
evitando? Está se voltando pior, verdade?
Seus olhos eram ferozes enquanto me olhava.
— Sim — disse bruscamente. Depois de um momento, sua
expressão se suavizou — Fiquei longe por isso e por causa da outra
noite com a fonte. Não pensei que falaria logo comigo. — Ele deu um
passo longe, e passou seus dedos por seu cabelo — É muito pior, Ivy.
Nem sequer posso estar perto de ti sem querer… demônios! — Um
brilho de raiva flutuou para mim pela conexão. Collin, que sempre era
tão controlado, estava perdendo o controle.
— Sem querer o que? — Parei frente a ele, e ele olhou meu rosto.
Tudo estava flutuando pela conexão. Nada estava oculto. Senti seu
coração acelerando e a tensão em seu peito.
Sabia que ele também estava assustado. Não podia esconder.
Seus olhos eram do mesmo azul intenso que só tinha visto uma
vez. Suas palavras foram faladas tão brandamente, como se estivesse
envergonhado.
Página 165
— Ivy, quero te tocar. Provar. Beijar. — Seus dedos se
prolongaram, tocou meu rosto, mas prontamente dobrou seus braços
de novo.
Mariposas revoaram em meu estômago, enquanto ele falava.
Olhei seus olhos, incapaz de falar. Seus músculos estavam flexionados
tensamente, e sua respiração era curta e forte. Ele curvou seus dedos
em punhos e os pressionou contra os rincões de seu pescoço, antes de
voltar-se longe de mim.
Ele estava tratando de não me beijar? Essa era a fonte de sua
angústia, o beijo.
OH Deus. Um frio percorreu minhas costas. De repente soube
por que minha pele picava quando estava ao redor dele. Sabia por que
não me beijaria. Sabia por que ele tratou de me evitar. Não. Ele não
podia ser. Suas emoções flutuaram por meio da conexão. Ondas
estatelando-se contra mim. O som de minha voz, a curva de meu
pescoço e a essência de minha pele… seu desejo era tão intenso que ele
mal tinha controle disso. Ele queria pressionar seus lábios nos meus, e
sentir minha pele. Passar seus dedos por minha bochecha e enredar
seus dedos em meu cabelo. Mas havia algo cru debaixo disso. Não era
paixão, a maneira como o pensaria. Recordou algo mais. Como a euforia
no rosto de um gato, enquanto com a pata toca ao camundongo até a
morte. Meu estômago se afundou. Era como se ele quisesse…
— OH Deus...! — Afastei-me dele. Quando o fiz, o vínculo me
apertou, me sujeitando em meu lugar. Meu coração acelerou. Queria
correr escada acima, mas fiquei congelada diante dele.
— Não podia ocultá-lo para sempre, não com agente assim. —
Sua mão empurrou seu cabelo para trás e o vi. Sua pele marcada por
uma mancha escarlate, a cicatriz Valefar.
Tremendo, tratei de me controlar. Sua intensidade não mudou.
O olhar de desejo em seu rosto não desapareceu. — E já sei o que é. É
por isso que não te beijei. É por isso que tive que permanecer longe.
Mas maldito seja! Você fez isto! — Ele deu um passo para mim, seus
Página 166
olhos azuis cintilantes — Não quero te matar, Ivy. Libere-me. Não pode
me manter desta maneira.
Dei um passo atrás, mas o vínculo me apertou e se fez tão rígido
como cabos de aço. Isso me deteve no lugar, aturdida. Diante de mim
estava meu inimigo. E meu melhor amigo. Maldito seja!
Suprimi o pânico que quis me dominar. Estava farta de ser
dominada. Por dor. Medo. Luxúria, ou o que seja que fosse isto. Em
uma voz firme lhe disse: Juro por Deus. Eu não fiz isto. — Meu
coração martelava em meu peito. Minha pele tensa se arrepiou, e
envolvi meus braços ao redor. Elevei a vista para seu rosto de pânico —
Você realmente é um deles, um Valefar. Verdade? — Dizê-lo fez a
horrível verdade se solidificar. Não podia acreditar, mas a verdade
estava me olhando à cara.
Seus olhos cintilaram e um círculo carmesim se formou ao redor
do azul. Ele veio para mim, vaiando em minha cara. — Sim, é obvio que
eu sou. O que outra coisa poderia ser? E você! É tão nova que posso
cheirá-lo. E decidiu me apanhar? Está louca? Não posso funcionar
quando está ao redor. O que fez?! — Meu estrondoso coração pulsava
com força em meu peito. Seus batimentos do coração ecoaram através
da união. Podia sentir o sangue bombeando, e não estava segura se era
o meu ou o dele. — Podemos resolver isto. Podemos. — Minha voz
tremia. Não podia evitar — Temos que averiguar o que isto quer dizer.
Eu não fiz o vínculo. Nenhum de nós o fez. Somente precisamos
entender como rompê-lo.
— Romperá se te beijar. — Ele me atraiu para ele. Congelei-me
em seus braços. O medo se apoderou de mim. Recordei os lábios de
Jake em mim, e a forma em que minha alma gritou quando foi rasgada
de meus ossos. As lembranças da dor alagaram através de mim. Uma
expressão de dor se apoderou de Collin. Ele me liberou e se apartou.
Estremeci, esperando que viesse para mim outra vez. Mas não o fez.
— Não quero te matar, Ivy. — Seu rosto cansado olhou o meu.
Ele tragou — Esforcei-me tanto por estar longe de você, mas sua alma é
Página 167
tão poderosa. Não pode ser ignorada. Me chama. É como tratar de
resistir a cada luxúria que alguma vez tenha sofrido, de repente. Sinto
cada vez que te vejo. A única razão pela que não cedi, é porque era livre
para escolher. Decidi te deixar viver. Mas me apanhou. — Sua cara se
crispou — Agora a luxúria me chama sem parar. Não posso me
controlar muito mais tempo. Ivy tem que romper. Agora.
Tratei de me afastar dele. Ele sentiu minha vontade de resistir à
sua. Tratei de subir pelas escadas e deixar ele para trás. Imaginei meus
pés fugindo, e deixando ele aqui. Mas isso não importou. A única coisa
que as imagens mentais fizeram foi mostrar que queria ir sem ele. As
imagens pareceram acalmá-lo.
Finalmente se sentou no chão e se apoiou contra a parede. Seus
dedos percorreram seu escuro cabelo, e ele fechou seus olhos. Sentei-
me no degrau inferior e o olhei fixamente. O impulso de beijá-lo
consumia ainda sabendo o que era. Uma estúpida ideia encheu minha
mente. Era uma maneira para romper o vínculo temporalmente. —
Confia em mim? Ele me olhou durante um momento. Seus sentimentos
alagaram o vínculo. Ele estava cansado. Eu sabia que precisava afastar-
se de mim, e sabia que o que ia fazer o faria mais difícil para ele. Ele
ficou tenso quando sentiu minhas intenções. — Essa não é uma ideia
boa.
— Tenho que fazê-lo. É o que o vínculo quer que faça. Quanto
mais resisto, pior fica. — O medo e o desejo estavam crescendo juntos.
Não podia pensar nisso. Tinha que atuar com rapidez antes que
perdesse minha coragem. Mas eu não estava segura a respeito de
Collin. Isto poderia empurrá-lo sobre o bordo — Pode ficar quieto? Seus
olhos se dirigiram aos meus. Sua voz sussurrou em minha mente:
Acredito que posso. Mas Ivy, eu não posso resistir a ti muito mais
tempo. Se isto funcionar, se o vínculo se romper, não fique. Fuja de
mim.
Assenti, e me levantei do sujo degrau e me ajoelhei diante de
Collin.
Página 168
Movi-me devagar. Minhas mãos tremiam. Ele podia sentir meu
medo. Meu fôlego ficou apanhado em minha garganta. Tratei de
empurrar o pânico atrás em meu estômago. Toquei seu rosto
brandamente, sentindo seu corpo em tensão sob minhas mãos. Contive
um assustado ofego, já que a sensação de formigamento que tinha
esperado nos alagou com uma sacudida de gelo e calor. Uma vez que se
acalmou nos sentimos como se fôssemos a mesma pessoa. Senti o medo
de Collin, e seu controle foi afrouxando. Suas necessidades principais
foram ganhando. Eu podia senti-lo. Mantive minha mão em seu rosto e
sussurrei a sua mente: — Fica quieto. Seu impulso interior de me
destruir não respondeu. Em troca, o vínculo me atraiu para ele.
Durante todo o caminho. Apoiei-me em seu peito, e meu rosto foi aonde
o vínculo me conduziu. Meus lábios roçando brandamente contra sua
bochecha. Os olhos de Collin estavam fechados pelo contato. A
suavidade de sua pele contra meus lábios me tranquilizou. A sensação
me alagou como magia. Sentia-se como pó de fadas vertendo-se em
minhas veias. Senti-me poderosa. Alegre. E mais conectada com Collin.
O beijo saciou sua fome. Ele desfrutou da sensação de meus
lábios em sua pele. Detive-me um momento antes de retroceder.
Quando me retirei, podia sentir o vínculo afrouxando-se. Parecia como
se os cabos de aço que nos uniam se desenrolassem em um movimento
brusco. Sabia que podia partir. Mas fiquei pensando por que não me
destruiu quando pôde fazê-lo?
Os olhos de Collin se abriram. O azul se foi totalmente,
substituído com olhos que pareciam um atoleiro de sangue com fogo.
Ele me enviou uma só palavra contra minha mente:
— Corre.
Página 169
Capitulo 19
Então. O que aconteceu? — A irmã Al sustentava uma xícara de
chá quente em suas mãos.
— Equivocou-se — disse histericamente. — O vínculo é mau. De
uma forma má. Vai me matar! — Não tinha muito sentido quando
terminei ali. Minhas mãos estavam voando, meu coração estava a ponto
de estalar, e as palavras estavam saindo de minha boca em divagações
incoerentes. O recurso da irmã Al foi colocar uma bebida fumegante em
minhas mãos trêmulas.
— Uhm — disse. — Posso haver me equivocado. Porque você não
me disse tudo. O que deixou de lado, Ivy? Alguma coisa… importante?
— Ela parecia estar calma, e franziu seus lábios enrugados para soprar
seu chá quente. Movi-me em meu assento, e fiz um ruído quando
empurrei meu cabelo um pouco. A irmã Al seguia falando: — Alguma
coisa como, não sei, dizer más palavras? Mentiras? Alguma coisa do
gênero? Ouvi palavras sujas antes, sabe. As monjas têm orelhas,
garota.
Meu coração golpeava meu peito. Não podia suportar mais. Ela
me derrubou. Ela ganhou. Eu simplesmente assenti com a cabeça e
disse: — Sim. Algo do gênero.
Um sorriso saiu dos cantos de sua boca, e deixou a xícara. — Já
era hora. Sabe o quanto é difícil pensar em metáforas para ser o que é?
Ora. Não se importava. Então solta, garota. Jurei te proteger, não
minto. Eu te protegerei, não importa as palavras que saiam voando de
sua boca agora mesmo.
Página 170
Olhei para Al e ao redor da habitação. Só um pensamento me
impedia de soltar tudo nesse momento. — O que tem Julia?
Al se endireitou na cadeira. — Julia tem boas intenções, mas ela
não está aqui. E ela não é minha chefe. Meu chefe não foi visto por mais
de duzentos anos. E não, não o vi vir. — Ela riu de sua própria
brincadeira. — Estou tão acima quanto posso estar na hierarquia das
coisas. E ninguém está acima de mim. Portanto, o que digo se cumpre.
E se digo que tem meu amparo. Assim o tem.
Titubeei, olhando minha xícara de chá. — Julia me dá medo.
Mas necessito de ajuda. Vou estar morta manhã se não entender. Julia
vai me matar no dia seguinte se ela me achar. — Fiz uma pausa.
Minha cara estava dolorida, mas não pude ocultar mais. — Estou
poluída. Estava marcada como Martis. Era azul a primeira noite. —
Tomei uma respiração enorme e soltei o resto. — Mas agora não é. É
roxa. —Tirei o pente de prender cabelo e empurrei atrás minha franja,
lhe mostrando a marca.
Ela baixou a xícara à mesa e disse: — OH, Meu deus! Não tinha
nem ideia. —Totalmente inexpressiva.
Tratei de não revirar os olhos. Suspeitava que ela soubesse, mas
não estava segura até então. — Soube todo este tempo, não? — É obvio
que sabia! Sou velha, não estúpida. — Ela sorriu, tomando um gole, e
voltando a bebida fumegante à mesa. — E quando te vi, soube que era a
garota de minhas visões. Vestida de um sólido negro com um buraco no
coração do tamanho de... Realmente um pouco grande. É obvio que era
você.
— Por que não me disse que sabia? — Meu estrondoso coração
começou a relaxar, já que não ia morrer nesse momento. — Pensei que
você gostaria de me ver morta. Ouvi Eric e Julia falando da profecia e
que tinham que matar a garota do quadro, eu. Eric não sabe. Tenho
mentido. Eu não gosto de lhe mentir. E o vínculo. O vínculo! — gritei
enquanto as lágrimas corriam por minha cara. — Vinculou a um deles.
Página 171
Ela soltou um suspiro. — Bom na realidade não é azul, então,
né?
— Não é divertido! Como pode rir? Ele quer me matar. — Sequei
as lágrimas do meu rosto. — O vínculo segue nos pondo juntos, e o que
nos empurra vai me matar. Eu não quero morrer, e ele não quer me
matar. A única razão pela qual escapei esta noite foi porque usei o
vínculo para o que queria, um beijo, mas na bochecha. As cordas que
me mantinham com ele se romperam, junto com o seu autocontrole.
Então corri. Se eu não fosse um pouco mais rápida, teria me matado!
Pelo que sei poderia estar esperando lá fora. — Esfregava minhas mãos
sobre meus olhos. — O que acha que devo fazer?
Al me olhava. Ela deixou sua xícara fumegante na mesa
enquanto eu destrambelhava. Minha dor e o medo flutuando na
superfície e derramando fora de minha boca. Ela extraiu pedaços da
suja informação. — Portanto, está vinculada, mas já não, a um menino
demônio beijador, que não quer te beijar?
Assenti com a cabeça. — Sim. Mas não importa. Seu controle se
foi. Rompeu-se esta noite para ficar longe dele. — Sentamo-nos em
silêncio durante um momento. As emoções que estalaram através dele
essa noite eram intensas. Queria me proteger. E ele se esforçou muito,
mas sabia que estava falhando. Eu era sua perdição. Seus pensamentos
me alagaram, e podia senti-lo. Minha voz era um sussurro. — Quando
seus olhos se iluminaram, recordou Al, Jake me atacando. Mas não
tinha medo deste menino.
— Qual é sua pergunta, querida? — perguntou a monja.
Inalei, tratando de me recuperar. — Eric me disse que eles não
podem sentir, que não sentem nada. Desde que posso sentir seus
pensamentos e emoções, sei que ele queria me proteger. Isso é possível?
— Algo é possível. — Deu um gole em seu chá. — É incomum,
mas não impossível.
— O que devo fazer? — perguntei.
Página 172
— Algo vai acontecer com vocês dois. Tem alguma ideia do que
é?
Assenti com a cabeça. — Acredito que sim. Mas não sei como
nem por que. Está na pintura. O menino que estou puxando para cima,
ou o que está me puxando para baixo. É ele. Estou segura de que é ele.
Bebeu outro gole de seu chá.
— Então não tem nada com o que se preocupar. Com ele de
todos os modos.
Meus olhos incrédulos foram para seu rosto. — Sim, claro. Al,
ele estava disposto a me destroçar esta noite.
— Mas não o fez. — Encolheu-se de ombros. — E seu
autocontrole é notável. É quase como se... — sua voz se apagou. O resto
da ideia passou através de seu cérebro e ela me deixou fora.
— Como se, o quê?
— Os demônios beijadores são egoístas, só veem por si mesmos.
Entretanto, pôde sentir seu desejo de te manter viva. Precisa saber por
quê. A única maneira de inteirar-se é usando o vínculo.
Levantei-me longe dela. A ideia me assustou. Senti minha
mandíbula apertar-se. — Não. Não posso vê-lo de novo. Não posso.
Sua cabeça caiu para mim. — O que quer dizer, com não pode?
Não é fraca. Já te vi com Eric. E estiveste resistindo e rompendo o
vínculo com o menino Valefar. A menos um de nós sabia qual é a causa
e o que quer, está presa. E se ele está tratando de te proteger, há algo
mais em jogo aqui. Talvez seja a profecia. Mas talvez não seja.
— O que poderia ser a outra coisa? — Sentei-me de novo em
minha cadeira.
— Poderia ser a profecia, mas só há uma maneira de estarmos
seguras — disse.
Um bocejo me escapou. Não tinha bocejado nas últimas
semanas. De repente, minhas pálpebras pesavam. — Her-er... - disse
fracamente tentando me sustentar. Depois o quarto girou, e caí.
Página 173
Minha primeira visão me encheu de horror. Al a princípio, estava
rodeada de negro. Deslizava como a névoa antes de uma tormenta. A
frieza me pressionou. Meu corpo estava dormente, mas não estava em
meu próprio corpo. Eu estava me olhando. Quando a negra névoa se
dissipou, vi-me sentada a uns metros de distância. Olhava-me. Uma
brisa fresca levantou alguns cachos fibrosos de meu rosto. A lua havia
descido no horizonte. Enquanto olhava à visão, olhei para mim ao redor
para captar meu entorno. Havia sombras que pareciam pessoas
aparecendo além de mim na distância. O chão estava brilhando de cor
vermelha. Sustentava um corpo inerte sobre meu colo. Os edifícios
estavam à distância, mas só sentia que estavam ali. Não podia ver nada
com clareza que não se centrasse na visão.
Vi como meu pranto se fez mais suave, já que estava falando
com o menino em meu colo. Embalei sua cabeça em meus braços. Não
podia ver seu rosto, só uma coroa de cabelo escuro. Poderia ser
qualquer um. Mas a partir da forma que reagia, sabia que não era
qualquer um. Era alguém importante para mim. Desesperada por saber
quem era, chamei, Al em minha visão: — O que aconteceu?
Mas ela não respondeu. Nenhum deles o fez. Era como se eu não
estivesse ali. Aproximei-me tratando de ver o jovem em meus braços.
Estava coberto com seu próprio sangue, fluindo de uma grande ferida
debaixo de seu pescoço. Filtrando fora de seu corpo moribundo em um
fluxo constante, muito rápido para estancá-lo. Al se aproximou, pude
ver que minhas mãos estavam cobertas de vermelho, e havia uma ferida
em minha palma. A visão piscou enquanto me via pôr minha mão sobre
sua cabeça.
Um grito: — Nãããooo! —Veio de uma das sombras. Movendo-se
com rapidez.
Tratei de ver o rosto do menino. Tinha que saber quem estava
morrendo em meus braços, mas não pude. Logo, a escuridão formou
redemoinhos e estava de volta na velha igreja. O aroma de umidade do
ar rançoso encheu meus pulmões.
Página 174
A irmã Al se abatia sobre mim, me olhando no chão. — Bom isso
foi estranho. Adormeci. Esfreguei minha a cabeça, e encontrei um
trapo enrolado em meu pescoço. Tirei-o e me sentei lentamente. Al o
agarrou. — Não sabia quanto tempo ficaria fora. O resto de nós fica em
transe quando vemos. Nenhum de nós dorme. — Pôs a toalha na pia e
se voltou para mim. — Adormeceu?
Neguei com a cabeça e imediatamente desejei não havê-lo feito.
A palpitação me deixou surda. Levantei um dedo para lhe fazer saber
que necessitava um minuto. As imagens da visão davam voltas em
minha cabeça e se desvaneciam rapidamente. Ela falou com urgência:
— Ivy, não temos um minuto. Al saiu da minha visão Tem
que escrever imediatamente tudo o que se lembra. Já que não pode ver
com claridade, tem que me dizer. Garota, fale antes que desvaneça!
Comecei a recolher as cenas da visão, mas estavam tão
escorregadias como sabão. Quando tratava de agarrar fortemente uma,
deslizava fora de meu controle. Decidi só falar e ver se isso funcionava
melhor. Disse-lhe o que vi, sem deixar nada de fora.
Quando terminei, ela disse: — Isso é estranho. Não há rostos.
Dei-me conta de que seu chá não estava sobre a mesa e a
cozinha estava mais limpa. — Quanto tempo estive fora? — perguntei.
— Por volta de uma hora — respondeu ela.
— Sério? Senti como se fossem uns minutos. Isso não é bom. —
Franzi meu cenho.
— Me alegro de que veja o problema. As visões são mais curtas,
à medida que amadurece e aprende a usar seu poder. Mas, pode ser
que não. Como está vinculada ao Infra Mundo, por causa do sangue de
demônio, eu suspeito que possa ser diferente para ti. Sobre tudo porque
já sabemos que suas visões a adormecem. O problema é que não
podemos fazer nada para controlar que adormeça, para te proteger. Se
uma visão acontecer quando estiver em perigo, não haverá maneira de
escapar. Entretanto, houve uma advertência antes de chegar a ti. Antes
que fique adormecida. Bocejou. Logo que sinta o sonho chegando a ti,
Página 175
vá a algum lugar seguro. Obrigue o seu corpo a sair da visão até que
esteja segura. Não será capaz de fazê-lo a princípio, mas à medida que
seus poderes fiquem mais fortes, fará. — Levantei-me do chão e
encostei minhas costas na mesa. Apoiei a cabeça em minhas mãos,
apertando com força. Ela disse: — Ivy, eu não acredito que vá ser como
o resto de nós. Não mencione o que aconteceu aqui a ninguém. Eles
saberão que é diferente. E, Ivy?
— Uhm. Sim? — disse.
— Tem que dizer ao Eric, antes que ele se inteire de outra
maneira. Meu coração contorceu e meu rosto também ecoou da
sensação.
— Irmã — minha voz se desvaneceu em um fôlego - Não posso.
— Meu coração deslizou por minha garganta. As ramificações de dizer a
ele eram horríveis. O aspecto da traição em seu rosto seria insuportável.
A monja tinha um olhar triste em seu rosto.
— Sei que ele se inteirará. Eu o vi — advertiu. — Controle o que
puder Ivy. Às vezes, quando acontecem as coisas por sua própria
vontade, necessita. Mas, outras vezes o melhor é que controlamos os
acontecimentos. Eric estará com um e outro, quando mais importar.
Você necessitará de ambos.
Página 176
Capitulo 20
Nessa noite terminei meus deveres, e tomei uma ducha.
Deixando que a água quente golpeasse sobre mim, pensei no que Al
disse. Precisará de ambos. Ela não me disse quem era a outra pessoa,
mas soube que Eric tinha que ajudar. Se ele não fizesse, seria ruim.
Embora fosse difícil aceitar que Al não me dissesse quem era a outra
pessoa, eu entendia seu raciocínio. Durante minhas lições de Seyer, ela
revelou a importância de não dizer à pessoa que estava na visão muita
informação. Se revelasse muito antes que a visão chegasse um futuro
alternativo poderia ocorrer, um que ninguém viu. Os Seyers tinham a
horrível tarefa de escolher quais visões dissipar, e quais permitir
progredir. Agora mesmo, Al disse que eu era muito inexperiente para
tomar essas decisões, mas dada a oportunidade, poderia ser capaz de
dissipar minha profecia em um instante.
Quanto a Eric, queria acreditar que ele não me destruiria. Não
teria sentido ter me resgatado então, e me matar agora. Não sabia o que
pensar dele. Devia-lhe minha vida. Não havia maneira de evitá-lo sem
importar quanto o odiasse. A dívida me fazia sentir presa, porque não
havia maneira de pagá-la. Poderia prolongar-se eternamente… ou até
que lhe dissesse o que eu era.
Ao amanhecer, me vesti. A casa ainda estava em silêncio. Desci
silenciosamente as escadas para a cozinha com um saco cheio de lixo.
Arrumando os papéis, encontrei o que estava procurando. Dizia
VIAGEM ESCOLAR. Ir à Albany, Nova Iorque por uma semana para um
tour pela capital do estado. Uma viagem escolar de muitas horas,
muitos dias, em um ônibus amarelo? Não, obrigado. A autorização
Página 177
laranja se enrugou em meu punho, e estendi meu braço sobre o cesto
de papéis. Mas, duvidei antes de jogar fora.
Mamãe apareceu detrás de mim, e o tirou de minha mão. — O
que é isto, Ivy? — perguntou ela. Imediatamente ao ver o que era, chiou:
— Ivy! Não pode jogar fora! — Estava completamente vestida, e alerta.
Olhava para mim como se estivesse louca por não querer ir.
A autorização era um aviso para pagar pela viagem assim
poderia ir, amanhã à noite. A escola precisava da licença assinada e
devolvida, hoje. Arrepiei, sabendo que ia ser uma luta.
— Não quero ir, mamãe. — Além disso, se deixasse minha casa
então não teria onde me proteger. Não podia ir nem se quisesse, mas
não podia lhe dizer isso.
— Como pode não querer ir? — perguntou mamãe, parando
frente a mim. — É uma viagem de sete dias. E cumpre com sua
atribuição de história — se deteve, com uma mão em seu quadril, me
olhando. — Preferiria escrever um ensaio de quinze páginas sobre o
estado de Nova Iorque? Já o escreveu? É para amanhã se faltar à
viagem. Suspirei. O ensaio. Merda. Esqueci de escrever o ensaio.
— Não, não escrevi. — Sentindo que perdia a batalha, rendi-me.
Teria que me assegurar que Eric viesse comigo. Não podia desaparecer
uma semana. — Bem, irei. Preciso do dinheiro e da autorização.
Mamãe sorriu. Suas bochechas estavam rosadas. — Você
adorará Ivy. Vão ao teatro em forma de ovo. Poderá ir aos bastidores
também. Sei que isso é só uma pequena parte da viagem, mas só com
isso faz que valha a pena. — Mamãe pegou sua bolsa, e tirou dinheiro e
uma caneta. Assinou perfeitamente (era impossível esquecer-se disso) e
esmagou o dinheiro em minhas mãos. — Aqui há algo extra para alguns
sanduíches e lembranças.
— Obrigada mamãe — disse.
Já que oficialmente fui a última estudante a levar minha folha
de autorização, tive que caminhar o corredor abaixo para o escritório.
Abri a porta do escritório e caminhei para o balcão. Era largo, pintado
Página 178
com o tom mais aborrecido de amarelo em existência. Uma meia porta
de madeira cor mel oscilante estava no extremo do balcão. Continha as
secretárias com suas canetas, como zebras no zoológico. As mulheres
trabalhavam em seus escritórios de um cinza industrial, e me
ignoravam. Aproximei-me do balcão. O escritório estava inundado com
o sol do meio da manhã que brilhava através das poeirentas persianas
metálicas. A sala cheirava a blocos de cimento com umidade e
máquinas multifuncionais Xerox. Coloquei minha permissão sobre o
balcão. O dinheiro chacoalhou dentro do envelope, enquanto golpeava a
madeira branqueada. Suspirei, esperando ser notada.
Uma mulher com forma de pera se levantou de sua mesa
amontoado. — Sim? — espetou. Seu destroçado cabelo avermelhado se
deslocava como uma massa. Imediatamente alargou suas garras
carmesins e tamborilou o balcão, me olhando.
— Precisava entregar minha autorização para a viagem da classe
— disse e empurrei-a para ela.
— Um pouco tarde, verdade, querida? — arreganhou.
— Sim, ia escrever o ensaio — murmurei.
Respondeu com um humor, e tomou minhas coisas e caminhou
de retorno a seu computador. — Está no sistema. Tem que estar aqui as
17 horas ou irão sem você.
O dia passou como o resto dos outros. Sem sinal do Jake. Eric
era Eric. E Collin estava ausente. Disse a Eric que iria à viagem, e disse
que me acompanharia. Foi logo depois da escola para esclarecer com Al.
Na última badalada, lancei-me de meu assento. Cheguei em casa
rapidamente. Remexendo em meu armário, peguei umas camisolas,
jeans, e camisetas.
Parei diante do espelho. O colar de abril aparecia por debaixo de
minha camisa. Tocando-o, perguntei-me se deveria levá-lo comigo. O
pensamento me fez olhar o anel de Collin. Estava no aparador na noite
que me revelou que era um Valefar. De repente, queria esse anel em
meu dedo. Não sabia o que fazer. O anel estava no aparador porque não
Página 179
sabia o que pensar. Não saberia dizer se era um amigo ou o inimigo.
Em um nível muito básico, era meu inimigo natural. Só porque não agia
nessa base não significava que não era. Duvidei. Não havia tempo para
pensar. Podia fazer no ônibus, e pelos seguintes sete dias. Tampei o
colar debaixo de minha camisa e deslizei o anel de Collin em meu dedo.
Eram 16h45min. Tinha que me apressar se quisesse chegar a
tempo. O bom é que era uma corredora super impressionante.
Rabisquei uma nota para mamãe de que a veria em uns dias. Lançando
minhas chaves na minha bolsa, saí correndo pela porta principal,
fechando uma portada atrás de mim. Meus pés golpearam o pavimento
em rápidos saltos graciosos. Manchas de luz brilhavam através dos
ramos das árvores, enquanto o ar fresco formava redemoinhos ao redor
de meu rosto. Corri através de quatro faixas de tráfego — durante a
hora de pico — gerenciando para não ser atingida, o que já era algo.
Eram 16h53min. Troquei minha bolsa de ombro, e apurei o passo.
Quase lá. Dando a volta no beco, corri a toda velocidade para baixo.
Cinco pernadas máximas e estaria no pátio. À medida que meu
pé se chocava contra o chão em minha terceira pernada, algo me
golpeou do flanco. Deixei escapar um grito, enquanto meu corpo caía
contra o asfalto. Senti quem era antes que ele falasse, pois o vínculo
golpeou com força em lugar do golpe.
Suas palavras tocaram minha mente com urgência. — Estão lhe
seguindo. Fique quieta. — Estava nos braços de Collin, de cara à parede
de tijolo. Uma mão estava sobre minha boca, e a outra estava envolta ao
redor de minha cintura. Seu coração estava martelando. Algo frio
deslizou ao redor de minha bochecha e escutei um chacoalhar metálico.
O protesto morreu em minha boca, quando vi os outros sujeitos
entrarem correndo no beco. Corriam mais rápido do que humanos,
possivelmente direto para nós. Os braços de Collin se desenroscaram de
seu abraço protetor ao redor de mim, enquanto arremetia contra meus
perseguidores. Pressionei meu corpo no muro de tijolos, com o coração
pulsando velozmente. Olhando.
Página 180
Collin era mais rápido que o atacante. Antes que o tipo o
agarrasse, ele o agarrou e o lançou à parede do beco. O segundo sujeito
saltou sobre suas costas, e enlaçou seus braços ao redor da garganta de
Collin. Não conseguia liberar-se desse sujeito. Comecei a sair de meu
esconderijo, mas Collin o atirou. O atacante aterrissou na lixeira junto a
mim. Ambos os sujeitos desconhecidos ficaram de pé rapidamente,
atuando como se suas feridas não fossem mais que um golpe no dedo
do pé. Possivelmente fosse. Não via sangue ou hematomas em qualquer
deles.
Antes que tivesse tempo de examinar esse fato, Collin estava
agarrado a um dos sujeitos pela garganta.
— Como se atreve a me atacar! — Sua voz era irreconhecível,
seu rosto torcido pela ira. Atirou o menino no chão, e o chutou com
força. Foi nesse momento em que me dei conta que eles eram Valefar.
O atacante tragou um grito de dor. Finalmente tragou a dor:
— Não sabia que era você. Estávamos seguindo alguém. Ela veio
por aqui.
— Ela não está aqui. Vê-a? Vê-a! — gritou Collin. O homem
sacudiu sua cabeça. A bota de Collin conectou com seu estômago e o
Valefar fez um som de fervura. Ele não tentou levantar-se ou defender-
se. Ficou de barriga para baixo de lado, como se rogasse misericórdia. O
segundo sujeito estava de pé ali, sem dizer nada. — Ninguém me trai.
Ninguém me ataca! Conhece a pena por tal engano… — Lentamente se
inclinou para baixo. Ia passar mal. Realmente ia beijar a sua própria
classe? Não podia vê-lo matar alguém. Não podia. Empurrei minha voz
através do vínculo. — Collin. Não faça. Por favor.
Collin voltou seu rosto para o meu. Sua expressão era feroz.
Enfurecida. Seus olhos estavam com as bordas carmesins, e eram uma
piscina de sangue vermelho. Um estremecimento desceu por minha
coluna, à medida que o vínculo aumentava através de mim. Era mais
forte que a última vez que o vi. Não íamos nos afastar desta vez. Podia
senti-lo. Empurrando meu temor, dei um passo para o Valefar que
Página 181
estava me perseguindo, me dirigindo para Collin. Sustentei minha mão
em alto e disse:
— Vamos.
Uma faca de um fio irregular estava na mão de Collin, detendo
perigosamente a lâmina em sua vítima. Era uma arma feita de enxofre
que Eric uma vez tinha mencionado. Era de um porte rudimentar um
bordo denteado que parecia ter sido mordido com dentes afiados. A
borda da folha estava forrada de um negro sólido — impregnada de
enxofre. Afastei-me lentamente esperando que o vínculo ajudasse. E fez.
O vínculo empurrou Collin um passo atrás de mim. Logo depois de uns
quantos passos, seus olhos começaram a voltar para a normalidade.
Um tênue anel vermelho permaneceu, mas sua sede de sangue aliviou à
medida que sua respiração se acalmava.
Aterrorizou-me. Cada impulso de meu corpo me disse para que
fugisse dele e nunca voltasse a olhar para trás, mas o vínculo não era o
único que me mantinha ali. Precisava saber que ele estava bem. Tinha
que vê-lo de novo. Meu coração acelerou à medida que caminhávamos
devagar. Obriguei meus pés a manter um ritmo normal, tentando
eliminar o medo. Necessitaria de um psiquiatra se sobrevivesse a isto.
Eric tinha razão. Tinha suprimido tudo. Esperava que isto não
aparecesse no meu rosto.
Pigarreou. — Merecia morrer, Ivy. Traíram a sua própria classe.
E, sei o que iam fazer. — Seu rosto estava transformado com a irritação.
Ignorei sua afirmação, sem querer pensar nele matando aos seus
ou a qualquer um. — Estava me seguindo? — perguntei. Meu coração
seguia pulsando rapidamente. — E o que é isto? — Assinalei para o
bracelete de ouro. Tinha três rubis grandes nele. Era realmente feio. Ele
assentiu, sabendo que não podia mentir. — Sim, estive te seguindo. E
isso te protegerá assinalou para o bracelete. — Deixe-o. — Começou
a me empurrar longe da escola enquanto falava.
Não tive outra opção mais que segui-lo, igual ao vínculo que me
puxava junto a ele. A irritação disparou através de meu corpo. —
Página 182
Estamos presos, Collin. Diga-me o que é. Agora. — Assinalei para o
bracelete.
— Te esconderá — explicou. — O usamos para capacitar a
nossos melhores combatentes para seguir aos Martis. Os rubis estão
impregnados de escuridão e sombras. Mascaram ao portador, por isso
eles não podem te ver. Faz com que o Valefar aprenda a confiar em seus
outros sentidos ao seguir Martis. — Parando abruptamente, voltei-me
para ele. — Estão te procurando. Todos eles. Os Valefar te querem. E a
pintura. Significa pegá-la por qualquer meio necessário. Pensam que
você a tem.
Meu estômago desabou. — Que pintura? — Olhou-me, vendo a
lembrança da profecia piscar em minha mente. Viu minhas mãos pegá-
lo, enrolá-lo, e logo deixá-lo. Maldição. Não podia ocultar nada dele.
— Suspeito que saiba da pintura. E a tem? — Os olhos de Collin
estavam completamente azuis. Parecia cordato novamente. Assenti.
— Por que a querem? E a mim?
— Jake te quer. Suspeita de algo. Não pode estar seguro até que
te veja. Não estou completamente seguro. — Continuou me empurrando
longe da escola para uma rua lateral.
— Collin. Aonde vamos? — perguntei. A preocupação atravessou
meu estômago como um anzol. Retorci-me.
Assinalou a um Spyder azul estacionado na calçada. —
Automóvel. Não vamos caminhar. E você vai a uma viagem diferente
hoje.
Página 183
Capitulo 21
Estava dividida entre me sentir como se estivesse sendo
sequestrada e me sentir como se estivesse deixando a escola. Collin
conduziu a uma casa. O vínculo me empurrou atrás dele. Eu tinha
diminuído, de modo que não podíamos nos separar mais de uns
quantos passos. As imagens e lembranças compartilhadas se
intensificavam. Quando Collin recordava algo, sentia como se eu
estivesse ali. A lembrança completa me alagava: cor, sabor, som, tato e
aromas. Nada era só dele. Este novo desenvolvimento levou dois dias. E
me assustava. Não havia mais segredos entre nós. Bom, isso não estava
verdadeiramente correto. Ainda havia um. Mas, só era porque nada
provocava a lembrança, ainda.
Segui Collin a uma exuberante casa, cheia de ricas cores
escuras. As paredes, o piso, inclusive o escritório; todos eram de ricos
tons de âmbar, ébano e mogno. O tapete era de friso. Recordava a um
cão que lambia uma fossa. Ele deixou cair suas chaves na mesa e eu
deslizei em uma cadeira. Perguntei:
— Então, o que acontece? — Estive calada no caminho a… onde
fosse que estivéssemos. Era muito mais fácil calar-se, quando de fato
podia sentir a pessoa a seu lado fazendo o percurso de perto. Collin nos
tinha levado por isto, passando por pequenos povoados com granjas,
até que finalmente paramos fora de um edifício rodeado de granjas com
grama. Elevava-se sozinho em meio de um campo. Havia um espaço de
terra atrás dele que se convertia em uma colina. Era estranho vê-lo em
uma paisagem plana, mas aí estava coberto de grama. Collin me olhou.
Seus ombros se encurvaram, enquanto se inclinava contra a mesa.
Página 184
— Sabem que a pintura já não está em território sagrado. E
suspeitam que algo mais esteja acontecendo. Dizem os rumores que
uma dos azuis do Vaticano, uma das importantes dos Martis, esteve
aqui não faz muito. Essa gente só passeia por aqui quando algo sério
está acontecendo. Pensamos que se tratava da pintura. Mas isso não
tem sentido. Ela não estaria aqui por isso. Estaria furiosa se soubesse
que está perdida, e não teria ido. Mas não estou seguro que sua gente
saiba que já não está. O que me faz pensar que algo mais está
acontecendo. De qualquer maneira, está atraindo mais e mais Valefar a
esta área para averiguá-lo. Arqueei uma sobrancelha e cruzei os
braços. Saber que ele era perigoso e saber que era Collin, era conflitivo.
— Por que não me matou? Sabia que estava sozinha. Sabia que
éramos inimigos e me deixou viver. Por quê? — Meu coração estava
pulsando com força. Não podia mascarar minha lógica: ele não poderia
ser tão mau se não me matava, certo?
— Não. — Sacudiu a cabeça, fechando os olhos fortemente. —
Ivy, eu não sou como você! Não sou bom. Afastei-me de sua vida por
razões egoístas. — Seu olhar azul encontrou o meu. — Por nada mais.
Senti algo na parte posterior de minha mente. Eu não daria o
primeiro passo, assim o pressionei:
— Para que coisas egoístas me queria? — Ele trocou de lugar.
Sua postura confiante se voltou mais como a de um menino, e insegura.
Perguntei-me se estava jogando comigo.
Seus olhos azuis encontraram os meus.
— Não sei. Só te queria perto. Se tomasse sua alma, não estaria
mais por aqui.
— Por que não me uniu, simplesmente? Poderia estar contigo
para sempre. — Meus braços cruzaram sobre meu peito. Tentei conter o
pânico que estava fazendo caminho por minha garganta. — Poderia
havê-lo feito. — Caminhou para mim. Com meu pulso acelerando-se,
observei-o aproximar-se. Seu formoso corpo deslizou junto ao meu.
Página 185
Seus dedos roçaram minha bochecha. Seus olhos se fecharam e o senti
lutar para ter o controle. Seu demônio interno queria me destruir.
Mas, Collin não ia permitir.
Minha voz foi um sussurro: — Sei. — Encontrei-me me
inclinando para ele. Parecia normal, como um momento entre um
menino e uma garota, quando sabiam que gostavam um do outro. Mas
não éramos um menino e uma garota. Éramos inimigos naturais.
Retrocedi. Mas não o fiz. Tinha que saber por que.
Afastou-se de mim. O vínculo se apertou, evitando que se
afastasse muito. — Te desejava. — Isso foi tudo o que disse sem maior
explicação. Eu não tinha ideia do que dizer. Não estava segura do que
ele queria dizer. Voltou-se para me olhar. — Ivy é a melhor coisa que
me passou em oitocentos e quarenta e seis anos. Uni-la teria atenuado.
E eu gosto como está. — Encolheu de ombros e afastou o olhar. Parecia
depravado, mas o vínculo o traía. As emoções de Collin formavam
redemoinhos dentro dele, tornando mais difícil pensar. Eu o afetava
tanto assim.
— Então, não me unirá? Não me machucará? — perguntei
insegura.
— Não. Mas o vínculo está tentando nos forçar a fazer a única
coisa que quero fazer, mas não posso. Nunca desejei tanto um beijo em
minha vida. — Sua expressão era de dor. Começou a passear enquanto
eu revivia lembranças com ele. — O primeiro ano que te conheci,
perguntei-me como seria te beijar e te abraçar fortemente. Logo, a morte
levou a sua irmã. Mal pude suportar vê-la. Queria que viesse para mim
em busca de consolo, mas não fez. Te vi nos braços de outros. —
Encolheu de ombros, atuando como se não o machucasse, mas o
vínculo me disse isso, de todas as maneiras. — Depois, descobri que
estava com um azul, um Martis, e soube que seríamos inimigos. Era
horrível pensar, como mortal, teria sido mais fácil estar juntos. Mas,
quando te vi com esse patinador, voltando para os velhos hábitos, não
Página 186
pude suportar. Rompi. Ele tinha a única coisa que eu queria. A única
coisa, que não posso ter jamais.
Suas palavras me alagaram. Havia algo diferente com ele. Tinha
semelhanças com Jake, mas era diferente, de alguma forma. Podia
senti-lo, mas não sabia como.
— Não pense isso — me advertiu. Seu olhar disparou para o
meu. — Não estou seguro. Nunca acredite nisso. Se perder o controle da
forma que fiz a outra noite. Maldita seja Ivy...
Algumas vezes vi pessoas que atuavam corajosamente. Para
todos outros pareciam estúpidos. Havia uma fina linha entre ambos. Eu
não sabia de que lado da linha estava quando fui para ele. Coloquei
meu braço sobre seu ombro e falei com o coração. Imaginei que ele
saberia de todas as maneiras. Ao menos desta forma podia ser quem
dissesse. Ele estremeceu com meu toque, lutando por refrear-se. Seus
olhos azuis olharam meu rosto enquanto seus dedos se moviam
nervosamente a seus flancos.
— Não foi porque não te quisesse. Te vi me observando... — As
palavras eram difíceis de sair. Ficaram enterradas em meu peito,
escondidas de todos. — Senti como se estivesse morrendo. Vi seu rosto
e foi como se estivesse indo à deriva. E tinha que fazê-lo. A dor da
perda. Rompeu-me. Não queria senti-lo de novo. Pensei que se saísse
com tipos ao azar, não me doeria tanto. E funcionou por um tempo,
mas não durou. O único consolo real que tinha então… era você. —
Houve silêncio por um momento enquanto minhas palavras saíam.
Sentia-se cru. Nunca as havia dito em voz alta antes.
Sentia-se estranhamente íntimo falar com ele desta forma, mas
ele significava tudo para mim. Não podia perdê-lo. Continuei:
— Sei quem sou. Inclusive antes de ser marcada. Sou perigosa,
Collin. Gente que cruzou meu caminho está destinada a desaparecer.
Não queria infringir essa dor a ninguém mais. Especialmente a você. —
Enlacei meu braço com o seu, e me inclinei para ele. Podia sentir seus
sentidos enfrentando-se dentro dele. Uma sensação tranquilizadora veio
Página 187
a minha mente através do vínculo, subjugando sua sede por minha
alma. Estranhas sensações deslizaram por minha coluna vertebral
enquanto me sentava junto ao menino que queria roubar minha alma.
Nunca soube que tinha uma até recentemente. Não sabia que era para
que eu a protegesse. Ou para que a compartilhasse. Logo, fiz algo
estúpido. Atuei antes que o pensamento pudesse formar-se em minha
mente, sabendo que se ele visse, jamais aconteceria. Mas algo me
empurrou, chamando desde muito dentro, e tive que fazê-lo. Olhando o
seu rosto incline-me e rocei meus lábios em sua bochecha em um único
beijo.
O vínculo se apertou e sufocou a ambos, logo nos liberou. Seu
coração estava acelerado e seus sentidos estavam gritando como se o
estivessem atacando. Voltou-se para mim. Saltei, retrocedendo,
sabendo que ele tinha perdido o controle antes de me tocar. Mas fui
muito lenta. Apanhou meu braço direito, enquanto eu observava seus
olhos tornarem-se carmesim.
Sem pensar, reagi, tirando o pente de prender cabelo de meu
cabelo. Cortei em um rápido arco. A pele esfumou aonde os dentes
atravessaram sua formosa cara.
Saltou, afastando-se de mim. Suas mãos sacudiam e seus olhos
estavam totalmente abertos.
— Ivy… — Sua voz tremeu ao dizer meu nome.
Podia sentir o medo abrindo passo em sua garganta.
— Não. Nada aconteceu. Fui uma estúpida. Não farei de novo. —
Que demônios estava mal comigo? Por que fiz isso? O vínculo estava
me influenciando tanto que não podia dizer quais pensamentos e
desejos eram meus e quais vinham do vínculo. Minhas mãos tremeram
enquanto suplicava:
— Collin, me olhe. — Seus amplos olhos observaram meu rosto.
O carmesim se esfumou, deixando sozinho um aro de fogo rodeando
sua íris. A pele que tinha talhado com meu pente de prender cabelo já
tinha sarado. Era como Eric dizia; a única forma de machucar a um
Página 188
Valefar era perfurar seu coração. Collin recuperou um pouco do
controle. Algo mais estava consumindo sua atenção e isso o
surpreendia por completo. Eu podia senti-lo através do vínculo. Podia
vê-lo em seu rosto.
Meu pente de prender cabelo estava a meu lado e meu cabelo
pendurava sobre meu rosto. Ofeguei enquanto meu coração se
acelerava, trovejando em meus ouvidos. Meus dedos sustentavam o
pente de prender cabelo chapeado apertadamente em minha mão. As
mãos de Collin se enredaram em meus cachos, afastando-os de meu
rosto. Inalei bruscamente, enquanto sentia suas emoções alagar o
vínculo. Sua voz foi um sussurro lastimável:
— OH, Meu Deus. É você. — Collin olhou fixamente minha testa,
agarrando fortemente meu cabelo. Quando comecei a tirar seus dedos,
liberou-me e retrocedeu, sacudindo a cabeça. — Como? Como é você?
Como aconteceu isto? Não poderia haver... — Negou com a cabeça, a
confusão tomando o controle dele. Focou-se em mim. Senti
arrependimento enquanto este surgia através dele. — Ivy. É a você que
estão procurando. Estão lhe caçando. — Seu olhar não se separava de
minha marca. Estava aniquilado.
Meu coração acelerou. Esta informação parecia mudar as coisas.
Perguntei-me se devia confiar nele, se estava tentando me enganar,
estimulado pela luxúria de sangue. Sorriu com suficiência.
— Te desejo em cada forma possível. Só que não posso te ter de
cada forma possível. Aquilo me golpeou realmente. — Suas palavras não
me atravessaram como falsas adulações. Pareciam reais. Questionei
minha prudência, me perguntando o que seria de nós.
— Collin — disse. — Não deveria me dizer essas coisas. — Dei a
volta, envolvendo meus braços ao redor de meu corpo, empurrando
fortemente. Minha marca. Como me tornei tão descuidada que lhe
mostrei minha marca? — Imagino que não deveria. Mas pode sentir de
todas as maneiras.
Página 189
Caminhou atrás de mim, controlando seu desejo por mim. Seu
rosto ficou mais sério ao falar: — Ivy, lamento ser quem te diga isto,
mas tem sangue de demônio fluindo por suas veias. Isso poluiu sua
marca.
Assenti fracamente. — Sei.
Parou frente a mim, tentando ver meus olhos.
— Sabe que é parte Valefar?
Encolhi com suas palavras. Atravessaram-me de uma maneira
que não acreditei ser possível. Tinha negado tantas vezes, convencida
que não seria o que meu sangue me fazia: uma criatura da escuridão.
Tristemente, olhei-o e assenti.
— Sou um fenômeno. Apanhada por meu sangue e destinada a
morrer por isso. Estou amaldiçoada, Collin. Tentei conduzir meu
caminho em outra direção, mas parece que não importa. — Esbocei um
triste sorriso.
Collin me observou. — Não queria isto, não é?
Olhei para ele, surpreendida de que perguntasse.
— Quem o quereria? Você queria isto? Queria ser o que é? —
Afastou o olhar, enquanto a tensão liberava por seu corpo. As
lembranças formaram redemoinhos a seu redor, lembranças de um
passado que eu nunca tinha conhecido.
— Não. Disse fracamente. — Não queria isto, mas não tive
opção. Sou um escravo. Os Martis também são escravos, mas você…
não estou seguro do que é.
— A que se refere? — Meu agarre se liberou, enquanto a tensão
começava a fluir.
— O sangue que une os Valefar é sangue de demônio. Dá-nos
poder, mas nos escraviza. Mas você tem ambos, sangue de anjo e de
demônio. Está duplamente presa? Ou o sangue de anjo cancela o
sangue de demônio? — Olhei-o, confusa, insegura do que estava
perguntando. — Pode mentir verdade? — Perguntou.
Página 190
Assenti. — Não espera que o faça. Os Martis não podem
mentir… jamais. Os Valefar não têm alma, mas você tem uma… e
mesmo assim tem sangue de demônio correndo por suas veias. É
perigosa porque seu poder não está unido e é livre.
— Não tenho nenhum poder Valefar, Collin. Sorriu
brandamente da minha ingenuidade.
— Sim, se o tiver. Pode fazer qualquer das coisas que o resto de
nós não pode fazer… além da maioria de suas coisas dos Martis.
Mostrar-te-ei.
Sacudindo a cabeça, disse: — Não, não é... Não posso ser assim.
Não quero.
Tomou uma pausa antes de falar. Senti o peso de suas palavras
enquanto as dizia. Estavam cheias de arrependimento. — Ivy, já está
amaldiçoada. Nada muda isso. Se pudesse desfazê-lo, faria. Faria tudo
por ti.
Senti o sangue desaparecer de meu rosto, enquanto a gravidade
ameaçava me enviar para o chão. Equilibrei-me, me estirando por uma
prateleira. Aceitar meu destino significava que eu perdia. Queria brigar
e isso significava não me render à parte Valefar em mim. Não podia
perder. Tinha que lutar.
— Não posso Collin. Não quero ser… isto. — Fiz gestos para mim
mesma, me sentindo desorientada. Eu não gostava que ele pudesse
sentir minhas emoções através do vínculo, mas não as podia esconder.
Sentia-me perdida. Completa e totalmente perdida. — Não posso me
permitir cometer um engano.
Ele falou urgentemente, dando um passo para mim.
— Mas, se o engano é ignorar parte do que é? Se o engano é não
te conhecer a si mesma? Como pode lutar por salvar sua vida, quando
está negando partes de ti? Não é como se nossos poderes fossem
inerentemente maus, Ivy. Pode ser que seja capaz de usá-los de outra
maneira.
Página 191
Suas palavras captaram minha atenção. Pode ser que fossem
mentiras do Valefar. Tinha que ser. Suas palavras soavam muito
perfeitas. Olhando seus olhos azuis, recordei que os Valefar mentiam
em uma teia belamente elaborada. Eu não saberia se eram mentiras até
que estivesse desesperadamente apanhada. Mas tinha que saber.
Meus braços se cruzaram sobre meu peito. Dei uns quantos
passos longe dele e perguntei:
— Que poderes tem que poderiam me ajudar?
— Não te ensinarei nada que te machuque. — Sorriu. — Em sua
maior parte, são pequenas coisas, como isto. — Mais rápido do que
pude piscar, ele estava frente a mim. Nariz com nariz, inspirei
surpreendida, e retrocedi. Minha mão cobriu meu acelerado coração,
tentando negar a importância.
Disse: — É bem, rápido? Também nós. Então o que?
— Não é velocidade. — Retrocedeu, sentindo o vínculo formando
redemoinhos ao nosso redor, animando-o a me tocar. Lutou com a
sensação e continuou falando: — Posso ir a qualquer lugar que tenha
visto. Só tenho que imaginá-lo em minha mente. Instantemente
aparecerei ali. Chama-se Efanotação.
Pisquei. — Não, isso não pode ser possível. — Deus santo. Não
havia dúvida de por que os Martis estavam perdendo.
— Por que não? — Sorriu. — É magia. Você e eu somos feitos de
magia. Podemos fazer muitas coisas que não são possíveis.
Pensei nisso. A efanotação parecia suficientemente inofensiva e
não presunçosa em si mesmo. A ideia me intrigou.
— Posso aparecer em qualquer parte?
Os cantos de sua boca se curvaram em um sorriso.
— Só em lugares nos quais já esteve. Deve ter um branco
específico em sua mente ou arrisca a não alcançar sua meta. Ser
apanhado entre os lugares não é divertido. Não tente. — Sorriu e uma
lembrança piscou, me mostrando que o tinha feito e que não foi
Página 192
divertido. Estremeci. Collin riu. — Gostaria de tentar? Pode vir para
mim, como eu fiz a um segundo.
Insegura, meus dedos apertaram mais fortemente meus braços
sobre meu peito.
— Não sei. — Aceitá-lo significaria que era uma Valefar. Não
queria ser. Suas próximas palavras me provocaram perfeitamente.
Caminhou para mim, sem piscar, com seu rosto no meu.
— Jamais teria que preocupar-se por ser atacada. Jamais.
Poderia fazer isto e escapar. Cada vez. — Seus olhos safira perfuraram
os meus. Nunca teria que viver outro beijo de demônio de novo.
Endireitei-me. Meus músculos se esticaram, aferrando-se
enquanto recordava a dor que minha mente se negava a recordar. O
desejo fluiu através do vínculo. Embora ele mencionasse o beijo do
demônio para me assustar, sabia que ele mesmo temia me beijar.
Estava aterrorizado de ser quem me destruiria. Olhei seus lábios,
desejando que não fossem veneno; desejando poder saboreá-los.
Collin girou bruscamente, agarrando a cabeça como se estivesse
em agonia.
— Não. — Sua voz foi tensa. — Ivy, não pode. Não posso… — Ele
não podia falar. A raiva se mesclava com o desejo, enquanto este se
arrastava sob sua pele. Negava a sua carne aquilo que cobiçava mais
que a vida… minha alma. Seus pálidos dedos se aferraram fortemente
enquanto brigava por reprimir a urgência que meus pensamentos
provocavam. A natureza exata da forma que Collin torturava a si mesmo
para estar comigo fluiu ao redor, através do vínculo. Não havia dúvida
do muito que eu significava para ele e quão duro tinha que lutar contra
seus instintos para assegurar-se de não me matar.
Seu corpo se esticou. Rastros de sangue deslizaram por seus
braços onde suas unhas estavam perfurando sua pele. Sua agonia
queimava, ameaçando consumi-lo. Uma ação aliviaria tudo, mas ele se
negava a me beijar. Negava-se a si mesmo a única coisa que faria ceder
sua dor. Não me beijaria.
Página 193
Algo em meu sangue se acendeu. Não havia forma que pudesse
observar Collin retorcer-se outro segundo. Tinha que fazer algo. Assim
disse era a única coisa que sabia que conteria sua agonia. A ideia me
aterrorizava, mas sabia o que tinha que fazer. Nesse momento, aceitei
meu destino… todo. Endireitei-me, sabendo o que era e sabendo que já
não podia negá-lo. Não tinha opção. Isto era quem era parte Valefar,
parte Martis. Dei um passo para ele. Minha voz carregava uma
autoridade que eu desconhecia. Havia um poder em minhas palavras
que deslizava sobre mim enquanto falava:
— Sou Valefar. Collin me mostre como ser uma Valefar. Minhas
palavras foram como água fervendo sobre gelo. Sua angústia
fisicamente se derreteu como podia gostar. Já não sentia como se
estivesse frente a um inimigo e o vínculo mudou, reconhecendo a um
aliado. Ressonou dentro de mim, como algo delicioso e escuro, me
seduzindo silenciosamente de dentro. Era a parte de mim que não podia
aceitar a parte reprimida. A parte que me aterrorizava. Estava livre.
O calor queimou através de meu peito, enquanto Collin se
voltava para me olhar. O insistente empurrar do vínculo permaneceu
intacto, mas o desconforto desapareceu. Ele observou com sobressalto
quando o calor se disparou através de meu peito, desde meus dedos até
meus pés, arqueando minhas costas, deixando um quente rastro em
seu despertar. A admissão me transformou, acendendo meu sangue de
uma forma que as palavras não podiam descrever. Senti-me mais forte
do que tinha sido alguma vez em minha vida. O medo se evaporou
enquanto o poder fluía por meu corpo, me abrangendo por completo. O
sangue de demônio estava acordado, me fazendo sentir invencível,
enquanto a parte Martis em mim era reprimida.
OH, Deus. O que fiz?
Página 194
Capitulo 22
Era aceitável que tudo havia mudado. Trocou a união,
confundindo-a, embora não saciou sua luxúria. Eu ainda queria Collin
e não se afrouxou, embora fosse menos doloroso estar tão perto dele. A
minha parte Valefar rapidamente se aperfeiçoou em algo que nunca
antes tinha notado. Meu olhar se lançou para Collin. Podia cheirar tudo
a seu redor.
Babando, traguei, e caminhei para ele. Havia uma essência no ar
que me recordou algo delicioso.
— O que é isso? — perguntei notando que emanava de Collin.
Olhando seu rosto perguntei — Por que cheira assim? — farejei o ar de
novo, tragando a saliva que se vertia de minha boca, despertando
minha fome.
Ligeiramente alarmado, inclinou-se longe de mim. — Cheirar
como?
— Cheira delicioso. — envergonhada, pensei nisso por um
momento, notando pouco a pouco o que estava acontecendo. Minha
boca encheu de água como se minha mãe estivesse cozinhando minha
comida favorita e eu não tivesse comido durante todo o dia. O aroma de
levedura de pão fresco encheu minha cabeça, acompanhado pelo aroma
do peru assado de minha mãe que sempre estava perfeitamente
cozinhando, crocante por fora e suculento por dentro. O aroma de
canela encheu por último, me recordando aos bolos de maçã que só
fazia durante dias festivos, e que todo o ano desejava. Inalei em uma
comprida e lenta pausa, deixando que os aromas enchessem meu corpo
e saboreando-os antes que notasse o que era. A expressão em sua cara
Página 195
foi a que me tirou do transe. Perdi meu sonho, mas os aromas ainda
persistiam e eram fortes. Vinham dele.
Mas por quê? Enquanto olhava para Collin, o horror se verteu
em mim, enquanto entendia o que estava acontecendo, reconhecendo o
que o sangue Valefar tinha despertado.
Cobri minha boca com horror enquanto me afastava dele. A
repugnância vertendo-se em minha boca como um vômito. Girando
bruscamente, afastei-me e me lancei em uma cadeira. Fechei meus
olhos com força tentando banir a sensação, o aroma. Mas não se
afundaria. Aferrou-se a Collin como se fosse comida. Oh, Meu deus. O
que era isto? O que fiz?
Minha voz foi afogada pelos travesseiros, mas sabia que ele me
ouvia. — Cheira a comida. Por que cheira a comida? — perguntei
sabendo a resposta. Senti o discurso enfático começar a derramar-se
antes que pudesse detê-lo — OH Deus! É porque posso cheirar… sua
alma. — Lancei-me em posição vertical na cadeira, olhando Collin
através do cômodo pouco iluminado — Tem uma alma! Não o negue,
posso cheirá-la. Cheira como se combinasse tudo o que alguma vez
desfrutei comer. — Meu cérebro começou a recompor as coisas — Disse
que cheirava como nova. Pode nos cheirar? Os Valefar podem cheirar o
sangue Martis. Assim é como vocês nos caçam. Mas... Isso não é o que
cheiro em ti — farejei o ar, e o olhei nos olhos sabendo que ele não
podia mentir. Escutei-o através da união — Cheiro sua alma. Como tem
uma alma, Collin?
Collin retrocedeu em sua mesa, olhando o tapete peludo — Não
tenho uma alma, Ivy. Não é o que está sentindo — Seus olhos se
detiveram no tapete, enquanto tratava de esconder sua vergonha e
fracasso.
Por que não me olha? O que o fez sentir-se assim? Já era
bastante mau que cheirasse como um manjar e me sentisse como se
estivesse faminta. Que mais teria esse aroma… o embriagador aroma de
uma alma humana? Que mais faria que uma nova Valefar reagisse
Página 196
assim? Tinha que ser uma alma, mas ele não tinha uma. Então o que
estou cheirando?
— OH Deus. — minha garganta se apertou enquanto
pronunciava as palavras.
O pulso batendo em meus ouvidos sentia-me mal. O sangue
drenado de minha face, enquanto o gelo deslizava em meu estômago.
Tinha me levantado lentamente, e me afastado dele, horrorizada. Sabia
exatamente o que era. Minhas bochechas se apertaram enquanto minha
visão nublava pelas lágrimas. Queria correr, fugir dele e nunca olhar
para trás. Em troca minha voz chiou.
— Isso é o que é, não? Os restos de suas vítimas. Como pôde? —
tremendo, engoli em seco com força sem querer dizer o que já sabia. O
aroma que ficou nele era a essência residual dos que ele tinha matado,
agarrando-se a sua carne. Aspirei meus lábios mordendo a parte
inferior, tragando a bílis antes que pudesse escapar.
Não houve arrependimento em sua voz. — Ivy, não é o que você
pensa. Por favor, escuta. Não quero ser o que sou. Não o teria feito, mas
para viver, temos que nos alimentar. Tive que fazê-lo. Não tinha outra
opção. — Collin tocou meu braço, me sobressaltando de meu horror.
Não ouvi sua aproximação. Seu rosto estava desconsolado — Pensei que
sabia. Não torturo as pessoas por diversão… são comida. Um corpo não
pode viver sem alma. Tem que ter algo para animá-lo, e lhe dar vida. Os
Valefar não têm alma, assim roubamos a outros para sobreviver. Tive
que fazê-lo. — Sua mão ainda estava em meu braço quando senti sua
aproximação em minha mente, tratando de me consolar.
Repudiando, lancei-me longe dele. O egoísmo me consumia, e
não era a morte de pessoas inocentes o que me horrorizava nem os que
Collin tinha matado… era o que eu queria deles. Cheiravam como o céu
e me senti faminta. Assim era ser um Valefar? Shannon não tinha a
mínima pista quando me disse quão aterrador seria. Não podia
controlar minha própria carne. Os desejos estavam batalhando em meu
interior para fazer coisas que eram desprezíveis. Imperdoáveis.
Página 197
O aroma que se desprendia de Collin estava me deixando louca.
Minha boca não deixava de salivar, engoli em seco com força uma vez
mais me sentindo enjoada. Olhei-o, me dando conta que Collin não
parecia tão tenso como estava normalmente. — Como podia suportá-lo?
— Envolvi meus braços ao redor de minha cintura, e apertei com força
para reprimir os horrores revolvendo meu estômago.
— Tive muito tempo para me adaptar. — seu rosto era sério, e a
tensão delineava seus olhos — Controlar os impulsos é o melhor que
posso esperar. Posso estar semanas sem me alimentar, mas é mais
difícil para os novos Valefar, o qual você é. Somente os poderosos
podem controlar-se. — limpou a garganta, me olhando com incerteza.
Soube o que queria perguntar, mas não estava segura se deveria fazê-lo.
Sua voz foi fraca — Cheiro a humano para ti?
— Sim. Você cheira. É confuso, e inesperado. Meus lábios
querem travar-se nos teus e beber sua alma. — respirando fundo,
apertei meus dedos, tratando de conter meu corpo, e me negando a
ceder a suas demandas.
— Lamento-o. Sei que é duro. — Logo depois de um momento,
disse: — Imagina quão difícil é abster-se quando cheira uma alma real,
e não as sombras dos mortos. Ivy, não quero ser o que sou, mas não
posso evitá-lo. E me tenta como nada que tenha experimentado antes.
Há algo em ti. — Sua voz foi apagando à medida que retrocedia.
Nunca antes o entendi. Pensava que os Valefar eram malvados,
que desfrutavam disso. Mas vendo seu rosto, sentindo suas emoções
através do vínculo e tendo o sangue Valefar correndo através de mim,
finalmente compreendi.
— É um escravo… entendi as implicações. Com minha
sobrancelha franzida, olhei-o. O Valefar possuía meu corpo, e queria
apagá-lo antes de fazer algo estúpido. Não confiava em que Collin não
fosse atacar, apesar de que eu tinha uma alma para sugar. Perderia
minha vida com um engano como esse. Não importava se um humano
chegasse a aproximar-se de mim agora. Sentia-me voraz.
Página 198
Minha voz tremeu quando falei:
— Quero desfazer isto. Matarei a alguém se ficar assim. Collin…
— aterrorizada, olhei em seus olhos, me dando conta que minhas
ânsias naturais destruiriam a ambos — Como o desfaço?
Encurralada no canto, minhas mãos se deslizaram detrás de
mim, quando minhas costas golpearam a parede. Caminhou
lentamente. — Ivy, não tem que matar a ninguém. Não tem que realizar
um beijo de demônio para viver. Ainda tem alma. Posso cheirá-la. Ainda
está aí. Sua natureza Martis ainda está aí. Somente está inativa.
Aparentemente não pode possuir ambas as características ao mesmo
tempo. — Estudou-me durante um momento, sentindo dor de que eu
compartilhasse uma parte de sua maldição — Deveria ser capaz de
desfazer da mesma maneira, ao te concentrar em ser Martis. Mas Ivy. —
Sua voz foi urgente, e sua mão alcançou a minha. Sustentou-a
brandamente — Posso te ensinar como te defender, mas somente se
permanecer assim por um tempo. Não deixarei ninguém perto de ti.
Quero te proteger. Mas, não posso fazer de outra maneira. Eu tentei.
Fui afortunado de chegar a ti bem a tempo, hoje. Os Valefar a matarão,
e se os Martis a descobrem… Ivy. — Suas palavras foram se apagando
uma vez que sua mão deslizava contra minha bochecha. Não pude
evitá-lo, mas me apoiei contra isso. Houve um rogo desesperado em sua
voz — Por favor, me deixe te mostrar.
Meu coração se acelerou, enquanto sua pele tocava minha
carne. O rogo em sua voz foi muito urgente para ignorá-lo. E o tênue
estado do vínculo o acalmou, embora me confundisse. Cheirar as almas
como se fossem um manjar suculento me perturbou profundamente.
Soube que não poderia me controlar muito bem, e isso me assustou.
A consciência de Collin roçou brandamente a minha: — Por
favor, Ivy. — Respirando fundo, olhei-o nos olhos e tomei a decisão mais
estúpida de minha vida.
— Me mostre.
Página 199
— Ivy — Me repreendeu Collin — Te concentre. Do contrário
partirá a pele de seu corpo. Pode arrumá-lo, mas dói como o inferno. —
Sorriu. Olhei fixamente o anel de rubi que Collin me deu em meu
aniversário. Ao que parecia, os Valefar gostavam de usar rubis em sua
magia negra. Quando olhei a pedra vermelho sangre, as bordas da
minha visão se encheram com uma neblina escura e minhas veias
arderam com uma estridente intensidade. A primeira vez que isso
passou me deixou louca, pensando que estava me queimando. Mas
Collin me disse que isso queria dizer que estava indo bem. Se eu
quisesse aparecer junto a ele, tinha que me concentrar com muita força
em que meu sangue fervesse, voltando meu corpo em neblina. Seguia
pensando nele e somente nele, apareceria junto a Collin.
O apontamento doía como o inferno se o fazia bem. Não poderia
imaginar a dor de fazê-lo mau.
Aconteceu que me sentia como se estivesse em chamas, devido a
que assim era. O calor corria por minhas veias enquanto olhava
fixamente, imaginando o rosto de Collin na pedra de rubi. Pude ver seus
frios olhos azuis e os longos cílios como se estivesse parado em minha
frente. O rubi foi usado para manter meu foco, assegurando que minha
pele reapareceria com meu corpo.
As chamas se alastraram por dentro, lambendo meu estômago
quando o poder se manifestou dentro de mim. Lutei por manter meus
olhos fixos no rubi, imaginando nada que não fosse o rosto de Collin.
Quando pensei que não podia suportar a dor um segundo mais, cessou
e me encontrei no colo de Collin, olhando-o fixamente. Seus olhos
estavam tão perto dos meus como tinha imaginado. Um sorriso
preguiçoso se deslizou em seu rosto, enquanto envolvia seus braços ao
redor de minha cintura, puxando-me com força. A surpresa do calor
gelado foi substituída com o calor chamuscante quando me tocou. O
intenso foco fez mais fácil que ajustasse a seu delicioso aroma, por isso
sua fragrância foi mais débil.
Página 200
Respirei fundo, orgulhosa de mim mesma por finalmente fazê-lo
bem. Fazê-lo pela metade teria sido doloroso, e teríamos estado nisso
por horas.
— Eu fiz. Viu? Finalmente o fiz! — sorri-lhe, meio ruborizada,
quando tratei de rebolar fora de seu colo.
Seu olhar fez que meu estômago se retorcesse, enquanto seus
braços me sustentavam no lugar. Seus cílios eram escuros e cheios.
Olhei-os para evitar olhar sua boca, sem querer tentar a qualquer de
nós com coisas que não podíamos ter.
— Eu notei isso — Sorriu — Foi perfeito. — Suas mãos ainda
estavam ao redor de minha cintura quando seus pensamentos
começaram a roçar minha mente. Suaves carícias e persistentes dedos
ocuparam a maioria deles. Quanto mais tentava não pensar em mim
dessa maneira, não podia, não enquanto eu estivesse em seu colo.
Substituiu os pensamentos logo que chegaram, tentando ocultá-los de
mim, mas não pôde. O vínculo não nos deixaria esconder nada.
Inclinei-me em seus braços, enquanto ele estava ao redor. A
surpresa se alargou através do vínculo, quando Collin me puxou com
mais força para seu peito. Jazi contra ele por um momento, escutando o
batimento cardíaco de seu coração. Soava completamente normal,
mascarando o sangue de demônio no interior. Respirei lentamente,
recordando pela metade a última vez que me senti verdadeiramente
segura.
— Collin, — Disse em voz baixa — O que te passou? — Seu
corpo ficou tenso ante minhas palavras. Virei um pouco, olhando seu
rosto. — Como se tornou um Valefar? — Não queria que seu estado de
ânimo se derrubasse, mas queria saber. Tinha que saber.
Página 201
Capitulo 23
Parecia haver um pouco de humanidade espreitando em seu
interior. Só queria saber que estava meio convencida de que era o Collin
que tinha visto e adorado.
— Ivy, o passado está no passado. O que está feito não pode
mudar. Somente podemos deixá-lo ir. — empurrou-me fora de seu colo,
e se afastou caminhando, olhando uma prateleira de mogno que se
estendia do piso ao teto. Livros velhos com títulos que não reconheci
alinhados em cada prateleira.
Caminhei atrás dele, sentindo sua tristeza.
— Foi tão mau? — de repente me senti insensível por perguntar.
— É obvio que foi tão mau. Eu o vivi. Igual a você. Sinto-o Collin, não
quis dizer que...
— Sei. — Girou-se para mim, aquele meio sorriso no rosto para
mascarar sua dor. — É parte da maldição, Ivy. Não recordo muito de
meu passado, somente a dor pelo que perdi. E a dor da conversão. —
Seus olhos se moveram até os meus. — Senti a dor de seu beijo de
demônio através do vínculo quando te assustei a outra noite. Não era
minha intenção. Suas lembranças do ataque de Jake cruzaram o
vínculo e reagiram com meu próprio pesadelo, revivendo-o.
Seus olhos olharam mais à frente, enquanto suas lembranças
passavam como um relâmpago pela união. Mostrando um passado que
não podia imaginar. Angústia fluía através de mim, quando vi sua vila
açoitada pela pobreza e a enfermidade. Gritos de mulheres e lamentos
de homens sustentando em seus braços meninos sem vida, relampejava
através da união iluminando o horror em minha mente. Enquanto
Página 202
falava, suas lembranças me alagavam. Era como se estivesse ali, e o
desespero e crueldade da situação me atormentavam. A dor de meu
ataque foi principalmente psíquica, mas a sua não. Não tinha ideia do
muito que lhe pedia até que começou a reviver a lembrança.
— Cometi um engano estúpido. — Voltou a olhar à parede,
arrastando um dedo ao longo de poeirentos tomos de livros. — Todos
estavam morrendo. Minha família. Tinha perdido meus pais e irmãs.
Minha esposa e o bebê se infectaram pouco depois. A enfermidade
invadiu a vila, matando mais que a guerra e a fome combinadas. Não
importava o que fizéssemos, não havia forma de detê-la. Estendeu-se de
casa em casa, pouco a pouco, nos matando lentamente. Vi minha
esposa murchar-se, à medida que a enfermidade a destruía. — Sorriu
levemente, recordando as características que admirava nela. Ela era de
caráter forte, ardilosa e fiel, mas o que o atraiu nela tinha sido sua
bondade. Voltando-se para mim, disse-me: — Ela sustentou a nosso
filho, negando-se a deixá-lo quando adoeceu, e ela também, pouco
depois. Não podia culpá-la por tratar de acalmá-lo. Tentei tudo o que
sabia. Tudo o que tinha. E esse não era o problema. Todos os dias eram
mais do mesmo: nós morrendo. A pira funerária se fez maior,
queimando do entardecer até o amanhecer. Ficaram muito poucos de
nós, e demos todo o melhor para confortar e prover aos doentes. Mas foi
inútil, Ivy.
Cruzou os braços sobre seu peito, retirando-se mentalmente,
permitindo que o passado o consumisse.
— Um dia uma mulher entrou na vila, disse que o farmacêutico
na cidade vizinha tinha encontrado um padre. Disse que ainda
funcionava nos menores. Os meninos morriam poucos dias de contrair
a enfermidade. Os bebês eram ainda mais frágeis. Meu filho estava
perto de morrer, e minha esposa o seguiria logo. Sentava-me junto a
eles incapaz de aliviar sua dor. Vendo-os debilitar-se. Perder a ambos
tinha sido… — Deteve seus olhos fixos no vazio. — Tomei tudo o que
tínhamos de valor, com a esperança de que fosse suficiente, sabendo
Página 203
que não podia falhar. Tinha que convencer ao farmacêutico de que me
desse o suficiente para salvar a minha família. Três de nós partiram da
aldeia essa noite, seguindo à mulher. Estávamos desesperados, e
falhamos em ver o que realmente era. Seus olhos brilhavam como
carmesim quando nos levou a uma cova Valefar. Fomos despojados de
nossos pertences, dominados e jogados em um poço. — Levantou seu
olhar para mim. — Usaram-nos para entreter-se, Ivy. Disseram que o
que sobrevivesse, dariam ao padre. Eu sobrevivi, mas a recompensa não
era o que tinham prometido. Em lugar disso minha alma foi arrancada
de meus ossos. — Ele não disse nada por um momento.
Meus olhos estavam cheios de lágrimas, enquanto escutava com
horror. Não piscava. Não podia. Cada sensação que sentiu fluía através
de mim. Seu rosto carente de expressão, como se estivesse perdido em
uma lembrança desprovida de emoção. Mas sabia que não era verdade.
Retorcia-se em seu interior e sentia tanta dor que se intumesceu para
me contar isso. — Matei o Valefar que me criou. Minha raiva me dava o
poder do que eles careciam. O resto dos Valefar daquela cova
dispersaram-se. Voltei para minha vila, correndo, desejando que não
fosse muito tarde. Tinha que estar ali com eles. Senti o calor do fogo
antes de entrar pelo portal. Ardia constantemente, mas não esperava
ver o que vi. Seu corpo estava no alto da pira, sem vida. Nosso filho
ainda obstinado em seus braços. Não estava ali quando morreram. Via
as chamas consumir o que ficava de minha família. Mas as lágrimas
não vinham. Em lugar disso, a raiva me encheu. Antes que pudesse
escapar, alguém me viu. As chamas laranja iluminaram seu rosto, e
quando chegou a me consolar… Collin voltou a me olhar. Miséria
encheu seu peito como se fosse um abismo sem fim, e se verteu dele em
incessantes ondas. — Morria de fome, Ivy. Ninguém me disse que tinha
que matar para sobreviver. Ninguém disse que devia ser cuidadoso ou
que me mantivesse afastado. Drenei-o sem me dar conta do que
acontecia. Então corri, destinado a me converter na atrocidade que vê
frente a ti. Sou um assassino. Centenas de almas estavam condenadas
Página 204
a morrer, para que eu possa viver. Seus ombros se afundaram
enquanto olhava para longe de mim, pressionando seus olhos fechados
para tratar de isolar a dor. Quando ele voltou a me olhar, seus lábios
tinham o leve sorriso que levava tão frequentemente, quão único
mascarava sua dor.
— Demônios comem a dor e a miséria, Ivy. Outorgam poderes a
seus escravos, poderes fenomenais. Mas faria tudo para estar livre
deles.
Aturdida, não podia falar. Não disse nada, olhando-o fixamente,
finalmente via o demônio que ele me disse que era. Mas também vi o
moço que tinha sido apanhado em seu interior, sofrendo pela
eternidade.
A maldição Valefar era cruel e implacável. Séculos tinham
acontecido e podia sentir o horror que fluía por suas veias como se
tivesse acontecido ontem.
— Alguma vez contou isto antes? — perguntei.
Ele negou com a cabeça, me dando as costas. A vergonha se
apoderou dele. A debilidade ameaçando seu controle, e seus instintos
naturais Valefar flamejaram. Fechou seus olhos, bebendo meu suave
aroma, guerreando internamente. O Valefar dentro dele queria minha
alma, malvadamente, mas ele não se permitiria admitir sua natureza.
Collin era muito mais forte que eu. Não tinha esse controle, e não podia
ter sobrevivido ao que perdeu, ou aceitar seu destino.
E, entretanto, eu estava aqui com ele, similar, mas diferente.
Pude reprimir o meu Valefar interior, quase inexistente, até agora. Ele
não poderia.
Engoli em seco, pensando que devia me odiar. Collin se voltou
para mim lentamente, respondendo:
— Nunca pense isso. Como poderia te odiar? É a única coisa boa
que me passou em quase um milênio. Mas Ivy, devo reprimir
constantemente meus desejos. Sua essência é cem vezes melhor que a
Página 205
minha, porque há uma alma viva em seu corpo. Às vezes me cega.
Assusta-me que possa perder o controle e te matar.
— Não o fará, Collin. — assegurei-lhe, mas não podia escutar.
— Não é isso, e agora sabe. Ainda possuo uma pequena fração
de quem era. Eu lutei para mantê-la, e isso constantemente quer te
destruir. — Ele aspirou profundamente. Seu fixo olhar triste travando-
se com o meu. — Estou te ensinando como usar as maiores fortalezas
Valefar para te proteger de seu maior inimigo. Eu.
Sacudi minha cabeça, caminhei até ele.
— Não acredito que seja meu pior inimigo. Jake o é. Não você. —
Não havia dúvida disso em minha mente.
Ele negou com a cabeça e se voltou para mim.
— Não. Sou eu. Porque sente que me conhece. Não te defenderá
da mesma maneira. Se Jake te atacar, sua fúria o destruirá. Posso
senti-la em ti. Isso te protegerá, mas os ideais que sustenta por mim, a
matarão. Não pode confiar em mim, Ivy. Deve pensar sempre que posso
me voltar contra ti a qualquer momento, porque poderia. E se o faço
não serei capaz de me deter.
Com o coração pulsando com força por sua admissão, traguei
saliva. Eu não queria que suas palavras fossem verdade, mas as sentia
ressonar em meu interior. Não era questão de acreditar ou de força de
vontade. Era a maneira em que eram as coisas. Relutantemente, aceitei.
— Acredito em você.
Olhamo-nos o um ao outro sem dizer nada durante vários
minutos. Seu passado tempestuoso lhe permitia me entender de uma
maneira que não acreditava que fosse possível. Ele havia perdido tudo;
seus entes queridos e sua liberdade. Seu destino era tão similar ao meu
próprio. Poderia perder tudo quando a profecia se tornasse realidade.
Conhecer sua dor e tudo ao que tinha sobrevivido me fez sentir como se
pudesse sobreviver a algo que estivesse adiante.
— Ensina-me o próximo — disse com mais convicção do que
sentia.
Página 206
Capitulo 24
Tremendo, levantei-me de meu assento, e disse:
— Posso comer uma pizza. E muitos refrescos. Nada dessa
merda de dieta. Coca normal. Alguém faz entrega até aqui?
Os olhos de Collin voltaram para mim de sua cadeira do outro
lado da sala.
— É muito cedo. Trabalhamos toda a noite e nada está aberto
ainda. — Tínhamos trabalhado durante toda a noite e ainda não podia
fazer a próxima coisa que ele estava tentando me ensinar. — Vou
buscar o que queira, logo que consiga fazer isto. Tem ao menos que pôr
a sombra em sua mão.
Meu corpo cansado se desabou com as pernas para cima em
uma cadeira com minha cabeça pendurada dando volta. E meus pés no
respaldo.
— Não posso fazê-lo. É muito difícil. — agarrei meu cabelo, além
do sentimento de frustração, e endireitei meu corpo. O sangue fluía
longe de minha cabeça me fazendo sentir enjoada. Quase caí da
cadeira, mas não o fiz. Collin sorriu, reclinando-se em seu assento. Seu
cabelo escuro caía sobre seus olhos enquanto tratava de ocultar sua
diversão. Gostava de meus defeitos por alguma razão. Ser lerdo não era
ser sexy, assim não estava muito segura de que o tinha impressionado.
Irritada, afastei o cabelo de meu rosto. Todo o resto tinha sido
tão fácil para mim, mas isto não. Fez-me lembrar de meu fracasso ao
chamar à luz. Possivelmente somente emprestava em tudo isto. Não
entendia como as sombras viriam para mim. Soava impossível; até que
Página 207
Collin me recordou que as sombras me ataram ao chão a noite que Jake
me atacou. Se as pudesse chamar, poderia controla-las, e me liberar.
Odiava não poder consegui-lo, mas não estava progredindo. —
Tenta de novo — ele disse enquanto se inclinava para frente, me
olhando.
— Bem. — fiz beicinho. Levantei minha mão, com a palma para
cima, pressionando minha outra mão no anel de rubi. Aparentemente
esta era a maneira correta de chamar as sombras. Senti o fio da pedra
debaixo de minha pele, e esfreguei meu dedo lentamente sobre ele. Com
minha mente, alcancei a sombra mais próxima sem realmente entender
como que se movesse. Estava conectada a um abajur e se mesclava com
as sombras da biblioteca. Pressionando meus olhos fortemente
fechados, vi a escuridão e senti a frieza encher minha palma. A voz de
Collin roçou minha mente: — Agora diga aonde quer que vá. Tem que
obedecer. Os demônios não são escravos das sombras.
Abrindo meus olhos, olhei em minha palma. Uma sensação
glacial começou a arrastar-se para cima por minha coluna e me
assustei, quase perdendo a sombra que tinha persuadido.
— Assim é como se sente. As sombras são frias, geladas. Uma
está respondendo a ti. Agora a chame para sua palma. — Collin se
aproximou de mim, tremendo, sentindo o frio através do vínculo.
Assenti, tentando fazer o que disse. O frio me envolveu,
lambendo finalmente minha garganta com uma sensação gelada e
esfriando meus olhos, me obrigando a piscar. Senti neve fundida em
minha palma, mas não pude ver nada ainda. Senti como se a sombra se
deslizasse através de mim para ir aonde ordenei. Por que os demônios
insistiam em fazer as coisas desta maneira? Seus poderes eram
fantásticos, mas faziam que a dor se associasse com o poder. Enquanto
olhava em minha palma, vi algo se agrupando no centro como liquido
noturno. Sustentei-o ali, perguntando:
— Agora o que?
Página 208
Collin se situou sobre meu ombro, emocionado de que tinha
chegado assim de longe.
— Hummm. Façamos algo fácil primeiro. Pode moldá-lo? Fazer
com que mude de forma?
A frieza lambia minha garganta, me dando asco enquanto
ordenava à sombra que tomasse a forma de esfera. Flutuou sobre
minha palma, de uma vez que se separava em uma esfera, a coisa que
Eric tinha me pedido que fizesse com a luz.
— Algo assim?
Soou emocionado: — Sim. As sombras são fluídas, por isso
parecem como líquidos quando as chama. — a esfera se derreteu em
uma piscina de tinta. Meus dedos estavam intumescidos. A frieza das
sombras era uma frieza sobrenatural, como uma arrepiante sensação
que se estende sobre sua pele, te dando rugas como quando te
aterroriza. Era como isso, mas cem vezes pior.
Sustentei-a, sem afastar a vista dele — Como posso me desfazer
dela?
— Pode liberá-la, mas quero que tente algo mais. Vejamos se
pode fazer que me afete.
Elevei a vista para ele, assustada. — Quer que lhe jogue isso?
— Não. — sorriu — Quero ver quanto pode controlá-la, e quanto
pode fazer uma pequena sombra. Pode chamar sombras maiores, mas
precisa ter uma ideia da força da que está sustentando. Permitirei que
julgue quanto necessita. — deteve-se por um momento, esperando que
o olhasse — Ivy me ataque.
Caçoei. — Sim, por mais divertido que soe isto é uma poça. O
que posso fazer?
— Pode fazer o que você queira. Não pode me ferir com uma
sombra desse tamanho. Vejamos se pode me conter, é muito fraco para
um ataque pleno. — Os cantos de sua boca se curvaram para cima
bruscamente. Pude sentir seu pulso incrementando-se através do
vínculo.
Página 209
— Não sei. — Quis liberar a sombra, mas não queria ferir Collin.
— Não me fará mal. — Ondeou uma mão para ele. — Vamos.
Comece pouco a pouco. Tente me dominar. Empurre-me longe de ti, e
então faça algo criativo. — Seus olhos estavam brilhando.
— Como a libero? Em caso de que isto saia mal? — Perguntei
gostando da ideia de fazer algo criativo.
Deu um passo para mim, e sussurrou em meu ouvido:
— Libere-a. Somente deixe-a ir, e se retrairá ao que
originalmente estava unida. — Sua respiração era cálida. Meu estômago
deu uma volta de cento e oitenta graus, enquanto pressionava meus
olhos fechados. Respirando fundo, voltei-os a abrir para vê-lo afastar-
se.
Protegendo minha mão em concha como se estivesse
sustentando ouro líquido, olhei para Collin me perguntando como fazer
para que o líquido o empurrasse. Somente se deslizaria a seu redor.
Permaneceu ali, sorridente, esperando para agir. Levava sua camiseta
azul fora de suas calças escuras. Sua jaqueta de couro estava
pendurada sobre a cadeira. Seus braços flexionados, esperando por
mim.
Insegura, avancei em direção a ele para que estivéssemos frente
a frente. Olhei em seus olhos enquanto inclinava o líquido fora de
minha mão, vertendo-o sobre suas mãos. Seus punhos de repente se
fecharam juntos como se estivessem atados por dois ímãs enormes,
enquanto era arrastado de volta para a sua cadeira. Girei meu pulso,
ainda sustentando a sombra como uma parte de corda e puxei com
força. Collin riu quando sua cadeira girou como um pião, com suas
mãos ainda atadas juntas em seu colo. A cadeira girou tão rápido e com
tanta força que me fez adoecer somente por vê-lo. Sorrindo, tirei minha
mão para que o violento giro se detivesse. A sombra deslizou de volta
em minha palma, apesar de que já não estava côncava. Aferrou-se a
minha pele como se ela fosse minha própria carne.
Página 210
Collin estava rindo enquanto me ajoelhava frente a ele. Sorrido,
perguntei:
— Como me saí?
Tentou elevar seu olhar para mim várias vezes, mas seus olhos
piscavam ao redor da sala como se ainda estivesse girando.
— Esteve muito bem.
— Então, que mais posso fazer? — perguntei enquanto fazia com
que a sombra se deslizasse sob o cabelo que obstruía seus olhos, e o
afastei para poder ver seu rosto.
— O que você imaginar. A única coisa que não pode fazer é
atacar a outra sombra. — sacudiu a cabeça, tentando me ver. Pude
sentir sua cabeça ainda girando através do vínculo, e me sentei
rapidamente. Ele riu.
— Então, como me ajudará se alguém me sujeitar da maneira
em que Jake fez? Quero dizer, se a sombra não pode atacar a outra
sombra, como devo me libertar?
— Atacaria a seu agressor. Se ambos estiverem incapacitados,
isso detém geralmente a briga. — inclinou-se para diante — As sombras
não podem tomar as qualidades do ar, líquidos, ou sólidos. Só estão
presas por sua imaginação.
— Sério? — perguntei com uma ideia formando-se em minha
mente antes mesmo que soubesse o que estava fazendo.
—Sim. — Collin me olhou, seu sorriso desvanecendo-se quando
entendeu o que queria tentar fazer — Ivy, não…! — pulou da cadeira,
ainda açoitado pelo enjoo e cambaleou para frente tentando me deter.
Tirei o anel, como fiz quando me materializei frente à Collin a
noite anterior. Mas em vez de me transportar para ele, quis que a
sombra o trouxesse para mim.
Antes que pudesse dizer outra palavra, a sombra cobriu seu
corpo em uma brilhante névoa escura. Puxei minha mão com suavidade
e o corpo de Collin desapareceu no ar, embora o sentisse mover-se para
mim. Abri minha palma e a bruma negra se verteu fora de minha mão
Página 211
na brilhante forma de Collin Smith. Seu corpo tremia e senti sua palma
solidificar-se em meu agarre. Parecia surpreso quando lhe sorri. Assumi
que eu estava fazendo truques de bebês Valefar, o que não coincidia
com o olhar surpreendido de seu rosto.
— O que? — perguntei sem gostar da maneira em que estava
me olhando. Tomou breves respirações fundas e me olhou com firmeza.
Liberei a sombra, ela se afastou para trás, levando consigo o frio. A mão
de Collin estava cálida em meu punho. Apertei-a com suavidade —
Collin, o que aconteceu? Pensei que o fazia bem?
Ele assentiu. — E fez, é somente que… os Valefar não podem
fazer isso. — aturdido, olhou-me, sem liberar minha mão. Respirou
novamente, apanhando meu aroma agora que as sombras
retrocederam.
— Mas, e o que acabo de fazer? Não entendo — disse sacudindo
minha cabeça. Levei minhas mãos ao peito, um tique nervoso para
conter o batimento cardíaco do meu coração, mas a mão de Collin ainda
estava na minha. Em vez de me tranquilizar, fez com que meu pulso se
disparasse às nuvens. Estremeci-me.
O que estava passando? Por que seu toque estava me afetando?
Seu aroma encheu o ar, fazendo a minha boca babar. Fechei os
olhos, tentando liberar minha mão, mas não me deixou ir. Dando um
passo mais perto, cobriu minhas mãos com as suas.
Seus olhos brilharam.
— Se você for à da Profecia, então tem poderes únicos, e
habilidades das que careço. — sorriu-me, sem romper o contato de
nossos olhares — Ivy, seus olhos estão com margens. São púrpuras. —
curvou sua cabeça, enquanto seu fôlego atravessava nossas mãos
entrelaçadas.
— Margeados? O que quer dizer? — perguntei. Não podia afastar
meu olhar. Não podia liberar sua mão. Não podia me mover. O vínculo
fazia me sentir como se estivesse grudada a ele, e as sensações fluindo
entre nós estavam aumentando. Estava muito aturdida, desfrutando
Página 212
tanto disto para me dar conta de que deveria me sentir preocupada.
Pressionou sua testa contra a minha. Sorrindo disse:
— Significa que quer algo. Muito. — olhou-me enquanto bebia a
euforia que nos rodeava — O que está ansiando, Ivy?
Assustada com suas palavras retrocedi. — Nada — menti — Não
quero nada.
Collin sorriu preguiçosamente. Seu agarre afrouxando-se à
medida que deslizava seus dedos pelo interior de meu braço. Meu corpo
respondeu a seu toque, derretendo-se uma vez que seus dedos
pressionavam a pele suave.
— Mentirosa — sussurrou — Nossos olhos se debruam quando
não podemos… — subitamente Collin pareceu despertar. Sua coluna se
endireitou e tratou de afastar-se.
Ainda aturdida e eufórica, perguntei:
— Quando não podemos o que? — meu coração estava pulsando
lentamente com fortes ruídos surdos, me fazendo sentir quente por toda
parte. O aroma de Collin encheu meus pulmões quando respirei fundo.
Uma estranha sensação deslizou em meu estômago, quando avancei
para Collin, sustentando seu rosto entre minhas mãos. Respirou
profundamente, fechando seus olhos. Sua pele abrasava com calor sob
meu toque. Quando abriu seus olhos, um anel de fogo rodeava sua íris.
Deveria ter significado algo para mim, mas me sentia flutuar.
Sua voz foi tão suave quando disse:
— Controle. Debruam-se quando não podemos nos controlar por
muito mais tempo.
Enrosquei meus dedos em seu cabelo. Meus pensamentos se
sentiam distantes suspensos pela pura felicidade. Mas, ainda podia
escutar a advertência interna de que algo estava mau. Meu corpo sentia
como se estivesse perdido em um sonho. Senti-me quente e contente,
mais feliz do que nunca havia sentido. A respiração de Collin flutuou
brandamente sobre meus lábios, fazendo que meu pulso se acelerasse.
Página 213
Uma confiança que não era minha sustentava minhas mãos sobre sua
pele, e manteve meus dedos entrelaçados em seu suave cabelo.
— Algo está mau. — a voz de Collin roçou o fundo de minha
mente.
Inclinei a cabeça a um lado, pronta para pressionar meus lábios
nos seus. A sensação de sua suave pele sobre a minha era em tudo no
que podia pensar, mas fiquei imóvel quando me dava conta que
nenhum de nós estava se movendo.
Endireitei minha cabeça, tratei de liberá-lo, mas não pude.
Sentia como se não quisesse, embora assim fosse. Havia uma razão
pela qual não podíamos estar juntos. À medida que tratava de recordar,
meus olhos se centraram em seus lábios, seus perfeitos lábios suaves.
A voz de Collin rompeu minha neblina mental. — Seus olhos
estão quase completamente púrpuros. Diga-me o que quer Ivy. Dar-te-ei
o que seja que queira. — o atrativo de suas palavras e a sedução de sua
voz me tentou ainda mais. Suas palavras me fizeram sentir sedutora.
Poderosa. Ele o sentiu também. Minha mente registrou uma
advertência, mas não pude pensar. Era tão quente e Collin estava tão
perto. Seus olhos beberam de mim de uma maneira que me sentia
sensual, como se me desejasse de cada maneira possível. Minha
respiração ficou presa em minha garganta quando nossos lábios
permaneceram perigosamente perto. Podia provar seus lábios, morreria
contente.
Algo no fundo de minha mente despertou com o pensamento.
Começou a abrir através da neblina. Meu pulso acelerou, como se meu
corpo estivesse lutando por sua vida. O pensamento ressonou profundo
dentro de mim, um instinto. As palavras saíram atropeladamente de
minha boca, sussurradas tão perto de seus lábios. — Não sou Valefar.
— as palavras penetraram a neblina. Recuperei-me rápido, me dando
conta de onde estavam meus pensamentos. Estive a ponto de lhe dar
um beijo — Não sou um Valefar! — gritei — Sou uma Martis e não
posso! Não posso! Collin, não posso!
Página 214
Gritei tentando empurrá-lo. Meu coração trovejando em meu
peito enquanto me dava conta do que estava acontecendo. Seus olhos
eram piscina carmesins. Meu coração cambaleou, quando tratei de
rebolar fora de seu agarre. — Collin, tem que me deixar ir. Não podemos
fazer isto. Você não quer isto. — consegui soltar longe meu punho, mas
ainda estava perdido na luxúria.
Seus olhos carmesins rastrearam meu corpo. Seus movimentos
eram irregulares, como se estivesse tentando se controlar, mas não o
permitisse. O vínculo era um desastre, parte Valefar, parte Martis. Já
não pude apanhar seu aroma, o que significava que o meu era mais
potente. Perguntei-me se podia chamar as sombras como uma Martis.
Tentei-o, mas não me responderam. Precisava averiguar como possuir
ambos ao mesmo tempo, mas agora não era o momento de aprender.
Focando fixamente, dava-me conta de que o vínculo não se romperia
como uma Martis. Mudei meu foco de volta ao Valefar para conter meu
aroma Martis. O calor aumentou em mim, e lutei contra a luxúria que
me chamou antes.
Os olhos de Collin me viram, mas ainda estavam debruados de
vermelho. Chamei à sombra de volta a mim, e fiz que cobrisse meu
corpo, esperando que selasse meu aroma e permitisse a Collin
recuperar a compostura. A sombra cobriu meu corpo como um lençol
de gelo. Foi repugnante, e senti como se dedos de cadáveres
acariciassem minha carne. Mas, sustentei a sombra no lugar e se selou
em minha alma.
Collin fechou seus olhos com força, e se afastou de mim.
Sustentando sua cabeça entre suas mãos, perguntou:
— O que aconteceu?
Página 215
Capitulo 25
Observava meu resplandecente corpo, sustentando meu braço
frente a meus olhos, quando respondi:
— Não sei. Estávamos falando, e então às coisas ficaram
estranhas. Está bem?
Assentiu com a cabeça, e girou para me olhar. Suas
sobrancelhas se levantaram enquanto se encolhia.
— O que é isso?
Orgulhosa de mim mesma, disse: — É um traje da Ivy. Encerra
minha substanciosa bondade assim não tratará de me comer.
Entretanto, sinto-me como se estivesse usando gente morta, por isso eu
realmente gostaria de tirar isso logo que possa ficar ali sem que tente
me comer.
Collin assentiu com a cabeça, me dando as costas. Seus olhos
ainda estavam bordados de fogo. Recostou-se contra a prateleira,
olhando para o chão.
— Temos que romper o vínculo.
— Mas já lhe disse isso. — Não podia acreditar que estava
dizendo isto. De novo. — Não fiz isto. Não posso romper o vínculo. Não o
fiz. A porta se abriu com um forte rangido. Surpreendi-me,
retrocedendo enquanto três meninos entravam. Um deles era Jake. Não
me viram. Afastei-me rapidamente, desejando poder me encolher na
sombra e desaparecer à medida que meu coração sacudia em minha
garganta, me provocando náuseas. A voz de Collin passou roçando
dentro de minha mente: — Não pode lhe ver.
Página 216
As sombras que formavam o traje de Ivy continham meu aroma,
e meu corpo estava oculto pela enorme prateleira. Não me movi.
— Nós a procuramos por toda parte, mas se foi. Foi o mesmo
que a última vez. E não há nenhum sinal da pintura. Está seguro de...?
— As palavras de Jake foram interrompidas. Olhei com os olhos
exagerados pelo terror enquanto Collin se dirigia a ele. — Estou. Sigam
procurando à garota. Não é como a última vez, absolutamente.
Continuem a busca. — Encarou-o. — Vão. — Os três se foram
rapidamente e fecharam a porta. O rugido da minha pulsação trovejava
em meus ouvidos. Encolhi-me no canto, tão longe de Collin como pude.
Collin era autoritário. Quase parecia como se estivessem fazendo
um prova litográfica.
A verdade me investiu.
— É seu líder?!
Collin não o negou. Assentiu tristemente com a cabeça.
— Vê a confusão na qual estamos? Não supôs que estivesse
envolvido com uma garota que quero manter. — Negou com sua cabeça.
— Sim — disse. — Portanto, enviou-os para me buscar?
— Tive que fazê-lo. Quando escapou de Jake, ele pensou que
havia algo a seu respeito, algo diferente. Estava certo. Simplesmente
não era o que esperava. — Seus dedos afastaram seu sedoso cabelo dos
olhos.
— O que esperava? — Cruzei os braços.
— Não sei. Só… não isto. Ivy pensei que fosse uma Martis. Não
tinha nem ideia de que era a garota da profecia. — Sua mão fez um
gesto para mim. — Então, o que faremos? — Movi-me enquanto o
olhava fixamente, me perguntando se as últimas vinte e quatro horas
tinham sido cheias de mentiras, uma trama complexa para me enganar
e roubar meu poder. Não disse nada, esfregando a cabeça com suas
mãos. Quando levantou o olhar para mim, seus olhos eram
impossivelmente azuis. Ele não aceitava o que era. Igual a mim.
Caminhando para ele, disse:
Página 217
— Algo dentro de mim está… está mau. Não encaixa. Essa
mesma peça estranha, também está dentro de você. Posso sentir. —
Não disse nada. Seus olhos seguiam meus movimentos como faz um
lobo. Comecei a caminhar outra vez, disposta a pressionar o ponto,
quando a fadiga atirou de mim. Empurrei-a para baixo, mas um bocejo
escapou de minha boca. Articulei: — Collin me ajude... — Enquanto
paralisava sobre o tapete. Esta visão foi tão ruim como a primeira. A
névoa negra formava redemoinhos, me recordando às sombras que
conjurei. Três figuras entraram em foco. Emergi da névoa e me
aproximei deles. Os três estavam em uma frenética discussão. Estavam
parados fora de um edifício de pedra. Era de noite. À medida que me via
na visão, ficava claro que só me preocupava as duas pessoas diante de
mim.
— Necessitamos das seis — disse uma voz familiar. — É um
suicídio tentar manter o círculo com menos de seis. Ainda assim,
alguém tem que selar o portal.
A outra figura magra assentiu com a cabeça.
— Tem razão. Têm que haver seis.
Na visão, eu estava coberta de suor, a pesar do ar frio. Havia um
corte em minha bochecha, e passeava no lugar. Meu cabelo estava
recolhido fortemente em um rabo-de-cavalo frisado, e luzia como se
estivesse rodando na terra. Nervosamente, lancei olhadas aos meus dois
assessores. Julia e Eric.
Vi como minha versão na visão perguntava: — O que acontece
nós não faremos nada?
— Então eles vêm — disse Eric, enquanto o vento soprava mais
forte. Estavam de pé no centro de uma tormenta que ainda não se
formou. A pressão era incômoda. Mantinha mudando, fazendo que
minha cabeça doesse.
— E o terror começa — Julia levantou a voz—, e não haverá
forma de detê-lo.
Página 218
— E se tratarmos sem os seis? — perguntei. Julia gritou sobre o
uivo do vento.
— Não importa de todos os modos. Necessitamos das seis para
manter o círculo, mas não há maneira de selar o portal. Não temos o
que precisamos.
Suas palavras turvavam minha resolução. Ver o medo cintilar
nos olhos de uma mulher totalmente segura fazia com que revolvesse o
estômago. O vento açoitava através do clarão. Quase podia ver onde
estávamos, mas não podia distingui-lo.
Al disse que enquanto maturava poderia forçar às visões a
revelar a informação que queria, mas agora mesmo, a visão não estava
cooperando. Não sabia se estávamos ao ar livre durante uma malvada
tormenta, onde estávamos, ou porque as coisas estavam tão
desesperadas. Tratei de me concentrar na área imprecisa atrás de onde
estava de pé, em busca de uma paisagem, edifícios, ou algo assim. Mas
não havia nada ali. A falta de definição não se levantava. O mais
importante que notei foi que quanto mais tempo estava na visão, mais
pânico absorvia da gente que me rodeava. De repente, fui arrancada da
visão, enquanto o frio se deslizava sobre minha pele. Sentei-me toda
suada. Aspirei ar, surpreendida.
— Que demônios? Collin ficou de pé sobre mim com uma
enorme taça vazia em sua mão. Ajoelhando-se junto a mim, disse-me:
— Não podia despertar. Tentei. — Sua respiração estava
entrecortada. O cabelo castanho preso a seu pálido rosto. — O que
aconteceu? O que foi isso?
Puxei minha camisa molhada e o olhei. — Sou uma Seyer,
Collin! Tirou-me de uma visão. — Pus-me de pé, e bati meu punho na
parede, lutando contra a urgência de me descontrolar. — Precisava ver
o final! Agora só vi um mundo de merda ser arrojado sobre mim, sem o
final.
— Não teria despertado você. Parecia que a morte a reclamava
de novo. Sinto muito.
Página 219
De novo? O que significava isso? Neguei com a cabeça,
empapada totalmente, toda a luta drenada de mim quando vi o terror
em seu rosto.
— Está bem. Não sabia. Parece que não posso ver o futuro sem
me deprimir. — Meus dedos afastaram freneticamente meu cabelo de
meu rosto. Sentei-me no chão duro. Collin se sentou junto a mim. — O
que viu?
Contei. Mas seguia sem saber o que vinha. Ou como detê-lo.
— Seis é o número do dia do julgamento final. O portal foi
aberto. Né? — A expressão do Collin era estranha.
— Continua — insisti. — Do que está falando?
— Se está fazendo algo realmente grande, necessita seis pessoas
para formar um círculo. Todos sempre pensaram que você, a garota da
profecia, governaria o Infra Mundo de baixo, não o de cima. Talvez os
chamassem para que subissem? — Seus olhos estavam muito abertos,
me olhando.
— Collin, não os fiz subir. — Neguei com minha cabeça. — Bom,
não sei quem os fez subir. Só sei que algo estava acontecendo. O que te
faz pensar que o Infra Mundo os fizeram subir aqui?
Encolheu-se de ombros: — É parte da profecia. Provavelmente
não uma parte que tenha ouvido. Quando a marca morada chega ao
poder, mata-me, e alta em armas aos Valefar. Ao parecer, isso é literal.
Você os fazer subir aqui. — Seu olhar incerto estava prolongando-se
sobre mim, e a expressão de seu rosto me disse que não confiava em
mim totalmente. Não me olhe assim! Não vou te matar. Maldita seja!
Por que acontece isto?
Sustentei minha cabeça em minhas mãos. O pânico se
entrelaçou ajustadamente através de meus músculos, aterrissando em
meu estômago. Queria sair correndo e deixar este pesadelo para trás,
mas não podia. Estava presa. Respirando profundamente, tratei de me
controlar. Não podia perder o controle.
Página 220
Traguei saliva, fazendo uma pergunta que não queria que me
respondessem: — O que fiz Collin? Tive que fazê-lo, verdade? Seu olhar
azul sustentou a minha. — A profecia diz que fará isso não quer dizer
que queira fazê-lo.
Suas palavras ficaram flutuando no ar.
— Maldita seja. — Não havia mais nada a dizer.
As ideias de Collin sobre o destino não encaixavam com as de Al.
Se não importava o que eu fizesse então, a profecia simplesmente se
tornaria realidade. Entretanto, ela disse que as visões mostravam
caminhos, por isso deveria ser capaz de mudá-la ao escolher outro
caminho. Só tinha que saber como e quando. Al tinha mais detalhe que
não me disse. Se me desse à informação, poderia fazer fracassar meu
futuro. Tinha que tentar.
Levantei-me de um salto.
— Levante Collin. Tenho que ir falar com uma monja.
Página 221
Capitulo 26
Empurrei Collin a centímetros de sua saúde mental para romper
o vínculo. Logo que senti afrouxar a união, lancei meu corpo através de
seu controle. A dor me atravessou. Sentia como se um enorme pedaço
de um osso tivesse sido arrancado de minha pele. Gritei.
Romper o vínculo me deixou sem fôlego, e contorci de dor. Sabia
que tinha que ficar de pé e correr antes que o instinto animal de Collin
de matar a algo que o machucasse, despertasse. Corri antes que viesse
por mim. Mas não era estúpida o suficientemente para acreditar que
estava a salvo. Meus pés golpeavam o chão. Meus pulmões aspiravam o
ar, doloridos. Não parei. Concentrei-me na fantasia e vi o edifício da
igreja em minha mente, sua fachada de tijolo lúgubre, e as árvores
desvanecendo-se a distancia atrás desta. Imaginava do outro lado da
rua. Sentia meu sangue ferver enquanto o calor se apoderava de mim. A
Efanotação é uma merda. Meu corpo sentia como se estivesse em
chamas e desaparecendo no ar. Não tinha ideia de quão longe estava da
igreja, mas me sentia que longe. O ardor não me deteria. Queria gritar,
mas não tinha fôlego para fazê-lo. O fogo lambia meu estômago,
acendendo minhas vísceras. Quando desejei morrer, a névoa me deixou
de joelhos diante da igreja.
Aferrei-me a grama, tossindo enquanto meu corpo protestava
por lançá-lo através do espaço e queimá-lo. Lutei contra a tentação de
tombar no chão frio, e empurrei a mesma.
Meus pensamentos se aceleraram. Tinha que chegar a Al.
Precisava saber o que estava acontecendo. A dor de minha espinha
gritou, e apunhalou minhas costelas quando me movi. Já estava quase
Página 222
lá, mas o transporte de meu corpo tinha me debilitado. Entretanto,
estava a salvo. Tinha chegado à igreja, um de meus lugares seguros.
Uma quebra de onda de alívio me alagou. Mas isso terminou
quando um grito atrás de mim se ecoou perfurando meus ouvidos.
Girando sobre meus pés, vi Eric tirar uma espada de prata do peito de
um homem com uma cicatriz vermelha por cima de sua sobrancelha
direita. A espada brilhou na luz, cortando através de sua garganta. A
noite era tranquila de novo. O chão a seu redor brilhava escarlate.
Com minha mão, tampei a boca, enquanto caía à grama. O
sangue do homem e todo seu corpo, uma baba negra e espessa. Parecia
como alcatrão misturado com melaço. Afundou e foi reclamado pela
terra. Meu corpo reagiu sem meu consentimento. Lancei-me sobre a
grama. Eric me agarrou pelas axilas, arrastou-me para a igreja. Ele
falava, mas não podia ouvir. Não registrava nada. Não sei por que me
surpreendi, mas no momento estar perto de Eric era muito pior do que
podia imaginar. Dobrou o meu pouco cooperativo corpo para que
passasse pela porta e me sentou no banco mais próximo. — Ivy! — Sua
voz atravessou minha neblina. — O que aconteceu? Onde estava?
Sentei-me ali em silêncio, secando minha boca. A morte de Valefar
dançava ante meus olhos. De repente, me dei conta de que também era
meu destino.
Não, espera. Meu destino era pior. Senti-me empalidecer. Sentia
a cabeça girar, enquanto balançava com olhos cegos. A cálida mão de
Eric estava em meu pescoço antes de cair. Forçou minha cabeça entre
os joelhos. O calor inundou meu crânio. O batimento do coração, de
meu coração retumbou em meus ouvidos.
Sua voz suave disse: — Respira. Só respira.
Sua mão se manteve firme em minhas costas, esperando que eu
empurrasse.
— Ivy, o que aconteceu contigo? — Eric ficou frente a mim e se
sentou sobre seus joelhos. — Jurei que te protegeria, e o farei. Conte-
Página 223
me o que aconteceu. Meu comprido cabelo caiu para diante, ocultando
meu rosto. Minha garganta doía.
— Tenho que te dizer algo. Não é bom. — Meu coração pulsava
forte. Lutei para controlar minha voz. — Confia em mim, Eric?
Ele retrocedeu.
— É obvio. Acabo de arriscar minha vida por você. Faria de novo.
Sua mão estava em meu antebraço. Deu-me um suave e
tranquilizador abraço.
— Diz seriamente? Não é só porque sou uma Martis? —
perguntei. Parecia ofendido.
— É obvio que não. Ivy sou seu amigo. Era seu amigo antes que
fosse azul.
— Às vezes as pessoas não podem ser amigos. Às vezes estão
apenas no lado errado da linha. Às vezes não podem evitá-lo. — Traguei
esperando que ele visse para onde estava indo. — Às vezes o azul é só
uma cor.
Olhou-me como se tivesse golpeado a cabeça muitas vezes.
— Do que está falando?
— Já não posso mais mentir para você — suspirei. Meu coração
se acelerou e estiquei meus músculos. Sentia-me doente.
— Mentir… — perguntou. — Os Martis não podem...
Trementes dedos tiraram as pontas largas de prata de meu
cabelo. Sentei-me no banco com o pente de prender cabelo em meu
colo. Meus cachos se afastaram de meu rosto. Minha franja pendurava
em cachos apertados, molhados, deixando descoberto a minha marca
púrpura.
Apoderou-se levemente de sua espada, enquanto sua mandíbula
se abria em choque. Separou-se de mim, consternado. Respirava
lentamente.
— Sei que está procurando por mim. Tratei de lhe dizer isso
antes, mas... — Meu pulso acelerou. Pude provar o sal em minha pele
ao passar a língua por meus lábios secos.
Página 224
Seu olhar era amplo, enquanto olhava incrédulo a minha marca.
— Não pode ser...
— É. — Engoli em seco. — Eu não pedi isto. Não o quero.
Aconteceu. Nem sequer sei por que. A única coisa que sei é o que o vi
em minhas visões. — Tentei estender minha mão, mas se afastou.
Levantei-me, lhe dando mais espaço. — Preciso de você. Nada disto
impede que me ajude. Matar-me não muda as coisas. Os demônios
ainda virão.
Logo. Eu o vi.
Pus o pente de prender cabelo no bolso de meus jeans. Já não
ocultaria quem era, nem lutaria contra ele. O rosto de Eric estava
branco. Seus dedos se moveram no punho de sua espada. A ira
queimou suas palavras.
— Segui o demônio púrpuro, da profecia, durante quase dois
milênios. Supõe-se que ela deve converter-se em governante do Infra
Mundo. Como...? — Esticou seus músculos. — Como pode ser você?
A traição queimou atrás de seus olhos. Encolhi de ombros.
— Não sei. Shannon acredita que ingeri sangue de demônio a
noite que fui atacada, mas não recordo. Não fiz de propósito, e não
posso mudar o que já aconteceu. Eric, as visões que tive...
— Coincidem com as de Al? — Franziu o cenho. Assenti.
— Era a mesma visão. Os demônios virão até aqui. A única
maneira de detê-los é com você. — Respirou profundamente. Seus olhos
passaram de meu rosto e logo para minha marca. Sua mão se posou
sobre sua espada. — Com supõe que vai me atacar?
Era uma pergunta mórbida, mas queria saber o que estava
pensando. O silêncio estava me matando. Estava cansada de escutar
meu coração trovejando em meus ouvidos, esperando a morte. Al estava
certo. Devia controlar o que pudesse. Planejava me matar, eu tinha que
saber. Seu olhar se enquadrou.
— Sabia que estava te caçando? Todo este tempo?
Assenti com a cabeça dando um passo para ele.
Página 225
— Sim. Assustei-me por uma boa razão. Sei que é o Caçador, o
Polomotis Regente. Sei que estava trabalhando com a Julia e Al para
tratar de me encontrar. Sei o que deve fazer quando me encontrar,
também. Ouvi-o com a Julia. Ouvi você.
Ele negou com a cabeça e me olhou. Sua testa estava franzida
com força.
— Como pode ser você? A profecia… se supunha que se tratava
de uma pessoa inerentemente má. Supõe-se que é um demônio.
— Sim, não sou. — Esfreguei os braços, tratando de me acalmar,
tragando saliva.
— Posso ver isso. Mas ainda assim. Pode mentir. Mentiu todo
este tempo. No que posso acreditar?
E isso foi tudo, o momento que tinha estava temendo. O aspecto
da traição infundida em todo seu rosto com nojo. Mas o pior eram seus
olhos, seus olhos de cor âmbar estavam feridos, decepcionados e
desgostosos. Traguei o nó na garganta. Não tinha nada a dizer. Não
havia absolutamente nenhuma razão para que acreditasse. Nenhuma
absolutamente. Menti para ele, todo este tempo sobre tudo.
Envergonhada, não pude continuar olhando-o e me afastei.
Foi então quando Al falou das sombras: — Porque disse que
pode.
Sua voz ressonou por toda a sala. Eric deu a volta para vê-la.
Sua boca aberta pela surpresa.
— Irmã, você sabia? — Um estranho sorriso cruzou seus lábios.
— É obvio moço. Sou uma Seyer. Soube o que era assim que a trouxe
aqui. Graças a Deus que já lhe disse isso. Agora não o prejudique
assassinando-a. — Sua candura era impressionante. Tinha medo, não o
podia ouvir. Continuou: — Se fizer, a profecia ocorrerá de todos os
modos. O que está feito não pode mudar. Ela é o catalisador, mas
também é a chave.
— Mas ela é o inimigo! — Seu rosto estava transtornado pela
raiva, enquanto seu dedo voava para me apontar. — Ela é a força que
Página 226
viola o mundo do bem e marca o começo de uma era demoníaca. A
humanidade será escravizada. Vamos perder. Irmã, não posso... As
palavras de Eric saíram cortadas. Sua velha voz gritou: — Pensa
menino! Não deixe que as leis nublem seu cérebro. Se as coisas já estão
soltas, então, o que ocorrerá se matares ao porteiro? Seus lábios eram
uma linha reta, enquanto apertava a mandíbula. Olhava-me com um
ódio ardente. Queria morrer. Vê-lo me olhar dessa maneira, era mais
horrível do que tinha imaginado.
Tomou toda minhas forças, ficar e ser julgada sem piedade por
alguém que tinha sido meu amigo, mas que agora era claramente meu
inimigo. Seu olhar âmbar me atravessou, mas não afastei o olhar. Sua
voz era rouca.
— Não poderemos fechar a porta. — As palavras saíram à contra
gosto. Al disse: — Isso é correto. Agora bem, se quer ser um idiota e
tornar a profecia em realidade, mate nós duas. Deseja pôr fim, nos
deixe viver.
Por fim falei: — Al, não pode...
Seu velho latido cortou o resto de minhas palavras, enquanto
voltava para mim: — Eu também posso. Disse que te protegeria, e tenho
que fazer, do contrário tudo o que trabalhei para evitar que acontecesse,
acontecerá. Acontece Eric. — Virou seu gasto corpo, lhe dando as
costas, sacudindo a cabeça. — Não posso deixar que aconteça, sem
importar o custo. Para matar a Ivy, terá que passar sobre mim primeiro.
Os olhos de Eric estavam muito abertos, olhando à irmã Al. Sua mão
agarrou o punho com tanta força que seus dedos ficaram brancos.
Durante um longo momento, Eric não disse nada. Logo
pressionou sua espada contra sua marca. E esta se converteu na cruz
que tinha visto pendurado em seu pescoço no restaurante.
A contra gosto, disse: — Irmã, respeito sua visão e o que me
pede. Ivy vem comigo.
Página 227
Agarrei o pente de prender cabelo lentamente, desabotoando-o
de meu cabelo. Meus cachos caíram para frente. Sentei-me no sofá de
Eric. Tinha a fria prata em minha mão.
Arrastou-me por toda a cidade, sem me dizer aonde íamos nem
por que. Seu olhar posou em minha marca. Sabia que não confiava em
mim.
— Tocou sua marca — pressionei a filigrana de prata contra
minha marca, e logo a baixei. O olhar de Eric deslocou à prata. Ele
havia me dito que a prata celestial se fundia como uma arma que se
adaptava a seu dono.
Não estava segura de qual seria o meu, já que tinha uma alma
destroçada e era em parte Valefar. Mas o que ele pensava que ia
acontecer, deve ter valido a pena o risco de me tirar da igreja.
Vimos como a intrincada hera do pente se fazia maior. Cresceu
para baixo e encaixou na prata. As puas aumentaram de tamanho. O
padrão da hera mudou para parecer que foi gravado na prata. Os
dentes se voltaram afiadíssimos enquanto cresciam. Curvaram-se como
a folha de uma colhedora. A mariposa se fundiu em um punho envolto
em couro de cor púrpura. Era como um tridente afiado grande.
Deixei escapar uma risada histérica. Os olhos de Eric se
estreitaram, enquanto contemplava o pente de prender cabelo
transformar-se em um pente de prender cabelo muito grande.
Sentia-me mal. — Pensei que se converteria em algo útil. Isto é
só um pente de prender cabelo maior.
— Não questione a forma de sua arma — arreganhou. — Te
escolheu. E escolheu essa forma por alguma razão. Necessitara dele
para sobreviver. Caminhava pelo apartamento como se estivesse
sentado junto a um demônio.
— Eric… - comecei. Mas me deteve.
— Não falaremos disso, Ivy. Al disse que precisava saber sobre
isto, ou perderíamos. Acreditei. Ela não pode mentir. Assim que lhe
Página 228
ensinarei isso. Isso é tudo. — Cruzou os braços e me olhou com frieza.
— Está por sua conta a partir disto.
— Como é. — Zanguei-me de novo no sofá.
Eric se moveu pela sala como se estivesse procurando algo. Mas,
se o fazia não me disse. Seus dedos finalmente roçaram a parede, e
atirou de um painel de madeira para frente. Parecia o resto da parede,
mas estava vazia. Quando o painel abriu, um livro levantado no espaço
deslizou em sua mão.
Aproximou-se, com o livro aberto, e o pôs em minhas mãos.
— Isto é o que faz. Ele me odiava.
Tirei a velha coisa de suas mãos e o olhei. O livro era tão velho
que a coluna vertebral apenas sustentava as páginas intactas. Era um
livro escrito à mão, mais velho que qualquer outro livro que tivesse visto
antes.
— O que é isto? — perguntei.
Olhou-me com olhos estreitos antes de responder:
— Só olha. Suspirei, meus olhos revisaram a página, sem saber
o que procurava. Havia palavras que não podia ler, em letras que eram
estranhas para mim. Desenhos alinhados na borda das páginas, que
não ajudavam em nada a melhorar o conteúdo. Não, eram mais como
desenhos técnicos. A gente era um círculo, o outro era um edifício sem
janelas que estava rodeado de lápides. O desenho fez com que meu
estômago sacudisse, mostrava capas sobre capas, com um demônio
debaixo de todas. Algo dentro de mim reagiu ante as imagens, sabendo
que eu poderia as fazer mover, mas sem saber como. Virei à página e
reconheci o desenho antes que Eric arrancasse o livro de minhas mãos.
Era o pingente em meu colar, o colar de Apryl. Mas não podia ler as
palavras escritas ao redor. Por que isso estava nesse livro? Não tive
tempo para refletir sobre o que tinha visto.
Eric gritou:
— Vê? Isto acontece graças a você. Séculos de notas, estudando
como te impedir de fazer isto, para nada!
Página 229
Mordeu os lábios e lançou o livro sobre a mesa diante de mim.
Aterrissou com um golpe surdo que me estremeceu.
Estreitei o olhar, observando-o, odiando à pessoa que via. Ele
era o guerreiro desumano. Do que Shannon me advertiu. O fato de que
Eric podia atuar desta maneira me incomodou. Fez com que tudo o que
compartilhamos deixasse de ter sentido. Inclusive se eu fosse à pessoa
que mesclou nossa relação com mentiras, fiz porque tinha que fazê-lo.
Ele não tinha nenhuma necessidade de fazê-lo. Não tinha por que me
odiar tanto. Gozo disso, enquanto as palavras se deslizavam fora de
minha boca.
— Sabia que estava cheio de merda.
— Eu? — Soava incrédulo. Suas mãos voaram a seu peito,
enquanto seus dedos pressionavam para baixo. — Acha que eu sou o
problema aqui?
— Maldição, certo. — Assenti com a cabeça e me levantei de um
salto, caminhando para ele. Afastou-se, evitando o contato. A ira se
apoderou de mim. — Vê isso? Que demônios foi isso? Estávamos
acostumados a treinar, lutar, e ser normais, mas não agora. Não, agora
que sabe o que sou. A raiva tingiu seu rosto de vermelho, enquanto
lutava por controlar a si mesmo.
— Você não me disse o que era! Eu nunca hei...
Interrompi-o: — Sim, sei. Nunca teria feito nada disto se
soubesse. Maldito seja Eric. Não sou má! — A luta estava em minha voz
enquanto o olhava. Não podia aceitar o veneno em sua voz e a dor em
seus olhos.
— Eu não escolhi isto. Não sei nem por que aconteceu —
sussurrei. — Por que não posso ser simplesmente Ivy?
Negou com a cabeça.
— Porque nunca será só Ivy. Sempre será a condenação de todos
nós, quem destrói tudo de bom. Tudo o que posso proteger. Tudo o que
trabalhei por manter a salvo. — Separou-se de mim, passando seus
dedos pelo cabelo. — Eu não posso perdoar isso.
Página 230
Sua condenação me incomodou.
— Mas eu não fiz nada! Juro por Deus! Não quero os demônios
aqui. Não quero nada disto!
Encolheu de ombros.
— Não importa. Isso é certo.
Olhei-o encolhendo os ombros, como se não lhe importasse.
Como se nada disto importasse. Ele já me considerava uma causa
perdida.
A cólera fervia em minha mente, e fez com que meu corpo se
esticasse.
— Que montão de merda! — estremeci. — Deixa de ser todo
piedoso. Está cheio de merda! Age como se se importasse que isto
acontecesse, então não renunciaria por mim. Minhas sobrancelhas
beliscavam de tão apertadas, sentia meus músculos crispar-se
preparados para brigar. Cruzou os braços sobre seu peito.
— Não renunciei a você. Não é assim. Tem sangue de demônio. É
um deles. Não há salvação para você.
Indignada dei à volta. O que podia dizer a isso? Para ele não
existiam os meios termos, apesar de que estava entupido em um. —
Vou te ensinar a usar sua arma. Esperei muito tempo, caso fosse
normal. A prata pode fazer um Martis sangrar se nos golpear, mas não
nos mata.
Mostrou-me como usar o pente de prender cabelo. Basicamente
se tratava de uma faca de múltiplas folhas. Disse-me que o dente curvo,
ajudaria a manter a carne aberta. Falou-me com um tom frio e com
olhar sério.
Quando já não pude aguentar mais, voltei-me para ele e lancei
meus braços para cima.
— Eu tinha razão.
Endireitou-se, obviamente, preparado para brigar comigo outra
vez. — Não. Não tinha. As coisas mudaram. — Sua espada estava em
Página 231
sua mão sem apertá-la. Era a única pista de que ainda poderia confiar
em mim, um pouco.
— Não deveria importar! Disse-lhe isso. Sabia que voltaria
contra mim! Jurou que não faria. E aqui estamos.
Seus olhos cor âmbar eram intensos. Caminhou lentamente
para mim. Sua mandíbula apertada, bloqueada, e as veias em sua
têmpora palpitavam. — Somos inimigos, Ivy. Assim são as coisas. Não
posso te proteger. Minha promessa anterior é nula. Não importa que o
queira.
Página 232
Capitulo 27
Levantei o olhar para ele, rangendo os dentes.
— O que quer? Porque parece que quer me ver morta, mas não
pode manter seu punho o suficientemente fechado para fazê-lo. —Tomei
uma baforada de ar e minha irritação se desvaneceu. Observei-o, não
queria brigar, e desejei poder desfazer tudo. Se pudesse voltar à noite
que Jake me atacou e Eric me salvou… OH, Deus. Prefiro morrer antes
de passar por isso de novo. A tristeza cobriu meu rosto. Não tratei de
esconder-lhe, minha voz foi suave:
— Eu não queria isto.
Seu rosto se suavizou pela primeira vez desde que tinha lhe
contado meu segredo. Sua boca se abriu, mas nunca cheguei a escutar
o que ia dizer. As janelas de cristal se fizeram pedacinhos, derramando-
se na sala como um tapete de cristal. Gritei enquanto tudo parecia
reproduzir-se em câmara lenta. O corpo de Jake passou através dos
fragmentos voadores. Saltei para trás e Jake se equilibrou sobre mim
rapidamente. O sangue correu por minha bochecha e me venceu sem
esforço enquanto meu corpo se esticava. Toquei a marca com o pente de
prender cabelo, ampliando seus dentes.
— Dê-me isso e não morrerá esta noite — Jake respirou com
força. Eric lhe respondeu com sua espada.
Mais quatro Valefar se pulverizaram dentro da sala
encurralando Eric. Jake focou sua atenção em mim. Um sorriso sádico
estendeu por seu rosto. Corri para o outro lado da sala em direção à
porta. Meu corpo se equilibrou sobre o botão. Voltei para a sala
rapidamente. Jake saltou para trás. Empurrei a porta aberta, golpeando
Página 233
com a prata o que estava frente a mim. Minhas lâminas atravessaram
mais dois Valefar. Eles desabaram sobre o tapete. Feri-os o suficiente
para diminuir sua velocidade, mas não lhes dei o golpe mortal. Não
podia. Lancei-me para o corredor com Jake justo detrás de mim. Podia
escutar a voz de Eric pelo corredor, mas não podia entender as
palavras. Retrocedi no corredor mantendo as lâminas curvadas frente a
mim.
A cara de Jake estava contorcida, enquanto grunhia: — Ivy,
cadela! Tem alguma ideia do que está me custando?
— Te custar? Está louco? Custar-te? — gritei com o ódio
vomitando de mim. De repente não me importava se morria ou vivia, o
impulso de matar Jake era muito forte. Não podia controlá-lo. Corri
para ele. Os dentes afiados cortaram através do ar. Queria sentir a
mordida de minhas lâminas através de sua carne, para experimentar a
sensação de seu corpo rasgando-se. O sentimento me consumia. E o
permiti.
Jake parou e depois retirou seu ataque antes que pudesse
cravá-lo à parede. Retrocedeu no corredor, fazendo girar as cadeias de
enxofre frente a mim. Isto o manteve fora do alcance de minhas
lâminas. Saltou um lance das escadas e levantou o olhar para mim. Ele
acreditava que não ia seguir. Equivocara-se.
À medida que levantava meus pés da terra um corpo se chocou
com o meu e caí no chão. Voltei-me grunhindo. Minha mão esfaqueou a
criatura que me derrubou. A prata atravessou sua carne. A fúria me
cegou até que foi muito tarde. As lâminas curvas rasgaram o peito de
Eric. Caiu para trás e a cor escarlate brotou da pele cortada. Agarrando
o peito, arrastou-me para longe da escada, movendo-se rigidamente.
— Há mais deles ali em baixo — disse Eric. — Ele era sua isca.
— Entrou em seu apartamento e agarrou o mostrador. Olhei-o
fixamente e todo esse lixo de que ele não me protegeria. Não pensei que
ia tratar de me salvar de novo. E eu o tinha cortado!
Página 234
— Eric, eu… eu pensei que era um deles. — Tratei de ajudá-lo,
mas ele levantou a mão renunciando a minha ajuda imediatamente.
Fiquei atrás. Shannon se movia rapidamente através da sala.
— Shannon? — perguntei, aturdida. Quando ela chegou aqui?
Não podia tirar meus olhos de Eric. Moveu-se a meu redor metendo-se
nos escombros em busca de algo.
— Al me contou o que aconteceu. Escuta, temos que sair daqui.
Agora. Haverá mais a caminho.
Minha atenção caiu sobre vários emplastros de substância
pegajosa de cor negra que estavam lubrificadas no tapete. Meu
estômago se retorceu. Shannon empurrou suas mãos através de uma
pilha de escombros e tirou o livro de Eric. Ela me arrastou para a porta
e Eric nos seguiu. Podia ouvir o movimento abaixo, mas o único Valefar
que ficou vivo era Jake. Não era tão estúpido para vir atrás de mim com
dois Martis ao meu lado.
Subimos as escadas de incêndio para o teto. Shannon abriu a
porta com um chute. O nítido ar da noite me golpeou no rosto. O vento
mordeu minha pele sulcada de lágrimas. Não recordava ter chorado,
mas meu rosto estava molhado. Corremos até o terraço do edifício. O
medo me sustentava tão violentamente que queria usar meu anel e
voltar para a névoa. Mas não podia deixá-los para trás, não podia evadir
Jake e o resto dos Valefar. Então me ocorreu que ele poderia estar
fazendo o mesmo. Eu fui à única Martis que se deu conta do que eles
podiam fazer. Shannon nos guiou para os outros edifícios. Eles se
conectavam aos apartamentos. Fomos para o final do bloco. Ela baixou
a escada de incêndios e seus olhos se moveram pela área.
— Mantenham-se em movimento. — A voz de Eric veio atrás de
mim. Sua mão apertou minhas costas e me fez avançar para frente.
Decidi ficar com eles. Tinha que fazê-lo, Eric me salvou. De novo.
Maldição! O vento cortava chamas em meu rosto.
Saímos em frente de uma igreja às escuras. Shannon abriu a
porta. Detivemo-nos até de chegarmos a uma cozinha na parte posterior
Página 235
do edifício. Shannon ignorou as feridas de Eric e ele abriu umas gavetas
até que encontrou um pano de cozinha. Sustentou-o em uma torneira e
depois o pressionou debaixo de sua camisa.
— Diga-me algo. — Elevei a vista para ele. — Não sabia que era
você. Eu não teria que…
Eric não disse nada. Tirou o pano e atirou a camisa manchada
na enorme lata de lixo. Fiquei olhando o peito liso. Havia tênues linhas
vermelhas onde os dentes cortaram sua pele.
— Estou bem. — Sua mandíbula estava fechada e seus
músculos estavam tensos. Logo que respirava, tratei de tocá-lo com os
dedos estendidos. Passei a ponta de meu dedo sobre um vergão
vermelho. Fechou os olhos com o toque. Eric permaneceu imóvel.
Gaguejei:
— Como? Como se curou tão rápido? — Olhei-o sem pestanejar,
sem poder acreditar o que via ou sentia.
Seu rosto recuperou sua dureza. Seus dedos se envolveram ao
redor de minhas bochechas, e gentilmente removeu minhas mãos.
— A prata celestial não pode nos matar. Tudo se cura. Imobiliza
mas não é mortal.
Olhei-o fixamente. Não me movi.
— Não sabia que era você. — Queria que ele acreditasse.
— Já disse.
Tomei uma respiração profunda.
— Sinto e… obrigado. — Ele assentiu. Merda. Não havia maneira
de ajeitar as coisas entre nós. Shannon se moveu para a porta. Estava
disposta a nos empurrar para fora.
Então perguntei:
— Aonde vamos? Pensei que eles não podiam entrar na igreja.
Por que vamos?
— Retiraram-se — respondeu Shannon. — Vão manter a igreja
sob vigilância, sempre e quando não nos virem sair. O sangue de Eric
os fará pensar que nos alojamos no edifício. E não podem vir nos
Página 236
buscar. Isso nos dará uma vantagem. — Ela sabia que os Valefar
podiam cheirar seu sangue. Sabia que ela tinha razão, que a camisa
manchada de sangue cheirava como um bife para eles.
— A menos que se separassem. Assim nos moveremos. — Eric
pôs sua mão em minhas costas, me pressionando a sair pela porta, e
entrar na noite.
Segui Shannon às cegas através de um labirinto de ruas
enquanto corríamos para longe do edifício. Eric estava me seguindo.
Corríamos com grande esforço e sempre nos escondíamos quando
escutávamos algo. Meus pulmões queimavam, o frio da noite me gelava.
Enquanto cruzávamos o bosque, senti-o. Veio com rapidez. Levantei
minha mão e tentei chamá-los, mas a visão me envolveu e senti meu
corpo golpear o chão.
A visão começou. A seda negra fluía em meu corpo, caindo em
cascata de um vestido de festa. A saia era mais larga que qualquer coisa
que tivesse usado, entretanto, era ligeira. O sutiã estava cheio de
diminutos diamantes que brilhavam na penumbra. O tecido sedoso da
saia fluiu brandamente pelo ar enquanto meu corpo etéreo se movia
pela sala. Sentia-me ligeira enquanto flutuava cruzando a sala para
uma cadeira. Com os pés em cima do ar e nunca me permitindo tocar o
chão.
A sala estava vazia no princípio, depois começou a encher. Eram
coisas, e pensei que eram bonitas, mas nunca tive nenhuma ambição
de possuir coisas. Eram finos tapetes de ouro com detalhes intrincados.
Os vasos se formaram na escuridão, e o doce aroma de lírios encheu
meus sentidos. Inalei fundo e me deixei cair em uma cadeira esculpida.
Minhas costas estavam apoiadas em almofadas de seda. Degraus de
marfim fluíam frente a mim. Caíam em uma cascata longínqua e
deslizavam na sala. O pálido mármore se encontrou com os brilhos
negros e dourados. Era um salão de trono.
O pensamento me sacudiu. Fiquei olhando ao redor da sala de
novo. Estava cheia de mais riquezas. As pilhas de ouro e prata
Página 237
emergiram da sombra, as gemas brilhavam com cores vivas sobre as
pilhas de riqueza. Meus pés pareciam como chumbo, meu coração
estava frio e intumescido. Estava sozinha. Desci do soalho até o chão
cristalino. Meus pés não o tocaram. O vento levava minhas pegadas
cruzando a sala. Uma janela apareceu frente a mim. Apoiei minhas
mãos no frio batente e olhei para fora. Esperando ver pastos verdes,
retrocedi. Minhas mãos cobriram minha boca enquanto tragava um
grito. A escuridão rodeava a terra, quase não havia rastro de luz.
Retorcidas formas escuras avançavam nas sombras. Os demônios
estavam escravizados abaixo e as chamas chamuscavam sua pele. Eu
estava no Infra Mundo.
Escarpados irregulares se levantavam e caíam, fazendo com que
a terra parecesse igual e implacável. Mas o horror mais grave estava sob
minha janela. Três formas desfiguradas estavam trespassadas em
estacas, tinham morrido tempo atrás. Os demônios depositavam os
presentes a seus pés. Incapaz de ver o que meus olhos me mostravam,
afastei a vista. As lágrimas queriam cair por minhas bochechas, mas
não chorei. Não ia tremer nem chorar. O atordoamento logo superou o
medo. Tinha que ver as três estacas de novo, para estar segura. O
primeiro tinha os restos de um homem, os farrapos de roupa se
agarravam a seus ossos e uma espada de prata perfurava o chão a seus
pés. Meu peito se sacudiu enquanto reconhecia o intrincado desenho do
punho. Essa era a espada de Eric.
Horrorizada, meus olhos viram o segundo corpo, uma mulher.
Emplastros de seu comprido cabelo castanho ouro ainda penduravam
de sua cabeça. Uma adaga chapeada, justo como a que Shannon tinha,
estava metida em seu peito. A terceira figura era um homem. Procurei
pela prata algo que me desse uma pista sobre quem era a terceira
pessoa, mas não encontrei nada. Finalmente meus olhos se posaram
em seus dedos fechados. Algo pendurava em seu punho ossudo.
Olhei para baixo, muito aturdida para chorar e muito agitada
para me mover. Instintivamente, minha mão tocou meu dedo anelar,
Página 238
mas o anel tinha desaparecido. Onde estava o anel de Collin? Não podia
imaginar tirar isso instintivamente, minha mão alcançou a janela.
Queria o que havia na mão do esqueleto, tinha que vê-lo. Uma sensação
coçou minha palma e o ar escuro formou redemoinhos nesse lugar.
Estendi meu braço e o vento tocou minha mão. A corrente se
transformou em um corvo e suas plumas surgiram da escuridão,
brilhando de uma cor púrpura escura. O corvo voou para o esqueleto e
seu bico atravessou a mão ossuda antes que retornasse voando para
mim. A criatura aterrissou diante de mim no batente e deixou cair seu
tesouro com um grasnido. Voou na escuridão e foi absorvido pela noite.
Meus dedos se envolveram ao redor do metal, levantando-o para a luz.
Não respirei. Nem sequer pisquei. Meus dedos roçaram toda a pedra
quadrada de cor vermelha sangue do anel de rubi que Collin tinha me
dado. Um grito morreu em minha garganta, enquanto reconhecia ao
final o corpo de Collin. Cambaleei para trás cruzando a sala. Meu corpo
desabou no trono. O pânico era o laço de meus pensamentos. Meu
coração pulsou ensurdecedoramente. Não podia ser eles. Não podia.
Minha cabeça se elevou assim que dois demônios rondaram pela
sala. Sua postura estava dobrada, de tal maneira que a parte superior
de seus corpos quase roçava o chão ao caminhar. Suas cabeças
angulares fizeram uma reverência, suas mãos enegrecidas pareciam
garras pré-históricas.
— Vocês, aí! — gritei enquanto me levantava. Meu vestido negro
ondulava ao redor de meus tornozelos. Detiveram-se e perguntei: —
Quem fez isso a essa gente? Minha mão apontou para fora da janela. —
Digam-me agora! Digam-me! Gritei, mas não podia sentir minha voz.
O olhar das criaturas se manteve cabisbaixa. Elas responderam: — Foi
você, Majestade. Você é a mais poderosa, a mais formosa e a mais
vingativa Rainha. Sua voz era como o cascalho escapando do alcatrão.
As palavras gorjeavam em sua garganta.
Página 239
— Pare de mentir! Diga-me a verdade! Quem fez isso? — Gritei.
Meus punhos estavam fechados enquanto gritava. Senti que minha voz
saía de meus pulmões em tom áspero.
A segunda criatura gorjeou:
— Foi sua Majestade, ela os enganou a todos. Eles confiaram
nela e ela os trouxe aqui. Seguiram-na, juraram protegê-la. — Uma
expressão contraída se filtrou através de seu rosto enquanto
continuava. — Mas ela tomou o poder e os matou. Ela manteve o poder
para si. Deixou os corpos sob sua janela para recordar-se que não tem
que confiar em ninguém mais que em si mesmo. Eles tomaram o que
não era dele. Rainha não perdoa aos traidores. Ninguém é a Rainha
mais poderosa, mais formosa e mais vingativa que você, Majestade Ivy.
A criatura se inclinou tão baixo que sua cabeça tocou o chão de
mármore. Senti que meus olhos rodavam para trás. Meu corpo
desabou. O impacto do frio se estrelou contra mim enquanto golpeava o
chão. Minha mente gritava enquanto meu corpo sentia como se tivesse
apanhado em alcatrão. Agarrava-se em mim e me tirava o fôlego e a
vida. Repentinamente, contive um soluço e disparei em direção vertical.
Escuto a doce voz de Eric:
— Shhh. Está tudo bem. Estou contigo, está a salvo. Sua mão
brandamente percorreu meu cabelo e minhas costas. — Está à salva.
O mundo nadava de volta para mim, e soube que estava sentada
no bosque que estávamos atravessando antes que a visão me levasse.
Os sentimentos estrelaram dentro de meu peito. Fechei os olhos com
força enquanto esperava que o violento impacto passasse. Sabia que era
só uma visão. E ao mesmo tempo, assustava a morte, porque poderia
acontecer.
— Ivy? — sua voz era um sussurro. Sacudi a cabeça. Não podia
olhá-lo. As imagens dos corpos nas estacas e a espada de prata
brilhando no chão, e sabia que era ele. Eu o tinha traído.
Absolutamente. Tinha-os traído a todos, e de algum jeito os três me
seguiram.
Página 240
E os matei.
Tremi ante o que eu seria e disse: — Tinha razão.
Página 241
Capitulo 28
Tinha razão a respeito de que? — Ele estava se comportando
normalmente e não me tratando como se tivesse sangue de demônio
correndo por minhas veias.
De algum modo, isso o fazia pior.
— Sobre eu e a profecia. Acontecerá, mesmo se eu fizer algo ou
não. Você viu. Oh, meu Deus. Você viu. — Eric se sentou, deixando cair
seus braços para os lados. Contei-lhe sobre a visão. Ele estava atônito.
Sem dizer nada, sentou-se a meu lado, estranhamente calado. Isto era
pior que ter sangue de demônio, muito pior. Aterrorizante ou não, a
visão mostrava meu futuro. Não sabia como chegaria a esse ponto, o
ponto onde eu não sentia nada e matava os meus amigos.
Pensando no que Al me disse, recordei que uma decisão ia
disparar o gatilho e criar uma reação em cadeia. Não sabia qual decisão
era o gatilho, mas Collin me disse que não importava. Não era a ação do
catalisador, era eu. O fato de que eu respirasse era suficiente para
causá-lo. Tremi.
Eric sacudiu sua cabeça lentamente. Seu olhar ambarino me
chocou. — Deseja-o, Ivy? Deseja a vida que viu?
Meus braços estavam cruzados firmemente enquanto olhava
para a negra espessura das árvores. Neguei com a cabeça.
— Não. Deus, não.
— Então escolha. — sua voz soava como a do velho Eric. — Seus
sonhos são premonições… advertências. Não são nada mais que isso.
Se escolher um caminho diferente, não acontecerão.
Página 242
— Mas Eric, eu não sei que decisão me pôs nesse caminho. Pode
ser qualquer uma. Posso ser eu, o fato de que respire. Eric disse:
— Sei, mas suspeito que saiba qual decisão, quando se fizer
presente. Há algo que nós sabemos e que te manterá fora desse
caminho.
A esperança me encheu enquanto o olhava.
— O que? O que é?
— Você precisa de mim. — ele disse. —Al disse. Ficarei com você
até isto passar. A visão que teve não acontecerá, não pode acontecer se
eu ficar com você, não é? — Eu assenti já não muito segura. Era difícil
estar segura de algo. Acreditei saber quem era, ou ao menos ter um
indício. Mas a versão futura de mim que vi me assustava. Não queria
ser essa pessoa.
A convicção fluiu com a voz do Eric.
— Não vou embora. Você goste ou não, estamos do mesmo lado
por um tempo. — Ele se desempoeirou e parou, afastando-se de mim.
Fiquei sentada na terra fria e me perguntei quando deveria lhe
dizer sobre Collin. Logo me dei conta que éramos só nós dois. — Onde
está Shannon?
— Ela está verificando a área. — ele respondeu—. Ela escutou
algo e você estava fora de combate. Deveria retornar…
— Shhh. — Escutamos um sussurrar. Shannon apareceu
agachada detrás de um arbusto baixo, arrastando detrás uma adaga
chapeada. As sombras a escondiam, e de algum modo se movia
silenciosamente sobre as folhas caídas. Meu olhar seguiu o seu para ver
o que estava olhando. Além de nosso ponto havia uma pequena clareira.
Estava escuro e vazio na noite fria. Eric sacudiu sua cabeça, pondo um
dedo sobre seus lábios para interromper minha pergunta. Eu fiquei
sentada e observei tranquila. Do outro lado da rua, uma figura emergiu
das sombras. Não estávamos sozinhos. Shannon deu uns passos à
frente, abandonando o encobrimento que provia o bosque, e cruzou a
rua tranquilamente. Ela saiu, perdeu-se de nossa vista até que
Página 243
apareceu por detrás de seu objetivo com sua adaga. Justo antes que
estivesse o suficientemente perto para atacar, a figura girou e saltou
para ela. Houve um brilho prateado e sua espada voou longe de seu
agarre.
— Não! — gritei. O pânico se disparou em mim, me
impulsionando a me mover. Os dedos de Eric roçaram meu ombro.
— Não! — Mas era muito tarde. Estava correndo a toda
velocidade para Shannon. Meu batimento cardíaco era ensurdecedor
enquanto a ira surgia através de mim. Meus dedos puxaram o pente do
meu cabelo, mas antes que pudesse estender os dentes mortais, fui
jogada no chão. Quando me arrumei para voltar a me pôr de pé, não
tinha meu pente.
Uma loira emergiu do grupo. Ela sustentava meu pente prateado
em uma mão enluvada.
— Hey, virgem. É gracioso como funciona a vida, não? — Nicole.
— cuspi seu nome em choque.
Ela riu.
— Temos os seus amigos, assim se não vir conosco, os
destruiremos. O que escolhe? — Sua mão enluvada sustentava meu
pente prateado no alto, examinando o de perto. Sua pele perfeita se
enrugou enquanto franzia a testa. — Ele se parece com a arma que
levamos no ano passado. Jake!
Meu estômago caiu. Olhei ao redor do pequeno parque. Shannon
e Eric eram superados em números. Eles ainda seguiam brigando,
batalhando contra muitos Valefar de uma vez. Estávamos fodidos.
Jake deu um passo adiante.
— O que, a garota tem? Como ela o obteve? Todos me olharam.
— Era da minha irmã.
— Isso foi há quase um ano. Essa garota que perseguíamos na
Itália? Já! Isso é engraçado! — Jake riu. — Perseguíamos a garota
errada. Foi aí que as peças começaram a fazer clique com um horrível e
Página 244
ensurdecedor estalo. Fazendo ameaçadores passos para Nicole,
perguntei:
— Você a matou?
O ódio disparou em mim.
— Foi você? — Não saber o que tinha acontecido a minha irmã
me consumiu durante um ano. Saber que Apryl estava envolta em tudo
isto fazia me sentir mal. Todo o ódio subiu dentro de mim, e eu queria
descarregá-lo sobre o responsável, Nicole.
Nicole riu. Um malicioso sorriso curvou seus lábios.
— Não fui eu. Mas eu conheço a pessoa que foi responsável. —
Um sorriso sarcástico cobriu sua boca enquanto seu olhar se dirigia
para o Eric. Ela o assinalou. — Foi ele.
Embranqueci. Meus joelhos se dobraram. Eric matou a Apryl? E
isso foi tudo o que necessitei, esse momento de choque me desfez. Ouvi-
a mandar matar a todos exceto a mim. Desabei, tratando de recuperar o
fôlego, mas falhando. Meus joelhos não podiam sustentar meu peso. Os
Valefar envolveram meus pulsos em correntes negras, me empurrando
para que os seguisse. Não podia me mover. O choque não se
desvanecia. Tudo o que tinha ido mal estava conectado. Os Valefar,
Apryl, Jake, Eric e Collin. A única que parecia não saber nada disto era
Shannon, que estava brigando por sua vida, e perdia.
Os valentões que sustentavam meus braços se moveram para
me chutar, mas Nicole disse:
— Carreguem-na. — Um dos Valefar me pôs sobre em seu
ombro, como um homem das cavernas. Eles me carregavam para longe,
observando meus amigos, ou quem queira que fossem brigando até a
morte.
De repente havia dois Valefar com exuberantes cicatrizes
vermelhas diante de mim. A próxima coisa que eu soube, é que estava
me levantando e olhando o rosto de Collin.
Página 245
Capitulo 29
Sua cicatriz brilhava de cor escarlate. Nunca a tinha visto fazer
isso antes, sem importar o que tivesse acontecido. Desconcertava-me.
Meu olhar se separou de seu rosto enquanto me sentava. Estávamos em
sua casa, de volta no mesmo quarto elegante. Minha mandíbula caiu
enquanto o olhava procurando uma explicação.
— Só temos um minuto — disse. — Os outros retornarão.
Trouxeram-lhe para mim para nos unir. Agora mesmo estão lutando
para ver quem pode ser autorizado. — Vendo a expressão de assombro
em meu rosto, adicionou rapidamente: Não permitirei que a tenham.
E já te disse que não tenho nenhum desejo de uni-la. Quero-a como é,
mas tenho que fazer algo para te proteger, Ivy. — Seus olhos safira
haviam aumentado. — Preciso fingir um beijo de demônio contigo. É a
única maneira. Pensarão que se uniu a mim e lhe deixarão em paz.
Minha testa se enrugou enquanto suas palavras se apoderavam de
mim.
— Como se finge um beijo de demônio? — Traguei com força.
— Não posso, na verdade. Tenho que te beijar. Tem que parecer
real, mas só tomarei a menor parte de sua alma. Tem que se retorcer
como se estivesse arrancando-a toda.
Meu estômago tremeu com a ideia. Era o mesmo que tínhamos
tentado não fazer com tanta força. O que me mataria. Olhei-o
fixamente, sem pestanejar. Até se quisesse me salvar, eu não acreditava
que ele pudesse romper o beijo. O vínculo nos uniria, e não sabia se
Collin tinha o poder para separar-se.
Página 246
Seus olhos azuis estavam bordeados de vermelho, e o remorso
fluía do conhecimento do que tinha que fazer. Era pesado, cheio de
arrependimento. Sua voz roçou minha mente uma vez mais, prometo
que te protegerei Ivy. Esta é a única maneira.
A porta se abriu e vários Valefar entraram. Todos estavam
falando ao mesmo tempo, e fazendo demandas por minha alma. Jake
alegava que ele tinha me encontrado; Nicole dizia que ela tinha me
capturado, enquanto que alguns outros diziam que tinham me atraído a
campo aberto. Olhavam-me com olhos famintos enquanto discutiam.
Collin se sentou detrás de seu escritório escutando e não fez nenhuma
indicação de que tinha outras intenções.
Finalmente, ele interrompeu suas palavras com um só
gesto. Ficaram em silêncio quando ele levantou a mão.
— Todos querem a esta Martis porque acreditam que a
ganharam. Mas, acredito que há mais que isso. Seu aroma é diferente...
Mais potente. Ela faria forte o seu amo. Tomei minha decisão. — Seus
lábios se curvaram em um sorriso malévolo. — Vou uni-la a mim. Ela
será seu presente para mim.
A ira dos Valefar estava claramente escrita em seus rostos, mas
nenhum deles se opôs à decisão de Collin. Obedientemente começaram
a fazer o solicitado. Dois Valefar aferraram meus braços e me puseram
sobre a mesa do escritório de Collin. Jake tirou a corrente negra com a
que tinham me atado anteriormente. Olhei grosseiramente para Collin e
comecei a tentar me liberar, mas foi inútil. Eram muitos. Correntes de
enxofre me ataram a seu escritório. Não consegui me mover. Collin
estava de pé junto a mim. Podia sentir seu intento de controlar sua
luxúria, mas o vínculo o estava tornando difícil. Puxava a ambos sem
piedade, ameaçando destruir tudo. Não havia outra opção para mim.
Tinha que deixar que Collin me beijasse ou morrer nas mãos de seus
Valefar. Não iriam até que soubessem que estava unida. O ciúme saía
deles as fervuras enquanto Collin sorria sobre mim. O coração golpeava
em meu peito enquanto lembranças do beijo de Jake vieram à minha
Página 247
mente. Um grito surgiu de minha garganta. O terror fez impossível
silenciá-lo.
Antes que soubesse, seus lábios se posaram brandamente sobre
meus. Meu corpo se arqueou em resposta. Tentei afastá-lo. Todo o ruído
ao redor de mim se desvaneceu, sugado enquanto uma pequena parte
de minha alma me era arrebatada lentamente. Esperava uma quebra de
onda de dor, mas foi leve. Não foi como o de Jake absolutamente.
Lágrimas brotaram de meus olhos, enquanto o beijo continuava. O
desejo se disparou dentro de Collin, de uma vez que tentava reprimir
sua necessidade inata. Não estava segura de que ele pudesse deter-se,
mas sabia que queria fazê-lo. Manteve seu rosto sobre o meu, rompendo
o beijo, sustentando meu rosto entre suas mãos bloqueando nossos
lábios da vista de outros. Parecia que me tinha beijado muito mais
tempo do que realmente o tinha feito.
Sua pele estava coberta de suor. Sua mente roçou a minha:
Repete o que te digo. Eles pensarão que está unida a mim. Pensarão
que é minha. Seus olhos como safira estavam bordeados de vermelho.
Falou em voz alta, mas nunca apartou seus olhos de mim.
— Ivy Taylor, é minha para toda a eternidade. — Incitou-me a
dizer palavras que fizeram que me encolhesse de medo, mas eu as disse
de qualquer maneira. Minha expressão estava em branco, apesar de
meu coração acelerado. Tirou o anel de rubi de seu bolso, deslizando-o
de novo em meu dedo antes que alguém o notasse. Não tinha me dado
conta de que eles o tinham tirado. Collin disse umas poucas palavras
mais. Logo se voltou e saiu da sala. Segui-o dois passos detrás como
tinha me pedido, com o olhar fixo no chão, totalmente surpreendida por
estar viva e ainda em posse de minha alma. Afastamo-nos com olhos
queimando buracos em nossas costas. Obriguei meus pés a caminhar
lentamente, aliviando a tensão de minhas pernas.
Estamos quase lá. Ninguém te fará mal agora. Não podem tocar
você. Sua voz tranquilizou minha mente.
Página 248
Saímos ao ar noturno e estávamos rodeados por campos de
grama. Uma lasca de lua pendurava sobre nós, muito fina para
iluminar a terra. Os Valefar permaneceram lá dentro. Suponho que
quando o chefe parte com uma nova escrava ninguém os segue. — Isto
foi arriscado. — disse, respirando o ar da noite. Minha voz tremia,
enquanto envolvia meus braços ao redor de meu corpo com força.
Collin me atraiu para ele.
— Foi. E o sinto. Era a única maneira de me assegurar de que
não a incomodassem de novo. Só espero que o preço não seja muito
alto.
— Seus dedos apartaram minha franja, revelando minha marca.
Estudou-a. — O que quer dizer? — perguntei.
Ele passou a mão pelo meu cabelo.
— Já perdeu uma parte de sua alma... Quando foi atacada. E eu
acabo de tomar outra parte. Foi arriscado, porque não sabia quanto
ficaria de sua alma, não porque não estivesse seguro de poder me deter.
Nunca teria feito isso se acreditasse que não podia me deter.
— Minha alma? —perguntei, olhando assim está se convertendo
em queijo suíço, verdade? O que acontece, desaparece completamente?
Sequer saberei se isso acontece?
— Não estou seguro de que tão rápido saberá, mas se alguma
vez perde o suficiente de sua alma, o sangue de demônio se apoderará
de ti, e te converterá completamente em uma Valefar. — Encolhi-me de
medo. Sabia que minha alma estava danificada, mas não tinha nem
ideia quanto, ou o que arriscava quando ele me beijava. Não conseguia
me dar conta que partes da mesma já estavam de fato perdidas.
Caminhamos, cruzamos o jardim, nos dirigindo para o
automóvel de Collin. Estava surpreendida até o ponto de permanecer
em um incomum silêncio, enquanto Collin mantinha sua liderança de
amo há alguns passos diante de mim. As coisas estavam mais precárias
do que tinha imaginado. À medida que nos aproximávamos do
Página 249
automóvel de Collin, duas figuras emergiram da escuridão.
Reconhecendo a ameaça, corri para Collin.
— Não! — gritei, empurrando Collin para o chão.
Página 250
Capitulo 30
O corpo de Collin caiu rapidamente. Este foi meu engano. Se não
o tivesse empurrado, não teria sido um alvo tão fácil. Todo o resto
ocorreu rapidamente. Só mais tarde que me dei conta do que tinha
feito.
Shannon emergiu das sombras. Ficou de pé com sua adaga de
prata na mão. Nervuras de lágrimas arruinavam sua pele perfeita.
Agonia enrugava seu rosto apertadamente. Seus olhos foram de Eric
para mim. Sua indecisão era clara. Não sei como me encontraram, mas
sabiam que tinha sido trazida para cá. Pensavam que estava unida.
Seus rostos diziam tudo.
Os olhos âmbar de Eric eram temíveis. Seus músculos se
esticaram, enquanto se estendia para pegar sua espada. Sua cabeça
estava baixa, e sua mandíbula estava apertada com força. Sem
pestanejar, cravou seus olhos em mim com condenação. Como se lhe
tivessem dado uma indicação, Eric fez um movimento amplo com a sua
espada. Reuniu impulso, e a empurrou para baixo. Sem pensar, lancei-
me na frente de Collin. Mas fui muito lenta. A folha de prata abriu um
talho sobre o peito de Collin, a centímetros de sua garganta.
O corpo do Collin se retorceu. Dor líquida disparou através do
vínculo, me absorvendo. O escarlate fluía rapidamente de sua ferida. Os
olhos do Collin se agitaram uma vez, logo se fecharam enquanto a terra
se empapava com seu sangue. O vínculo escorregou, desvanecendo-se
rapidamente. Collin jazia a minha frente, coberto de sangue de
demônio. Era sangue como este que havia me condenado. Era sangue
Página 251
de demônio o que tinha poluído, e o tinha apanhado em uma vida de
servidão.
Os cabos invisíveis que nos vinculavam estavam se afrouxando.
A dor que fluía através do vínculo e para meu corpo estava se
desvanecendo. O fazia de tal forma que pude respirar uma vez mais.
Engatinhando em direção ao seu corpo, sem me importar que seu
sangue me tocasse. Observei impotente como o garoto que tinha me
salvado sangrava em meu colo. Meu coração gritava, observando
enquanto o garoto que amava morria em meus braços, e eu era incapaz
de detê-lo. Essa foi a primeira vez que o reconheci. Amo-o. Não podia
deixar que isto acontecesse. Tinha que haver algo que pudesse fazer.
Havia só uma opção, e se iria a segundos.
Antes que pudesse considerar exatamente o que ocorreria, movi-
me. O brilho de luz da folha de Shannon apanhou minha atenção.
Estirei-me para tomar a folha, e arremeti contra ela. A borda afiada
cortou minha palma, rasgando minha carne. O sangue formou um
atoleiro em minha mão. Eu me afastei, mal notando os rostos
espantados. Eric e Shannon estavam preparados para um ataque que
não veio. Sustentei minha ferida em alto. O sangue fluiu livremente,
caindo em cascata por meu punho em listras vermelhas. Eric e
Shannon ficaram de pé ali sem pestanejar. Estupefatos.
Ignorando-os, reuni o sangue que corria de minha ferida. Abri o
punho, colocando minha mão contra a cicatriz de Collin. O sangue se
acumulou na forma de lua crescente que arruinava sua carne.
Esfreguei minha palma ensanguentada contra as feridas em seu peito.
O vínculo se apertou. Sabia que estava fazendo o que queria,
necessitava para sobreviver. Collin se agitou ligeiramente. — Deixe ir
Ivy. É muito tarde.
Meu coração se entupiu em minha garganta.
—Shh. Tudo estará bem. — Sua cabeça balançou, e caiu sobre
meu colo. Sua dor estava diminuindo. O horrível ardor, a carne
queimada, o retorcer-se de dor; tudo estava desvanecendo-se. Mas
Página 252
estava sanando. As feridas ainda fluíam. O vínculo estava rompendo.
Embora eu tivesse feito o que o vínculo queria, estava-o perdendo. Podia
senti-lo. Apenas estava ali.
Puxei-o para subir mais no meu colo. Maldição! Fiz o que o
vínculo queria. Ele queria sangue. Eu dei! E ainda assim... Oh Deus.
Que mais necessitava? Ele experimentou o beijo de demônio. A única
outra coisa que ele precisa é... Uma alma. Com absoluta certeza, soube
o que fazer. Inalei rapidamente para me fortalecer contra a dor.
Pressionei meus lábios contra os seus, sem importar se lhe dava a
última parte de mim.
Eric gritou.
— NÃO! — Mas era muito tarde. O vínculo formou redemoinhos
ao redor de nós formando uma barreira transparente. Uma sensação de
ardência cobriu minha pele, enquanto meus lábios roçavam lentamente
os de Collin. Estes estavam mornos. A sensação encheu meu corpo
inteiro com comichões. Seu aroma era perfeito, como o garoto da sua
memória, não o escravo de um demônio. E sentia tão doce, mas não
como comida.
Minha parte Valefar não saiu à superfície. A parte de mim que o
desejava não queria deixá-lo ir. Meu corpo não se cambaleou de dor,
como tinha antecipado. Sabia que estava lhe dando parte de minha
alma. Deveria ter doído, mas não foi assim. Quanto mais tempo
mantinha meus lábios nos seus, mais forte ele se voltava. O vínculo
tinha mudado. Realmente não notei quando, mas tínhamos nos isolado.
Névoa púrpura e negra formava redemoinhos ao nosso redor,
bloqueando o ruído. Protegendo-nos. Uma quebra de onda me
atravessou, formando uma luz azul entre nós.
Ignorando-a, soube que queria mais dele; que ele necessitava
mais de mim. Deslizei minha língua sobre seus lábios, sentindo sua
suave carne contra a minha.
A imprudência se apoderou de mim, enquanto minhas mãos se
entrelaçavam com seu cabelo escuro, e o beijei mais profundamente. O
Página 253
vínculo tomou vida própria com o beijo mais intenso. Senti que este o
remendava com compridos fios de seda viva. O vínculo envolveu algo
dentro de seu peito. Algo que se supunha que ele não tinha. Ele me
disse que se aferrava a um fragmento de seu antigo eu, mas eu não o
tinha tomado literalmente. E quando lhe perguntei se tinha uma alma,
ele havia dito que não. Mas sim a tinha. Sua alma estava machucada e
era minúscula, mas ali estava sepultada profundamente dentro dele.
Era muito pequena para que ele fosse outra coisa exceto Valefar, mas
ali estava. Seu corpo ferido se curou, enquanto o sustentava
apertadamente contra mim.
Finalmente, sua respiração se estabilizou, e senti a força fluir de
novo para ele.
Suas mãos encontraram meu rosto, e seus dedos se enredaram
em meu cabelo. Sua respiração era profunda e irregular. Beijou-me
brandamente, enquanto embalava meu rosto. Quando a comichão se
deteve, afastei-me lentamente. Nossos olhos fixos um no outro,
respirando irregularmente, contemplamo-nos. Sorri-lhe.
— Por isso você... Parecia tão mortal às vezes. Ficava uma
pequena parte de alma. — Meus dedos acariciaram delicadamente seu
cabelo para longe de seus olhos. O vínculo se sentia bem agora. Estava
morno, e feliz.
— Suponho que sim. — respondeu. Quando afastei o cabelo de
seu rosto, vi sua cicatriz Valefar. Inalei horrorizada.
— Sua cicatriz mudou de cor. Está púrpura. — Detive-me por
um momento, meus olhos aumentando, me dando conta do que isso
podia significar. Podia ser que eu mesma tivesse me convertido em
Valefar. — Entreguei muito? De que cor está minha marca? — Traguei
com força. — Está vermelha?
Sorrindo, me disse.
— Não. Ainda está púrpura. — A realidade do que tinha feito, do
que havia escolhido não me pegou até que a névoa se desvaneceu.
Salvei-o. Ele tinha uma parte de mim em seu interior. E a luz. De algum
Página 254
jeito invoquei a luz e isso ajudou a salvá-lo. Vi-o. Meus poderes de
Martis e Valefar se fundiram, e havia devolvido a vida ao meu melhor
amigo. A felicidade se apoderou de mim. A euforia do beijo tinha
deixado tolos sorrisos em nossos rostos. Olhamo-nos com uma
expressão de absoluto amor.
Entretanto, vozes zangadas quebraram minha sorte. A voz de
Shannon me espetou.
—Ivy, o que fez? — Estava de um branco fantasmal. Suas mãos
tremiam. — Os escolheu? Não posso acreditar que os escolheu! —
Olhou-me como se a tivesse golpeado no estômago. Eric estava de pé
junto a ela com uma expressão similar. — Meu deus, Ivy! Criou outro.
Franzi o cenho.
— Não me julgue! Uma vida é uma vida. Pode ser que não tenha
o seu sentido do que é bom ou mau. E me alegra que não seja assim.
Eles me disseram isso, Eric. — Olhei-o com ódio. — Sei. Sei o que fez a
minha irmã. Sei que você a matou. — Meu cenho se franziu com mais
intensidade, enquanto lhe cuspia palavras. — Se não me tivesse salvado
de Jake, o mataria agora. Profecia ou não.
A surpresa de Eric se fez mais intensa. Não apartou o olhar, não
se desculpou ou tentou explicar. Simplesmente me olhou fixamente,
incapaz de falar. Possivelmente sim, brilhava como se eu fora capaz de
criar um exército do mal. Tinham todo o direito a me temer. Mas a
razão pela que ele realmente devia ter medo, era porque tinha me
roubado isso. Apryl tinha morrido em vão; porque ele a caçava quando
em realidade me queria.
O rosto do Eric estava preocupado. Não respondeu na forma em
que pensei que o faria.
— Não te salvei do Jake. Estava sozinha quando a encontrei.
Ninguém estava lá naquela noite. Só estava você, meio morta na
escuridão. — Suas palavras me surpreenderam. Todo este tempo,
pensei que ele me tinha salvado. E a realidade de que não lhe devia
nada liberou minha ira, fervendo dentro de mim.
Página 255
Meu corpo começou a tremer de fúria.
— Não foi você? — repeti. O desprezo em minha voz era tão
denso, que ninguém se moveu.
Ele sacudiu a cabeça, seus olhos âmbar entrecerrados.
— Encontrei-a. Levei-a para casa. Treinei-a. Não fui eu quem
deteve o ataque.
Algo em meu interior se quebrou, e rompeu-se em um milhão de
agudos fragmentos. A ira fez que cada músculo de meu corpo tremesse,
conforme meus olhos se enrugavam até formar pequenas ranhuras.
Queria atacar, mas algo me retinha. Tinha que saber.
— Por que a matou? — Vaiei.
Seu corpo estava tenso, preparado para atacar. Seus músculos
se flexionaram quando seus dedos lentamente se fecharam ao redor de
sua arma. Estava brigando contra cada instinto que tinha. Queria
atacar. Se eu lhe desse uma razão, lutaríamos até a morte. A voz de
Eric era desumana.
— Estava-a rastreando, e tentando confirmar quem era. Estava
no lugar errado na hora errada.
— Disse-me que a melhor parte de ser um Martis era viver uma
vida que não era vivida em vão. — Cuspi-lhe as palavras. — A roubou!
Ela nem sequer era parte disto! Era uma turista. E a matou
brutalmente como se fosse o Anticristo.
Ele tentou explicar.
— Se fosse azul. Se fosse Martis pura...
— Não o sou. — estalei. — Não sou azul. Não sou como você.
Nunca serei como você! — Pus-me de pé, e Collin se moveu detrás de
mim. — Eu não mato gente inocente. Você sim!
— Ivy, você não entende. — Ele soava razoável, como se eu
deveria ver seu ponto. — Você viu o que acontece em suas visões. Se
uma vida pudesse impedi-lo...
— NÃO! Esse é o ponto. É uma maldita profecia! Nenhuma vida
pode impedi-la. Vai acontecer sem importar o que! Não importa o que
Página 256
façamos... Ou a quem você mate. Está vindo. — Meus olhos o
perfuraram, enquanto tremia de fúria. — Roubou-me o que mais me
importava. Pensei que ela tinha morrido sem motivo. Simplesmente por
algum acidente fortuito. Deixou-me pensar isso. Viu-me paralisar por
mais de um ano, tentando aceitar que ela tinha morrido sem razão! —
As lágrimas corriam por meu rosto. — Você é a razão. Eu te odeio! Se
alguma vez tiver a possibilidade de devolver a dor que me causou, a
inocente vida que você tomou, farei.
Senti meus olhos bordeando-se momentos antes. Sabia que se
voltariam púrpuras e que não seria capaz de me controlar. Um
pensamento distante ecoou através de minha mente, me recordando
que necessitava que Eric ajudasse com a profecia. Desejei que não fosse
assim, mas sabia que ele tinha que estar ali. Tomei Collin, envolvendo-o
com meus braços, enfocando minha atenção no anel de rubi. Sua voz
exclamou.
— Não! — Assim que ele percebeu o que ele pretendia fazer. Mas
já era tarde demais. Eu já tinha decidido. Eu não podia ficar na frente
de Eric sem matá-lo. E eu não poderia deixar Collin para trás. Ele tinha
apenas uma opção, não adiantava tentar ambos.
Concentrei toda minha ira na pedra, e senti a quebra de onda de
calor lambendo através de mim. Instantaneamente ficamos inundados
em uma ardente névoa negra. Shannon e Eric desapareceram de minha
vista. Não podia ver nada, mas podia sentir Collin ardendo comigo. De
repente, precipitamo-nos para frente, tropeçando com o tapete dentro
da igreja, lutando por ir conforme o calor se dissipava. Tinha-nos
transportado. Collin e eu ofegávamos por ar, dobrados na metade.
Quando lhe joguei uma olhada para me assegurar de que não o tinha
debilitado ainda mais, seus olhos estavam muito abertos.
— Ivy! — Ela ficou surpresa ao ver-me aparecer à sua frente.
— Al. Sinto muito. — Secando as lágrimas de meus olhos,
obriguei ao meu coração a recuperar o tamborilar normal. — Tinha que
ver-te. Algo está mau. — Collin se acomodou em uma cadeira, olhando
Página 257
cauteloso. Al parecia incomodada por sua presença ali, mas não disse.
Não sabia quão demente era trazê-lo comigo, mas deixá-lo com o Eric
não era uma opção. Levou um momento para sentir que algo não estava
bem. Ela tinha uma pilha de lenços de papel junto a sua cadeira de
balanço, pulverizados sobre a mesa. Seu rosto estava em branco, exceto
seus olhos. Algo estava mal. Muito mal. Al olhou para Collin, limpando
o nariz.
— Então, isto é o que estiveste procurando? — Ela inclinou a
cabeça para mim. Ele a olhou, mas não respondeu.
Não podia esperar mais.
— Al. O que aconteceu? O que é isso?
Sua voz era sombria. Um sorriso triste se estendeu por seu
rosto. — Descobriram o que é Ivy. Sabem. Os Valefar sabem. Isto vai
ficar feio.
— O que quer dizer?
Diminuiu a velocidade, estendendo sua mão para mim.
— Querida garota. Desejaria poder havê-lo detido. — Esfregou
minha mão entre as suas, e pareceu como se o tempo tivesse parado. —
Mas quando tive a visão, era muito tarde. Quando descobriram o que é,
buscaram. Suponho que alguns lhe encontraram, e lhe levaram longe.
Mas os que foram ao seu lar... Procuravam algo que necessitavam. Algo
que você tomou. Quando não os levou... — Sua voz se apagou. O aperto
em minha mão se fez mais exigente.
Meu estômago caiu, de uma vez que minha garganta se
apertava. — O que? O que fizeram? — Minha voz era tão débil, que não
estava segura de ter falado.
— Lamento-o, Ivy. Tudo desapareceu. Destruíram seu lar, e a
todos nele. Ivy, os Valefar mataram a sua mãe. — Tomou um minuto
processar o que havia dito. Certamente não tinha ouvido bem.
— Não. Isso não pode ser verdade. Não pode ser. — Separei-me
dela. Seu rosto estava cheio de lástima. De repente, minhas pernas
cederam debaixo de mim, uma vez que meu peito era esmagado por
Página 258
uma força invisível. Caí no chão, apenas capaz de manter minha cabeça
erguida. Collin se ajoelhou e pôs seu braço ao meu redor, me
endireitando. Não vi nada. Não senti nada. As vozes continuaram ao
meu redor, mas suas palavras não tinham sentido. Estava
completamente sozinha. Depois de sofrer por um ano, sem saber o que
tinha acontecido com sua filha, minha mamãe estava morta. Eu estava
sozinha. Uma só pergunta pendia em minha mente. Filtrou-se em um
sussurro.
— Como?
Al se inclinou para frente e pôs sua velha mão em meu ombro.
— Os Valefar não podiam entrar, pelas portas. Acredito que
tentaram lhe obrigar a sair. Usaram fogo, apanhando a sua mãe dentro,
tentando forçá-la a se entregar. Mas você não estava lá. Assenti. O ar
viciado formava redemoinhos ao meu redor. Sentia-me estranha. Tinha
perdido tudo. Minha família. Meu lar. Tudo tinha ido. E neste ponto
meus únicos amigos eram um garoto beijado pelo demônio, e uma
monja. Um soluço histérico saiu de mim, enquanto me apoiava contra
Collin. Seus braços me envolveram. Perguntei para Al: — O que viu?
Eles vão invoca-lo?
Ao respondeu:
— Sim, o farão. Necessitam duas peças dos quebra-cabeças que
não têm. Uma é a profecia, a pintura. Você sabe qual é a outra. Onde
está a chave? — Olhou para Collin, esperando que respondesse.
Obviamente esperava que ele soubesse do que estava falando.
Ele disse:
— Não a temos. Ninguém sabe onde está.
A conversação apanhou minha atenção. A coisa que eles
assumiam que estava em minha casa, a coisa que não estava aí. Não se
queimou. — Eles queriam a pintura? Para que?
— Mostra algumas coisas em detalhe. — disse Al. — Algumas
coisas que foram esquecidas, e com razão. Se tivessem a chave e a
Página 259
pintura, poderiam invocar ao Kreturus. — Havia medo em sua
envelhecida voz.
Collin respondeu a minha pergunta antes que fora enunciada.
— É o demônio mais capitalista que já tenha existido. Ele criou
aos Valefar. Mas está aprisionado. Ninguém pode invocá-lo... Bom, se
não o fizerem, ele não pode vir.
— Mas uma vez que tenham a profecia e a chave. Adicionou a
irmã Al. — Ele pode vir. Aqui. E isso seria... Realmente mau. — Collin
me atraiu para ele. O vínculo tinha mudado, mas ainda podia sentir
coisas. Sabia que lhe importava. E se sentia como se temesse me
perder.
Envolvi sua cintura com meus braços, e levantei a vista para
olhá-lo nos olhos. Queria tranquilizá-lo. Ele era tudo o que eu tinha
agora. O único que me importava.
— Não te abandonarei. Prometo-o.
Seus lábios esboçaram um suave sorriso triste, enquanto seu
escuro cabelo caía sobre seus olhos. Beijou a parte superior de minha
cabeça. — Sei que não o fará.
Al me observou interagir com Collin, mas não disse nada.
Finalmente a olhei e admiti o que tinha feito.
— Converti-o, Al. Não quis fazê-lo, mas já não é completamente
Valefar. Posso notar que se conhecem, e suspeito que a razão pela que
se conhecem não é boa. Mas ele me salvou, Al. Os Valefar sim me
atacaram. Ele simulou me unir a ele, mas não o fez. Quando
escapamos, Eric… — Seu nome me engasgava, me sentindo enfurecida
ao pensar nele. — Atacou-nos. Al lamento, mas só queria salvá-lo.
— Não seja tola, menina. Uma vida é uma vida, nada importa. E
embora o convertesse em púrpura, ele não é como você. Não tem seu
poder e habilidade. É parte Martis porque você o é, mas a quantidade
de sangue de anjo que recebeu de ti não foi o que fez isto... Foi porque
recebeu uma peça de sua alma. — deteve-se por um momento. — Só
espero que sua confiança esteja bem depositada. — Olhou para Collin.
Página 260
— Está. Sei que está. Al, ele é a única pessoa, além de você, que
não quer me usar ou me matar. — disse.
Seus olhos foram para o Collin enquanto falava. Sua expressão
era rígida.
— É assim, Collin? Não quer nada dela?
Sua voz foi um sussurro.
— Não. — Beijou a parte superior de minha cabeça.
Sorri-lhe fracamente. Sentia seguro e normal. Separei-me dele,
me dando conta de que estava coberta de sujeira e suor.
— Preciso tirar isto. —Virei para Al enquanto indicava minha
camisa. — Tem algum suéter ou algo que possa pegar emprestado?
A anciã ficou de pé, e foi ao seu armário. Desapareceu detrás da
porta em busca de uma camisa. Tirei o meu suéter, revelando a
camiseta negra debaixo. Estava empapada de suor, mas eu não tinha
nada mais. O colar de Apryl se aferrava à carne no oco de minha
garganta. Levantei-o, limpando a sujeira e o suor que se acumulava
debaixo. Collin me olhava fixamente, seus olhos fixos no pendente que
pendurava ao redor de meu pescoço. Uma mão levantou um cacho e o
colocou detrás de minha orelha. A outra mão levantando o pendente.
Sustentou-o por um momento, antes de soltá-lo.
Quando Al retornou, Collin deixou cair o pendente e retrocedeu.
Ao me entregou um suéter azul marinho que dizia SÃO BART'S
BEISEBOL. Passei-a rapidamente sobre minha cabeça.
Al disse:
— Precisa conseguir a pintura. Não podemos deixar que a
tenham.
— Não podem. – repliquei. — Ainda está em chão sagrado. Está
em uma velha igreja.
O rosto de Al se contraiu. Aproximou-se de mim lentamente. —
Que velha igreja?
Página 261
— Não estou segura de ter o nome. É uma velha ao leste.
Encontrei na noite que tomei a pintura. — Estava-me pondo nervosa
que ela ainda não se sentou. Sempre se sentava.
Seus olhos estavam se abrindo cada vez mais.
— Ivy, as pessoas ainda assistem os serviços ali?
— Ninguém vai lá. É uma relíquia, em meio de umas fazendas.
— Al empalideceu. Perguntei. — O que acontece?
— Não está protegida. As guardas só funcionam em igrejas. —
Seu enrugado rosto estava pálido. Congelou-se frente a mim.
— Mas é uma igreja. — respondi.
Collin interrompeu, me recordando que estava aí.
— Não se ninguém atende a serviços ali... É rebaixada a
categoria de edifício... Como qualquer outro. Não há guardas. Os
Valefar podem entrar. Podem consegui-la.
Os olhos foram de Collin para mim. Não lhe agradava, isso podia
dizer. Seu olhar voltou para mim e se suavizou.
—Tem que consegui-la. Tem que trazê-la aqui. Ivy, se eles a
obtiverem, então só necessitam a chave para invocar Kreturus. Não
pode deixar que a peguem.
O pânico me inundou ante sua angústia.
— Não sabia. Vou busca-la. A trarei de volta. Prometo Al. Eles
não a obterão. Está escondida, e não é um lugar visível. Posso ir
procurar agora mesmo, e voltar. — Olhei meu anel de rubi.
Collin deslizou sua mão sobre a minha.
— Há outros Martis neste edifício. Posso cheirá-los. Sentiram se
usar magia Valefar aqui. Precisamos sair.
Al parecia insegura. Seu olhar se movia entre o Collin e eu.
Finalmente disse:
— Tem razão, sentirão, mas vou enviar Shannon e Eric atrás de
vocês. — Gemi, e comecei a protestar, mas ela me deteve. — Não, Ivy,
isto é muito importante. Se algo acontecer. — Olhou para Collin. — Os
quero ali. Necessita-os. Não tem escolha.
Página 262
Travei a mandíbula, sabendo que ela tinha razão.
— É a velha igreja de pedra no Cutchoge. Está entre um grupo
de fazendas. É o único edifício... Não se pode ignorar. Mas Al, estaremos
de volta antes que cheguem lá.
Ela tomou minhas mãos nas suas.
— Isso eu espero.
Página 263
Capitulo 31
Não posso acreditar que possa fazer isso — disse ele. Collin e eu
efanotamos na frente da velha igreja de pedra.
— O que fazer? — perguntei, olhando ao redor me assegurando
de que estávamos sozinhos. Estávamos muito mais perto dos Valefar
agora, e eu não gostava.
— Nunca vi ninguém fazer isso. Não posso mover duas pessoas.
É incrível que possa, isso é tudo. Surpreende-me de todas as formas
possíveis. — Sua voz soava estranha. Voltei a olhá-lo, insegura por seu
repentino estado de espirito. — Vai ficar tudo bem, Collin. Vamos pegar
a pintura e vamos embora. — Ele assentiu, tomando minha mão,
caminhamos para o edifício de pedra.
A umidade grudou em minha pele como gotas de mel. Se o vento
começasse a soprar mais seria melhor. Collin me seguiu enquanto
subíamos até a pequena casa. Não disse nada, mas eu percebia que
algo o incomodava, atribuí aos nervos. Quando estávamos no interior
da igreja, me dirigi ao lugar onde tinha guardado a pintura. Escavei
dentro das pilhas de livros, sentindo meu caminho por entre os
montões de pó, mas não a encontrei. A pintura estava enrolada e
poderia ter rodado sob algo. O pó se moveu e fez cócegas em meu nariz.
— Então, como funciona isto? — perguntei. Meu traseiro estava
para cima, enquanto entrava através de uma chaminé — Tem uma
armadilha, ou algo assim?
— Algo do estilo. — Sua voz soava estranha.
— Bom, isso é uma resposta agradavelmente vaga. — Ri. Minha
mão cavou entre mais montes de poeira. Poderia ter empurrado, mas
Página 264
pensei que ia esmagar a pintura se ela estivesse ali. Sentei-me — Huh.
Pensei que fosse por aqui.
Os olhos de Collin se alargaram. Ele olhou ao seu redor. O
vínculo mudou de repente. Estava fazendo algo. Algo que não podia
entender. Era como um instinto animal. Estava enfocando seus
sentidos no ar em busca de sinais de visitantes anteriores, além de
mim. Sentei o vi perplexa. Seu corpo se esticou. — Veem! — A casa se
encheu de Valefar. Vieram através da escada e entraram na casa como
baratas. Havia muitos para lutar ou fugir. Olhei para Collin, mas ele
não quis encontrar meu olhar. Meu estômago deu um tombo. — Collin?
— Respirei, com meu coração pulsando com força em meu peito — O
que é isto? — Ouvi a dúvida em minha voz. Olhei para ele fixamente
sem piscar até que uma voz familiar me chamou a atenção, Jake.
Entregou a pintura a Collin. — Tinha razão. Encontramos logo antes
que vocês chegassem aqui.
Minhas tripas se retorceram tão severamente como minha boca.
O que tinha feito? Ele me amava. Ele não podia fazer isto comigo. Mas
fez. Chamou os Valefar, e eles apareceram. Eles tomaram a profecia
ante sua ordem. Minha dúvida de repente se solidificava em traição. —
Não o fez... — Meus olhos se aumentaram, a ira me encheu. Eu sabia
que ele podia sentir, mas não me importava — Diga que não disse a eles
para vir aqui e pegar a profecia!
Ele me olhou enquanto tomava minha mão na sua. Estavam
manchadas de vermelho. — Eu fiz, já te disse que eu faria algo para
acabar com a maldição, e ganhar minha liberdade. Fiz um acordo com o
Kreturus faz muito tempo. Um trato. Minha vida, pela tua.
O olhar de Collin se afastou de mim, para o resto dos Valefar.
Estava estoico, como o resto deles. A repulsa se apoderou de mim e não
podia suportar olhá-lo. Queria gritar, e senti se formar várias palavras
de irritação em minha mente. Durante todo esse tempo que passamos
juntos, O que foi isto? Uma mentira? Uma mentira brilhante e
orquestrada por um ser ardiloso que faria todo o possível para ganhar
Página 265
vida de novo. Soltei minha mão da dele. Mas ele apertou os dedos, e me
tirou o anel de rubi. Tiraram meu poder e os Valefar me pegaram.
Voltou-se de novo para o Valefar e disse: Pegue-a e aos outros
dois estão vindo. Também preciso deles.
Eu gritei, com a esperança de que os outros me ouvissem se
estivessem ali. Mas já era muito tarde. Eu os levei direto para uma
armadilha. — COLLIN! — gritei a suas costas — Eu te salvei! Como
pôde fazer isto comigo? — Sacudia-me, no entanto as mãos fortes do
Valefar me prendiam. Collin não se importou com os meus gritos, e
ficou gritando ordens às pessoas. O Valefar me arrastou para a noite.
Havia um círculo no chão. Alguém tinha talhado a terra
congelada com uma pá. Uma trilha de pequenos cristais brancos
marcavam as bordas. Sal, Shannon e Eric estavam atados e parados em
diferentes pontos após a borda do círculo. Meu coração se afundou.
Eles chegaram aqui e foram capturados. O valentão me deixou no chão,
sacudindo meu cóccix. Apesar da picada, levantei de um salto. Cada
músculo de meu corpo flexionado, preparado e disposto a lutar, mas
não tive a oportunidade. Eles me contiveram, com um corte na
bochecha quando comecei lutar contra eles. Não importava o quanto me
retorcesse e girasse. Não podia escapar. Havia muitos Valefar. Muitos
para dominar ou correr. Com um puxão, minhas mãos atadas atrás das
costas e meus tornozelos atados a uma terceira estaca. Meus pulmões
se encheram com o ar frio. Lutei contra minhas ataduras, mas não
cederam. A ira se disparou em mim, ardendo com intensidade feroz. Eu
gritei, golpeando, fazendo todo o possível para me soltar, mas nada
aconteceu. Quando desisti, sentia como se as veias de minha testa
estivessem explodindo. Lancei respirações irregulares, ainda me
negando a aceitar, sabendo que iríamos morrer. E que era minha culpa.
Contendo as lágrimas, olhei ao meu redor. Os Valefar estavam
frenéticos eu os observava, me perguntando o que fariam, já que não
tinham a chave para abrir a fossa. Collin disse que não a tinham, e não
senti como se fosse uma mentira. Isso significava que ele estava dizendo
Página 266
a verdade nesse momento. Maldito fosse! Como pude ser tão tola? Por
que não o vi vir? Aproximei de Collin através da união, com vontade de
gritar. Era como enxergar através da água, ele mascarou seus
pensamentos. Não podia ouvi-lo.
Uma brisa soprou através de meu cabelo, minha pele se
congelou. Olhei através do círculo em direção a Eric. Seu rosto estava
triste! Para mim. Parecia triste, e derrotado. O comprido cabelo de
Shannon estava balançando ao redor de sua estaca, apanhado no
vento. Era de cor vermelha brilhante sob a lua. Seu rosto estava cheio
de medo, ao perceber melhor que eu o que ia acontecer. Enquanto os
Valefar faziam os preparativos para liberar o demônio vivo mais
poderoso, víamos impotentes, incapazes de detê-lo. Minha única
esperança era que Al sabia que deveria ter voltado. Ela tinha que saber
que algo estava errado.
O Valefar começou a andar em torno das bordas do círculo. Jake
estava triunfante ao meu lado. Tirou uma faca do bolso, e me liberou.
Caí no chão e lhe dei um golpe no joelho, pronta para brigar. Suas mãos
se abaixaram, segurando meu cabelo. Gritei, me levantando
rapidamente, sentindo que algumas das raízes saíram de meu couro
cabeludo. A voz de Collin grunhiu atrás de mim. — Solte-a
Jake disse: Mas, só vamos a...
— Deixe-a. Collin estava de pé com cada músculo em seu
corpo flexionado. Quando os dedos de Jake não me soltaram, Collin o
cortou com um pouco de prata no estômago. Jake caiu ao chão. O
sangue fluía de seu abdômen, enquanto ele caia sobre a grama. O
aroma de enxofre encheu o ar, quando seu corpo se derreteu e a terra o
reclamou. Olhei para Collin, horrorizada. Fiquei imóvel com a garganta
tão apertada que quase não podia respirar.
— Ninguém toca nela. Só eu posso tocá-la — disse olhando para
os Valefar, apontando com meu prendedor de cabelo. Havia uma
intensidade desesperada nele. Sua mente estava ferida tão fortemente,
que estava a ponto de se romper. Mas, a coisa que mais me preocupava
Página 267
eram seus olhos. Eles se estavam enchendo de uma cor carmesim, não
púrpura. Ele ainda era um Valefar. O sangue de anjo não foi suficiente
para dominar o beijo do demônio. Al disse que não éramos a mesma
coisa, apesar de que troquei sua marca púrpura. Mas, não vi o que
queria dizer até esse momento. Collin ainda era Collin, o Valefar, apesar
da coloração em sua cabeça. Minha alma não o tinha mudado. Meu
estômago se afundou. O que eu fiz? Fora todas as coisas tolas que eu
fiz, de todas as decisões que tomei, esta estava além da redenção.
Collin se voltou para o círculo, agindo como se não tivesse feito
outra coisa mais do que pisar em uma formiga. Não havia indícios de
que ele tinha acabado de matar um homem, ou que isso lhe
incomodasse. Desenrolando a pintura em suas mãos, os olhos de Collin
a devoraram com avidez. Seu rosto se iluminou ao olhar o tecido. Esses
olhos intensos eram de cor vermelha sangue, com bordas de cor
púrpura, e se moveram sobre a pintura, como se estivessem lendo algo.
O vento açoitou mais forte, uivando, por isso a noite pareceu mais
sinistra. Com a mandíbula tensa e as têmporas agudas, Collin me
devolveu o olhar. Seus olhos fixaram em mim uma vez, e logo voltou a
enrolar a pintura e a meteu na cintura. A certeza se apoderou dele.
Estremeci em resposta, e tratei de ocultar quão aterrorizada eu me
sentia. Meu pulso não se deteve, meu peito parecia como se fosse
explodir, e se minha mandíbula se apertasse mais poderia quebrar.
Todos os rastros do menino que vi, do Collin que conheci,
desapareceram. Não restou nada dele. Cruel indiferença em seu rosto,
enquanto olhava aos Valefar sob seu mando.
Nicole andava atrás dele. Seus braços envoltos ao redor de sua
cintura. Ele não as retirava. Deixou que ficassem ali, o abraçando. A
bílis se levantou em minha garganta em carne viva. Não, eu pensava,
não posso ter sido tão tola. Ainda estava com ela? Todo o tempo que
passei com ele, e ele ainda estava com ela? Queria ser uma dessas
garotas que se enchem de raiva, dessas que não sentem a traição ou a
Página 268
dor. Mas eu não podia. Senti até a última gota com uma claridade
dolorosa.
Virou o rosto para a Nicole e disse: Pegue dela. — Ela sorriu,
quase deslizando se aproximou de mim. Collin a olhou fazer o que ele
tinha ordenado. Seus olhos carmesins riscavam seu corpo enquanto ela
se movia na escuridão. Nicole parou em frente a mim, inclinando o
quadril, e ficou me olhando. Não tinha nem ideia do que estava
olhando, até que suas unhas afiadas cortaram minha pele, e rompeu a
corrente de meu colar. Meu pingente caiu em sua palma. Seus largos
dedos afiados se fecharam ao seu redor, antes de sorrir para mim.
Continuando, sem dizer uma palavra, atirou-o no centro do círculo de
sal, rindo da minha cara de surpresa. Quando o pingente bateu na
grama o solo tremeu como se estivesse vivo. Um murmúrio se estendeu
das bordas do círculo de sal, e corri para o colar. Vi com horror como se
a terra comesse o pingente, deixando um buraco negro no centro do
círculo, onde o colar desapareceu. Um calafrio se estendeu através de
meus ombros. No momento em que chegou a meu coração havia se
transformado em ódio absoluto. Ela pegou o colar de Apryl. Foi-se. Para
sempre. Minhas mãos começaram a tremer e apertei os punhos. Collin
sabia o quanto isso significava para mim. Ele pegou meu prendedor de
cabelo, e agora o colar se foi também. Fiquei congelada, incapaz de me
mover, incapaz de compreender o nível de seu ataque. Era como se
quisesse me destruir por completo.
Nicole virou para mim sorrindo, desfrutando de minha agonia. —
Obrigado pela chave, Virgem. Estávamos procurando isso. — Ela me
olhou com ar de satisfação.
Collin desviou o olhar, já não olhava só para o círculo. Olhei a
terra, e contive o fôlego. Minha mão instintivamente voou para minha
boca, afogando qualquer som que pudesse fazer. O terreno no interior
do círculo de sal formava redemoinhos lentamente, como se fosse
líquido. As margens eram brancas, rodeadas de sal, e fixas. A terra
seguia sendo sólida em nosso lado da linha de sal. Mas o outro lado
Página 269
estava se convertendo em uma mescla de terra e rocha. O redemoinho
estava ficando mais escuro com cada giro.
— O que você fez? — perguntei para Collin, minha voz se
quebrou. A incredulidade se apoderou de mim, e não pude me livrar
dela. Este era o portal. Estava aberto. Isso significava que o colar...
Minhas palavras saíram empapadas com incredulidade — Meu colar era
a chave?
Nicole riu: — Sim! Não poderíamos ter feito sem você, Virgem.
— Ela caminhou para mim, seu cabelo dourado ao redor de seu rosto —
Olhe, as razões para que este portal esteja aqui agora é por sua culpa. A
profecia tinha razão, você é a razão de que tudo vai para o inferno.
Olhei para Collin, tratando de apagar o horror de meu rosto.
Suas palavras me perseguiam, não foi algo que eu decidi, a profecia era
algo que ocorreu porque eu vivia. O pavor agitava meu estômago,
permitindo que minha agonia rasgasse através de meu corpo de uma
maneira inimaginável. O corpo de Collin ficou tenso, mas ignorou meu
olhar. Ficou olhando sem pestanejar no buraco cada vez maior. O vento
agitava seu cabelo castanho ao redor de seus olhos. Parecia um deus,
com uma camiseta negra e jeans. A terra se afundou e girou na frente
dele. O vento e a água formavam redemoinhos ao seu redor.
Os Valefar começaram falar coisas que não entendi, Collin os
incentivando, eram as palavras que se alinhavam na borda da pintura.
O redemoinho ficou mais profundo e escuro. Eu esperava que ficaria
como um espaço aberto — como o céu — mas não estava assim.
Enquanto a coisa girava e tomava forma, parecia-se cada vez mais com
a pintura. O buraco ficou mais profundo, já que as paredes passaram
de marrom a negro. À medida que o buraco se ampliava do centro para
fora, o chão se abriu e caiu, deixando descoberta uma pedra negra e
viscosa. Os únicos sons que se ouviam eram o vento e o ruído de rochas
e terra caindo no abismo. Fragmentos de cristal negro brilhante
pregavam-se às paredes. O buraco pegaria qualquer coisa que caísse
nele. Dedos teriam que lutar contra a lama escorregadia para escapar, e
Página 270
logo se conseguisse se segurar, as partes de cristal negro pontiagudos
lhe cortaria.
O vento uivava, rasgando meu rosto. Fiquei ali, aturdida, e
muito surpresa para me mover. Meus olhos se viraram para Shannon,
que me olhou suplicante. Ela queria que eu fizesse algo para me
defender.
Mas eu não sabia como. Não tinha arma, nem anel, e não havia
maneira de canalizar minha energia. Desviei o olhar, envergonhada por
não saber o que fazer, e que estivesse deixando que isto acontecesse.
Virei o olhar para Eric, que não me olhava. Não houve tempo para
considerar isso por que o vínculo me encheu com um calor abrasador.
Collin desviou seu olhar, e me olhou. Ele assentiu com a cabeça ao seu
Valefar. Movia-se em torno de mim rapidamente, e agarrou meus
braços, me levando para a borda do buraco.
Com o coração acelerado, cravei os calcanhares no chão, me
negando a ser lançada dentro. O vento açoitava o cabelo em meu rosto,
levando os suaves ruídos de um lugar distante. O ar se fez mais frio,
quando o buraco ficou mais profundo. Endireitei minhas pernas, fechei
meus joelhos, e caí no chão gritando. O Valefar olhava em silêncio.
Collin não disse nada. Se fez de desentendido dos meus gritos por
ajuda. Passou por cima do medo que penetrou em mim
A medida que me arrastaram para mais perto da borda, todos os
olhos estavam fixos em mim, ignorando o que acontecia atrás deles.
Demorou um momento para entender o que realmente estava
acontecendo. Não entendi até que vi vários brilhos de prata que eu
conhecia.
Al enviando ajuda.
Os três Martis que vi treinar com Eric no ginásio de repente
diante de mim. Os dois homens se livraram dos Valefar que me
seguravam, matando-os, enquanto uma mulher, Elena, me arrastou
para longe da borda do buraco.
Página 271
Urgentemente, me falou no ouvido, enquanto os Valefar se
davam conta de que estavam sendo atacados. —Temos que destrui-los e
fechar o poço. Se lhe colocarem lá, deve — DEVE — se matar antes que
Kreturus se apodere de você. Ele vai absorver seu poder, poder que
necessita para cumprir a profecia. Não lhe dê a oportunidade. — Ela me
empurrou para trás, me lançando uma peça de prata celestial.
Toquei minha marca com ele, e se converteu em uma só folha de
ceifador. — OH, que diabos? — por que precisava da folha do Grim
Reaper²? Sentia-se mais como um presságio, que a prata escolhesse a
forma da arma que era certa para mim. As terras que rodeavam a igreja
se converteram numa zona de guerra. Mais Martis saíram correndo das
sombras. Eric e Shannon foram liberados durante a primeira onda de
Martis. Quando liberaram Shannon, ela saltou à luta, pegando de volta
sua adaga do Valefar que lhe roubou. O cabelo de Shannon voou
violentamente, enquanto gritava depois de matar Valefar atrás de
Valefar. Meu estômago deu um nó o que me deixou doente. O cheiro de
suor e sangue se espalhava no vento. Fiquei sem saber o que fazer. Não
tinha mais remédio. Tinha que lutar, mas não podia me lançar em meio
à batalha.
Julia correu a meu lado, gritando: Lute ou morre! Se não
atrasarmos os Valefar antes que a poço se abra completamente, não
poderemos fechá-la. — Seu ágil corpo se moveu através dos Valefar,
movendo suas espadas curtas de prata como um ninja.
Fiz o que ela me disse, não porque ela tinha dito mas sim porque
tinha que fazer. Os Valefar correram para mim, tratando de me arrastar
de novo para Collin. No início, tratei de ficar atrás. Eu não queria matá-
los. Eram escravos. Não tinham outra opção, eram o que eram. Mas
quando se transformou em ou eles ou eu, movi minha arma sem
remorsos. Podia chorar mais tarde. Minha espada cortou Valefar atrás
de Valefar. Havia um número interminável deles. Eles simplesmente
continuavam chegando. O grito de Eric chamou minha atenção. Ele
Página 272
estava fazendo seu caminho para Collin, que lutava com Elena ao lado
do poço. Collin e Elena pareciam muito igualados.
Prata brilhou contra o céu tinto. Um Martis gritou, como se um
Valefar sugasse sua alma. O grito perfurou minhas orelhas e me fez
perder a concentração, já que me revirou o estômago. Meus músculos
tremiam, revivendo o momento de meu beijo demônio com Jake. A dor
era tão intensa que um Valefar quase me pegou. No último segundo,
girei meu braço e minha espada rasgou sua garganta.
Pouco a pouco, me dava conta que estava dando um passo para
Collin. A raiva que me enchia era por causa dele. Sua traição era pior
que qualquer coisa que já tivesse experimentado. Não pude conter
minha dor. Ataquei, lhe arrancando a carne do osso, sem me incomodar
em enterrar minha espada na carne do Valefar para me assegurar de
sua morte. Eles gritaram, enquanto deixava uma esteira de sangue e
gritos atrás de mim. Tinha que chegar a ele antes de Eric. Isto tinha que
terminar agora, e eu sabia como fazer. Elena me disse que se eu
morresse não poderiam me usar mais. Meu instinto me disse que eu
não ia sobreviver de todo jeito. Enquanto cortava através de mais dois
Valefar, sabia que nunca deixariam de vir me procurar. Sabia que me
custaria cada pessoa que amava. Eles nunca parariam. Essa criatura
na fossa me queria. Tinha que me jogar no poço, e perfurar meu
coração com minha prata. O sangue de demônio em meu corpo não me
permitiria viver com a prata celestial enfiada em meu coração. Me
mataria. Essa era a única maneira de terminar isto e me assegurar de
que todas as coisas que tinha visto nunca acontecessem.
A mórbida determinação me impulsionou através da multidão.
Mais gritos surgiram ao meu redor, quando Martis foram drenados de
suas almas. Isto me gelou, mas me mantive em movimento. Minha
decisão se solidificou, à medida que o significado da profecia surgiu em
minha cabeça. Senti-me segura. Todo este tempo, isto era o que tinha
que fazer. Aqui é onde se cumpria meu destino.
Página 273
Olhei para o poço. As pedras pontudas brilhavam contra as
paredes negras e lisas. A falta de luz da lua não a fez menos aterradora.
O buraco era um portal para o inferno.
Cada passo que dava ia em direção a Collin, minha
determinação era maior. Apertei minha arma, sem me dar conta do
sangue em minhas mãos, não sentindo o vento cortando meu rosto.
Este era meu destino. Tinha que lutar. Tinha que derrotar Collin
Smith. Quando me aproximei dele, seus olhos se cravaram em minha
figura em movimento. Eles tinham a tristeza familiar que via cada vez
que ele revelava algo sobre seu passado. Mas agora sabia que não era
dor, era uma mentira. Ele planejou isto. Eu caminhei diretamente para
ele. Com cada passo, um novo pensamento voava através de minha
mente, me convencendo de que estava equivocada a respeito dele… que
ele estava além da redenção.
Confiei nele. Me fez pensar que me amava. Era tão fácil acreditar
nele. Eric se dirigiu para mim, mas não me importei, perdida em meus
próprios pensamentos. Cortei o Valefar diante de mim em dois golpes.
Seu sangue se derramou sobre minhas mãos, e me afastei o deixando
gritando.
As criaturas sem alma não podem amar. Collin não me amava.
O único verdadeiro pedaço de alma que tinha agora era meu. O ódio
queimou através de mim, me fazendo sentir invencível. Odiava que
tivesse um pedaço de mim dentro dele. Era um pedaço que ofereci
voluntariamente para salvar sua vida. Estava vinculada a ele com uma
intimidade que não podia aceitar. Não agora. Senti o aguilhão de minha
ingenuidade, enquanto minha espada se chocava com outro Valefar.
Três se moveram em torno de mim. A ira ondulou em meus olhos. Não
tinha nenhuma dúvida de que estavam completamente vermelhos, pois
estava consumida pela sede de sangue. Me movi rapidamente,
derrubando-os. Durante todo este tempo, Collin disse que criei o
vínculo, e que pus o vínculo entre nós.
Página 274
Bati outro Valefar no rosto, e segui caminhando. Era uma
imbecil, e escolhi mal. De novo. Tudo o que pensava de Collin estava
errado. Não era como se tivesse escolhido ser um bad boy — ele não era
um bad boy — era um Valefar. Me usou, me manipulou de todas as
formas possíveis. Meus olhos ardiam com intensidade, fixos em Collin.
Sabia que ele podia ouvir meus pensamentos. Bem. Eu ia por ele. Ia
matá-lo.
Eric gritou atrás de mim outra vez. — Sua ira! Livre-se dela, Ivy!
Controle-se!
Registrei finalmente suas palavras. Parei, girando para olhá-lo
enquanto ele lutava com um Valefar. Seu corpo se lançou enquanto
lutava; fatiando o Valefar, mas outros ocuparam seu lugar.
Voltei minha atenção a Collin. Não sabia do que Eric estava
falando. Por que deveria conter minha raiva? Estávamos no meio de um
campo de batalha, lutando até a morte.
Foi então quando o vi. Levantando minha espada diante de
meus olhos, vi que a prata estava resplandecendo de um branco
brilhante. Olhei para ela fixamente, mas isso não foi o que me fez me
parar. Foi meu reflexo. Pude vê-lo na lâmina. A lâmina resplandecente
iluminou meu rosto, deixando descoberto olhos furiosos como dois
poços de um vermelho profundo. Pude ver que as pontas dos meus
cabelos estavam brilhando. Elas se iluminavam como se fossem
labaredas vermelhas que não queimavam. Meu cabelo tinha se soltado
de meu rabo-de-cavalo e açoitava meu rosto. Não tinha ideia que estava
envolta em chamas vermelhas. Não podia sentir o calor. Nem queimava
nem saia fumaça. Só estava ali, mostrando minha raiva de uma
maneira única para mim… a Da Profecia.
Respirei profundamente, sem saber o que aquilo significava.
Meu coração trovejou, bombeando sangue através de meu corpo,
enquanto meus músculos se flexionavam. Afastei a lâmina para longe
de mim, para que assim não pudesse ver meu reflexo e me perguntei se
isto importava. Controlar minha raiva? Minha raiva estava fazendo isto?
Página 275
O grito de Elena rompeu meus pensamentos. Tinha estado
lutando todo o tempo com Collin, aguentando por sua conta. Sabia que
Eric a treinou, por isso era boa. Quando me voltei, vi seu corpo
afrouxar-se à medida que caía mais à frente da borda do poço e no
abismo abaixo. O sangue corria pelo braço direito de Collin, onde sua
arma tinha atravessado a pele. Isso me incitou a continuar.
Esquecendo rapidamente a advertência de Eric, e permitindo que a
raiva me consumisse. Não podia contê-la. Parei em frente a ele, fora de
seu alcance. O ódio fluía através de mim como fogo. Não reconheci
minha própria voz quando falei com ele:
— Uma vida por uma vida. Um coração por um coração. Uma
alma por uma alma. Tomou todas essas coisas de mim, e agora vou
pegá-las de volta.
Antes que terminasse de falar, antes que minhas palavras
tivessem tempo de assentar-se, impulsionei minha lâmina para seu
peito, esperando que perfurasse sua carne. Mas, chocou-se com sua
faca Brim Stone com um ruído metálico. Os olhos de Collin estavam
totalmente abertos. — Ivy, pare! Não é o que pensa. — Não me atacou
com sua espada. Só a bloqueou.
Tentei de novo, e ele bloqueou. Outro grito perfurou a noite.
Reprimi um calafrio que enviou uma sensação gelada por minhas
costas ao ouvir o som de um Martis sendo beijado por demônio.
Aspirando ar, continuei avançando para ele. Empurrei minha lâmina
para seu corpo, com o objetivo de alcançar pontos que fossem
vulneráveis, mas não encontrei nenhum. — Deixa de mentir! — gritei.
Ataquei novamente, só para sentir minha espada se chocando com a
sua — Perdi tudo por sua culpa!
Com cada gama de fúria dava o meu golpe seguinte. Sabia que ia
fazer contato. Sabia que ia ser sua morte. Poria fim às mentiras, a dor,
e ao olhar em seus olhos; o olhar que me fez acreditar nele quando
disse que me amava. Girou bruscamente no último instante. A lâmina
caiu fortemente, errando seu torso, mas atravessando seu braço. Com a
Página 276
mão tremendo deixou cair à faca, enquanto sangue fluía por cima de
seu braço. Dei uma patada na lâmina negra para a fossa. Esta golpeou
o flanco, fazendo ruído, à medida que caía no esquecimento. A raiva
encheu meu peito. Aspirei ar, e levantei minha arma sobre minha
cabeça, enquanto o vento açoitava meu cabelo em chamas vermelhas.
Fúria e poder fluíam através de mim, adormecendo tudo exceto a
vingança que tão desesperadamente precisava. Collin caiu de joelhos,
levantando uma mão sobre sua cabeça, quando estava a ponto de
acabar com sua vida. Apanhado entre seus dedos pálidos sustentou
algo para que eu pegasse. Algo que queria. Algo que nunca pensei que
voltaria a ver. O prendedor de cabelo de prata de Apryl resplandeceu na
escuridão, enquanto ele o sustentava para mim.
Duvidei. Seu gesto me confundiu, me fazendo vacilar. Fiquei ali
preparada para atacar, mas não me movi. Se ele tinha o prendedor de
cabelo, podia lutar. Mas não lutou. Entregou-se. Certa de que estava
pensando muito nisto, alcancei o prendedor, com a intenção de
arrancar de suas mãos. Mas quando estendi a mão, sua outra mão
voou em alto e me pegou pelo braço. Ele ficou de pé, me segurando
contra ele. Olhando para mim, seu peito se inchou com respirações
irregulares. Um grito saiu de meus pulmões, quando tentei sair de seu
controle. Tratei de me retorcer para longe dele, com tudo o que pude.
Mas, ele não me soltava. Antes que me desse conta do que estava
acontecendo, a cálida sensação gerada pelo vínculo disparou. Voltou
para a vida injetando imagens, lembranças e emoções dentro de mim.
Fiquei paralisada ali, com ele, segurando com força meu antebraço.
Estava me obrigando voltar a reviver uma de suas lembranças.
Caí diante da lembrança, e um grito dilacerador veio de algum lugar à
distância. Collin correu para o som, sem encontrar à garota que gritava.
Havia muitas árvores. Ela não estava onde se supunha que devia estar.
Seu coração pulsava com violência, ameaçando rasgar seu peito. Seus
pés esmagaram a terra, e a terra voou pelos ares, enquanto corria. A
ansiedade o consumia completamente. Reprimiu seu medo, mas seguiu
Página 277
tratando de alcançar a superfície enquanto corria. Pensou que era
muito tarde. Enquanto corria para o claro, seu estômago deu um
tombo. Ele encontrou a garota que estava procurando.
Seu corpo pálido jazia sem vida nos braços de Jake, enquanto
que seus lábios pressionavam o dela, despojando sua alma de seu
corpo. A garota era eu.
Meus olhos se fecharam e soube que foi quando a luz dourada
ia. Collin a viu derramando no chão como um atoleiro de ouro líquido.
Um matagal de emoções disparou através de seu corpo, medo, terror,
ira, vingança — mas nunca desacelerou. Seu corpo se chocou contra
Jake, afastando para longe de mim. O corpo de Jake voou pelo ar. Sua
cabeça bateu numa árvore em um forte rangido, e seu corpo caiu no
chão, imóvel. Se não fosse um Valefar, o impacto o teria matado. Nesse
momento na lembrança, tratei de me afastar e romper o controle de
Collin. Não queria ver isto, mas o vínculo me sustentava com força —
Collin me sustentava com força, me obrigando a reviver o resto de sua
lembrança. À medida que continuava, Collin viu meu corpo destroçado,
enquanto jazia ainda na terra naquela noite. Meu peito não subia ou
baixava. Deslizou seus dedos com cuidado debaixo de meu pescoço.
Seus braços fortes tremiam, enquanto me levava em seu colo. Meu
corpo estava inerte. Não respondia. Não chorava. Não havia nenhuma
expressão em meus lábios.
Apoiou sua fronte na minha e sussurrou — Não. Não. Ivy... —
Sustentou-me em seu colo, mas não respondi. Meu rosto estava pálido,
e frio além de toda possibilidade. Imagens de sua esposa passaram
através da lembrança, rostos cinzentos e fogueiras funerárias. Seu
intestino se retorceu em resposta, apavorado. A lembrança de minha
risada, meu sorriso se desvanecia dentro e fora, tão rápido quanto um
raio brilhando no céu noturno. A alegria que o fazia sentir o atravessou
e desapareceu. Deu-se conta que a morte já tinha sido feita por
procuração para mim. A agitação em seu interior ameaçou rasgando.
Página 278
Em sua mente, pude sentir que tomou uma decisão que lhe doía,
embora não sabia por que.
As lágrimas corriam por seu rosto, enquanto tomava sua lâmina
negra e cortava seu dedo polegar. Sangue escarlate brotou de seu corte.
Esfregou o sangue em minha marca… sangue de demônio. Minha
marca o absorveu, queimando de um vermelho brilhante, e logo
retornando ao azul pálido. As palavras ressonaram na lembrança:
Sinto muito Ivy. Não há nenhuma outra maneira. — Seu dedo talhado
tocou meus lábios, à medida que o sangue escarlate fluiu em minha
boca. Vi a lembrança, sentindo o mesmo horror que se arrastou pelo
corpo inclinado de Collin. Foi ele quem me deu sangue de demônio. OH,
Meu deus!
Mas a lembrança continuou. Ele ainda não tinha terminado.
Depois que o sangue entrou em minha boca, seus lábios vieram abaixo
em meus, brandamente, gentilmente. Seus lábios levaram o beijo que
sempre quis, mas nunca pôde ter. O resultado salvou minha vida, e me
condenou ao mesmo tempo. Podia sentir seus pensamentos. O sangue
de demônio concedia o poder para sustentar a vida sem uma alma. Me
permitiria viver, inclusive se grande parte de minha alma fosse tomada.
Entretanto, corria o risco de me converter em Valefar se me desse
apenas o sangue. Assim não o fez.
Algo dentro de Collin gritou, enquanto seus lábios pressionaram
os meus. Parte de sua alma poluída se rompeu, e uma parte fluiu para
meu corpo, com a esperança de que não me convertesse em Valefar.
Esperava que o sangue angelical Martis se aderisse a seu pedaço de
alma podre e me curasse. Tomou seu dedo polegar, estendendo-o sobre
meus lábios enquanto retrocedia, usando seu sangue para selar sua
alma dentro de mim. Viu meu rosto. Esperando. Sua mão brandamente
limparam as lágrimas de minhas bochechas, e colocou um cacho atrás
de minha orelha. Em silêncio, sustentou-me à espera e com esperança.
Tantos pensamentos voaram através de sua mente, mas se
Página 279
confundiram. O único pensamento coerente que escutei misturado
entre o arrependimento foi: Volta pra mim Ivy.
Volta pra mim. Sustentou-me em seus braços, acariciando meu
cabelo. O terror e o remorso o consumiam.
Meus olhos revoaram até abrir, olhando-o fixamente. O alívio se
deslizou através dele. Toda a raiva acesa se foi. Seus olhos azuis não
deixaram meu rosto. Sua mente roçou a minha, enquanto me
assegurava: — Está a salvo.
Já não podia seguir vendo a lembrança. Dei um grito afogado,
me afastando dele. O vínculo me soltou. Estava fora da lembrança e
imóvel ali, diante dele com a boca aberta… tremendo, e ainda
enfurecida. Sabia que o vínculo somente poderia mostrar a verdade. Os
olhos de Collin eram do mesmo vibrante azul irreal que vi depois do
ataque. Já não eram de cor vermelha, com sede de sangue. Ofegando,
me afastei dele. Minha voz era um sussurro chocado: — Foi você? Você
me salvou na noite que Jake me atacou? Estava ali? — Minha mão
segurou minha garganta. Mal podia respirar.
Ele assentiu com a cabeça. — Sim, mas é minha culpa. Tudo
isto é minha culpa. Pedi a Jake que te vigiasse, suspeitando que tivesse
mudado. Podia sentir que era iminente, o aroma do seu sangue
combinado com seu sofrimento, era matéria prima para os Martis. Não
foi um golpe de sorte que ele te encontrou. Levei-o até você. Supunha-se
que ele devia te proteger, mas essa nunca foi sua intenção. Me traiu, e
tratou de tomar seu poder para si mesmo. Ivy, eu sou a razão pela qual
foi atacada. Sou a razão de por que está poluída. Sou o único que te
mudou de ser Martis. Foi minha culpa. Tudo isso. — Fez uma pausa,
incapaz de me olhar — Não podia te perder. Não quando podia te salvar.
E não queria que te vinculasse a mim. Já disse isso a você. Queria tudo
de você, sem obstáculos. — Sorriu fracamente — Sabia que Jake tinha
drenado sua alma, e que não tinha restado nada. Todos os seres vivos
devem ter alma suficiente para mantê-los. Devolvi seu último pedaço de
alma, a que estava drenada no chão quando joguei Jake longe de você,
Página 280
mas não funcionou. Não voltaria para você uma vez que estivesse livre,
assim tomei e a combinei com um pedaço da minha. Minha parte de
alma podre não foi suficiente para me liberar de ser um Valefar, mas
quando a combinei com o último fragmento de sua alma; foi suficiente
para restabelecer sua vida. Utilizei meu sangue para selá-la dentro de
você, mas meu sangue te trocou… Suspirou, empurrando seu cabelo
fora de seu rosto e me olhando nos olhos. — Quando te deixei aquela
noite, pensei que estava bem. Sua marca ainda era azul e Eric estava
com você. Pensei que estaria bem. Só quando vi que sua marca tinha se
tornado vermelha, soube o que aconteceu. Sou a razão por que é a da
Profecia. A culpa é minha. — ficou ali, me olhando.
Minhas emoções eram tão selvagens que não tinha ideia de como
me sentia. Sabia que o vínculo não podia mentir. E acreditava em suas
palavras. Mas algo ainda estava desconjurado. Disse — Então, por que
abriu o portal? Por que vai me sacrificar? — Meus punhos agarravam
minha arma com tanta força que minha mão tremia.
Negou com a cabeça. — Não estava fazendo. Uma vez que vi que
estava poluída, tratei de fazer fracassar a profecia. Te ensinei a usar
seus poderes Valefar e começou a fazer coisas que nunca antes tinha
visto. Coisas que não formavam parte da profecia. Pensei que a
rebateria, e talvez a profecia mudasse de rumo, como esperava. Mas
não foi assim. Simplesmente seguia avançando para este portal aberto.
Os Valefar ainda estavam te buscando, a pintura, e a chave. Eles não
parariam até ter os três. Vi a chave ao redor de seu pescoço na igreja.
— Tragou duramente, olhando ao seu redor rapidamente para briga, e
logo para mim — Sabia que tínhamos os três. Disse-lhes que abrissem o
portal.
A raiva disparou através de mim. — Como pôde fazer isso
comigo?
Levantou as mãos, falando com calma sobre meus gritos. — Ivy,
fiz um pacto com o Kreturus.
— Eu sei! — gritei de volta.
Página 281
— Não, não sabe – disse — Disse-lhe que a traria para dar a ele
a Marca Púrpura. Mas ele não sabe que é você. — Seus olhos se
encontraram com os meus, meio esperando que o entendesse, mas
também esperando que não o fizesse. Podia senti-lo através do vínculo.
— Se não estava me entregando a ele, então...? — No que estava
pensando?
Um sorriso se desenhou em seu rosto, e disse: Ivy. Minha
marca é de cor púrpura, também. Estou tomando seu lugar. — Fiquei
boquiaberta, enquanto o olhava horrorizada. Esse era seu plano?
Esboçou um sorriso, dando um pequeno passo para trás. —
Como disse: uma vida por uma vida. Falhei em te proteger na noite em
que foi atacada. — Seus olhos azuis me perfuraram enquanto seus pés
se arrastavam lentamente para trás — Cheguei muito tarde. E não
posso recompensar o que te fiz. Não posso mudar. — Deu um passo
atrás, pela última vez. Seus olhos estavam cheios de remorso — Não
vou falhar agora. — Estava na borda do círculo de sal antes de me dar
conta. Estava muito aturdida ali para me mover, sem acreditar
realmente no que estava acontecendo.
Ele me salvou. Amaldiçoou-me. E eu o troquei para vermelho.
Era um louco como eu, inclusive se não tivesse meus poderes. Já não
encaixava em nenhuma parte, tampouco… era um Valefar com parte de
uma alma Martis. Neguei com a cabeça dando um passo para ele, ainda
sem me dar conta do que estava a ponto de fazer. Collin me olhou uma
última vez. Seus olhos nunca deixaram meus. — Eu te amo, Ivy Taylor.
— Respirou fundo, virou de costas para mim, e lançou seu corpo no
poço.
O medo me atravessou à medida que gritava: Collin! —
Vendo-o cair. Todo o fôlego saiu de meu corpo, à medida que me
equilibrei sobre ele. A terra chocou comigo enquanto meu braço saiu
disparado, passando muito perto de sua mão. A angústia se levantou do
fundo de meu ser, enquanto gritava, sem poder fazer nada, vendo-o cair
para sua morte no interior do poço escuro. Os soluços surgiram mais
Página 282
profundamente. Fiquei estendida na borda, meio pendurada no poço,
com a visão imprecisa pelas lágrimas, e incapaz de aceitar o que
aconteceu.
Sacrificou-se por mim… tomou meu lugar
Página 283
Capitulo 32
O sacrifício de Collin mudou a batalha a favor dos Martis.
Os Valefar restantes se dispersaram na noite, depois de ver a
queda de Collin no abismo. Eles pensaram que eu o derrotei. Pensaram
que o joguei dentro, apesar de não ter feito. Não importava o que
realmente tinha acontecido, não depois de ver a garota de cabelo em
chamas matar a todos que ficavam em seu caminho. Tinham medo de
mim.
O vento uivava, enquanto balançava o cabelo sobre minha
cabeça, e me segurei na borda do poço. Os extremos já não brilhavam
com uma chama falsa. Fiquei olhando fixamente para o poço, sem ver
nada, apenas sem respirar. Os braços de Shannon me puseram em pé,
me arrastando longe da borda. Eu permiti. Estava muito fraca para
protestar, ou pensar se quisesse.
A confusa impressão reverberou através de mim em um
incessante fluxo, enquanto observava o aumento de poder do portal.
Mais terra desapareceu enquanto a borda se fez ainda mais
ampla, empurrando a borda do círculo de sal. Estava completo. O portal
estava aberto. O solo agitando-se e reverberando tão alto que podia
sentir as vibrações através de meus sapatos. Julia correu para nós,
uma expressão grave em seu rosto de boneca de porcelana cheio de
pânico. Os outros Martis, incluindo Al, colocaram-se rapidamente atrás
dela. O poço emitiu um débil resplendor sobre seus rostos da linha de
sal iluminado.
Al girou enquanto ela entrava no portal.
— Temos que selá-lo bem.
Página 284
As mãos de Julia voaram freneticamente através do ar enquanto
falava:
— Não podemos fazer isso. Sabia que isto aconteceria! O portal
não se fechará agora. Alcançou seu tamanho completo. Só um Valefar
pode fechá-lo.
— Entretanto, não podemos fechá-lo ainda. — Minha voz chiava
com a confusão — Collin... Collin retornará. — Meus olhos estavam
muito abertos e sem pestanejar, enquanto me voltava lentamente para
Al, queria que ela estivesse de acordo comigo. Mas ela negou com a
cabeça.
— Não pôde ter sobrevivido a isso, Ivy. Ele sabia o que estava
fazendo antes de se jogar. Salvou você.
A voz de Julia, presa ao pânico, interrompeu não me deixando
nenhum segundo para processar nada. — Se não o selarmos logo,
começarão a sair. Como podemos fechar o portal, se ela não for fazer?
Aturdida, olhei seu rosto preocupado.
O que sairá? Seus olhos castanhos estavam completamente
abertos, tensos, e preparados para ter um ataque de pânico de tamanho
nuclear. O que a tinha assustado tanto? Kreturus não foi convocado, ou
já estaria aqui. Assim por que estava ficando louca?
A mão de Shannon foi para meu braço.
— Não podemos salvá-lo. Por você, faria tudo. Mas se não
fecharmos isto, Deus sabe o que sairá.
— O que? — perguntei, sem entender. Sacudi a cabeça e os olhei
fixamente. O vento e o frio golpeavam meu corpo, mas eu não sentia.
Julia apertou os dentes, me espetando: — Você sabe o que sairá! E
sabia. Em meu interior, sabia o que estava ali. Era uma porta de
entrada para o inferno. Essas coisas que tinha visto em minhas visões:
os demônios servidores que estavam ali abaixo. Esperando. Apanhados.
Queriam sua liberdade tanto quanto Collin queria a sua. Se
havia uma saída, eles a pegariam, não importando o risco.
Al veio atrás de mim.
Página 285
— Sabe o que tem que fazer garota. Faça antes que seja muito
tarde. É a única que pode fechar.
As lágrimas fluíram livremente por minhas bochechas geladas.
— Está certa de que não há maneira de que esteja... Não é possível que
ele tenha sobrevivido, verdade? — O desespero era tão transparente,
que inclusive Julia notou.
Julia deixou cair seus braços.
— É possível. Entretanto, Ivy, não é provável. Se a queda não o
matou, Kreturus o fez.
Não acreditei que quisesse ser cruel, mas meu lábio inferior
tremeu involuntariamente. Mordi meu lábio para mantê-lo quieto. Não
podia pensar. Por que estavam me olhando?
— Eu não sei como fazer.
Al disse:
— A magia negra abriu a fossa; tem que ser a mesma magia para
fechá-la. Magia Valefar.
Os pensamentos começaram a correr por minha mente. Era
muito. Isto era muito horrível. Durante todo este tempo ele esteve me
protegendo, tratando de fazer com que profecia mudasse de rumo.
Então, se jogou na fossa. Salvou-me duas vezes. O que aconteceria se
ainda estivesse vivo? O deixaria trancado dentro da fossa. Seria pior
que enterrá-lo vivo.
Meu estômago se retorceu em nós e ameaçou se destruir.
Tragando saliva, olhei ao redor, sem saber o que fazer. Meus olhos se
mantiveram fixos na borda ligeiramente iluminada. Uma estranha
sombra se movia pelas paredes enegrecidas. Os emplastros de lodo
adquiriram um brilho estranho sob a luz, quase tomando forma. Meu
coração disparou, enquanto corria até a borda, caindo sobre meus
joelhos. Algo se movia. Gritei para baixo:
— Collin?
O som de uma voz era como o borbulhar de cascalho:
Página 286
— Não. Não sou ele. — Meu estômago se retorceu, quando
reconheci a voz do demônio. Era um dos demônios de minha visão. Meu
coração se acelerou, enquanto olhava de cima da borda. Um movimento
fez com que meus olhos saltassem para diferentes lugares na parede, e
logo às profundidades do poço.
— Demônios! Os demônios estão saindo! — gritei me afastando
da borda.
Desesperadamente, apressei-me, me afastando com meu coração
pulsando em meus ouvidos. Essas coisas me aterrorizavam. Eles eram
a realidade de minhas visões. Não queria ser a garota em que me
converteria. Lutando contra o terror crescente em meu interior, olhei
para os outros. Estavam impotentes, mas nenhum deles estava
chorando como eu estava fazendo. As lágrimas corriam por meu rosto.
Eu era a única estúpida o suficiente para amar um Valefar.
Eric correu até a borda confirmando para os outros o que vi.
Estava gritando:
— Temos que selar o poço! Agora!
Aterrorizada, só podia pensar. A única coisa que sabia era que
não queria ter nada que ver com a criatura negra coberta de lodo
escuro, seus olhos vermelhos brilhantes, e sua voz rouca. E nunca
quereria conhecer seu professor. Nunca. Apesar de Collin ter tomado
meu lugar, isto não tinha terminado ainda.
— O que devo fazer? — perguntei. Meu corpo se sentia
congelado, enquanto o vento me gelava até a medula. Julia sacudiu a
cabeça, murmurando em voz baixa em italiano.
Al disse:
— Faça o que aprendeu. É uma parte Valefar. Tem que ver se é
suficiente. Chama à escuridão para selá-los dentro.
— A escuridão — perguntei, sem saber a que se referia. Al
assentiu com a cabeça. Os outros Martis começaram a retroceder. Eles
tinham me olhado sem realmente se dar conta do que eu era antes, mas
Página 287
agora viam. Era meio Valefar. Era seu inimigo. Pouco a pouco se
afastaram, mostrando fisicamente quão sozinha estava realmente.
Gritei, sabendo que precisava dele.
— Eric. Não vá. — Ele assentiu com a cabeça, permanecendo
perto de mim. Com meus lábios apertados, sufoquei um soluço, e
centrei toda minha atenção no anel de rubi. Ordenei às sombras que
viessem para mim, mas não aconteceu nada. A noite era escura. A
tênue luz do anel de sal não era suficientemente brilhante para emitir
sequer uma pequena sombra, e eu precisava de uma grande fonte de
iluminação. Meus olhos escanearam a área em busca de uma sombra,
para nada, não havia nada. As granjas estavam envoltas na escuridão.
— O que você quer? — perguntou Al, imediatamente percebendo
a expressão de meu rosto.
—Não há sombras. Preciso de uma grande sombra, mas não há
nenhuma. — Virei para a irmã Al — Não posso chamar sombras se não
houver nenhuma para ser chamada.
Antes que pudesse dizer mais alguma coisa, Eric tinha
conjurado a esfera de luz em sua mão. Brilhava com uma cor azul
tênue. — Isto ajudará? —perguntou.
Neguei com a cabeça.
— É muito fraca. A única coisa que fará uma sombra bastante
grande é o edifício da igreja.
Fechando os olhos, curvou as mãos. A esfera começou a crescer.
O círculo de luz rapidamente superou o tamanho da palma de sua mão,
e flutuou para cima como se fosse um globo. Projetando uma luz azul
desde Eric, enquanto o suor gotejava de suas têmporas.
Julia exclamou:
— Não sabia que ele podia fazer isso. — Seus olhos estavam
muito abertos, enquanto o observava. Alguns Martis murmuravam que
não podiam chamar tanta luz, e se perguntavam como ele estava
fazendo.
Página 288
As sombras se estenderam do edifício de pedra, formando uma
silhueta da igreja no chão. Quando a luz de Eric se fez maior, a sombra
aumentou de tamanho e de claridade. Estendendo a mão para a
escuridão, conectei meu Valefar interior, e chamei à sombra dentro de
mim. Nunca tinha chamado algo tão grande. Era do tamanho de um
edifício, e sabia que teria que viajar através de mim para ser de alguma
utilidade. A ideia me repugnava, mas não tinha escolha.
A sombra obedeceu e fluiu através de meu corpo. Era como se
dedos gelados estivessem acariciando minha alma. Estremeci tratando
de sustentá-la, o frio fazendo estragos em meu corpo. Fisicamente
estremeci, tentando mantê-la dentro. Pela extremidade do olho, vi o
rosto tenso de Eric. A irmã Al tremia enquanto olhava a borda do poço.
Alguns dos demônios estavam perto da borda. Senti o fluxo da sombra
sair de mim e se dirigir para o buraco para enchê-lo, mas algo estava
errado. Começou a fluir para o poço como água, chapinhando pelos
lados. Não afetando em nada aos demônios. — É isso suficiente? Ou
pode ao menos mantê-los a distancia? — perguntei, ofegando.
Julia se pôs a rir como louca.
— Mantê-los a distancia? Trata-se de um buraco para o inferno.
Não. Não terá que mantê-los a distancia. Eles querem sair.
Realmente não gostava. Tremendo, mantive a sombra no lugar,
sem entender por que não estava funcionando. A sombra tinha que ser
suficientemente grande. Mas, não selaria a parte superior.
Simplesmente fluíam para baixo pelas paredes.
Eric me olhou fixamente, e disse:
— Usaram a chave para abrir o portal, não é? Talvez não seja
abrir o portal com a chave, a não ser mantê-lo aberto com ela.
Assenti, estando de acordo. Mas nem sequer podia ver a chave
para saber se sua ideia era verdade. Tremendo, pude sentir meu corpo
querendo se desdobrar.
A voz frenética me trouxe de volta.
Página 289
— Os demônios estão muito perto da borda. Vamos tratar de
empurrar eles de volta. Mantenham suas posições. Faça o que faça não
pare!
Observei quando um demônio escalou aproximando-se da borda
do poço. Tinha a figura deformada dos demônios em minha visão. Seus
olhos ardiam de cor vermelha, e sua pele era negra. Arrastava-se até a
borda do buraco, como escuridão arrastando-se de sua tumba. O
demônio se aproximava da borda, pouco a pouco subindo pelas paredes
escorregadias com seus dedos com garras. Uma serpente como uma
língua, sobressaía-me de sua cara de réptil, enquanto se detinha perto
da borda.
— Minha Rainha. Libertou-nos. — Sua língua serpenteou, e
piscou seus olhos em chamas — Uma vida por uma vida. — Seus olhos
se viam ocos, e então piscaram de novo para mim. Seu fôlego cheirava a
repolho.
— Pode voltar de onde veio — lhe disse, tratando de parecer
mais segura do que me sentia. Gotas de suor escorriam por minhas
costas. Sua língua molhou seu outro olho, e logo se deslizou em sua
boca.
— Nos servirá, não importa se aceitar hoje ou lhe forçamos. Não
tem escolha. — Meu coração pulsou rapidamente. O corte em minha
bochecha ardia. Esquecendo-me disso, procurei no mais profundo de
mim, e tirei até a última gota de força que ficava tratando de possuir a
enorme sombra. O demônio se deslizou vários metros para trás, e me
mostrou os dentes. Eram várias filas que pareciam facas de cozinha.
Algumas de suas comidas anteriores ainda estavam presas nas
brechas. — Ivy Taylor será rainha! — Estremeci quando essa coisa disse
meu nome, lutando contra todo instinto de fugir.
Olhando para o grupo de Martis, perguntei o que estava
tomando tanto tempo. Eric evocou luz em uma enorme esfera em
questão de segundos, mas apesar dos muitos que existiam não tinham
luz suficiente para fazer um farol. Meu coração se agitou. Não podia
Página 290
evocar luz para empurrar essa coisa para baixo. E isso me queria. Senti
meu rosto fazer uma careta enquanto o olhava, e não pude ocultar meu
desgosto.
Sua voz me fez pensar que estava alucinando. — Ivy Taylor não
será rainha hoje. — Jenna Enjoe, vestida de um rosa sólido, aproximou-
se do meu lado como se estivesse em um piquenique.
Frenética, disse:
— Jenna Enjoe! Corre! Foge daqui! Agora! — Fiz um grande
esforço, enfraquecendo sob a enorme sombra pesada. Jenna pôs sua
mão sobre meu ombro. Logo ficou de pé ao meu lado. Insisti-lhe — Não
pode ficar aqui! Veja! Vão te matar! — gritei, mas ela não me deu
atenção. Não me fez conta!
— Ivy, se acalme — disse — Vamos enviar estas coisas de volta
para onde vieram. — Sorriu com seus lábios cor de rosa, e tirou um
anel de prata de seu dedo. A marca azul imediatamente apareceu
resplandecente por cima de sua fronte. Fiquei boquiaberta. Ela era uma
Martis! Por que diabos todos ao meu redor eram Martis ou Valefar!
Fulminei-a com o olhar. Ela não me deu atenção, estando ainda
agradável e alegre — Olá, Althea! Quanto tempo sem te ver! — Jogou
seu poder em uma esfera com pouca luz. Quando Jenna acrescentou
sua esfera de luz ao resto, foi suficiente. As esferas se deslizaram dentro
da fossa, iluminando os horrores de baixo.
Os demônios se seguraram às paredes do poço como baratas,
arrastando-se rapidamente para o topo. Quando a luz passou por cima
deles, alguns se deslizaram para baixo, enquanto outros perderam seu
agarre e caíram. Isso nos garantiu uns minutos.
Gritei para Eric:
— Vou tratar de conseguir a chave. Não importa o que
acontecer, não parem. Têm que manter a luz onde está ou vou perder o
controle da sombra.
Eric assentiu com a cabeça, mostrando-se preocupado. — Ivy,
como está… Sua sentença foi apagada enquanto me olhava.
Página 291
Pressionando meu dedo no anel de rubi, mantive a sombra em
seu lugar. Deixou-me sem fôlego manter algo tão grande durante tanto
tempo, mas sabia que tinha que conseguir a chave, ou que tudo seria
em vão. Antes tinha trabalhado com uma pessoa. Agora esperava que
pudesse fazer com um objeto. Esfreguei a pedra de rubi me
concentrando nas peônias de marfim rodeadas pelo disco negro e
brilhante. Vi a cadeia negra sustentando o pendente no oco de minha
garganta. Quase podia sentir a suavidade da pedra negra na parte de
atrás do pingente em minha mão.
Estendi minha mão, sentindo-o em minha mente. Através das
sombras, e o reluzente asfalto no poço, eu o vi na parede da parte
superior de um aro. Tragando com dificuldade, me concentrei. O frio
cadáver, como dedos da sombra eu não gostava das chamas lambendo
meu estômago, enquanto materializava o pingente em minha mão. As
sombras trataram de retroceder quando as chamas percorreram meu
corpo, mas lutei para mantê-las.
Gritei quando as duas manifestações do mal lutaram dentro de
mim, mas não as liberei. Eram escravos, como todos os Valefar, e
tinham que fazer o que lhes dissessem. Mandei que o colar aparecesse
em minha palma. Enquanto que sentia ser queimada viva e consumida
pelo gelo da morte cobrindo meu corpo, dobrei-me em dois, agarrando
meu estômago. Combinava coisas que não queriam ir da mão, formando
uma nova classe de tortura. Fechei os olhos tão forte como foi possível,
aguentando o calor, sabendo que em poucos segundos o pingente
estaria em minha palma. Tinha que ser suficientemente forte para
convocar e dirigir as sombras, ao mesmo tempo. O fogo ardia através de
meus ossos e a gelo de morte acariciou meus músculos contraídos.
Gritei de novo.
Logo. O teria logo. Não o deixe ir. As vozes a meu redor já não
tinham sentido. Soavam como se eu estivesse em um túnel e elas muito
longe. Já não podia sustentar minha mão aberta, esperando o colar.
Fechei minha mão, enquanto meu corpo se inclinava de dor. Fiquei de
Página 292
cócoras no solo me negando liberar qualquer poder. Um grito se
levantou de minha garganta enquanto o fogo me queimava viva, e logo
se desvaneceu. O punho que tinha apertado com tanta força que as
unhas machucaram minha pele, estava ocultando algo. Forcei meus
dedos a se abrir. O colar de Apryl estava no centro da palma de minha
mão.
Senti que meu corpo falhava rápido. Que as sombras estavam
lutando contra o calor tão intenso que fez que não se detivesse quando
o calor cedeu. A natureza gelada da sombra ameaçava me consumindo
toda. Meu corpo estremeceu enquanto tentava me pôr de pé. Dirigi meu
corpo tremulo para me pôr erguida, abri minha mão e lhe mandei à
sombra:
— Vê. — Sabia o que devia fazer. A sombra deixou em minha
palma um grosso laço negro, enquanto o frio viajava até minha
garganta, saindo por minha boca. Apesar de que parecia que a sombra
voou de minhas mãos, meu corpo se sentia como se tivesse sido
arrancado de meu estômago, cortando seu caminho até minha
garganta, e fora de minha boca. O poder do demônio era terrivelmente
cruel.
Tratei de fazer retroceder a dor, mas a sombra se tornou tão
intensa que não podia. Fechei os olhos, enquanto abria caminho ao
redor do poço, começando pelo centro. Laço atrás de laço estava
colocando-se formando uma barricada negra. Quando abri meus olhos,
só o aro estava descoberto, e a sombra se fechou rapidamente. O laço
negro tocou por último a borda do círculo de sal no outro lado,
começando a selar o portal.
O chão estremeceu, enquanto os demônios corriam mais rápidos
para cima. As paredes do poço começaram a se desfazer e cair. Cada
vez que a borda exterior se desfazia, era substituída com terra firme, e o
círculo de sal se contraía. O portal estava fechando. Respirando com
dificuldade, sustentei a sombra até que o círculo paralisou. Tinha que
me assegurar.
Página 293
O demônio que tinha falado antes se encontrava na borda, preso
debaixo de uma capa negra. — Rainha. Collin Smith vive. E você será a
Rainha. — Sua voz gutural foi calada quando o chão firme o cobriu, e se
selou o poço.
Tremendo, engoli, e abri minha mão para liberar à sombra. Sua
fria aderência a mim foi tirada de minha garganta, fazendo que o arco
de minha coluna estivesse dolorido em resposta. Saiu de meu corpo e
voou de novo para o chão diante da igreja. Eu desmaiei. Fazia tanto frio.
Mal era consciente das pessoas que me rodeavam. Neblina encheu
minha visão, enquanto tentava manter os olhos abertos. Meu rosto
estava contra o chão gelado, e uma luz próxima se desvaneceu em um
pálido e formoso azul. Depois, a escuridão me envolveu.
Pouco a pouco, abri os olhos, tentando me certificar onde estava.
Já não estava inclinada pelo frio, embora minha visão ainda estivesse
nublada. Sentei lentamente, e gemi quando meu corpo protestou.
— Devagar Ivy. — Era a voz de Eric, embora não pudesse ver
mais que uma tênue sombra dele.
— O que aconteceu? Onde estou? — Minha voz estava rouca e
doeu falar. Sentia como se tivesse estado deitada em uma cama dura. A
forma imprecisa de Eric se sentou em minha frente. — Estamos na
igreja de Al. Trouxemos você aqui.
— Por quanto tempo? Quanto tempo estive fora? — Ofeguei
esfregando os olhos. Por que não enxergava?
— Uns poucos dias — disse em voz baixa — Preocupava-me que
ainda não tivesse despertado. Você está bem?
Não sabia. Em silêncio, me sentei ali por um momento,
piscando, esquecendo que nunca o perdoaria. Minha visão não estava
clara. Engoli saliva.
—Não posso ver. Tudo é confuso.
Eric se sentou junto a mim. Suas mãos estavam sobre meu
rosto, quando disse:
— Deixe-me ver.
Página 294
Seu rosto estava muito perto do meu. Podia sentir seu fôlego
quente, mas não podia ver melhor. Meu coração se acelerou quando
comecei a entrar em pânico, porque meus olhos se negavam a enxergar.
Por fim perguntei: — O que aconteceu comigo?
Eric disse:
— Salvou todo mundo. Está virando a cabeça de Julia, já que
pensava que fosse má.
Dei uma risada irônica. — Sou estúpida. Não má.
— Não, não é. Já lhe disse isso. É mais inteligente que qualquer
um que conheça. — Fez uma pausa, e pegou minha mão. Não o afastei,
apesar do medo em meu estômago. Disse — Tenho que te dizer algo,
mas quero que Shannon dê uma olhada em seus olhos primeiro. Por
favor, Ivy. Preciso falar contigo, certo? — Não disse nada, afastei-me
dele. Suspirou, e se foi. Meu coração se afundou. Queria a oportunidade
de que me explicasse o que aconteceu a Apryl. Não estava certa se
queria saber. Não podia estar mais angustiada. Não podia desfazer o
fato. Ela tinha morrido, e de algum jeito ele era responsável.
Shannon e Al entraram na sala, seguidas por Eric. Julia bateu
em Eric. Ele saiu, encontrando-a no final do corredor. Disse Ela não
está feliz.
— Ela nunca está feliz — disse Shannon em voz baixa — Deixa
que olhe seus olhos. — As mãos de Shannon estavam em meu rosto
antes que pudesse dizer algo. Moveu minha cabeça, uma pequena luz
brilhou em meus olhos. O ponto de luz cortou através da neblina, e ela
pouco a pouco se derreteu. Fiquei muito quieta, me perguntando como
ela fez. Esperava ver um laser em sua mão, ou algo similar, enquanto a
neblina que distorcia minha visão se desvanecia. Mas, em vez disso, vi
uma pequena esfera de luz azul pálido.
Ela cortou a luz, moveu-a, e a pôs sobre meus olhos. Quando
terminou, minha visão estava restaurada.
Pisquei, aturdida. — Como aprendeu a fazer isso?
Página 295
Ela se encolheu os ombros. — Não fiz. É inato. Quando alguém
precisa de cura, um Dyconisi sabe o que fazer. — Sorriu para mim, e
jogou seus braços ao redor de meus ombros — Alegro-me de que esteja
aqui. A abracei e disse:
— Eu também.
Quando me liberou, disse:
— Essa coisa mentia, sabe? — Seus olhos verdes pareciam
preocupados. Assenti com a cabeça, incapaz de responder. Queria
acreditar que Collin estava vivo. Mas não podia. A tristeza dessa certeza
se agarrou a mim.
Página 296
Capitulo 33
Sentei-me no St. Bart com a Irmã Al. No último mês, tinha me
ajudado a me adaptar. A maior parte dos Martis se foi, Julia voltou para
Roma e a vida continuou. Sofri quando enterramos minha mãe, e
arrumei o que restou de minha vida. Não era muito. Mamãe tinha me
deixado um pouco de dinheiro, assim não tinha que viver em uma
caixa. Mas perdi tudo. E a todos.
Todas as lembranças, as coisas que eu tinha de minha mãe e
minha irmã, todas elas queimadas. Não se salvou nem sequer uma
fotografia. O único que restou foi o colar, e o prendedor de cabelo que
Apryl me deu. Shannon os tinha salvado na noite da batalha. Estava
tão consumida pela comoção, quando Collin se jogou pela borda que
não me dei conta que ele os tinha deixado para trás.
Tudo o que amava se foi. Minha família estava morta. Estava
sozinha. De repente não tinha passado, nem futuro. A picada da morte
estava tentando ficar em dia comigo. Não queria pensar nisso. Não
queria pensar sobre a situação de minha mamãe, nem em minhas
últimas palavras de irritação para Collin. A culpa me atormentava
constantemente. Mantinha-me em movimento, tentando afastar a
culpa. Irmã Al sustentava uma xícara de chá fumegante em sua mão.
Tinha me dado uma também, mas a minha era de chocolate quente.
Aspirei ao vapor. A pele enrugada de Al tinha uma cor rosada de novo.
Ela parecia desgastada depois da batalha, mas ver Jenna Enjoe, que
era sua chefa desaparecida e sua melhor amiga, lhe ajudou a se
recuperar rapidamente.
Página 297
A tarefa de Jenna Enjoe também tinha sido me encontrar: a
garota da profecia. Determinou a localização onde eu apareceria, quase
duzentos anos atrás, e esperou até que me apresentei. Teve a paciência
de um santo. Não é de estranhar que estivesse tão alegre. Era a razão
pela qual na cidade havia tantos Valefar e Martis. Todos estavam me
esperando, para demonstrar por mim mesma a Profecia Única. Como se
tivesse escolhido o trabalho.
Uma vez que Shannon me curou, todos se foram rapidamente.
Eles tinham que informar o que aconteceu ao Tribunal de Roma e
decidir como proceder. Estava claro que lutei pelos Martis, mas depois
de estar esperando para me destruir por mais de dois mil anos, se
requeria uma grande quantidade de papelada para que todos
estivessem do mesmo lado. Julia desapareceu, levando Eric com ela.
Não cheguei a ouvir o que tinha a dizer. Assumi que voltaria, me
pedindo que lhe escutasse. Não estava certa de querer escutá-lo, mas
depois do que ocorreu com Collin, estava disposta a admitir que não
soubesse tudo. Na verdade, estava disposta a admitir que soubesse
menos do que sabia antes de tudo isso começar.
A voz de Al cortou o silêncio.
— Assim, continua ignorando?
Um triste sorriso saiu de meus lábios.
— Ignorando o que? — Tinha sido assim todos os dias durante
um mês. Não ia à escola. Não tinha por que uma vez que descobriram a
minha mãe morta. Ninguém se deu conta de que tinha faltado à
excursão no campo. Os serviços sociais me deixaram sozinha desde que
Al me reclamou. Deixei. Não tinha outra família. A escola não esperava
voltar a me ver até depois do Natal, o que estava bom para mim.
Portanto, passava as tardes assim, bebendo líquido quente com uma
anciã.
— A profecia — disse.
Recostei-me na cadeira.
— Não tinha pensado na profecia. — Não queria fazer.
Página 298
— Bom, aqui há algo sobre o que é possível que deseje pensar. O
que aconteceria se todo mundo estivesse errado? O que aconteceria se a
profecia não quisesse dizer o que pensávamos que queria dizer? —
perguntou. Minha boca se abriu com assombro, enquanto punha minha
xícara sobre a mesa. — Do que está falando? É obvio que era certa.
Essa coisa me disse que seria sua rainha. Sei que você ouviu. —
Estremeci. Esse demônio me dava medo. Uma viva lembrança do som
de sua voz, e o aroma de seu fôlego, me golpeou. A realidade daquela
criatura fez minha visão de ser a rainha demônio ser muito real.
— Sim. Ouvi. Disse que será rainha. — Fez uma pausa, bebendo
seu chá — Sabe, só há um soberano no Infra mundo neste momento,
um rei ou uma rainha. O único soberano que conheci é Kreturus. Seu
reinado se estende durante toda minha vida e muito mais. É cruel, vil
além das palavras. Já que tem habilidades Valefar, deve ter notado o
preço de seu poder. Tudo se paga com dor, miséria, e agonia. Não há
descanso, não há paz para os de sua espécie. Mas, agora mesmo estou
sentada frente a uma garota, que é parte de sua linhagem, e é mais
forte do que ele já foi um dia, apesar de que ela ainda é jovem. — Sorriu
para mim — E as coisas que dirigiram você para o caminho de seu
destino escuro não são coisas maliciosas ou malditas, são ações que se
originaram do amor e da bondade. Ivy, pensamos que a Profecia Única
seria mais poderosa e mais maldita que Kreturus. Mas, como pode ser
verdade quando a jovem que vejo sentada diante de mim é você? Não
sabia o que dizer. As lágrimas umedeciam meus olhos, e antes que
pudesse piscar para afastá-las se deslizaram por minha bochecha.
— Não importa o que faça não é? Esse permanece sendo meu
destino. Não há nada que possa fazer para evitá-lo. Tentei e fracassei.
— Ah – disse — mas, talvez evitá-lo não devesse ser o objetivo?
Sequei as lágrimas de meu rosto e a olhei com incredulidade. — Crê
que devo aceitar meu destino? Como pode dizer isso? Sabe o que
significa? Estarei presa no Infra mundo, sem amigos e sem família.
Estarei sozinha para sempre, me convertendo em algo que não quero
Página 299
ser. — Meu peito parecia vazio quando as palavras se vertiam para fora
de meu coração. Meu destino me custava tudo. Aceitá-lo significava que
mamãe e Collin morreram em vão. Não, eu não o podia aceitar.
— Essa é a parte em que acredito que nos equivocamos.
Supunha-se que seguiria os passos de Kreturus, mas a profecia não
dizia explicitamente para que. E não posso imaginar você se
convertendo no Destruidor, não quando lutou tanto para proteger a
seus seres queridos. Talvez seu destino seja neste lugar escuro, mas a
pessoa em que você vai se transformar está ainda em suas mãos. —
Bebeu um gole de chá. Fiquei olhando meu chocolate sem começar.
— Não parece ser assim. Parece como se não tivesse controle
sobre nada. E como se supõe que uma boa pessoa vive no inferno? As
coisas não são dessa maneira.
— Não? Tem certeza? — Ela me olhou através de seus velhos
olhos. Eu vi algumas coisas que me fazem acreditar que não são tão
claras como se poderia pensar. Recentemente ouvi sobre um malvado
menino Valefar que salvou a uma garota Martis, duas vezes. Tudo o que
sabemos, diz que suas ações não eram possíveis, mas essa marca em
sua cabeça diz o contrário. Ivy, uma pessoa má daria a vida por você?
Levantei o olhar para ela.
— Não. E não acredito que Collin fosse mal. Era um escravo,
obrigado a fazer coisas que ele não queria. Quando resistiu, quando se
negou a me entregar a Kreturus, isso lhe custou à vida. — O nó se
esticou em minha garganta enquanto falava. Não tinha falado de Collin
desde a noite em que se sacrificou por mim.
— E se ele ainda estiver vivo e esperando no Infra mundo? Meu
coração pulsava com força. Não podia acreditar que estivesse sugerindo.
— Você quer dizer... E se ele ainda estiver vivo?? Não poderia ter
sobrevivido àquela queda. E se ele fez... — Fechei os olhos. Não havia
maneira de que sobrevivesse à besta que existia na parte de abaixo, se a
queda não o matou.
Página 300
— Se o fez, tem a um bom menino em um lugar ruim. Vê o que
quero dizer? As coisas não são tão simples. Você, por exemplo, a gente
dirá que é ruim porque tem sangue de demônio correndo por suas
veias. Mas, sei que é uma boa pessoa. Alguns podem dizer que Collin
era um Valefar e malvado. Mas, também me disse que você estava
unida a ele. Só há um caminho para que isso ocorra. Ambos têm um
pouco da alma do outro. Ambos realizaram o ato altruísta de salvar ao
outro, dando um pedaço de si mesmo. O altruísmo não é ruim. — Ela
suspirou pesadamente — Ivy, o que estou tentando dizer é que seu
destino não pode mudar, mas o caminho que leva você lá não se formou
ainda. Suspeito que seu coração mostrará o caminho, e levará você
aonde tem que ir.
Ouvi cada palavra que disse, mas me concentrei em uma coisa.
Pensava que Collin poderia estar vivo.
— Ele não pode estar vivo, Al. Vi o poço. Não me tem que adoçar
as coisas. Sei que não voltarei a vê-lo.
— Não sei — respondeu — Quando Shannon chegou perguntei a
respeito do poço. Perguntei o que ela pensava.
Neguei com a cabeça. Shannon era muito lógica. Sua resposta
seria óbvia. — Sei o que pensará. Ela me dirá que não é possível.
— Que não é possível? — Shannon deixou cair sua mochila no
chão. Agarrou uma bolsa cheia de bolachas Arejo e um copo de leite.
Ainda usava seu uniforme escolar. Olhei-a, não querendo dizê-lo.
Minhas palmas das mãos estavam suarentas. Queria perguntar-lhe, a
incerteza de sua morte estava me deixando louca. Era como se ele
tivesse desaparecido, mas eu sabia a verdade. Estava morto. Meus
olhos o viram cair. Não havia maneira de que sobrevivesse. Meu fôlego
ficou entupido na garganta. Não podia dizê-lo. Não podia ter esperança.
— Crê que Collin poderia estar vivo? — espetei ao final.
Shannon se sentou escarranchada em uma cadeira, e colocou as
bolachas Arejo e o copo de leite diante dela.
Página 301
— Bom, é possível. O poço deixa que as coisas entrem, mas não
as deixa sair.
— O que quer dizer? — Minha voz tremeu.
Shannon olhou para Al, como se estivesse pedindo permissão
para me falar dessas coisas. Al assentiu com a cabeça e Shannon
continuou:
— As laterais eram de lodo negro e picos. Sei que tinham um
aspecto ruim. Mas a história do poço diz que foi feita para manter a
essa coisa: Kreturus. Teve que descer ali de algum jeito, sem morrer.
Assim, é possível.
Essa era a lógica que tinha medo. Justamente essa. A incerteza
me inquietava. Roubando a sensação de controle que tão
desesperadamente necessitava. O relógio fazia tic-tac na sala. Durante
um momento foi o único som que pude escutar. Fiquei olhando, sem ver
nada, deixando cair à bolacha, flutuando em meu chocolate. Eu
gostaria de saber ao certo o que aconteceu. O impacto sobre as rochas
era ruim. No entanto, adicionando o grande demônio na parte inferior
do poço como um fator, não havia nenhuma esperança. Uma esperança
falsa quase me destruiu antes. Fiquei esperando que Apryl voltasse
para casa, mas ela nunca chegou. Isto parecia muito similar.
Simplesmente não podia acreditar.
— Ser um Seyer é uma merda. — Levantei e joguei o resto de
meu chocolate na pia.
— E por que diz isso? — perguntou Al.
— Não posso ver a única coisa que quero ver. Só quero estar
segura.
— Inclinei-me sobre o mostrador e olhei Al — Não pude lhe dizer
adeus e ele também não. Eu gostaria de ter dito... Algo. As últimas
palavras que lhe disse foram algumas frases que lhe escandalizariam.
Não acreditava no que falava. — Fiz uma careta, tentando conter as
lágrimas. Podia chorar mais tarde — Não sabia o que ele estava
Página 302
fazendo. Escondeu isso. Apesar da nossa união. Era mais fácil acreditar
nas mentiras.
Al respondeu:
— Os Seyers não chegam a ver o que querem. Ou o que desejam.
É uma bênção e uma maldição. E não é uma simples Seyer. É hora de
que alguém lhe diga isso.
Assenti com a cabeça.
— Já me disse isso antes. Que tinha um pouco dos três.
— Sim. Disse Al, enquanto rangia os nódulos artríticos — Mas
é mais que isso. Tem os traços fortes dos três tipos de Martis. Curou
alguém que estava meio morto. Acrescenta o fato de que sua alma era
quase inexistente, e a pequena peça que encontrou, estava coberta por
séculos de maldade, e é incrível que o curasse de tudo. Mas fez. É uma
poderosa curadora. — Meu coração se afundou. Não queria escutar isto.
Não importava agora — E logo, durante a batalha, vi você lutar contra
os Valefar. Duvidou no inicio, mas logo se voltou luminescente
enquanto acabava com tudo o que se colocava em seu caminho. E sei
que o beijo de demônio te atormenta. Você conseguiu atacar enquanto
ouviu Martis gritando ao seu redor. Nada te distraiu. Lutou como um
grande guerreiro.
— Não, não fiz. Duvidei, por que… Respirei profundamente
sabendo que minhas próximas palavras soariam loucas — eu não
queria matá-los. São escravos, Al. Não têm outra opção. Cada poder que
lhes deu está junto com dor. Inclusive suas conversões, seus beijos de
demônio, estavam cicatrizadas em muitos níveis. Nenhuma parte deles
se mantém ilesa. Os demônios roubaram suas vidas. Têm uma
eternidade de servidão com interminável agonia. Não queria matá-los.
A sala estava tão silenciosa que pude ouvir a respiração de Shannon e
Al.
Engoli saliva, sem olhar a nenhuma delas. Al, finalmente, disse:
Página 303
— Ivy, vê coisas que nós não podemos. Isso é o que é. Nunca
houve ninguém como você antes. Só tome cuidado de que sua ira não
consiga controlar você outra vez. Posso senti-la sob sua tristeza.
Baixei a cabeça.
— Estou bem. É só que... Aconteceu muito, muito rápido. Minha
vida foi arrancada de minhas mãos, e as pessoas em que confiava se
voltaram contra mim.
— Sei de quem está falando — disse — Eric não fez o que lhe
disseram. Não sei por que não a corrigiu, quando jogou na cara. —
Não, neguei com a cabeça
— Matou Apryl. Ele falou.
Al respondeu:
— Sei o que disse. Também sei que não fez. Vi quem a matou, e
não foi ele.
Shannon se inclinou para frente, perguntando:
— Viu? Quem foi?
—Não sei — respondeu Al — Não vi à pessoa antes. Sinto muito,
mas não sei. Só sei que não foi Eric.
Retirei o cabelo do rosto e deixei escapar um suspiro. — Onde
está?
Shannon comeu uma bolacha, dizendo:
— Julia o mandou a algum lugar horrível por desobedecê-la.
— Mas, salvou a todo mundo... Tinha que me ajudar a fechar a
fossa. Sem ele, teríamos morrido. — Que diabos estava acontecendo?
Não podia acreditar que tivessem castigado ele por salvar todo mundo.
— Não importa. — Shannon sacudiu com a mão as migalhas de
seus lábios — Ela não faz as coisas dessa maneira.
— Que maneira? — perguntei — Na sua cabeça não é? Quão
difícil é se dar conta de que sua desobediência a salvou? Essa é a
maneira que os Martis agradecem? O que acontece com essa mulher? —
Deixei cair meus ombros, decepcionada. Não entendia Julia. Não queria
entender também. Perguntei — Bom, como o encontro?
Página 304
— Através de Julia — disse Al.
— Ótimo — soprei — E está na Itália. Fantástico.
— Eu estou indo. — Shannon lambeu a nata dos dedos —
Deveria vir. Pisquei para ela.
— Por que vai a Itália?
— Para informar da profecia. Fui testemunha disso e fui uma
das únicas Dyconisi que estiveram ali. Deveria vir. Pode procurar Eric.
Também pode ver o que aconteceu com sua irmã. — Al lhe dirigiu um
olhar — Se quiser.
Olhei Al.
— O que não está dizendo? Eric sabe o que aconteceu com
Apryl? Viu algo?
Al sacudiu a cabeça.
— Não vi nada que pudesse ajudar. Confronte-os apenas. E não
sei o que Eric sabe. Algumas vezes esse menino não diz nada, tratando
de rodear a mentira que nos une em vez de dizer a verdade. — Ela se
recostou em sua cadeira — Suspeito que ele sabe mais do que disse.
Os pensamentos giravam em minha cabeça muito rápido, sentia
como se fosse me lançar longe. A emoção vertiginosa de que Collin
poderia estar vivo estava tentando subir à superfície, mas não podia
deixar que isso acontecesse. Era muito. Não podia suportar. Não sabia o
que fazer. Nem o que pensar.
A visão me ultrapassou rapidamente, antes que pudesse pôr
minha cabeça para baixo. Senti a rajada de ar contra minha pele, mas
não o impacto contra a mesa.
Nuvens negras formavam redemoinhos para mim ao redor.
Quando se dissipou, me vi envolta em uma impenetrável escuridão.
Mas, este negro era estranho. Não podia ver nada, apesar da melhora
da minha visão. Comecei a sentir pânico, me perguntando o que
aconteceu. Não ouvia nada, e não via nada. Os pelos nos braços se
arrepiaram. Sentia como se estivesse presa em um caixão, e quase
Página 305
gritei. Mas nesse momento, senti algo. Um fio sedoso do vínculo açoitou
meu estômago.
Não. Não pode ser.
Reprimi o que pensava já que era mentira, mas não me
obedeceria. A sensação se fez mais forte e soube que era ele. Collin
estava perto. Tinha medo de gritar, sem saber onde estava, e sendo
incapaz de ver através da escuridão. — Collin? — perguntei em silêncio,
sem esperar nada em troca. Minha mente e meus sentidos estavam em
guerra. Meu cérebro continuava negando a possibilidade, mas meus
sentidos tinham aceitado a realidade.
A voz cheia de pânico de Collin chegou a minha mente. — Ivy,
corre. Saia daqui agora mesmo!
Mas, não estava realmente aqui, assim não sabia por que tinha
que correr. Não tentei despertar. Queria encontrá-lo. Uma voz na
escuridão não era suficiente. Tinha que vê-lo. De repente, senti algo, e
pude ver de novo. A escuridão se tornou mais espessa, enquanto o ar
gotejava com a umidade. Uns olhos brilhantes, do tamanho de fornos,
apareceram na minha frente. Quando a criatura abriu sua boca para
falar, pensei que ia morrer, o aroma era pútrido.
— Venha para mim, Ivy Taylor. — Sua voz fervia como se
estivesse afogando-se nas rochas — Reclamarei o que é meu.
Comecei a caminhar para ele. Não podia me ferir. Isto era uma
visão. A sala parecia cada vez mais fria. Aproximei-me cada vez mais do
demônio.
— É Kreturus?
— Sou — ferveu. Ao me aproximar, pude ver ligeiramente. A
criatura era enorme. Estendia-se de um extremo a outro da cova. Olhei
ao redor e me dei conta de que não era uma cova. Estava de pé em uma
fossa. De repente, o vínculo quebrou dentro de mim. Envolvendo-me a
seu redor e começou a me puxar de novo para a escuridão.
Collin gritou:
— Não pode tê-la!
Página 306
O demônio fez um som horrível. Meu coração pulsava fortemente
em meu peito quando vi que estava em frente a ele. Obriguei-me a me
apartar, voltando de novo à espessa névoa, e para a escuridão. O
vínculo me empurrou fortemente, uma última vez. Então, despertei da
visão, procurando ar desesperadamente. Meu corpo estava frio como o
gelo.
— Está vivo. — As palavras fluíram de minha boca enquanto me
sentava. Meu coração palpitando fortemente — E está com essa coisa.
Al pôs sua mão em minhas costas para me estabilizar.
— Me diga o que viu.
Contei tudo. Ninguém falou enquanto eu estava falando.
Olhando para o espaço, disse:
— Sei que ele está ali.
Al respirou um bocado de ar, surpresa.
— Kreturus quase te levou — gaguejou — Deixou de respirar. —
Ficou branca Ivy. E gelada. — Shannon se sentou junto a mim. Seus
olhos estavam muito abertos.
Ligeiramente surpresa, olhei para elas. Senti na visão. Não tinha
muito sentido agora.
— Senti o frio, o demônio, e o vínculo deformado. Foi estranho.
Fui em direção ao demônio. Nunca fui vista em uma visão antes. Como
me viu? Não pode me matar em uma visão, não é?
Al sacudiu a cabeça.
— Kreturus não pode arrastar ao Martis através de uma visão,
mas não é uma Martis pura. O sangue que flui por suas veias é seu
sangue. Embora não seja escravizada como os outros Valefar, ainda
pode exercer controle sobre ti em suas visões. E sem a capacidade de
conjurar a luz, estará a sua mercê.
— Ela conjeturou a luz — disse Shannon — Eu vi quando ela
curou Collin.
Al me olhou com atenção.
Página 307
— Se isso for verdade, então deveria ser capaz de utilizá-la em
suas visões. Entretanto, não está respondendo a você como a um
Martis. E se a luz não te protege quando a chamar, Ivy, ninguém que
tenha entrado nesse poço saiu.
Um sorriso se desenhou em meu rosto. Um toque de esperança
me atravessou. — Os demônios o fizeram. Milhares deles quase se
arrastaram fora dela outra noite. Entretanto, não havia nem rastro
deles em minha visão hoje. Tinham desaparecido.
A voz de Al soava desesperada.
— O que quer dizer com que tinham desaparecido todos? Os
demônios deveriam ter ficado presos no poço ele. Os Martis que o
capturaram se asseguraram de que essa fossa fosse isolada e segura.
Não havia jeito de entrar e nenhuma saída. Os demônios que lutaram
com ele ficaram presos ali com ele. Se os demônios forem capazes de
entrar e sair a seu desejo, então, o que está mantendo Kreturus ali? —
A monja parecia sombria.
— Não sei, Al. Mas, ele parecia como se estivesse preso. Ficou
realmente furioso quando Collin utilizou o vínculo para me tirar da
visão. Talvez os demônios fossem capazes de escapar, mas não
Kreturus. De algum jeito os demônios deixaram o poço, apesar de que
não tivessem saído através do portal. Al, isso significa que tem que
haver outra maneira de sair do poço de Kreturus. E, se foram capazes
de sair, então tem que haver outra entrada.
Shannon disse:
— Se for assim, Julia saberia como encontrar. Ela tem acesso a
material antigo. — A fronte de Shannon estava coberta de suor.
— Kreturus — disse Al —, é pior do que encontrou aqui, Ivy.
Collin sabia quando foi ali. Sabia disso quando te disse que saísse de
sua visão. E, já sei o que está pensando. Se for atrás dele, pode ser que
não volte. — Ela sorriu — Sabia que seu coração marcaria seu caminho.
Olhei seu rosto ansioso, e soube que tinha razão. Meu coração
pertencia a Collin, e ele estava vivo. Não havia maneira que pudesse
Página 308
deixá-lo ali. Arrisquei minha vida para salvá-lo na noite em que estava
sangrando em meus braços. Não havia maneira de saber nesse
momento que compartilhávamos a mesma alma, mas o fazíamos. Tinha
um pedaço de mim, e eu tinha um pedaço dele. Todo este tempo pensei
que o Infra mundo era meu destino, mas isso não era verdade. Collin
era. Ele era meu companheiro de alma, e sempre o seria. Qualquer que
seja o futuro que tivesse, sabia que ele tinha que estar ali. Al estava
certa. Durante todo este tempo meu coração estava mostrando meu
caminho.
Inalei fortemente.
— Shannon, tinha razão. Ela me olhou, surpreendida. — Sobre
o que?
Sorria.
— Disse-me que o homem do quadro era um problema. Algo me
faria lhe seguir. Algo me faria querer estar ali no Infra mundo com ele.
Bom, tinha razão, Shann. Vou direto ao inferno. E eu não vou voltar
sem Collin.
Fim
Página 309
Glossário
Valefar: Pessoa de quem foi sugada a alma e foram Poluídos
com sangue de demônio.
Martis: Escolhidos pelos anjos para lutar contra os Valefar.
Dyconisi: Martis com o dom de curar.
Seyers: Martis que predizem o futuro.
Polomotis: Guerreiros que criam as leis dos Martis.
Efanotar: Tele transportar-se.
Kreturus: O demônio mais poderoso do infra mundo.
Página 310
Sobre a Série
1. Demon Kissed
2. Cursed
3. Torn
4. Satan`s Stone
5. The 13th Prophecy
6. Fall of the Golden Valefar
E duas histórias mais sobre Collin, sob o título Valefar volume 1
e 2.
Página 311
A Autora
H.M. Ward nasceu em Nova Iorque, e vive no Texas. Estudou
teologia, ciência que lhe fascina. Adora as histórias que combinam a
teologia, a cultura e a vida. Sempre gostou de criar. Desde pequena ama
escrever e pintar. Acha que ambas se complementam entre si em sua
mente. Diz: ¨Minhas palavras se estendem como a pintura sobre o
papel, e eu gosto de recriar um encontro emocional entre o leitor e a
experiência. É uma romântica empedernida. Acredita no amor
verdadeiro, e teve a sorte de encontrá-lo e mantê-lo. Adora histórias
sombrias e melancólicas e a música. Toca violoncelo, e competia
quando era mais jovem.
Sua série Demon Kissed virou best-seller. No momento consta
com 6 livros:
1. Demon Kissed
2. Cursed
3. Torn
4. Satan`s Stone
5. The 13th Prophecy
6. Fall of the Golden Valefar
E duas histórias mais sobre o Collin sob o título Valefar volume
1 e 2.
Página 312
Prólogo
Ivy vai por sua conta chutar trazeiros e salvar Collin dos
horrores do Infra mundo. No decorrer do caminho descobre que a
verdade não a libertará. A profunda decepção leva Ivy mais perto de seu
destino. Entretanto, ser a rainha dos demônios não é o destino que
quer. Ivy terá que superar a luxúria, o poder e o amor, se quiser
sobreviver.
Página 313