Download - 063 Morte Fotografica
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1968/Junho Lou Carrigan Publicado No Brasil Pela Editora Monterrey
Ilustrao De Capa: Bencio JVS - 450201/450202
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PRLOGO Algumas peripcias no aeroporto internacional do Cairo
O avio da Alitalia aterrissou sem novidade na pista designada pela torre de controle do aeroporto internacional
do Cairo. Tambm sem novidade, os passageiros do vo de
Roma desceram do aparelho, passaram pela Alfndega e,
com exceo de dois que se quiseram fazer de espertos
trazendo insignificantes contrabandos, foram admitidos em
territrio egpcio.
No total, vinte e quatro passageiros, todos eles
procedentes da capital Italiana. Passageiros de todas as
classes e idades: crianas europias, dois velhotes egpcios,
trs jovens casais romanos, trs ingleses srios e secos
como pedras, alguns norte-americanos.
No podiam faltar os americanos. Diz-se que em todo
objeto em movimento no mundo pode- se encontrar, pelo
menos, um cidado dos Estados Unidos e, pelo menos
naquele caso, era certo.
O homem de olhar penetrante, ombros largos, mos
grandes e gravata demasiado colorida, inclusive para um
clima pouco menos que tropical, tinha que ser americano.
Usava culos de sol, no parecia ter-se dado o trabalho de
carregar bagagem e devia ser um bocado alegre, pois trazia
na mo um exemplar da revista Playboy, ou seja, essa em que saem garotas sem roupa, historietas picantes, pequenos
artigos de humor sexual e, nas duas pginas do centro, a
miss do ms, que geralmente a menos vestida da revista.
Uma grande revista.
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Tambm o tipo era grande, desenvolto e confiante em si
mesmo. Estava bem claro que os culos de sol no lhe
atrapalhavam absolutamente a viso. Isso parecia crer outro
dos passageiros, pelo menos, j que, enquanto cruzava o
grande saguo do aeroporto, aproveitava qualquer espelho
lanando um olhar para trs, para o musculoso e alegre
leitor de Playboy. Mais ainda: quando no havia nenhum espelho por perto, voltava-se com o maior descaramento,
sempre para olhar o atltico cavalheiro de culos de sol. E
todas as vezes, em seu rosto sardento podia-se notar uma
preocupao mesclada de raiva.
Desse modo, perseguido e perseguidor saram do
edifcio do aeroporto para a zona de estacionamento. E l
outros dois homens fizeram meno de aproximar-se do
sardento, e perseguidor. Ento, este moveu a cabea
negativamente, de modo quase Imperceptvel, enquanto seu
polegar direito apontava para trs, sem ultrapassar a linha
do ombro, mas indicando com toda a clareza o risonho
apreciador da revista Playboy. Captado o sinal, os dois cavalheiros que estavam
esperando no aeroporto do Cairo tambm moveram com
discrio a cabea, afirmativamente: haviam compreendido.
O sardento continuou caminhando, seu perseguidor
atrs, e os que tinham estado espera efetuaram uma
estupenda manobra de aproximao indireta contra o
perseguidor. Pareciam conhecer bem seu trabalho porque,
em poucos segundos, enquanto o homem da revista
Playboy seguia o sardento, os amigos deste seguiram por sua vez o da revista Playboy.
A coisa complicou-se mais ainda quando apareceu o
quinto personagem. Outro homem, de cabelos louros, tez
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muito tisnada pelo sol, no menos largo de ombros que o
leitor de Playboy e fumando com uma longa piteira de marfim. Este ltimo personagem trocou um olhar com o
americano leitor de Playboy, o qual assentiu com a cabea e indicou com o queixo o homem das sardas.
E com toda esta complicao de personagens em marcha
comeava uma das mais srdidas histrias de espionagem.
Mais uma dessas histrias que nunca aparecem nos jornais,
mas que, meticulosamente explicadas, constam dos
arquivos top secret dos grandes servios secretos mundiais.
As coisas sucederam assim, sombra do edifcio do
aeroporto internacional do Cairo: O perseguido que descera
do avio da Alitalia, ou seja, o sardento, dirigiu-se para um grande carro preto, de placa egpcia, que esperava num
canto do parking. Chegou a este, entrou e instalou-se
confortvelmente. O que o perseguia, isto , o da revista
Playboy, caminhou ainda uns quantos passos em direo quele carro preto, desviando um pouco a marcha de modo
que pudesse ver perfeitamente a placa da licena. Vista a
placa, ele sacou uma caneta esferogrfica e anotou seu
nmero na capa da revista Playboy... Quer dizer: comeou a anotar.
Aconteceu que, enquanto o fazia, os dois homens que
tinham esperado o sardento no aeroporto se aproximaram
dele por trs, com o ar mais despreocupado do mundo,
caminhando a passo normal.
E quando chegaram junto a ele, sacaram cada um uma
navalha de mola, apertaram os respectivos botes e num
instante apareceram as agudas lminas respectivas, que
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cravaram uma em cada rim do americano leitor de
Playboy. Com toda a tranqilidade, como se estivessem pedindo
fogo para seus cigarros.
Foi uma dupla navalhada arrepiante, que rasgou a carne
com um estranho rangido. O americano soltou a revista e a
esferogrfica, crispou-se, empalideceu, abriu a boca na
Inteno de um grito de espanto...
Ento zs! as duas navalhas tornaram a cravar-se em seus rins, agora mais fortemente ainda. Um dos
assassinos sacou-a com rapidez, colocou-se diante do
Infortunado americano e enterrou-a em seu ventre duas
vezes, com raiva, com fria. Evidentemente, no era uma
brincadeira: tratava-se de matar.
E como seis navalhadas de alta categoria, quatro nos rins
e duas no ventre, so coisa muito sria, o americano morreu.
Isso sim: fez com grande decoro. Sem gritos, sem
espavento, sem protestos Inteis... uma das regras do bom
espio.
Enquanto algumas das pessoas que passavam por ali
comeavam a pensar que algo estava acontecendo, os
assassinos apanhavam a revista e a esferogrfica e
dirigiram-se em passo contido, mas apressado, para o carro.
Entrementes, o louro que fumava com piteira, tinha
empalidecido tanto, que parecia mais morto que o
cavalheiro portador da revista chamada Playboy; estava to plido, que se tinha tornado verdadeiramente branco, e
parecia Incapaz de mover-se, de raciocinar.
Nem sequer foi capaz de reagir quando o americano
recm-chegado ao Cairo caiu de bruos e voltou a cabea
para ele, j sem os culos de sol, olhando-o
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angustiosamente, com um olhar silencioso que era um
pedido de auxlio.
Tampouco reagiu quando a gente comeou a correr para
o americano leitor de Playboy, nem quando o carro preto em que iam os assassinos e o sardento afastava-se dali,
impunemente. Mais ainda: quando todo o mundo comeou a
gritar, quando chegou a polcia, quando pouco depois
chegou a ambulncia, o louro da piteira de marfim
continuava como cravado no cho, palidssimo.
Certamente, era o nico que tinha presenciado com toda
a nitidez aquele final de viagem ao Cairo.
CAPTULO PRIMEIRO Um chefe enfurecido
Dupla misso no Cairo
A espi nmero um do mundo
O Cairo? Que tenho eu a ver com lugar semelhante? um lugar como outro qualquer grunhiu Miky
Grogan.
A famosssima espi Internacional, categoria de luxo da
Central Inteligence Agency, contraiu graciosamente as sobrancelhas, enquanto sua mo direita deslizava, em
carcia pessoal, pelo joelho que ficara sobre a outra ao
cruzar as pernas, aps sentar-se de lado na mesa de seu
chefe. Atitude esta que s Brigitte Montfort, apelidada
Baby, poder-se-ia permitir no escritrio de mister Grogan. Mas que diabo terei eu que fazer l? perguntou. Trabalhar. Ou seja: ganhar o fabuloso salrio que lhe
pago.
No seja vulgar, chefe.
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Posso ser vulgar resmungou Grogan mas gosto que meus empregados trabalhem. Deste modo, podem pagar
suas capas de pele, seus apartamentos luxuosos na Quinta
Avenida, sua casa de campo margem do lago, seus dois
carros de modelo especial, seu...
Com o que voc me paga, no tenho nem para comprar um vidro de esmalte de unhas, querido sorriu
desdenhosamente Brigitte.
Miky Grogan empalideceu. Mordeu os lbios. Depois
comeou a ficar verde. Finalmente enrubesceu, com tal
violncia que as veias de seu pescoo e testa incharam.
Vai pedir outra vez que lhe aumente o ordenado? gritou.
Por que grita? Porque... porque... porque tenho vontade! Grosso. Olhe, Brigitte, voc... voc me exaspera! Sei que tudo
brincadeira, mas...
Brincadeira? Chama voc de brincadeira a inteligentssima deciso de um ser humano rebelar-se contra
o trabalho?
Brigitte...! Gosta de meu novo vestido? No! No? Pois nesse caso devia mandar examinar a vista.
Importado de Paris. Por ele paguei...
No quero saber quanto! Por qu? Porque no gosto de me irritar. Voc gasta mais
numa semana do que eu em um ano!
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Questo de gosto pessoal. Voc se conforma com qualquer roupa barata e eu acho que uma bela mulher deve
andar sempre vestida de acordo com sua beleza... Que me
diz de meu penteado?
Miky Grogan repassou a magnfica anatomia da mais
bonita espi do mundo. Depois, olhou seu penteado, todo
em pontas desiguais, deliciosamente frisadas. Olhou os
enormes olhos azuis, os lbios rseos, o decote agudo de
seu vestido minissaia, as sensacionais pernas douradas pelo
sol, exibidas em sua quase totalidade... e comeou a sentir
incomodamente na garganta o n de sua gravata,
sbitamente apertado demais.
Mmm... Um penteado muito bonito, sim... E o resto? Que... que resto? Amado chefe, voc est quase cego. O resto tudo
o que acompanha o penteado. Ou seja, minhas pernas, meus
braos, meu pescoo, minhas bonitas cadeiras, meus
magnficos...
Miky Grogan desfechou um terrvel soco na mesa.
Voc quer jantar comigo? gritou. No. E suplico-lhe novamente que no grite. Pois se no quer jantar comigo, ir hoje mesmo para
o Cairo! Est bem claro? Ir ao Cairo! E se no...
A porta do escritrio de Grogan se abriu e Frank Minello
entrou apressadamente, olhando para todos os lados e
perguntando:
Quem que vai ao Cai...? Quando viu Baby, deixou de olhar para todos os lados.
Parecia ter muito melhor vista do que o diretor do Morning News. E ps-se a us-la para seu prprio deleite e
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satisfao de Brigitte, que levantou um pouco mais sua
exgua saia.
No so maravilhosas, Frankie? sorriu. Mmmm... O qu...? Minhas pernas. Ah, sim! Oh, sim! Suas... Puxa vida! Quer-me fazer
presente delas?
Ora, Frankie, mais formalidade, querido... No quer emprest-las, ao menos...? No riu Brigitte. Voc podia apresent-las num
concurso de beleza e ganhar o primeiro prmio.
E isso s com as pernas! Que tal se voc me emprestar o resto? Juro que devolverei tudo amanh!
Tudo est muito bem onde est, no empresto nada... Mas um desperdcio! Se voc quisesse. Minello! gritou Grogan. O que que deseja? As pernas. As qu...? E o resto. Digo... Ah... Oh! Ol, mister Grogan: o
senhor estava a?
Brigitte ps-se a rir e Miky Grogan tornou a enrubescer
daquele seu modo violento, caracterstico nele.
Ponho voc na rua! Ponho os dois na rua, os... os...! Por que no nos casa? props Minello. Afinal
de contas, o senhor o comandante deste barco chamado
Morning News, e dizem que os comandantes podem... Miky Grogan desfechou outro soco na mesa. Depois
ficou imvel, fechou os olhos, contou at dez e,
aparentemente sereno, olhou de novo para Frank Minello,
chefe do departamento esportivo do jornal.
Que deseja? perguntou.
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Que ponha seu OK nisto aqui. Atirou uns papis sobre a mesa e aproximou-se de Baby, suspirando. No h pressa.
Mi-ne-llo! Que ? Est posto o OK! Muito bem: ponha mais alguns. Um milho ou dois... Fora! Fora daqui! Frank Minello sobressaltou-se. Tanto que, para no
perder o equilbrio, teve que abraar-se a Brigitte. Agarrou-
a pela cintura, apertou-a fortemente contra o peito beijou
seus rseos lbios... Certamente teria ficado ali, como
mosca no melado, se um suave golpe de jud, aplicado
pelos dedos de Brigitte em sua espdua, no o fizesse recuar
como se recebesse uma descarga eltrica.
No seja guloso, Frankie. Foraaaa...! bradou Grogan. Minello olhou-o de cima a baixo.
Invejoso... murmurou. Invejoso, invejoso... Mas no to caradura como voc sorriu Brigitte.
Como vo as coisas em sua seozinha esportiva? Preciso de uma datilgrafa informou Minelio.
No importa que no saiba escrever mquina, nem grafar
corretamente Washington, nem...
Eu no sirvo? Frank Minello ia dizer alguma coisa, mas olhou para
Miky Grogan, que se tinha posto de p, os olhos quase fora
das rbitas.
Mmm... Passe depois pela minha sala, querida piscou um olho. Ver como o papai Frankie lhe arranja
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um bom lugar. Embora tenha que ser num sof... J vou, j
vou...!
Saiu correndo do escritrio. Brigitte virou-se para o
furioso Grogan:
Voc sempre estragando tudo, bicho-papo murmurou. Que tenho eu a fazer no Cairo? Uma reportagem! Que idia original... Sobre as pirmides?
Sobre Gamal Abdel Nasser. Mmm... Esse senhor que manda no Egito? Sim. Tenho que pedir-lhe uma entrevista? No. Ele far uma conferncia de Imprensa, dentro de
alguns dias, no Cairo.
Sobre qu? Sobre a situao no Oriente Mdio. Nasser expor
seus pontos de vista a respeito de uma guerra que parece
iminente.
Guerra? Com quem? Com... V para o inferno! Voc tem que estar
informada de tudo isso muito melhor do que eu! Para
alguma coisa uma espi que.
Psit... Nasser dar uma entrevista, uma conferncia de
imprensa concedida a jornalistas de todo o mundo
explicando os motivos pelos quais no vacilar em levar a
Repblica rabe Unida a uma guerra para aniquilar Israel.
Coisa que parece problemtica, j que os Estados Unidos esto do lado de Israel...
E a URSS do lado da RAU. Israel tem a bomba H, segundo dizem. Quem diz? A CIA? espantou-se Grogan.
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No, no! A CIA, querido, nunca diz nada. o melhor modo de no se equivocar. Seja como for, tambm a
Rssia a tem, e tm-na os Estados Unidos... E na pior
hiptese, tm-na tambm os chineses, que so uns homens
amarelos muito maus, segundo se diz. Acha realmente que
essa conferncia de imprensa do senhor Nasser ser
importante?
Isso no sei. Mas estaro l enviados de todos os jornais importantes do mundo. Acha que o Morning News merece essa honra?
O Morning News no sei. Mas eu sim. Gostarei de escutar as belicosas palavras de Gamal Abdel Nasser. De
acordo: irei ao Cairo. Evidentemente, este um trabalho
extra, que, como de costume, merecer honorrios
especiais. No?
Como de costume grunhiu Grogan. timo. Saio-lhe muito cara, querido. Por que no
manda outro reprter. Ficaria mais barato.
Mas no se venderiam duas ou trs edies sorriu Grogan.
Ah! assim que eu gosto, amor... O que mais aborrece os profissionais de qualquer coisa que no lhes
reconheam os mritos. E eles ficam ainda mais aborrecidos
quando esse reconhecimento no se traduz em dlares.
Voc sordidamente interesseira. possvel. Mas sempre me pergunto a mesma coisa:
por que h de voc ter o dinheiro que corresponde a mim?
Ciao, chefe... Se tiver tempo, mando-lhe um postal.
Dirigiu-se para a porta.
assim que se despede? protestou Grogan.
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Ela sorriu, voltou, passou-lhe os braos pelo pescoo e
aproximou a boca da dele. E, sbito, ergueu a voz:
Pretende acaso que eu o beije? ergueu ainda mais a voz: Nunca, antiptico. E tire as mos de cima de mim, bandalho!
Afastou-se do petrificado Grogan, foi at a porta, abriu-a
de modo que a secretria do diretor do Morning News pudesse ver a este, e exclamou ainda:
O senhor um sem-vergonha! E desapareceu, deixando Miky Grogan sob os olhares
estupefatos de sua secretria.
* * *
Ele est sua espera, miss Montfort. Quem? O espio... esse que sempre a envia a lugares
perigosos: o seu tio Charlie.
Oh... Voc acha que veio em visita de cortesia, Peggy?
A bonita empregada moveu negativamente a cabea.
Esse senhor nunca vem em visita de cortesia. Sempre mandando-a a qualquer lugar... at que um dia no volte
mais.
V agourar a vovozinha, Peggy riu Brigitte. Quer trazer-nos uns martinis?
Pois no, miss Montfort. Baby entrou em seu magnfico living. Efetivamente,
Charles Pitzer, seu chefe direto na CIA, l. estava, de costas
para a porta, olhando para o Central Park pela vasta janela.
Bons olhos o vejam, tio Charlie. Velo minha procura? Claro. No aqui que voc mora?
-
Bem.... Como algumas vezes j o surpreendi olhando as pernas de Peggy... Venha, sente- se a meu lado. Alm
disso, permito-lhe olhar para as pernas de Peggy: hoje sinto-
me generosa.
Sentou-se no sof, mostrando as esplndidas pernas; mas
Pitzer no sabia se olhava para elas ou para o decote
audacioso. Por fim, e como Brigitte o observasse
ironicamente, optou por olhar para um quadro.
Bom. Tenho trabalho para voc. Algum vai sofrer um desgosto. Como ? Algum ter um desgosto quando souber que
anteponho os trabalhos da CIA aos do Morning News... Que acontece no mundo esta vez?
No sabemos ao certo. Mas pode ser muito importante. Por enquanto, mataram-nos um agente.
Baby deixou de olhar seus ps descalos e seus olhos pareceram congelar-se.
verdade? Nunca brinco com estas coisas grunhiu Pitzer. Nem eu. Sabemos quem foi? No o nome, mas temos uma foto. E ele est sendo
procurado com bastante probabilidade de xito. Na
realidade, o homem do qual temos a foto e a pista para
localiz-lo no foi o assassino direto, mas dois
companheiros seus que o esperavam no aeroporto.
Pelo fio, chega-se meada. Como aconteceram exatamente as coisas?
Nosso homem seguiu a presa, tomando o mesmo avio. Ao chegar ao aeroporto, dois outros o esperavam. E
esses dois mataram nosso agente. Com seis navalhadas.
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Peggy apareceu com os martinis. Brigitte apanhou um e olhou o lquido transparente. Seu rosto estava impassvel.
Teve morte instantnea? Claro. Ento, quem nos avisou? Outro de nossos agentes, que esperava o que vinha de
Roma seguindo a presa.
E esse agente no ajudou o que chegava de Roma? No. Por qu? Voc ir l. Faa essa pergunta a ele. Depois... Perguntarei prometeu Brigitte. E se sua
explicao no me convencer?
Mate-o. No precisamos de traidores na CIA. Acha que pode ser uma armadilha contra outro agente
mais importante, que se desloque para resolver o caso
comeado pelo agente que mataram?
Tudo possvel em nossa profisso, Brigitte. Certo. Que farei depois? Localizar o homem que nosso agente estava
seguindo desde Roma, e descobrir o que esto tramando.
To logo o saiba, j no precisar de instrues: faa o que
sempre faz... Isto , resolver a questo sua maneira.
De acordo. Aonde devo ir? Ao Cairo. Baby ergueu as sobrancelhas, abriu a bolsa e sacou um
papel, com o qual comeou a abanar-se graciosamente, em
silncio. Pitzer olhou-a durante uns segundos, antes de
perguntar:
Que papel esse?
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Uma passagem de avio para o Cairo. Parto dentro de duas horas.
Ma-mas... mas... tartamudeou Charles Pitzer. Por que se assombra, querido? Acaso no sou a espi
nmero um do mundo?
CAPTULO SEGUNDO O labirinto rabe
Okay para Johnny A nica coisa relativamente fcil na vida: morrer
s primeiras horas da madrugada seguinte, Brigitte
Montfort chegava ao Cairo. Era o dia primeiro de junho e
havia no ambiente uma grande tenso, inclusive aquela
hora. Estava claro que, segundo a opinio geral, a guerra
com Israel logo deflagraria.
A chegada de uma cidad norte-americana no causou
exatamente prazer. Na Alfndega, todas as suas coisas
foram meticulosamente examinadas, embora os
funcionrios aduaneiros no parecessem ter recebido aulas
de espionagem. Deste modo, todo o contedo de sua famosa
maleta passou ante trs pares de olhos sem que um s dos
pequenos truques nela contidos fosse descoberto. A pistola
mereceu uma ateno especial. Os egpcios detiveram-se
olhando aquela diminuta obra de arte. Pareciam Indecisos,
mas Brigitte convenceu-os de que era pouco mais que um
brinquedo que nunca tinha sido usado, e que realmente o estimava mais por ser presente de um bom amigo que pela
utilidade que pudesse ter. Seu passaporte em regra, suas
credenciais de jornalista enviada pelo Morning News para a conferncia de imprensa de Abdel Nasser e seu
-
encantador sorriso, to doce e luminoso, no poderiam
encontrar obstculos.
Um egpcio de suja camisola encarregou-se de suas
maletas e conseguiu-lhe um txi. Uma boa gorjeta pareceu
deix-lo muito satisfeito. E Baby no se surpreendeu em absoluto quando o homem, enquanto recolhia o dinheiro,
murmurou:
Hotel Continental. Como se nada tivesse ouvido, ela se esqueceu dele,
entrou no txi e disse:
Leve-me ao Hotel Continental. O chofer no falava Ingls, nem francs, nem nada que
no fosse rabe. Felizmente, o egpcio da camisola ainda
estava ali e, parecendo compreender a situao, bateu no
vidro do carro.
Em seu defeituoso, mas compreensvel ingls, perguntou
se havia alguma dificuldade. Posto ao corrente, dirigiu-se ao
chofer, disse algumas palavras em rabe e tudo ficou
resolvido.
Quase s trs da madrugada, ela chegava ao hotel.
Grande, bem conservado a ponto de no parecer antigo,
adornado com grandes vasos de plantas, parecia um lugar
agradvel e cosmopolita. Ficava em Sharia Kamel, bem
diferente da praa El Ezbekiyeh, no centro da cidade.
Havia alguma dificuldade para a admisso de mais
hspedes, considerando-se que algumas das sutes ainda
vagas tinham sido reservadas de diversos pontos do globo.
No obstante, os dotes de persuaso de Baby valeram, e minutos depois um boy vestido europia, de branco e com
um fz vermelho sobre a crespa cabeleira, conduziu- a
-
sute nmero 39, uma de cujas janelas dava justamente para
a praa El Ezbekiyeh.
Gratificado o boy, Brigitte ficou sozinha. Deixou-se cair
numa poltrona, abriu a maleta sobre os joelhos e sacou o
pequeno rdio camuflado como carteira de cigarros, cuja
freqncia tinha j sido ajustada para comunicao com a
CIA no Cairo.
Johnny? murmurou. Bem-vinda. Espero que me desculpe por no a ter
esperado pessoalmente, mas achei melhor vigiar-lho as
costas.
Obrigada. Algum me seguiu? No. Tudo est bem. Suponho que o egpcio do aeroporto seja seu amigo.
Refiro-me ao que se ocupou de minha bagagem, conseguiu
o txi e sussurrou-me que me hospedasse no Hotel Continental.
Chama-se Karfa. Com efeito, meu amigo. De toda confiana.
timo. Quando nos veremos? Eu a chamarei. Quando? Quando convier. Nosso homem est hospedado nesse
hotel, mas teve uns contatos interessantes que eu gostaria de
estudar antes de avistar-me com voc. Depois falamos. No
momento, descanse. Que tal a viagem?
Boa, mas entediante. Multas horas de vo. Durma um pouco. Pressinto que se esteja tramando
algo multo srio e gostarei de v-la em condies de fazer
honra sua fama. Recebi notcias advertindo-me de que a
ajuda que esperava me seria dada nada menos que por
-
Baby. Mas suponho que at mesmo Baby necessite descansar.
Espero seu chamado, Johnny. Boa-noite, Baby. Brigitte fechou o rdio, guardou-o e ficou pensativa.
Esteve assim o tempo que levou para fumar um cigarro.
Depois, com uma rapidez fruto da experincia, colocou suas
coisas no armrio, vestiu um baby-doll cor-de-rosa, to
transparente que era mesmo que nada, e deitou-se.
Como de hbito, um minuto depois dormia
profundamente.
* * *
O suave zumbido do rdio despertou-a de pronto.
Apanhou-o da mesinha de cabeceira, ao mesmo tempo em
que via as horas em seu relgio de pulso. Nove e meia.
Baby? Diga, Johnny. Bom-dia. Estava dormindo? Estava. Espero que... Dormi mais que o suficiente. Quero fazer este
trabalho com toda a rapidez. Seria desagradvel que se
iniciasse um conflito entre Israel e a RAU estando eu ainda
no Cairo. Notcias?
Seria conveniente que nos vssemos. Claro. Posso estar pronta dentro de dez minutos. No, no... Faa as coisas com calma. Nosso homem
est em seu hotel, de modo que no seria conveniente ele
vir a saber que uma viajante chegada s trs da madrugada
j est de p s nove... Devemos evitar qualquer pequena
falha. Conhece o Cairo?
-
Bem pouco. Mas saber ir Praa Rumeleh? Irei. Agora? D primeiro um passeio por El Ezbekiyeh. o
normal em qualquer viajante que chega ao Cairo e hospeda-
se no Continental. Depois, saia de El Ezbekiyeh diretamente por Sharia Mohammed Ali, que leva em linha
reta Praa Rumeleh. L nos encontraremos s onze. Voc
me conhece?
Mostraram-me uma fotografia sua antes de minha partida dos Estados Unidos.
Bem. E como conhecerei voc? Eu o abordarei, Johnny. De acordo. At as onze. Brigitte saiu da cama. Banhou-se, perfumou-se
discretamente, colocou a pequena pistola na coxa esquerda,
prendendo-a com esparadrapo cor de carne, e enfiou um
vestido azul-claro multo leve. culos de sol, uma bolsa na
qual introduziu o rdio, cigarros, a piteira-zarabatana, o
isqueiro-cmara... e estava pronta para qualquer trabalho.
As dez, depois de tomar o caf da manh na sala de
refeies do hotel, saiu para um passeio pela praa El
Ezbekiyeh, admirando-se na verdade com o maravilhoso
espetculo das flores, palmeiras, tamareiras, laranjeiras. s
onze menos quinze saa da praa e tomava por Sharia
Mohammed AU. Chamou um txi e fez-se levar at a Praa
Rumeleh.
As onze menos dois minutos estava passeando por esta.
s onze e um minuto j tinha localizado Johnny. Mas no se aproximou dele. Durante trs ou quatro minutos esteve
estudando-o, a uma prudente distncia, enquanto parecia
-
maravilhada com a contemplao da Mesquita do Sulto
Hasan.
Johnny era louro, fumava com uma piteira que parecia de marfim, estava vestido de branco e tinha um rosto
enrgico, de queixo agressivo. Um conjunto bastante
agradvel... Mas os traidores no tm por que ser feios,
afinal.
At as onze e dez, quando Johnny j tinha olhado vrias vezes para o relgio e ela outras tantas, no se
aproximou. Deteve-se diante dele, olhando-o atravs dos
culos de sol.
Foi Johnny quem perguntou: Baby? Sim. Que h com voc? H dez minutos que a vejo por
aqui... J comeava a duvidar que fosse voc meu contato.
O encontro era s onze, no?
Sabe como so as mulheres? sorriu ela: gostam de se fazer esperar.
Acha que o momento para brincadeiras? resmungou Johnny.
No, no acho. Sentamo-nos num banco? Johnny assentiu com a cabea. Ocuparam um sob uma
alta e frondosa palmeira, e Brigitte, aps acender um cigarro
contemplando o pitoresco gentio que cruzava a Praa
Rumeleh, perguntou:
Ento? Por onde comeamos? Resolveremos mais adiante. No momento, posso
dizer-lhe que j sei o nome do indivduo que nosso
companheiro esteve seguindo desde Roma. Chama-se
-
Stanley Perkins, norte-americano. Quer ver uma microfoto
dele, ampliada?
Entregou-a. Baby esteve uns segundos contemplando o rosto do homem sardento. Tinha uma expresso simptica
e seu aspecto no podia inspirar mais confiana. O clssico
americano saudvel, de mente alerta, bem-humorado,
alegre.
jornalista explicou Johnny. No Continental, registrou-se com esse nome: Stanley Perkins. E apresentou-se a si mesmo como reprter do Chicago Daily, designado como correspondente em Roma.
E no exato? Saberemos talvez esta tarde. Bem. Por que nosso companheiro de Roma o seguia? Recebi um chamado de Roma avisando-me da
chegada de Romano...
De quem? Chamo de Romano o nosso companheiro que seguiu
Perkins desde Roma.
Ah... Muito acertado. Prossiga. Avisaram-me de Roma que Romano ia chegar.
Deram-me sua descrio, advertindo-me de que ele j
possua a minha, e que sabia que eu o estaria esperando. Eu
devia apoi-lo em seus movimentos pelo Cairo investigando
Stanley Perkins. De modo que o esperei no aeroporto, com
um carro preparado no parking para nossos deslocamentos.
hora prevista, chegou o avio. Vi Romano e o homem
que ele seguia, Stanley Perkins. Este foi diretamente a um
carro do parking, e tanto Romano como eu estvamos to
absortos nisso, que no prestamos a devida ateno a dois
-
homens que se aproximaram de Romano por trs. Quando
eu percebi...
Johnny explicou o ocorrido no aeroporto, sem ser interrompido uma s vez por Brigitte.
... Depois, chamei Casablanca, e de l passaram o aviso a Washington. Pelo mesmo conduto, em sentido
inverso, recebi depois notcia de que a agente Baby viria ao Cairo para trabalhar comigo. E aqui estamos.
Por que Romano seguia Stanley Perkins? Em Roma, nosso servio tinha sob vigilncia um
homem chamado Rossano Merletti. Parece que um espio
profissional independente, embora haja suspeitas de que
est trabalhando especificamente para um pas...
Qual pas? No se sabe. Viram Stanley Perkins entrar em contato com esse
Rossano Merletti?
Exatamente. Poucos dias depois, Perkins viajava para o Cairo. Romano foi encarregado de segui-lo. Qualquer
atividade que tenha por cenrio o Cairo, nestes dias, muito
interessante para a CIA.
E para a MVD. E o MI5... Para todos. No? Suponho que sim. E que vinha Stanley Perkins fazer no Cairo? Ainda no sei. Espero que voc me ajude a descobrir. Sem dvida. Afinal de contas, est localizado... Temos algo mais. noite passada, Perkins esteve
numa viela do Bairro Bulk, do outro lado do Nilo, perto do
Canal Ismailiyeh. Nessa viela, precisamente, o carro que o
esteve esperando no aeroporto se... perdeu. Voc seguiu o carro depois que mataram Romano?
-
Karfa seguiu-o. Temos o nmero de sua licena e o nome de seu proprietrio. um egpcio chamado Boabdil
Habuz, que tem uma loja de artigos para fumantes no
Boulevard Halim, Bairro de Tewfikyeh, justamente perto do
Canal Ismailiyeh.
E que fazia o carro perdendo-se no outro lado do canal?
Supe-se que Boabdil Habuz tem l uma casa, ou armazm... Mas ainda no o localizamos exatamente.
Como isso possvel? Bem... No sei se voc conhece as peculiaridades de
uma cidade rabe. Nessas vielas tudo engana. De repente,
no se pode seguir adiante; ou, ao contrrio, quando se
pensa que no h sada, surge uma passagem que leva a
uma rua relativamente ampla; h escadas que sobem e
escadas que descem, escadas que no levam a lugar
nenhum... H portas mnimas, atrs das quais voc pode
encontrar uma casa de enormes dimenses, grandes
corredores, derivaes para todo o quarteiro... por assim
dizer; h portas grandes que nos sugerem uma grande casa,
e uma vez transpostas s se v um aposento, ou um ptio...
No fcil encontrar algum nesses lugares.
Eu sei. Estive em Alexandria no faz muito tempo1. Mas parece-me que um carro deve ser mais fcil de
encontrar, no acha? Olhe... Tivesse sido eu o encarregado de procur-lo, admitiria que por pura inpcia
me extraviasse nessas intrincadas vielas. Mas o encarregado
disso, at que teve de ir esperar voc no aeroporto, foi
Karfa. Ele tem quarenta anos e nasceu no Cairo, de onde
1 (ver PLANO DE INVASO)
-
nunca saiu. Se Karfa no encontrou esse carro, imagine
como a coisa estar difcil.
Bem. Vejamos: Romano sal de Roma seguindo Stanley Perkins, o qual esteve em contato com Rossano
Merletti, o qual parece que atualmente trabalha para um
pas que desconhecemos. Stanley Perkins chega ao Cairo
enviado por Merletti e sua espera est um carro de
propriedade do egpcio Boabdil Habuz, que em uma loja de
artigos para fumantes no Boulevard Halim; o carro de
propriedade de Boabdil desaparece numa viela do Bairro
Bulk, do outro lado do Canal Ismailiyeh, e supomos que
esteja agora escondido em algum armazm que Boabdil
tenha nessa parte da cidade. Ignoramos a localizao desse
armazm onde provvelmente est o carro, mas temos
localizados Stanley Perkins e Boabdil Habuz. Okay?
Perfeito. Agora, temos que saber para que Stanley Perkins veio
ao Cairo, enviado por Rossano Merletti e recebido por
Boabdil Habuz.
Exato. Comearemos Imediatamente. Onde bateu esta foto
de Perkins?
No aeroporto. Se vai perguntar se bati tambm dos dois homens que mataram Romano, direi que sim. Veja-as.
No so muito boas, pois as bati quando j estavam
entrando no carro.
Brigitte tomou as fotos. Eram trs, e em todas elas viam-
se os dois homens, vestidos europia, de branco. Um deles
usava um fz.
Parecem egpcios... murmurou Baby. No os tornou a ver?
-
No. Certamente, ignora seus nomes. Certamente. Mas... batizei-os. Chamo de X o que usa
o fz, e de Z o outro. Karfa o sabe, e se vir algum deles me
avisar quando for oportuno. Embora, devido m
qualidade das fotografias, talvez lhe seja difcil reconhec-
los...
Eu os reconhecerei to logo os veja disse Brigitte. Pode estar certo disso, Johnny. E quero fazer-lhe uma pergunta, que espero ter uma resposta convincente.
J sei. Vai perguntar-me por que no ajudei Romano. Com efeito admitiu Baby. uma pergunta que j estava esperando,
naturalmente. Mas pareceu-me que a formulariam de
Washington. Ao invs disso, mandam voc...
H um motivo multo poderoso para que me tenham enviado ao invs de perder tempo com perguntas, Johnny. Em primeiro lugar, teme-se que se esteja tentando algum
assunto de importncia no Cairo e, portanto, a agente
Baby parece indicada para nele meter seu delicado nariz. Em segundo lugar, parte-se do princpio de que sou capaz
de descobrir a verdade ou a mentira numa explicao. Em
terceiro lugar, e isto fundamental, em Washington sabem
que se h alguma coisa que realmente me instigue a um
trabalho feroz, com todas as minhas foras, o assassinato
de um de meus companheiros. Segundo parece, em
Washington esto convencidos de que, em se tratando de
vingar um agente da CIA, Baby no falhar jamais. Foi-lhe sugerido que eu posso ser um traidor? Eu no necessito de sugestes de ningum, Johnny.
Por que no ajudou Romano?
-
Eu lhe explicarei: quando aqueles dois homens, X e Z, comearam a cravar-lhe suas navalhas, eu estava a mais
de trinta passos. No podia, portanto, chegar a tempo de
impedir nada. Se utilizasse o revlver, talvez pudesse salvar
a vida de Romano, mas, indubitvelmente, tanto este quanto
eu seramos capturados pela Polcia egpcia. Provavelmente,
Romano, j com duas ou quatro navalhadas nos rins,
morreria do mesmo modo, enquanto que eu teria que dar
muitas explicaes aos egpcios. Enquanto isto, ainda
supondo que eu tivesse matado X e Z, Stanley Perkins
escaparia... a menos que eu o matasse tambm, coisa que
no interessava. Vejamos agora de outro ponto de vista:
Romano estava condenado morte... Talvez vivesse umas
horas ou uns dias mais. Gostaria que voc tivesse visto
aquelas navalhadas... Ento, se Romano ia morrer do
mesmo modo, pareceu-me melhor deixar Stanley partir
convencido de que tudo estava solucionado, e que j
ningum o vigiava. Espero que esteja entendendo, Baby: Romano ia forosamente morrer. Se eu interviesse,
estragaria tudo, j que Stanley Perkins se poria em guarda, e
X e Z tambm. E se matasse os trs, pior para o trabalho
que Romano tinha comeado. Portanto, dominei a vontade
de sacar o revlver e permaneci como mais um espectador,
assombrado... enquanto sabia que Katfa seguiria o carro.
Parece-lhe uma explicao convincente?
Brigitte havia tirado os culos de sol e, durante todo o
tempo, mantivera os olhos fixos nos de Johnny. Quando este terminou a explicao e fez a pergunta, ela se limitou a
replicar:
Parece-me uma explicao bastante lgica. Mas no convincente?
-
Bastante convincente, na verdade. Ento...? Iremos adiante, voc e eu. Houve alguma dificuldade
a respeito do cadver de Romano?
No. A Polcia egpcia ps-se em contato com a Embaixada Americana em Roma e o corpo ser enviado
para l, de onde seguir para os Estados Unidos. Para todos
os efeitos, Romano era um pintor americano adepto da
dolce vita em Roma, o que talvez lhe tenha granjeado no
poucas inimizades. As aparncias foram bem resguardadas.
Estimo saber. Agora vamos dedicar-nos a Stanley Perkins.
De dia ser um pouco perigoso mover-se pelo Bairro Bulk... No sentido de que podero ver-nos com mais
facilidade, entende-se. Quanto a ir l noite, algo
considerado como cinqenta por cento de um suicdio. Isso,
alm do fato de que uma mulher tem para perder algo mais
que a vida.
Compreendo sorriu friamente Brigitte. Mas no se preocupe por mim, Johnny: h anos que aprendi a cuidar muito bem de minha pessoa... em todos os sentidos.
Gosto de viver e fao todo o possvel para preservar minha
vida, sem nada que a perturbe. No h em todo o Bairro
Bulk um s homem capaz de conseguir de mim o que eu
no esteja disposta a entregar-lhe.
Johnny ergueu as sobrancelhas, quase divertido. Bem... Espero que no acontea nada, de qualquer
modo.
Voc e Karfa continuem procurando o carro de Boabdil Habuz. Quando for descoberto o esconderijo, avise-
me pelo rdio.
-
Enquanto isso, voc se ocupar de Habuz e Perkins? Para qu? Durante o dia, deixaremos voar livremente
esses pombos. E noite, buscaremos um modo de apanh-
los numa armadilha.
No ser to fcil como voc supe alegou Johnny.
Nesta vida, amigo, s h uma coisa relativamente fcil: morrer, O resto sempre d um pouco de trabalho. E
como estamos aqui para trabalhar, o problema no existe:
Okay?
CAPTULO TERCEIRO Gim com tnica e hips em profuso
Afinal, os que falam podem ser ouvidos
Rebeldia de um Johnny
Stanley Perkins ergueu a cabea, vivamente
surpreendido, olhando para a formosa jovem que lhe fizera
a pergunta:
Sim, com efeito... Sou norte-americano... Dos Estados Unidos? Mas sim quase sorriu. Dos Estados Unidos,
claro.
E verdade que tambm jornalista? Tambm... Hurra! Posso sentar-me com voc? Mmm... que eu... A jovem apoiou, uma das mos na mesa, enquanto com
a outra continuava segurando com no muita firmeza o copo
de gim-tnica excessivamente carregado de gelo... e de gim.
Seus magnficos olhos azuis revelaram angstia.
-
No me diga que no... gemeu. Mister Stracy, no me diga que no, suplico-lhe...
Stanley Perkins... esclareceu este. No Stracy... Stanley Perkins. No se sente bem, miss?
Muito bem replicou ela, com um hip, quase chorando infantilmente. Sobretudo agora, que ouo algum falando de um modo que posso compreender,
porque... hip! Perdo...
Perkins olhou o copo que ela mantinha na mo oscilante,
depois ao redor de si, um tanto inibido e no pouco
preocupado com a impresso que aquela garota estava
causando no bar do hotel.
Acho melhor que se sente... tentou sorrir. Parece estar precisando disso.
Ela se deixou cair numa cadeira, diante dele. Ergueu o
copo e olhou para Perkins atravs do seu transparente
contedo, sorrindo como se estivesse multo feliz.
Sempre disse: onde h um rapaz dos Estados Unidos tudo tem que ir bem... Acredita- que h menos de vinte e
quatro horas cheguei ao Cairo e... hip!... j estou cheia de
tudo isto?
Sem inteno de ofend-la, creio que est cheia de gim... Sente-se bem, realmente?
Me sinto como uma rainha... hip!... que acaba de encontrar seu trono. Voc sabe por que existe o Egito?
Stanley Perkins ficou um tanto estupefato. Coou a nuca
e acabou por tornar a sorrir.
Suponha que por um desgnio dos faras. Os faras... !Bah! Hip! Perkins desta vez riu mesmo.
Qual o seu problema? perguntou.
-
Pois um problema bastante bobo... Meu problema falar unicamente ingls... hip... Ah, quando meu chefe
quiser enviar-me a outro lugar fora dos Estados Unidos, lhe
direi... Voc conhece meu chefe?
Receio que no... um tipo alto de cabea grande, olhar inteligente,
uns quarenta e cinco anos... hip!... e manda nesse maldito
jornal chamado Morning News... Voc de Nova Iorque? Acertou! Sabe o que direi ao meu chefe? Que lhe dir? Que v ele ao Egito, ou aonde quiser... Sabe aonde
me mandou uma vez?
Aonde? sorriu Perkins. A Hong-Kong! Morou? Hong-Kong! Um lugar onde
s tem chineses, gente de cor amarela, com chapus em
forma de abajur e rabicho, e que vo de um lado para outro
puxando umas geringonas de nome muito engraado...
Jerinxs? Isso mesmo... Jerinquixs. Quando me mandou l,
disse que me fazia um favor, que eu ia conhecer o mundo...
O sujo!
Perkins tornou a rir.
Parece que bebeu um bocado, miss... Montfort. Brigitte Montfort, enviada ao Cairo para
ouvir uma falao desse Nasser... Cheguei esta noite, j
estou farta deste lugar, fui portaria e perguntei se havia
aqui pelo menos um americano com quem pudesse falar de
coisas bonitas. E me disseram: L est o mister... hip!... Stanley Perkins que tambm americano e jornalista... E
-
ento, meu quinto gim e eu viemos a esta mesa...
Incomodamos?
No... Hip! Como disse? Disse obrigada. Voc tambm velo ouvir o Nasser? Com efeito. Que viagem comprida, hem? Morre-se de chatice
num avio que s sabe voar, voar...
Seria fatal que fizesse outra coisa, miss Montfort. Se aceitasse uma sugesto...
Qual? No beba mais gim. timo. E que outra bebida me aconselha? Bem... Creio que um pouco de caf seria interessante. Hip! Caf antes do almoo? Voc sdico, Perkins! Talvez aceitasse outra sugesto menos sdica riu o
sardento americano. Um bom almoo, depois duas xcaras de caf, e depois uma boa sesta.
Nem me fale nisso, querido! Quando eu despertasse, voc teria virado fumaa. E ento, com quem poderia falar
eu? Voc entende o rabe?
Nem uma palavra. Tal como... hip!... eu. portanto, no conseguir
escapar de mim!
Nem mesmo hora da sesta? Ah! Vejo que malandrinho, hem? Mas no importa.
Almoamos juntos, ento?
E a sesta? Detesto sestas... Sempre se sua muito. De noite, sim,
tudo vai muito bem. No est de acordo comigo?
-
Pensarei sorriu Stanley perkins. Por enquanto, almoamos juntos. Depois... veremos.
Posso tocar em voc? Como...? Quero ver mesmo se americano... Diga comigo:
Viva o Tio Sam!
Viva o Tio Sam! riu perkins. * * *
Viva o Tio Sam! Viva ecoou Perkins. Acho que o caf no fez
muito efeito...
Pois se engana: estou com um sono danado. Viva... hip! ... o Tio Sam!
Stanley Perkins abriu a porta da sute de Baby e ajudou-a a entrar. Fechou, passou um brao dela por seu
ombro e amparou-a at o quarto. Deixou-a cair na cama e
contemplou-a simpticamente.
Pra onde... hip!... me trouxe? Para o quarto. O seu. Estamos na cama? Voc est. Sou um cavalheiro. Comeu pouco e bebeu
muito... mas eu sou um cavalheiro...
Uma atitude... hip!... muito digna. Sabe algum verso? Verso? Isso que se chama poesia. Bem... No sei... No momento... Qualquer verso, querido... hip!... Stanley. Qualquer... Vejamos. Talvez eu consiga lembrar-me de algum...
Este, por exemplo... Mmm... Geme o vento de maro, trazendo a morte em suas asas... Brigitte! Hei, Brigitte!
-
Um ressonar cadenciado foi toda a resposta obtida por
Stanley, que sorriu e coou a nuca. Depois foi janela e
correu a cortina, deixando o quarto mergulhado em
penumbra. Regressou para junto da cama. Durante uns
segundos, contemplou o lindo rosto da jovem adormecida.
Sbito, inclinou-se sobre os ternos lbios entreabertos e
beijou-os. Instantaneamente, os braos de Baby enlaaram-lhe o pescoo e seus lbios retriburam
calidamente o beijo. A presso foi to forte, que Perkins
esteve a ponto de cair sobre ela. Conseguiu tirar aqueles
braos do pescoo, e uma vez mais contemplou a deliciosa
criatura. Uma das alas de seu vestido estival tinha
deslizado e parte do peito ficara a descoberto. A carne
parecia ncar, iluminada por uma luz interna, de
maravilhosa tonalidade rseo-dourada.
O americano assobiou baixinho e meteu um dedo no
colarinho de sua camisa, para afroux-lo.
Decididamente, a menos que quisesse complicar as
coisas, o melhor que podia fazer era retirar-se a toda a
pressa. Pareceu que ia beijar mais uma vez aqueles doces
lbios, mas optou por sair dali.
Deteve-se porta do quarto.
Bem... Talvez dentro de poucos dias, quando tudo
estivesse resolvido, ele tivesse outra oportunidade com a
bela adormecida.
Segundos depois, abandonava a sute. E, apenas fechava
a porta desta, a adormecida despertava, apanhava sua bolsa,
que ficara sobre a mesinha de cabeceira, tirava os cigarros,
acendia um e permanecia pensativa alguns segundos.
Depois, o rdio.
Johnny?
-
Diga, Baby. Como vo as coisas? Parece que bem. Karfa encontrou uma pista. Espero
que chegaremos ao carro de Boabdil Habuz e, portanto, ao
esconderijo que Stanley Perkins visitou.
Mantenha-me ao corrente. Claro. Que est fazendo agora? Dormirei a sesta. At logo. Fechou o rdio, sentou-se na cama e acabou de fumar o
cigarro. Depois foi ao armrio, sacou a maleta vermelha e
tirou desta o receptor do microfone que tinha colocado antes
do almoo na sute de Stanley Perkins. Apertou o boto de
recepo, de modo que tudo quanto tivesse som naquela
sute chegaria at ela. Mas nada chegou. Absolutamente
nada.
Fechou o receptor, fechou os olhos e adormeceu
imediatamente, como uma menina.
* * *
As sete da tarde, a bela norte-americana tinha j tomado
trs martinis no bar do hotel. E a todo momento seus brilhantes olhos azuis olhavam para a porta do bar. Parecia
profundamente decepcionada.
As sete e meia, levantou-se bruscamente e foi ao toalete
de senhoras. Entrou, certificou-se de que l no havia
ningum e ento tirou da bolsa o rdio, admitindo o
chamado.
Que h, Johnny? Algo interessante. Recebi notcias de Roma: Rossano
Merletti desapareceu.
Como desapareceu?
-
Desapareceu. Naturalmente estava bem vigiado pelos nossos companheiros de l. E de repente, no foi mais visto.
Mas... no se pode desaparecer assim. Ter deixado algum rastro...
Nenhum. Bem. Foram investigados os aeroportos? Est sendo feito Isso. Claro que no saiu pelo
aeroporto Fiumicino. Pelo menos, no com o nome de
Rossano Merletti. Pode utilizar vrios nomes, lgico...
No esqueamos que est fichado como investigador
particular.
No to particular, se est trabalhando para algum pas.
Devem pagar-lhe bem por determinado trabalho. Evidentemente, tal trabalho tem relao com a vinda de
Romano ao Cairo, e a de Stanley Perkins. Tudo tem que
estar ligado, forosamente.
Em cujo caso, mais que possvel que Merletti esteja a caminho do Cairo.
Assim penso eu. Talvez fosse conveniente vigiarmos o aeroporto. Se saiu de Roma, deve ter recorrido a um meio
rpido, para chegar o quanto antes ao seu destino.
O Cairo, claro. Certamente dispunha de um avio particular... Voc ainda mantm contato com Roma,
Johnny? Posso consegui-lo quando quiser. Chame Roma. D ordem para que todos permaneam
em seus postos. Que penetrem na residncia at agora
ocupada por Merletti e que...
Isto j foi feito. E encontraram algo... surpreendente. Surpreendente?
-
Uma fotografia de Gamal Abdel Nasser. Uma fotografia de... No compreendo. Suponho que saiba o que uma fotografia, Baby. Ora, vamos, Johnny... Na residncia ocupada por Merletti, encontrou-se
uma fotografia de Nasser. Uma fotografia de tamanho
natural. Isto , nas exatas propores do governante egpcio.
Estava rasgada em mil pedaos e haviam tentado queim-la
completamente.
Mas no estava Completamente queimada. No. Talvez no seja de Gamal Abdel Nasser... dele. Sem a menor dvida, Baby. No sei se entendo isto... Um italiano tem a fotografia
cio general Nasser em tamanho natural, queima-a e
desaparece... E esse mesmo italiano est em contato com
um egpcio chamado Boabdil Habuz, com um jornalista
americano chamado Stanley Perkins... Voc entende alguma
coisa, Johnny? Confesso que no. Claro que tudo Isso cheira a
espionagem, mas no consigo perceber a jogada. Um
italiano, um americano, um egpcio, a foto em tamanho
natural de Nasser... Sinto multo, mas no me ocorre nada. A
no ser que Merletti, fervoroso partidrio do general, ao
abandonar sua residncia tenha tentado ocultar isto,
queimando sua fotografia. O inegvel que tentou desfazer-
se dela.
ainda mais surpreendente o fato de que a Possusse. Que pode importar Nasser a um espio profissional como
Merletti?
-
Talvez ele no seja italiano, mas egpcio, e estivesse desempenhando alguma misso em Roma.
possvel. Mas duvido muito que um egpcio em misso secreta na Itlia cometesse a tolice de ter em sua
residncia uma fotografia em tamanho natural de Nasser.
Certo. Bem... Na verdade, no compreendo. Continue em contato com seu amigo Karfa. Eu
continuarei ocupando-me de Perkins. Mais tarde ou mais
cedo, ter que voltar a essa viela do Bairro Bulk e ento, o
seguirei. Estou convencida de que l estaro tambm o
egpcio Boabdil Habuz e o italiano Rossano Merletti.
Se voc, seguindo Perkins, encontrar essa viela antes que ns, avise-me.
Assim farei. At logo, Johnny. Fechou o rdio, guardou-o na bolsa, saiu do toalete e
voltou mesinha no bar do hotel, com o ar de uma
estupenda moa americana que se aborrecesse
tremendamente. hora do jantar, seu aborrecimento era de
fato lamentvel. Jantou sozinha, recusou o caf e, em
compensao, pediu que mandassem sua sute uma garrafa
de champanha bem gelado, em seu correspondente balde.
Mas antes de retirar-se sua sute, perguntou por
Stanley Perkins na portaria.
Mister Perkins est descansando. Deu ordem que no o incomodassem. Parece que est um pouco indisposto.
Oh... Bem, voc sabe falar Ingls... Que tal se conversarmos um pouco, amigo?
O egpcio procurou sorrir cortesmente.
Lamento, mas estou muito ocupado, miss Montfort. Talvez em outra ocasio...
-
Claro. Em outra ocasio... Que no esqueam minha garrafa de champanha.
No ser, esquecida. Mas, se me permite uma sugesto amistosa...
Permito-a, meu amigo, permito-a de todo o corao. Creio que devia retirar-se para descansar.
Guardaremos sua garrafa de champanha, para...
Que espcie de servio h neste hotel? Pedi uma garrafa de champanha, e quero uma garrafa de champanha.
Est claro?
Ser servida imediatamente. Assim est melhor... Sim, meu amigo, muito
melhor... Pobrezinho do Stanley, est dodi...
O encarregado da portaria olhou com sarcasmo
contundente aquela deplorvel amostra das cidads norte-
americanas. Possivelmente, teria ficado perplexo se visse a
tal cidad americana, logo aps entrar em sua sute, muito
firme sobre os lindos ps, recorrer ao receptor. No se ouvia
absolutamente nada. Isto fez com que suas sobrancelhas se
contrassem, j que, estava claro, na histria da indisposio
de Perkins no seria ela quem acreditaria.
Olhou as horas. Nove e vinte da noite. Uma fotografia
em tamanho natural de Abdel Nasser. No era intrigante
aquilo? No Cairo eram vistas por toda parte. Possivelmente,
em todas as cidades do Egito. Mas... por que uma fotografia
do dirigente egpcio numa residncia em Roma? E por que
fora queimada?
A batida na porta quase a sobressaltou. Era o camareiro
de servio trazendo-lhe o champanha. Deu-lhe uma gorjeta,
despediu-o e voltou para junto do receptor, com a bandeja
na mo. Deixou-a sobre a cama, destampou a garrafa e
-
serviu-se de uma taa. Esperaria mais uma hora. Somente
uma hora mais. Se at ento o silncio persistisse na sute
de Stanley Perkins, teria que entrar l por seus prprios
meios.
* * *
Por volta das dez horas, j na metade da segunda taa,
ouviu o som de uma batida pelo receptor. Aproximou-se
imediatamente do aparelho.
Ouviu as tnues pisadas. Depois, a voz de Perkins, algo
distante. No pode entender o que dizia. Mas, felizmente,
ele voltou ao quarto e, ento, pode ouvir sua voz com toda a
clareza:
... algum contratempo? Nenhum, Perkins. Est claro que a CIA me vigiava
atentamente, mas tudo estava calculado e planejado;
consegui engan-los com bastante facilidade. Embora para
ser sincero eu declare que prefiro cruzar o Mediterrneo
numa linha regular de passageiros que um avio particular.
J viu Boabdil Habuz?
Claro. Houve uma contrariedade minha chegada... Era de esperar, j que um agente da CIA acompanhou
voc. Mas entendo que o incidente foi solucionado, no
assim?
Exato... de um modo algo brutal. Tem razo. Mas voc vai ganhar com isto um milho
de dlares. No sei se voc pensou no que representa
exatamente esta cifra, Perkins; um milho de dlares. Com
esse dinheiro posto num banco da Sua, voc pode passar o
resto de sua vida como um nababo nos melhores lugares da
Europa: Nice, Capri, Palma de Malorca, Roma, Cannes,
Saint Moritz ou Cortina dAmpezzo, Paris, Viena, Madrid...
-
A Europa sua disposio! Suponho que no est pensando
em desistir, Perkins.
Claro que no! Bem. J recebeu o convite oficial para a Conferncia
de imprensa?
Ainda no. Mmm... Espero que a guerra no se adiante a nossos
planos. Se rebentar de imediato, possvel que Nasser
suspenda essa conferncia. E isto no nos convm. J
praticou com a cmara fotogrfica?
Ontem noite. Parece que no multo difcil. No se fie muito. Tenha em conta que o treinamento
no a mesma coisa que a situao real.
Eu sei, eu sei. Olhe, Merletti, no que me importe, mas... quem me paga para fazer isto?
No disse que no lhe importa? Pois no pergunte. Voc tampouco pergunta? Tampouco. Pagam-me bastante bem para que a
questo me seja indiferente. Encarregaram-me de um
trabalho, recrutei os homens mais apropriados, pago-os
esplendidamente, tudo. Eu sou um espio profissional,
Perkins: trabalho para quem melhor me paga. Esta vez o
preo merece que eu arrisque o pescoo. E o mesmo pensou
voc, quando o contratei em Roma,,
J lhe disse que no mudei de opinio. timo! Est bem instalado? Alguma coisa no vai
como deveria? Quero que tenha sempre presente que as
melhores organizaes de espionagem, como por exemplo,
a CIA, podem estar atrs de ns.
Acho... acho que tudo vai bem.
-
Ningum o incomodou? Ningum o vigia, ou se aproxima demasiado de voc? No suspeita nada de
ningum, Perkins?
No... Bem, uma moa americana falou comigo hoje. Disse...
Uma americana? Quem ? Onde est? Chama-se Brigitte Montfort e hspede deste hotel;
ocupa a sute 39. S sabe falar ingls e est detestando o
Cairo. Quando soube que eu era americano, agarrou-se a
mim como carrapato. Queria inclusive que eu dormisse a
sesta com ela.
Que veio fazer no Cairo? Oh, trabalha para o Morning News de Nova
Iorque...
Tem certeza de que existe este jornal? Claro que tenho! E depois, lembrando nosso
encontro, seu nome veio minha memria... Com efeito, o
Morning News publica artigos assinados por Brigitte Montfort; uma jornalista de grande capacidade e vasto
prestgio nos Estados Unidos.
Sobre que costuma ela escrever? Bem... Sobre tudo. Reportagens especiais, quase
sempre...
Matria poltica? s vezes, sim... Costuma comentar fatos de
ressonncia internacional, e geralmente est muito bem
informada. Conhece o assunto sobre o qual escreve... Vez
por outra, surpreende o pblico e toda a imprensa americana
com um artigo sensacional...
Sobre espionagem, talvez?
-
Bem... A verdade que esses artigos so muito ricos de detalhes, mas j lhe disse que ela est sempre bem
informada. Entendo que viaja com freqncia, mas no se
sente muito satisfeita com isso... E ento afoga seus
aborrecimentos com gim-tnica.
Estudaremos mais detidamente essa Brigitte Montfort.,. Nada mais? Nenhum outro detalhe digno de ser
tomado em conta? Lembre-se que nosso xito depende
exclusivamente do elemento surpresa. Se esta faltar, se
pusermos algum em guarda, tudo ir mal... E voc no
chegar, a cobrar o seu milho de dlares, Perkins.
Por minha parte, tenho feito tudo quanto... Brigitte apenas conseguiu reter um grito de sobressalto,
quase de raiva, quando o rdio emitiu um zumbido de
chamado. Respondeu de um modo brusco:
Estou ocupada, Johnny! Espere! Karfa encontrou o carro de Boabdil Habuz.
Est num...
Est bem, est bem... Eu chamarei voc dentro de alguns minutos, Johnny.
Mas temos esse esconderijo a nosso alcance! Alm disso, parece que fcil penetrar nele... E se voc achar
pouco, lhe direi que Boabdil Habuz entrou l, Baby, no faz nem um minuto. No acha que seria interessante tentar
ouvir o que ele vai dizer?
Pois tente. Mas deixe-me em paz at que eu torne a cham-lo. E no faa nada sem minha autorizao.
Voc est falando srio? perguntou Johnny. Completamente. Saiba voc... Saiba voc, Baby, que tambm vi X e Z, os dois
que mataram Romano diante de meus olhos. Quanto s suas
-
ordens, ser bom para voc que, pelo menos uma vez, um de seus companheiros de misso lhe diga que pouco est
ligando para elas. Ciao!
Johnny... Johnny! No seja estpido. Tenho sob meu controle... Johnny!
Compreendeu que no receberia resposta, pelo que
passou a escutar novamente a conversa entre Stanley
Perkins e Rossano Merletti na sute 17, coisa naturalmente
muito mais interessante
CAPITULO QUARTO Evoluo da tcnica de espionagem
Johnny em apuros Deciso total, audcia
Era Rossano Merletti quem estava falando ento:
... qualquer modo, ser, melhor que pratique em descanso, Perkins.
Mas o processo verdadeiramente simples. O truque da fotografia no pode falhar. ... quase diablico.
No ser to fcil como ns pensamos. Quanto mais forem feitos esses ensaios, mais probabilidades teremos de
sucesso.
Ora, trata-se apenas de bater uma foto do general Nasser... Ningum poder suspeitar nada. Seremos talvez
duzentos ou trezentos fotgrafos de jornais do mundo
inteiro. J pratiquei com as fotografias e, na verdade, o
plano me parece infalvel. Por que voc tanto se preocupa?
Perkins: alguma vez j se dedicou espionagem, antes?
No...
-
Pois a esta. Neste mundo estranho dos espies acontecem coisas inexplicveis. Por exemplo, um fato que
ocorra a menos de cem metros de distncia pode passar
despercebido de um espio... No entanto, esse mesmo fato,
em menos de cinco minutos, j consta dos Servios Centrais
da CIA, ou da MVD. Coisas assim acontecem diariamente.
E no esqueamos que a CIA esteve a muito menos de cem
metros de ns. Voc, como americano, no reconhece a
capacidade da CIA?
Acho que h muito de exagero no que se refere espionagem. Afinal de contas, os espies so homens
comuns, no super-homens. Tm suas inevitveis limitaes
fsicas e mentais.
Naturalmente! Mas acontece que tais limitaes foram muito reduzidas devido a um intenso treinamento. H
vinte anos, qualquer um podia ser espio... Qualquer suj
eitinho insignificante era capaz de exercer a espionagem de
um modo aceitvel. Hoje, no. Hoje em dia, os espies
recebem treinamento intensivo em diversas matrias: luta,
armas, eletrnica, lnguas, costumes locais, tcnicas de
simulao... O que antes s era conseguido por um espio
nato, valendo-se de seus mritos ou instintos naturais, hoje
ensinado em academias especializadas. Tudo est
organizado, metodizado, sistematizado. Em cinco minutos,
a CIA, o Deuxime Bureau, a MVD ou o MI5 podem por
em movimento dez mil agentes em todo o mundo. Isso no
se conseguia antes.
E voc se atreve a lutar contra tudo isso? uma questo de experincia. Pois eu no sou nenhum agente experimentado... e
voc recorreu a mim, no verdade?
-
Justamente isso prova minha experincia. Se tivesse recorrido a agentes de categoria, com muita probabilidade
estariam sob vigilncia, como eu mesmo estava. Voc foi
localizado precisamente por entrar em contato comigo. Mas
como tudo estava previsto, pudemos desfazer-nos de seus
vigias. Se eu tivesse menosprezado a CIA, a estas horas
teria voc em seus calcanhares o homem que tomou o
mesmo avio em Roma... Compreende?
Sim... Creio que sim. Entretanto, insisto em que o truque da fotografia to fcil, realmente, que no sei de
onde poder surgir uma dificuldade...
No se trata de que eu esteja espera de qualquer dificuldade: apenas desejo impedir que surja. Portanto...
O rdio de Baby tornou a soar. O que lhe causou no pouca irritao. Ao que parecia, Johnny se propusera atorment-la, atrapalhando uma das melhores audies
explicativas que j havia obtido.
Johnny, j lhe disse que.. Baby, no... no corte, no... corte... Johnny! Que est acontecendo? Entrei no... no esconderijo de Boabdil Habuz e...
fomos surpreendidos...
Karfa e voc? J o mataram... Agora vm para c... Estou perto da
porta, junto do carro de Habuz, mas no... no posso abri-la,
pois funciona... mecanicamente...
Diga-me onde est, Johnny! Agora mesmo vou...! No sei explicar... impossvel, com estas malditas
vielas...
Tem que haver algum sinal, para que eu possa orientar-me!
-
Aqui todas as casas so iguais... Pea... auxlio a Roma... Que venham vrios agentes e... procurem perto do
Canal Ismailiyeh... Baby, isto ... fantstico! Tudo est cheio de... de fotografias de Nasser em tamanho... natural e
h um corredor muito longo... Ao fundo, vrias fotos de
Nasser, colocadas nuns cavaletes... e muito iluminadas...
Dois homens tiram fotografias dessas fotografias, sob a
vigilncia de... de Boabdil Habuz... J esto chegando aqui!
Johnny, voc tem que fazer um esforo, tem que dar-me uma pista, para que eu v ajud-lo. Tem que...!
Vou cortar e... esconder o rdio, para que no... que no saibam que fiz... contato com ningum... Adeus,
Baby Desejo-lhe... muita sorte... Johnny! JOHNNY... Mas, realmente ele tinha cortado a comunicao. Baby
ficou petrificada, aniquilada. O receptor continuava
captando as vozes de Stanley Perkins e Rossano Merletti,
que ela agora s ouvia como um som vago, sem qualquer
significao.
Ps-se de p. Plida, inquieta. Mas... aonde ir? Que
podia fazer? Como ia encontrar nos cafunds do Bairro
Bulk um esconderijo que Karfa, um cairota levara mais de
quarenta e oito horas a localizar, embora tivesse
acompanhado carro que por l se perdera?
Era absolutamente impossvel Deixou..se cair sentada na
beira da cama, ainda aturdida pelo impacto que para ela
representava a morte de um Johnny, de um companheiro que com ela estava colaborando numa misso.
... A respeito dessa moa chamada Brigitte Montfort teremos que ocupar-nos dela, discretamente. No gostaria
nada que ela o estivesse vigiando, Perkins.
-
Vigiar, ela...? Por favor, Merletti. Acho que voc est exagerando as coisas.
Talvez. Mas at que tudo tenha terminado, no podemos confiar na mais inocente pessoa que de ns se
aproxime embora seus motivos, aparentemente, estejam
bem justificados. E se... o que isso?
Um chamado pelo rdio que Boabdil Habuz me deu ontem explicou Perkins, atnito.
Bem... Que espera para responder? Oh... Ele disse que o telefone no interessava
porque...
Responda! Sim, imediatamente... Brigitte deixou de ouvir as vozes e, ento, pode escutar o
suavssimo zumbido do rdio, que logo cessou. Chegou-lhe
a voz de Stanley Perkins, tensa, nervosa:
Sou... sou Perkins... Quem est ai? Oh, sim, senhor Habuz... Sim, ele chegou... vamos falando sobre... Sim,
escuto... Sim, sim... No! No, no... Quero dizer que no
possvel... Cla-claro... Sim, compreendo... Compreendo...
Vou dizer-lhe agora mesmo... Houve uma breve pausa; depois, novamente a voz de Perkins: Era Boabdil Habuz, Merletti. Disse... que dois homens entraram no corredor
pelo pequeno respiradouro que d para o ptio e que... e que
mataram um, que parece egpcio. E que capturaram o outro,
que est ferido e... e parece que ... norte-americano...
Brigitte ouviu perfeitamente a exclamao de Rossano
Merletti, depois sua voz tensa, vibrante:
Est vendo, Perkins? Esse homem pode muito bem ser da CIA, se americano! Isto nos coloca numa situao
-
verdadeiramente difcil! Malditos sejam todos vocs,
inteis...!
Mmm... Boabdil Habuz disse que seria conveniente voc ir l, se deseja interrogar o prisioneiro ferido. Disse
que talvez ele esteja sozinho e que ter descoberto o
esconderijo por casualidade, inesperadamente...
Imbecis!... Por casualidade? Com quem pensam vocs que estamos tratando? Vista-se imediatamente:
iremos os dois ver esse prisioneiro! E observe-o com a
mxima ateno, tentando lembrar-se se j o viu perto de
voc, s ou acompanhado por algum... Vamos, tire esse
estpido pijama e ponha qualquer coisa!
Sim, imediatamente.. Baby desligou o receptor, guardou tudo rpidamente,
correu ao banheiro e esvaziou quase toda a garrafa de
champanha no lavatrio. Depois, apanhou a taa e dirigiu-se
a toda pressa para a porta de sua sute.
As ms notcias, deve-se fazer frente com deciso total,
com audcia.
-
CAPTULO QUINTO O recurso alcolico
Um perigoso labirinto rabe
Desarmada
Vamos Depressa! Tenho O carro embaixo. Poderemos chegar l em poucos minutos...
Stanley PerkinS olhou para Merletti, enquanto vestia as
calas.
Tem um carro? Estava minha espera no aeroporto, naturalmente.
Que est pensando? J lhe disse que tudo foi bem
calculado... menos isto! Tenho que saber se esses dois
homens conseguiram localizar-nos trabalhando isolados, ou
se fazem parte de uma rede na qual nos apanharam...
Voc disse que tudo era seguro... Por minha parte, era! Mas voc deve ter cometido
algum erro, Perkins!
Eu no... Estou certo de que seguiram seus movimentos no
Cairo... S assim tero podido encontrar o esconderijo de
Boabdil Habuz!
Talvez tenham vigiado a ele... Talvez. Est pronto? Perkins meteu a fralda da camisa nas calas de qualquer
maneira, colocou a gravata no pescoo e apanhou o
casaco... no momento em que se ouvia a batida na porta.
Um revlver apareceu imediatamente na mo direita de
Merletti, enquanto Perkins empalidecia e ficava imvel.
Aps uns segundos de tenso, a batida repetiu-se. Perkins
-
olhava assustado para Merletti, cuja expresso era agora
cruel, fria.
V ver quem murmurou o italiano. Mas se forem da CIA... No diga mais tolices. A CIA no se daria ao trabalho
de bater se soubesse que estamos aqui: nos esperaria l fora
para caar-nos como ratos, ao sair. Veja quem e despache
imediatamente.
Bem... Mas se estiverem armados... Eu estarei aqui para proteg-lo. V abrir. Stanley Perkins saiu do quarto, ainda plido,
absolutamente inseguro de si mesmo. Deteve-se diante da
porta, clareou a voz e perguntou:
Quem ? Abra, querido! Venho cuidar de voc. Hip! Perkins voltou-se para Merletti, que estava no limiar do
quarto.
... a tal miss Montfort... E parece que tornou a encher-se de gim...
Mande-a embora sussurrou Merletti. Perkins assentiu com a cabea.
Brigitte, por favor, v descansar... No estou passando bem...
Eu... hip!... sei. Por Isso mesmo venho cuidar de voc. E assim poderemos bater um... hip!... papinho...
V, embora, por favor. Amanh nos veremos. No me afastarei daqui! Voc um... bip!... mal-
agradecido Mas no vou embora assim...
Eu j estou melhor, Brigitte. Bastante melhor... Ento, tomaremos champanha! Viva o Tio Sam! Amanh... Amanh, Brigitte, por favor...
-
No quer deixar-me entrar? Esta noite, no. Pois... hip!... me sentarei em sua porta e daqui no
arredarei at que... hip!... at que voc me receba. J estou
sentando...
Ouviu-se um baque surdo no cho. Depois, um tilintar
de cristal, seguido de dois hips!. Stanley Perkins voltou-se novamente para Merletti, com expresso desesperada.
Abra disse Merletti, frio. Mas... Abra! O americano abriu a porta e contemplou Brigitte,
sentada no cho com as pernas cruzadas; defrontando a
porta. No estava tomando gim, mas champanha Tinha uma
garrafa na mo direita e uma taa na esquerda. Ao abrir-se a
porta, ergueu a cabea, sorriu alegremente e brindou:
Viva o Tio Sam! Tomou o contedo da taa de um trago. Perkins viu a
garrafa vazia e mordeu os lbios. Olhou para ambos os
lados do corredor, mas no havia ningum. Inclinou-se e
segurou Baby pelo brao, ajudando-a a levantar-se. Ser, melhor que entre, Brigitte... Voc ... muito mau, Stanley... Sim, sim... Entre... Puxou-a para dentro da sute e fechou rpidamente a
porta. Brigitte lanou os braos ao pescoo, ainda
segurando nas mos a garrafa de champanha vazia e a taa.
Voc ... um simptico americano, Stan... ley. E vou... hip!... dar-lhe um beijinho muito gostoso...
Deu-lhe. Apertou-lhe os braos com fora e seus lbios
colaram-se aos de Stanley Perkins, que no sabia o que
-
fazer. Ela gemia docemente e, por um momento, ele quase
esqueceu a realidade de sua situao.
Mas subitamente tirou os braos de Brigitte de seu
pescoo e afastou-a de si.
Voc precisa deitar-se disse. Ser o melhor... disso mesmo que eu preciso! Deitar-me! E por isso
vim, para dormir com o meu querido americano... J de
noite, no?
Sim, mas... Dormiremos juntos, e falaremos e... hip!... e
brincaremos de dar beijinhos. Mas antes pediremos outra
garrafa de champanha. Viva o Tio Sam! Quer que eu...
hip!... tire o vestido, ou prefere tir-lo Voc?
Leve-a para a cama... Viva o Tio Sam! E quero que durma sem demora. Morra o Tio... hip!... Sam! No quero dormir. Quero
passar toda a noite acordada, conversando com voc e
brincando de beijinhos gostosos... Hip!
Stanley Perkins no sabia que fazer. Sua bela
compatriota no cessava de lanar-lhe os braos ao pescoo,
tentando beij-lo. E ele tinha que estar afastando-a
continuamente, cada vez mais nervoso, olhando para o
umbral do quarto. Por fim, suspirou aliviado quando
Rossano Merletti, j sem o revlver na mo, aproximou-se.
No me disse que tinha uma amiga no Cairo, Perkins. Brigitte voltou-se desequilibradamente, a ponto de cair.
Ficou olhando para o italiano, piscando muito os olhos...
Ergueu a garrafa, indicando-o.
Quem ... esse? tartamudeou.
-
Sou um amigo de Stanley adiantou-se Merletti, sorrindo amvelmente. Se tivesse sabido que ele tinha um compromisso para esta noite, no viria visit-lo, miss...
Voc... mais gentil que Stanley.. Montfort... Hip! Brigitte Montfort, jornalista americana,., Voc americano?
No... Mas, como pode ver, falo bastante bem o ingls, no acha?
Fala! J tenho dois amigos para falar ingls... Tem alguma coisa contra os Estados Unidos?
Que me lembre, no sorriu Merletti. Ento, diga comigo: Viva o Tio Sam! Viva o Tio Sam! riu ele. Quer que lhe d uns beijinhos, senhor... senhor,,,
estimado senhor meu amigo?
Bem... No gosto de roubar as noivas dos meus amigos replicou divertido o Italiano. E Stanley ficaria zangado, voc no acha?
Stanley um antiptico! Voc simptico! Vamos... hip!... mandar o Stanley embora, e voc e eu faremos... No
quer pedir mais champanha estimado senhor meu amigo?
Tenho uma idia melhor... Possuo uma bonita casinha no muito longe daqui, com um ptio de palmeiras e
laranjeiras... E duas garrafas de champanha no refrigerador.
Aceita o convite?
Viva o Tio Sam! Vamos l, estimado senhor meu amigo! E passaremos uma famosa... hip!... uma famosa
noite!
Stanley Perkins olhava de um para outro, assustado. No
compreendia muito bem o que se propunha Merletti, mas,
indubitavelmente, ele estava tentando resolver a situao
sua maneira.
-
O italiano tirou de Brigitte a garrafa e a taa.
Deixaremos isto aqui... E quero pedir-lhe um favor, miss Montfort.
O... O que quiser, querido estimado senhor meu amigo.
Vamos sair do hotel os trs, mas teremos que faz-lo de um modo... correto. Acha que poder caminhar com
naturalidade, sem chamar ateno? Seria muito
desagradvel que algum pudesse pensar que bebeu alm da
conta.
Muito desagradvel, na verdade... Hip! Desceremos os trs, como bons amigos, e sairemos
do hotel em silncio. Procure no soltar mais esses hips to simpticos. .. E no grite mais Viva o Tio Sam... Sem dvida, sabe que os americanos no gozam de grande
estima no Egito, atualmente... Podemos sair com passo
firme e a boquinha calada?
Com... com toda a facilidade... timo. Vamos, ento. casinha com laranjeiras e palmeiras...? Exatamente. Viva o...! levou graciosamente um dedo aos
lbios. Psit! ... No devemos dizer isso. No devemos dizer isso sorriu Merletti. Em marcha. Em marcha! Abram alas! Um, dois... um, dois...! Miss Montfort, por favor... Discrio. Psit! Que ningum grite sorriu infantil- mente
Baby. Vamos festa, mas sem acordar o avozinho, seno querer vir tambm...
Merletti tambm levou um dedo aos lbios.
-
Psit! Vamos festa. Segurou-a por um brao, fazendo sinal a Perkins, que se
apressou em abrir a porta da sute. Saram Brigitte e
Merletti, e Perkins fechou a porta, juntando-se a eles. A
outro sinal do italiano, Perkins segurou-a pelo outro brao, e
desceram os trs juntos a ampla escada de degraus
vermelhos.
Brigitte aproximou os lbios do ouvido de Merletti e
murmurou:
Viva o Tio Sam! E ps-se a rir aps tal confidncia, como uma menina
que acabasse de cometer uma travessura. Merletti
admoestou-a em silncio, ameaando-a com um dedo.
Psit! fez Brigitte. Silncio... Cruzaram o vestbulo do hotel sem novidade,
despertando um interesse certamente relativo, j que ela,
com grande esforo, soube comportar-se devidamente. Uma vez em Sharia Kamel, o italiano dirigiu-se com
rapidez para onde tinha deixado seu carro, duas quadras
mais alm.
Brigitte e Perkins ocuparam o assento traseiro e Merletti
tomou o volante. O carro rodou pelo Boulevard Halim,
diretamente, para o Canal Ismailiyeh, que cruzou por
Kantaret Abou Leileh, umo ao Bairro Bulk. Em poucos
minutos, comearam a perder-se no intricadssimo labirinto
de vielas, enquanto Baby, alheia a tudo, dedicava-se a cantarolar o hino nacional americano, The Star Splaned Banner, a exclamar de vez em quando Viva o Tio Sam e soltar algumas risadas.
E se fossemos remar no Nilo? props subitamente.
-
Quero que antes veja minha casa respondeu amvelmente Merletti. Garanto que vai gostar...
Se me enganou e no houver champanha no refrigerador, eu... eu no lhe darei beijinhos gostosos,
estimado senhor meu amigo...
Perkins permanecia sombrio, pensativo. Achava absurdo
levar Brigitte Montfort ao esconderijo de Boabdil Habuz. E
isto devia significar que Merletti no tencionava deix-la
sair jamais... Coisa que, alm de lamentvel em si,
preocupava-o pelas repercusses que pudesse ter para ele.
Vrias pessoas tinham-nos visto sair juntos do hotel... Se ele
voltasse e Brigitte Montfort no aparecesse mais, cedo ou
tarde a Polcia egpcia interviria, sem dvida. A nica coisa
que o acalmava um pouco era a certeza de que Rossano
Merletti devia saber multo bem o que estava fazendo e
encontraria uma soluo para tudo.
Estamos chegando disse o italiano. Que lugar to feio! exclamou Brigitte. aqui
sua casinha com laranjeiras e palmeiras...?
Os bairros rabes so surpreendentes, miss Montfort, como logo ir verificar.
Em algumas daquelas vielas, o carro passava quase
roando as paredes; uma ocasio, teve inclusive que descer
por alguns degraus... Vez por outra, uma sombra afastava-se
diante do carro, metendo-se no vo de uma porta, para
deixar caminho livre ao veculo.
Por fim, numa esquina, Merletti parou. Estendeu o brao
por cima da porta do carro, chegando com toda a facilidade
parede. Apertou uma das pedras desta, depois seguiu
adiante. A ruela se alargava medida que avanavam, at
que, uns cem metros mais alm, sobrava um espao de meio
-
metro pelo menos a cada lado do veculo. Apesar disso,
Merletti passou roando a parede da direita. Uma sombra
apareceu bruscamente diante deles, com um brao erguido.
No se afastou, mas tampouco foi necessrio, pois o carro
virou para a esquerda e, dois segundos aps, estava no
Interior de uma casa. O homem que tinha surgido na ruela
entrou apressadamente, fechou as duas grandes portas de
madeira e abriu outra, ao fundo daquela vasta pea, que
parecia um curral. Acenderam-se as luzes do carro,
Iluminando uma rampa descendente, que foi percorrida em
poucos segundos. Por fim, o carro parou, junto de uni outro
cuja placa de licena estava registrada no crebro privilegiado de Baby: era o carro de Boabdil Habuz, o que dois dias antes estivera esperando Stanley Perkins no
aeroporto.
O homem que viera abrindo as portas diante do veculo
chegou correndo, estacou ao lado da abertura e apertou um
ponto na parede, de modo que a grande porta fechou-se sem
que ningum a tocasse.
Bem... J chegamos, miss Montfort, No quer descer? Mas esta no ... uma casinha com jardim... No? Estamos... num poro, ou qualquer coisa assim... Garanto-lhe que logo poder ver minhas laranjeiras...
Por acaso possui alguma arma?
Claro que no! Para qu...? Oh, bem... O que considera voc uma arma?
Ora! Qualquer desses artefatos capazes de prejudicar outras pessoas. Tem algum?
Bom... Tenho uma espcie de brinquedo que me deram, e que me aconselharam a usar no Cairo, porque...
-
porque uma cidade perigosa... Com lugares perigosos,
quero dizer...
Certamente tinham razo. Este, por exemplo, um lugar perigoso... Tenha a bondade de entregar-me a arma...
com muito jeitinho.
Para qu. .. Brigitte emudeceu bruscamente quando Merletti,
voltando-se no assento, apontou-lhe sua
possante automtica, sem deixar de sorrir.
A arma, por favor? Est parecendo que no vai convidar-me para tomar
champanha, estimado senhor meu amigo...
CAPITULO SEXTO Um torturador dotado de imaginao
Mergulho na inconscincia
A confisso de Baby
Levantou a saia, desprendeu a pequena pistola da coxa
arrancando delicadamente as tiras de esparadrapo cor de
carne e estendeu-a a Merletti, que a recebeu com a mo
esquerda, sorrindo friamente.
Talvez esteja equivocada, miss Montfort. possvel que a convide a tomar uma taa de champanha... porque me
parece deliciosa quando est... ligeiramente embriagada.
Que aconteceu como seu hip? Sumiu? Se quer ouvir mais hips, ter que dar-me
champanha sorriu Brigitte. J passaram os efeitos da primeira garrafa. H tanto tempo que no bebo!
Claro... Compreendo. Saia do carro, por favor. Vamos tomar champanha?
-
Sem dvida! Saiu do carro, seguida por Perkins. O ltimo foi
Merletti, que no deixou de vigi-la um instante. Stanley
Perkins estava muito plido e parecia que custava a
recuperar-se da surpresa experimentada ao ver as formosas
pernas de Baby... Ou a surpresa fora produzida pelo fato inesperado de ter ela escondido uma pistola?
Merletti disse algumas palavras em rabe, e o homem
que tinha aberto as portas, aps inclinar a cabea, passou
frente deles, acendendo luzes eltricas. Primeiro desceram
por uma rampa que girava como uma escada de caracol,
muito estreita, a ponto de s dar passagem a uma pessoa.
Depois, um longo lano de escadas. Um curto corredor.
Atravessaram dois aposentos, cheios de ps e teias de
aranha. Outro lano de escadas. Uma porta, que o rabe
empurrou simplesmente.
Entraram todos e, diante deles, prontamente acenderam-
se muitas luzes, em fileira direita e esquerda, iluminando
profusamente um amplo passadio, com no menos de
oitenta metros de comprimento. Ao fundo desse passadio,
vrias fotografias de Gamal Abdel Nasser, governante
egpcio; todas elas em tamanho natural, produzindo a
estranha impresso de que ele estava ali, repetido vrias
vezes, de p, inconfundvel em seu uniforme militar. As
fotografias apoiavam- se a cavaletes e mantinham-se rgidas
merc da notvel espessura do carto em que estavam
coladas.
A um lado havia uma mesa velha, carcomida. No centro
do passadio, direita, viam-se duas zonas negras que
deviam ser outras tantas derivaes do mesmo. A esquerda,
duas enormes portas, uma das quais estava-se abrindo.
-
Apareceram quatro homens. Dois deles foram
imediatamente reconhecidos pela espi da CIA: eram X e Z,
como os havia batizado Johnny, ou seja, os dois homens que tinham anavalhado Romano pelas costas, no aeroporto.
O terceiro era mais ou menos como eles: escuro de pele,
com uma barba curta e pouco espessa, vestido de branco,
europia. Evidentemente, era da mesma espcie de Z e X, e
do homem que abrira caminho ao carro e acendera as luzes
ante os recm-chegados.
O quarto homem era mais interessante. Tambm egpcio,
sem dvida. Alto, slido, espessa barba negra, cabelos
longos, pequenos olhos muito brilhantes, lbios grossos.
Vestia-se europia, corretamente, mas no tanto que
pudesse dissimular o excesso de banhas. Boabdil Habuz,
estava claro.
Brigitte voltou-se para Merletti com uma expresso de
autntica perplexidade.
Mas... Quem so...? Que... que isto...? Sem dvida, conhece o senhor Boabdil Habuz
sorriu o italiano.
O senhor...? Claro que no! No conheo ningum aqui. S Stanley Perkins e voc, mas...
Meu nome? Rossano Merletti. Tambm no me conhece?
No... E no compreendo... Por que havia de conhec-los? Olhe, Merletti, no se ofenda, mas estou
detestando este lugar. Quero ir embora...
Ora, miss Montfort: no pode desprezar assim um amvel convite. Por outro lado, no verdade que queria
chegar a este lugar?
Claro que no! Por qu...?
-
Mmm... Talvez esteja enganado ao seu respeito, miss Montfort.
Em... em que est enganado? Pareceu-me que tinha interesse em no separar-se de
Stanley Perkins com o nico propsito de encontrar este
lugar, j que, reconheo., sozinha, sem o auxlio de seus
companheiros, no o teria encontrado nunca.
Que... que companheiros? Os homens que pretende libertar. Temo que um deles
j esteja morto...
Brigitte retrocedeu um passo, assustadssima. Um... um morto...? Senhor Merletti, quero sair daqui
agora mesmo! E se no me deixar... juro-lhe que... que
gritarei.
Pode gritar quanto quiser. Mas atrevo-me a pedir-lhe que no o faa. Seria muito desagradvel. No quer ver o
seu companheiro que ainda est vivo?
No... no tenho nenhum companheiro que... que... No sei de que est falando! Quero ir embora!
E eu lhe peo que venha comigo, Por favor... Indicou o lugar onde estavam esperando Boabdil e os
outros trs homens. O olhar de Habuz cravou-se com
terrvel fixidez no decote de Baby, na carne tenra e dourada pelo sol de todos os continentes. E um relmpago
pareceu brotar de suas pupilas negrssimas.
Deixaram-na passar adiante de todos. Encontrou-se
numa grande pea em que se viam coxins policrmicos no
cho e sobre espcies de leitos de pedra talhados na parede.
No leito da esquerda viam-se papis pequenos, rolos de
papel grande, que pareciam fotografias. Deviam ser mais
-
fotografias de Nasser.,. Algumas cmaras fotogrficas e
alguns flashes.
E no leito de pedra da di