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CRIMES ELEITORAIS – Direito material e processual eleitoral: uma análise objetiva

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P A R T E I

CRIMES ELEITORAIS – Direito material e processual

eleitoral: uma análise objetiva

SUMÁRIO • 1. Crimes eleitorais: generalidades: 1.1 Crimes Eleito-rais: conceito e bem jurídico; 1.2. Crimes eleitorais: natureza jurídica – 2. Competência: 2.1. Aspectos gerais; 2.2. Conexão: 2.2.1. Crime eleitoral vs crime federal e crime militar; 2.2.2. Crime eleitoral e cri-me doloso contra a vida; 2.3. Prerrogativa de foro; 2.4. Ato infracio-nal eleitoral; 2.5. Crimes em “ambiente eleitoral” – 3. Juizado Espe-cial Criminal: os institutos despenalizadores da transação penal e da suspensão condicional do processo – 4. O princípio da insignificância nos crimes eleitorais – 5. Aplicação subsidiária do Código Penal nos crimes eleitorais – 6. Localização dos crimes eleitorais – 7. Classi-ficação e divisão dos crimes eleitorais – 8. Conceito de funcionário público – 9. A pena mínima abstrata genérica – 10. Causas de agra-vação e atenuação em limites expressos – 11. As espécies de penas dos crimes eleitorais – 12. Crimes eleitorais e Lei de Imprensa – 13. Imunidade eleitoral – 14. Da gravação ou captação ambiental como meio de prova nos ilícitos eleitorais – 15. Crime eleitoral e responsa-bilidade penal do diretório do partido político – 16. Procedimento penal eleitoral: 16.1. Generalidades; 16.2. Polícia judiciária eleitoral; 16.3. Ação penal eleitoral; 16.3.1. O arquivamento do inquérito poli-cial eleitoral; 16.4. Procedimento para os crimes apurados perante o Juiz Eleitoral; 16.4.1. Da denúncia; 16.4.2. Da apresentação de defe-sa; 16.4.3. Da instrução e do depoimento pessoal;16.4.4. Das alega-ções finais; 16.4.5. Da sentença e dos recursos; 16.5. Procedimento para os crimes de competência originária dos tribunais.

1. CRIMES ELEITORAIS: GENERALIDADES

A coexistência de diversas leis esparsas regulamentando o Direito Eleitoral, não raro, traz à baila questionamento sobre a compatibi-lidade do ordenamento jurídico, evocando a necessidade de harmo-nizar dispositivos aparentemente conflitantes, notadamente quando ocorre a superveniência de um novo sistema constitucional.

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A matéria relativa ao direito penal eleitoral, da mesma sorte, apresenta idêntica dificuldade, na medida em que os tipos penais eleitorais, em sua grande parte, tutelam comportamentos jurídicos defasados e desvestidos de séria gravidade em relação aos valores efe-tivamente relevantes na esfera penal especializada. De outra parte, inequívoco que determinadas condutas extremamente reprováveis, na seara eleitoral, não receberam do legislador a necessária atenção, denotando, neste ponto, uma insuficiência da proteção a determina-dos bens jurídicos na esfera penal eleitoral. Assim, o atual arcabouço normativo penal-eleitoral tipifica como crime a conduta de quem não observa a ordem da fila de votação, mas não se preocupa em punir criminalmente, de modo expresso, o denominado “caixa dois” (uso de recursos não contabilizados em campanha). Neste contexto, pois, a participação do intérprete é cada vez mais importante para que o Di-reito Penal Eleitoral se mantenha conectado com os princípios nucle-ares emanados do texto constitucional, afastando, por incompatível com a nova ordem, as regras que não guardem pertinência jurídica com os elementos normativos que fluem da Carta Política.

1.1 Crimes Eleitorais: conceito e bem jurídico

Crimes eleitorais podem ser conceituados como infrações penais que visam proteger, especificamente, bens jurídicos vinculados à tu-tela das eleições. Trata-se de ampla proteção, voltada à preservação da liberdade do voto, dos valores político-partidários e da própria instituição da Justiça Eleitoral (v.g., tutela dos serviços eleitorais).

Em síntese, esses são os valores essencialmente protegidos pe-los crimes eleitorais. Portanto, é a partir da verificação acerca da violação desses bens jurídicos1 (liberdade do voto, valores político--partidários e tutela dos serviços eleitorais) que os tipos penais elei-torais ganham relevância jurídica e, assim, passam a ter a proteção do legislador.

1. Na concepção de FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO, “bens jurídicos são valores ético-sociais que o direito seleciona, com o objetivo de assegurar a paz social, e coloca sob sua proteção para que não sejam expostos a perigo de ataque ou a lesões efetivas” (p. 16)

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1.2. Crimes eleitorais: natureza jurídica.

Doutrinariamente discute-se a natureza jurídica dos crimes eleito-rais. De um lado, SUZANA DE CAMARGO GOMES defende que os cri-mes eleitorais “assumem feição de crimes políticos” (p. 45), porque “os aten-tados ao processo eleitoral têm reflexos diretos na ordem política do Estado” (p. 45) e “as condutas delituosas atingem justamente as instituições democrá-ticas, desvirtuando-as” (p. 41); de outro lado, porque “quem comete crime eleitoral não o faz motivado por elevados sentimentos político-ideológicos, não visa a radical transformação da sociedade nem do Estado” e “nenhuma das figuras típicas eleitorais visa coibir a desestruturação ou a desarticulação da organização política do Estado”, JOSÉ JAIRO GOMES aduz que o crime eleitoral tem natureza jurídica de crime comum (p. 197).

A discussão não encontra eco na jurisprudência, na medida em que o STF já definiu que os crimes eleitorais tem natureza jurídica de crime comum (Pleno – Reclamação nº 4.830 – Rel. Min. Cezar Pe-luso – j. 17.05.2007; Pleno – Inquérito nº 1.872 – Rel. Min. Ricardo Lewandowski – j. 04.10.2006; Pleno – Reclamação nº 555 – Rel. Min. Sepulveda Pertence – j. 25.04.2002). Com efeito, “a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de definir a locução consti-tucional ‘crimes comuns’ como expressão abrangente a todas as modalida-des de infrações penais, estendendo-se aos delitos eleitorais e alcançando, até mesmo, as próprias contravenções penais” (STF – Pleno – Reclama-ção nº 511 – Rel. Min. Celso de Mello – j. 09.02.1995). Assim, quando a Constituição Federal adota a expressão “crimes comuns”, na parte relativa à competência, deve-se estender a abrangência dessa locução para os crimes eleitorais – não importa em qual legislação estejam previstos (seja no Código Eleitoral ou em leis extravagantes).

2. COMPETÊNCIA.

2.1. Aspectos gerais.

Os crimes eleitorais, por certo, são julgados perante a Justiça Eleitoral. Ausente a edição da norma regulamentadora prevista pelo constituinte originário (art. 121, caput, da CF), a competência dos crimes eleitorais, como regra, é dada pelo disposto no Código Eleito-ral, observadas as alterações supervenientes relativas às hipóteses de prerrogativa de foro previstas no próprio texto constitucional.

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Os acusados por crime eleitoral que não tem prerrogativa de foro respondem perante o Juiz Eleitoral, na forma prevista pelo art. 35, inciso II, do Código Eleitoral. A distribuição da competência deve ob-servar as mesmas regras previstas no art. 69 do Código de Processo Penal, cuja aplicação é subsidiária em matéria processual eleitoral (art. 364 do CE). Portanto, o critério preferencial de distribuição da competência dos processos penais eleitorais é o local em que se con-sumar a infração ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for pra-ticado o último ato de execução (art. 70 do CPP) e, não sendo conhe-cido o local, o do domicílio2 ou residência do réu (art. 72 do CPP). Não sendo, igualmente, conhecido o local da infração ou o domicílio ou a residência do réu, a competência firma-se pela prevenção (art. 90 do CPP). Em havendo mais de uma Zona Eleitoral na circunscrição, a competência também é definida pelo local da infração.

2.2. Conexão.

Na hipótese de conexão, cediço que a competência da Justiça Eleitoral – de caráter especializado – atrai para julgamento também os crimes comuns conexos aos eleitorais. É a regra estabelecida pelo art. 35, inciso II, do Código Eleitoral. O art. 78, inciso IV, do Código de Processo Penal reforça esse entendimento, estabelecendo que “no concurso entre a jurisdição comum e a especial, prevalecerá esta”.

Conforme o TSE “verificada a conexão entre crime eleitoral e co-mum, a competência para processar e julgar ambos os delitos é da Justi-ça Eleitoral” (Habeas Corpus nº 567 – Rel. Min. Marcelo Ribeiro – j. 18.03.2008). A competência da Justiça Eleitoral, aliás, subsiste “mes-mo operada a prescrição quanto ao crime eleitoral” (Habeas Corpus nº 280568 – Rel. Min. Arnaldo Versiani – j. 29.10.2010). De outro lado, contudo, se “não há conexão entre os crimes comuns imputados aos re-correntes e os crimes eleitorais imputados aos demais réus da ação penal”, tem-se que “a competência para o seu julgamento é da Justiça comum” (Recurso em Habeas Corpus nº 653 – Rel. Min. Nancy Andrighi – j. 05.06.2012).

2. No caso em tela, porque se trata de matéria eleitoral, a competência deve observar o local do domicílio eleitoral do acusado – sendo, a priori, irrelevante a discussão sobre o domicílio civil.

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2.2.1. Crime eleitoral vs crime federal e crime militar.

A regra da conexão atrai a competência da Justiça Eleitoral in-clusive em relação a crime federal, porquanto se trata, fundamental-mente, de crime comum3. Contudo, o STJ4 tem precedente determi-nando a cisão processual, sob fundamento que a Justiça Federal tem competência firmada pela Constituição Federal, sendo inaplicável o princípio da especialidade previsto no art. 78, IV, do Código de Pro-cesso Penal.

Porém, se a conexão for entre crime eleitoral e crime militar, am-bos com status de competência constitucional, forçoso reconhecer a hipótese de cisão processual, conforme preconiza JOSÉ JAIRO GO-MES (p. 234).

2.2.2. Crime eleitoral e crime doloso contra a vida.

Havendo conexão de crime eleitoral com crime doloso contra a vida, existem diversas correntes doutrinárias: a) ambos são julgados pela Justiça Eleitoral, em face da conexão prevista no art. 78, IV, do

3. Conforme a doutrina, a jurisdição divide-se em comum e especial. A Justiça Estadual e Federal pertencem à jurisdição comum, ao passo que a Justiça Eleitoral, a Trabalhista e a Militar pertencem à categoria da jurisdição especial.

4. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. DELITO DE FALSO TESTEMUNHO COMETIDO PE-RANTE A PROMOTORIA DE JUSTIÇA ELEITORAL. CRIME PRATICADO CONTRA A ADMINIS-TRAÇÃO DA JUSTIÇA ELEITORAL. INTERESSE DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDE-RAL. POSSÍVEL OCORRÊNCIA DE CRIME PREVISTO NO ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL, EM CONEXÃO. IMPOSSIBILIDADE DE JULGAMENTO CONJUNTO NA JUSTIÇA ESPECIALIZADA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM FEDERAL FIXADA NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. NÃO APLICAÇÃO DO CRITÉRIO DA ESPECIALIDADE.

1. A prática do delito de falso testemunho, cometido por ocasião de depoimento peran-te o Ministério Público Eleitoral, enseja a competência da Justiça Federal, em razão do evidente interesse da União na administração da Justiça Eleitoral. Precedentes. 2. Na eventualidade de ficar caracterizado o crime do art. 299 do Código Eleitoral, este deverá ser processado e julgado na Justiça Eleitoral, sem interferir no andamento do processo relacionado ao crime de falso testemunho, porquanto a competência da Justiça Fede-ral está expressamente fixada na Constituição Federal, não se aplicando, dessa forma, o critério da especialidade, previsto nos arts. 78, IV, do CPP e 35, II, do Código Eleitoral, circunstância que impede a reunião dos processos na Justiça especializada. Precedentes. 3. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal da 3ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Rio Grande do Sul, o suscitado (3ª Seção – Conflito de Competência nº 126.729/RS – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – j. 24.04.2013)

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CPP (SUZANA DE CAMARGO GOMES, pp. 59/65); b) ambos são jul-gados pelo Tribunal do Júri, porque, em regra, o crime doloso é mais grave que o eleitoral, na forma estabelecida pelo art. 78, II, a, do CPP (FERNANDO DE ALMEIDA PEDROSO, p. 121); c) a hipótese é de realização de Júri Federal, pois a Justiça Eleitoral tem caráter federal (LUIZ CARLOS DOS SANTOS GONÇALVES, pp. 155/156); d) ocorre a cisão processual, pois ambos são competência em razão da maté-ria e de cunho constitucional (JOEL JOSÉ CÂNDIDO, pp. 583/584; JOSÉ JAIRO GOMES, p. 234; EUGÊNIO PACELLI, p. 287).

2.3. Prerrogativa de foro.

Nas hipóteses de prerrogativa de função, entretanto, é que se multiplicam os foros competentes para processo e julgamento dos crimes eleitorais. A prerrogativa de foro, explica GILMAR MENDES, é justificada constitucionalmente pela “peculiar posição dos agentes po-líticos” (p. 465) e, tendo em vista que objetiva preservar o interesse público no correto exercício de funções públicas relevantes, “não se afigura atentatória ao princípio do juiz natural” (p. 466). Como já refe-rido anteriormente, os crimes eleitorais serão incluídos, na matéria relativa à competência, toda vez que o texto constitucional utilizar a nomenclatura “crimes comuns”.

Neste passo, quando praticam crimes eleitorais, são julgados ori-ginariamente perante o Supremo Tribunal Federal: o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional (Senador da República e Deputado Federal5), os próprios Ministros do STF, o Procurador-Geral da República (art. 102, inciso I, alínea a, da CF), os Ministros de Estado, os Comandantes da Marinha, Exér-cito e Aeronáutica, os membros dos Tribunais Superiores (STJ, TSE,

5. CONSTITUCIONAL. PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. INQUÉRITO POLICIAL. NULIDADE. DEPUTADO FEDERAL. TRAMITAÇÃO PERANTE TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL: IMPOSSIBILIDADE. REMESSA DOS AUTOS AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. CF, ART. 102, I, b. I. - Inquérito policial instaurado pelo Departamento de Polícia Federal para apurar crime eleitoral atribuído a Deputado Federal, em tramitação perante Tribunal Regional Eleitoral. II. - Gozando os Deputados Federais de rerrogativa de função não pode o procedimento investigatório tramitar perante Tribunal Regional Eleitoral. III. - HC deferido, em parte, para determinar que os autos do inquérito policial sejam remetidos ao Supremo Tribunal Federal (Pleno – Habeas Corpus nº 80.938 – Rel. Min. Carlos Velloso – j. 22.08.2001)

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TST e STM), os membros do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente (art. 102, inciso I, alí-nea b, da CF).

Quando cometem crimes eleitorais, são julgados originariamen-te pelo Superior Tribunal de Justiça: os Governadores dos Estados6 e do Distrito Federal, os Desembargadores dos Tribunais de Justi-ça dos Estados7 e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de

6. Governador de Estado. Crime eleitoral. A jurisprudência se pacificou no sentido de que a competência para processar e julgar, originariamente, os feitos relativos a crimes eleitorais praticados por governador de Estado é do Superior Tribunal de Justiça. (TSE – Recurso Es-pecial Eleitoral nº 15.584 – Rel. Min. Jacy Garcia Vieira – j. 09.05.2000)

7. Embora a existência da reconhecida simetria entre os membros do Poder Judiciário e do Ministério Público, esse tratamento isonômico não tem sido observado na questão de prerrogativa de foro. Daí que o STJ – em face à ausência de previsão constitucional expressa prevendo prerrogativa de foro dos membros do Ministério Público do Estado de segundo grau junto às Cortes Superiores e com base no art. 96, III, da CF e no art. 40, inciso IV, da Lei nº 8.625/93, que falam em “membros do Ministério Público” sem distin-ção de entrância – tem assentado a competência do Tribunal de Justiça para processar e julgar Procurador de Justiça nas hipóteses criminais. Neste sentido:

AÇÃO PENAL. QUESTÃO DE ORDEM. DENÚNCIA OFERECIDA COM DEFESAS PRELIMINARES APRESENTADAS. DESEMBARGADORES DENUNCIADOS. APOSENTAÇÃO. PERDA DA PRER-ROGATIVA DE FORO. PRECEDENTES DO STJ E DO STF. JUÍZES DE DIREITO E PROCURADOR DE JUSTIÇA TAMBÉM DENUNCIADOS. SUPERVENIENTE COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUS-TIÇA. ARGUIDO PELO MPF O COMPROMETIMENTO DE MAIS DA METADE DOS DESEMBAR-GADORES DO TJES, COM INTERESSE DIRETO OU INDIRETO NO DESLINDE DE CONTROVÉR-SIAS LEVANTADAS NOS AUTOS. PEDIDO DE REMESSA DO FEITO AO STF. ART. 102, INCISO I, ALÍNEA N, DA CF. NECESSIDADE DE, PRIMEIRO, HAVER PRONUNCIAMENTO DOS MEMBROS DO TJES. REMESSA DOS AUTOS À CORTE ESTADUAL CAPIXABA, INCLUINDO AS PETIÇÕES E EXPEDIENTES AVULSOS, MESMO OS JÁ ARQUIVADOS (Corte Especial – Ação Penal nº 623 – Rel. Min. Laurita Vaz – j. 20.10.2010).

Logo, a jurisprudência tem dado tratamento equânime aos membros do Ministério Público Estadual (sejam Promotores de Justiça ou Procuradores de Justiça) na matéria relativa à competência originária, o que estende a possibilidade de, conforme a ma-téria, haver o julgamento de ambos pelo TRE (art. 96, III, da CF). É o que a doutrina de EUGÊNIO PACELLI define como “critério de regionalização” da competência, ou seja, “quando a jurisdição é fixada em atenção à origem da autoridade submetida a processo em foro privativo por prerrogativa de função”, cujo “exemplo mais cristalino” refere-se “aos membros do Ministério Público dos Estados” (pp. 210/211).

O entendimento causa perplexidade porque submete os Procuradores de Justiça a jul-gamento pelos Desembargadores do mesmo Tribunal no qual os membros de segundo grau do parquet tem atuação, não se evidenciando uma observância ao necessário pa-ralelismo entre os cargos de segundo grau das respectivas instituições (Poder Judiciário e Ministério Público). Essa quebra da paridade pode ser evitada com uma interpretação que admita a competência originária do STJ para os membros do Ministério Público

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Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais (Federais, Eleitorais e do Trabalho), os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiarem perante os Tribunais (art. 105, inciso I, alínea a, da CF). Daí conclui-se que o TSE não tem competência originária em matéria criminal.

A competência originária para processo e julgamento dos cri-mes eleitorais é do Tribunal Regional Eleitoral quando a autoridade processada detém foro privilegiado perante o Tribunal de Justiça do Estado e o Tribunal Regional Federal. Neste passo, quando co-metem crimes eleitorais, são julgados originariamente perante o Tribunal Regional Eleitoral: o Prefeito Municipal8 (art. 29, inciso X, da CF), os Juízes de Direito (art. 96, inciso III, da CF), os Promoto-res de Justiça (art. 96, inciso III, da CF), os Deputados Estaduais9,

Estadual de segundo grau, lendo-se a ressalva constitucional admitida no inciso IV do art. 40 da Lei nº 8.625/93 – aplicável aos membros estaduais, em face ao princípio da unidade do MP – como uma permissão de submeter os membros do MPE ao mesmo status de competência dos Desembargadores estaduais (art.105, inciso I, a, da CF). Esse entendi-mento, ademais, serviria para conferir uma desejável isonomia de tratamento entre os membros de segundo grau do Ministério Público Federal – também previstos no art. 105, inciso I, a, da CF – e Estadual. Aliás, se até mesmo membros dos Tribunais de Contas mu-nicipais são julgados perante o STJ, causa espécie que os membros do Ministério Público Estadual de segundo grau não recebam, no mínimo, idêntico tratamento.

8. Habeas-corpus. Crime eleitoral. Prefeito. Competência. Prescrição. Os tribunais regionais eleitorais são competentes para processar e julgar os prefeitos municipais nos ilícitos pe-nais eleitorais. (...). (TSE – Habeas Corpus nº 469 – Rel. Min. Luiz Carlos Lopes Madeira – j. 07.10.2003)

O Prefeito Municipal possui foro privilegiado assegurado pela Constituição Federal e responde, originariamente, no respectivo Tribunal em conformidade com o tipo de crime cometido. Assim, se comete crime eleitoral, é julgado no TRE; se comete crime federal, é julgado no TRF (v.g.¸ Súmula 208 do STJ – “Compete a Justiça Federal processar e julgar Prefeito Municipal por desvio de verba sujeita à prestação de contas perante órgão federal”); nas hipóteses residuais (ou seja, quando o crime não é eleitoral ou federal), é julgado pelo TJ. Neste sentido, aliás, é o teor da Súmula nº 702 do STF: “a competência do Tribunal de Justiça para julgamento de Prefeito restringe-se aos crimes de competência da Justiça comum estadual; nos demais casos, a competência originária caberá ao res-pectivo tribunal de segundo grau”. Logo, no tocante aos crimes eleitorais, percebe-se que inexiste a observância do princípio da simetria em relação aos Chefes do Poder Executivo, pois: o Presidente da República responde perante o STF (art. 102, I, b, CF); o Governador do Estado é julgado no STJ (art. 105, I, a, CF) e o Prefeito Municipal no TRE.

9. RECURSO ESPECIAL. CRIME ELEITORAL. DECISAO QUE ASSENTOU A INCOMPETENCIA DO TRE/DF PARA O PROCESSO E JULGAMENTO DE DEPUTADO DISTRITAL. COMPETE AOS

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os Secretários Estaduais10 e o Procurador-Geral do Estado; também são julgados originariamente por crimes eleitorais perante o Tri-bunal Regional Eleitoral, por força do art. 108, inciso I, a, da CF, os Juízes Federais (inclusive os da Justiça Militar e do Trabalho) e os membros do Ministério Público da União que não oficiarem perante os Tribunais.

O art. 125, §1º, da Constituição Federal estabelece que “a compe-tência dos tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça”. Assim, ob-serva LUIZ CARLOS GONÇALVES, “tem liberdade a Constituição Esta-dual para prever a competência criminal originária do Tribunal de Justiça local para as autoridades estaduais” (p. 154). A Constituição do Estado do Rio Grande do Sul11, valendo-se desse permissivo, estabelece com-petência criminal por prerrogativa de função no art. 95, estendendo o foro privilegiado nos crimes comuns ao Vice-Governador (inciso X) e aos Deputados Estaduais, Juízes Estaduais, membros do Ministério Público estadual, Prefeitos Municipais, Procurador-Geral do Estado e Secretários de Estado (inciso XI).

TRIBUNAIS REGIONAIS ELEITORAIS PROCESSAR E JULGAR, ORIGINARIAMENTE, OS DEPU-TADOS ESTADUAIS E DISTRITAIS ACUSADOS PELA PRATICA DE CRIME ELEITORAL. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TSE – Recurso Especial Eleitoral n 12.700 – Rel. Min. Paulo Ro-berto Costa Leite – j. 14.08.1996)

10. CRIME ELEITORAL. INFRACOES PENAIS DESCRITAS NA LEI ELEITORAL, E ATRIBUIDAS, EM CO-AUTORIA, O SECRETARIO DE ESTADO E O PROCURADOR-GERAL DO ESTADO. COMPE-TENCIA. RESSALVA DO ART. 96, INCISO III, DA CONSTITUICAO FEDERAL. É DA COMPETENCIA ORIGINARIA DOS TRIBUNAIS REGIONAIS ELEITORAIS PROCESSAR E JULGAR, POR CRIME DE-FINIDO NO CODIGO ELEITORAL, AS AUTORIDADES ESTADUAIS QUE, PELA PRATICA DE CRIME COMUM, TEM FORO JUNTO AOS TRIBUNAIS DE JUSTICA POR PRERROGATIVA DE FUNCAO. HABEAS CORPUS DENEGADO, PARA CONFIRMAR A COMPETENCIA DO TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL. (TSE – Habeas Corpus nº 179 – Rel. Min. José Cândido de Carvalho Filho – j. 03.08.1992)

11. Art. 95. Ao Tribunal de Justiça, além do que lhe for atribuído nesta Constituição e na lei, compete: (...)

X - processar e julgar o Vice-Governador nas infrações penais comuns;

XI - processar e julgar, nas infrações penais comuns, inclusive nas dolosas contra a vida, e nos crimes de responsabilidade, os Deputados Estaduais, os Juízes estaduais, os membros do Ministério Público estadual, os Prefeitos Municipais, o Procurador-Geral do Estado e os Secretários de Estado, ressalvado, quanto aos dois últimos, o disposto nos incisos VI e VII do art. 53 (..).

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Os vereadores, em alguns Estados da Federação, tem previsão de foro privilegiado nas infrações penais comuns na própria Constitui-ção Estadual – como é o caso, por exemplo, do art. 161, inciso IV, d, 3, da Constituição Estadual do Rio de Janeiro, cujo dispositivo foi re-putado constitucional pelo STF (2ª Turma – Recurso Extraordinário nº 464.935 – Rel. Min. Cezar Peluso – j. 03.06.2008). Não obstante, o TSE tem acentuado a competência dos Juízes Eleitorais para proces-sar e julgar vereadores nos crimes eleitorais, referindo que “a despeito da competência do Tribunal de Justiça para o julgamento de vereador nos crimes comuns e de responsabilidade, tal como previsto na Constituição Estadual do Rio de Janeiro, não há na Constituição Federal previsão de foro privilegiado para vereador. Não há, pois, como aplicar o princípio do paralelismo constitucional, como pretende o impetrante, para se concluir pela competência originária do Tribunal Regional Eleitoral para o julga-mento de vereador nos crimes eleitorais” (Agravo Regimental em Ha-beas Corpus nº 31624 – Rel. Min. Marcelo Ribeiro – j. 05.04.2011).

A prerrogativa de foro, em caso de coautoria com pessoas sem acesso a mandatos parlamentares, estende-se a todos os réus que res-pondem ao processo-crime. JOSÉ JAIRO GOMES observa que “por conexão, os supostos partícipes e coautores de crimes eleitorais imputa-dos às autoridades referidas devem ser processados e julgados juntamen-te com elas, em um só processo, ainda que por si só não gozem de foro privilegiado” (p. 231). Essa regra pode ser excepcionada em situações específicas, quando é admitida a cisão processual na forma do art. 80 do Código de Processo Penal (ex. número excessivo de réus). O TSE, de há muito, já admite a extensão do foro privilegiado aos coauto-res despidos de mandato parlamentar (Recurso Especial Eleitoral nº 14.850 – Rel. Min. José Eduardo Alckmin – j. 30.09.1997). Recen-temente, o STF referendou esse entendimento e rejeitou pedido de desmembramento do processo, afirmando a competência da Corte para processo e julgamento dos denunciados que não são detentores de mandato parlamentar (Ação Penal nº 470 – Pleno – Rel. Min. Jo-aquim Barbosa – j. 17.12.2012). Neste norte, aliás, a Súmula nº 704 do STF aduz que “não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do devido processo legal a atração por continência ou conexão do proces-so do co-réu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados”. Assim, em caso de crime eleitoral envolvendo Prefeito em exercício


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