dona sinhá

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Dona Sinhá Eu quero a memória acesa depois da angústia apagada. Cecília Meireles Dona Sinhá, assim era conhecida por todos na cidade apesar de seu nome verdadeiro, doce, e suave, que traduzia a leveza da sua alma: Isabel. A mais velha das quatro filhas de meu avô. Uma mulher forte, de fibra. Casou-se com meu pai aos vinte e dois anos, um casamento arranjado entre primos. Viveram sessenta e um anos, de uma vida conjugal que não foi, talvez, a mais romântica, mas, creio que se amavam apesar das diferenças individuais. Meu pai, um homem rústico, pouco afeito a dengos, minha mãe, uma mulher que só vivia para o lar, saía apenas para ir à igreja ou quando estava lavando roupa no Rio Gongogi, ou no Rio Preto. Criou nove filhos. Amava-os incondicionalmente, eram como joias preciosas em suas mãos, ou pintainhos debaixo das suas asas. Nunca entendeu e não se conformava com as peças que a vida muito cedo lhe pregou: perdeu, ainda crianças, dois de seus filhos, uma menina e um menino. Assistiria outros dois, já adultos, partirem prematuramente. Dona Isabel não tinha escolaridade, desenhava, com dificuldade o seu nome, quando era preciso assinar algum documento público ou cumprir, através do voto, seu papel de cidadã. Aprendera a ler na fase adulta estudando a Bíblia, sua fonte de doutrina e fé, de onde tirava ensinamentos para sua vida.

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Capítulo do Livro Rios de Memórias, da escritora Ana Angélica Matos Rocha, páginas 89 a 105, com o Título Dona Sinhá ( mãe da escritora).

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Page 1: Dona sinhá

Dona Sinhá

Eu quero a memória acesa depois da angústia apagada.

Cecília Meireles

Dona Sinhá, assim era conhecida por todos na cidade apesar de seu nome

verdadeiro, doce, e suave, que traduzia a leveza da sua alma: Isabel. A mais velha das

quatro filhas de meu avô. Uma mulher forte, de fibra. Casou-se com meu pai aos vinte e

dois anos, um casamento arranjado entre primos. Viveram sessenta e um anos, de uma

vida conjugal que não foi, talvez, a mais romântica, mas, creio que se amavam apesar

das diferenças individuais.

Meu pai, um homem rústico, pouco afeito a dengos, minha mãe, uma mulher que só

vivia para o lar, saía apenas para ir à igreja ou quando estava lavando roupa no Rio

Gongogi, ou no Rio Preto. Criou nove filhos. Amava-os incondicionalmente, eram

como joias preciosas em suas mãos, ou pintainhos debaixo das suas asas.

Nunca entendeu e não se conformava com as peças que a vida muito cedo lhe

pregou: perdeu, ainda crianças, dois de seus filhos, uma menina e um menino. Assistiria

outros dois, já adultos, partirem prematuramente.

Dona Isabel não tinha escolaridade, desenhava, com dificuldade o seu nome, quando

era preciso assinar algum documento público ou cumprir, através do voto, seu papel de

cidadã. Aprendera a ler na fase adulta estudando a Bíblia, sua fonte de doutrina e fé, de

onde tirava ensinamentos para sua vida.

Falava de Jesus e compartilhava, com todos que chegavam lá em casa, do que Ele

significava na sua vida. Dava exemplos de como viver conforme os preceitos do

Evangelho, citava versículos, lia passagens bíblicas. Sabia “de carreirinha” onde estava,

na Bíblia, quase tudo do que, naquele momento especificamente, ela iria precisar. Tinha

uma palavra de fé para cada um.Uma vez por mês, o pastor ministrava um culto lá em

casa, almejava que todos os seus filhos estivessem ali e comungassem com ela a mesma

fé. Sonhara, por toda a vida, ver seu marido, aos domingos, acompanhando-a à igreja.

Nunca conseguiu. Porém, testemunhou a sua conversão ao Deus Supremo, já no fim da

sua jornada aqui na terra. Ficou feliz, glorificou o nome do Senhor.

E, a cada dia, procurava viver conforme os ensinamentos de Jesus, como uma

verdadeira cristã: “Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo”.

Fundadora da 1ª Igreja Batista da cidade, aí congregou por mais de sessenta anos.

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Esposa sempre dedicada ao marido, mesmo nos momentos em que esse não

correspondia às suas expectativas, quando chegava em casa zangado ou até muito

agressivo explodindo com quem achasse pela frente.

Em casa, tinha a companhia silenciosa, mas muito amorosa do seu bichinho de

estimação – o Lourinho, como era chamado o papagaio que recebera da irmã que foi

morar em Recife, em um mil novecentos e sessenta e quatro. Amava-o, como a um

membro da família. Conversava com ele, que respondia com arrufos de alegria

chamando-a Sinhá, Sinhá... Nunca mais o deixaria. Apesar da ausência saudosa da sua

protetora, ele sobrevive tristonho até hoje.

Ainda menina, eu presenciava, sem condições de nada fazer, minha mãe sofrer

dilaceradamente. Os seus três filhos mais velhos partiram em busca de trabalho no Sul

do país. Um a um era pranteado diariamente, numa época em que não havia as

facilidades tecnológicas de hoje, nem ao menos um telefone.

Logo mais, minha irmã mais velha se casa, ficam com meus pais eu e dois irmãos

mais moços. Um desses, parte mais tarde em busca de estudo e trabalho. De resto, eu e

meu irmão caçula, como seus ajudadores. E eu, como sua cuidadora.

A princípio, minha irmã continuou morando na nossa cidade, o que nos consolava,

poderíamos vê-la sempre. Minha mãe tinha um cuidado especial com ela. Quando o

marido viajava, ou eu ou um dos meus irmãos mais novos teria que ir dormir em sua

casa. Ninguém questionava, era uma ordem, apesar de não gostar muito de deixar a

minha cama.

Quando minha irmã engravidava, cuidados redobrados. Nos dias que antecediam a

data provável do parto, não tinha quem fizesse ela arredar pé da casa da filha, e me

levava junto, caso precisasse de alguma coisa. Lembro uma noite em que seu marido

viajara, e tive que “dormir” sentada na porta do quarto onde as duas estavam. Eu

chorava e pedia compaixão, que me deixassem entrar, e nada. O importante, naquele

momento, era o bem-estar da minha irmã. Na verdade, falecera alguém na cidade, e eu

estava com medo de dormir sozinha. As duas alegaram que não me cabia onde elas

dormiam, voltasse então para meu quarto. É claro, não dormi. No outro dia, meu

coração estava sofrido, repleto de raiva, a vontade era desaparecer, se isso fosse

suficiente para tirar, de dentro de mim, aquele sentimento de rejeição. Não fiz nada

disso. Estava com muito sono e precisava, com urgência, de uma cama. Hoje, resta a

lembrança de um momento bastante desagradável, sem qualquer ponta de mágoa.

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Quando minha irmã entrou em trabalho de parto da segunda filha, sobrou para mim,

aos dez anos de idade, às quatro horas da manhã, ter que buscar a parteira. Fazia um frio

de quebrar os ossos - o mês de maio sempre foi muito frio. E, sem um agasalho mais

apropriado, saí a galope pela madrugada, atravessando a cidade enrolada em um lençol,

da cabeça aos pés. Parecia mais uma alma penada nas ruas nebulosas e sombrias da

cidade. Meu corpo se arrepiava e sentia calafrios. Medo ou frio? Provavelmente os dois.

Nascida a menina e, já no outro dia, eu teria o trabalho de lavar-lhe as fraldas. Isso

todos os dias. Quando recusava realizar a tarefa, apanhava ou, no mínimo, ficava de

castigo sem poder ir ao encontro de minhas primas. Para mim, um castigo e tanto! Não

tinha em casa irmã que brincasse comigo. Alguma prima cobria a falta. Moravam

próximas umas das outras. Apanhei várias vezes por não cumprir uma obrigação a fim

de ir brincar com elas.

Mais tarde, essa irmã, acompanhando o marido, muda para Minas Gerais –

Nanuque. E, depois, para o extremo sul da Bahia, precisamente, Alcobaça. Fica comigo

a responsabilidade de, como a única filha mulher presente, tomar conta de minha mãe.

Tudo era comigo. Mensalmente, em um dia exato escolhido por ela, tinha de escrever

três cartas, uma para cada um dos filhos que moravam no Sul e Sudeste do país.

Sentávamos à mesa, e ela ia ditando o que iria dizer: pedia cuidado com os perigos da

cidade grande, falava da saudade que sentia, mandava lembranças de todos os

familiares, incluía fotos e, ao final, implorava que respondessem a carta assim que a

recebessem.

Ao ditar a carta, chorava, lamentava a falta dos filhos, como se já os tivesse perdido

para sempre. Muitas das vezes, eu chorava com ela. O seu sofrimento me deixava com

muito ódio dos meus irmãos que, de longe, não viam o que se passava. Angustiava-me

vê-la à espera de uma carta deles, que demorava meses ou até mesmo anos. Quando

chegava, eu tinha que ler pelo menos três vezes e por vários dias. Ao arrumar os seus

pertences, após ter nos deixado aos noventa e quatro anos de idade, encontro esta

enviada por meu irmão, de 1958. Estava eu com doze anos de idade.

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Após receber essa correspondência, nós o vimos por umas duas vezes. Decorridos

oito anos, ele morre, aos trinta e três anos de idade, em circunstâncias trágicas. Caíra do

oitavo andar de um prédio no centro de São Paulo - o apartamento onde morava, havia

pegado fogo.

A causa real, nunca se soube. Sobre o episódio, só tivemos notícias alguns dias

depois. Um primo distante, que não víamos há anos, leu, nas páginas policiais de um

jornal de São Paulo, uma nota sobre um corpo que caíra de um prédio no centro da

cidade. O nome que aparecia no jornal era de Xenaldo Matos Rocha, meu irmão. O

mesmo primo, após a identificação do corpo, assumiu o sepultamento e nos comunicou

o que ocorrera através de carta.

Na época, eu ensinava Educação Física no Ginásio de Iguaí. Em um exato dia, antes

de receber a triste notícia da morte de meu irmão, acordara às cinco horas da manhã,

para me encontrar com os alunos, onde íamos ter uma atividade. Não me lembro do

assunto, mas era algo ligado à alvorada, ensaio de desfile ou coisa parecida. Logo ao

acordar, de passagem pela a cozinha, para ir ao banheiro, que ficava fora do corpo da

casa, me deparo com minha mãe chorando sem consolo. Assustada, pergunto o que

havia acontecido e, aos prantos, ouço o que jamais esqueci:

- Minha filha, acordei sem um pedaço de mim. Arrancaram um pedaço do meu

coração. Está doendo muito.

Abraçamo-nos, chorei com ela até acalmá-la enquanto buscava ajuda. Após alguns

dias, recebemos a notícia da data e hora exata da morte de meu irmão. Eram as mesmas

daquele momento em que encontrei minha mãe chorando na cozinha.

Foi muito forte e muito difícil de acreditar no que estava assistindo. Minha mãe, no

seu amor extremo, sentira prematuramente as dores da perda de seu filho. Eu sofria duas

vezes: pela perda do meu irmão e por minha mãe. Por muito tempo, permaneci

anestesiada, assustada, sem ação, querendo ajudá-la e sem saber como. Cobria-a com

todo zelo, mas os problemas estavam apenas começando.

Janeiro de um mil novecentos e sessenta e seis, mês em que meu irmão morrera.

Minha mãe parecia um trapo humano. Eu, fortemente fragilizada, fazia tudo para não a

deixar sucumbir. Teríamos de ir para Nanuque. Minha irmã estava esperando, para o

mês de fevereiro, o nascimento do seu quinto filho. Sabia que a viagem representava um

dos maiores desafios que iríamos enfrentar. Minha mãe enjoava bastante em viagens

terrestres, e essa duraria, mais ou menos, uns quatro dias. Não havia ônibus direto para a

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cidade. Em algum trecho, teríamos que pegar um trem. Mas, o amor de mãe falou mais

alto, e ela não pensou duas vezes.

Preparamos tudo e pegamos a estrada. No caminho, o sofrimento foi duas vezes

maior. Minha mãe, com a alma despedaçada e, ainda, aguentando firme o enjoo. Foram

quatro dias sem comer, sem beber. Tomava água aos golinhos provocada por mim.

Através da janela, olhando a paisagem, eu divisava, no horizonte, um amanhã nebuloso

e a incerteza se chegaríamos ao nosso destino. O ritmo cadenciado do trem fazia

lembrar que a realidade era aquela, nua e crua. Tínhamos de ser fortes. Porém, confesso

que tive muito medo de minha mãe sucumbir à viagem.

Chegamos! Não sei como, mas chegamos. Minha mãe logo me recomendou que não

contasse nada sobre o que acontecera ao nosso irmão. A notícia poderia comprometer o

parto. Padecendo a dor da perda do filho, não tinha o direito de deixar transparecer um

semblante triste, choroso. O bem-estar de sua filha, naquele momento, estava acima do

seu próprio sofrimento. Que amor incondicional! Que coração é esse para aguentar, ao

mesmo tempo. a alegria de estar com a filha e o sofrimento de perder um filho. Como

explicar tal dialética?

Na primeira quinzena de fevereiro, em uma tarde de domingo, chega à casa de

minha irmã uma nossa conhecida que viera fazer uma visita de pêsames à família. Logo

na entrada, descarrega, desastradamente, estendendo a mão à minha mãe:

- Meus pêsames!

Minha irmã fica paralisada, minha mãe treme como vara verde e eu, naquele fogo

cruzado, tive de contar a história tentando não me emocionar para não piorar as coisas.

Poucos dias depois, como num filme, lá estava eu novamente, numa cidade distante,

agora não mais embrulhada num lençol, mas enrolada, às voltas, sem saber ao certo

como achar o caminho do hospital para chamar o médico que iria fazer o parto em casa.

Logo ao chegar, ele pediu-me que entrasse no quarto para ajudar-lhe. Nos meus vinte

anos, com a coragem de uma leoa e a fragilidade de quem não sabia nada de nada sobre

o parto, recebi, nos meus braços, uma menina linda, enquanto o médico cortava o

cordão umbilical. Concluiu o seu trabalho e foi embora. Fiquei com a criança

limpando-a e arrumando-a. Só depois, a entreguei à mãe para amamentar.

A menina linda que peguei em meus braços, hoje, compartilha o seu amor e toda a

sua dedicação à sua mãe, como um dia eu fiz com a minha. Que seja, para sempre,

abençoada.

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Depois dessa bendita maratona, decidimos que não havia mais condições de minha

mãe viajar para tão longe por via terrestre. As próximas viagens para Alcobaça, onde

minha irmã passou a morar, aconteceriam de outra forma. Iríamos de carro até Ilhéus

onde ela pegaria o avião para Caravelas onde estaria meu cunhado, esposo de minha

irmã, à sua espera.

Recordo-me, com carinho, do meu cunhado. Gostava de mim, como de uma filha.

Presenteou-me com uma penteadeira recomendando que era um brinquedo de boneca.

Quando recebi o móvel, fiquei estatelada. Enfeitou o meu quarto enquanto morei em

Iguaí e até hoje faz parte das minhas relíquias, na casa da minha cidade. Sempre nas

idas a Alcobaça, procurava nos agradar com comidas exóticas que mandava preparar na

beira da praia, ou outros quitutes que, para nós, eram novidade. Meu cunhado não está

mais entre nós, para ele, a minha gratidão e saudade eternas.

Nos momentos de férias em Alcobaça gozava do convívio de minha irmã, de minhas

sobrinhas e sobrinhos. A sobrinha mais velha, a que me deu o trabalho de ir buscar a

parteira às quatro horas da manhã, já me acompanhava nas paqueras aos garotos que

vinham de toda parte do Brasil veranearem na cidade, principalmente da Bahia e de

Minas Gerais.

Uma outra sobrinha mais nova, à época, com aproximadamente cinco anos de idade,

era meu chamego. No deslumbramento de uma infância em contato permanente com a

natureza, (minha irmã morava em um sítio à beira de um caudaloso rio, o Itaitinga),

brincávamos de bambolê, tomávamos banho no rio e, ao colocá-la para adormecer,

pedia-me para cantar ‘Um dia gatinha manhosa eu prendo você no meu coração...”,

música de Erasmo Carlos, de muito sucesso na época. Nas cartinhas que me escrevia no

início do seu processo de letramento enternecia-me com mensagens como esta:

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Minha mãe era de uma ingenuidade a toda prova. Para ela, ninguém era mau,

ninguém fazia nada errado, acreditava nas pessoas em seu estado puro de grandeza. Se

alguém lhe falasse sobre um erro de um dos seus filhos, além de não acreditar, tentava

convencê-lo das qualidades que os mesmos possuíam.

Lembro-me que, de volta de uma das suas viagens a Alcobaça, estávamos, eu a

algumas primas, esperando-a no aeroporto de Ilhéus. Ao descer do avião, assustou-se ao

ver que muitas garotas gritavam e corriam em direção a um rapaz que, ao seu lado,

estava chegando ao saguão da sala de desembarque. Fomos ao seu encontro, e ela logo

quis saber o motivo da confusão Não seria aquela uma abordagem violenta injustamente

dirigida ao seu companheiro de vôo?

-Um moço tão simpático, sentou ao meu lado e conversamos muito, perguntei-lhe se

conhecia meus sobrinhos que moram em Salvador, pois ele está indo para lá.

Não acreditei! Minhas primas davam risadas. Daríamos tudo para estar no seu lugar.

O moço bonito e simpático que sentara ao seu lado era nada mais nada menos que nosso

ídolo da Jovem Guarda, Jerry Adriani.

No dia da minha viagem para Salvador, na véspera do vestibular, foi uma chantagem

só:

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-É isso mesmo, a gente cria os filhos e no final fica sozinha. Minha única filha

mulher que mora comigo, vai me deixar.

Chorou bastante, tentei convencê-la de que não iria abandoná-la nunca. Meu

primeiro dia das mães longe dela, mandei-lhe este cartão. O primeiro de muitos daí por

diante:

Mesmo não estando morando com ela, continuei sendo sua cuidadora, sua

procuradora, sua amiga. Víamos-nos quatro vezes no ano, e muitas vezes ela passava

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férias aqui em casa. Corri para junto dela quando faleceu o seu filho caçula, em 1977.

Sofremos juntas mais uma vez. Trouxe-a para ficar alguns tempos comigo. Tanto meu

pai quanto minha mãe não gostavam de sair. Achavam que só eles poderiam cuidar da

casa, do pomar, das galinhas do jardim.

O destino ainda lhe reservava algumas peças: foi operada, em Feira de Santana, da

tireoide. Devido à complicação da cirurgia, teve que ser reoperada com menos de vinte

e quatro horas. Recuperou-se aqui em casa.Em um mil novecentos e noventa, vivencia a

tragédia acontecida com um filho que, após tomar uma pancada na cabeça, é operado e

fica em coma por quinze dias e quase quatro meses de reabilitação em minha casa.

Recuperou-se quase que totalmente, restando-lhe poucas sequelas.

Concedeu-nos o Senhor a dádiva de comemorarmos os seus noventa e um anos. Um

almoço para toda a família, amigos mais chegados e os seus companheiros e

companheiras da Igreja Batista onde congregava. Repito aqui o que, naquele momento,

eu disse para ela.

-“Mãe, você é a minha alegria, minha amiga mais próxima, meu exemplo de

humildade, de fé e de força. A sua presença me embala como canção de ninar. Os seus

cabelos brancos são, para mim, como lãs que afofam a minha alma. Os seus

ensinamentos fizeram-me melhor porque você mostrou com as suas atitudes que o

importante é SER e não apenas TER. Ensinou-me a enxergar o mundo para além do

que os meus olhos veem. Então, mãe, você é e será sempre a mais bendita das mulheres.

Você é e sempre será: eterna”.