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Donald Judd na exposição Elogio del Dubbio, punta della Dogana Diogo Augusto Pereira Dezembro/2011

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resenha da exposição na Punta della Doganna

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Page 1: Donald Judd

Donald Judd

na exposição Elogio del Dubbio, punta della Dogana

Diogo Augusto Pereira

Dezembro/2011

Page 2: Donald Judd

Introdução

Este trabalho é uma reflexão sobre a visita à obra de Donald Judd (EUA , 1928 - 1994) no Museu Punta della Dogana, em outubro, em ocasião de um workshop realizado entre a FAUUSP e a Università IUAV di Venezia. Vários são os aspectos que me chamaram a atenção na obra de Donald Judd e me pareceu óbvio sua colocação como o primeiro artista da exibição, que trazia em seu acervo vários jovens artistas. Sua exposição dividia a sala com duas obras dos anos 2000, cuja fonte é claramente o Ready Made, objeto pelo qual se pode entender parte da produção do artista norte-americano. Judd é fundamental para a arte contemporânea, que é enquadrado pela crítica normalmente como artista minimalista, e cujos conceitos são bastante complexos e intrigantes. Judd também é um artista cuja obra vai extrapolar certos limiares tradicionais da obra de arte, criando espacialidade além do objeto, insere o espectador no contexto da obra de arte. Judd refuta o artista como um portador de uma habilidade manual extraordinária, mas sim como o realizador de uma obra cerebral, um definidor de conceitos e formas, em síntese, um produtor. Também afirmando a posição central da obra de arte, negando-se representação ou a presença de reminiscências, o objeto é aquilo o que é, da mesma forma a interpretação e a presença do espectador tornam-se mais importantes.

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A Exposição

Soneto de repente

Un soneto me manda hacer Violante,

que en mi vida me he visto en tanto aprieto;

catorce versos dicen que es soneto,

burla burlando van los tres delante.

Yo pensé que no hallara consonante

y estoy a la mitad de otro cuarteto,

mas si me veo en el primer terceto,

no hay cosa en los cuartetos que me espante.

Por el primer terceto voy entrando,

y parece que entré con pie derecho

pues fin con este verso le voy dando.

Ya estoy en el segundo y aun sospecho

que voy los trece versos acabando:

contad si son catorce y está hecho.

Esse soneto de Lope de Vega, autor do século XVII, revela em si uma grande angústia contemporânea. Revela-se no movimento do autor espanhol em criar um soneto cujo centro gravitacional não está numa reminiscência, ou seja, num universo platônico, paralelo. Universo no qual o soneto teria apenas a função estética de representar uma estória. Nesse caso o soneto descreve a si próprio, descreve o seu próprio processo de produção e revela a participação do artista no processo de produção artística1.

A exposição na Punta della Dogana trouxe alguns ícones da obra do artista norte-americano Donald Judd, cuja produção se insere num contexto minimalista2, termo o 1 Walter Benjamin em “O Autor como produtor” (1934) - indica o papel do autor como produtor de um modelo, cujo método

processual tornar-se-ia evidente, citando como exemplo uma peça teatral de Brecht. Tal indicação de Benjamin indica uma importante mudança no conceito de arte que já ocorria no século XX, inserindo o artista dessa forma no contexto marxista de trabalho, não mais como um portador de talento excepcional, mas como um trabalhador.

2 “If distinguishes it from modernist painting and sculpture on the one hand, it also marks an important difference between Minimal Art – or, as I prefer to call it, literalist art – and Pop or Op Art on the other. From its inception, literalist art has

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qual o artista jamais ostentou3, da segunda metade do século XX. Porém, a obra de Donald Judd carrega em si a pureza geométrica das formas simples e a repetição seriada que os críticos identificaram no minimalismo dos anos 60, em escultura, pintura, música e arquitetura. Além do seu caráter minimal, a obra de Donald Judd está centrada num processo produtivo, na materialidade e objetidade (Sachlichkeit). O entendimento da obra, ou melhor, do trabalho artístico4 está fundamentado na interpretação do espectador. Ele está diante do próprio objeto a ser interpretado, um objeto de arte que não remete a nada, a não ser a si mesmo, ao seu processo produtivo, à sua volumetria, aos seus cheios, aos seus vazios, às suas perspectivas, ao seu ritmo, à sua composição, às suas cores. Tal desapego ao papel da arte como criadora de figuras já observava-se na obra construtivista soviética do artista Vladimir Tatlin, que antes dos anos 20 já produzia objetos nesse sentido, porém o ambiente russo pós-Lênin arrefeceu as experiências em tal sentido, que teriam, posteriormente, sucesso nos EUA e outro países5.

Grande parte do trabalho de Donald Judd é uma experiência espacial posterior a outra importante corrente americana e cuja influência conceitual é sentida em sua obra. Trata-se do Action Painting e o trabalho amadurecido do pintor Jackson Pollock, cuja pintura focalizava-se no processo de derramamento do fluído sobre a tela, na composição a partir de cheios (fluídos) e vazios (não preenchidos), contemplam em parte de seu discurso ideias similares às exploradas por Judd em seus objetos, principalmente na centralização do tema do trabalho e do processo. As obras de Donald Judd não possuem nomes ou títulos, Untitled, fazendo assim com que as ideias presentes na composição do trabalho de arte e alusões exteriores à propria obra ou certos aspectos da obra ou produtivos (como por algumas vezes fazia Pollock ao enfatizar a presença de certos elementos no título de algumas obras, por exemplo Blue Poles, 1952) sejam omitidos, evitando direcionar a interpretação do espectador. A interpretação da obra de arte torna-se assim uma parte fundamental. Não à toa estreita-se na arte contemporânea a relação entre artista, produtor, e crítica, interpretadora6.

amounted to something more than an episode in the history of taste. It belongs rather to history – almost the natural history – of sensibility; and it is not an isolated episode but the expression of a general and pervasive condition” FRIED, Michael Art and Objecthood in Minimal Art Critical Anthology BATTCOCK, Gregori (org.)

3 “He hated the term Minimal art, he said. He felt that it did not apply to his work, and never had. The term, of course, refers primarily to the aspect of the work; and that is where the problem lies.” FUCHS, Rudi in Donald Judd

4 BENJAMIN, Walter – op. cit.

5 No Brasil importantes artistas contemporâneos produziram obras neste sentido, como Hélio Oiticica, Lígia Clark e Lygia Pape.

6 “A significant trend in modern art has been that of a closer interaction between art and criticism, between the artist as a doer and the critic as interpreter. An investigation of this trend shows that the concerns of Minimal Art are both inevitable and consistent” introdução de Gregory Battccock in Minimal Art a Critical Anthology

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É este um ponto de importante relevância no trabalho do artista: o enfoque no próprio objeto, a estética geométrica simples, a repetição, o trabalho seriado, são destacados. Para a exibição na Punta della Dogana foram selecionadas obras de Donald Judd que traziam objetos com a matéria in bruto, isto é, sem tratamento de suas superfícies7. Tais obras, que não são uníssonas na trajetória de Judd, expressam um caráter fundamental de sua obra: a ênfase em materiais industriais, seja, por exemplo, o aço galvanizado, seja a madeira compensada. A textura do material, diante da pureza formal de sua composição e de suas superfícies torna-se um aspecto relevante da obra de arte, Judd combina em seu pensamento a “banalidade” do material industrial, que cria objetos cotidianos e que também tem potencial para se tornar trabalho de arte, uma interpretação duchampiana, com a estética do próprio material, as qualidades do material na construção da forma e na relação e percepção do espaço, estabelecendo relação íntima com conceitos arquitetônicos ligados à tectônica8.

Também é herança do pensamento de Marcel Duchamp, e consequencia do processo de produção adotado por Donald Judd, a desvinculação do artista como um mestre em habilidades manuais9. Destarte o processo projetual e de concepção da obra, em detrimento do processo de execução, tornam-se o foco do trabalho do artista, aproximando-o da abordagem que, por exemplo, na arquitetura já era tomada desde o Renascimento, com a figura do arquiteto projetista. Para ressaltar a presença do pensamento de Marcel Duchamp na produção de Donald Judd, suas obras dividem espaço com duas obras, de dois artistas, inspirados no Ready Made de Marcel Duchamp, numa referência muito mais explícita da fonte comum entre Judd. Estas obras são Untitled (2000) de David Hammons (figura ref. 1) e Untitled (2007) de Maurizio Cattelan (figura ref. 2).

Parece impossível não relacionar o trabalho exposto de Donald Judd com o espaço da Punta della Dogana. Os prismas seriados de aço e as composições em madeira compensada tem uma relação incrivelmente coerente com a obra do arquiteto Tadao Ando, o qual também tem importante relevância no minimalismo na arquitetura. A intervenção de Ando no espaço é sutil, mantendo o material histórico da Punta della Dogana em seu estado bruto – o tijolo das paredes e as tesouras da cobertura - 7 Apesar de serem expostos peças sem o uso de cores, as cores e seus aspectos e reflexos em diversos tipos de materiais e

acabamentos são parte importante da experência de Donald Judd em vários de seus trabalhos, não limitando-se o autor a projetos que guardem apenas a pureza dos materiais em seu estado bruto.

8 Teoria de Kenneth Frampton acerca da estética autêntica dos materiais na composição arquitetônica, que não está vinculada a um período histórico. Neste caso se faz uma adaptação do termo, da edificação para o trabalho artístico.

9 “An investigation into the tradition and background of these artists should emphasize two points; first, the enourmous influence of Marcel Duchamp, and second, a complete awareness of the development of Western art by the artists. They take care to provide just the right surface – a surface without craft (indeed, withoud art); in this way rejecting those impulses that claim glory in manual work and nobility in craftsmanship” introdução de Gregory Battccock in Minimal Art a Critical Anthology

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inserindo seu novo pavimento acessado por prismas de concreto, revelando os materiais e os processos construtivos: fôrmas, vigas, vedações. Tal aproximação, ou mesmo integração, de conceitos entre as artes é parte do processo artístico de Donald Judd. Sua arte possui uma construção espacial a qual funde conceitos esculturais, com conceitos espaciais arquitetônicos. A fruição da obra de Judd sugere o entendimento de sua espacialidade, conceito que é também fundamental em trabalhos de Richard Serra, distinguindo-se de Donald Judd por um tratamento muito mais gestual de seus trabalhos.

Ao realizar uma promenade10 em torno do trabalho de Donald Judd, o espectador torna-se parte do processo artístico, como no exemplo musical de Umberto Eco em Obra Aberta11. Tal processo de participação do espectador é tão importante quanto o próprio objeto, assim como a revelação do espectador refletido na obra de Brancusi (A Musa Adormecida, 1910) é o clímax na fruição da obra de arte. Também na exibição Elogio del Dubbio esta participação do espectador, que inicia no caminhar entre a obra de Donald Judd, chega ao seu clímax ao chegar na sala de exposição que é o vértice do triângulo que forma a Punta della Dogana, onde está suspenso Hanging Heart (1994 – 2006) de Jeff Koons (figura ref. 3). A grande forma reflexiva, como um enfeite e uma surpresa, revela tudo que há ao seu redor, não só o espectador, mas toda a sala. Revela o caminhar do espectador ao redor da obra, que é simultaneamente refletido.

Tal sentido de interação está nas duas obras de Judd em aço galvanizado dispostas no chão da sala (figura 3). Sua escala suscita o caminhar pelas obras. Sendo há um contraste entre as duas obras, nas suas formas e nas sua relações com o espaço. Os quatro volumes cúbicos (Untitled, 1977) com dimensões, disposição e espaçamento regulares enfatizam o olhar para o exterior e a relação do trabalho com o ambiente. Já o trabalho anterior (Untitled, 1968) é uma composição oposta, um grande túnel ocupa o centro da peça e sua estrutura é como pórticos que sustentam o seu vazio interior, revelando o processo construtivo deste espaço. Tal composição induz o espectador a um olhar sobre o espaço interior produzido pelo objeto, a espacialidade contida no trabalho torna-se foco de leitura.

As obras em madeira compensada dispostas na parede como se fossem pinturas (figura 1) também exigem do observador uma interpretação e um olhar em diversos ângulos da

10 Nesse caso, pode-se remeter aos escritos teóricos e à própria obra do arquiteto Le Corbusier, o conceito de promenade faria parte de um percurso capaz de revelar as formas e conceitos arquitetônicos, portanto o revelar o processo. “A arquitetura árabe nos dá um ensinamento precioso. Ela é apreciada no percurso a pé; é caminhando, se deslocando que se vê desenvolverem as ordenações da arquitetura. Trata-se de um princípio contrário à arquitetura barroca que é concebida sobre o papel, ao redor de um ponto teórico fixo. Eu prefiro o ensinamento da arquitetura árabe” LE CORBUSIER – JEANNERET, Pierre – Oeuvre Complete

11 “... as novas obras musicais, ao contrário, não consistem numa mensagem acabada e definida, numa forma univocamente organizada, mas sim na possibilidade de várias organizações confiadas à iniciativa do intérprete, apresentando-se, portanto, não como obras concluídas, que pedem para ser revividas e compreendidas numa direção estrutural dada, mas como obras 'abertas', que serão finalizadas pelo intérprete no momento em que as fruir esteticamente.” ECO, Umberto in Obra Aberta.

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peça. O artista utiliza planos ou vazios para compor o interior das formas prismáticas, como se fizesse uma tela com real profundidade. As peças saltam em direção ao ambiente, tornando não apenas o seu interior, mas a própria forma volumétrica, objeto de interesse.

No caso do trabalho apoiado à parede, stack (figura 2), tema constante da obra de Judd, seus conceitos espaciais tornam-se verticais, a espacialidade da obra e sua repetição de padrões dialoga mais uma vez com seu espaço circundante. Desta forma a obra assume a escala da sala de exposições enfatizando sua presença no espaço. Caracterizando o forte vínculo da obra de arte com sua ambiência, presente em várias obras de artistas posteriores e os site specifics.

Donald Judd remete constantemente ao espaço e as sensações provocadas pelo espaço no espectador. Seus trabalhos se realizam como parte de um processo sutil, desde o conceito e projeto do trabalho artístico, passando por uma instalação precisa e por fim contando com a percepção humana para dar continuidade a fruição de sua obra.

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Obras da Exposição Elogio del Dubbio – Donald Judd

figura 1

Untitled, 1989 – compensado de madeiraUntitled, 1989 – compensado de madeiraUntitled, 1989 – compensado de madeira

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figura 2

Untitled, 1967 – aço galvanizadoUntitled, 1966 – aço galvanizadoUntitled, 1977 – aço inoxidável

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figura 3

Untitled, 1968 – aço galvanizadoUntitled, 1977 – aço galvanizadoUntitled, 1989 – compensado de madeiraUntitled, 1989 – compensado de madeiraUntitled, 1989 – compensado de madeira

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Figuras de referência

figura ref. 1

Untitled, 2000 – David Hammons

figura ref. 2

Untitled, 2007 - Maurizio Cattelan

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figura ref. 3

Hanging Heart, 1994 – 2006, Jeff Koons.

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Referências Bibliográficas

Minimal Art, A critical anthology - BATTCOCK, Gregori (org.), London, 1969

O autor como produtor – BENJAMIN, Walter in A Modernidade, Lisboa, 2006

A arte no horizonte do provável – de Campos, Haroldo, São Paulo

Obra Aberta – ECO, Umberto, São Paulo

Donald Judd – SEROTA, Nicholas (ed.), London, 2004

Punta della Dogana, Elogio del Dubbio – catálogo de exposição, abril/2011

http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/02.024/785

http://www.palazzograssi.it