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Fundação Oswaldo Cruz Escola Nacional de Saúde Pública Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães Doutorado Interinstitucional em Saúde Pública “Impacto da aplicação do Protocolo da Organização Mundial da Saúde (OMS) na evolução de crianças com desnutrição grave hospitalizadas no Instituto Materno Infantil de Pernambuco (IMIP)” Recife, 2003 Ana Rodrigues Falbo

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Fundação Oswaldo Cruz Escola Nacional de Saúde Pública Centro de Pesquisas Aggeu Magalhãe s Doutorado Interinstitucional em Saúde Pública

“Impacto da aplicação do Protocolo da Organização Mundial da Saúde (OMS) na evolução de crianças com desnutrição grave hospitalizadas no Instituto Mater no

Infantil de Pernambuco (IMIP)”

Recife, 2003

Ana Rodrigues Falbo

ANA RODRIGUES FALBO

IMPACTO DA APLICAÇÃO DO PROTOCOLO DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS) NA EVOLUÇÃO DE CRIANÇAS COM DESNUTRIÇÃO GRAVE HOSPITALIZADAS

NO INSTITUTO MATERNO INFANTIL DE PERNAMBUCO (IMIP)

RECIFE, 2003

ANA RODRIGUES FALBO

IMPACTO DA APLICAÇÃO DO PROTOCOLO DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS) NA EVOLUÇÃO DE CRIANÇAS COM DESNUTRIÇÃO GRAVE HOSPITALIZADAS

NO INSTITUTO MATERNO INFANTIL DE PERNAMBUCO (IMIP)

Tese apresentada ao Doutorado Interinstitucional em Saúde

Pública da Escola Nacional de Saúde Pública ENSP /

FIOCRUZ – Rio de Janeiro, como parte dos requisitos para

a obtenção do título de Doutor em

Saúde Pública.

Orientador: Prof. Dr. João Guilherme Bezerra Alves Co-orientador: Prof. Dr. Malaquias Batista Filho

Recife, 2003

FICHA CATALOGRÁFICA Preparada pela biblioteca do Instituto materno Infantil de Pernambuco

Falbo, Ana Rodrigues Impacto da aplicação do Protocolo da Organização Mundial da Saúde (OMS) na evolução de crianças com desnutrição grave hospitalizadas no Instituto Materno Infantil de Pernambuco (IMIP) / Ana Rodrigues Falbo. - Ana Rodrigues Falbo. – Recife: A autora; 2003. p. il. (tabelas) Tese (doutorado) – Escola nacional de Saúde Pública, ENSP / Fundação Oswaldo Cruz, FIOCRUZ. Área de concentração: Saúde Pública Orientador: João Guilherme Bezerra Alves Co-orientador: Malaquias Batista Filho !. Transtornos da nutrição infantil, dietoterapia 2. Transtornos da nutrição infantil, terapia 3. Desnutrição protéico-energética 4. Criança hospitalizada I. Alves, João Guilherme Bezerra, orientador II. Batista Filho, Malaquias, co-orientador III. Título NLN WS115

I

DEDICATÓRIA

A meus pais, Lena e Ricardo, a meu esposo, Gilliatt, aos meus filhos Conrado Vito e Clarissa,

cujas presenças, incentivo e apoio sempre contribuíram para a minha realização pessoal e

profissional.

Ao Professor Fernando Jorge Simão dos Santos Figueira, pelo aprendizado da pediatria,

sobretudo em sua dimensão humana e ética.

Ao Instituto Materno Infantil de Pernambuco, pela assistência de qualidade e respeito prestada

às mães e às crianças carentes.

Às crianças que participaram desta pesquisa, que são a conseqüência de uma sociedade

injusta, cujos valores subordinam o homem aos mercados financeiros e aos lucros econômicos

de poucos.

II

AGRADECIMENTOS

Aos Professores João Guilherme Bezerra Alves e Malaquias Batista Filho, pela orientação e

contribuição na elaboração do trabalho.

Ao Professor José Natal Figueirôa, pela sua orientação na análise estatística dos dados da

pesquisa.

Ao Dr. Bertoldo Kruse Grande de Arruda, presidente do IMIP, e ao Dr. Antônio Carlos dos

Santos Figueira, superintendente do IMIP, pelo grande apoio em todas as etapas do trabalho.

À coordenação do Doutorado Interinstitucional em Saúde Pública ENSP / FIOCRUZ, pelo

empenho para o bom funcionamento do curso.

Ao amigo Alex Caminha de Azevedo, por sua indispensável e inestimável colaboração.

Aos Professores Giorgio Tamburlini e Ann Hill pelas contribuições valiosas desde a fase de

elaboração do projeto até a fase final da pesquisa.

Aos colegas do Doutorado pela amizade e apoio durante todo o curso.

Às colegas médicas do IMIP: Anna Cleide, Carla e Conceição pela grande ajuda na

enfermaria e na emergência pediátrica, prestando assistência às crianças da pesquisa.

A Regina Lúcia Carvalho de Lima, pelo empenho e entusiasmo na realização de suas tarefas,

contribuindo de modo substancial.

A Nadja Maria Mattos Rezende, por sua colaboração na revisão do texto.

Sinceros agradecimentos: a todos os colegas da emergência pediátrica que se dedicaram ao

atendimento das crianças da pesquisa. Às enfermeiras do 4º andar do HGP/IMIP Sara, Anne

Kelly e Edluza. Às enfermeiras da emergência pediátrica Giórgia, Paula, Giovana, Yohana

Sumaya, Helen Cristina, Adriana, Maria Epifânia, Edilani e Andréa. Às auxiliares de

enfermagem Floracy, Gercinéia, Marilda, Flávia Roberta e todas as auxiliares de enfermagem

da emergência pediátrica. Às burocratas Ana Paula, Marineide, Norma e Cacilda. Às

III

auxiliares de serviços gerais Adenil, Maria do Carmo e Betânia. Às farmacêuticas Mércia

Cristina, Eliane e Renata. À nutricionista Miriam e seus auxiliares de nutrição. Às

funcionárias da emergência pediátrica Paula, Mônica, Janally, Paula Cristina, Débora Cecília,

Laís do Carmo, Márcia Èrika, Aretuza, Silvia Fausto, Ketilin, Creusa e Adriana. Aos

funcionários do SAME do IMIP Alberto Peixoto, Cleyton Roberes, Limbendorque Vitor e

Carlos Alberto. Ao Dr. Carlos Ferraz de Vasconcelos por seu trabalho eficiente garantindo a

presença dos medicamentos para todas as crianças hospitalizadas no IMIP.

A todos que direta ou indiretamente participaram na elaboração deste trabalho.

IV

RESUMO

Realizou-se um estudo de intervenção com controle histórico e um estudo de série de casos

para avaliar a aplicação do Protocolo da Organização Mundial da Saúde (OMS) em crianças

com desnutrição grave hospitalizadas no Instituto Materno Infantil de Pernambuco (IMIP).

Foram estudadas 256 crianças, sendo 117 no grupo da intervenção experimental (crianças que

receberam o tratamento recomendado pelo Protocolo da OMS) e 139 no grupo controle,

recebendo o tratamento de rotina utilizado no IMIP, no período de maio de 1999 a dezembro

de 2001. Os principais objetivos do estudo foram: comparar a taxa de letalidade entre os

grupos do estudo (estudo de intervenção) e avaliar alguns aspectos do cumprimento das etapas

do Protocolo no grupo da intervenção (série de casos). A taxa de letalidade hospitalar foi

menor nas crianças do grupo da intervenção experimental (16,2%) quando comparada com a

observada no grupo controle (33,8%) (p 0,051 – OR:0,51 (ajustado) - IC95%: 0,26 a 1,00).

Foi avaliado o cumprimento de 36 etapas do Protocolo da OMS, em 24 delas (66,6%) houve o

cumprimento das orientações sem falhas em mais de 80,0% dos casos. As principais

dificuldades encontradas no cumprimento das etapas foram em relação a monitorização,

quando esta implicava a presença freqüente do médico ou enfermeira junto à criança.

Conclui-se que o Protocolo da OMS para manejo da criança desnutrida grave hospitalizada no

IMIP teve efeito positivo na redução da taxa de letalidade hospitalar e em relação à sua

operacionalização, é possível ser aplicado mesmo em locais com poucos recursos, desde que

haja treinamento e empenho da equipe envolvida na assistência às crianças. Os resultados

obtidos no presente estudo confirmam o benefício da utilização do conhecimento científico

adquirido em relação à desnutrição infantil e sua incorporação às recomendações de

tratamento contidas no Protocolo da OMS.

Palavras-chave: Desnutrição; Hospitalização; Tratamento; Saúde Infantil.

V

ABSTRACT

The authors undertook an interventional study with a historical control and a case study to

avaluate the applicability of the WHO guidelines for hospitalized severe malnourished

children at the Instituto Materno Infantil de Pernambuco/Brazil. The study had the

participation of 256 children. The control group had 139 subjects, which received standard

treatment as proposed by the protocol of the hospital. The case group of 117 children received

the experimental intervention treatment proposed by the WHO guidelines. The experiment

was carried out from May/1999 to December/2001.The study’s main objectives were to

compare the lethality between groups, as well as evaluate some aspects of the fulfillment of

each step of the WHO protocol among those in the intervention group. The lethality rate was

lower among the interventional group (16,2%) when compared to control group (33,8%) (p

0,051 – OR: 0,51 (adjusted) – IC95%: 0,26 a 1,00).The fulfillment of the 36 steps of the

WHO protocol was also avaluated. For twenty-four of these steps (66,6%) the orientations

were followed without failure in more than 80,0% of the cases. The major difficulties to the

fulfillment of the Protocol steps were founded at the monitoring fases when the doctors or

nurses presence were needed at the child bedside. We conclude that the WHO guidelines for

management of children hospitalized for severe malnutrition had a positive effect on the

lethality rate reduction and are feasible even in places with scarse resources, as long as there

is proper training and a willing and motivated team to attend these children. The results

obtained in the present study confirm the benefits of incorporating scientific knowledge

acquired in relation to malnourished children along with the treatment proposals of the WHO

protocol.

Key words: Malnutrition; Guidelines; Hospitalization, Child; Treatment.

VI

LISTA DE TABELAS

Pág.

Tabela 1 - Distribuição de freqüência das crianças do estudo, segundo variáveis

sociodemográficas.

53

Tabela 2 - Distribuição de freqüência das crianças do estudo, segundo

características das suas mães.

54

Tabela 3 - Distribuição de freqüência das crianças do estudo, segundo variáveis

indicadoras de sua condição de saúde.

55

Tabela 4 - Distribuição de freqüência das crianças do estudo, segundo variáveis

indicadoras de sua condição clínica à admissão e o tempo de

permanência hospitalar.

57

Tabela 5 - Distribuição de freqüência das crianças do estudo, segundo a evolução

para alta ou óbito.

58

Tabela 6 - Modelo de regressão logística multivariada para reavaliar o efeito da

intervenção sobre a taxa de letalidade hospitalar, controlando o efeito

de possíveis variáveis de confusão.

59

Tabela 7- Distribuição de freqüência das crianças do grupo da intervenção

experimental do estudo, segundo aspectos da sua evolução clínica

durante a hospitalização.

61

Tabela 8 - Distribuição de freqüência das crianças do grupo da intervenção

experimental do estudo que receberam alta hospitalar, segundo

aspectos relacionados com a dieta e a evolução do estado nutricional.

63

VII

Tabela 9 - Distribuição de freqüência das crianças do grupo da intervenção

experimental do estudo que não iniciaram a fase de reabilitação,

segundo características clínicas.

65

Tabela 10 - Distribuição de freqüência das crianças do grupo da intervenção

experimental do estudo que foram a óbito, segundo aspectos da sua

condição clínica.

67

Tabela 11 - Distribuição de freqüência das crianças do grupo da intervenção

experimental do estudo, segundo o manejo da hipoglicemia e da

hipotermia.

70

Tabela 12 - Distribuição de freqüência das crianças do grupo da intervenção

experimental do estudo, segundo o manejo da desidratação.

72

Tabela 13 - Distribuição de freqüência das crianças do grupo da intervenção

experimental do estudo que receberam hemotransfusão, segundo a

indicação para o seu uso e a monitorização do procedimento.

74

Tabela 14 - Distribuição de freqüência das crianças do grupo da intervenção

experimental do estudo, segundo a administração de eletrólitos e

micronutrientes.

75

Tabela 15 - Distribuição de freqüência das crianças do grupo da intervenção

experimental do estudo, segundo o tratamento da infecção e

parasitoses.

76

Tabela 16 - Distribuição de freqüência das crianças do grupo da intervenção

experimental do estudo, segundo o manejo nutricional.

77

Tabela 17 - Distribuição de freqüência das crianças do grupo da intervenção

experimental do estudo, segundo a monitorização da dieta, dos

vômitos, das evacuações, da freqüência cardíaca (FC) e freqüência

respiratória (FR) e do ganho médio do peso (GMP).

78

VIII

VIII

LISTA DE QUADROS

Pág.

Quadro 1 – Classificação de Gomez

5

Quadro 2 – Classificação de Wellcome (tipos clínicos de desnutrição)

6

Quadro 3 – Classificação de Waterlow

6

Ana Rodrigues Falbo Introdução

1

1. INTRODUÇÃO

1.1 CONCEITUAÇÃO DA DESNUTRIÇÃO

A desnutrição na infância é uma doença de origem multifatorial e complexa que tem suas

raízes na pobreza. Ocorre quando o organismo não recebe os nutrientes necessários para o seu

metabolismo fisiológico, devido à falta de aporte ou problema na utilização do que lhe é

ofertado. Assim sendo, na maioria dos casos, a desnutrição é o resultado de uma ingestão

insuficiente, ou fome, e de doenças (WHO – ACC/SCN, 2000).

O amplo espectro de situações relacionadas à desnutrição implica, portanto, a admissão de

que, mesmo tendo uma identidade própria como nosologia, a desnutrição energético-protéica

(DEP) reúne e unifica, em cada caso, um conjunto variado de fatores biológicos, físicos,

socioeconômicos e ambientais que devem ser devidamente compreendidos e considerados na

avaliação clínica, na configuração epidemiológica e, em conseqüência, nas medidas que

devem ser aplicadas para seu monitoramento em escala individual, familiar e comunitária

(BATISTA FILHO, 1999).

Mesmo apresentando, em sua compreensão conceitual, uma grande diversidade de fatores e

cursos patogênicos, a desnutrição em crianças se instala e evolui com uma característica

universal, que é o crescimento deficiente, resultando que a criança desnutrida é mais baixa e

pesa menos do que o esperado para a sua idade (GUERRANT et al., 2000).

De modo genérico, usa-se o termo “desnutrição energético-protéica” para descrever uma série

de quadros clínicos, incluindo as manifestações semiológicas do kwashiorkor e do marasmo, e

as formas leves e moderadas que as precedem.

As características clínicas do kwashiorkor incluem: idade de um a quatro anos, edema,

diarréia, lesões em membranas mucosas, manchas pelagróides e descamação da pele, fígado

gordo e risco de evolução para o óbito se não houver tratamento adequado. O marasmo atinge,

com maior freqüência, crianças no primeiro ano de vida, em que há hipoalimentação por falta

do leite materno ou insuficiência dos seus substitutos. A criança apresenta um adelgaçamento

intenso, não existe edema, a pele é fina, enrugada, com perda da elasticidade, porém sem

Ana Rodrigues Falbo Introdução

2

lesões cutâneas. A criança é inquieta, apresenta olhar vivo e choro constante por fome

(WATERLOW, 1992).

Estudos de avaliação com dieta demonstraram que crianças que desenvolviam kwashiorkor

recebiam quantidades inadequadas de energia tanto quanto de proteína. A conseqüência foi

que o termo “desnutrição protéica” mudou para “desnutrição protéico-calórica” ou

“desnutrição energético-protéica”, para cobrir todas as formas de desnutrição, sem, no

entanto, levar em conta as deficiências específicas dos micronutrientes (WATERLOW, 1992).

Recentemente tem havido um movimento no sentido da substituição do termo “desnutrição

energético-protéica” para “desnutrição de energia e nutrientes”, dando supremacia à

deficiência de energia e incluindo a proteína entre outros nutrientes. O ciclo então se completa

voltando ao termo que os pesquisadores inicialmente utilizavam na América Latina como

“síndrome de múltipla deficiência” ou “síndrome policarencial infantil” (WATERLOW,

1992).

GOLDEN (1996) sugere que o termo “desnutrição energético-protéica” deva ser evitado, pois

implica a falsa impressão que a deficiência de energia e/ou proteína é a causa direta de todas

as condições agrupadas sob essa rubrica. Sugere então a utilização de um termo

etiologicamente neutro como “subnutrição” ou “malnutrição”.

O crescimento deficiente em crianças é reconhecido hoje como resultado não apenas do

desequilíbrio energético-protéico, mas também de um consumo inadequado de minerais vitais

(como ferro, zinco e iodo), de vitaminas (como a vitamina A) e, freqüentemente, também de

ácidos graxos essenciais. O organismo necessita de quantidades mínimas desses minerais, daí

serem chamados de micronutrientes. Os micronutrientes são essenciais para a produção de

enzimas, hormônios e outras substâncias para regular os processos biológicos que geram o

crescimento, o desenvolvimento e o funcionamento dos sistemas imunológico e reprodutivo.

Embora os micronutrientes sejam necessários em todas as idades, os efeitos de sua ingestão

inadequada são particularmente graves durante períodos de crescimento rápido, gravidez e

durante a lactação. A cada dia surgem mais conhecimentos sobre a importância dos

micronutrientes para o desenvolvimento físico e cognitivo das crianças (THE ZINC FOR

CHILD HEALTH, 1997).

Ana Rodrigues Falbo Introdução

3

O Encontro Mundial de Cúpula pela Criança, realizado em 1990, citado pelo UNICEF (Fundo

das Nações Unidas para a Infância) em 1998, salientou a deficiência de três micronutrientes:

ferro, iodo e vitamina A, como sendo freqüente e preocupante para a saúde da mulher e da

criança nos países em desenvolvimento. Recentemente, devido ao reconhecimento da

importância do zinco no processo de crescimento e desenvolvimento da criança, este

micronutriente passou a ser incluído nessa lista (GOLDEN, 1996; UNICEF, 1998).

A manifestação mais sensível da desnutrição infantil se expressa na dificuldade ou

impossibilidade de manter o crescimento normal. Vários métodos foram propostos para

classificar o estado nutricional da criança. Qualquer critério de classificação deve ser de uso

prático para a identificação de indivíduos que requerem uma intervenção ou para avaliar a

prevalência de desnutrição em uma comunidade, de forma que possibilite a implementação de

medidas preventivas. Tal classificação deve identificar aqueles indivíduos sob o maior risco,

ser de simples aplicação e aceita universalmente.

Em 1946, Gomez e seus colaboradores descreveram um quadro clínico que precedia a morte e

a causa aparente dessa morte nas crianças desnutridas em um hospital na cidade do México. O

principal objetivo do artigo foi proporcionar informação sobre as características clínicas da

desnutrição infantil e seu risco associado de mortalidade. O que tornou o trabalho histórico foi

o fato de empregar uma medida antropométrica simples, o peso, para elaborar um índice

(peso/idade) e sobre esta base classificar os diversos graus de desnutrição. Com isso se

estabelecia uma relação entre este sistema de classificação e um resultado concreto, a

mortalidade, e atribuía aos diversos graus de desnutrição não só o valor clínico, mas também

o valor prognóstico (GOMEZ, 1946; GOMEZ et al., 1956; ONIS, 2001).

RAMOS e seus colaboradores (1967), levando em consideração que o peso é uma função da

estatura (e não apenas da idade), propuseram que, para fins clínicos, o estado nutricional das

crianças fosse considerado a partir da relação peso/comprimento (até dois anos de idade) ou

peso/altura (acima de dois anos de idade), usando-se os mesmos pontos de corte da

classificação de Gomez. Mesmo partindo de uma base conceitual correta, o método implicava

um viés de avaliação da gravidade dos casos, em relação ao método de Gomez. Em outras

palavras: déficits de 25,0% (II grau) já apresentavam um prognóstico grave, enquanto uma

defasagem de 40,0% (III grau) seria, praticamente, incompatível com a sobrevida.

Ana Rodrigues Falbo Introdução

4

JELLIFFE (1968) pode ser considerado o sistematizador da antropometria nutricional,

propondo a utilização de várias medidas e índices (peso/altura, altura/idade, circunferência

braquial, dobras cutâneas, perímetro muscular do braço e outros) como forma de avaliar a

condição nutricional das crianças e dos adultos. No entanto, a proposta de utilizar um critério

uniforme (afastamentos sucessivos de 10,0% para mais ou para menos a partir de valores de

referência ou “normas” estatísticas, como a média e a mediana) implicava uma padronização

inadequada, desde que a variabilidade das diversas medidas ou índices não é homogênea.

Considerando especificamente o interesse prognóstico, MCLAREN e seus colaboradores

(1969) propuseram e testaram um conjunto básico de índices antropométricos e clínicos para

discriminar o risco de morte e acompanhar a evolução do tratamento de crianças desnutridas.

O método foi adotado por algum tempo e em alguns países como um princípio normativo para

o tratamento de casos de desnutrição.

Dentre os sistemas de classificação propostos, três receberam aceitação mais geral: Gomez,

Wellcome e Waterlow, citados por GOLDEN (1996). Em cada um deles, a criança em

avaliação é comparada com uma referência “normal”; a referência atualmente recomendada

pela Organização Mundial da Saúde (OMS) é o padrão do “National Center for Health

Statistics” (NCHS, 1977).

Teoricamente é importante distinguir entre “referência” e “padrão”, mas na prática é quase

impossível fazê-lo. Uma referência deveria ser neutra, sem juízo de valor, atuando como um

marco para comparações, enquanto um padrão implicaria um juízo de valor, um alvo ou nível

que deveria ser encontrado (WATERLOW, 1992).

A média dos pesos de um grupo de crianças não significa nada, pois tem-se que relacioná-los

com a distribuição das idades. Por outro lado, índices (combinações de medidas

antropométricas), demonstrando a extensão na qual cada criança difere da criança da mediana

de referência da mesma idade ou altura, podem ser tratados estatisticamente (WATERLOW,

1992).

A classificação de Gomez caracteriza a criança de acordo com o seu peso em relação com o

peso de uma criança normal da mesma idade (mediana do padrão de referência), que é

Ana Rodrigues Falbo Introdução

5

expresso como percentual. Os graus estão demonstrados no Quadro 1 (GOMEZ ,1946;

GOMEZ et al., 1956; WATERLOW, 1992; GOLDEN, 1996).

Quadro 1. Classificação de Gomez

Peso da criança em avaliação Peso p/ idade (% da referência)* Peso de uma criança normal da mesma idade

x 100

90 - 110 Normal

75 - 89 Grau I - Desnutrição leve

60 - 74 Grau II - Desnutrição moderada

< 60 Grau III - Desnutrição grave

* Percentagem da mediana do padrão de referência do NCHS Fonte: Golden,1996.

A classificação de Wellcome, citado por GOLDEN (1996), foi introduzida com o intuito de

superar a dificuldade de classificar a criança com desnutrição e edema. Este sistema agrupa as

crianças de acordo com dois critérios: presença ou ausência de edema e, semelhante ao

sistema de Gomez, avalia o déficit de peso em relação a uma criança da mesma faixa de idade

(Quadro 2). Um resultado indesejado desta classificação foi em relação à restrição da

definição do kwashiorkor à presença do edema nutricional apenas.

O termo kwashiorkor vem sendo atualmente utilizado com dois significados diferentes: um

como sinônimo de “desnutrição edematosa” e outro para designar a síndrome clínica descrita

por Williams, citada por WATERLOW (1992), que inclui modificações na pele, no cabelo, no

humor e alteração gordurosa do fígado.

Outro fator limitante em relação a esta classificação é a impossibilidade de diferenciar entre o

emagrecimento grave agudo (wasted) e o nanismo nutricional (stunted). A classificação de

Gomez e a de Wellcome, ambos referidos por GOLDEN (1996), por utilizarem o índice

peso/idade, não diferenciam entre o distúrbio de longa duração, que leva ao nanismo

nutricional, da perda aguda de peso (WATERLOW, 1992; GOLDEN, 1996).

Dentro do grupo de crianças que têm baixo peso para suas idades (classificação de Gomez e

Wellcome), existem duas condições conceitualmente distintas: a primeira, a criança com

baixa estatura, mas normalmente proporcionada (nanismo nutricional); a segunda, a criança

com estatura normal, mas emagrecida (conceito original do marasmo).

Ana Rodrigues Falbo Introdução

6

Quadro 2. Classificação de Wellcome (tipos clínicos de desnutrição)

Peso / idade* Sem edema Com edema

60% - 80% Subnutrição kwashiorkor

Menos de 60% (aprox. – 4 DP)

Marasmo Kwashiorkor-marasmático

* Percentagem da mediana do padrão de referência do NCHS Fonte: Golden, 1996.

A classificação de Waterlow, avaliando os três parâmetros - idade, peso e estatura - permite

estabelecer a diferença entre o nanismo nutricional e o emagrecimento. O nanismo nutricional

é determinado avaliando-se a altura da criança em relação à altura de uma criança normal da

mesma idade (mediana do padrão de referência), utilizando-se o índice altura/idade (Quadro

3). O emagrecimento é determinado avaliando-se o peso da criança em relação ao peso de

uma criança normal da mesma altura (mediana do padrão de referência), mesmo que a criança

normal seja cronologicamente mais jovem, utilizando-se o índice peso/altura (WATERLOW,

1992).

Quadro 3. Classificação de Waterlow

Normal Leve* Moderado* Grave*

Déficit peso / altura (emagrecimento) (%)

90–120** (+2DP a -1DP)

80-89 (-1DP a -2DP)

70–79 (-2DP a -3DP)

< 70 (<-3DP)

Déficit altura / idade (nanismo nutricional) (%)

95–110 (+2DP a-1DP)

90–94 (-1DP a -2DP)

85–89 (-2DP a -3DP)

< 85 (<-3DP)

*Sem edema. A presença de edema denota desnutrição grave (kwashiorkor), mesmo sem emagrecimento

acentuado.

**Percentagem da mediana do padrão de referência do NCHS

Fonte: Waterlow, 1992.

Atualmente, por recomendação da OMS, são utilizados os índices altura/idade (A/I),

peso/altura (P/A) e peso/idade (P/I) para a classificação do estado nutricional. Os pontos de

corte para esta classificação são: desnutrição grave se menor que menos 3DP (escores de

desvios padrão ou escore Z); moderada entre menos 2 e menos 3DP ; e leve entre menos 1 e

menos 2DP (WHO, 1995).

Ana Rodrigues Falbo Introdução

7

Segundo a classificação antropométrica, considera-se a existência de três formas de

desnutrição: “baixa estatura ou nanismo nutricional”, definido pelo índice altura/idade (A/I)

quando abaixo de menos 2 DP da mediana do padrão de referência do NCHS/OMS;

“emagrecimento”, definido pelo índice peso/altura (P/A) quando se situa abaixo de menos

2DP da mediana do padrão de referência do NCHS/OMS; e “baixo peso”, definido pelo

índice peso/idade (P/I) quando estiver abaixo de menos 2DP da mediana do padrão de

referência do NCHS/OMS ( WHO, 1995; MONTE, 2000).

O baixo peso representa a massa corporal relativa à idade. Reflete o crescimento linear e o

acúmulo de peso atingido no período pré e pós-natal, bem como o acúmulo de peso ocorrido

em curto prazo. Uma vez que sofre influência tanto do grau de nanismo como do grau de

magreza da criança, não diferencia a criança que sofreu um insulto grave e prolongado,

levando ao nanismo nutricional, daquela que sofreu um agravo agudo, levando ao

emagrecimento. Sabe-se que a criança com nanismo nutricional, apesar de ser também

vulnerável aos diferentes agravos, tem menor gravidade clínica que a criança emagrecida

grave, e será mais beneficiada por intervenções na comunidade que melhorem a sua condição

de vida. A criança com emagrecimento agudo grave pode apresentar problemas clínicos

passíveis de resolução por intervenções médicas que garantam a sua sobrevivência imediata

(ASHWORTH & MILLWARD, 1996; GERNAAT & VOORHOEVE, 2000; MONTE, 2000;

ONIS, 2001; REICHENHEIM & HASSEMANN, 2001).

Existem dois métodos atualmente utilizados para expressar os valores obtidos dos índices: o

mais simples, que expressa os valores como uma percentagem do normal (percentil); e o

segundo, que expressa o déficit em termos de múltiplos do desvio padrão da população

normal de crianças. O resultado é chamado "escore Z" (GERNAAT & VOORHOEVE, 2000;

SIGULEM & DEVINCENZI, 2000).

1.2 EPIDEMIOLOGIA DA DESNUTRIÇÃO

A prevalência da desnutrição infantil tem diminuído nos países em desenvolvimento de

47,0%, em 1980, para 33,0%, em 2000 (no estudo foi analisado o índice altura/idade,

considerando como ponto de corte o valor < menos 2DP, tendo como referência o padrão do

NCHS), apesar do progresso desigual observado nas diferentes regiões. Assim, a ocorrência

de desnutrição tem aumentado na África Oriental e diminuído na Ásia Sul Oriental, Ásia

Ana Rodrigues Falbo Introdução

8

Meridional e Américas do Sul e Central. A África Setentrional e o Caribe mostram uma

ligeira melhora, e a África Ocidental e a América Central mostram progressos muito escassos

(ONIS et al., 2000).

Estima-se que a taxa de desnutrição na América Latina tenha sido reduzida de 21,0%, em

1970, para 7,2%, em 1997, enquanto a taxa de pobreza, medida pelo nível de renda,

apresentou apenas uma ligeira flutuação ao longo das três últimas décadas, diminuindo de

45,0%, em 1970, para 44,0%, em 1997. Essas tendências mostram que a redução da

desnutrição não depende exclusivamente do aumento da renda. Na América Latina, as

condições subjacentes que permitiram ganhos na redução da desnutrição estão relacionadas a

boas práticas de cuidados e ao acesso aos serviços básicos de saúde, incluindo planejamento

familiar e serviços de saneamento. As condições básicas para esse progresso também

envolvem a capacitação da mulher, traduzida em educação e em seu controle dos recursos

monetários (UNICEF, 1998).

O Brasil, segundo dados de 1990 a 1997 (UNICEF, 1998), possui, em crianças menores de

cinco anos, um percentual de aproximadamente 6,0% de baixo peso ao nascer, 2,0% de

marasmo moderado e grave e 11,0% de nanismo nutricional moderado e grave.

BATISTA FILHO (1999) comenta, em publicação sobre a desnutrição e sua situação no

Brasil, que em nível nacional três estudos seriam representativos do estado de nutrição da

população brasileira: o Estudo Nacional de Despesas Familiares (ENDEF), efetuado pelo

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre 1974 e 1975; a Pesquisa Nacional

de Saúde e Nutrição (PNSN), promovida pelo Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição

(INAN) e pelo IBGE (1989); e a Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS), liderada

pela Sociedade Civil para o Bem-estar da Família no Brasil BEMFAM (1996). Assinala-se

no decurso deste período (1974 a 1996) um declínio acentuado na prevalência de DEP em

crianças brasileiras, em todas as regiões do país (utilizando o índice peso/idade ≤ menos

2DP). Na região Norte houve uma redução de 24,5% para 7,7%; na região Nordeste, de

27,0% para 8,3%; na região Sudeste, de 13,0% para 4,7%; na região Sul, de 11,7% para 2,0%;

e na região Centro-Oeste, uma diminuição de 13,3% para 5,6%.

RISSIN (1997) realizou trabalho utilizando o banco de dados da Pesquisa Nacional de Saúde

e Nutrição, estudando 7.511 crianças menores de cinco anos, e encontrou para o país um

percentual de 21,8% de crianças classificadas abaixo do percentil 10 para o índice peso/idade,

Ana Rodrigues Falbo Introdução

9

sendo que 9,1% achavam-se situadas abaixo do percentil 3, caracterizando as formas de

desnutrição moderada e grave. Considerando como ponto de corte o percentil 10, o Nordeste

apareceu como a região com a maior prevalência de desnutrição (33,3%), seguido da região

Norte (27,9%), constituindo um quadro bem diferenciado das demais regiões do Brasil.

Em relação ao índice altura/idade, para o conjunto do país, 31,6% dos menores de cinco anos

estavam classificados abaixo do percentil 10 do padrão do NCHS, sendo que 18,6% se

situavam abaixo do percentil 3, caracterizando o quadro de nanismo grave. As regiões Norte e

Nordeste representaram os espaços geográficos de maior prevalência de déficit estatural, com

24,1% e 30,0%, respectivamente.

Utilizando-se a relação peso/altura, encontrou-se para as diferentes regiões que apenas 7,4%

das crianças estudadas se classificavam abaixo do percentil 10, com 3,0% dos casos situando-

se em níveis inferiores ao percentil 3. Na região Sul, apenas 4,0% das crianças estavam

situadas abaixo do percentil 10.

A II Pesquisa Estadual de Saúde e Nutrição (INSTITUTO NACIONAL DE

ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO et al., 1998) encontrou, segundo o índice peso/idade, um

percentual de 4,9% de desnutrição moderada (abaixo de menos 2 desvios-padrão) em todo o

estado de Pernambuco.

De acordo com o índice altura/idade, a prevalência da desnutrição moderada no estado foi de

12,1%.

Em relação ao índice peso/altura, 1,8% das crianças foram classificadas como tendo

desnutrição moderada, sendo a prevalência inferior à previsão de ocorrência na própria

população de referência (NCHS, 1977).

Observa-se que em todas as áreas estudadas, segundo o índice peso/idade, a desnutrição é

menos prevalente no grupo de menores de um ano. Para o Estado de Pernambuco, a partir

dessa faixa etária, a freqüência de desnutrição moderada e leve praticamente duplica em todos

os grupos em relação aos menores de um ano, mantendo-se esses percentuais nas demais

faixas etárias (INSTITUTO NACIONAL DE ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO et al., 1998).

Ana Rodrigues Falbo Introdução

10

Segundo pesquisa realizada em relação à saúde materno-infantil no estado de Pernambuco

(MINISTÉRIO DA SAÚDE et al., 2000), analisando a posição da curva de peso do cartão da

criança, observou-se que de 385 crianças estudadas 13,8% estavam abaixo do percentil 10,

com maior prevalência no interior do estado (17,1%) que na Região Metropolitana do Recife

(11,2%).

POST e colaboradores (2000), estudando 386 crianças entre seis e 59 meses de idade,

residentes em áreas de baixa renda do município de Pelotas, Rio Grande do Sul, com o

objetivo de avaliar a associação entre o déficit de peso para estatura e o perímetro abdominal,

encontraram, valores dos índices altura/idade, peso/idade e peso/altura de 25,9%, 14,4% e

3,5%, respectivamente (considerando como déficit antropométrico aquelas crianças cujos

valores de altura/idade ou peso/altura fossem inferiores a menos 2DP em relação à população

de referência do NCHS). O perímetro abdominal dividido pela altura mostrou-se elevado em

crianças baixas e menos pesadas. Os autores do estudo concluem que as baixas prevalências

de déficit de peso/altura na presença de elevados déficits de altura/idade podem ser

parcialmente explicados por aumentos no perímetro abdominal.

Apesar da diminuição global da desnutrição nos países em desenvolvimento, a desnutrição na

infância continua a ser um problema de saúde pública nesses países. Um balanço sobre

nutrição infantil (1999 a 2000), divulgado pelo UNICEF, relata que em relação à meta

proposta para 2000, de redução de metade dos casos de desnutrição grave e moderada, entre

crianças menores de cinco anos de idade, houve uma redução global de 17,0% nos países em

desenvolvimento, conseguindo a América Latina alcançar a meta com redução de 60,0% de

crianças com baixo peso ao longo da década. Apesar disso, 149 milhões de crianças ainda

estão desnutridas, sendo dois terços delas na Ásia, e houve aumento do número absoluto de

crianças com desnutrição na África. Desigualdades importantes continuam motivando a

mortalidade em menores de cinco anos, como o nível de renda entre as zonas rural e urbana

(UNICEF, 2002).

No século XX, houve diminuição importante da mortalidade na infância em quase todos os

países do mundo. Estima-se que em 1999 morreram 10,5 milhões de crianças de zero a quatro

anos, o que representa 2,2 milhões (17,5%) menos que 10 anos antes. É previsto que em

média 15,0% dos recém-nascidos na África morram antes de completar o seu quinto ano de

vida. As cifras correspondentes em muitas outras partes do mundo em desenvolvimento

Ana Rodrigues Falbo Introdução

11

oscilam entre 3,0% e 8,0%, enquanto na Europa é inferior a 2,0%. O progresso na redução da

mortalidade infantil diminuiu no decênio de 1990 (AHMAD et al., 2001).

Apesar do crescimento da maioria das economias européias, a segunda metade da última

década, desde a queda do regime comunista, mostra o aumento da iniqüidade, e

aproximadamente 18 milhões de crianças vivem em situação de pobreza na região da antiga

União Soviética e países do leste europeu, aumentando o hiato no estado de saúde entre

populações ricas e pobres (KROSNAR, 2001).

Das cerca de 12 milhões de mortes de menores de cinco anos registradas a cada ano nos

países em desenvolvimento, devidas principalmente a causas evitáveis, cerca de sete milhões,

ou seja, 50,0%, podem ser direta ou indiretamente atribuídas à desnutrição. É uma emergência

silenciosa, porém é real e tem profundas e graves implicações para a criança, a sociedade e o

futuro da humanidade. Algumas vezes o problema é invisível uma vez, que três quartos das

crianças que morrem em todo o mundo por causas relacionadas com a desnutrição estão

classificadas como tendo desnutrição leve e moderada e não apresentam indício aparente do

problema (UNICEF, 1998).

1.3 CAUSAS DA DESNUTRIÇÃO

As causas que levam à desnutrição são complexas e a sua compreensão é fundamental para a

avaliação da magnitude do problema, dos progressos já realizados até o momento e das

possibilidades de novos avanços.

Na década de 70, modelos analíticos começaram a ser concebidos na tentativa de explicar e

ordenar o pensamento em torno das causas da desnutrição. O primeiro modelo participativo

foi realizado na Guatemala por BEGHIN & DUJARDIN (1988). Este tipo de abordagem

participativa, estabelecendo uma rede de causas hierarquizadas adaptadas a cada situação e

com participação de vários atores, foi decididamente uma contribuição importante no

diagnóstico nutricional.

Um quadro conceitual sobre os fatores causais da desnutrição foi desenvolvido em 1990 como

parte da Estratégia de Nutrição do UNICEF (UNICEF, 1998), mostrando que as causas da

desnutrição são multissetoriais, incluindo alimentação, saúde e práticas de cuidados. Essas

causas também são classificadas como imediatas (nível individual), subjacentes (nível

Ana Rodrigues Falbo Introdução

12

familiar) e básicas (nível social), sendo que fatores de um nível podem influenciar os outros

níveis. É utilizado como um guia na avaliação e na análise das causas do problema da

desnutrição e facilita a identificação das ações mais adequadas a serem instituídas.

1.3.1 CAUSAS IMEDIATAS

A interação entre as duas causas imediatas mais significativas da desnutrição (o consumo

inadequado de alimentos e as doenças associadas, sobretudo infecciosas) tende a criar um

ciclo vicioso (WATERLOW, 1992).

A desnutrição sabidamente afeta de modo adverso a resposta imunológica específica e

inespecífica, aumentando a susceptibilidade às infecções. Estas, por sua vez, podem conduzir

a uma maior deterioração do estado nutricional, pela redução do apetite, comprometendo a

ingestão de alimentos, má absorção, mobilização dos estoques corporais, aumento do

catabolismo e outras reações sistêmicas que podem afetar o crescimento linear e ponderal da

criança. A criança envolvida neste ciclo desnutrição-doença pode cair numa espiral

potencialmente fatal, uma vez que as duas condições se reforçam mutuamente (UNICEF,

1998; GUERRANT et al., 2000; GIOVAMBATTISTA et al., 2000).

Uma das causas importantes que contribuem para a desnutrição é o desmame precoce. Na

criança, o leite materno constitui o alimento de eleição, devendo ser exclusivo nos seis

primeiros meses de vida. A precocidade da desnutrição na infância nas últimas décadas,

notadamente nas populações urbanas dos países pobres, tem sido estreitamente associada à

tendência geral do desmame prematuro. Habitualmente, os alimentos complementares

utilizados após o desmame não satisfazem as necessidades nutricionais da criança, além de

favorecer, por sua composição imprópria ou por efeito de contaminação por vírus, bactérias,

protozoários e helmintos, a ocorrência de doenças gastrintestinais (BATISTA FILHO, 1999).

Segundo dados do UNICEF, publicados em 2002, apenas metade das crianças no mundo são

amamentadas exclusivamente durante os primeiros quatro meses de vida (UNICEF, 2002).

Vários estudos têm apontado a relação entre as infecções bacterianas, virais e parasitárias e o

comprometimento do estado nutricional em populações infantis.

Ana Rodrigues Falbo Introdução

13

KOSSMANN e colaboradores (2000) avaliaram a relação entre estado nutricional, diarréia e

infecção respiratória. Foram estudadas 28.753 crianças entre seis meses e seis anos de idade

no norte do Sudão. O risco relativo de desenvolver episódios subseqüentes de diarréia e

infecção respiratória em relação ao estado nutricional classificado por antropometria

(altura/idade, peso/altura e peso/idade) foi estimado utilizando odds ratios na análise de

regressão logística, ajustando para variáveis com possível efeito de confusão.

Os índices altura/idade, peso/altura e peso/idade foram significativa e inversamente

associados com o desenvolvimento posterior de diarréia (p<0,001), com o risco sendo 2,00

vezes maior (IC95%: 1,64 a 2,43) entre crianças com peso/idade menor que menos 4DP, e

1,75 vezes maior (IC95%: 1,56 a 1,96) entre aquelas com peso/idade entre menos 4 e menos

3DP, comparadas com crianças com peso/idade ≥ 1DP.

A infecção respiratória também foi inversamente associada com peso/idade e peso/altura

(p<0,03), com riscos variando de 1,41 vezes maior (IC95%: 1,02 a 1,97) a 1,21 vezes maior

(IC95%: 1,04 a 1,41) no grupo com peso/idade menor que menos 4DP e entre menos 2DP e

menos 1DP, todas comparadas com crianças eutróficas (≥ -1DP).

CUNHA (2000) avaliou a associação entre infecção respiratória e desnutrição entre crianças

menores de cinco anos de idade. Esse autor utilizou um banco de dados secundários de quatro

estados do nordeste do Brasil (Maranhão, Paraíba, Pernambuco e Piauí), o qual foi construído

a partir de um inquérito com base populacional desenhado para avaliar o estado nutricional

das crianças envolvidas. A amostra estudada foi composta por 4.718 crianças. A desnutrição

foi avaliada utilizando-se os índices peso/idade, peso/altura e altura/idade, calculados em

escore Z (≤ menos 2), e o padrão de referência do NCHS. A desnutrição passada ou atual foi

associada com infecção respiratória aguda do trato respiratório inferior, mesmo após o ajuste

para potenciais fatores de confusão (odds ratio: 2,03. IC95%: 1,20 a 2,43).

HAGEL e colaboradores (1999) estudaram infecção parasitária e índices antropométricos

num grupo de crianças em idade escolar, numa favela em Caracas, na Venezuela. Eles

encontraram que a proporção de crianças abaixo do pecentil 10 para altura/idade e peso/idade

foi significativamente maior nas crianças parasitadas quando comparadas com as não

parasitadas. Embora este fato pudesse refletir parcialmente a co-dependência entre infecção

parasitária e desnutrição ou pobreza, quando foi administrado às crianças tratamento anti-

helmíntico de forma regular, por um ano, houve melhora significativa nos índices

Ana Rodrigues Falbo Introdução

14

antropométricos. Quando as crianças foram reavaliadas oito meses após o final do tratamento,

o grau de re-infecção pelo Ascaris lumbricoides, o parasita mais comum, foi maior no grupo

de crianças com desnutrição.

SHUBAIR e colaboradores (2000), estudando a prevalência de parasitoses intestinais e sua

relação com anemia e estado nutricional entre crianças de seis a 11 anos em Gaza,

encontraram uma prevalência global de parasitoses de 24,5%. A Giardia lamblia (62,2%)

sendo o parasita mais comumente isolado particularmente no grupo de seis a sete anos,

seguido pelo Ascaris lumbricoides (20,0%), e em seguida pela Entamoeba histolytica

(18,0%). As parasitoses declinaram de modo geral no grupo de maior idade para ambos os

sexos. A prevalência de anemia foi em geral maior nas crianças mais jovens. As crianças

parasitadas do grupo de idade entre oito e nove anos mostraram uma incidência maior de

déficit de peso/altura em relação às não parasitadas. A prevalência de nanismo nutricional e

emagrecimento grave foi maior entre as crianças parasitadas que nos controles.

ZULKIFLI e colaboradores (2000) realizaram estudo na Malásia com crianças em idade

escolar e encontraram uma prevalência de 40,4% de nanismo nutricional (stunted) e 28,4% de

baixo peso. Destas crianças, 69,4% tinham infecção por geo-helmintos. O parasita mais

comumente encontrado foi o Ascaris lumbricoides (62,8%), seguido pelo Trichuris trichiura

(38,9%). Todos os índices antropométricos foram mais baixos nas crianças parasitadas

quando comparados com as crianças não parasitadas.

STEPHENSON e colaboradores (2000) publicaram estudo no qual ressaltam a importância do

Trichuris trichiura como um problema de saúde pública e estimam que um bilhão e 49

milhões de pessoas albergam o parasita no mundo, incluindo 114 milhões de crianças pré-

escolares e 233 milhões de crianças em idade escolar. A prevalência do Trichuris trichiura é

elevada e pode chegar a 95,0% em crianças em muitas partes do mundo onde a desnutrição e

as anemias são também muito prevalentes, e onde é precário o acesso aos cuidados de saúde e

à educação.

1.3.2 CAUSAS SUBJACENTES

Três conjuntos de causas subjacentes levam ao consumo alimentar inadequado e às doenças

infecciosas: acesso inadequado da família a alimentos; serviços de saúde insuficientes e

Ana Rodrigues Falbo Introdução

15

ambiente pouco saudável e a falta de cuidados adequados no atendimento à mulher e à criança

(UNICEF, 1998).

A garantia de alimentação para a família depende do acesso aos alimentos, entendido como

acesso financeiro, físico e social, e como uma condição distinta de disponibilidade de

alimentos. É possível que haja alimentos disponíveis em abundância no mercado, mas as

famílias pobres não podem comprá-los e ter a sua alimentação assegurada (UNICEF, 1998).

Um elemento essencial para a manutenção da saúde é o acesso a serviços curativos e

preventivos de boa qualidade. As famílias devem dispor de um centro de saúde a uma

distância razoável, e a equipe de atendimento deve ser qualificada e equipada para oferecer a

orientação e os cuidados necessários (UNICEF, 1998).

Em termos de saúde ambiental, a falta de acesso imediato a algum tipo de abastecimento de

água limpa e de saneamento adequado, e a manipulação dos alimentos sem cuidados de

higiene, assim como as condições pouco higiênicas verificadas dentro e fora das casas, que

constituem a causa da maior parte das diarréias na infância, têm significativas implicações na

disseminação de doenças infecciosas (UNICEF, 1998).

Segundo o UNICEF (1998), a experiência tem demonstrado que ainda que alimentos

adequados estejam disponíveis na casa, e que a família viva em um ambiente saudável e tenha

acesso a serviços de saúde, mesmo assim as crianças podem sofrer de desnutrição. A

explicação para tal fato estaria relacionada à compreensão mais completa dos diversos tipos

de recursos necessários para uma boa nutrição e dos fatores que interferem no modo como a

família tem acesso e controla esses recursos. Muitas vezes os esforços no sentido de atender a

uma certa condição necessária para uma boa nutrição disputam os mesmos recursos

necessários para o atendimento de outra condição. Por exemplo, se uma mulher precisa gastar

muito tempo para garantir a presença do alimento para a família, a sua capacidade de

dispensar os cuidados para a criança pode ficar comprometida, contribuindo para a

desnutrição da criança (UNICEF, 1998).

A falta de cuidados adequados para crianças e mulheres, que constitui o terceiro elemento das

causas subjacentes para a desnutrição, só recentemente foi reconhecida e entendida em todas

as suas implicações. O cuidado é manifestado na maneira pela qual a criança é alimentada,

Ana Rodrigues Falbo Introdução

16

estimulada, ensinada e orientada. Expressa os valores domésticos e culturais que orientam os

indivíduos e as famílias (UNICEF, 1998).

A discriminação enfrentada por meninas e mulheres em relação à educação e à oportunidade

de emprego e o favorecimento dos homens dentro da família e da comunidade comprometem

as práticas de cuidados para garantir a nutrição adequada das crianças (UNICEF, 1998).

É importante comentar sobre o vínculo mãe-filho, pois, apesar de não citado no modelo causal

proposto pelo UNICEF, é um importante fator para a instalação e perpetuação da desnutrição

na infância. Vários aspectos, como sentimento de ambigüidade em relação à maternidade,

insegurança quanto ao fato de ser uma boa mãe e esposa, o tipo de relação que a mulher teve

com a própria mãe, que tipo de mãe ela teve, que tipo de filha foi, a discriminação social da

mulher, entre outros fatores, vão influenciar na forma como se estabelece a relação mãe-filho

(NÓBREGA & CAMPOS, 1996).

1.3.3 CAUSAS BÁSICAS

Em relação às causas básicas da desnutrição, temos a quantidade e qualidade dos recursos

(humanos, econômicos e organizacionais) e a maneira pela qual são controlados (Figura 1).

Fatores políticos, legais e culturais em níveis nacional e regional influem na garantia de um

bom nível de nutrição para todos os membros da família. Esses fatores incluem a proteção dos

direitos de mulheres e meninas, o sistema político e econômico que determina a distribuição

de renda e dos recursos, e as ideologias e as políticas que orientam os setores sociais

(UNICEF, 1998).

Ainda que a pobreza econômica não seja a única forma de pobreza que afeta a nutrição, ela

constitui, sem dúvida, um fator importante. A superação de condições de pobreza e de

subdesenvolvimento demanda recursos e insumos que poucos países em desenvolvimento têm

condições de reunir (UNICEF, 1998).

Ana Rodrigues Falbo Introdução

17

Figura 1. Fatores causais da desnutrição

� Desnutrição infantil � Morte e incapacitação

� Conseqüências

� Consumo inadequado de alimentos � Doenças infecciosas

� Causas imediatas

� Causas subjacentes

� Acesso inadequado aos alimentos � Práticas inadequadas de cuidados maternos e infantis � Serviços de água e saneamento deficientes e serviços

de saúde inadequados

� Quantidade e qualidade dos recursos: humanos, econômicos e organizacionais

� Maneira pela qual são controlados

� Causas básicas

� Recursos potenciais: ambiente, tecnologia, população

Fonte: UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância), 1998.

1.4 A BUSCA DE SOLUÇÕES PARA A DESNUTRIÇÃO

1.4.1 MEDIDAS DE CARÁTER GERAL

Com a chegada do novo milênio, aproximadamente 800 milhões de pessoas no mundo

encontram-se cronicamente desnutridas. Duzentos milhões de crianças estão abaixo do peso

padrão de forma moderada ou grave, enquanto 70 milhões têm desnutrição grave. Muitas

crianças que ainda estão por nascer terão que fazer face às circunstâncias adversas

predisponentes à desnutrição (WHO, 1996; IYENGAR et al., 2000).

Ana Rodrigues Falbo Introdução

18

É necessária a erradicação em escala global das deficiências nutricionais entre mulheres e

crianças para garantir uma melhoria na qualidade de vida das próximas gerações. O mundo

terá que enfrentar esse desafio por meio de um planejamento cuidadoso e através da

cooperação internacional (IYENGAR et al., 2000).

Ações contra a desnutrição não são apenas imperativas, como também viáveis. Para ter

sucesso, a luta contra a desnutrição deve ser travada em várias frentes. A saúde da população

é adversamente afetada pelas desigualdades existentes em um país. Sendo as mulheres e as

crianças os indivíduos mais vulneráveis, são mais profundamente atingidos. A educação de

quem realmente cuida da criança e da família é uma importante estratégia na redução da

desnutrição (UNICEF, 1998; BHARMAL, 2000).

Deve-se ressaltar o valor da educação das famílias, principalmente das mães e dos

profissionais de saúde na alimentação da criança. A elaboração de estratégias educativas e de

divulgação sobre a importância do aleitamento materno, dos alimentos complementares

adequados, da higiene no preparo dos alimentos, entre outros aspectos, pode ser de grande

contribuição na luta contra a desnutrição infantil, causando um grande impacto na sua redução

(MONTE et al., 2002).

A capacitação da mulher é um fator de importância fundamental para a melhoria da nutrição

tanto da própria mãe quanto de suas crianças. Este aspecto implica esforços legislativos e

políticos para combater a discriminação e a exploração da mulher, e medidas para lhe garantir

acesso adequado a recursos e a cuidados em todos os níveis da sociedade. A melhoria da

educação das meninas e das mulheres também é uma providência fundamental (UNICEF,

1998; DELPEUCH et al., 2000).

A falta de garantia de alimentação para a família, que constitui uma das causas subjacentes à

desnutrição, representa com freqüência o ponto central da relação entre crescimento

econômico e status nutricional, mesmo com a observação de que nem sempre as famílias

pobres usam aumentos da renda para melhorar de maneira significativa seu consumo calórico

(UNICEF, 1998; ENGSTROM & ANJOS, 1999; ROMERO & SZWARCWARD, 2000).

O envolvimento dos pais e das famílias contribui de modo significativo para a melhoria da

nutrição e da saúde das crianças. A realização de ações com base na população possibilita que

os pais e outros membros da comunidade possam avaliar as condições de saúde das suas

Ana Rodrigues Falbo Introdução

19

crianças. Desta forma, adquirem uma compreensão mais clara dos fatores envolvidos no bem-

estar nutricional das crianças e podem participar efetivamente do planejamento e ações que

atuem na melhoria das condições gerais das crianças e da comunidade (UNICEF, 1998;

ARENAS-MONREAL et al., 1999; IMPROVING CHILD NUTRITION, 2000).

Para que seja possível criar soluções para as causas básicas da desnutrição, serão necessários

recursos maiores e mais bem direcionados; mais colaboração, participação e diálogo em todas

as instâncias: departamentos de governos, doadores, investidores, organizações não-

governamentais e, acima de tudo, a participação da população atingida pelo problema

(UNICEF, 1998; BROWN, 2000).

1.4.2 ABORDAGEM MÉDICA DO PROBLEMA

O manejo da criança desnutrida grave tem sido modificado com o passar dos anos. O alto

custo do tratamento hospitalar e as altas taxas de mortalidade fizeram com que se voltasse a

atenção para os centros de reabilitação nutricional, e os programas de prevenção ganharam

força. Uma conseqüência dessa mudança foi o entendimento de que a desnutrição grave era

causada primariamente pela simples falta do alimento, e a provisão de quantidades adequadas

de comida, sob a forma de programas de suplementação, resolveria o problema. Centros de

reabilitação nutricional foram desenvolvidos em várias partes, mas somente alcançaram

sucesso limitado. A provisão apenas de alimentos é insuficiente para superar os agravos

ocasionados pelos graves problemas de origem social e clínica que afetam essas crianças

(BREDOW et al., 1994).

As crianças desnutridas têm que ser tratadas levando-se em conta as particularidades

fisiopatológicas, principalmente em relação à desnutrição grave. A perda dessa noção e a

impressão de que o problema da desnutrição tinha sido resolvido com a suplementação

alimentar levaram muitos clínicos a perderem o interesse em aprimorar o manejo terapêutico

do problema (OMS, 2000).

A revisão de publicações dos últimos 50 anos revela que a mediana da taxa de letalidade da

desnutrição grave não se modificou nesse período e que tende a oscilar entre 20,0% e 30,0%,

com os maiores percentuais (50,0% a 60,0%) atribuídos aos casos de desnutrição edematosa

(SCHOFIELD & ASHWORTH, 1997).

Ana Rodrigues Falbo Introdução

20

Uma causa provável para essa taxa elevada é o tratamento inadequado dos casos, segundo

uma pesquisa realizada em centros de tratamento em distintas partes do mundo. O resultado

da pesquisa aponta para a necessidade da aplicação de pautas terapêuticas atualizadas e

práticas como parte de um programa integral de capacitação. A inadequação do tratamento

geralmente resulta da falta de reconhecimento do estado fisiológico alterado e da redução dos

mecanismos homeostáticos que ocorrem na desnutrição. As práticas incluem: reidratação

inadequada, levando a sobrecarga de fluidos e falência cardíaca; falta de reconhecimento de

infecções que podem levar à sepse; falha em reconhecer a vulnerabilidade dessas crianças à

hipotermia e à hipoglicemia (SCHOFIELD & ASHWORTH, 1997).

Em alguns centros, a falta de recursos econômicos é o fator limitante, embora exista o

conhecimento adequado. Em outros, a atualização e/ou o aperfeiçoamento das condutas,

através de pequena modificação, podem trazer um benefício substancial (OMS, 2000;

WATERLOW, 1992).

É importante comentar sobre alguns aspectos fisiopatológicos que servem de suporte para as

propostas terapêuticas recomendadas atualmente para o manejo hospitalar da criança com

desnutrição grave.

A desnutrição afeta todos os sistemas e órgãos, nenhuma das funções até o momento

estudadas nesta condição tem se mostrado normal. De longe, a adaptação mais importante é a

redução do trabalho corporal em todos os seus níveis de organização: órgãos, tecidos, células,

organelas, sistemas enzimáticos. Reservas de tecido e capacidade funcional são caras do

ponto de vista energético, e é este excesso que é sacrificado na desnutrição e fornece a base

para a redução na capacidade funcional dos órgãos e no requerimento de energia

(ASHWORTH, 1978).

Em relação ao coração, e do ponto de vista do corpo como um todo, a variação mais

importante é em relação ao débito cardíaco. É relatada uma diminuição de 30,0% no estado de

desnutrição comparado com o estado de recuperação. Parece bastante provável que haja uma

alteração da função miocárdica na desnutrição grave, desde que se observa que o estresse

provocado por um aumento no volume circulatório, como resultado de uma infusão venosa, é

muito mais propenso a causar insuficiência cardíaca (IC) na criança desnutrida que na

Ana Rodrigues Falbo Introdução

21

eutrófica. Em alguns lugares, as mortes foram relatadas como secundárias à utilização de

dietas contendo grandes quantidades de sal (WATERLOW, 1992).

Crianças com desnutrição grave freqüentemente apresentam anormalidades cardiovasculares,

incluindo hipotensão, arritmias cardíacas, cardiomiopatia, insuficiência cardíaca e até morte

súbita. ÖCAL e colaboradores (2001) estudando a função cardíaca em crianças com

desnutrição demonstraram que a massa do ventrículo esquerdo e o débito cardíaco estavam

reduzidos na proporção da redução do tamanho corporal nessas crianças, e que as funções

sistólica e diastólica do ventrículo esquerdo estão preservadas no coração atrófico.

Em relação ao trato gastrointestinal, a secreção ácida gástrica está reduzida, permitindo a

colonização do estômago, que é normalmente estéril, por bactérias intestinais fecais. As

bactérias competem tanto pela vitamina B-12, como levam a uma conseqüência mais grave

que é a desconjugação dos sais biliares, com a interferência na absorção das gorduras. A

cinética da regeneração do epitélio intestinal está alterada e há lentificação na proliferação,

migração e maturação das células. A conseqüência é a redução das enzimas dissacaridases,

especialmente a lactase. Outras funções de transporte pelo epitélio estão alteradas, inclusive a

absorção de glicose pode estar impedida, podendo levar a profunda hipoglicemia

(SOLOMONS, 1985; BREWSTER et al., 1997).

O paciente desnutrido torna-se poiquilotérmico. Pequena redução na temperatura do ambiente

para 22oC ou uma elevação para 33oC pode levar a hipotermia ou febre. Mesmo nos países

tropicais não é infreqüente a criança desnutrida desenvolver hipotermia (GOLDEN, 1996).

A desnutrição tem efeitos adversos nos mecanismos imunológicos específicos e inespecíficos,

a criança desnutrida tem dificuldade de produzir novos anticorpos. A fisiologia da fagocitose

dos leucócitos não está alterada por si, mas os elementos circulantes que permitem aos

fagócitos o reconhecimento e a opsonização dos agentes estão reduzidos. A alteração mais

pronunciada é em relação à imunidade celular, com depressão da resposta inflamatória e da

defesa contra parasitas e patógenos intracelulares. Observa-se redução do timo, com

comprometimento da maturação dos linfócitos envolvidos na resposta celular. A resposta

inflamatória de fase aguda envolve a liberação de mediadores pelos leucócitos ativados. O

órgão alvo dos mediadores é o fígado, que responde com o seqüestro de elementos traços

como o zinco e o ferro e produz as proteínas de fase aguda. Esta função está comprometida na

Ana Rodrigues Falbo Introdução

22

desnutrição (SOLOMONS, 1985; PERNETA, 1988; CUNHA, 2000; GIOVAMBATTISTA

et al., 2000; KOSSMANN et al., 2000).

Em relação às modificações metabólicas que ocorrem na desnutrição, uma das mais

importantes diz respeito à alteração na água corporal. Dentre as implicações clínicas mais

importantes há o surgimento do edema. De longe o mecanismo mais implicado na formação

do edema é a hipoalbuminemia. A clássica teoria de Starling, citada por WATERLOW

(1992), associa o edema à hipoalbuminemia por meio da redução da pressão oncótica (PO) do

plasma.

Alguns autores sugerem que a hipoalbuminemia pode ser necessária, mas não suficiente para

causar o edema, estando outros fatores envolvidos no seu surgimento. Um de tais fatores seria

a disponibilidade de sal e água, daí o edema também poder surgir na criança com marasmo

por excesso de infusão de líquido salino (WATERLOW, 1992).

Há evidência de dano causado por radicais livres à membrana celular provocando a sua

quebra e com isso o estabelecimento do edema. Uma explicação para esse fato seria que as

células do túbulo renal permitiriam uma maior entrada do sódio, o qual seria liberado para a

circulação, e, para manter a tonicidade do meio, a água deveria entrar junto com o sódio

(WATERLOW, 1992).

Outro fator seria o aumento da permeabilidade capilar provocado por infecção. Ocorre não

apenas o extravasamento de fluido, mas também o escape transcapilar de albumina,

aumentando a PO no espaço intersticial e promovendo um aumento do acúmulo de líquido no

local. Normalmente o conteúdo de proteína do fluido do edema é baixo (GOLDEN, 1996).

Na avaliação da influência da desnutrição sobre o funcionamento do sistema nervoso, é

importante comentar aspectos relacionados à capacidade de aprendizado e ao comportamento.

Em relação à dinâmica do crescimento e desenvolvimento, devemos ter presente que ambos

os processos se caracterizam pela sua variabilidade ao longo do tempo. Esta variabilidade é

particularmente importante em relação ao crescimento do cérebro, pois as transformações

histológicas ocorrem conforme a idade do organismo. Produzem-se alterações de grande

importância (diferenciação inicial dos neurônios, as formações dendríticas, as conexões

sinápticas básicas e o processo de mielinização) durante a gestação e os primeiros 24 meses

Ana Rodrigues Falbo Introdução

23

de vida. Essas mudanças estruturais e metabólicas fazem do cérebro um órgão particularmente

vulnerável nesse período da vida. Posteriormente as mudanças são menores. Portanto, se a

desnutrição afeta o funcionamento cognitivo por meio de mudanças cerebrais específicas, as

alterações produzidas vão depender do período do desenvolvimento em que ela incide, sendo

os resultados distintos se o insulto (desnutrição) ocorre nos dois primeiros anos ou no quinto

ou no sexto ano de vida (POLLITT, 1988).

Crianças com desnutrição grave têm alteração do afeto, classicamente tornam-se apáticas

quando deixadas sós e se mostram irritadas ao manuseio. A apatia pode ser profunda de tal

modo que podem permanecer imóveis na cama por longos períodos. Quando choram, emitem

um som monótono, diferente do ruído bem sonoro emitido por crianças normais. Por conta da

atrofia das glândulas lacrimais, podem não liberar lágrimas no choro (GOLDEN, 1996).

Essas crianças podem desenvolver uma série de movimentos estereotipados repetitivos, de

auto-estimulação, que são típicos de privação psicossocial e ausência de estimulação. Um dos

comportamentos típicos de auto-estimulação e um dos mais danosos para a criança é a

ruminação. Quando deixada só, a criança regurgita a última refeição e então novamente volta

a engolir o alimento regurgitado, mas, inevitavelmente, haverá perda de algum conteúdo

alimentar com prejuízo da ingestão (GOLDEN, 1996).

Nos últimos anos alguns estudos foram realizados avaliando o impacto da aplicação de

protocolos de tratamento e programas de seguimento para a criança com desnutrição grave.

BREDOW & JACKSON (1994) realizaram um estudo com um programa de tratamento de

base comunitária, de baixo custo, aplicado em crianças com menos de três anos, com

desnutrição grave e moderada, em um centro de saúde na zona rural da Jamaica. As crianças

foram acompanhadas mensalmente. O manuseio consistiu de uma cuidadosa orientação sobre

a alimentação e suplementação de antibióticos, anti-helmínticos e vitaminas. Antes da

introdução do programa não havia nenhuma estratégia definida para o tratamento de crianças

com desnutrição. O programa nutricional foi desenvolvido pelos funcionários do centro de

saúde, sem fundo adicional e sem provisão ou distribuição de nenhum alimento suplementar.

Foi dada ênfase em capacitar a mãe para compreender as necessidades da criança e identificar

o surgimento de problemas.

Ana Rodrigues Falbo Introdução

24

No total, o aumento no ganho de peso das crianças foi de 2,03 kg num período de cinco a seis

meses, não sendo fácil avaliar a relevância desses dados, uma vez que há o aumento do ganho

de peso esperado pelo crescimento normal da criança. Entretanto, se a mudança for expressa

pelo índice peso/idade, nenhuma das crianças deteriorou. De 45 crianças estudadas, três

permaneceram com o mesmo índice, e 33 melhoraram. A média do aumento do peso/idade de

aproximadamente 11,0% em cinco a seis meses foi significante (p<0,01, teste “t” de student).

As crianças com desnutrição grave mostraram uma média de aumento do peso/idade de

15,3%, quase duas vezes o valor observado nas crianças com desnutrição moderada (8,9%) ao

longo do mesmo período, sendo esta diferença significante.

Houve um aumento significante no comprimento durante o período de seguimento, o qual

estava dentro do esperado para uma criança que está crescendo normalmente e, portanto, sem

evidência de recuperação do crescimento (catch-up). Entretanto, o grupo como um todo

permaneceu com nanismo moderado, com altura/idade em torno de 88,0% da mediana do

padrão de referência do NCHS. Isto significa que o aumento de peso durante o mesmo

período representou um aumento de peso/altura com uma redução significante no grau de

emagrecimento.

Apesar de os resultados desse programa indicarem a possibilidade de tratar até mesmo as

crianças com desnutrição grave na comunidade, com programas de baixo custo e simples, e

ter sucesso, cabe lembrar que essas são crianças altamente vulneráveis a apresentarem

hipotermia, hipoglicemia, desidratação, choque, sepse e outras condições mórbidas que as

colocam sob o risco de morrer, e que são condições que devem ser obrigatoriamente

manejadas no hospital (OMS, 2000).

HEIKENS e colaboradores (1994) realizaram estudo avaliando o impacto do tratamento

hospitalar de longa e curta permanência em crianças com desnutrição grave. Os autores

argumentam que há muitos relatos de recaídas e morte após a alta dessas crianças em

diferentes períodos de tempo. Foram estudadas 81 crianças, com idade média de 11 meses.

Quando a doença concorrente tinha sido tratada e a alimentação normal restabelecida, as

crianças foram randomicamente alocadas para o tratamento de longa permanência (LP) ou

para o tratamento de curta permanência (CP). No tratamento LP, as crianças permaneciam no

hospital até a recuperação completa (padrão NCHS para o indicador peso/altura) (média de 40

dias). No tratamento CP, as crianças tinham alta imediatamente (média de 18 dias) e

passavam a receber cuidados de saúde em casa por seis meses e mais a suplementação de

Ana Rodrigues Falbo Introdução

25

dieta com alto conteúdo de energia por três meses. Após a alta, o grupo do tratamento LP

recebia seis meses de tratamento em casa, mas sem suplementação alimentar.

Os resultados do trabalho demonstraram vantagens significativas para o grupo da LP na

evolução dos índices tanto de peso/idade quanto de altura/idade na alta, e aos 12, 18, 24 meses

e para o comprimento também aos 30 meses (P < 0,05 a P < 0,001).

Os autores concluem que a recuperação nutricional completa é relevante. A permanência

hospitalar promoveu e manteve vantagem significativa em peso e altura por quase dois anos

após o final da intervenção.

KHANUM e colaboradores (1998) realizaram um estudo no Children´s Nutrition Unit, em

Dhaka, entre dezembro de 1990 e novembro de 1991, com crianças de 12 a 59 meses, com

desnutrição grave. Foi realizado um estudo de seguimento de 12 meses para avaliar três

modalidades de tratamento.A alocação para os grupos de tratamento ocorreu por um rodízio

diário. A seqüência inicial foi randomicamente determinada, sendo as crianças selecionadas

para receberem tratamento no hospital (200 crianças), no hospital dia (200 crianças) ou

tratamento domiciliar (173 crianças).

Embora o tempo de recuperação tenha diferido nos três grupos, no início do seguimento todas

as crianças apresentavam o mesmo estado nutricional (peso/altura 80,0% da mediana do valor

de referência do NCHS). Durante o tratamento, todos os três grupos receberam orientações

em saúde e nutrição. As mães e os profissionais de saúde dos grupos de crianças em

tratamento no hospital dia e domiciliar receberam instruções adicionais em como alimentar as

crianças em casa, em relação à quantidade e à freqüência da dieta.

Os principais desfechos de interesse nos 12 meses do seguimento do estudo foram a

morbidade, o crescimento, a recaída e a letalidade.

Os problemas mais comumente diagnosticados foram diarréia e febre. Não houve diferença

nos achados clínicos entre os três grupos do tratamento. Em relação ao crescimento, as

crianças eram pesadas e medidas mensalmente, com instrumentos e técnicas adequadamente

padronizados. O ganho médio de peso e altura não diferiu significativamente entre os três

grupos do estudo. O ganho de peso foi suficiente para melhorar a média do índice peso/altura

de 80,0% no início do seguimento para 91,0% da mediana do valor de referência do NCHS ao

Ana Rodrigues Falbo Introdução

26

final do período do estudo (menos 1,6DP para menos 0,92DP). O ganho de peso foi maior no

primeiro semestre do seguimento. Recaída foi considerada quando as crianças apresentavam

edema ou peso/altura < 60,0% da mediana do valor de referência do NCHS. Quando a morte

era documentada durante a visita domiciliar, o pesquisador interrogava a mãe em relação à

causa e ao local da morte. Houve 1,2% de readmissões para tratamento, 0,6% de recaídas e

2,3% de mortes, e não houve diferenças entre os grupos do estudo.

A OMS sistematizou uma forma de tratamento e recomenda que ela seja utilizada em países

como o nosso, e está propondo uma adaptação dessas propostas à realidade de cada local, com

o intuito de tentar reduzir as altas taxas de mortalidade observadas (OMS, 2000).

Em 2000, a OMS lançou um protocolo, incorporando o conhecimento científico acumulado

nos últimos 20 anos que contou com a participação de um grupo de especialistas de várias

partes do mundo, com reconhecido saber sobre o tema e experiência prática no tratamento da

criança com desnutrição. Este protocolo fornece diretrizes para o tratamento de crianças com

desnutrição grave (menores de cinco anos) em hospitais e centros de saúde.

É importante salientar que as recomendações contidas no protocolo são dirigidas

especificamente para as crianças com desnutrição grave, levando-se em conta as suas

alterações fisiopatológicas.

O Protocolo da OMS é dirigido a profissionais de saúde que trabalham no nível central e de

distrito, incluindo médicos, enfermeiras, nutricionistas e os seus auxiliares. Contém diretrizes

práticas para o manejo de pacientes com desnutrição grave, procura promover a melhor

terapia disponível com o objetivo de reduzir o risco de morte, encurtar o tempo de

permanência hospitalar e facilitar a recuperação e a reabilitação completas.

Crianças com desnutrição grave freqüentemente estão seriamente doentes quando chegam

para tratamento. Emagrecimento, anorexia e infecções são comuns (OMS, 2000).

Devem ser hospitalizadas para tratamento as crianças com manifestações clínicas de

kwashiorkor, marasmo ou kwashiorkor-marasmático, cujo peso/idade seja menor que menos

3DP (< P1) ou menos de 70,0% da mediana dos valores de referência do NCHS, associado à

inapetência acentuada; e/ou diarréia e/ou vômitos; e/ou qualquer infecção associada. Também

se deve indicar a hospitalização para as crianças que não podem ser referidas para tratamento

Ana Rodrigues Falbo Introdução

27

em centros de recuperação nutricional ou para tratamento ambulatorial. Quando é possível

medir a altura, utiliza-se o indicador peso/altura e considera-se a desnutrição grave com a

presença de edema ou emagrecimento importante (peso/altura <-3DP ou menos que 70,0%)

ou sinais clínicos de desnutrição grave (MINISTÉRIO DA SAÚDE et al., 1999; OMS, 2000.

WHO, 2000).

A abordagem do tratamento é a mesma independentemente do tipo de desnutrição.

O manejo da criança desnutrida grave, segundo o Protocolo da OMS, é dividido em três fases:

Fase inicial: na qual problemas com risco de vida são identificados e tratados em hospital ou

em instalações para tratamento em regime de internação. As deficiências específicas são

corrigidas, as anormalidades metabólicas são revertidas e a alimentação é iniciada. O

tratamento inicial começa com a admissão ao hospital e dura até que a condição da criança

esteja estável e seu apetite tenha retornado, o que acontece geralmente após dois a sete dias.

Se a fase inicial dura mais de 10 dias, a criança está falhando em responder ao tratamento, e

medidas adicionais são requeridas. As principais tarefas durante a fase inicial são:

• Tratar ou prevenir hipoglicemia;

• Tratar ou prevenir hipotermia;

• Tratar ou prevenir desidratação e restaurar o equilíbrio eletrolítico;

• Tratar infecção e choque séptico se presente;

• Começar a alimentar a criança;

• Identificar e tratar quaisquer outros problemas, incluindo deficiências de

vitaminas, anemia grave e insuficiência cardíaca.

Fase da reabilitação: na qual alimentação intensiva é dada para recuperar o peso perdido,

intensifica-se a estimulação emocional e física, e a mãe ou a pessoa que cuida da criança é

treinada para continuar os cuidados em casa, e é feita a preparação para a alta da criança.

Entende-se que a criança entra na fase de reabilitação quando seu apetite volta. As principais

tarefas durante a fase de reabilitação são:

• Encorajar a criança a comer tanto quanto possível;

• Reiniciar e/ou encorajar a amamentação quando necessária;

• Estimular o desenvolvimento físico e emocional;

• Preparar a mãe ou quem cuida da criança para continuar a cuidar dela após a alta.

Ana Rodrigues Falbo Introdução

28

A criança deve permanecer no hospital durante a primeira fase de reabilitação (fase anterior).

Quando ela estiver comendo bem, o seu estado mental tiver melhorado (sorri, responde a

estímulos, se interessa pelo ambiente), estiver sentando, engatinhando, ficando em pé ou

andando (dependendo da idade), mantendo a temperatura corporal normal (36,5ºC a 37,0oC),

estiver sem apresentar vômitos ou diarréia, sem edema e com ganho de peso > 5g/kg de peso

corporal por dia, em três dias sucessivos, a criança poderá ser transferida para um centro de

reabilitação nutricional. É previsto que a fase de reabilitação completa dure em média entre

duas e seis semanas.

Fase do acompanhamento: após a alta, a criança e a família são acompanhadas para prevenir

recaída e assegurar a continuidade do desenvolvimento emocional, físico e mental da criança.

É recomendado que a criança seja seguida de perto por um período de sete a 26 semanas.

O tratamento dietético recomendado pelo Protocolo da OMS leva em conta o fato de que no

momento da admissão para tratamento hospitalar quase todas as crianças gravemente

desnutridas têm infecções, função hepática e intestinal comprometidas, e problemas

relacionados ao desequilíbrio de eletrólitos. Devido a esses problemas, elas são incapazes de

tolerar as quantidades dietéticas habituais de proteína, gordura e sódio. Então, é importante

começar a alimentar essas crianças com uma dieta na qual o conteúdo desses nutrientes é

baixo, e o de carboidratos é alto.

Duas formulações para dieta, F75 e F100, são usadas para crianças com desnutrição grave, a

F75 (75Kcal/100ml) é usada durante a fase inicial de tratamento, enquanto a F100

(100Kcal/100ml) é usada durante a fase de reabilitação, depois que o apetite retornou. Estas

fórmulas podem ser facilmente preparadas a partir dos ingredientes básicos: leite desnatado

ou integral em pó, açúcar, farinha de cereal, óleo, mistura de minerais e mistura de vitaminas

(vide apêndices 1 e 3 do Anexo 1).

As recomendações terapêuticas gerais do Protocolo da OMS (OMS, 2000; WHO, 2000) estão

contidas no Anexo 1.

Na bibliografia pesquisada, há relatos de estudos que foram realizados avaliando a aplicação

do Protocolo da OMS.

Ana Rodrigues Falbo Introdução

29

CAVALCANTE e colaboradores em 1998, aplicaram algumas normas preconizadas pelo

Protocolo da OMS para o manejo da criança com desnutrição grave no Instituto de Prevenção

à Desnutrição e à Excepcionalidade (IPREDE), no Ceará, Brasil.

Os maiores problemas no manuseio destas crianças eram diarréia persistente, falta de apetite e

crescimento inadequado. Como resultado, a recuperação era prolongada, cara e ineficiente. As

principais modificações dietéticas introduzidas segundo as normas do Protocolo da OMS

foram: divisão do tratamento em duas fases inicial e de recuperação, diminuição do conteúdo

de lactose do leite dado inicialmente, adição de uma solução de eletrólitos e minerais às

fórmulas lácteas, monitorização das quantidades oferecidas e consumidas a cada refeição, da

quota calórica diária, das evacuações, e a monitorização diária do peso.

O ganho de peso das primeiras 20 crianças que receberam o tratamento orientado pelo

Protocolo da OMS, em novembro e dezembro de 1995, foi comparado com o das primeiras 40

crianças admitidas em janeiro e fevereiro de 1995 que receberam a dieta padrão do IPREDE

(fórmula láctea com alto conteúdo de lactose – 5,1g/100ml, alta osmolaridade – 700mOsml/l,

sem adição de eletrólitos e minerais com densidade calórica de 120Kcal/100ml, sopa e sucos

de frutas com baixo conteúdo calórico menor que 100Kcal/100ml). Também foram

examinadas para as 20 crianças que receberam o novo tratamento: a extensão da diarréia na

primeira semana e a quota calórica durante o período de recuperação do crescimento. O novo

regime proporcionou um ganho de peso, que foi no geral 10,0g/kg/dia comparados com

apenas 2,4g/kg/dia para as crianças que receberam a dieta de rotina. A diarréia foi um evento

raro com o novo regime e a quota calórica durante a fase de recuperação do crescimento foi,

no geral, 160 Kcal/kg/dia.

AHMED & TOLBOM (2000) avaliaram o uso de um Protocolo padronizado para o

tratamento de crianças com desnutrição grave com diarréia no Centre for Diarrhoeal Diseases

Research (ICDDR) em Dhaka, Bangladesh.

O estudo utilizou o Protocolo em crianças admitidas nos seis primeiros meses de 1997 e

comparou os efeitos com os do tratamento não-padronizado dispensado às crianças admitidas

nos primeiros seis meses de 1996. Cada grupo foi composto de aproximadamente 300

crianças.

A mortalidade foi de 9,0% no grupo teste, comparada com 17,0% no grupo controle.

Ana Rodrigues Falbo Introdução

30

A contribuição mais importante para essa diferença, segundo os autores, foi provavelmente

um melhor manuseio da hidratação. Apenas 40,0% das crianças no grupo teste receberam

hidratação venosa, comparado com 70,0% no grupo controle, e o volume e a duração da

infusão foram menores no grupo teste. Entretanto, os autores avaliam se a mera existência de

uma conduta padronizada pode ter sido o fator responsável por uma maior disciplina, maior

atenção aos detalhes, menos liberdade de escolha por parte dos clínicos, com menor

possibilidade de cometer erros.

O trabalho utilizou orientações contidas no Protocolo da OMS, excetuando-se a utilização da

ReSoMal (soro para a reidratação oral da criança com desnutrição grave) e também não foram

utilizadas as fórmulas lácteas recomendadas no protocolo.

PUOANE e colaboradores (2001), recentemente, realizaram trabalho cujo principal objetivo

foi avaliar o manejo da criança com desnutrição grave em dois hospitais rurais na Cidade do

Cabo, na África do Sul, para identificar as dificuldades e recomendar a melhoria nos

cuidados. Os dados foram coletados retrospectivamente pelos prontuários médicos, também

por observações estruturadas dos pacientes nas enfermarias e entrevistas com médicos e

enfermeiras.

Alimentação inadequada, manejo inadequado da reidratação e infecção, falta de recursos, e

falta de conhecimento e motivação entre os funcionários dos hospitais foram identificadas

como áreas com necessidade de atenção.

Eles concluem que o manejo da criança desnutrida grave pode ser rapidamente avaliado,

detectando-se necessidade de adequação em determinados aspectos, e que o envolvimento dos

funcionários nesse processo leva a uma participação mais ativa na direção da melhoria do

atendimento da criança desnutrida grave nos hospitais.

DENN e colaboradores (2002. Comunicação pessoal) realizaram estudo qualitativo em

hospitais da África para documentar o processo de implementação, viabilidade e

sustentabilidade de cada etapa contida no Protocolo da OMS.

Em contato pelo correio, os membros de 12 hospitais africanos se mostraram interessados em

participar do estudo. Cinco hospitais foram avaliados e dois foram finalmente selecionados

Ana Rodrigues Falbo Introdução

31

para o estudo: um hospital distrital e um hospital missionário em Ghana. Na visita inicial, um

pediatra experiente reviu a situação nos hospitais e introduziu as orientações contidas no

Protocolo da OMS, utilizando uma estratégia de participação de todos os funcionários

envolvidos. Durante uma segunda visita, seis meses após a primeira, o mesmo pediatra

reavaliou a viabilidade e a sustentabilidade das mudanças introduzidas e ajudou na busca de

soluções para as dificuldades encontradas. Na última visita, após um ano, o mesmo pediatra

realizou uma nova avaliação da situação de forma global.

Os achados foram que o manuseio do problema melhorou nos dois hospitais. O manejo da

hipoglicemia, hipotermia e infecção receberam mais ênfase. Alimentação introduzida mais

rapidamente e mantida com maior freqüência foi estabelecida como uma prática de rotina.

Alguns micronutrientes para serem adicionados na dieta não estavam disponíveis no local e

necessitaram de importação. Foram detectados problemas com a monitorização do ganho de

peso e com a introdução da solução de reidratação para a criança com desnutrição (ReSoMal).

Os autores concluem que a implementação das principais recomendações do Protocolo da

OMS foi viável e sustentável nos dois hospitais africanos. O referido Protocolo pode ser

melhorado e acrescido de sugestões que se adaptem a cada local onde será aplicado. O estudo

não foi estruturado para produzir informações sobre impacto na mortalidade.

BHAN e colaboradores (2003) realizaram um estudo de revisão sobre o manejo da criança

desnutrida grave em países em desenvolvimento utilizando bases de dados do Medline,

Cocharane e também de fonte de publicações da OMS utilizando as palavras chaves

“desnutrição” ou “desnutrição energético-protéica”. Foram identificadas 4.818 referências,

nas quais foram avaliados aspectos relacionados com a avaliação, a fisiopatologia e o

tratamento da desnutrição grave. Foram excluídas as referências que tratavam sobre a

desnutrição em adultos, desnutrição secundária ou os estudos que incluíam série de casos ou

intervenções não controladas. No final foram revisadas em detalhes 140 publicações e em

nenhuma delas houve o relato sobre a utilização do Protocolo da OMS seguindo todas as suas

etapas.

Ana Rodrigues Falbo Introdução

32

1.5 JUSTIFICATIVA

Identifica-se a necessidade da avaliação e aplicação de pautas terapêuticas, atualizadas, que

levem em conta as alterações fisiopatológicas que ocorrem na desnutrição.

O protocolo elaborado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) pretende atender a esta

demanda, recomendando um tratamento sistematizado à criança, cujo principal objetivo é

contribuir para a diminuição da taxa de letalidade hospitalar da criança gravemente desnutrida

e promover a sua reabilitação nutricional.

No Brasil, no sentido de promover uma padronização do atendimento à criança desnutrida

grave, em maio de 1999, foi promovido e coordenado pelo Comitê de Nutrição Materno

Infantil do intercâmbio Ceará/Inglaterra (UFC/SESA-CE/UECE/LSHTM-Universidade de

Londres), um seminário nacional, em outubro de 1999, para a apresentação e discussão do

Protocolo da OMS para tratamento hospitalar da criança desnutrida grave.

Deste evento, participaram a Organização Pan Americana da Saúde (OPAS), a Área Técnica

de Nutrição do Ministério da Saúde, a Sociedade Brasileira de Pediatria e profissionais de

ensino e pesquisa das Universidades Federais e outras instituições de ensino e pesquisa do

país, onde se realiza atualmente o tratamento hospitalar dessas crianças. O IMIP foi uma das

instituições incluídas por ser considerado como centro de referência no tratamento da criança

desnutrida e por ter vínculo com outros centros universitários no país e no mundo.

Após a apresentação dos 10 passos que compõem a execução do protocolo e seus

fundamentos científicos pela Dra. Ann Hill, professora da London School of Hygiene and

Tropical Medicine, que além de ser uma das pioneiras mundiais no tratamento das crianças

desnutridas graves foi também consultora da OMS para a definição do protocolo, um grupo de

40 especialistas discutiu intensamente sobre o mesmo. A conclusão foi de que, de uma

maneira geral, o protocolo poderia ser aplicado mesmo onde não houvesse recursos

sofisticados parta a atenção à criança.

A experiência do IPREDE, uma organização não-governamental cearense onde a coordenação

do Comitê do Intercâmbio de Nutrição Ceará/Inglaterra vinha executando desde 1996/1997 o

Protocolo (CAVALCANTE et al., 1998), foi de grande valia como exemplo prático da

Ana Rodrigues Falbo Introdução

33

viabilidade de aplicação do protocolo no país, uma vez que se trata de uma instituição com

recursos financeiros e humanos limitados.

Neste contexto, o IMIP foi a primeira instituição de ensino e pesquisa a realizar, no período

de maio de 1999 a maio de 2000, um levantamento sobre o atendimento hospitalar de crianças

desnutridas cujo índice peso/idade estava abaixo do percentil 3; a taxa de letalidade

encontrada neste grupo foi de 34,3% (FALBO & ALVES, 2002).

Sendo o IMIP um hospital voltado para ensino, pesquisa e assistência, identifica-se a

necessidade de mobilizar esforços no sentido de melhorar a qualidade do atendimento à

criança desnutrida grave hospitalizada. A utilização da recomendação de tratamento contida

no Protocolo da OMS, de forma adequada à realidade local, pode ser um passo importante

nessa direção.

A Sociedade Brasileira de Pediatria, em publicação recentemente aprovada por seu

Departamento Científico de Nutrição e elaborada por MONTE & SARNI (2002), definiu as

diretrizes a serem utilizadas no tratamento da criança desnutrida grave hospitalizada. Tais

recomendações são essencialmente baseadas no atual Protocolo da OMS.

O atual estudo é o primeiro realizado no país a utilizar o protocolo na íntegra. Visou avaliar os

resultados da aplicação do mesmo, particularmente no que se refere à taxa de letalidade

hospitalar e à operacionalização das diversas tarefas que compõem cada um dos passos

terapêuticos para desta forma contribuir para a adequação da assistência médico-hospitalar do

problema em foco.

O propósito foi, portanto, adequar o tratamento atualmente dispensado às crianças no IMIP,

de forma a integrar a base e a aplicação de princípios do conhecimento científico atual, e

assim obter a redução na taxa de letalidade hospitalar existente.

Um outro aspecto de relevância para a realização do estudo é que, além de ser o IMIP um

centro de referência para assistência, ensino e pesquisa, funciona também como importante

centro de capacitação de recursos humanos na área da saúde para o Brasil e particularmente

para a região Nordeste. Desta forma, isso possibilita que, após a conclusão do trabalho, sejam

repassados a prática e os conhecimentos adquiridos para a capacitação de profissionais que

Ana Rodrigues Falbo Introdução

34

atuam em hospitais e centros de saúde da periferia da capital e do interior do estado de

Pernambuco, e de outros estados do país onde este tipo de atuação se faça necessária.

Ana Rodrigues Falbo Hipótese do Estudo

35

2. HIPÓTESE DO ESTUDO

O Protocolo adaptado da OMS para manejo da criança com desnutrição grave hospitalizada é

mais efetivo para a redução da letalidade hospitalar que o Protocolo utilizado anteriormente

no IMIP.

Ana Rodrigues Falbo Objetivos

36

3. OBJETIVOS

3.1 GERAL

• Avaliar a aplicação e o impacto do Protocolo adaptado da Organização

Mundial da Saúde (OMS) no manejo e na evolução da criança com

desnutrição grave hospitalizada no Instituto Materno Infantil de Pernambuco

(IMIP).

3.2 ESPECÍFICOS

• Comparar a taxa de letalidade hospitalar entre o grupo de crianças com

desnutrição grave hospitalizadas no IMIP que receberam o tratamento de rotina

utilizado no serviço para manejo da desnutrição (grupo controle do estudo) e o

grupo de crianças igualmente desnutridas graves hospitalizadas no IMIP que

foram tratadas conforme o Protocolo adaptado da OMS para manejo da

desnutrição grave (grupo da intervenção experimental do estudo).

• Avaliar a realização das etapas de tratamento do Protocolo adaptado da OMS

para manejo da criança desnutrida grave hospitalizada com a finalidade de

verificar a sua operacionalização na prática clínico-hospitalar e o cumprimento

do tratamento.

3.3 SECUNDÁRIOS

• Verificar características sociodemográficas, características das mães e da

condição de saúde das crianças nos dois grupos do estudo.

• Avaliar a condição clínica das crianças dos dois grupos do estudo na ocasião da

admissão e o tempo de permanência hospitalar.

• Avaliar a evolução das crianças do grupo da intervenção experimental do

estudo, considerando aspectos clínicos e do início da fase de reabilitação.

• Avaliar as crianças do grupo da intervenção experimental do estudo que foram

a óbito, em relação à sua condição clínica, à causa provável dos óbitos e à

presença de falhas no manejo.

Ana Rodrigues Falbo Sujeitos e Método

37

4. SUJEITOS E MÉTODO

4.1 LOCAL DO ESTUDO

O estudo foi realizado no Instituto Materno Infantil de Pernambuco, situado na região

metropolitana do Recife, no estado de Pernambuco. O IMIP é uma entidade não-

governamental, filantrópica, tendo como missão precípua a assistência médico-social, o

ensino, a extensão comunitária e a pesquisa.

É Centro de Referência Nacional para a Assistência Materno-Infantil do Ministério da Saúde,

sendo ainda credenciado como Hospital-escola pelo Ministério da Educação.

Como centro de referência do Sistema Único de Saúde (SUS) de PE, para atendimento a

doenças de alta complexidade, o IMIP atende rotineiramente às crianças dos municípios de

todo o estado e estados vizinhos. Essas crianças são atendidas em 142 consultórios,

perfazendo em média 50.000 consultas por mês. Esta atividade ambulatorial estende-se desde

a Clínica Pediátrica Geral e Especializada, Clínica Obstétrica e Ginecológica, com todas as

especialidades médicas e paramédicas.

O setor de Emergência Pediátrica assiste uma média de 6.000 crianças/mês. A Unidade

Hospitalar permite uma média de 2.200 internamentos/mês, a realização mensal de 500

procedimentos cirúrgicos infantis, inclusive transplante renal. A Unidade de Terapia Intensiva

é responsável por cerca de 100 internamentos/mês, clínicos e cirúrgicos. A UTI neonatal

realiza aproximadamente 30 internamentos/mês. A Unidade Renal Infantil realiza, em média,

120 hemodiálises/mês.

Para o atendimento deste grande número de pacientes, o IMIP destina 99,0% de sua

capacidade instalada ao SUS, disponibilizando fisicamente uma complexa estrutura

hospitalar, composta de três prédios que reúnem 190 leitos de Pediatria Clínica, inclusive com

os oito leitos de Isolamento Infantil, 138 leitos da Clínica Cirúrgica, Unidade Renal Pediátrica

com 13 leitos e 10 máquinas para hemodiálise infantil, Unidade para Recém-nascidos

Prematuros e Baixo-peso com 21 leitos, Berçário Interno de Risco com 32 leitos semi-

intensivos, Berçário Externo Patológico com 16 leitos, Unidade de Oncologia Infantil com 32

leitos, Hospital Dia Pediátrico com 12 leitos e Tocoginecologia com 126 leitos, inclusive para

Ana Rodrigues Falbo Sujeitos e Método

38

gestação de alto risco. Dispõe ainda de bloco cirúrgico com seis salas, bloco cirúrgico

obstétrico com seis salas, Centro Diagnóstico e Terapêutico Cirúrgico para procedimentos

intervencionistas menos complexos e investigatórios com três salas, além de UTI pediátrica

com 12 leitos, UTI neonatal com 18 leitos e UTI obstétrica com 12 leitos.

No ensino, o IMIP é credenciado pelo Ministério da Educação (MEC) nos seguintes campos:

Hospital de ensino; Programa de Integração do Ensino Superior (PIES) Ministério da Saúde e

MEC, como capacitado tecnicamente no nível máximo do Fundo de Incentivo ao

Desenvolvimento de Ensino e Pesquisa em Saúde (FIDEPS); Programas de Residência

Médica em Pediatria Clínica, Residência Médica em Neonatologia, Residência Médica em

Obstetrícia e Ginecologia, Residência Médica em Reprodução Humana, Residência Médica

em Cirurgia Pediátrica, Residência Médica em Cirurgia Plástica, Residência Médica em

Anestesiologia, Residência Médica em Saúde da Família (PSF) e Residência em

Enfermagem; Programas de Mestrado Materno-Infantil em Saúde Pública; Instituição de

suporte técnico-científico para o desenvolvimento de estágios curriculares de graduação na

área médica e paramédica; capacitado a realização de Convênio de Cooperação Técnico-

científica com a Secretaria de Saúde do Estado de Pernambuco, Fundação de Saúde Amaury

de Medeiros (FUSAM) e as Secretarias Municipais de Saúde do Recife e de Olinda, entre

outras; como replicador técnico nacional de Programas e Estratégias do Ministério da Saúde,

Sistema Único de Saúde em nível Municipal, Estadual e Federal.

No programa de Extensão Comunitária, o IMIP possui 19 equipes do Programa de Saúde da

Família, atendendo em 12 postos de saúde de oito comunidades de baixa renda (favelas), com

uma população superior a 70.000 habitantes, localizadas na periferia das cidades do Recife e

de Olinda.

Quanto às atividades de pesquisa, o IMIP conta com uma Diretoria com atribuições de

estimular, desenvolver, analisar, orientar e propiciar apoios ético, legal, científico, material e

financeiro às atividades de investigação científica nos campos da medicina, biologia e

ciências humanas, institucionalmente ou através de convênios com reconhecidas organizações

acadêmico-científicas nacionais e internacionais.

Durante seus 40 anos de existência, o IMIP vem continuamente expandindo-se objetivando

uma permanente melhoria aos serviços ofertados à população carente.

Ana Rodrigues Falbo Sujeitos e Método

39

4.2 POPULAÇÃO DO ESTUDO

A população do estudo foi composta por crianças com idade de um a 60 meses, hospitalizadas

no Hospital Geral de Pediatria do IMIP (HGP/IMIP), no período de maio de 1999 a dezembro

de 2001, com desnutrição grave (índice peso/idade abaixo do percentil1, segundo os valores

de referência do NCHS e da OMS, e/ou presença de edema simétrico envolvendo no mínimo

os pés), que procuraram o serviço de emergência do IMIP.

4.3 DESENHO DO ESTUDO

Realizou-se um estudo de intervenção com controle histórico (FRIEDMAN et al., 1996). As

crianças tratadas conforme a orientação do protocolo da OMS no período de dezembro de

2000 a dezembro de 2001 foram comparadas com as crianças igualmente desnutridas,

hospitalizadas no IMIP durante o período de maio de 1999 a maio de 2000, que não

receberam o esquema de tratamento orientado pela OMS.

Em estudos com controle histórico, uma nova intervenção é aplicada a um grupo de

participantes e os resultados são comparados com a evolução de um outro grupo prévio à

intervenção. Por definição, estudo com controle histórico é não-randômico e não-concorrente.

O argumento para a utilização de desenho de estudo com controle histórico é que nenhum

novo paciente portador da doença sob investigação deixe de receber a nova intervenção, que

na opinião dos autores é reconhecidamente benéfica. Portanto, a sua restrição a novos

pacientes teria sérias implicações éticas.

Um estudo com controle histórico é particularmente vulnerável a vieses, cuja possibilidade de

ocorrência os pesquisadores têm que levar em conta na realização da análise e na busca de

formas de entendimento e interpretação dos resultados que busquem isolar ao máximo os

efeitos deletérios dos vieses sobre a questão em estudo (EBRAHIM & SULLIVAN, 1996).

Neste estudo, além da comparação entre os grupos em relação à taxa de letalidade hospitalar e

à intervenção, foi realizada uma análise quantitativa de dados referentes à evolução clínica, ao

início da fase de reabilitação, aos casos de óbito e ao cumprimento das etapas do tratamento

Ana Rodrigues Falbo Sujeitos e Método

40

no grupo da intervenção experimental, constituindo assim um outro desenho de estudo, qual

seja, o de uma série de casos (FLETCHER et al., 1996).

4.4 TAMANHO AMOSTRAL

O cálculo do tamanho da amostra foi baseado na redução da taxa de letalidade hospitalar da

criança desnutrida grave hospitalizada no IMIP/HGP (principal desfecho avaliado no estudo),

que antes da aplicação do protocolo da OMS era de 38,1%, e que seria reduzida para 20,0%

com a aplicação do protocolo.

Segundo orientação da OMS (OMS, 2000), uma taxa de letalidade hospitalar maior que

20,0% é considerada inaceitável, de 11,0% a 20,0% é deficiente, de 5,0% a 10,0% moderada,

de 1,0% a 4,0%, boa, e menor que 1,0%, excelente.

Utilizou-se para o cálculo do tamanho da amostra o software EPI-INFO versão 6.0, no

EPITABLE CALCULATOR módulo do EPI-INFO, utilizando a comparação entre duas

proporções, com um poder de 80,0% e 5,0% de nível de significância, obtendo-se o número

de 110 crianças para cada grupo do estudo.

4.5 CRITÉRIOS DE INCLUSÃO

Grupo da intervenção experimental: crianças com idade de um a 60 meses, com desnutrição

grave (índice peso/idade abaixo do percentil1, cujo valor é aproximadamente correspondente

a < que menos 3DP, segundo os valores de referência do NCHS e da OMS, e/ou presença de

edema simétrico envolvendo no mínimo os pés), e que foram atendidas no serviço de

emergência do IMIP, apresentando anorexia acentuada, e/ou vômitos e/ou diarréia, e/ou

qualquer processo infeccioso após o consentimento livre e esclarecido dos responsáveis

(Anexo 2).

Grupo controle: crianças com idade de um a 60 meses, com desnutrição grave (índice

peso/idade abaixo do percentil1, cujo valor é aproximadamente correspondente a < menos

3DP, segundo os valores de referência do NCHS e da OMS), internadas segundo critério

utilizado na prática do serviço, com base na gravidade da doença intercorrente, segundo o

julgamento do médico assistente da emergência.

Ana Rodrigues Falbo Sujeitos e Método

41

4.6 CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO

Crianças que, embora tenham as características de ingresso na pesquisa, no momento da

admissão apresentaram quadro clínico de doença em fase terminal, ou que apresentaram

parada cardiorespiratória à admissão (para ambos os grupos).

Crianças que, embora elegíveis para o estudo, não tiveram o consentimento dos pais ou

responsáveis para a participação na pesquisa (critério utilizado para o grupo da intervenção,

uma vez que era muito difícil localizar os pais ou responsáveis das crianças que compõem o

grupo controle).

Crianças no grupo da intervenção experimental que, por dificuldade ou vontade dos pais ou

responsáveis, não permaneceram hospitalizadas até atingir os critérios estabelecidos para a

alta hospitalar.

4.7 VARIÁVEIS DO ESTUDO

4.7.1 VARIÁVEL EXPLICATIVA

A intervenção: aplicação do Protocolo adaptado da OMS na criança com desnutrição grave

hospitalizada no IMIP.

4.7.2 VARIÁVEL DEPENDENTE

A taxa de letalidade hospitalar: que foi calculada em cada grupo do estudo, dividindo-se o

número de crianças hospitalizadas com desnutrição grave que foram a óbito, multiplicado por

100, dividido pelo número total de crianças hospitalizadas com desnutrição grave em cada

período estudado.

4.7.3 VARIÁVEIS ESTUDADAS PARA A CARACTERIZAÇÃO DOS SUJEITOS

E PARA A AVALIAÇÃO DA SUA CONDIÇÃO CLÍNICA

- Sexo;

- Dados antropométricos (peso ao nascer, peso à admissão, comprimento/altura);

Ana Rodrigues Falbo Sujeitos e Método

42

- Condição da habitação: local, tipo da habitação, saneamento básico;

- Condição socioeconômica: renda, escolaridade da mãe;

- Condição de saúde da criança: duração da gestação, aleitamento materno, estado

de vacinação, presença de doença de base;

- Condição clínica da criança à admissão: presença de edema, estado de hidratação,

sinais de choque circulatório, presença de anemia;

- Condição clínica da criança durante o internamento: hipoglicemia, hipotermia,

infecção hospitalar, insuficiência cardíaca, episódios de diarréia, ganho médio de

peso (GMP) e tempo de permanência hospitalar.

4.8 OPERACIONALIZAÇÃO DO ESTUDO

4.8.1 INTERVENÇÃO: as crianças foram tratadas segundo a orientação do Protocolo da

OMS (2000) para manejo da criança desnutrida grave hospitalizada. Algumas modificações

foram realizadas, adequando-o à realidade do local, para possibilitar a viabilidade da

implantação do referido protocolo (o Anexo 1 contém as orientações terapêuticas que foram

seguidas no estudo).

O diagnóstico de hipoglicemia foi considerado quando a glicemia ou o exame realizado com a

fita reagente (dextrostix ®) foi menor do que 50 mg/dl, quando no Protocolo da OMS esse

diagnóstico é dado com um valor respectivo menor do que 54mg/dl. A fita reagente utilizada

no estudo não fornece leitura com tal especificação.

A monitorização durante a reidratação oral com a ReSoMal foi programada para ser feita a

cada duas horas, e não a cada hora como orientado no Protocolo da OMS.

A monitorização durante a reidratação venosa foi programada para ser feita a cada hora e não

a cada cinco ou 10 minutos como recomendado pelo Protocolo da OMS.

A monitorização durante a infusão de hemoderivados com a aferição da freqüência cardíaca e

da freqüência respiratória foi programada para ser feita no início, na metade e no final da

infusão, e não a cada cinco ou 10 minutos como preconizado pelo Protocolo da OMS, bem

como o tempo gasto para a infusão foi estabelecido como sendo o mais lento possível, já que

não seria possível controlá-lo para fazer a infusão durante pelo menos três horas.

Ana Rodrigues Falbo Sujeitos e Método

43

Em relação à estimulação sensorial, não era possível colocar em prática o currículo de

ludoterapia recomendado pelo Protocolo da OMS com a participação de profissionais com

treinamento específico para tal. A estimulação sensorial e o suporte emocional utilizados no

estudo envolveram:

O manuseio com carinho através da sensibilização prévia da equipe envolvida no tratamento

das crianças;

O oferecimento de ambiente com estimulação o mais adequado possível (berços abertos para

possibilitar a visualização de todo o ambiente, sem a imobilização das crianças, e a colocação

de objetos coloridos na enfermaria);

A oportunidade para recreação com brinquedos e música por 15 a 30 minutos diariamente;

O envolvimento materno tanto quanto possível no tratamento da criança.

O estudo considerou que a criança estava em condição de receber alta hospitalar quando:

O problema clínico que motivou o internamento foi superado ou em condição de tratamento

ambulatorial e

A criança estava alimentando-se bem por via oral cumprindo as quotas calórica e hídrica

programadas e

O ganho médio de peso foi > 10g/kg/dia por pelo menos três dias consecutivos.

O Protocolo da OMS para manejo da criança desnutrida grave orienta que ela estará em

condição de receber alta hospitalar quando: o problema clínico que motivou o internamento

esteja superado ou em condição de tratamento ambulatorial; a criança esteja alimentando-se

bem por via oral; com ganho médio de peso > 5g/kg/dia; e que tenha apresentado a

reabilitação nutricional, ou seja, a evolução do índice nutricional peso/altura de < menos 3

DP para peso/altura < menos 1 DP. Há uma expectativa que este processo possa durar em

média de duas a seis semanas.

Ana Rodrigues Falbo Sujeitos e Método

44

Os pacientes do estudo foram internados no quarto andar do Hospital Geral de Pediatria do

IMIP, permanecendo todos eles em uma mesma enfermaria;

Os pacientes foram acompanhados do ponto de vista da evolução clínica pela pesquisadora e

receberam também assistência dos demais membros da equipe de saúde do serviço que

rotineiramente prestam atenção às crianças hospitalizadas na instituição;

A coleta dos dados das crianças participantes do estudo foi feita por meio de um formulário

para registro de dados (Anexo 3) construído conforme as variáveis do estudo; por meio da

planilha de acompanhamento clínico (Anexo 4); planilha de acompanhamento da terapêutica e

de exames laboratoriais (Anexo 5); planilha de ingestão alimentar (Anexo 6); pelo gráfico de

acompanhamento do peso (Anexo 7); além da utilização do prontuário médico;

Para o diagnóstico da hipoglicemia foi utilizada a fita reagente do dextrostix;

Para o controle da temperatura da criança foi utilizado um termômetro capaz de realizar

aferições abaixo de 35,0o C (termômetro para hipotermia);

Para controle da temperatura do ambiente foi utilizado um termômetro de aferição da

temperatura ambiente, fixado na parede no local de permanência das crianças durante a

intervenção

Quando houve a indicação da realização de exames laboratoriais e exames de imagem, os

mesmos foram realizados no serviço específico do IMIP;

Os pacientes foram pesados diariamente, na mesma balança, específica para uso da pesquisa,

da marca Filizola, modelo BP-baby, número 6767/100, com capacidade máxima de 15 kg e

capacidade mínima de 125g e com sensibilidade de 5g. A pesagem foi realizada pela

pesquisadora ou por membro auxiliar de pesquisa, estando a criança despida e clinicamente

hidratada;

O comprimento foi aferido através de um antropômetro de 130cm, com a criança relaxada,

sem sapatos, deitada em posição supina paralela ao eixo axial do antropômetro, com a cabeça

posicionada na linha média e tocando a borda superior da régua. Os pés em flexão de 90º com

Ana Rodrigues Falbo Sujeitos e Método

45

a perna e tocando o limite inferior da régua, anotando-se os valores fracionários com

aproximação de 0,1cm;

Para o acompanhamento da evolução ponderal das crianças foi realizado a cada três dias o

cálculo do ganho médio de peso em gramas por quilo por dia (peso atual em gramas menos o

peso anterior de três dias atrás em gramas dividido por três, dividido pelo peso anterior em

quilos). Exemplo:

Peso anterior da criança (de três dias atrás) = 4.500g

Peso atual da criança = 4.600g

Cálculo: 4.600 – 4.500 = 100: 3 = 33,3: 4,5 kg = 7,4 g/kg/dia;

A verificação da aplicação do Protocolo da OMS, foi feita por meio de uma check list (Anexo

8) elaborada segundo os passos seguidos na aplicação do Protocolo e que foi aplicada para

cada paciente duas vezes por semana. O formulário utilizado como check list registrava as

informações dos dias precedentes à sua utilização;

As fórmulas lácteas foram preparadas segundo a orientação encontrada no Protocolo original

da OMS (WHO, 2000; Anexo 1) no setor de nutrição do IMIP, por nutricionista ou auxiliar de

nutrição (os funcionários foram treinados para tal procedimento). Modo de preparo da

fórmula láctea: os ingredientes da fórmula (água fervida, leite em pó, sacarose, solução da

mistura de minerais, óleo vegetal) eram colocados em recipiente devidamente esterilizado

(segundo a orientação da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar: lavado com escova e

detergente e imerso em solução hipoclorídrica com 0,02% de cloro ativo por uma hora),

graduado para um litro e agitado manualmente. O óleo vegetal e a solução da mistura de

minerais foram medidos em seringa descartável. O leite em pó e a sacarose quando utilizados

em quantidade menor que 5g foram medidos com colher-medida, se a quantidade foi maior

que 5g foi utilizada balança. A quantidade da preparação da fórmula foi de acordo com a

planilha (elaborada conforme a necessidade dos pacientes internados no dia) enviada

diariamente para o setor de nutrição. O recipiente de cada paciente era devidamente marcado

com o número da enfermaria, o número do leito, o tipo da fórmula láctea em uso (F75 ou

F100), a quantidade e o horário da alimentação (o rótulo era colocado antes da preparação da

fórmula). Nos pacientes alimentados por sonda gástrica, a fórmula foi colocada em frasco

próprio (frasco diet®) para evitar contaminação;

Ana Rodrigues Falbo Sujeitos e Método

46

Foram elaborados na farmácia do serviço, conforme a orientação contida no protocolo (Anexo

1): a solução da mistura de minerais (utilizada no preparo das fórmulas lácteas e do soro para

reidratação para a criança com desnutrição grave - ReSoMal), a solução do ácido fólico

(1mg/ml), e a sacarose utilizada no preparo da ReSoMal (pesada em potes de 50g, em balança

de precisão). O Anexo 9 contém detalhes sobre a manipulação da solução da mistura de

minerais;

Por dificuldades técnicas, não foi possível o preparo da mistura de vitaminas, como orientado

pelo protocolo, para ser adicionada às fórmulas lácteas. Em substituição, utilizou-se a

suplementação com polivitamínico (Anexo 1).

4.8.2 ESQUEMA TERAPÊUTICO UTILIZADO NO GRUPO CONTRO LE

O Protocolo utilizado pelo IMIP para tratamento hospitalar da criança desnutrida grave

deixava de seguir, como observado em muitos outros centros hospitalares (SCHOFIELD &

ASHWORTH, 1997), algumas das orientações atualmente recomendadas.

O critério de admissão hospitalar utilizado levava em conta a gravidade da intercorrência

médica apresentada pela criança, sem contextualizá-la dentro dos fatores de risco inerentes ao

seu estado nutricional. O critério de alta hospitalar priorizava a resolução do problema médico

apresentado, sem avaliar o estado nutricional, e o risco associado em relação à possibilidade

de recaída após a alta.

Outros aspectos não contemplados na rotina de tratamento utilizada no IMIP, e que são

recomendados pelo protocolo da OMS são: o uso de antibiótico para todas as crianças com

desnutrição grave no momento da admissão hospitalar; o uso do ferro apenas após a primeira

semana de tratamento hospitalar; o uso da vitamina A em dose elevada na admissão para

todas as crianças; e a adição de micronutrientes e eletrólitos às fórmulas lácteas.

Em relação ao manejo nutricional, a rotina de tratamento que era utilizada no IMIP oferecia já

na admissão quotas elevadas de calorias e proteínas, e não havia a utilização de alimentação

posterior específica para o início da fase de recuperação do peso.

Ana Rodrigues Falbo Sujeitos e Método

47

O Protocolo utilizado no IMIP não continha um item específico que ressaltasse a importância

de componentes definidos para o monitoramento dessas crianças (nos anexos 10 e 11 estão

colocados os principais componentes terapêuticos e de monitorização utilizados nas crianças

dos dois grupos do estudo).

4.9 DEFINIÇÃO DOS TERMOS

Diarréia: definida como a ocorrência de três ou mais evacuações de consistência diminuída

(semipastosas, semilíquidas e líquidas) no período de 24 horas ou pelo menos uma evacuação

com a presença de sangue visível;

Novo episódio de diarréia: se, após três dias da normalização do trânsito intestinal, a criança

volta a apresentar alteração compatível com a definição de diarréia utilizada no estudo e

descrita acima;

Doença de base: doença grave e crônica que sabidamente tenha influência negativa no estado

nutricional da criança;

Choque circulatório: presença de desidratação grave com diminuição do nível de consciência;

Insuficiência cardíaca congestiva (ICC): definida pelo aumento na freqüência cardíaca em

25bpm e pelo aumento na freqüência respiratória em 5ipm, em relação às respectivas

freqüências basais da criança, aumento que é mantido em duas aferições sucessivas com

intervalo de quatro horas (segundo o Protocolo da OMS) e/ou por dados clínicos sugestivos

de ICC (dispnéia, ausculta de congestão pulmonar, cianose, agitação etc.);

Novo episódio de insuficiência cardíaca congestiva: se após um episódio de ICC, segundo a

definição utilizada no estudo, a criança apresenta normalização da freqüência cardíaca, da

freqüência respiratória e/ou do quadro clínico, e volta a apresentar alterações compatíveis com

ICC segundo a definição utilizada no estudo e descrita acima;

Infecção hospitalar: presença de distermias e/ou aparecimento de foco infeccioso com

repercussão sistêmica grave (pulmonar, gastrointestinal, cutâneo, sistema nervoso etc.),

alterações estas que não estavam presentes à admissão, surgindo após 48 horas do ingresso

Ana Rodrigues Falbo Sujeitos e Método

48

hospitalar ou que, uma vez presentes à admissão, já haviam sido superadas com tratamento e

reapareceram;

Tempo de permanência hospitalar: definido como o tempo em semanas decorrido da admissão

até a alta ou o óbito;

Hipoglicemia: glicemia estimada pelo teste da fita reagente (dextrostix ) com um valor <

50mg/dl e/ou alteração do nível de consciência e/ou presença de hipotermia;

Novo episódio de hipoglicemia: se após um episódio de hipoglicemia, segundo a definição

utilizada no estudo, a criança tem a glicemia normalizada, está clinicamente bem, sem

hipotermia e volta a apresentar alterações compatíveis com a definição de hipoglicemia

utilizada no estudo e descrita acima;

Hipotermia: temperatura axilar < 35oC, aferida com termômetro próprio para leitura de baixas

temperaturas, e com tempo de permanência no local de três minutos;

Novo episódio de hipotermia: se após um episódio de hipotermia, segundo a definição

utilizada no estudo, a criança tem a temperatura axilar normalizada (≥ 36,5ºC) e volta a

apresentar alteração compatível com a definição de hipotermia utilizada no estudo e descrita

acima;

Início da fase de reabilitação (recuperação do peso): momento em que se observa a subida da

curva de peso (ganho médio de peso >10g/kg/dia), que se mantém por três dias seguidos,

sendo este fato acompanhado pelo retorno do apetite e pela melhora clínica da criança.

4.10 ANÁLISE ESTATÍSTICA

A partir do levantamento das informações nos formulários pré-codificados, construiu-se um

banco de dados (com dupla entrada), no software EPI-INFO versão 6.0. Para análise do

estado nutricional, utilizou-se o EPINUT, módulo do EPI-INFO, com o padrão do NCHS.

Foi verificada a distribuição de freqüência das variáveis estudadas, apresentando-as em forma

de tabelas.

Ana Rodrigues Falbo Sujeitos e Método

49

A análise estatística do efeito da intervenção sobre a letalidade foi realizada em duas etapas.

Na primeira, o intuito foi investigar a comparabilidade entre os grupos com relação a

possíveis variáveis de confusão. Nessa etapa empregou-se o teste qui-quadrado ou o teste

exato de Fisher.

Na segunda etapa foi construído um modelo logístico multivariado com aquelas possíveis

variáveis de confusão que na primeira etapa apresentaram distribuição estatisticamente

distinta nos dois grupos, ou seja, variáveis que apresentaram associação com nível de

significância de até 25,0%, segundo a recomendação de HOSMER e LEMESHOW (1989). O

nível de significância adotado nos testes foi de 5,0%.

4.11 PROBLEMAS METODOLÓGICOS

O critério de inclusão de crianças no grupo da intervenção experimental não foi o mesmo do

grupo controle em relação à aparente gravidade da condição médica devido a razões éticas

decorrentes do atual conhecimento científico sobre desnutrição grave.

Atualmente, sabe-se que a criança desnutrida grave é altamente vulnerável a morte. Muitas

vezes, ainda que não apresente manifestações clínicas de alta gravidade aparente por ocasião

da chegada ao hospital, na verdade já são portadoras de condições infecciosas, de

desequilíbrio hidroeletrolítico e de outros agravos passíveis de êxito letal.

Segundo recomendação da Organização Mundial da Saúde, as crianças devem ser

hospitalizadas quando se constata desnutrição grave e a presença de intercorrências médicas

independentemente da gravidade aparente da sua situação.

A OMS (2000) recomenda a aplicação do protocolo para a criança desnutrida grave com o

indicador peso/altura < menos 3DP ou menos que 70,0% da mediana do valor de referência

do NCHS, o que caracteriza o emagrecimento grave e/ou a ocorrência de sinais clínicos de

desnutrição grave, como a presença de edema simétrico pelo menos nos pés. No nosso estudo

não pudemos trabalhar com o índice peso/altura, pois, no grupo de controle histórico

utilizado, em muitos casos não estava disponível o dado referente à altura das crianças, o que

impossibilitou o uso do índice para a comparação.

Ana Rodrigues Falbo Sujeitos e Método

50

O serviço de pediatria do IMIP dispõe de enfermarias com nove leitos cada uma e uma

auxiliar de enfermagem para prestar os cuidados a essas crianças. Esta profissional alimenta,

realiza os cuidados de higiene, afere a temperatura a cada seis horas, anota a aceitação

alimentar, o número de evacuações e seu aspecto, a diurese, a presença de vômitos e de

quaisquer outras alterações que ocorram com as crianças. Geralmente, as mães acompanham

as crianças durante a hospitalização e colaboram com esses cuidados.

Existe uma auxiliar de enfermagem responsável pela administração da medicação oral, outra

responsável pela administração da medicação venosa e outra responsável pela realização de

punção venosa, quando indicada.

Pelo que foi relatado acima, foi antecipado que haveria dificuldade no cumprimento das

etapas do tratamento relacionadas com a monitorização freqüente das crianças.

O estudo foi realizado em um hospital terciário de referência, que recebe crianças com

problemas de saúde complexos, sem condição de tratamento em nível primário e secundário,

crianças que procedem de todo o estado de Pernambuco e de estados vizinhos, tendo,

portanto, de atender a uma alta demanda, sem condição de manter os seus leitos ocupados por

um período muito longo. O serviço não dispõe de estrutura específica para realizar a

recuperação nutricional da criança com desnutrição.

Pelas razões expostas acima, não foi possível utilizar a recuperação nutricional das crianças

do grupo da intervenção do estudo como um critério para a alta hospitalar. Utilizamos como

um dos critérios o ganho médio de peso >10g/kg/dia, por pelo menos três dias seguidos, para

termos mais segurança de que a criança estava pelo menos no início da fase de recuperação

nutricional.

Ana Rodrigues Falbo Resultados

51

5. RESULTADOS

Foram selecionadas 270 crianças, 139 no grupo controle e 131 no grupo da intervenção

experimental. No último grupo, 14 crianças foram excluídas após o ingresso: em 10 casos,

houve solicitação dos pais para sair do estudo antes que fossem atingidos os critérios de alta

utilizados pelo Protocolo da OMS; em três casos, constatou- se que eram crianças no segundo

internamento, e que já haviam participado do estudo no primeiro internamento, e um caso foi

excluído por ocorrência de óbito nas primeiras 24 horas da admissão, com quadro clínico de

hipertensão intracraniana grave.

Portanto, no total, fizeram parte do estudo 256 crianças, sendo 139 crianças no grupo controle

e 117 crianças no grupo da intervenção.

5.1 ESTUDO DE INTERVENÇÃO

5.1.1 CARACTERÍSTICAS DAS CRIANÇAS

5.1.1.1 Características sociodemográficas

Em relação ao sexo não houve diferença, pois aproximadamente metade das crianças era do

sexo masculino e metade do sexo feminino nos dois grupos do estudo. No grupo da

intervenção do estudo, 49,6% das crianças eram do sexo masculino e 50,4% do sexo feminino

e, no grupo controle, 50,4% das crianças eram do sexo masculino e 49,6% do sexo feminino.

No que diz respeito à idade, a maior parte das crianças dos dois grupos do estudo tinha menos

de 12 meses, sendo este percentual de 62,4% no grupo da intervenção e de 95,7% no grupo

controle (p < 0,001).

Quanto ao local da residência, mais da metade das crianças nos dois grupos do estudo (59,7%

no grupo da intervenção e 57,5% no grupo controle) procedia do interior do estado,

aproximadamente um terço da zona da mata (33,3% no grupo da intervenção e 38,1% no

grupo controle) (p =0,389).

Ana Rodrigues Falbo Resultados

52

Casa de alvenaria foi o tipo de habitação observado em mais de 70,0% das crianças nos dois

grupos do estudo (71,4% no grupo da intervenção e 70,2% no grupo controle) (p =0,975).

Mais de 40,0% das crianças dos dois grupos do estudo não possuíam água encanada (45,5%

no grupo da intervenção e 40,6% no grupo controle) (p =0,567) e fossa e/ou esgotamento

sanitário em suas casas (46,9% no grupo da intervenção e 44,7% no grupo controle) (p =

0,868).

Em relação à renda, constatou-se pior situação econômica no grupo da intervenção, com a

maior parte das famílias (54,2%) recebendo menos que um salário mínimo por mês, enquanto

no grupo controle este percentual foi de 36,7% (p =0,04). Os dados referentes às

características sociodemográficas das crianças dos dois grupos do estudo estão demonstrados

na Tabela 1.

Ana Rodrigues Falbo Resultados

53

Tabela 1. Distribuição de freqüência das crianças do estudo, segundo variáveis sociodemográficas. Recife, 1999 a 2001.

Grupo da Intervenção Grupo Controle Variáveis

N % N % Valor de p

Sexo

Masculino 58 49,6 70 50,4

Feminino 59 50,4 69 49,6 1,000

Idade

1 a 12 meses 73 62,4 133 95,7

≥ 12 meses 44 37,7 6 4,3 <<<< 0,001

Local da residência

RMR 47 40,2 59 42,4

Zona da Mata 39 33,3 53 38,1

Outros 31 26,4 27 19,4

0,389

Tipo de habitação

Alvenaria 80 71,4 71 70,2

Outros 32 28,5 30 29,7 0,975

Água encanada

Sim 61 54,4 57 59,3

Não 51 45,5 39 40,6 0,567

Fossa/Esgotamento

Sim 60 53,0 53 55,2

Não 53 46,9 43 44,7 0,868

Renda Familiar

< 1 SM 57 54,2 29 36,7

1 a 2 SM 32 30,4 37 46,8

≥ 2 SM 16 15,2 13 16,4

0,04

RMR: Região Metropolitana do Recife; SM: Salário Mínimo

OBS: a diferença em relação ao número total de crianças estudadas corresponde à ausência da informação

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54

5.1.1.2 Características das mães

Em relação à idade das mães, foi observado um percentual de 14,2% e 25,4% de mães com

menos de 19 anos de idade, respectivamente, no grupo da intervenção e no grupo controle, e

foi observado um percentual de 30,3% e 25,4% de mães com mais de 30 anos de idade,

respectivamente, no grupo da intervenção e no grupo controle (p = 0,108).

Observou-se uma maior paridade nas mães do grupo da intervenção, com 47,7% delas tendo

quatro ou mais filhos, enquanto este fato ocorreu em 29,8% das mães do grupo controle (p<

0,015).

O nível de escolaridade das mães dos dois grupos do estudo foi baixo, com mais de 60,0%

delas tendo menos de oito anos de estudo (68,1% no grupo da intervenção e 62,5% no grupo

controle) e pouco mais de 20,0% delas sem nenhuma escolaridade (21,8% no grupo da

intervenção e 22,9% no grupo controle) (p=0,557). Os dados referentes às características

citadas em relação às mães das crianças dos dois grupos do estudo estão apresentados na

Tabela 2.

Tabela 2. Distribuição de freqüência das crianças do estudo, segundo características das suas mães. Recife, 1999 a 2001.

Grupo da Intervenção Grupo Controle Variáveis

N % N %

Valor de p

Idade da mãe

< 19 anos 16 14,2 29 25,4

19 a 30 anos 62 55,3 56 49,1

≥ 30 anos 34 30,3 29 25,4

0,108

Paridade da mãe

1 a 4 filhos 59 52,1 61 70,0

≥ 4 filhos 54 47,7 26 29,8 < 0,015

Escolaridade da mãe

Nenhuma 24 21,8 22 22,9

< 8 anos 75 68,1 60 62,5

≥ 8 anos 11 10,0 14 14,5

0,557

OBS: a diferença em relação ao número total de crianças estudadas corresponde à ausência da informação

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55

5.1.1.3 Condição de saúde

Quanto à idade gestacional, 47,1% das crianças do grupo controle foram prematuras ao

nascer, o que só ocorreu com 21,6% das crianças no grupo da intervenção (p< 0,001).

Em relação ao aleitamento materno, 52,7% das crianças do grupo da intervenção mamou por

um período igual ou maior a dois meses, e, no grupo controle, apenas 29,5% das crianças

receberam leite materno por período semelhante (p< 0,001). Dezenove por cento das crianças

do estudo nunca mamaram.

O esquema vacinal estava completo para a idade em 35,9% das crianças do grupo da

intervenção e em apenas 7,5% das crianças do grupo controle (p<0,001). A Tabela 3 apresenta

os dados referentes à condição de saúde das crianças dos dois grupos do estudo.

Tabela 3. Distribuição de freqüência das crianças do estudo, segundo variáveis indicadoras da sua condição de saúde. Recife, 1999 a 2001.

Grupo da Intervenção Grupo Controle

Variáveis N % N %

Valor de p

Idade gestacional

Pré-termo 24 21,6 50 47,1

A termo 87 78,3 56 52,8 <<<< 0,001

Aleitamento materno

Nunca mamou 21 19,0 20 19,0

< 2meses 31 28,1 54 51,4

≥ 2 meses 58 52,7 31 29,5

< 0,001

Vacinas

Nenhuma 12 11,6 30 45,4

Esquema incomp 54 52,4 31 46,9

Esquema comp 37 35,9 5 7,5

<<<< 0,001

OBS: a diferença em relação ao número total de crianças estudadas corresponde à ausência da informação

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56

5.1.2 CONDIÇÃO CLÍNICA DAS CRIANÇAS NA OCASIÃO DA A DMISSÃO E

TEMPO DE PERMANÊNCIA HOSPITALAR

As principais causas do internamento das crianças nos dois grupos do estudo foram a diarréia,

em mais de 40,0% dos casos (47,9% no grupo da intervenção e 48,2% no grupo controle), e a

pneumonia, em mais de 30,0% dos casos (31,6% no grupo da intervenção e 31,6% no grupo

controle) (p = 0,942 e p = 0,896, respectivamente).

O edema nutricional esteve presente em 17,1% das crianças do grupo da intervenção e em

apenas 7,2% das crianças do grupo controle (p< 0,023).

Quadro clínico de choque circulatório, denotando uma condição clínica grave, foi detectado

em 11,5% das crianças no grupo controle e em apenas 1,7% das crianças no grupo da

intervenção (p< 0,004).

Quanto à presença de anemia, apenas 21,4% das crianças do grupo da intervenção do estudo e

11,4% das crianças do grupo controle do estudo tinham hemoglobina menor do que 6g% (p =

0,140).

Não houve diferença estatisticamente significante na ocorrência de doença de base entre os

grupos do estudo, que foi constatada em aproximadamente um terço das crianças nos dois

grupos do estudo (35,0% no grupo da intervenção e 39,6% no grupo controle). O grupo da

intervenção experimental apresentou um maior tempo de hospitalização, com 40,8% das

crianças permanecendo internadas por um período maior ou igual que duas semanas, enquanto

no grupo controle apenas 21,8% das crianças permaneceram por período semelhante

(p<0,001). A Tabela 4 apresenta os dados relativos à condição clínica das crianças dos dois

grupos do estudo na ocasião da admissão hospitalar e ao tempo de permanência hospitalar.

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57

Tabela 4. Distribuição de freqüência das crianças do estudo, segundo variáveis indicadoras de sua condição clínica à admissão e o tempo de permanência hospitalar. Recife, 1999 a 2001.

Grupo da Intervenção Grupo Controle Variáveis

N % N % Valor de p

Internamento por diarréia

Sim 56 47,9 67 48,2

Não 61 52,1 72 51,8 0,942

Internamento por pneumonia

Sim 37 31,6 44 31,6

Não 80 68,3 95 68,3

0,896

Presença de edema

Sim 20 17,1 10 7,2

Não 97 82,9 129 92,8 < 0,023

Choque circulatório

Sim 2 1,7 16 11,5

Não 115 98,3 123 88,5 < 0,004

Anemia (Hb)*

< 6g% 18 21,4 13 11,4

6 a 10g% 50 59,5 73 64,0

≥ 10g% 16 19,0 28 24,5

0,140

Doença de base

Sim 41 35,0 55 39,6

Não 76 64,9 84 60,4 0,538

Tempo de permanência

hospitalar**

< 2 semanas 58 59,1 72 78,3

2 a 3 semanas 21 21,4 9 9,8

≥ 3 semanas 19 19,4 11 12,0

<0,001

*Inclui apenas os casos em que houve indicação da realização do exame.

** Excluídas as crianças que foram a óbito.

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58

5.1.3 TAXA DE LETALIDADE HOSPITALAR

A taxa de letalidade hospitalar foi de 16,2% nas crianças que receberam a intervenção e de

33,8% nas crianças do grupo controle (p< 0,002) (Tabela 5).

Tabela 5. Distribuição de freqüência das crianças do estudo, segundo a evolução para alta ou óbito. Recife, 1999 a 2001.

Evolução

Óbitos Altas Grupos

N % N %

OR IC95% Valor de p

Intervenção 19 16,2 98 83,8

0,38 0,2 a 0,7 < 0,002

Controle 47 33,8 92 66,2

Para avaliar o efeito da intervenção sobre a taxa de letalidade hospitalar, controlando-se o

efeito de possíveis variáveis de confusão, foi considerado que no momento do ingresso no

estudo todas as crianças estavam igualmente desnutridas, e as variáveis que atuaram

anteriormente à hospitalização, como aquelas relacionadas à condição de vida da criança, às

características da mãe, à idade gestacional, ao aleitamento materno e ao estado vacinal, seriam

de risco para determinar o estado nutricional e não para a evolução posterior durante a

hospitalização em relação ao risco de óbito.

Quanto a prematuridade, como foi observada uma distribuição com diferença importante entre

os grupos, e pela possibilidade de introdução de um viés importante na classificação das

crianças, foi feita uma avaliação mais detalhada dessa variável. Foi observado que o número

de óbitos no total das crianças do estudo que foram prematuras (23,0%) foi semelhante ao

número de óbitos no total das crianças do estudo nascidas a termo (24,5%) (p= 0,868).

Conclui-se que no estudo em que pese a distribuição diferente da prematuridade entre os

grupos, esta não teve influência na evolução das crianças.

As co-variáveis ou variáveis prognósticas com potencial efeito de confusão, identificadas na

análise univariada, foram a idade da criança, a presença de edema, o choque circulatório e a

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59

anemia na admissão hospitalar. Para determinar se todas ou apenas um subconjunto delas

apresentavam efeito de confusão, foi realizada uma análise de regressão logística

multivariada. O modelo final ajustado excluiu apenas a anemia como possível fator de

confusão (Tabela 6).

Tabela 6. Modelo de regressão logística multivariada para reavaliar o efeito da intervenção sobre a taxa de letalidade hospitalar, controlando o efeito de possíveis variáveis de confusão.

Variáveis OR IC 95% Valor de p

Grupo

Intervenção 0,51 0,26 a 1,00

Controle 1,00 - 0,051

Idade da criança

1 a 12 meses 2,56 0,89 a 7,31

≥ 12 meses 1,00 - 0,080

Choque circulatório

Sim 3,73 1,35 a 10,30

Não 1,00 - 0,011

Edema

Sim 2,13 0,88 a 5,20

Não 1,00 - 0,095

A razão de Odds (OR), de óbito hospitalar, entre o grupo da intervenção e o grupo controle,

passou de 0,38, sem ajuste, para 0,51, com o ajuste de possíveis fatores de confusão. O

incremento de 0,13 representou um aumento de 34,2% em relação ao OR bruto.

Foi também estimado o risco relativo (RR) na avaliação do efeito da intervenção sobre a taxa

de letalidade, cujo valor sem ajuste para possíveis fatores de confusão foi de 0,48 (IC95%: 0,3

a 0,77). A partir do valor do OR ajustado (0,51) foi estimado o RR ajustado (0,61), de acordo

com o método proposto por ZHANG (1998). Portanto há um efeito de proteção associado a

intervenção em relação ao risco de óbito. A intensidade desta associação diminuiu após o

ajuste para fatores de confusão, mas não deixou de existir.

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60

5.2 SÉRIE DE CASOS

5.2.1 EVOLUÇÃO DAS CRIANÇAS DO GRUPO DA INTERVENÇÃO

EXPERIMENTAL

5.2.1.1 Aspectos clínicos

Mais de sessenta por cento (62,3%) das crianças apresentaram pelo menos um episódio de

diarréia durante a evolução. Vinte e sete crianças (23,1%) apresentaram quadro clínico

sugestivo de insuficiência cardíaca congestiva. Constatou-se infecção hospitalar em 34

crianças (29,1%). Foram observados apenas cinco casos (4,5%) de hipoglicemia e três casos

(2,5%) de hipotermia na admissão hospitalar. Foi verificado apenas um caso de hipoglicemia

durante a hospitalização das crianças. Em relação a episódios de hipotermia, nove crianças

(7,7%) apresentaram esta complicação durante a sua permanência no hospital. Os dados

relativos a estes aspectos da evolução das crianças estão apresentados na Tabela 7.

Ana Rodrigues Falbo Resultados

61

Tabela 7. Distribuição de freqüência das crianças do grupo da intervenção experimental do estudo, segundo aspectos da sua evolução clínica durante a hospitalização. Recife, 2000 a 2001. Variáveis N %

Episódios de diarréia

Nenhum 4 37,6

1 48 41,0

2 19 16,2

≥ 3 0 5,1

Episódios de insuficiência cardíaca congestiva

Nenhum 89 76,7

1 23 19,8

2 3 2,5

≥ 3 1 0,8

Infecção hospitalar

Sim 34 29,1

Não 83 70,9

Hipoglicemia na admissão*

Sim 5 4,5

Não 104 95,4

Hipotermia na admissão**

Sim 3 2,5

Não 113 97,4

Episódios de hipotermia na evolução

Nenhum 107 92,2

1 7 6,0

2 2 1,7

* Em oito crianças não houve a checagem

** Em sete crianças não houve a checagem

5.2.1.2 Dieta e evolução do estado nutricional

Aproximadamente sessenta por cento (57,7%) das crianças levaram de três a sete dias

recebendo a fórmula láctea F75, estando dentro do tempo previsto para esta fase do

tratamento (fase inicial). Em apenas uma criança este tempo foi maior que 10 dias (1,0%). O

Ana Rodrigues Falbo Resultados

62

início do uso da F100 caracteriza a preparação para a fase de recuperação do peso. Mais da

metade das crianças (64,5%) levou entre uma e duas semanas em uso da F100.

O ganho médio de peso durante o uso da F75 (fase inicial) foi menor que 5g/kg/dia em 71,1%

das crianças, sendo maior que 10 g/kg/dia em 16 crianças (16,4%).

O ganho médio de peso durante o uso da F100 (fase de reabilitação) foi maior que 10g/kg/dia

em 86,4% das crianças.

Setenta e nove crianças (80,6%) apresentaram o início da fase de reabilitação do peso, sendo

esta fase caracterizada pela presença de um ganho médio de peso maior que 10g/kg/dia por

pelo menos três dias consecutivos, estando a criança bem clinicamente e com o apetite

normalizado.

A maior parte das crianças (73,3%) levou menos de duas semanas para iniciar a fase de

reabilitação (recuperação do peso). Em 21 crianças (26,5%), este período foi maior ou igual a

duas semanas.

Foi observado que na admissão hospitalar 20,0% das crianças apresentavam o indicador

peso/altura < menos 3DP, caindo este percentual para 5,3% no momento da alta. Os dados

relacionados com a dieta e a evolução do estado nutricional das crianças acham-se

demonstrados na Tabela 8.

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63

Tabela 8. Distribuição de freqüência das crianças do grupo da intervenção experimental do estudo que receberam alta hospitalar, segundo aspectos relacionados com a dieta e a evolução do estado nutricional. Recife, 2000 a 2001.

Variáveis N %

Número de dias em uso da fórmula láctea F75

< 3 3 3,0 3 a 7 56 57,7 7 a 10 37 38,1 10 a 15 1 1,0

Número de dias em uso da fórmula láctea F100

< 3 1 1,0 3 a 7 18 18,7 7 a 10 35 36,4 10 a 15 27 28,1 ≥ 15 15 15,6

Ganho médio de peso em uso da F75 (g/kg/dia)

< 5 69 71,1

5 a 10 12 12,3

> 10 16 16,4

Ganho médio de peso em uso da F100 (g/kg/dia) <5 4 4,1 5 a 10 9 9,3

> 10 83 86,4

Apresentaram início da fase de reabilitação Sim 79 80,6 Não 19 19,3

Tempo para início da fase de reabilitação*

< 1 semana 12 15,1

1 a 2 semanas 46 58,2

≥ 2 semanas 21 26,5

Índice peso/altura inicial** < - 3DP 15 20,0 < - 2DP 31 41,3 < -1DP 20 26,6 ≥ -1DP 9 12,0

Índice peso/altura final**

< - 3DP 4 5,3

< - 2DP 22 29,3

< - 1DP 28 37,3 ≥ - 1DP 21 28,0

*Excluídas as crianças que não apresentaram o início da fase de reabilitação **Excluídas as crianças com edema na admissão e com o comprimento fora da tabela (peso/altura)

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64

5.2.1.3 Crianças que não iniciaram a fase de reabilitação

Dezenove (19,3%) crianças do grupo da intervenção do estudo não apresentaram o início da

fase de reabilitação. Neste grupo de crianças não foram incluídas aquelas que foram a óbito.

Em relação a algumas características clínicas desse grupo, foi observada a presença de uma

outra doença de base em nove crianças (47,4%). A presença de edema foi constatada em três

crianças (15,8%) e anemia grave foi observada em duas crianças (18,1%). Em relação à

condição clínica no momento da admissão hospitalar, duas crianças (10,5%) apresentavam

desidratação, sendo esta leve, nenhuma criança apresentou hipotermia, e em uma criança foi

verificada a presença de hipoglicemia (5,3%). Durante a hospitalização, uma criança

apresentou um episódio de desidratação (5,3%), e infecção hospitalar foi diagnosticada em

quatro crianças (21,0%). Os dados relatados acima acham-se demonstrados na Tabela 9.

Ana Rodrigues Falbo Resultados

65

Tabela 9. Distribuição de freqüência das crianças do grupo da intervenção experimental do estudo que não iniciaram a fase de reabilitação, segundo características clínicas. Recife, 2000 a 2001. Variáveis N %

Doença de base

Sim 9 47,4

Não 10 52,6

Edema

Sim 3 15,8

Não 16 84,2

Hemoglobina*

4 a 6g% 2 18,1

6 a 10g% 4 36,3

≥ 10g% 5 45,4

Estado de hidratação à admissão hospitalar

Hidratado 17 89,5

Desidratado do primeiro grau 2 10,5

Temperatura à admissão hospitalar

35ºC a 36,5ºC 6 31,6

≥ 36,5ºC 13 68,4

Hipoglicemia na admissão hospitalar

Sim 1 5,3

Não 18 94,7

Episódios de desidratação durante o internamento

Sim 1 5,3

Não 18 94,7

Infecção hospitalar

Sim 4 21,0

Não 15 78,9

Obs.: excluídas as crianças que foram a óbito

* Inclui apenas as crianças em houve a indicação para a realização do exame

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66

5.2.2 CARACTERÍSTICAS DAS CRIANÇAS QUE FORAM A ÓBI TO

Em relação ao motivo da admissão hospitalar, a diarréia foi a causa em 42,1% das crianças e a

pneumonia foi a causa em 15,8% delas. Em cinco crianças (26,3%) foi constatada a presença

de uma outra doença de base. Seis crianças (31,6%) tinham desnutrição edematosa. No

momento da admissão hospitalar, cinco crianças (26,3%) apresentavam algum grau de

desidratação, sendo esta grave em duas delas (10,5%). No momento da chegada ao hospital,

nenhuma criança apresentava hipotermia, e foram detectados dois casos de hipoglicemia

(10,5%). A maior parte das crianças (66,6%), tinha hemoglobina entre 6g% e 10g% e em

nenhuma delas se constatou a presença de anemia grave com hemoglobina abaixo de 4g%.

Duas crianças (10,5%) apresentaram sinais sugestivos de insuficiência cardíaca congestiva, e

infecção hospitalar foi diagnosticada em nove casos (47,3%). Os dados relatados acima se

acham colocados na Tabela 10.

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67

Tabela 10. Distribuição de freqüência das crianças do grupo da intervenção experimental do estudo que foram a óbito, segundo aspectos da sua condição clínica.– Recife, 2000 a 2001.

Variáveis N %

Internamento por diarréia

Sim 8 42,1

Não 11 57,9

Internamento por pneumonia

Sim 3 15,8

Não 16 84,2

Doença de base

Sim 5 26,3

Não 14 73,7

Presença de edema

Sim 6 31,6

Não 13 68,4

Estado de hidratação à admissão hospitalar

Hidratado 14 73,7

Desidratado do 1º grau 2 10,5

Desidratado do 2º grau 1 5,3

Desidratado do 3º grau 2 10,5

Temperatura axilar à admissão hospitalar*

35,0ºC a 36,5ºC 3 25,0

≥ 36,5ºC 9 75,0

Hipoglicemia à admissão hospitalar

Sim 2 10,5

Não 17 89,5

Nível de hemoglobina à admissão hospitalar

4 a 6g% 3 25,0

6 a 8g% 5 41,6

8 a 10g% 3 25,0

≥ 10g% 1 8,3

Sinais de insuficiência cardíaca congestiva

Sim 2 10,5

Não 17 89,5

Infecção hospitalar

Sim 9 47,3

Não 10 52,6

* Em sete crianças não houve a checagem

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68

5.2.2.1 Causa provável dos óbitos

Hipoglicemia foi observada em uma criança pouco antes da ocorrência da morte, tendo este

evento acontecido após 48 horas do internamento, o mesmo ocorrendo com hipotermia, que

foi documentada em uma criança nas mesmas circunstâncias descritas anteriormente.

Nos dois casos relatados acima, havia o diagnóstico de sepse associada, porém hipoglicemia e

hipotermia foram documentadas pouco antes do óbito.

Três crianças estavam desidratadas no momento do óbito, o que ocorreu com menos de 24

horas da admissão em dois casos, sendo ambos casos de desidratação grave com choque, e

entre 24 e 48 horas em um caso.

Sepse foi diagnosticada em 12 crianças, em uma o óbito ocorreu com menos de 24 horas do

internamento, em outra ocorreu entre 24 e 48 horas do internamento e nas outras 10 crianças

aconteceu após 48 horas da admissão hospitalar.

Insuficiência cardíaca congestiva foi observada em duas crianças, as quais eram portadoras de

cardiopatia congênita, e cujos óbitos ocorreram após 48 horas do internamento no hospital.

A maior parte dos óbitos (73,6%) ocorreu após 48 horas da admissão.

5.2.3 CUMPRIMENTO DAS ETAPAS DO TRATAMENTO

Com o intuito de avaliar o cumprimento das etapas de tratamento contidas no Protocolo da

OMS para manejo da criança desnutrida grave hospitalizada (Anexo 1), foi utilizada uma lista

de verificação (Anexo 8), elaborada segundo as etapas contidas no referido protocolo, que foi

utilizada duas vezes por semana para cada paciente do estudo, sendo no momento da sua

aplicação avaliados os procedimentos realizados nos dias antecedentes.

5.2.3.1 Tratamento e prevenção da hipoglicemia e da hipotermia

A hipoglicemia constitui um importante fator de risco para morte na criança desnutrida grave,

principalmente nos dois primeiros dias de internamento no hospital. Por este motivo, o

Ana Rodrigues Falbo Resultados

69

Protocolo da OMS orienta que seja feita a checagem da glicemia no momento da admissão em

todas essas crianças.

Em 109 (93,2%) das 117 crianças do estudo, foi realizada a checagem para hipoglicemia no

momento da admissão hospitalar. À admissão hospitalar, foi constatada hipoglicemia em

cinco (4,5%) crianças, e em 80,0% dos casos (quatro crianças) o tratamento foi realizado

conforme o orientado no protocolo. Em relação à monitorização após o tratamento, esta foi

realizada corretamente em 40,0% dos casos (duas das cinco crianças que apresentaram

hipoglicemia).

Hipotermia foi detectada em 12 crianças do estudo (10,2%), e a monitorização correta da

temperatura da criança após o manejo inicial só foi realizada adequadamente em uma criança

(8,3%). A temperatura do ambiente foi aferida na maior parte dos dias de permanência

hospitalar das crianças do estudo, e esteve fora do limite indicado (25oC a 30oC) em algum

momento da permanência hospitalar em 37,6% dos casos (44 crianças). Nos casos detectados

de hipotermia (12 casos), só houve checagem da glicemia em duas crianças (16,6%). Apenas

uma criança (8,3%) das que apresentaram hipotermia não recebeu alimentação a cada duas

horas, conforme o orientado pelo protocolo.

As informações sobre o manejo da hipoglicemia e da hipotermia estão demonstradas na

Tabela 11.

Ana Rodrigues Falbo Resultados

70

Tabela 11. Distribuição de freqüência das crianças do grupo da intervenção experimental do estudo, segundo o manejo da hipoglicemia e da hipotermia. Recife, 2000 a 2001.

Variáveis N %

Checagem da glicemia à admissão hospitalar

Sim 109 93,2

Não 8 6,8

Tratamento da hipoglicemia conforme o protocolo

Sim 4 80,0

Não 1 20,0

Monitorização da glicemia após o tratamento inicial

Sim 2 40,0

Não 3 60,0

Temperatura do ambiente fora do limite indicado

Sim 44 37,6

Não 73 62,4

Monitorização da temperatura a cada duas horas se h ipotermia

Sim 1 8,3

Não 11 91,6

Checagem para hipoglicemia se hipotermia

Sim 2 16,6

Não 10 83,3

Alimentação a cada duas horas se hipotermia

Sim 11 91,6

Não 1 8,3

5.2.3.2 Tratamento e prevenção da desidratação

Existe a indicação para a utilização da solução de reidratação oral para a criança desnutrida

grave para prevenir a desidratação repondo as perdas anormais que ocorrem, principalmente

por diarréia, e para tratar a desidratação já instalada.

Ana Rodrigues Falbo Resultados

71

Em 73 casos (62,0%) houve a indicação da utilização da ReSoMal, seja para repor perdas,

seja para reidratar, mas a mesma só foi empregada de fato em 61 crianças (83,5%), cumprindo

a orientação do protocolo.

Em 72 crianças (61,6%), houve a indicação da utilização da ReSoMal para repor perdas por

diarréia. O volume da ReSoMal de reposição foi oferecido adequadamente e após cada

evacuação diarréica em 12 crianças (16,6%).

Houve desidratação com indicação para a terapia de reidratação oral (TRO) em 21 casos

(17,9%), o volume da ReSoMal empregado esteve conforme o indicado em 13 crianças

(61,9%).

Se a reidratação ainda não se completou na sexta e décima horas, devem ser oferecidas as

fórmulas lácteas específicas do Protocolo. Em 16 crianças (76,1%), a reidratação ainda se

processava nestes horários e 12 delas (75,0%) receberam as fórmulas como indicado. Em 19

(90,4%) das 21 crianças que receberam a TRO, após a reidratação, foram oferecidas as

fórmulas lácteas indicadas. Houve monitorização correta da reidratação a cada duas horas em

13 destas crianças (61,9%). Em nenhum caso do uso da TRO se constatou a presença de sinais

de hiperidratação.

A Tabela 12 apresenta os dados referentes ao manejo da desidratação.

Ana Rodrigues Falbo Resultados

72

Tabela 12. Distribuição de freqüência das crianças do grupo da intervenção experimental do estudo, segundo o manejo da desidratação.Recife, 2000 a 2001. Variáveis N %

Utilização da ReSoMal quando indicada Sim 61 83,5 Não 12 16,4

ReSoMal de reposição adequada Sim 12 16,6 Não 60 83,3

Volume da ReSoMal foi correto (TRO) Sim 13 61,9 Não 8 38,0

Fórmulas na sexta e décima horas da reidratação Sim 12 75,0 Não 4 25,0

Início da dieta após reidratação Sim 19 90,4 Não 2 9,5

Monitorização da reidratação Sim 13 61,9 Não 8 38,0

Em oito crianças do estudo (6,8%), houve desidratação com indicação para reidratação venosa

(desidratação com alteração do nível de consciência). Quatro dessas crianças (50,0%) se

recuperaram adequadamente com apenas uma fase de expansão, utilizando as recomendações

do Protocolo, e evoluíram bem posteriormente. Em três casos (37,5%) houve a necessidade de

duas fases de expansão e a evolução para o óbito. Uma criança (12,5%) necessitou de três

fases de expansão, inclusive com o uso de bicarbonato de sódio (indicado pelo quadro clínico

e gasometria), e teve uma evolução posterior favorável.

5.2.3.3 Tratamento da anemia

O Protocolo da OMS orienta que a criança desnutrida grave deve receber hemoderivado

(concentrado de hemácias) se apresentar uma dosagem de hemoglobina inferior a 4,0g% ou

com níveis maiores que 4,0g% se houver sinais de descompensação hemodinâmica associada.

Houve necessidade do uso de hemoderivado em 33 crianças do estudo (28,2%). Avaliando-se

algumas características desse grupo de crianças, foi observado que apenas seis (18,2%) delas

tinham hemoglobina abaixo de 4,0g%, nas demais 27 crianças (81,8%), a indicação foi por

conta de dados sugestivos de repercussão hemodinâmica. Em 11 (40,7%) dessas crianças foi

constatada a presença de cardiopatia, o diagnóstico de pneumonia foi estabelecido em dez

Ana Rodrigues Falbo Resultados

73

(37,0%) crianças, uma (3,7%) criança tinha calazar, duas (7,4%) crianças tiveram o

diagnóstico de choque circulatório e em três (11,1%) crianças foram observados dados de

insuficiência cardíaca congestiva. Nove (27,2%) das crianças deste grupo foram a óbito.

Em relação a este procedimento, o volume utilizado foi adequado em todos os casos, a

monitorização da freqüência cardíaca (FC) e da freqüência respiratória (FR) no início, no

meio e no final da infusão foi realizada em 23 (69,6%) das 33 crianças que receberam

hemotransfusão. Em 12 crianças (36,3%), houve a necessidade de uma segunda transfusão, e

esta foi administrada após quatro dias da primeira, conforme indicado no Protocolo, em 10

crianças (83,3%). Foi utilizado furosemide no início da transfusão, como orientado no

Protocolo, em 23 crianças (69,6%), nas demais crianças esta droga foi feita no final da

transfusão ou não foi administrada.

Os dados relativos à utilização de hemotransfusão estão expostos na Tabela 13.

Ana Rodrigues Falbo Resultados

74

Tabela 13. Distribuição de freqüência das crianças do grupo da intervenção experimental do estudo que receberam hemotransfusão, segundo a indicação para o seu uso e a monitorização do procedimento. Recife, 2000 a 2001. Variáveis N %

Hemoglobina < 4,0g% 6 18,2

Presença de repercussão hemodinâmica provavelmente associada a

Cardiopatia 11 40,7

Pneumonia 10 37,0

Calazar 1 3,7

Choque circulatório 2 7,4

ICC 3 11,1

Volume adequado do concentrado de hemácias

Sim 33 100,0

Monitorização da FC e FR durante a transfusão

Sim 23 69,6

Não 10 30,3

Segunda transfusão após quatro dias

Sim 10 83,3

Não 2 16,6

Feito furosemide no início da transfusão

Sim 23 69,6

Não 10 30,3

5.2.3.4 Correção do desequilíbrio eletrolítico e da deficiência de micronutrientes

Em aproximadamente 100,0% das crianças do grupo da intervenção experimental do estudo,

houve a administração correta de eletrólitos e micronutrientes, como pode ser verificado na

Tabela 14.

Ana Rodrigues Falbo Resultados

75

Tabela 14. Distribuição de freqüência das crianças do grupo da intervenção experimental do estudo, segundo a administração de eletrólitos e micronutrientes.Recife, 2000 a 2001.

Variáveis N %

Recebimento de potássio extra na maioria dos dias

Sim 117 100,0

Recebimento de magnésio extra na maioria dos dias

Sim 117 100,0

Administração do ferro na primeira semana

Sim 1 0,9

Não 116 99,1

Administração do ferro a partir da segunda semana

Sim 106 98,1

Não 2 1,8

Recebimento da vitamina A na admissão

Sim 117 100,0

Recebimento de ácido fólico e polivitaminas

Sim 115 98,3

Não 2 1,7

5.2.3.5 Tratamento da infecção e parasitoses

Todas as crianças do grupo da intervenção experimental do estudo receberam antibiótico na

admissão hospitalar.

O Protocolo da OMS recomenda que, se há evidência de parasitose ou o local é de alta

prevalência, e a criança tem um ano ou mais de idade e não recebeu droga antiparasitária nos

últimos seis meses, deve-se administrar mebendazol 100 mg/dia por três dias, após o sétimo

dia de admissão. Sessenta e duas crianças (52,9%) preencheram esse critério, e em 90,3%

delas o tratamento foi feito conforme indicado pelo protocolo OMS. Esses dados estão

expostos na Tabela 15.

Ana Rodrigues Falbo Resultados

76

Tabela 15. Distribuição de freqüência das crianças do grupo da intervenção experimental do estudo, segundo o tratamento da infecção e parasitoses. Recife, 2000 a 2001. Variáveis N %

Recebimento de antibiótico desde a admissão Sim 117 100,0

Uso do mebendazol conforme indicado Sim 56 90,3 Não 6 9,6

5.2.3.6 Manejo nutricional

Constatou-se o uso das fórmulas lácteas indicadas, o oferecimento da quota calórica adequada

para o início da fase de reabilitação do tratamento e a progressão da alimentação segundo a

orientação do Protocolo em mais de 90,0% dos casos.

Apenas seis crianças (5,4%) receberam a primeira alimentação dentro das primeiras duas

horas de admissão hospitalar como orientado no Protocolo. Na maioria dos casos (70,9%), só

foi possível oferecer a primeira refeição após quatro horas da chegada ao hospital. Os dados

referentes ao manejo nutricional das crianças estão apresentados na Tabela 16.

Ana Rodrigues Falbo Resultados

77

Tabela 16. Distribuição de freqüência das crianças do grupo da intervenção experimental do estudo, segundo o manejo nutricional. Recife, 2000 a 2001.

Variáveis N %

Fórmula láctea na fase inicial

F75 116 99,1

Outra 1 0,9

Quota calórica na fase inicial (cal/kg/dia)

< 80 18 15,5

80 a 100 97 83,6

> 100 1 0,8

Quota calórica na fase de recuperação (cal/kg/dia)

< 80 3 2,8

80 a 100 1 0,9

100 a 150 29 27,8

150 a 200 46 44,2

> 220 25 24,0

Substituição adequada da F75 pela F100

Sim 101 99,0

Não 1 0,9

Aumento adequado da dieta

Sim 96 93,2

Não 7 6,7

Tempo para início da primeira dieta após a admissão hospitalar

Antes de 2 horas 6 5,4

2 a 4 horas 26 23,6

Após 4 horas 78 70,9

5.2.3.7 Monitorização dos diversos itens do tratamento

Aproximadamente em todas as crianças do grupo da intervenção do estudo foi possível

monitorizar a quantidade da dieta oferecida e aceita, a presença de vômitos, a freqüência e o

aspecto das evacuações, a freqüência cardíaca e a freqüência respiratória e o ganho médio do

Ana Rodrigues Falbo Resultados

78

peso calculado para cada criança a cada três dias. Os dados referidos acima estão apresentados

na Tabela 17.

Tabela 17. Distribuição de freqüência das crianças do grupo da intervenção experimental do estudo, segundo a monitorização da dieta, dos vômitos, das evacuações, da freqüência cardíaca (FC) e freqüência respiratória (FR) e do ganho médio do peso (GMP). Recife, 2000 a 2001.

Variáveis N %

Monitorização da quantidade da dieta oferecida e ac eita pela criança

Sim 117 100,0

Monitorização da presença de vômitos

Sim 116 99,1

Não 1 0,9

Monitorização da freqüência e consistência das evac uações

Sim 116 99,1

Não 1 0,9

Monitorização da FC e FR duas vezes ao dia

Sim 115 98,3

Não 2 1,7

Monitorização do GMP

Sim 117 100,0

Foram avaliadas 36 etapas do protocolo e foi observado que em 24 delas houve o

cumprimento correto em mais de 80% das crianças, em 7 etapas este percentual ficou entre 50

e 80% e em 5 etapas o percentual de cumprimento adequado foi menor do que 50%.

Ana Rodrigues Falbo Discussão

79

6. DISCUSSÃO

6.1 CARACTERÍSTICAS DAS CRIANÇAS

Sabe-se que a pobreza em nível familiar constitui importante causa da desnutrição na

infância, contribuindo para o acesso inadequado aos alimentos, condições precárias de

moradia e dificultando o acesso aos serviços de saúde, entre outras adversidades (UNICEF,

1998). Os resultados do presente estudo confirmam esta afirmação, pois revelam que mais

da metade das crianças nos dois grupos do estudo (59,7% no grupo da intervenção e 57,5%

no grupo controle) residia no interior do estado, provavelmente muitas delas na zona rural.

O local da residência pode muitas vezes, indiretamente, caracterizar condições

socioeconômicas e de moradia, uma vez que a pobreza é substancialmente maior nas zonas

rurais (LAS CONDICIONES DE SALUD EM LAS AMÉRICAS, 1994). No que diz

respeito ao abastecimento de água e fossa e/ou esgotamento sanitário, mais de 40,0% das

crianças nos dois grupos do estudo não possuíam esses benefícios.

Como ressaltado anteriormente, o nível educativo e social das mulheres é um importante

determinante do estado nutricional da criança. Os anos de estudo das mães, mais do que a

renda familiar expressam as condições de percepção, informação, acesso aos serviços de

saúde e práticas sanitárias. A mãe é geralmente a pessoa que presta assistência mais direta

à criança (ONIS, 2001; TOYAMA et al., 2001).

Confirmando o que foi dito acima, o resultado do presente trabalho mostra um baixo nível

de escolaridade das mães, com a maior parte delas (68,1% no grupo da intervenção e

62,5% no grupo controle) tendo menos de oito anos de escolaridade, fato observado sem

diferença significativa nos dois grupos do estudo. Aproximadamente 20,0% das mães não

tinham nenhum grau de escolaridade.

A diarréia e a infecção respiratória são os dois eventos infecciosos mais freqüentemente

relacionados com a desnutrição infantil, sendo importante causa de hospitalização e óbito

(ALVES et al., 1989; CUNHA, 2000; GIOVAMBATTISTA et al., 2000; KOSSMANN et

al., 2000).

Ana Rodrigues Falbo Discussão

80

Os achados do estudo corroboram com os dados da literatura: a diarréia foi o motivo do

internamento em quase metade das crianças nos dois grupos do estudo (47,9% no grupo da

intervenção experimental e 48,2% no grupo controle), sendo que durante a hospitalização

das crianças do grupo da intervenção foi documentado pelo menos um episódio de diarréia

em 62,3% delas. A pneumonia foi o motivo da admissão no hospital em aproximadamente

um terço das crianças nos dois grupos do estudo (31,6% nos dois grupos do estudo).

Um aspecto típico na desnutrição é a presença de uma anemia moderada, com a

hemoglobina variando de 8 a 10g/dl (WATERLOW, 1992). Os dados do estudo são

semelhantes aos dados da literatura, pois mais da metade das crianças, 59,5% no grupo da

intervenção e 64,0% no grupo controle, apresentava hemoglobina entre 6 e 10g/dl.

O fato de ter-se encontrado um relativamente alto percentual de crianças com doença de

base nos dois grupos do estudo (35,0% no grupo da intervenção experimental e 39,6% no

grupo controle), explica-se, pois o IMIP atua como um centro de referência para

tratamento em várias especialidades médicas como cardiologia, pneumologia, genética

médica, entre outras.

Foi observado que 59,1% das crianças do grupo da intervenção experimental teve alta com

menos de duas semanas de hospitalização, enquanto pouco menos da metade (40,8%)

recebeu alta após a segunda semana de tratamento, apresentando um maior tempo de

permanência hospitalar que o grupo controle, no qual este tempo foi inferior a duas

semanas, num maior percentual dos casos (78,3%).

Reforçamos o fato de que no grupo controle o estado nutricional da criança não foi

utilizado como parâmetro para definir o critério de alta. No grupo da intervenção

experimental, ao contrário, a criança só estaria em condição de saída do hospital se

houvesse um ganho médio de peso acima de 10g/kg/dia por pelo menos três dias

consecutivos, fornecendo indício do início da fase de reabilitação, aliado naturalmente à

sua condição clínica favorável.

O tempo de permanência hospitalar pode estar associado a um aumento na ocorrência de

infecção hospitalar e a um agravamento do estado nutricional das crianças (ALVES, 1997;

KAC et al., 2000). Em contrapartida, a recuperação nutricional da criança, mesmo

Ana Rodrigues Falbo Discussão

81

implicando uma duração maior da hospitalização, pode ser relevante para a sua

sobrevivência após a alta, diminuindo a chance de recaída (HEIKENS et al., 1994).

Não foi possível avaliar a influência do tempo de permanência hospitalar na ocorrência de

infecção comparando os dois grupos do estudo, pois não tivemos dados suficientes no

grupo controle para definir a presença de infecção hospitalar.

6.2 EVOLUÇÃO CLÍNICA

Além das alterações observadas no funcionamento do coração, como já comentado

anteriormente, a capacidade renal de concentração e diluição máximas está comprometida,

havendo uma importante limitação na capacidade de excretar íons hidrogênio livres, ácidos

tituláveis e amônia em resposta a uma sobrecarga ácida. Há uma limitação grave e

específica na capacidade de excretar o sódio, especialmente em resposta à expansão do

volume extracelular.

Durante a fase inicial do tratamento, quando há a recuperação da bomba de sódio e o

excesso de sódio intracelular passa a ser excretado para o compartimento extracelular, há

uma sobrecarga aguda do sistema circulatório que pode predispor à morte súbita se o rim

se recupera mais lentamente que a bomba de sódio (WATERLOW, 1992; GOLDEN,

1996).

A insuficiência cardíaca congestiva pode ocorrer na criança desnutrida grave, geralmente

como uma complicação de hiperidratação (especialmente quando é feita infusão venosa de

líquidos ou oferecidas soluções para reidratação oral com grande quantidade de sal), de

anemia grave, transfusão de hemoderivados, ou da utilização de dieta com alto conteúdo de

sódio (OMS, 2000).

Pelas razões expostas acima, se orienta que líquidos e sal sejam oferecidos com muita

cautela para a criança desnutrida grave. A administração de volume por via oral ou venosa

deve ser sempre cuidadosa e monitorizada com rigor, dentro do possível.

O Protocolo da OMS recomenda que durante a infusão venosa de líquidos e

hemoderivados a criança seja monitorizada em relação à freqüência cardíaca e à freqüência

respiratória a cada 10 a 15 minutos, até o final da infusão, e na reidratação oral esta

Ana Rodrigues Falbo Discussão

82

monitorização se faça a cada hora. No presente estudo foi avaliado que não seria possível

cumprir esta orientação, que foi modificada, para reavaliações em três momentos durante a

hemotransfusão (no início, no meio e no final da infusão), reavaliações a cada hora durante

a hidratação venosa e a cada duas horas durante a hidratação oral.

Como já citado, houve a necessidade de hemotransfusão em 33 crianças do estudo

(28,2%), e foi possível a monitorização da FC e da FR como planejado em 69,6% dos

casos.

Em oito crianças do estudo (6,8%), houve desidratação com indicação para reidratação

venosa (desidratação com alteração do nível de consciência). Quatro dessas crianças

(50,0%) se recuperaram adequadamente com apenas uma fase de expansão, utilizando as

recomendações do protocolo, e evoluíram bem posteriormente. Em três casos (37,5%)

houve a necessidade de duas fases de expansão e evolução para o óbito. Uma criança

(12,5%) necessitou de três fases de expansão, inclusive com o uso de bicarbonato de sódio

(indicado pelo quadro clínico e gasometria), e teve uma evolução posterior favorável. Em

nenhum desses casos foi possível monitorizar a FC e FR, mesmo a cada hora.

Em relação à dieta sem sal de adição, em apenas uma criança do grupo da intervenção

experimental não foi cumprida esta orientação (0,9%).

Foi observado um alto percentual de infecção hospitalar nas crianças do grupo da

intervenção experimental do estudo (29,1%).

No Hospital Geral de Pediatria do IMIP como um todo, esse percentual foi de 3,9% (NEPI,

2001). No setor da pediatria onde se situa a enfermaria que recebeu as crianças da pesquisa

(quarto andar HGP), o percentual para o ano 2001 foi de 7,9% (NEPI, 2001).

Não foi possível a utilização de isolamento, mas todas as crianças do estudo foram

admitidas em uma mesma enfermaria, mesmo não sendo esta exclusiva para a pesquisa. O

percentual bem maior de infecção hospitalar encontrado nas crianças do estudo pode ser

devido a maior gravidade e vulnerabilidade dessas crianças e a um maior tempo de

permanência no hospital sem isolamento adequado, aumentando assim a exposição ao

risco.

Ana Rodrigues Falbo Discussão

83

Todas as crianças gravemente desnutridas estão em risco de desenvolver hipoglicemia, que

é importante causa de morte durante os dois primeiros dias de tratamento. A hipoglicemia

pode ser causada por uma infecção sistêmica grave, hipotermia ou jejum prolongado

(quatro a seis horas), o que ocorre com freqüência durante o trajeto para o hospital (OMS,

2000).

Apenas cinco crianças do grupo da intervenção experimental do estudo (4,5%),

apresentaram hipoglicemia na chegada ao hospital. Dessas cinco crianças, três tinham o

diagnóstico de sepse na admissão. Houve apenas um caso documentado de hipoglicemia

durante a hospitalização neste grupo.

Houve checagem para hipoglicemia à admissão em 93,2% dessas crianças e o tratamento

inicial proposto, nos casos documentados de hipoglicemia, foi seguido em 80,0% das

vezes. A dificuldade encontrada foi em relação a monitorização após o tratamento inicial e

monitorização na enfermaria: houve monitorização da glicemia após o tratamento inicial

em apenas 40,0% dos casos, e em dez (83,3%) das 12 crianças que apresentaram

hipotermia não foi realizada a checagem para hipoglicemia, conforme orientado.

Crianças menores de 12 meses, aquelas com marasmo, com grandes áreas de pele lesadas

ou infecções sérias são altamente suscetíveis à hipotermia. A criança desnutrida grave deve

ser mantida em ambiente com temperatura entre 25oC e 30oC, ter a temperatura corporal

monitorizada, ser adequadamente aquecida e manuseada de forma racional (OMS, 2000).

À admissão hospitalar, foi detectada hipotermia em três (2,5%) crianças do grupo da

intervenção experimental, e durante a evolução na enfermaria nove (7,7%) crianças

apresentaram hipotermia. Houve monitorização da temperatura das crianças, pelo menos

três vezes ao dia durante o período do internamento, em 98,4% dos casos.

Em relação ao manejo da hipotermia, não se conseguiu instituir o tratamento preconizado

pelo protocolo: uma vez detectada a hipotermia e feito o aquecimento da criança junto com

as outras medidas recomendadas, não foi possível a verificação da temperatura a cada 30

minutos ou a cada duas horas (como modificado posteriormente) até a normalização da

temperatura, como orientado pelo Protocolo. Os episódios de hipotermia na sua maioria

ocorreram durante o período da noite. A temperatura do ambiente foi monitorizada

diariamente e esteve acima ou abaixo do preconizado (entre 25oC e 30oC), em algum

Ana Rodrigues Falbo Discussão

84

momento da permanência, em 37,6% dos casos, mas não houve como adequá-la, já que

não se dispunha de aquecimento ou de arcondicionado. Não houve dificuldade na oferta da

dieta a cada duas horas às crianças nas quais foi documentada hipotermia, o que foi feito

em 91,6% dos casos.

Apesar de a ocorrência de hipoglicemia e hipotermia ser freqüente na criança desnutrida

grave, colocando-a até mesmo sob o risco de morte, pelos fatores de risco que apresenta,

não foram eventos observados com freqüência no estudo.

Era de se esperar um maior percentual de hipoglicemia na admissão, já que muitas crianças

vieram de regiões afastadas do hospital (59,7% do interior do estado), viajando por

algumas horas, provavelmente sem oferta de alimentos, a maior parte delas com quadro de

infecção bem definido e também pelo fato do tempo para início da dieta após a chegada ao

hospital, que foi maior que quatro horas em 70,9% dos casos.

Durante a evolução na enfermaria, como não houve maiores dificuldades com o manuseio

da dieta (preparo das fórmulas, monitorização do volume oferecido e aceito, horários de

administração, substituição das fórmulas, quotas calóricas etc.), as crianças foram

adequadamente tratadas para infecção, e a hipotermia não foi um evento freqüente (apesar

de que quando ocorreu, na maior parte das vezes, não houve checagem para hipoglicemia),

era de se esperar que a hipoglicemia não fosse de fato um problema na evolução dessas

crianças.

Em relação à hipotermia, por motivos semelhantes aos explanados para a hipoglicemia,

esperava-se encontrar um maior percentual de ocorrência na admissão das crianças. Na

evolução na enfermaria em que pese, a temperatura do ambiente ter estado algumas vezes

fora do limite preconizado, a hipotermia também não foi um grande problema na evolução

destas crianças, provavelmente pelas mesmas razões expostas para a pouca ocorrência de

hipoglicemia, já que, como sabemos, os dois eventos caminham lado a lado.

6.3 EVOLUÇÃO NUTRICIONAL

O ganho médio de peso (GMP) durante o uso da fórmula láctea F75 (fase inicial) foi menor

que 5g/kg/dia em 71,1% das crianças, sendo maior que 10g/kg/dia em 16 crianças (16,4%).

Durante a fase inicial do tratamento, quando do uso da F75, não se deve esperar um ganho

Ana Rodrigues Falbo Discussão

85

médio de peso elevado, pois as quotas calóricas e hídricas são reduzidas, respeitando as

limitações fisiológicas ainda presentes.

Foi investigada a ocorrência de falhas no manejo nutricional dessas 16 crianças com ganho

médio de peso > 10g/kg/dia.

Em dois casos, a quota calórica oferecida pela dieta foi menor que 80cal/kg/dia, quando

deveria ter sido entre 80 e 100cal/kg/dia nesta fase do tratamento. Este fato não parece ter

tido influência no aumento do ganho ponderal, já que a quota calórica estava abaixo do

indicado.

Em três casos, não houve o aumento progressivo da dieta em 10ml por refeição até que a

criança deixasse resto, como orientado pelo Protocolo da OMS, o que pode ter

influenciado no ganho ponderal, pois pode ter ocorrido uma maior oferta de volume

ocasionando, talvez, não o aumento real do peso, mas a retenção de líquidos (edema).

Em três casos, houve o uso de hemoderivado, dos quais em dois não houve monitorização

da FC e da FR e em um não houve o uso do furosemide, como indicado. A infusão de

líquidos feita sem o devido controle e a não utilização do diurético podem ter ocasionado

sobrecarga de fluidos com repercussão no peso corporal.

Em um caso, foi administrado o ferro na primeira semana de tratamento. Como já

discutido, o ferro quando administrado na fase inicial do tratamento quando a criança ainda

não está estabilizada do ponto de vista clínico pode ter ação deletéria, alterando a

permeabilidade capilar e contribuindo para a retenção de líquidos (DEMPSTER et al.,

1995), influenciando, portanto, no peso corporal. No total, observou-se a ocorrência de

falhas em seis dessas crianças (37,5%), com mais de uma falha existindo na mesma

criança.

Na fase de reabilitação, quando as crianças estão recebendo a fórmula láctea F100, espera-

se um maior ganho médio de peso (GMP). No caso do presente estudo, considerou-se um

GMP >10g/kg/dia por três dias seguidos, como caracterizando o início dessa fase de

tratamento, o que foi observado em 80,6% das crianças do estudo. Três crianças

apresentaram um GMP bem próximo a 10g/kg/dia (sendo menor que 10), mas foram

Ana Rodrigues Falbo Discussão

86

consideradas como tendo iniciado a fase de reabilitação, pois estavam muito bem

clinicamente e com bom apetite, o que poderia indicar a probabilidade da recuperação.

Não foi objetivo do estudo que as crianças apresentassem evolução do índice nutricional

peso/altura para a normalidade (de < menos 3 DP para < menos 1 DP), como orientado

pelo Protocolo da OMS. Como já citado anteriormente, o IMIP não dispõe de estrutura

específica para realizar a recuperação nutricional da criança com desnutrição.

O tempo requerido para o início da recuperação do peso (que é definido como o momento

em que se observa um ganho médio de peso > 10g/kg/dia nos últimos três dias), foi menor

que duas semanas na maior parte das crianças (73,3%), e em 26,5% foi maior ou igual que

duas semanas, ficando dentro da expectativa do Protocolo da OMS, que prevê em média

duas a seis semanas para a fase de reabilitação, na qual a criança inicia a sua recuperação

nutricional, superadas as condições médicas agudas.

Espera-se que, quando as diretrizes do tratamento contidas no Protocolo da OMS são

seguidas adequadamente, a criança desnutrida grave sem complicações apresente sinais

claros de melhora em alguns dias, com estabilização da sua condição clínica, o retorno do

apetite e um ganho médio de peso satisfatório (OMS, 2000).

Dezenove crianças do grupo da intervenção do estudo (19,3%) não apresentaram o início

de recuperação do peso (fase de reabilitação). Neste grupo de crianças não foram incluídas

aquelas que foram a óbito.

Avaliando algumas características clínicas dessas crianças, foi observado que em 47,4%

delas havia uma doença de base associada, em 15,8% foi constatada a presença de edema,

anemia grave foi documentada em dois casos (18,1%) e o diagnóstico de infecção

hospitalar foi dado em 21,0% desses casos. Estes fatores sabidamente interferem

negativamente na evolução e na recuperação nutricional destas crianças.

Ainda em relação à condição dessas crianças, ressaltamos o fato que 13 (68,4%) das

crianças desse grupo tinham nanismo nutricional de moderado a grave (altura/idade abaixo

do percentil 3),e estas crianças apresentam uma forma diferente de recuperação do peso.

Presumivelmente, neste caso, a taxa de ganho de peso é limitada pela taxa de crescimento

Ana Rodrigues Falbo Discussão

87

linear, o que ocorre para manter as proporções corporais. Crianças que têm apenas o

nanismo nutricional são cronicamente desnutridas e apresentam um ganho de peso mais

lento que as crianças com emagrecimento grave. É provável que estas crianças não

consigam manter uma taxa de ganho de peso maior que 2 a 3g/kg/dia, enquanto as crianças

com emagrecimento grave têm o potencial para um ganho de 20g/kg/dia (ASHWORTH &

MILLWARD, 1996).

O seguimento de todas as etapas do Protocolo no manejo dessas crianças foi avaliado com

o objetivo de verificar a ocorrência de falhas que pudessem justificar o fato de essas

crianças não terem apresentado o início da recuperação do peso.

No que diz respeito ao manejo da hipoglicemia, foi observado que em duas delas (10,5%)

não foi realizado o exame de checagem inicial para detectar o problema (dextrostix ®).

Durante o internamento nenhum caso de hipoglicemia foi documentado.

Quanto ao manejo da hipotermia, foi observado que em três crianças (15,7%) a

temperatura do ambiente esteve fora do limite indicado (25ºC a 30ºC) em algum momento

da sua permanência no hospital, e em nenhum caso foi possível monitorar o aquecimento

adequado das crianças. Durante o internamento nenhum caso de hipotermia foi

documentado.

Em relação ao manejo da desidratação, foi observada a indicação (para repor perdas ou

para reidratar) e o uso da ReSoMal em sete casos (36,8%); em seis deles (85,7%), o

volume da ReSoMal utilizado para repor as perdas por diarréia estava incorreto. Em duas

crianças (10,5%), houve a indicação do uso da ReSoMal para a reidratação oral, estando o

manejo correto em todas as suas etapas.

Houve indicação para o uso de hemoderivado em dois casos (10,5%), nos quais o manejo

estava correto em todas as suas etapas, conforme as orientações contidas no protocolo da

OMS.

Em relação ao manejo nutricional, foi observado que a primeira alimentação após a

admissão no hospital em apenas um caso (5,2%) foi oferecida antes de duas horas da

chegada ao hospital, como indicado. Cinco crianças (26,3%) receberam a primeira dieta

entre duas e quatro horas da chegada e 12 crianças (63,1%) só foram alimentadas após

Ana Rodrigues Falbo Discussão

88

quatro horas da admissão hospitalar. Em uma criança esta informação não estava

disponível. Como não foram detectados casos de hipoglicemia e hipotermia nessas crianças

e posteriormente o manejo nutricional foi realizado sem problemas (uso das fórmulas de

leite indicadas, quotas calóricas adequadas para cada fase, progressão da alimentação),

provavelmente este fato não deve ter contribuído para o problema em discussão.

Nas demais etapas do Protocolo, quanto à correção da deficiência de eletrólitos e

micronutrientes, ao tratamento da infecção e parasitose e ao monitoramento das crianças,

não foi detectada a ocorrência de falhas na maioria das crianças.

Pelo que foi exposto acima, parece provável que a própria condição da criança tenha sido

responsável pelo fato de não terem iniciado a fase de recuperação do peso, já que quanto

ao manejo os problemas encontrados aparentemente não justificam este fato.

6.4 TAXA DE LETALIDADE HOSPITALAR

No que se refere, especificamente, à casuística hospitalar, PUOANE e colaboradores

(2001) estudaram crianças com desnutrição grave em dois hospitais rurais na Cidade do

Cabo, na África do Sul, e relatam uma taxa de letalidade hospitalar de 32,0% nessas

crianças.

DEEN e colaboradores (2002. Comunicação pessoal) realizaram estudo na África e

avaliaram 12 hospitais que prestavam assistência às crianças gravemente desnutridas. A

taxa de letalidade hospitalar dessas crianças variava entre 15,0% e 40,0%.

ALVES e colaboradores (1989), estudando a causa de óbito em 128 crianças hospitalizadas

no IMIP, observaram que a freqüência de desnutrição nessa casuística foi de 73,0% (43,0%

de desnutrição grave pela classificação de Gomez). Todos os óbitos nos desnutridos foram

originados por causas infecciosas, predominando a diarréia.

Outro estudo também realizado no IMIP observou que, de 1045 crianças carentes falecidas

no hospital no ano de 1995, 60,1% tinham algum grau de comprometimento do estado

nutricional (ALVES et al., 1996).

Ana Rodrigues Falbo Discussão

89

Foram estudadas 99 crianças hospitalizadas no IMIP, com desnutrição moderada e grave

(peso/idade abaixo do percentil 3, padrão de referência do NCHS), no período de maio de

1999 a maio de 2000. A taxa de letalidade hospitalar observada no grupo foi de 34,3%

(FALBO & ALVES, 2002).

Os dados expostos acima evidenciam de maneira expressiva o papel do hospital como

centro de demanda dos casos de desnutrição grave, enquanto as altas taxas de letalidade

referidas podem traduzir o manejo inadequado nos serviços, como também a gravidade

clínica, inerente ao estado nutricional da criança, o que limitaria o sucesso de uma

intervenção médica, mesmo sendo adequada.

Na análise univariada, aplicada à experiência apresentada no presente estudo, constatou-se

que a intervenção, ou seja, a aplicação do Protocolo da OMS para manejo da criança

desnutrida grave hospitalizada, apresentou um efeito estatisticamente significante sobre a

taxa de letalidade hospitalar, reduzindo-a a quase 50,0% daquela ocorrida no grupo

controle.

Quando foram controladas as variáveis de confusão que apresentaram distribuição

diferente nos dois grupos, verificou-se que o OR passou de 0,38 (sem ajuste) para 0,51

(com ajuste), indicando que o efeito da intervenção sobre a taxa de letalidade diminuiu de

intensidade, mas permaneceu. A análise do intervalo de confiança para o OR ajustado

(IC95%: 0,26 a 1,00) embora inclua a unidade no seu limite, revela que os dados obtidos

neste estudo também são compatíveis com um conjunto de valores indicativos de relevante

efeito da intervenção.

Quanto às variáveis de confusão identificadas no estudo, sabemos que a idade tem

influência em vários aspectos clínicos e biológicos, e quanto mais jovem a criança mais

vulnerável ela está aos diferentes agravos.

Em relação à desnutrição, sabe-se que o pico de prevalência do emagrecimento ocorre no

segundo ano de vida, coincidindo com a introdução dos alimentos complementares e o

aumento da incidência da doença diarréica. Uma vez que o episódio da infecção é

controlado e há disponibilidade de alimentos, o peso pode ser recuperado. A baixa estatura

ou nanismo nutricional tem uma história natural diferente do emagrecimento, tem início

em torno do terceiro mês de vida e continua por dois ou três anos. A velocidade de

Ana Rodrigues Falbo Discussão

90

crescimento só é mais ou menos restaurada em torno dos cinco anos, quando o déficit de

altura pode ser já de cerca de 15 cm em relação à criança normal, e mantido durante a

idade adulta (MONTE, 2000).

Observou-se que a maior parte das crianças do grupo controle tinha menos de um ano de

idade, portanto antes do pico da incidência do emagrecimento e antes, talvez, que houvesse

a expressão de um insulto crônico produzindo o nanismo nutricional. No entanto, essas

crianças com certeza sofreram agravos importantes, traduzidos pelo grau de desnutrição

que de fato apresentavam. Apesar da diferença estatisticamente significante encontrada em

relação à faixa etária nos grupos do estudo, observou-se que também no grupo da

intervenção experimental a maior parte das crianças tinha idade menor que um ano. Talvez

o menor percentual observado neste grupo se deveu ao fato de que, como essas crianças

foram internadas num momento de menor gravidade clínica, houve a chance de selecionar

crianças maiores, que geralmente são menos graves.

O maior percentual de choque circulatório na admissão corrobora com o fato já sugerido de

que o critério de admissão hospitalar utilizado de forma distinta, mesmo tratando-se de

grupos com comprometimento nutricional importante, selecionou crianças expostas a uma

maior morbidade, já que o internamento hospitalar ocorreu numa fase em que a doença

intercorrente assumia uma certa gravidade.

Há relato na literatura de maior percentual de óbito na criança com desnutrição edematosa

(SCHOFIELD & ASHWORTH, 1997), o que indica uma maior gravidade desses casos. O

menor percentual de edema encontrado no grupo controle (7,2%), comparado com o

percentual do grupo da intervenção experimental (17,1%), não condizendo com a condição

clínica mais favorável dessas crianças, pode ser atribuído a uma provável falta de

notificação, já que as crianças do grupo controle foram selecionadas a partir do livro de

registro da admissão, em que constavam a idade e o peso, mas nem sempre havia

referência à presença de edema.

É importante comentar que independentemente da especificidade das medidas propostas

pelo Protocolo OMS, ao se aplicar um tratamento sistematizado, e uma melhor

monitorização da criança durante a hospitalização, este fato por si, já poderia contribuir

para uma evolução mais favorável das crianças do ponto de vista médico.

Ana Rodrigues Falbo Discussão

91

Apesar das limitações impostas, que foram identificadas e discutidas ainda na fase de

elaboração do projeto do estudo, o resultado encontrado assume ainda maior importância

quando avaliamos alguns aspectos.

O fato de ter sido a primeira vez que foi aplicada no serviço a proposta de tratamento em

estudo, nos leva a pensar que com a identificação e correção das dificuldades encontradas

muito provavelmente será alcançado um melhor resultado.

Quando sabemos que as taxas de letalidade hospitalar da criança desnutrida grave

hospitalizada variam de 20,0% e 40,0%, como foi relatado anteriormente em vários outros

estudos com crianças igualmente desnutridas graves, a redução encontrada no presente

estudo deve ser valorizada.

6.5 OS CASOS DE ÓBITO

Dezenove crianças do grupo da intervenção do estudo foram a óbito (16,2%). Muitas

dessas crianças tinham dados clínicos graves que por si só podem ter influenciado na sua

evolução desfavorável, mas também podem estar relacionados a uma inadequação do

manejo.

A presença de doença de base foi constatada em cinco crianças (26,3%), seis crianças

(31,6%) tinham desnutrição edematosa, duas crianças (10,5%) tinham quadro clínico

compatível com choque circulatório (na admissão hospitalar), anemia grave foi encontrada

em três casos (25,0%), duas crianças (10,5%) tiveram dados de insuficiência cardíaca

congestiva e nove (47,3%) preencheram os critérios para o diagnóstico de infecção

hospitalar.

Tentou-se identificar o evento imediato mais provável de estar relacionado com o óbito, o

tempo decorrido desde a admissão até este desfecho e a presença de falhas no manejo.

Em uma criança foi constatada a presença de hipoglicemia pouco antes do óbito, o que

ocorreu 48 horas após o internamento. Neste caso, não houve o tratamento correto do

problema segundo, a orientação do Protocolo, o que pode ter contribuído diretamente para

o óbito. Os dois casos de hipoglicemia verificados no momento da admissão

provavelmente não tiveram influência no óbito das demais crianças.

Ana Rodrigues Falbo Discussão

92

Hipotermia foi registrada próximo à ocorrência do óbito em uma criança, o que ocorreu

após 48 horas da admissão. Neste caso, não houve a monitorização correta da temperatura

após as medidas iniciais e não houve a checagem para hipoglicemia, conforme indicado.

Três crianças estavam desidratadas pouco antes do óbito, sendo que em duas este fato

ocorreu com menos de 24 horas da admissão no hospital. Ambas tinham quadro de

desidratação grave. Em uma delas, não foi detectada nenhuma falha no manejo da

desidratação, mas apresentava sangramento digestivo alto, denotando um importante grau

de comprometimento clínico. Na outra criança citada, foi observada em relação ao manejo

da desidratação a falta do oferecimento da dieta nos horários previstos durante a

reidratação e logo após a conclusão da mesma. Na terceira criança, cujo óbito ocorreu entre

24 e 48 horas da admissão hospitalar, e havia desidratação grave associada, não houve

falha no manejo do problema discutido.

Doze crianças tinham o diagnóstico de sepse, tendo o óbito ocorrido antes de 48 horas em

dois casos e após 48 horas nos demais casos. Em relação à avaliação do cumprimento das

etapas do Protocolo nessas crianças, em apenas um caso foi detectada falha. Uma dessas

crianças recebeu um concentrado de hemácias quatro horas antes do óbito, e não houve a

monitorização da freqüência cardíaca e da freqüência respiratória, bem como não foi

administrado o furosemide, em que pesem não ter sido observados sinais de insuficiência

cardíaca congestiva.

Quadro clínico sugestivo de ICC foi registrado em duas crianças portadoras de cardiopatia

congênita pouco antes do óbito. Os dois casos ocorreram após 48 horas da admissão. Em

ambos foi observado o aumento da FC e da FR e não houve a redução do volume da dieta

como deveria ser feito.

Pelos dados demonstrados acima, pelo menos em seis (31,5%) das 19 crianças que foram a

óbito foi observada alguma falha no manejo quando se avaliou o cumprimento das etapas

do Protocolo da OMS. Este fato sugere que esses óbitos poderiam ter sido evitados se o

tratamento tivesse sido instituído conforme o indicado, melhorando assim os resultados

obtidos no estudo quanto à taxa de letalidade hospitalar e reforçando o potencial efeito

benéfico que é esperado com a aplicação correta do referido Protocolo.

Ana Rodrigues Falbo Discussão

93

6.6 OPERACIONALIZAÇÃO DAS ETAPAS DO TRATAMENTO

Foram avaliados alguns aspectos da implementação do Protocolo da OMS na prática

clínico-hospitalar, o que foi verificado segundo as etapas recomendada para a sua

aplicação, algumas das quais já foram comentadas em outras seções do estudo.

Fazendo parte da implementação do Protocolo da OMS, houve treinamento de toda a

equipe, com aulas e práticas ministradas para cada grupo de profissionais (médicos,

doutorandos, residentes, enfermeiras, auxiliares de enfermagem, nutricionistas, auxiliares

de nutrição e funcionários de serviços gerais) tanto no setor da emergência quanto da

enfermaria, nas quais se procurou discutir os aspectos importantes que serviram de

embasamento para a elaboração do tratamento proposto, atualizando desta forma o

conhecimento e sensibilizando os profissionais envolvidos.

Quanto ao manejo da hipoglicemia e da hipotermia, foi observada a ocorrência de

problemas principalmente nos aspectos relacionados com a monitorização. Em três das

cinco crianças (60,0%) que apresentaram hipoglicemia não houve a checagem posterior da

glicemia após o tratamento inicial. Em apenas uma criança (8,3%) das 12 que

apresentaram hipotermia houve a monitorização posterior da temperatura, e a checagem

para hipoglicemia só foi realizada em duas dessas crianças (16,6%). Esses dados apontam

para a necessidade de um reforço no treinamento e para uma maior sensibilização da

equipe em relação à importância desses agravos na evolução da criança desnutrida grave,

para que tais procedimentos sejam incorporados na rotina do atendimento da mesma forma

que se prestam os cuidados de higiene e de alimentação.

A temperatura do ambiente esteve fora do limite indicado em algum momento da

permanência hospitalar em 44 crianças (37,6%). Quanto a este fato, não se dispunha de

aparelho que pudesse controlar a temperatura do ambiente, mas esse dado reforça a

importância de se instituir de forma correta as etapas no manejo e na prevenção da

hipotermia nessas crianças, para que o efeito negativo de uma falha estrutural seja

minimizado.

O clínico que lida com a criança desnutrida tem que considerar a desidratação tanto quanto

a hiperidratação.

Ana Rodrigues Falbo Discussão

94

Muitos dos sinais que são normalmente utilizados para avaliação da desidratação não são

confiáveis em uma criança com desnutrição grave. A desidratação tende a ser

hiperdiagnosticada e sua gravidade superestimada. Alguns sinais importantes para o

diagnóstico da desidratação na criança desnutrida grave são: história de diarréia, sede

(irritabilidade, ansiedade nos menores), olhos encovados (na opinião da mãe), pulso fraco

(choque), pés e mãos frios (choque), diminuição da diurese. Sinais que não são confiáveis:

estado mental (normalmente são apáticas e podem ter alteração do nível de consciência por

hipotermia, hipoglicemia), saliva e lágrimas (atrofia das glândulas), elasticidade da pele

(WATERLOW,1992; GOLDEN, 1996; OMS, 2000).

O Protocolo da OMS (2000) recomenda que a reidratação dessas crianças se faça com a

ReSoMal, em menor volume e em maior tempo do que o proposto para a criança eutrófica.

A única indicação de infusão intravenosa em uma criança gravemente desnutrida é colapso

circulatório causado por desidratação ou choque séptico.

Em relação ao manejo da desidratação das crianças do estudo que receberam o tratamento

do Protocolo da OMS, nem sempre foi possível cumprir as orientações recomendadas,

como foi observado na seção dos resultados do estudo. Foi utilizada a ReSoMal em 83,5%

dos casos nos quais houve indicação para o seu uso, e em 38,0% dos casos o volume

utilizado não foi correto, bem como não houve a correta monitorização da progressão da

reidratação. A utilização da ReSoMal para repor perdas após cada evacuação diarréica para

prevenir a desidratação só foi utilizada como indicado em 16,6% dos casos.

As falhas observadas apontam para a necessidade de rever os aspectos que possam ter

influenciado para a sua ocorrência, bem como para um reforço no treinamento da equipe

que presta assistência a essas crianças.

Pela importante repercussão da deficiência dos eletrólitos e micronutrientes para a criança

desnutrida grave, levando às alterações fisiológicas que as coloca em risco para o aumento

de sua morbimortalidade, o Protocolo da OMS preconiza e enfatiza a administração regular

desses elementos no tratamento dessas crianças (OMS, 2000; BHAN et al., 2001).

O metabolismo eletrolítico na desnutrição foi muito estudado nos anos 60 e 70, mas desde

então se tem tido pouco interesse no assunto.

Ana Rodrigues Falbo Discussão

95

Dentre as alterações existentes nos eletrólitos, minerais e elementos traços, cabe ressaltar

aquelas observadas no potássio, sódio, magnésio, zinco, cobre.

Em relação ao potássio, os achados fornecem evidência de que sua deficiência é um fato

comum e importante na desnutrição.

A depleção do potássio tem relação com a “quebra” da membrana celular, levando a

redução na capacidade de reter potássio e aumento do sódio e água dentro da célula. A

diminuição do potássio intracelular promove retenção de sódio e água, diminuição da

contratilidade miocárdica e afeta o transporte através da membrana celular. Hipocalemia

grave provoca apatia, fraqueza, hipotonia, íleo paralítico, alterações no eletrocardiograma

(ECG) e morte súbita (WATERLOW, 1992; MANARY & BREWSTER, 1997).

Em relação ao sódio, observa-se que com o aumento do volume de fluido extracelular há o

aumento do sódio corporal. Paradoxalmente, o aumento do sódio corporal é algumas vezes

acompanhado por hiponatremia. Existem duas explicações para tal fato: o sódio é diluído

no fluido extracelular ou é desviado dele. O sódio entra na célula como conseqüência da

deficiência do potássio. Se o sódio entra, o potássio deve sair. Atribui-se à hiponatremia a

evidência do que se chama “doença a nível celular” (WATERLOW, 1992).

O magnésio é o segundo cátion celular mais freqüente. Está envolvido em muitas reações

enzimáticas, como síntese de ácidos graxos, proteínas, rotas glicolíticas e formação de

AMPc. Quando a criança entra na fase de recuperação, de crescimento rápido, há a

necessidade de grandes quantidades de magnésio para restaurar a depleção tecidual. Como

o potássio, uma inadequação da quantidade do magnésio pode limitar a taxa de

recuperação tecidual e até mesmo contribuir para a morte (WATERLOW, 1992; SINGLA

et al., 1998).

O zinco é particularmente importante na multiplicação celular, pois é componente

essencial de enzimas que participam da síntese de proteínas e RNA. Daí sua ação ao nível

do epitélio intestinal e da epiderme e sua participação na atrofia do timo e distúrbio na

imunidade celular, que é uma característica da desnutrição grave. O ganho ponderal é

inadequado se há uma dieta com pouco zinco disponível. Há a relação causal da

deficiência do zinco com retardo do crescimento linear em crianças (GOLDEN &

Ana Rodrigues Falbo Discussão

96

GOLDEN, 1979; SIMMER et al., 1988; SINGLA et al., 1996; DOHERTY et al., 1998;

GATHERU et al., 1998; RIVERA et al., 1998).

O cobre tem um importante papel no metabolismo do ferro e na eritropoiese. O cobre

participa de enzimas, ceruloplasmina (ferroxidase I) e ferroxidase II que oxidam o ferro,

que assim pode ser transportado do lúmem intestinal e dos sítios de estocagem para os

sítios de eritropoiese. Isto explica a anemia na deficiência do cobre. Uma outra enzima que

contém cobre, a superóxido-dismutase, tem um papel importante no clareamento de

radicais livres. Na fase de crescimento rápido, o cobre deve estar disponível em

quantidades suficientes para garantir a formação de novos tecidos. Desde que o leite é o

alimento básico de vários esquemas de tratamento, e tem baixo conteúdo de cobre, este

deve ser dado de rotina durante o tratamento (WATERLOW, 1992; SINGLA et al., 1996).

A administração de potássio, magnésio, zinco e cobre às crianças desnutridas graves

submetidas ao tratamento pelo Protocolo da OMS é feita por meio da solução da mistura

de minerais (Anexo 1 e Anexo 9), a qual é adicionada às fórmulas lácteas e à ReSoMal

(Anexo 1), garantindo a oferta diária desses eletrólitos.

Não houve dificuldade em relação ao cumprimento da correção do desequilíbrio

eletrolítico e da deficiência de micronutrientes.

O IMIP possui farmácia hospitalar, com estrutura adequada para a produção da referida

solução da mistura de minerais, garantindo assim a sua disponibilidade. A sua

administração foi garantida, pois não houve dificuldade no manuseio da dieta, o que foi

verificado quando se constatou que a maioria das crianças (>90,0%) recebeu as fórmulas

preparadas adequadamente (F75 e F100), condizentes com a etapa do tratamento, em

horário e volume adequados. Houve substituição das fórmulas F75 para F100, como

orientado, em 99,0% dos casos. A progressão da dieta foi adequada em 93,2% dos casos e

houve monitorização da quantidade da dieta oferecida e aceita em todos os casos do

estudo. A quota calórica na fase inicial do tratamento esteve dentro do recomendado em

83,6% das crianças e a quota calórica na fase de recuperação foi adequada em 96,0% dos

casos.

Em relação ao metabolismo do ferro, relata-se uma diminuição dos níveis de transferrina

no kwashiorkor, o que resultaria em maior disponibilidade deste metal

“descompartimentalizado”, e que promoveria um sobrecrescimento bacteriano, e este ferro

Ana Rodrigues Falbo Discussão

97

agiria como um catalítico, convertendo o radical superóxido relativamente arreativo em um

radical hidroxil extremamente agressivo e danoso. A conseqüência seria que este ferro

deslocado promoveria o aumento dos radicais livres, que seriam responsáveis pelas

manifestações clínicas do kwashiorkor. O que se postula é que normalmente o ferro é

compartimentalizado de uma forma segura para prevenir o dano tecidual.

Em muitos países, a mortalidade do kwashiorkor permanece muito alta durante a fase de

realimentação. A peroxidação induzida pelo ferro pode ser crucial (DEMPSTER et al.,

1995; MOELESE et al., 1997; ASHWORTH & SCHOFIELD, 1998).

ASHWORTH e colaboradores (1973) demonstraram que crianças em fase de recuperação

de desnutrição absorvem apenas 5,0% do ferro de dietas de massa, e até mesmo uma

pequena infecção, como um resfriado, pode reduzir a absorção para praticamente zero. Em

contrapartida, VASQUEZ e colaboradores (2001) realizaram trabalho também com

crianças na fase de recuperação de desnutrição grave e concluíram que mesmo na presença

de infecção ou inflamação a absorção do ferro não está comprometida.

O Protocolo da OMS preconiza, pelas razões expostas acima, que no tratamento da criança

desnutrida grave o ferro seja iniciado a partir da segunda fase do tratamento, quando a

criança tenha estabilizado o seu estado clínico, superado uma possível infecção e haja

retorno do apetite.

Não houve dificuldade em relação à administração do ferro, a droga estava disponível no

hospital e seu uso foi iniciado no momento e na dose corretos na maioria das crianças

(>90,0%).

A hipovitaminose A é talvez a deficiência de micronutrientes mais séria, podendo produzir

dificuldade visual permanente, até mesmo levando à cegueira. No estado de depleção de

proteínas, a vitamina não pode ser prontamente mobilizada e transportada. Com a

recuperação devido à ingestão adequada de proteínas, o sistema rapidamente se recupera, e

se não houver vitamina A disponível para o metabolismo pode haver a precipitação de

complicações oculares. É importante considerar que a deficiência da vitamina A tem um

papel crucial na evolução dos casos de diarréia, podendo, nesta condição, aumentar o risco

de morte em quase 25,0% (SOLOMONS, 1985; BEATON ,1990; SOMMER, 1995;

BATISTA FILHO, 1999).

Ana Rodrigues Falbo Discussão

98

Postula-se a administração de altas doses da vitamina A no início do tratamento com o

intuito de prevenir este processo, o que ainda é controverso na literatura (DONNEN et al.,

1998).

Segundo a orientação contida no Protocolo da OMS, toda criança desnutrida grave deve

receber uma megadose da vitamina A logo à admissão no hospital.

Todas as crianças do grupo da intervenção do estudo receberam a vitamina A, como

orientado. Em relação ao uso do ácido fólico e das polivitaminas, foram administrados

corretamente em 98,3% dos casos.

Quase todas as crianças desnutridas graves apresentam infecções bacterianas na ocasião da

admissão para tratamento hospitalar. Muitas têm várias infecções causadas por diferentes

organismos. A infecção é normalmente reconhecida como uma resposta orgânica em

termos de febre, leucocitose, formação de pus, taquipnéia etc. Nessas crianças, essas

respostas podem não ocorrer, dificultando o reconhecimento de infecções e colocando em

risco suas vidas (OMS, 2000). A partir desses dados, surgiu a orientação do Protocolo da

OMS (OMS,2000) para a utilização do antibiótico em todas as crianças desnutridas graves

hospitalizadas. Todas as crianças do grupo da intervenção experimental do estudo

receberam antibioticoterapia.

O Protocolo da OMS recomenda que a medicação antiparasitária seja instituída quando a

criança inicie a fase de reabilitação, ou seja, no geral, a partir da segunda semana do

tratamento. Como a nossa região é de alta prevalência para parasitoses intestinais, foi

proposta a administração do mebendazol, após o sétimo dia da admissão hospitalar, se a

criança tinha um ano ou mais de idade e não houvesse recebido droga antiparasitária nos

últimos seis meses. Essa proposta foi realizada em 90,3% das crianças que preencheram os

critérios determinados acima.

Em relação à estimulação emocional e sensorial, não foi possível instituí-la como orientado

no currículo de ludoterapia, com estimulação específica por 15 a 30 minutos por dia para

cada criança. Houve recreação livre com brinquedos e música diariamente. O ambiente

possuía estimulação visual, os berços eram abertos para permitir que as crianças

percebessem todo o ambiente a sua volta. Houve quase sempre a presença da mãe ou de

outra pessoa da família durante o internamento da criança.

Ana Rodrigues Falbo Discussão

99

Em relação ao cumprimento das etapas de tratamento do Protocolo da OMS na prática

clínico-hospitalar, em resumo, constatou-se dificuldades, como previsto antes da realização

do estudo, principalmente em relação a algumas etapas do manejo que incluíam a

monitorização e implicava a presença freqüente de médico ou enfermeira junto à criança.

Esta dificuldade ficou patente quando avaliamos algumas etapas do tratamento da

hipoglicemia, da hipotermia, da desidratação e na infusão de líquidos e hemoderivados.

Merece atenção o fato de o estudo ter sido realizado em um hospital terciário de referência,

tendo, portanto, melhores condições de que outras unidades de saúde da região onde a

desnutrição infantil é um problema freqüente.

Não foi constatada dificuldade em relação à monitorização de outros aspectos do

Protocolo, como da dieta, da presença de vômitos, das evacuações, das freqüências

cardíacas e respiratórias pelo menos uma vez ao dia e do ganho médio de peso a cada três

dias.

Em relação aos recursos materiais de uma forma geral, não houve problema em relação à

disponibilidade e à utilização dos medicamentos, bem como na preparação das fórmulas,

na utilização de aparelhos como balança, antropômetro, termômetro para detectar

hipotermia, termômetro para aferição da temperatura do ambiente e fita reagente para

triagem de hipoglicemia.

Em relação aos recursos humanos, trabalham no serviço doutorandos, médicos residentes,

médicos, residentes de enfermagem, enfermeiras e auxiliares de enfermagem, que

constituem a equipe que dispensa os cuidados aos pacientes internados. O serviço possui

também farmacêuticos e nutricionistas que têm atuação de suma importância, não só no

tratamento da criança desnutrida grave, como também na assistência de todas as crianças

hospitalizadas no serviço.

Não se pode esquecer que, no local onde o problema da desnutrição infantil é de alta

prevalência, normalmente as condições socioeconômicas são precárias e há grande

dificuldade na obtenção dos recursos para se instituir qualquer tratamento na sua forma

ideal. É importante que as condições de cada local onde haja a necessidade de aplicação do

Protocolo sejam levadas em conta e que sejam feitas adaptações para garantir a sua

utilização.

Ana Rodrigues Falbo Discussão

100

Com pequenos ajustes, achamos que as etapas da fase inicial (hospitalar) recomendadas

pelo Protocolo podem ser seguidas sem grande dificuldade, e sem comprometer os

objetivos mais importantes, que são a redução da letalidade e a recuperação nutricional.

Mais de 80,0% (83,7%) das crianças do estudo receberam alta hospitalar, e destas 80,6%

estavam no início da fase de reabilitação nutricional, o que nos fornece indicação de que se

os cuidados fossem mantidos após a alta haveria diminuição importante da ocorrência de

recaída, assegurando assim a continuidade do desenvolvimento físico, mental e emocional

da criança.

Achamos que o estudo traz uma importante contribuição, somando evidências no sentido

da viabilidade da aplicação do protocolo e do resultado positivo na redução da taxa de

letalidade hospitalar da criança com desnutrição grave. Em adição, os resultados revelam e

reforçam a necessidade da implementação de medidas simples que se adequadamente

executadas contribuirão para a melhoria da qualidade na atenção de todas as crianças

hospitalizadas, não só as desnutridas graves, tanto no IMIP como em outros centros do

país.

Em caráter especulativo, considerando-se que metade dos óbitos foram atribuídos a casos

de sepse, pode-se esperar que cuidados adicionais (enfermarias próprias para a internação

de crianças desnutridas graves e intensificação das medidas dos casos previstos no

Protocolo da OMS) pudessem evitar cinco ou seis óbitos ocorridos. Com esta estimativa, a

letalidade hospitalar de crianças com desnutrição grave poderia baixar para valores em

torno de 10,0%, o que configuraria um resultado muito positivo, considerando a situação

atual encontrada no IMIP (FALBO & ALVES, 2002) e em nível internacional (PUOANE

et al., 2001; DEEN et al., 2002).

Reforçamos o fato de que a adequação do manejo durante o tratamento hospitalar deva ser

buscada em todas as unidades de saúde que prestam cuidados a essas crianças.

Com a realização do trabalho, houve a oportunidade para a sensibilização e o envolvimento

de toda a equipe do serviço com o problema, o qual foi redimensionado, passando-se a

compreender que, em que pese a natureza social e econômica da desnutrição, que não deve

ser esquecida, a adequação e a atualização do conhecimento e da prática médica podem de

Ana Rodrigues Falbo Discussão

101

fato ser de grande valor e fazer parte de uma das várias frentes de luta contra a desnutrição

infantil.

O IMIP, como importante centro de formação e treinamento de recursos humanos, deverá

se empenhar em corrigir as falhas ocorridas no primeiro momento da aplicação do

Protocolo da OMS no serviço e repassar a prática e os conhecimentos adquiridos para a

capacitação dos centros e dos profissionais de saúde de outras localidades da região, onde

o atendimento à criança com desnutrição grave seja freqüente e ainda constitua um

desafio.

Por fim, e de forma sintética, deve ser referenciada como um objetivo explícito do

desenvolvimento humano, a aplicação de medidas conjunturais e estruturais que possam

interromper ou reduzir as carências nutricionais e as doenças evitáveis ou curáveis que se

associam à desnutrição, diminuindo o fluxo de casos graves que demandam internação

hospitalar. No setor específico da saúde, isto implica ações seqüenciais e integradas que

precedem a hospitalização, intensificam e especializam os cuidados da assistência

hospitalar e acompanham os egressos após a alta, consolidando a recuperação clínica e a

reabilitação social da criança e da família afetada. É um ciclo completo de cuidados, e não

apenas um tratamento episódico que, mesmo sendo necessário, não se torna suficiente para

abranger a história médica e social da desnutrição.

Ana Rodrigues Falbo Conclusões

102

7. CONCLUSÕES

A taxa de letalidade hospitalar foi menor nas crianças que receberam o tratamento

recomendado pelo Protocolo da OMS para manejo da criança desnutrida grave

hospitalizada do que a observada nas crianças igualmente desnutridas que receberam o

tratamento do protocolo de rotina utilizado no IMIP (odds ratio ajustado de 0,52 –

IC95%: 0,26 a 1,00);

Foi avaliado o cumprimento de 36 etapas do Protocolo da OMS para manejo da criança

desnutrida grave hospitalizada, em 24 delas houve o cumprimento das orientações sem

falhas em mais de 80,0% das crianças. A principal dificuldade encontrada foi em

relação às etapas que incluíam a monitorização da criança e exigiam a presença

freqüente do médico ou da enfermeira junto à criança;

As crianças do grupo controle do estudo apresentaram uma pior condição clínica no

momento da admissão hospitalar, pois o critério de internamento utilizado levava em

conta a gravidade da intercorrência clínica apresentada por essas crianças;

O tempo de permanência hospitalar foi maior no grupo da intervenção experimental do

estudo, no entanto neste grupo foram considerados para definir a alta hospitalar aspectos

da reabilitação nutricional, e não apenas a resolução do problema médico que motivou o

internamento;

Foi constatada a ocorrência de episódios de diarréia (62,3%), de insuficiência cardíaca

congestiva (23,1%) e de infecção hospitalar (29,1%) no grupo da intervenção

experimental do estudo, estando provavelmente estes eventos relacionados à presença

de falhas no manejo. Não foi possível haver comparação desses dados entre os dois

grupos do estudo, pela falta de informações mais detalhadas nas crianças do grupo

controle em relação aos aspectos estudados acima;

A maior parte das crianças (80,6%) do grupo da intervenção experimental do estudo

apresentou o início da recuperação do peso (fase de reabilitação);

O início da fase de reabilitação ocorreu com menos de duas semanas de hospitalização

em 73,3% dos casos;

Ana Rodrigues Falbo Conclusões

103

Dezenove crianças do grupo da intervenção experimental do estudo (19,3%) não

apresentaram o início da recuperação do peso (fase de reabilitação). Foram excluídas

deste grupo as crianças que foram a óbito. Parece provável que a própria condição

clínica da criança tenha sido responsável por este fato;

Foi observada alguma falha no manejo em seis (31,5%) das 19 crianças que foram a

óbito. Este fato sugere que esses óbitos poderiam ter sido evitados com o tratamento

adequado, melhorando assim os resultados obtidos no estudo quanto à taxa de letalidade

hospitalar.

O Protocolo da OMS para manejo da criança desnutrida grave hospitalizada é possível

de ser aplicado mesmo em locais com poucos recursos econômicos, desde que haja

treinamento e empenho da equipe envolvida na assistência às crianças;

Os resultados obtidos no presente estudo confirmam o benefício da incorporação do

conhecimento científico adquirido em relação à desnutrição infantil às propostas de

tratamento contidas no Protocolo da OMS.

Ana Rodrigues Falbo Recomendações

104

8. RECOMENDAÇÕES

Que as orientações para o tratamento contidas no Protocolo da OMS sejam aplicadas em

todos os locais onde ainda se tenha que manejar crianças com desnutrição grave no hospital;

Que as condições de cada local sejam avaliadas para que adaptações sejam feitas no sentido

de viabilizar a aplicação do Protocolo sem comprometer os resultados obtidos;

Que se realize treinamento da equipe de saúde que presta assistência hospitalar a essas

crianças, incluindo: o conhecimento científico que embasa o tratamento, a prática para o

cumprimento das várias etapas e a sensibilização para que haja o empenho de todos;

Que o IMIP, uma vez identificadas as dificuldades na aplicação do Protocolo da OMS,

mobilize esforços no sentido de resolvê-las;

Que o IMIP, como instituição de assistência, ensino e pesquisa, atue como centro de

capacitação para que as orientações do Protocolo da OMS sejam difundidas e aplicadas;

Que os órgãos competentes e os profissionais envolvidos com o problema da desnutrição na

criança busquem recursos para garantir o cumprimento de todas as etapas do referido

Protocolo: a fase inicial (hospitalar), a fase de reabilitação (centro de reabilitação pós-alta) e o

acompanhamento da criança na comunidade.

Ana Rodrigues Falbo Referências Bibliográficas

105

9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ADAPTAÇÃO DO PROTOCOLO OMS PARA MANEJO DA CRIANÇA DESNUTRIDA GRAVE HOSPITALIZADA NO IMIP 1) INTRODUÇÃO: A criança desnutrida grave está propensa a apresentar sérios problemas que a coloca sob risco de vida, como hipoglicemia, hipotermia, infecção e distúrbios hidroeletrolíticos. O seu tratamento no hospital deve ser bem organizado e executado por pessoal adequadamente treinado. 2) CRITÉRIO DIAGNÓSTICO: Para a utilização do protocolo da pesquisa define-se como desnutrição grave a presença de edema em ambos os pés, ou indicador peso/idade < 70% ou < -3DP (aprox. menor que P1),ou indicador peso/altura < -3DP. 3) TRATAMENTO GERAL: O tratamento geral envolve 10 passos divididos em duas fases: uma fase inicial de estabilização (para tratamento de condições médicas agudas) e uma fase mais longa de reabilitação. Esquema para o manejo de uma criança com desnutrição grave Atividade Tratamento inicial

Dias 1-2 dias 3-7 Reabilitação Semanas 2-6

Acompanhamento Semanas 7-26

Tratar ou prevenir Hipoglicemia Hipotermia Desidratação

→ → →

Corrigir distúrbio eletrolítico

→ → →

Tratar infecção → → Corrigir deficiência de Micronutrientes

→ sem ferro → Com ferro→

Começar a alimentação → → Aumentar a alimentação p/ recuperar o peso perdido

→ → → →

Estimular o desenvolvimento emocional e sensorial

→ → →

Preparar p/ alta →

3.1) HIPOGLICEMIA Hipoglicemia e hipotermia usualmente ocorrem juntas e são freqüentemente sinais de infecção. Checar hipoglicemia sempre que houver hipotermia. Toda criança no momento da admissão deve realizar o teste de triagem para detectar hipoglicemia (dextrostix). Diagnóstico: glicemia (dextrostix) < 50 mg/dl (se não pode ser medida, assumir que toda criança desnutrida grave tem hipoglicemia). Sinais clínicos de hipoglicemia: hipotermia, letargia, incoordenação, perda de consciência. Sudorese e palidez não ocorrem na criança desnutrida grave. O único sinal pode ser a sonolência. Tratamento: • Se o paciente pode beber, dar 50 ml de glicose a 10% ou solução de

sacarose (1 colher de chá de açúcar em 3 e ½ colheres de sopa de água) por via oral ou sonda gástrica, e iniciar a primeira alimentação assim que esteja disponível (F75). Vigiar a criança.

• Alimentar a cada 2 horas (dia e noite), pelo menos no primeiro dia (F75) (apêndice 1).

• Dar antibióticos indicados (ver adiante) • Se a criança não pode beber (inconsciência, convulsão,...): utilizar SOG

(sonda orogástrica), mesmo volume dado por VO, se não for possível dar 5 ml/kg de SG (soro glicosado) 10% IV.

Monitorização: Se a medida inicial da glicemia foi baixa, repetir com 30 minutos. Uma vez tratadas a maioria das crianças estabiliza com 30 minutos. • Se a glicemia (dextro) está baixa ou a criança se torna sonolenta, repetir a

glicose a 10% ou a solução de sacarose. • No acompanhamento na enfermaria repetir o dextro sempre que houver

hipotermia e/ou queda do nível de consciência, e tratar de acordo. Prevenção: • Alimentar a cada 2 ou 3 horas (mesmo durante a noite). Se necessário,

hidratar a criança antes.

3.2) HIPOTERMIA Hipotermia é associada com o aumento da mortalidade na criança desnutrida grave, daí porque necessita ser controlada. A alimentação freqüente é parte importante da sua prevenção. Diagnóstico: temperatura axilar < 35o C ou se não se consegue registro assumir que há hipotermia. Tratamento: • Alimentar a criança imediatamente (se necessário reidratar antes) • Manter a criança vestida, incluindo a cabeça. Cobri-la com cobertor

aquecido ou colocá-la sob lâmpada, ou colocá-la pele-à-pele com a mãe e cobri-las com cobertor ou roupas aquecidas (técnica canguru).

• Dar antibióticos apropriados (ver adiante). Monitorização: • Aferir a temperatura da criança a cada 2 horas até que chegue a 36.5o C • Ter certeza de que a criança está coberta todo tempo (incluindo a cabeça),

especialmente à noite • Checar para hipoglicemia sempre que houver hipotermia Prevenção: • Alimentar a criança a cada duas horas, iniciando assim que possível • Dar alimentos durante a noite • Colocar o berço em local aquecido e manter a criança coberta • Trocar roupas molhadas, para manter a criança sempre seca • Prevenir exposição da criança ao frio (durante o banho, exame físico, etc...) • Permitir a permanência da criança junto da mãe, para melhorar o

aquecimento

3.3) DESIDRATAÇÃO / CHOQUE SÉPTICO Desidratação: Diagnóstico: O diagnóstico e a gravidade da desidratação tendem a ser, superestimadas, na criança desnutrida grave, pela dificuldade de utilização dos sinais clínicos nessas crianças. Assumir, que toda criança com diarréia tem algum grau de desidratação (hipovolemia pode existir na presença de edema) Tratamento: • Não utilizar a via venosa exceto em casos de choque (c/ letargia ou

inconsciência) • Utilizar a solução de reidratação especial para a criança desnutrida

(ReSoMal / apêndice 2) por via oral (VO) ou sonda gástrica (SOG), mais lentamente do que na criança normal. Dar 5 ml/kg cada 30 minutos durante as primeiras 2 horas. Após dar 5-10 ml/kg/hora durante as próximas 4-10 horas (vide esquema abaixo). A quantidade exata de líquido vai depender de quanto é aceito pela criança, do volume fecal e se há vômitos

• Reidratação venosa: solução glicofisiológica (1:1) 15 ml/kg IV em 1 hora (monitorizar sinais de hiperidratação). Pode-se paralelamente dar ReSoMal por SOG enquanto o equipo está sendo instalado. Reavaliar com 1 hora: se houver melhora: repetir o tratamento 15 ml/kg em 1 hora. Se a criança não melhora após a 1a fase IV: tratar como choque séptico.

• Avaliar o progresso da hidratação a cada duas horas, e seguir a seguinte orientação: 1) Se a criança hidratou satisfatoriamente, reiniciar a dieta conforme indicado e fazer ReSoMal 10 ml/kg por VO ou SOG só após cada evacuação diarreica. 2) Se melhorou, mas ainda não hidratou satisfatoriamente, prosseguir com a TRO com a ReSoMal por VO ou por SOG 10 ml/kg/hora por até 10 horas. 3) Se a criança piorou, surgindo sinais de desidratação grave com letargia ou inconsciência, fazer hidratação venosa como orientado acima.

• Se a reidratação ainda está ocorrendo na 6o e 10o horas, oferecer a fórmula F-75 (apêndice 1), ao invés da ReSoMal, nos mesmos volumes da solução de reidratação

• Após hidratação iniciar dieta com a fórmula F-75 (apêndice 1)

Monitorização: Estar alerta aos sinais de hiperidratação, que é extremamente perigosa e pode levar a insuficiência cardíaca. Checar: • Freqüência respiratória • Pulso (FC) • Freqüência urinária • Freqüência de evacuações e vômitos Durante o tratamento a freqüência respiratória e o pulso (FC) devem diminuir e a criança começar a urinar. A persistência de respiração rápida e pulso rápido sugerem coexistência de infecção ou hiperidratação. Se há sinais de hiperidratação, suspender a ReSoMal imediatamente e reiniciar após 1 hora. Prevenção: • Continuar a amamentação, se for o caso • Realimentar com a fórmula F-75 (apêndice 1) • Dar ReSoMal 10 a 15 ml/kg após cada evacuação diarreica OBS: é comum a criança desnutrida ter fezes de consistência diminuída que não requer reposição de líquidos, não confundir com diarréia profusa. Choque Séptico Todas as crianças com desnutrição grave com sinais de choque séptico incipiente ou desenvolvido devem ser tratadas para choque séptico. QC: • Sinais de desidratação, mas sem uma história de diarréia • Hipotermia e/ou hipoglicemia • Edema e sinais de desidratação Tratamento geral:

• Início imediato de antibióticos de largo espectro • Aquecimento / evitar exposição • Manuseio mínimo • Não dar ferro

Choque séptico incipiente: • Alimentar para prevenir hipoglicemia com F75 (apêndice 1) e mistura de

minerais (apêndice 3).

Choque séptico desenvolvido: • Hidratação venosa: SGF 15ml/kg/h: vigiar sinais de hiperidratação e ICC • Assim que a criança melhorar (pulso, consciência,...): continuar hidratação

por VO ou SOG, como descrito antes • Se houver sinais de ICC e a criança não melhorar após 1 hora: fazer

concentrado de hemácias 10 ml/kg em 3 horas, se não houver sangue, fazer plasma

• Se sinais de insuficiência hepática (púrpura, icterícia, hepatomegalia,...): fazer vitamina K 1 mg por via IM

• Durante infusão de hemoderivados, não infundir outros líquidos. Se sinais de ICC: fazer diuréticos e diminuir velocidade de infusão

• Após transfusão: F75 por SOG • Se houver distensão abdominal ou vômitos: diminuir velocidade da dieta.

Se não resolver, suspender a dieta: solução glicofisiológica (SGF) 2 a 4 ml/kg/hora IV e 2 ml de sulfato de magnésio 50% por via IM

3.4) DISTÚRBIO ELETROLÍTICO • Toda criança desnutrida grave tem deficiência de potássio e magnésio, que

levará duas ou mais semanas para correção. • Edema resulta parcialmente dessas duas deficiências. • Não tratar edema com diuréticos • Excesso de sódio corporal existe, mesmo com sódio plasmático baixo.

Grandes cargas de sódio podem matar a criança. Tratamento: • Dar potássio extra (3-4 mEq/kg/dia) • Dar magnésio extra (0.4-0.6 mEq/kg/dia) O potássio, magnésio, sódio, zinco e o cobre devem ser adicionados à dieta durante a sua preparação (ver apêndice 3 para receita da solução combinada de eletrólitos mais minerais). Adicionar 20 ml dessa solução para um litro da dieta, para suprir a quantidade requerida).

• Durante a reidratação utilize a solução com baixo conteúdo de sódio (ReSoMal)

• No preparo dos alimentos não adicionar sal 3.5) INFECÇÃO Assumir que toda criança desnutrida grave tem infecção à admissão hospitalar. Hipoglicemia e hipotermia são sinais freqüentes de infecção grave. Tratamento:

• Administrar antibióticos de amplo espectro Escolha do ATB:

� Se não há complicação: cotrimoxazol por 5 dias � Se há complicação (hipoglicemia, hipotermia, criança letárgica, etc...):

Ampicilina (200 mg/kg/dia 6/6 horas) IV ou IM por 2 dias, após amoxicilina (45mg/kg/dia 8/8 horas) por 5 dias ou ampicilina oral (200mg/kg/dia 6/6 horas) por 5 dias, no total de 7 dias e gentamicina (7,5 mg/kg uma vez ao dia) por 7 dias.

� Se a criança não melhora em 48 horas, acrescentar cloranfenicol (75 mg/kg/dia 8/8 horas) por 5 dias.

• Se há suspeita de meningite, realizar LCR (se possível) e tratar conforme a rotina do serviço (IMIP).

• Se há identificação de patógenos específicos, dar ATB apropriados. • Avaliar a possibilidade da existência de tuberculose associada • Se há evidência de parasitose ou o local é de alta prevalência, e a

criança tem 1 ano ou mais de idade e não recebeu droga antiparasitária nos últimos 6 meses, dar mebendazol (100 mg 2 vezes ao dia) por 3 dias , após o 7o dia de admissão.

Monitorização: Se há anorexia após o curso de ATB programado, continuar o tratamento até 0 10o dia, e se após ainda persistir anorexia, reavaliar a criança para possíveis agentes resistentes e checar administração correta de vitaminas e minerais.

3.6) DEFICIÊNCIA DE MICRONUTRIENTES : Não dar ferro inicialmente, esperar que a criança recupere o apetite e inicie o ganho de peso. Tratamento: Dar diariamente por pelo menos 2 semanas: • Suplemento multivitamínico (apêndice 4) • Ácido fólico (5 mg no 1o dia e após 1 mg/dia) • Ocorrendo o ganho de peso, iniciar sulfato ferroso (3 mg ferro

elemento/kg/dia). • Dar vitamina A por via oral no 1o dia da admissão:

� crianças < 6 meses 50.000 UI � Entre 6-12 meses 100.000 UI � Criança acima de 12 meses 200.000 UI

O zinco e o cobre podem ser combinados com o potássio e o magnésio numa solução de eletrólitos e minerais (apêndice 3) e adicionados a ReSoMal ou à dieta.

3.7) ANEMIA GRAVE Uma transfusão de sangue é requerida se: • Hb é < 4 g/dl • Hb está entre 4 a 6 g/dl e a criança apresenta dados de repercussão

hemodinâmica (↑ FC e FR) • Volume: 10 ml/kg, o mais lentamente possível. • Furosemide: 1 mg/kg IV no início da transfusão • Monitorizar a FC e FR no início, na metade e no final da transfusão, se

houver aumento, transfundir ainda mais lentamente. • Se após a transfusão a Hb continuar a baixar, não repetir a transfusão senão

após 4 dias 3.8) ALIMENTAÇÃO INICIAL: Iniciar a dieta tão logo possível após a admissão. • Quantidades pequenas e freqüentes de baixa osmolaridade e baixa

concentração de lactose • Alimentar por via oral ou sonda gástrica • 100 cal/kg/dia (80 –100)

• Proteína: 1-1.5 g/kg/dia • Líquidos: 130 ml/kg/dia (100 ml/kg/dia se há edema grave)

� Se a criança está sendo amamentada, continuar, mas dar as quantidades programadas da fórmula inicial antes (fórmula inicial F75: 75 cal /100 ml e 0.9 g de proteína /100ml)

� Para crianças com bom apetite e sem edema o horário pode ser completado em 2-3 dias.

� Colocar a mãe ou outra pessoa responsável para ajudar com a dieta � Alimentação durante à noite é essencial para prevenir longos períodos

de jejum. � Se a ingesta da criança não atingir 80 cal/kg/dia, dar o complemento por

sonda gástrica (não exceder 100 cal/kg/dia nessa fase inicial)

Monitorização: Monitorar e anotar: • Quantidades da dieta oferecidas e deixadas • Vômitos • Freqüência e consistência das fezes • Peso corporal diário

3.9) RECUPERAÇÃO DO CRESCIMENTO (CATCH-UP): Uma abordagem cuidadosa é requerida para garantir uma alta ingesta e rápido ganho de peso: >10 g/kg/dia. Estar alerta para prevenir o risco de ICC Tratamento: Fazer uma transição gradual da fórmula inicial para a fórmula de recuperação • Substituir a F 75 por igual quantidade da fórmula de recuperação (catch-

up) F 100 (100 cal/100 ml e 2.9 g de proteína por 100 ml / apêndice1) por 2 dias

• Aumentar cada dieta sucessiva em 10 ml até algum resto de comida ser deixado pela criança, (o que ocorrerá em torno de 200 ml/kg/dia) e passar o intervalo para de 3 em 3 horas

• Após a transição gradual dar: alimentações freqüentes em quantidades ilimitadas; 150-220 cal/kg/dia; 4-6 g/kg/dia de proteína.

• Se a criança está sendo amamentada, continuar, mas dar antes a quantidade programada de F100

Monitorização: Prevenir ICC: monitorar sinais precoces de ICC (↑ da FC e FR). Se há aumento de ambos: FR ↑ em 5 ipm e FC em 25 bpm e esse aumento é mantido em 2 aferições sucessivas com intervalo de 4 horas: • Reduzir o volume da dieta para 100 ml/kg/dia por 24 horas • Após aumentar vagarosamente: 115 ml/kg/dia nas próximas 24 horas, 130

ml/kg/dia nas 48 horas seguintes, após aumentar cada dieta em 10 ml, como descrito acima.

Avaliar o progresso: • Pesar a criança toda manhã antes da dieta e anotar • Calcular o ganho ponderal em g/kg/dia a cada 3 dias

Se o ganho de peso é: Pobre: <5 g/kg/dia, a criança requer uma reavaliação completa Moderado: 5-10 g/kg/dia, checar se a ingesta está sendo adequada ou se há infecção associada 3.10) ESTIMULAÇÃO SENSORIAL E SUPORTE EMOCIONAL: A criança desnutrida necessita em especial, de interação com outras crianças e adultos. Daí, oferecer: • Tratamento com carinho • Ambiente com estimulação adequada • Recreação 15-30 minutos por dia • Envolvimento materno, tanto quanto possível CRITÉRIOS PARA A ALTA HOSPITALAR: • Cura da doença que motivou o internamento ou possibilidade de continuar

o tratamento ambulatorialmente e • A criança estar aceitando bem a quota programada da dieta pela boca e • A criança vir apresentando um ganho médio de peso (GMP) > 10 g/kg/dia

durante os 3 últimos dias

Apêndice 1 Preparação das dietas F-75 e F-100 Ingrediente F-75 F-100 Leite integral 35 g 110 g Açúcar 100 g 50g Óleo vegetal 20g 30g Mistura de minerais 20 ml 20 ml Água para completar 1000 ml 1000 ml Apêndice 2 Composição da solução de sais de reidratação oral para crianças gravemente desnutridas (ReSoMal) Componente Concentração (mmol) Glicose 125 Sódio 45 Potássio 40 Cloreto 70 Citrato 7 Magnésio 3 Zinco 0.3 Cobre 0,045 Osmolalidade 300 Apêndice 3 Composição da solução combinada de eletrólitos Substância Quantidade Cloreto de potássio 89,5g Citrato tripotássio 32,4g Cloreto de magnésio 30,5g Acetato de zinco 3,3g Sulfato de cobre 0,56g Selenato de sódio 10mg Iodide de potássio 5mg Água Pura 1000ml

Apêndice 4 Polivitamínico (Protovit) Composição (1ml=24 gotas) Vitamina A 5000 UI Vitamina B1 4,0mg Vitamina B2 1,0mg Vitamina PP 10,0mg Vitamina B6 1,0mg Vitamina B5 10,0mg Vitamina H 0,1mg Vitamina C 50,0mg Vitamina D 1000UI Vitamina E 3,0mg

ANEXO 1

ADAPTAÇÃO DO PROTOCOLO OMS PARA MANEJO DA CRIANÇA DESNUTRIDA GRAVE HOSPITALIZADA NO IMIP

RECIFE 2001

ANEXO 2 TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO I. Dados de identificação do sujeito da pesquisa ou responsável legal 1. Nome do paciente: Sexo:

Data de nascimento: Endereço: Telefone:

2. Responsável legal: Natureza (grau de parentesco, tutor, curador, etc.): Documento de identidade: Sexo: Data do nascimento: Endereço: Telefone:

II. Dados sobre a pesquisa científica 1. Título da pesquisa: “Aplicação do protocolo da Organização Mundial da Saúde (OMS) na evolução

clínica de crianças hospitalizadas com desnutrição grave no Instituto Materno Infantil de Pernambuco HGP/IMIP”

2. Pesquisador: Dra. Ana Rodrigues Falbo Cargo/função: Médica pediatra clínica do serviço do IMIP, doutoranda da ENSP/IMIP Inscrição conselho regional: 7856 Endereço: rua Conselheiro Nabuco no 363, apto 502, Casa Amarela, Recife, PE Telefones: 32681075 / 99765462

3. Avaliação do risco da pesquisa: Risco mínimo (probabilidade de que o indivíduo sofra algum dano como conseqüência imediata ou tardia do estudo)

4. Duração da pesquisa: o critério de alta hospitalar da criança será quando houver a resolução do problema clínico ou doença

presente na admissão, quando a criança estiver comendo bem pela boca cumprindo a quota alimentar prevista, e estiver apresentando um ganho médio de peso > ou igual a 10g/kg/dia por pelo menos 3 dias consecutivos. O alcance dessas metas vai depender da evolução de cada criança, inclusive será uma das variáveis analisadas pelo estudo (tempo de permanência hospitalar) III. Registro das explicações do pesquisador ao paciente ou seu representante legal sobre a pesquisa: 1. Justificativa e os objetivos da pesquisa:

Em virtude da alta taxa de mortalidade hospitalar verificada nestas crianças, pela sua condição de vulnerabilidade secundária à desnutrição grave que apresentam, decidimos aplicar uma proposta terapêutica que sugere uma forma de tratamento sem o uso de drogas novas ou procedimentos novos e invasivos, e que todas as evidências científicas apontam no sentindo de um benefício, que se traduz na redução da taxa de mortalidade hospitalar dessas crianças.

O objetivo principal da pesquisa é, portanto, avaliar a aplicação do protocolo da OMS para tratamento da criança com desnutrição severa hospitalizada, em relação à taxa de letalidade hospitalar que espera-se sofra uma redução de 38% para 15%.

2.Procedimentos utilizados: Será aplicado o protocolo da OMS para tratamento da criança com desnutrição grave hospitalizada,

com algumas modificações que foram efetuadas para adaptação às condições locais e garantir a aplicabilidade do referido protocolo.

O protocolo baseia-se sobretudo na monitorização clínica (utilizando um mínimo possível de exames laboratoriais) da criança, enfatizando o diagnóstico, tratamento e prevenção da hipoglicemia (baixa de açúcar no sangue), hipotermia (baixa de temperatura), infecção, desidratação (perda de água geralmente secundária à vômitos ou diarréia), outros distúrbios eletrolíticos (alguns constituintes do sangue). No tratamento dessas condições não será utilizado nenhuma droga ou procedimento novo, que já não tenha sido testado.

O protocolo orienta que as crianças que apresentam anemia grave e/ou com repercussão para o organismo devam ser tratadas com transfusão de sangue.

A recuperação nutricional (peso), baseia-se na utilização de fórmulas de leite que contém: leite integral, açúcar, óleo e uma mistura de minerais ( que contém: potássio, sódio, magnésio, zinco e cobre).As vitaminas serão dadas à parte, sob a forma de suplemento polivitamínico.

O acompanhamento da evolução do peso será feito pela pesagem diária das crianças, com registro em um gráfico.

Todas as crianças com 1 ano ou mais de idade receberão tratamento para parasitose intestinal (verminose), algumas durante o internamento e outras receberão o medicamento no momento da alta hospitalar.

Como parte da estimulação sensorial, as crianças terão um período durante o dia para recreação e ludoterapia, individual e em grupo, tarefa que será realizada por um grupo de pessoas voluntárias (estudantes universitários), que prestam serviços à instituição.

A aplicação do protocolo de tratamento da OMS, não acrescenta nenhum risco e/ou desconforto adicional, que já não estivessem relacionados às causas que motivaram o internamento para o tratamento hospitalar. IV. Esclarecimentos dados pelo pesquisador sobre garantias do sujeito da pesquisa: Os pais ou responsáveis legais pela criança terão: 1. Acesso a qualquer tempo, às informações sobre procedimentos, riscos e benefícios relacionados à

pesquisa, com o intuito de esclarecer qualquer dúvida 2. Liberdade de retirar o seu consentimento a qualquer momento e de deixar de participar do estudo,

sem que isto traga prejuízo à continuidade da sua assistência. 3. Garantido o sigilo e sua privacidade. 4. Disponibilidade de assistência no IMIP, por eventuais danos à saúde, decorrentes da pesquisa. 5. Viabilidade de indenização por eventuais danos à saúde decorrentes da pesquisa V. Consentimento livre e esclarecido: Declaro que, após convenientemente esclarecido pela equipe da pesquisa e ter entendido o que me foi explicado, consinto em participar do presente estudo de pesquisa. Recife, de de 2001 ________________________________ Assinatura dos pais ou responsável legal _____________________ Assinatura do pesquisador

ANEXO 3 a PESQUISA PROTOCOLO OMS FORMULÁRIO PARA REGISTRO DE DADOS Formulário número: Registro: Nome: Data do nascimento: Data da admissão: Data da alta/óbito: 1)Evolução: 1)Alta 2)Óbito com < ou = 10 dias de permanência hospitalar 3)Óbito com > 10 dias de permanência hospitalar 2)Tempo de permanência hospitalar:

1) < 1 semana 2) 1 a 2 semanas 3) 2 a 3 semanas 4) ≥ 3 semanas

9)Sem info 3)Hipoglicemia na admissão: 1)Sim 2)Não 9)Sem info 4)Episódios de hipoglicemia durante a evolução:

1)Nenhum 2)1 3)2 4)≥3 9)Sem info

5)Hipotermia na admissão: 1)Sim 2)Não 9)Sem info 6))Episódios de hipotermia durante a evolução: 1)Nenhum 2)1 3)2 4)≥3 9)Sem info 7)Episódios de ICC (hiperidratação): 1)Nenhum 2)1 3)2 4)≥ 3 9)Sem info

8)Episódios de diarréia: 1)Nenhum

2)1 3)2 4)≥ 3 episódios 9)Sem info

9)Esquema ATB na admissão: 1) Sulfa 2) Amoxicilina ou ampicilina 3) Esquema para sepse (ampicilina e gentamicina, outros)

ANEXO 3 PESQUISA PROTOCOLO OMS FORMULÁRIO PARA REGISTRO DE DADOS Formulário número: Registro: Enfermaria: Nome: Data do nascimento: Data da admissão: Data da alta / óbito: Tempo de permanência hospitalar: 1) sexo:

1) Masculino 2) Feminino

2) Idade: (colocar a idade ao lado da resposta) 1) 1m a 6m 2) 6m a 12m 3) 12m a 24m 4) ≥ 24m 9) Sem info

3) Peso:________ 4) Comprimento/Altura:__________ 5) Indicador nutricional:__________ 6) Evolução:

1) Alta 2)Óbito

7) Idade da mãe: (colocar a idade ao lado da resposta) 1) < 19 anos 2) 19 a 30 anos 3) 30 a 40 anos 4) ≥ 40 anos 9) Sem info

8)Escolaridade da mãe: (colocar os anos de escolaridade ao lado de cada resposta) 1) Ensino fundamental completo 2) Ensino fundamental incompleto 3) Ensino médio completo 4) Ensino médio incompleto 5) Ensino superior completo 6) Ensino superior incompleto 7) Nenhuma 8) Sem info (9)

9) Paridade da mãe: (colocar o número de filhos ao lado de cada resposta) 1) 1 a 2 filhos 2) 2 a 4 filhos 3) 4 a 6 filhos 4) ≥ 6 filhos 9) Sem info

10) Local da residência: 1) Zona da mata 2) Agreste 3) Sertão 4) RMR 9) Sem info Nome da cidade:_______________________

11) Tipo de habitação: 1) Taipa/madeira 2) Alvenaria 3) Outros :__________________________ 9) Sem info

12) Água encanada no domicílio: 1) Sim 2) Não 9) Sem info

13) Fossa séptica/esgotamento sanitário: 1) Sim 2) Não 9) Sem info

14) Renda: (colocar o valor ao lado de cada resposta) 1) < 1 SM 2) 1 a 2 SM 3) 2 a 3 SM 4) > 3 SM 5) Sem info (9)

15) Gestação: (colocar o número de semanas ao lado de cada resposta) 1) Pré-termo 2) A termo 3) Pós-termo 9) Sem info

16) Amamentação: (colocar o tempo ao lado de cada resposta) 1) Nunca mamou 2) < 1 m 3) 1 a 2 m 4) 2 a 4 m 5) 4 a 6 m 6) ≥ 6 m 9) Sem info

17) Vacinas: 1) Nenhuma 2) Esquema completo para idade 3) Esquema incompleto para idade 9) Sem Info

18) Internamento atual por diarréia: 1) Sim 2) Não

9) Sem info

19) Doença de base (cardiopatia, pneumopatia crônica, síndrome genética, doença neurológica, etc. inclusive HIV):

1) Sim:___________________ 2) Não 9) Sem info

20) Edema (no mínimo simétrico no dorso dos pés) à admissão: 1) Sim 2) Não 9) Sem info

21) Estado de hidratação à admissão : 1) Hidratado 2) Desidratado do 1o grau 3) Desidratado do 2o grau 4) Desidratado do 3o grau 9) Sem info

22) Sinais de choque à admissão: (hipotermia, pulsos fracos, ↓ consciência,etc.) 1) Sim 2) Não 9) Sem info

23) Anemia (Hb) durante o internamento: (primeira dosagem realizada) 1) < 4 g % 2) 4 a 6 g% 3) 6 a 8 g% 4) 8 a 10 g% 5) ≥ 10 g% 9) Sem info

24) A criança apresentou dados sugestivos de infecção hospitalar (QC compatível com infecção após 48 horas do internamento, hemocultura ou outra cultura positiva com germe hospitalar,etc.): 1) Sim: dados:___________________________________

2) Não 9) Sem Info

25) A criança apresentou sinais de choque séptico (desidratação sem perdas, hipotermia, hipoglicemia, edema com desidratação,etc.) 1) Sim

2) Não 9) Sem Info

26) Hemoderivados: 1) Sim:_____________________________ 2) Não 3) Sem Info

27) Uso de diurético no início da hemotransfusão: 1) Sim 2)Não 3)NSA 9) Sem Info

28) Uso de antibiótico (s) durante o internamento: 1) Sim:____________________ 2) Não 3) Sem info

29) A dieta foi iniciada após a admissão da criança: (colocar o tempo ao lado de cada resposta)

1) Antes de 2 horas 2) Entre 2 a 4 horas 3) Após 4 horas 9) Sem Info

30) Tempo requerido para que a criança inicie o processo de recuperação do peso (catch-up): 1) < 1 semana

2)1 a 2 semanas 1) > 2 semanas 9) Sem Info

ANEXO 6

PESQUISA PROTOCOLO OMS Planilha de Ingestão Diária de Alimentos e líquidos

Nome:_________________________________________ Prontuário:_________________ Sexo:_____ Formulário:___________ Data de nascimento:_______________ Data de admissão:_______________ Indicador nutricional:___________ Leito:_______ Data : Dia de protocolo: Alimentação:_______ refeições de_______ ml cada = __________ ml por dia

Peso: Cal/dia: Cal/kg/dia: Quota hídrica: Hora Tipo de alimentação Quantidade

oferecida (ml) Quantidade ingerida (ml)

Via de alimentação

SRO Hora

SRO Volume

Total Total Total Total Total Observações:

ANEXO 7 PESQUISA PROTOCOLO OMS GRÁFICO PARA ACOMPANHAMENTO DO PESO NOME: FORMULÁRIO: SEXO: COMPRIMENTO/ALTURA: PESO NA ADMISSÃO: INDICADOR NUTRICIONAL: PESO NA ALTA: .5 .0 .5 .0 .5 .0 Dia 0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 22 24 26 28

ANEXO 4 PESQUISA PROTOCOLO OMS Planilha de Acompanhamento de dados clínicos do Paciente Nome: ________________________________________ Prontuário : ______________ Sexo:_____ Formulário:____________ Data de nascimento:_______________ Data de admissão:_______________ Indicador Nutricional: ________Leito:________

Data

Evacuações

Sg. nas fezes

Desidratação

Choque

Dist. Abd.

Epis. vômitos

Epis. diurese

FC

FR

∆∆∆∆Temperatura

Dextro/Glic.

Peso (g)

GMP

GMP (ganho médio de peso)

ANEXO 5 PESQUISA PROTOCOLO OMS

Planilha de acompanhamento da terapêutica e exames laboratoriais do paciente Nome:___________________________________________Prontuário:______________ Sexo:_____ Formulário:______________ Data de nascimento:_____________ Data da admissão:_________________ Indicador Nutricional: _________Leito:__________ Data Polivitamínico Ácido fólico Vit. A ATB Ferro oral Mebendazol Outras drogas Hemoderivad. Furosemide Uso de O2 Hb Sódio Potássio RA Cálcio Magnésio Urocultura Hemocultura Outros Exs.

ANEXO 8 FORMULÁRIO PARA VERIFICAÇÃO DA APLICAÇÃO DO PROTOCO LO DA OMS: NOME: REGISTRO: FORMULÁRIO: ENFERMARIA / LEITO: DATA DA ADMISSÃO: DATA: DIA DE INTERNAMENTO: HIPOGLICEMIA : 1. 2. O paciente foi checado para hipoglicemia (dextro ou glicemia) na admissão:

1. Sim 2. Não

2. Foi tratado p/ hipoglicemia segundo o protocolo OMS: 1. Sim p/ VO 2. Sim p/ SOG 3. Sim p/ via IV 4. Não 5. NSA

3.A monitorização após o tratamento foi correta: 1. Sim 2. Não 3. NSA

HIPOTERMIA: 4. A temperatura do ambiente foi aferida na maioria dos dias de permanência do hospital:

1. Sim 2. Não

5. A temperatura do ambiente esteve fora do limite indicado (25 a 30oC): 1. Sim: Número de dias: 2. Não

6. A temperatura da criança foi aferida nas 24 horas, na maioria dos dias: (colocar o horário da aferição)

1. 1 vez 2. 2 vezes 3. 3 vezes ou mais 4. Nenhuma vez

7. Se houve hipotermia, a temperatura da criança foi aferida a cada 2 horas até a normalização:

1. Sim 2. Não 3. NSA

8. Se houve hipotermia, a criança foi checada p/ hipoglicemia (dextro): 1. Sim 2. Não 3. NSA

9. Se houve hipotermia, a criança foi alimentada a cada 2 horas: 1. Sim 2. Não 3. NSA

DESIDRATAÇÃO: 10. Foi utilizada a ReSoMal:

1. Sim 2. Não 3. NSA

11. O volume da ReSoMal utilizado foi o orientado pelo protocolo OMS: 1. Sim 2. Não 3. NSA

12. Tempo necessário p/ reidratar a criança: 1. Menor q/ 6 horas 2. 6 a 10 horas 3. 10 a 12 horas 4. ≥ 12 horas 5. NSA

13. Se a reidratação ainda estava ocorrendo até a 6o e 10a horas foi oferecida nestes horários F75 nos mesmos volumes da ReSoMal:

1. Sim 2. Não 3. NSA

14. Após a reidratação foi iniciada dieta com a fórmula adequada (F75 ou F100,conforme indicado):

1. Sim 2. Não 3. NSA

15. O progresso da hidratação foi monitorizado a cada 2 horas (FC, FR, diurese, evacuações e vômitos):

1. Sim 2. Não 3. NSA

16. Se houve sinais de hiperidratação a ReSoMal foi suspensa e reiniciada após 2 horas: 1.Sim

2.Não 3.NSA

17. A ReSoMal foi oferecida no volume de 10 a 15 ml/kg após cada evacuação diarreica, p/ repor as perdas fecais: 1.Sim

2.Não 3.NSA

DISTÚRBIO ELETROLÍTICO: 18. A criança recebeu potássio extra: 3-4mEq/kg/dia (fórmula Láctea) na maioria dos dias:

1. Sim 2. Não

19. A criança recebeu magnésio extra: 0.4-0.6mEq/kg/dia (fórmula Láctea) na maioria dos dias: 1.Sim

2.Não 20. A criança recebeu dieta sem sal de adição: 1.Sim

2.Não INFECÇÃO: 21. A criança recebeu ATB desde a admissão:

1. Sim:_________________________________ 2. Não

22. Foi feito mebendazol em dose de rotina após o 7o dia de admissão: 1. Sim 2. Não 3. NSA

DEFICIÊNCIA DE MICRONUTRIENTES: 23. Foi oferecido ferro na 1a semana de tratamento:

1. Sim 2. Não

24. Recebeu diariamente, nas doses recomendadas pelo protocolo OMS (por pelo menos 2 semanas), suplemento multivitamínico e ácido fólico:

1.Sim 2.Não

25. O ferro foi iniciado a partir da 2a semana de tratamento: 1. Sim 2. Não 3. NSA

26. A criança recebeu a vitamina A nas doses recomendadas pelo protocolo OMS: 1. Sim 2. Não

ANEMIA SEVERA: 27. O volume do sangue transfundido foi de 10 ml/kg:

1. Sim 2. Não 3. NSA

28. Durante a hemotransfusão a FC e FR foram monitorizadas, no início, no meio e no final da transfusão:

1. Sim 2. Não 3. NSA

29. Se após a transfusão a Hb continuou a baixar, só houve nova transfusão após o 4o dia da realização da primeira :

1. Sim 2. Não 3. NSA

30. No início da transfusão foi feito furosemide 1mg/kg/dose IV: 1. Sim 2. Não 3. NSA

ALIMENTAÇÃO INICIAL: 31. Fórmula alimentar recebida pela criança:

1. F75 2. F100 3. Outra:______________________

32. Quota calórica recebida pela criança na fase inicial: 1. Menos que 80Cal/kg/dia 2. 80-100Cal/kg/dia 3. >100Cal/kg/dia

33. Quota calórica recebida pela criança na fase de recuperação: 1. Menos que 80Cal/kg/dia 2. 80 – 100 Cal/kg/dia 3. 100 – 150 Cal/kg/dia 4. 150 – 220 Cal/kg/dia 5. > 220Cal/kg/dia

34. Foram monitorizadas as quantidades da dieta oferecidas e deixadas pela criança: 1. Sim 2. Não

35. Foi monitorizada a presença de vômitos: 1. Sim 2. Não

36. Foram monitorizadas a freqüência e consistência das evacuações: 1. Sim 2. Não

37. Foi monitorizado o peso corporal diário:

1. Sim 2. Não

ALIMENTAÇÃO P/ RECUPERAÇÃO DO CRESCIMENTO: 38. A F75 foi substituída por igual quantidade da F100 por um período de 2 dias:

1. Sim 2. Não

39. A dieta foi aumentada em 10 ml a cada alimentação até resto ser deixado pela criança (em torno de 200 ml/kg/dia):

1. Sim 2. Não

40. Foram monitorizados sinais de ICC (↑ FC e da FR): 1. Sim 2. Não

41. Se a criança apresentou sinais de ICC, o volume da dieta foi reduzido p/ 100 ml/kg/dia por 24 horas:

1. Sim 2. Não 3. NSA

42. O ganho de peso da criança foi calculado em g/kg/dia a cada 3 dias: 1. Sim 2. Não

ANEXO 9 MANIPULAÇÃO DA SOLUÇÃO DA MISTURA DE MINERAIS Departamento de Assistência Farmacêutica Procedimento Operacional Padrão 1. VIDRARIA Copo Becker 25 ml Cálice 1000 ml Bastão de vidro 2. EQUIPAMENTO Estufa Balança semi-analítica 3. FÓRMULA SUBSTÂNCIA QUANTIDADE Cloreto de potássio 89,5g Citrato tripotássio 32,4g Cloreto de magnésio 30,5g Acetato de zinco 3,3g Sulfato de cobre 0,56g Água destilada q.s.p 1000ml 4.TÉCNICA

• Utilizar vidrarias previamente esterilizadas • Pesar substâncias em balança semi-analítica • Colocar as substâncias em cálice graduado capacidade 1000 ml • Completar o volume com água destilada • Homogeneizar com bastão de vidro • Rotular e etiquetar

ANEXO 10 Principais componentes terapêuticos utilizados nas crianças dos dois grupos do estudo

Componente terapêutico

Grupo controle Sim Não

Grupo da intervenção Sim Não

Uso de antibiótico na admissão hospitalar

X

X

Não uso do ferro na 1ª semana de tratamento

X

X

Uso de megadose da vitamina A

X

X

Uso de micronutrientes e eletrólitos nas fórmulas lácteas

X

X

Metas nutricionais definidas

X

X

Alimentação inicial adequada à fisiopatologia da desnutrição grave

X

X

Alimentação posterior adequada para permitir o início da fase de reabilitação

X

X

ANEXO 11

Principais componentes da monitorização utilizados nas crianças dos dois grupos do

estudo

Componente de monitorização

Grupo controle Sim Não

Grupo da intervenção Sim Não

Aferição da temperatura axilar pelo menos a cada 6 horas

X

X

Aferição da freqüência cardíaca e da freqüência respiratória pelo menos 2 vezes ao dia

X

X

Medida e registro da quantidade da alimentação oferecida e ingerida pela criança a cada refeição

X

X

Cálculo diário da quota calórica recebida pela criança através da dieta

X

X

Registro diário do peso X X