doenças neuromusculares

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ARTIGO DE REVISÃO S89 0021-7557/02/78-Supl.1/S89 Jornal de Pediatria Copyright © 2002 by Sociedade Brasileira de Pediatria Resumo Objetivo: apresentar os dados essenciais para o diagnóstico diferencial entre as principais doenças neuromusculares, denomina- ção genérica sob a qual agrupam-se diferentes afecções, decorrentes do acometimento primário da unidade motora (motoneurônio medu- lar, raiz nervosa, nervo periférico, junção mioneural e músculo). Fontes dos dados: os aspectos clínicos fundamentais para estabelecer o diagnóstico diferencial entre as diferentes doenças neuromusculares, bem como entre estas e as causas de hipotonia muscular secundária ao comprometimento do sistema nervoso cen- tral ou a doenças sistêmicas não-neurológicas, são enfatizados, com base na experiência clínica vinda do atendimento a crianças com doenças neuromusculares durante os últimos 12 anos, no ambulató- rio de doenças neuromusculares do Hospital das Clínicas da Facul- dade de Medicina, da Universidade de São Paulo. A revisão biblio- gráfica foi efetuada através do Medline e do periódico Neuromuscu- lar Disorders, publicação oficial da World Muscle Society. Síntese dos dados: nas crianças, a maior parte destas afecções é geneticamente determinada, sendo as mais comuns a distrofia muscular progressiva ligada ao sexo, de Duchenne, a amiotrofia espinal infantil, a distrofia muscular congênita, a distrofia miotônica de Steinert, e as miopatias congênitas, estruturais e não estruturais. Polineuropatias hereditárias, síndrome miastênica congênita e mio- patias metabólicas são menos comuns, porém mostram correlação geno-fenotípica cada vez mais precisa. Conclusões: na década passada, inúmeros avanços da genética molecular facilitaram imensamente o diagnóstico e o aconselhamen- to genético das doenças neuromusculares mais comuns das crianças, inclusive possibilitando diagnóstico fetal e, adicionalmente, vieram permitir melhor caracterização fenotípica e classificação mais obje- tiva. J Pediatr (Rio J) 2002; 78 (Supl.1): S89-S103: doenças neuro- musculares em crianças, amiotrofia espinal infantil, síndrome mias- tênica congênita, distrofias musculares, miopatias congênitas, mio- patias metabólicas. Abstract Objective: to discuss the most important aspects for the performance of a differential diagnosis among the main neuromuscular disorders in children, which include diseases affecting the motor unity, i.e. spinal motor neurons, peripheral nerves, neuromuscular junction and muscular fibers. Sources: the review of the clinical aspects that should be considered for a prompt differential diagnosis among several neuromuscular disorders as well as between those and the main causes of secondary muscular hypotonia due to central nervous system or systemic disturbances is based on the clinical experience acquired along the last 12 years in following-up children with Neuromuscular Disorders attended at the outpatient Service of Neuromuscular Disorders at the Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. In addition, it is based on Medline and on the review of the most recent numbers of Neuromuscular Disorders, the official journal of the World Muscle Society. Summary of the findings: most of neuromuscular disorders are genetic conditions in children and the most common of them are X- linked Progressive Muscular Dystrophy of Duchenne, Spinal Muscular Atrophy, Congenital Muscular Dystrophy, Myotonic Dystrophy and Congenital Myopathies. Conclusions: due to the phenomenal development in human molecular genetics the pathogenesis of several neuromuscular disorders in children has been clarified over the last decade. Nowadays many new diagnostic methods, including techniques of fetal diagnosis, and a more objective genotype-phenotype correlation as well as classification are available. J Pediatr (Rio J) 2002; 78 (Supl.1): S89-S103: neuromuscular disorders of children, spinal muscular atrophy, congenital myastenic syndromes, muscular dystrophy, congenital myopathies, metabolic myopathies. Doenças neuromusculares Neuromuscular disorders Umbertina C. Reed* * Professora Associada do Departamento de Neurologia e Chefe da Disciplina de Neurologia Infantil da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

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Page 1: doenças neuromusculares

Jornal de Pediatria - Vol. 78, Supl.1 , 2002 S89

ARTIGO DE REVISÃO

S89

0021-7557/02/78-Supl.1/S89Jornal de PediatriaCopyright © 2002 by Sociedade Brasileira de Pediatria

ResumoObjetivo: apresentar os dados essenciais para o diagnóstico

diferencial entre as principais doenças neuromusculares, denomina-ção genérica sob a qual agrupam-se diferentes afecções, decorrentesdo acometimento primário da unidade motora (motoneurônio medu-lar, raiz nervosa, nervo periférico, junção mioneural e músculo).

Fontes dos dados: os aspectos clínicos fundamentais paraestabelecer o diagnóstico diferencial entre as diferentes doençasneuromusculares, bem como entre estas e as causas de hipotoniamuscular secundária ao comprometimento do sistema nervoso cen-tral ou a doenças sistêmicas não-neurológicas, são enfatizados, combase na experiência clínica vinda do atendimento a crianças comdoenças neuromusculares durante os últimos 12 anos, no ambulató-rio de doenças neuromusculares do Hospital das Clínicas da Facul-dade de Medicina, da Universidade de São Paulo. A revisão biblio-gráfica foi efetuada através do Medline e do periódico Neuromuscu-lar Disorders, publicação oficial da World Muscle Society.

Síntese dos dados: nas crianças, a maior parte destas afecçõesé geneticamente determinada, sendo as mais comuns a distrofiamuscular progressiva ligada ao sexo, de Duchenne, a amiotrofiaespinal infantil, a distrofia muscular congênita, a distrofia miotônicade Steinert, e as miopatias congênitas, estruturais e não estruturais.Polineuropatias hereditárias, síndrome miastênica congênita e mio-patias metabólicas são menos comuns, porém mostram correlaçãogeno-fenotípica cada vez mais precisa.

Conclusões: na década passada, inúmeros avanços da genéticamolecular facilitaram imensamente o diagnóstico e o aconselhamen-to genético das doenças neuromusculares mais comuns das crianças,inclusive possibilitando diagnóstico fetal e, adicionalmente, vierampermitir melhor caracterização fenotípica e classificação mais obje-tiva.

J Pediatr (Rio J) 2002; 78 (Supl.1): S89-S103: doenças neuro-musculares em crianças, amiotrofia espinal infantil, síndrome mias-tênica congênita, distrofias musculares, miopatias congênitas, mio-patias metabólicas.

AbstractObjective: to discuss the most important aspects for the

performance of a differential diagnosis among the mainneuromuscular disorders in children, which include diseases affectingthe motor unity, i.e. spinal motor neurons, peripheral nerves,neuromuscular junction and muscular fibers.

Sources: the review of the clinical aspects that should beconsidered for a prompt differential diagnosis among severalneuromuscular disorders as well as between those and the maincauses of secondary muscular hypotonia due to central nervoussystem or systemic disturbances is based on the clinical experienceacquired along the last 12 years in following-up children withNeuromuscular Disorders attended at the outpatient Service ofNeuromuscular Disorders at the Hospital das Clínicas da Faculdadede Medicina da Universidade de São Paulo. In addition, it is basedon Medline and on the review of the most recent numbers ofNeuromuscular Disorders, the official journal of the World MuscleSociety.

Summary of the findings: most of neuromuscular disorders aregenetic conditions in children and the most common of them are X-linked Progressive Muscular Dystrophy of Duchenne, SpinalMuscular Atrophy, Congenital Muscular Dystrophy, MyotonicDystrophy and Congenital Myopathies.

Conclusions: due to the phenomenal development in humanmolecular genetics the pathogenesis of several neuromusculardisorders in children has been clarified over the last decade. Nowadaysmany new diagnostic methods, including techniques of fetal diagnosis,and a more objective genotype-phenotype correlation as well asclassification are available.

J Pediatr (Rio J) 2002; 78 (Supl.1): S89-S103: neuromusculardisorders of children, spinal muscular atrophy, congenital myastenicsyndromes, muscular dystrophy, congenital myopathies, metabolicmyopathies.

Doenças neuromuscularesNeuromuscular disorders

Umbertina C. Reed*

* Professora Associada do Departamento de Neurologia e Chefe da Disciplina de Neurologia Infantil da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

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S90 Jornal de Pediatria - Vol. 78, Supl.1, 2002

Introdução

Sob a denominação genérica de doenças neuromuscu-lares, agrupam-se diferentes afecções decorrentes do aco-metimento primário da unidade motora, composta pelomotoneurônio medular, raiz nervosa, nervo periférico,junção mioneural e músculo. Nas crianças, a maior partedestas afecções é geneticamente determinada, sendo asdoenças neuromusculares adquiridas bem mais raras doque em adultos. Na década passada, inúmeros avanços naárea da genética molecular vieram facilitar o diagnósticoe o aconselhamento genético, inclusive possibilitandotécnicas de diagnóstico fetal. Espera-se que tais avançoscontribuam para o advento de técnicas de terapia gênica,aparentemente a única perspectiva de tratamento para boaparte das doenças neuromusculares hereditárias da infân-cia, que até o presente momento vêm sendo tratadas apenascom métodos paliativos de reabilitação motora e cirurgiasortopédicas corretivas das retrações fibrotendíneas e defor-midades esqueléticas.

Embora a classificação das doenças neuromuscula-res de acordo com as diferentes topografias dentro daunidade motora seja pouco utilizada do ponto de vistaprático, ela constitui uma forma didática de descrevê-las (Tabelas 1 e 2).

Quadro clínico

A idade e o modo de instalação das manifestaçõesclínicas são fatores importantes na avaliação do diagnós-tico diferencial entre as doenças neuromusculares dascrianças.

No recém-nascido (RN) e no lactente observa-se essen-cialmente a síndrome da criança hipotônica, que compre-ende dois grupos semiológicos1: o grupo paralítico, decor-rente do acometimento primário da unidade motora (doen-ças neuromusculares), e o grupo não-paralítico, decorren-te de afecções do sistema nervoso central (SNC) ou decausas sistêmicas não-neurológicas. No grupo paralítico, ahipotonia muscular associa-se a déficit motor e a hipo ouarreflexia dos reflexos profundos e arcaicos, geralmenteestando normal o grau de alerta. No grupo não-paralítico,observa-se freqüentemente grau de alerta precário, respos-ta pobre a estímulos auditivos e visuais, sucção e deglutiçãonão coordenadas, distúrbios metabólicos, crises epilépti-cas ou, ainda, antecedentes pré e perinatais que sugeremsofrimento cerebral.

No recém-nascido (RN) com hipotonia muscular dogrupo paralítico, ou seja, com doença neuromuscular, ahipotonia é particularmente valorizada, já que, em con-traste com a hipertonia fisiológica em semiflexão do RNsaudável, transmite a impressão de um bebê gravementecomprometido; entretanto, no lactente, em virtude daocorrência de hipotonia fisiológica no segundo e terceirotrimestres de vida, o retardo ou a não-aquisição das etapasdo desenvolvimento motor constitui o aspecto mais valori-zável, sendo a falta de resistência à movimentação passivae ao balanço passivo dos membros, a principal caracterís-tica semiológica que traduz a hipotonia nesta fase etária(Figura 1a). Dependendo do tipo de doença neuromuscu-lar, alguns RNs e lactentes gravemente comprometidosmanifestam dificuldade para sugar e deglutir, bem comoinsuficiência respiratória (Tabela 3, Figura 1b).

Tabela 1 - Doenças neuromusculares

Acometimento do neurônio motor periféricoCausa genética: amiotrofia espinal infantil (tipos I, II, III)Causa adquirida: enteroviroses, principalmente poliomielite

Acometimento de raízes e nervos periféricosCausa genética: polineuropatias hereditárias sensitivo-motoras (vá-

rias), principalmente Charcot-Marie Tooth tipo I e Déjerine-Sottas (tipo III)

Causa adquirida: várias, principalmente síndrome de Guillain-Barré

Acometimento da junção mioneuralCausa genética: síndrome miastênica congênitaCausa adquirida: miastenia grave e botulismo

Acometimento da fibra muscular: miopatiasCausa genética: distrofia muscular congênita (diversos subtipos),

distrofia muscular progressiva (diversos subtipos, principalmen-te distrofia muscular ligada ao sexo de Duchenne ou Becker),distrofia miotônica (doença de Steinert), miopatias congênitas(diversos subtipos), miopatias metabólicas (diversos subtipos)

Causa adquirida: miosites de diferentes tipos, principalmente poli-dermatomiosite

Tabela 2 - Doenças neuromusculares – miopatias genetica-mente determinadas

Distrofia muscular congênita (DMC)

Distrofia muscular progressiva (DMP)DMP ligada ao sexo, formas de Duchenne, de Becker e deEmery-DreyfussDMP tipo cinturas, formas LGMD 1 (autossômicas dominantes)e LGMD2 (autossômicas recessivas)DMP fascio-escápulo-umeral (formas infantil e clássica)

Distrofia miotônica (formas congênita e infantil)

Miopatias congênitasCentral coreNemalínicaMiotubularDesproporção congênita de fibrasMiopatia com alterações mínimasOutras

Miopatias metabólicasMitocondriopatiasDistúrbios da beta-oxidaçãoGlicogenosesCanalopatias

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Na criança maior com doença neuromuscular, é pecu-liar a manifestação da síndrome de cinturas, que consistede déficit motor e hipotrofia de predomínio proximal nacintura escapular e pélvica (Figura 2a), embora maisraramente o déficit possa ocorrer com predomínio distal oude forma difusa (Figura 2b). Nas crianças deambulantes,nas fases iniciais dos processos distróficos é comumentereferida, além de quedas freqüentes e dificuldade paracorrer e subir escadas, a alteração da marcha, que seacompanha de báscula da bacia. O comprometimentopreferencialmente proximal afetando a musculatura dascoxas, da bacia e da coluna acarreta acentuação da lordoselombar e o característico sinal do levantar miopático (sinalde Gowers), que consiste de levantar-se do chão fixandocada segmento dos membros em extensão, como se acriança estivesse ascendendo sobre si mesma. Na cinturaescapular, o comprometimento da musculatura proximalse traduz pelo sinal da escápula alada, em que, ao ergueros braços, as escápulas se afastam da parede posterior dotórax e se elevam, tornando-se salientes (Figura 2 a, b).Dependendo da época de instalação da sintomatologia e dograu de progressão da doença, o déficit motor e a atrofiamuscular acompanham-se de retrações fibrotendíneas e dedeformidades esqueléticas (Figura 3a). Atrofia muscularacometendo preferencialmente os segmentos distais dosmembros e acompanhando-se de deformidades dos pés(eqüino e varo) evocam o diagnóstico de polineuropatia

Figura 1 - Aspectos semiológicos das doenças neuromusculares em lactentes e criançaspequenas: a) DMC, criança de 12 meses de idade com hipotonia e fraquezamuscular: falta de resistência à movimentação passiva e grave retardo dodesenvolvimento motor, com ausência de sustento cefálico; b) AEI tipo I(doença de Werdnig Hoffmann): fenótipo gravíssimo, criança não chega asentar, comprometimento facial (boca em carpa) e deformidade torácica

Tabela 3 - Aspectos clínicos das doenças neuromusculares:grau de acometimento do RN e lactente hipotônico

Acometimento grave com freqüente dificuldade de sucção erespiratória

AEI-I (Werdnig-Hoffmann)PHSM III (congênita grave)Miastenia grave neonatal e síndrome miastênica congênitaDMC (formas cérebro-oculares e merosina-negativa)Distrofia fácio-escápulo-umeral (forma infantil)Distrofia miotônica congênitaMiopatia miotubular ligada ao XMiopatia nemalínica neonatalMitocondriopatias, glicogenose tipo II (Pompe)

Acometimento moderado com retardo do desenvolvimento motore graus variáveis de fraqueza e atrofia muscular

PHSM III (infantil)DMC merosina-positivaMiopatias congênitas: miotubular, nemalínica, desproporçãocongênita de fibrasMitocondriopatias

Acometimento leve, compatível com atividade praticamentenormal

AEI-IIISíndrome miastênica congênitaMiopatias congênitas em geral: central core, miotubular,desproporção congênita de fibras e outrasMitocondriopatias, distúrbios da beta-oxidação, glicogenoses

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hereditária sensitivo-motora. Existem outras manifesta-ções que, em qualquer idade, são altamente sugestivas dedoença neuromuscular, e constituem dados semiológicos

importantes para o diagnóstico diferencial, entre estas(Tabela 4): dismorfismo facial (Figura 4) e palato emogiva, comprometimento da musculatura facial e ocular,

Figura 2 - Aspectos semiológicos das doenças neuromusculares em crianças maiores: a)paciente com DMP tipo Duchenne: padrão miopático típico com atrofia depredomínio proximal, acentuação de lordose lombar, hipertrofia de panturri-lhas e retrações fibrotendíneas dos tendões de Aquiles; b) miopatia congê-nita: padrão de hipotrofia difusa acentuada e escápula alada

Figura 3 - Aspectos semiológicos das doenças neuromusculares em criançasmaiores: a) AEI tipo II, forma intermediária (fenótipo grave, criançaconsegue sentar, mas não desenvolve a marcha): atrofia muscularprogressiva e retrações fibrotendíneas difusas; b) AEI tipo III (fenó-tipo variável, em geral leve ou moderado, criança desenvolve amarcha): atrofia muscular discreta, pouca limitação na vida diária

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útero, que ocasionalmente é relatada retrospectivamentepela mãe, sob forma de diminuição dos movimentos fetais.Outro aspecto que traduz diminuição da mobilidade intra-uterina e que pode ser encontrado principalmente nasmiopatias congênitas é a luxação da articulação coxofemu-ral, já que a cavidade do acetábulo é moldada através deforças decorrentes da contração muscular intra-útero. Noscasos mais graves, é também observado polihidrâmnio,que depende da dificuldade do feto para deglutir o líquidoamniótico.

Os modos de instalação e evolução também ajudam aevocar determinadas doenças neuromusculares (Tabela 4).Curso flutuante com piora da fraqueza no decorrer do diaou após um período de maior atividade sugere fenômenomiastênico, característico das afecções da junção mioneu-ral; evolução em surtos, desencadeados por infecções,atividade física, tipo de alimentação, stress e medicamen-tos, sugere diferentes tipos de miopatias metabólicas, taiscomo mitocondriopatias, distúrbios da beta-oxidação, gli-cogenoses, paralisias periódicas (canalopatias). Ainda nasmiopatias metabólicas, é relativamente comum a queixa defadiga fácil, dores musculares e, eventualmente, cãibras.Em casos particulares, o surto pode culminar na graveocorrência de mioglobinúria.

Já um modo de instalação agudo ou subagudo, decaráter ascendente ou, ao contrário, acometendo preferen-cialmente a musculatura cervical e bulbar, eventualmenteassociado a uma história de infecção prévia ou a alteraçõescutâneas de caráter eritematoso, são dados indicativos dasprincipais doenças neuromusculares adquiridas, respecti-vamente polirradiculoneurite desmielinizante aguda (Gui-

Tabela 4 - Aspectos clínicos e evolutivos sugestivos das doen-ças neuromusculares

Acometimento facial e/ou dismorfismoAEI-IMiastenia grave e síndrome miastênica congênitaDMC merosina-negativaDistrofia miotônica congênitaDistrofia fácio-escápulo-umeral (forma infantil)Miopatias congênita: nemalínica, miotubular, desproporçãocongênita de fibras

Alterações da motricidade ocular, sobretudo ptose palpebralMiastenia grave e síndrome miastênica congênitaMiopatia congênita miotubularDesproporção congênita de fibrasDistrofia miotônica congênitaMitocondriopatias

Artrogripose ou retrações fibrotendíneas precocesDMCDistrofia miotônica congênitaAEI-IPHSM III (congênita grave e infantil)Desproporção congênita de fibras

Acometimento associado do sistema nervoso central (deficiênciamental, epilepsia, alterações de neuroimagem)

DMP ligada ao sexoDMCDistrofia miotônica congênitaMitocondriopatias e distúrbios da ß-oxidaçãoGlicogenose tipo II (Pompe)Miopatias congênitas (miotubular)

Acometimento sistêmico (cardíaco, visceral, endócrino e outros)Miopatias metabólicas: glicogenoses, mitocondriopatias, distúrbiosda ß-oxidaçãoDistrofia miotônicaSomente cardíaco: DMP em geral, particularmente as formasligadas ao sexo

Curso flutuante ou evolução em surtos desencadeados porinfecções, atividade física, tipo de alimentação, stress,medicamentos

Miastenia grave e síndrome miastênica congênitaMiopatias metabólicas em geral: mitocondriopatias, distúrbios daß-oxidação, glicogenoses, paralisias periódicas/canalopatias

Fenótipo variável que admite múltiplos graus de fraquezamuscular, atrofia e retrações fibrotendíneas, em geral compatíveiscom marcha independente

AEI-IIIPHSM-I (Charcot-Marie-Tooth)Miastenia graveDMC merosina-positivaMiopatias congênitas (nemalínica, miotubular, desproporçãocongênita de fibras), Miopatias metabólicas (mitocondriopatias,distúrbios da ß-oxidação, glicogenoses, paralisias periódicas/canalopatias)

sobretudo ptose palpebral e a rara ocorrência de artrogri-pose múltipla congênita, evidenciada já ao nascimento.Esta, embora possa ocorrer também em doenças cerebraise não-neurológicas, é mais comum, ou melhor, menos rara,nas doenças neuromusculares e traduz imobilidade intra-

Figura 4 - Aspectos semiológicos dasdoenças neuromuscularesem crianças - DMC merosi-na-negativa: debilidade edismorfismo facial

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llain-Barré) e polidermatomiosite. Ainda na oportunidadede uma instalação aguda ou subaguda, fatores ambientaisrelevantes (exposição a agentes tóxicos, picadas de insetos,intoxicações alimentares e outros) sugerem a hipótese depolineuropatias adquiridas e, excepcionalmente em nossomeio, de botulismo.

Finalmente, determinados sinais semiológicos, taiscomo fasciculações em pacientes com amiotrofia espinalinfantil, e fenômeno miotônico em algumas canalopatias e,classicamente, na distrofia miotônica (Doença de Steinert)são praticamente específicos das afecções supracitadas. Asfasciculações são contrações involuntárias das fibras mus-culares de unidades motoras denervadas e podem serverificadas espontaneamente ou provocadas pela percus-são muscular, sobretudo na musculatura da língua e peito-ral. Freqüentemente, se acompanham de polimiocloniasdas porções distais dos membros, visíveis na hiperextensãodos dedos. O fenômeno miotônico é caracterizado pelaausência de relaxamento após a contração voluntária mus-cular e pode ser verificado no aperto de mãos, percutindoa língua ou a eminência tênar, ou quando o paciente, aoespirrar, não consegue reabrir os olhos.

Ainda na avaliação da criança com doença neuromus-cular, é preciso estar atento à possível associação comalterações ora sistêmicas, sobretudo hepáticas ou cardía-cas, ora metabólicas, principalmente acidose láctica, eainda com manifestações clínicas ou neurorradiológicasde alterações do SNC (Tabela 4). Tais associações sugeremfortemente diferentes tipos de miopatias metabólicas (dis-túrbios da beta-oxidação, glicogenoses, mitocondriopati-as), sendo que o acometimento do SNC pode também serobservado em alguns subtipos de distrofia muscular congê-nita e na distrofia miotônica (doença de Steinert), a qualtambém pode estar associada a um amplo espectro dealterações sistêmicas. Entre as entidades que compõem oleque da distrofia muscular progressiva (DMP), em geralo quadro é muscular puro, ocasionalmente acompanhadode acometimento cardíaco, exceto na forma mais comume mais grave de DMP da infância, que é a forma ligada aosexo, de Duchenne ou Becker, que, freqüentemente, podeevoluir com deficiência mental e alterações cardíacas.

Ao tentar estabelecer o diagnóstico diferencial dasdoenças neuromusculares das crianças, vale ainda lembrarque a maioria destas entidades pode exibir curso clínicoaltamente variável quanto ao espectro de gravidade, embo-ra na mesma família em geral, porém não exclusivamente,se mantenha o mesmo fenótipo (Tabela 4). Exemplos dedoenças neuromusculares com fenótipo altamente variávelsão a amiotrofia espinal infantil tipo III, a doença deCharcot-Marie-Tooth tipo I, a síndrome miastênica congê-nita, a distrofia muscular congênita merosina-positiva, aDMP tipo fácio-escápulo-umeral, algumas miopatias con-gênitas (nemalínica, miotubular, desproporção congênitade fibras) e, ainda, a maioria das mitocondriopatias edistúrbios da beta-oxidação.

Diagnóstico

As causas neuromusculares de hipotonia são classica-mente avaliadas através da determinação das enzimasmusculares, principalmente creatinofosfoquinase (CPK),da eletromiografia (EMG) e da biópsia muscular, ou aindaatravés de marcadores moleculares (Tabela 5).

Na investigação das doenças neuromusculares, os va-lores dos níveis de CPK podem ajudar a diferenciar ocomprometimento muscular primário, ou miopático, dosecundário, ou neurogênico por acometimento do neurô-nio motor periférico (Tabela 5). Aumento importante donível sérico de CPK no RN é muito sugestivo da distrofiamuscular congênita, em suas diferentes formas, puramentemusculares ou associadas a comprometimento do SNC eocular, e, particularmente, da forma merosina-negativa.Mais raramente, pode ser observado na distrofia miotônicacongênita; nos lactentes e crianças maiores, além dadistrofia muscular congênita e, classicamente, das miopa-tias inflamatórias e dos estágios pré-clínicos das DMP, osaumentos enzimáticos podem estar associados à miopatiacongênita, com desproporção das fibras, e à forma infantilda distrofia miotônica. Em meninos com DMP de Duchen-ne, que comumente são levados à consulta a partir dos trêsanos de idade, por apresentarem quedas freqüentes, difi-culdade para correr e subir escadas, bem como o peculiarlevantar miopático, os níveis elevadíssimos de CPK, da

Tabela 5 - Doenças neuromusculares. Métodos diagnósticos

Enzimas musculares è Aumento de CPKDMP em geral, particularmente formas ligadas ao sexoDMC, particularmente merosina-negativaDistrofia miotônicaMiopatia congênita tipo desproporção congênita de fibrasMiopatias inflamatórias (polidermatomiosites)

Eletromiografia com achados específicos:AEIPolineuropatias em geralMiastenia grave e síndrome miastênica congênitaMiopatias em geral, particularmente síndromes miotônicas

Biópsia muscular com achados específicos:

Microscopia ópticaMiopatias congênitas estruturais (central core, nemalínica,miotubular)GlicogenosesMiopatias inflamatórias (polidermatomiosites)

Ocasionalmente: distúrbios da ß-oxidação (acúmulo de lípides);mitocondriopatias (ragged red fibers)

ImunohistoquímicaDMP ligada ao sexo de Duchenne e Becker (distrofina)DMC (merosina)DMP tipo cinturas em geral (sarcoglicanopatias e outras)

Microscopia eletrônicaMiopatias congênitas estruturaisMitocondriopatias

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ordem de 10.000U/L ou mais, constituem dado altamentesugestivo do diagnóstico e indicação formal de estudogenético do DNA, dispensando a EMG e, nesta primeiraetapa, também a biópsia muscular.

A EMG, cujo tipo de traçado eletrográfico permitedistinguir se o acometimento é de neurônio motor, deraízes ou nervos periféricos, de junção mioneural ou dafibra muscular, é indispensável para o diagnóstico imedi-ato da amiotrofia espinal infantil, já que a identificação daseventuais deleções do DNA em 5q pode ser demorada ouinacessível em determinados centros. Também os raroscasos de polineuropatias hereditárias sensitivo-motoras esíndromes miastênicas são facilmente diagnosticadas atra-vés da EMG. Nos casos de doença muscular, a EMG éparticularmente útil nos pacientes com acometimento muitoleve, nos quais se está em dúvida quanto a indicar a biópsiaou a acompanhar sua evolução por mais tempo, e naquelascrianças já deambulantes, com síndrome de cinturas, nasquais não se consegue precisar a idade de início da sinto-matologia, e deve ser estabelecido o diferencial entremiopatia e amiotrofia espinal infantil tipo III.

A biópsia muscular (Tabela 5) por microscopia óptica,complementada pela microscopia eletrônica, é particular-mente importante para o diagnóstico das diferentes formasde miopatias congênitas com anormalidades estruturais,bem como das glicogenoses. Boa parte das mitocondriopa-tias não apresenta achados específicos à biópsia muscular;porém, algumas, caracteristicamente aquelas dependentesde mutações do DNA mitocondrial, mostram, já na micros-copia óptica (coloração Gomori modificado), as peculiaresragged red fibers, raras nos defeitos do DNA nuclear, ouainda, na microscopia eletrônica, proliferação anormal ealteração morfológica das mitocôndrias. Em parte dasmitocondriopatias por defeitos do transporte do substrato(ciclo da carnitina) e da utilização do substrato (ß-oxidaçãodos ácidos graxos) pode ser evidenciado acúmulo de lípi-des. Em algumas mitocondriopatias com deficiência doscomplexos da cadeia respiratória, é possível analisar odefeito bioquímico enzimático por técnicas histoquímicas.

Nas crianças com distrofia muscular congênita, DMPe distrofia miotônica congênita, a biópsia muscular mostraaspectos distróficos que, apesar de inespecíficos, poisdenotam apenas afecção muscular primária, sugerem odiagnóstico; por imunohistoquímica avalia-se qualitativa-mente a proteína merosina (laminina α2) nos diferentestipos de distrofia muscular congênita, a proteína distrofinaquando há suspeita de DMP ligada ao sexo, e numerosasproteínas específicas das síndromes de cinturas, sobretudosarcoglicanas. A análise quantitativa destas mesmas pro-teínas pode ser efetuada por técnicas de Western Blot.

Nas miopatias em que existem diferentes tipos decomprometimento associado do SNC, particularmente emalgumas mitocondriopatias, em algumas formas de distro-fia muscular congênita, e na distrofia miotônica congênita,a ressonância nuclear magnética do crânio pode mostraralterações sugestivas destas patologias, respectivamente,

alterações dos núcleos da base e do tronco cerebral, emalgumas mitocondriopatias, alterações da substância bran-ca, malformações corticais e atrofia cerebelar, em algunssubtipos de distrofia muscular congênita e áreas inespecí-ficas de hipersinal em T2, provavelmente correspondentesà gliose, na distrofia miotônica.

Quando há dados indicativos de miopatia metabólica,particularmente mitocondriopatia com defeitos do meta-bolismo do piruvato, do ciclo de Krebs ou da cadeiarespiratória, exames laboratoriais para dosagem de lacta-to, piruvato, alanina e corpos cetônicos no sangue, LCR eurina, bem como determinação de eletrólitos, gasometria edo perfil de ß-oxidação dos ácidos graxos devem sersolicitados para auxiliar no diagnóstico diferencial.

O diagnóstico diferencial das doenças musculares in-clui ainda a avaliação cardiológica, visto que, além daDMP ligada ao sexo, de Duchenne e Becker, algumas dasmitocondriopatias, glicogenoses, miopatias congênitas comanormalidades estruturais e distrofia miotônica podemmanifestar miocardiopatia.

Finalmente, estudos de genética molecular, aplicáveisnos centros especializados, são essenciais para a confirma-ção diagnóstica da maioria dos casos de amiotrofia espinalinfantil, das formas de DMP ligadas ao sexo, da DMPfácio-escápulo-umeral e da distrofia miotônica (Steinert)(Tabela 6). Embora não de domínio universal como nasdoenças anteriores, testes de genética molecular podem serefetuados para auxiliar na classificação das diferentesformas de distrofia muscular congênita, DMP tipo cintu-ras, miopatia nemalínica, miopatias mitocondriais e poli-neuropatias hereditárias sensitivo-motoras. Entretanto,nas diferentes formas de distrofia muscular congênita,apesar de possível, a identificação de deleções em locusespecíficos (6q para a forma merosina-negativa, 9q para aforma Fukuyama, 1q para o tipo finlandês, e outros) não éimprescindível para a confirmação do diagnóstico, quepode ser efetuado com base em achados específicos clíni-cos, neurorradiológicos e imunohistoquímicos.

Tabela 6 - Doenças neuromusculares. Métodos diagnósticos:genética molecular

Amiotrofia espinal infantil: deleção dos exons 7 e 8 (gene SMN)no locus 5q11-q13 (mecanismo de dosagem gênica)

Distrofia miotônica congênita: expansão da repetição dotrinucleotídeo CTG no locus 19q13.3

Distrofia fácio-escápulo-umeral: deleção de repetições de 3.3 kbem seqüência no locus 4q35

Encefalomiopatias mitocondriais: análise de pontos de mutaçãoespecíficos

Polineuropatias hereditárias sensitivo-motoras: diferentes tiposde mutações no locus 17p11.2-12, proteína 22 da mielinaperiférica e 1q22-23, proteína zero da mielina (mecanismo dedosagem gênica)

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Embora o espaço disponível para este tipo de revisãonão comporte uma descrição detalhada de cada doençaneuromuscular, apresentaremos resumidamente algunsdados essenciais para o reconhecimento das que ocorremmais comumente em nosso meio.

Amiotrofia espinal infantil (AEI)

É uma doença degenerativa dos motoneurônios docorno anterior da medula espinal e dos núcleos motores dealguns nervos cranianos, de herança quase que exclusiva-mente autossômica recessiva. Após a DMP ligada ao sexo,de Duchenne, é a segunda forma mais freqüente de doençaneuromuscular da infância, com incidência de 1:25.000 a1:20.000 nascimentos1-5. A classificação da AEI dependefundamentalmente da idade de início e do grau de compro-metimento motor. Em crianças, há três formas clínicasfundamentais (Figuras 1b; 3a,b):

– AEI tipo I (grave): início até os 6 meses de vida. Ospacientes não sentam sem apoio, geralmente ocorrendoóbito antes dos dois anos de idade, por intercorrênciasrespiratórias;

– AEI tipo II (intermediária): início antes dos 18 mesesde vida. Os pacientes conseguem sentar sem apoio,porém não adquirem a posição ortostática e não deam-bulam, apresentando grave quadro amiotrófico e defor-midades esqueléticas;

– AEI tipo III (benigna): início após os 18 meses de idade.Os pacientes adquirem a posição ortostática e deambu-lam com limitação motora variável.

A partir de 1990, estudos de genética molecular mape-aram o locus da doença em 5q11.2-13.36 e associaram ogene Survival Motor Neuron (SMN) ao mecanismo queorigina a degeneração dos motoneurônios. Embora a pro-teína correspondente ainda não esteja totalmente identifi-cada, sugere-se que seu nível dependa do número de cópiasdo gene SMN2, sendo a gravidade clínica inversamenteproporcional à quantidade de proteína expressa7-10. Comoo índice de deleções no gene SMN é alto, os estudosmoleculares propiciam não só o diagnóstico, antes baseadona EMG, como o diagnóstico fetal.

Na AEI tipo I, doença de Werdnig-Hoffman, todos osmúsculos são acometidos pela atrofia neurogênica ousecundária, sendo poupados diafragma, músculos das ex-tremidades e músculos oculares. Em 30% dos casos, en-contram-se fasciculações. A fraqueza muscular é de predo-mínio proximal e há rápida instalação de deformidadetorácica e contraturas musculares. Em geral, ocorre óbitonos primeiros 24 meses de vida, por infecção respiratóriaassociada à paralisia dos músculos intercostais ou bulba-res, a não ser que estejam disponíveis recursos de terapiaintensiva em domicílio.

Já no tipo II, com início da hipotonia e da debilidademuscular nos membros inferiores entre seis e doze mesesde idade, a criança conserva a habilidade para sentar-se,

embora não chegue a andar. O comprometimento inicial-mente moderado dos membros superiores e dos músculosintercostais agrava-se lentamente, ao longo dos anos,sendo que contraturas musculares e deformidades esquelé-ticas aparecem tardiamente, perto da adolescência. Podemocorrer atrofia e fasciculações da língua. Nesta forma,assim como na forma III, é comum a observação de tremorirregular (minipolimioclonias), mais facilmente evidenci-ado na hiperextensão das mãos e dos dedos. Na segundadécada, a progressão se acelera e o quadro torna-se alta-mente limitante, com risco letal.

A forma clínica tipo III, mais benigna, é de caráternitidamente proximal, com acometimento lento da cinturapélvica e, posteriormente, da cintura escapular, confun-dindo-se com algumas formas de DMP, embora commenor gravidade, particularmente na eventual presença depseudo-hipertrofia muscular e CPK levemente aumentada.Outros pacientes não apresentam este caráter pseudomio-pático, evoluindo, sobretudo, com atrofia generalizada. Adoença pode progredir rapidamente durante a adolescên-cia, levando à invalidez na segunda década, enquantooutras vezes se limita a um discreto comprometimento damusculatura proximal dos membros, compatível com vidapraticamente normal (Figura 3b).

Além destas principais variantes clínicas definidas,existem formas não-classificáveis, com diferentes graus degravidade, supondo-se que quanto mais tardio o início doquadro, tanto menor a extensão das paralisias. Além doinício precoce, o comprometimento da musculatura respi-ratória e bulbar é indicativo de mau prognóstico.

Polineuropatias hereditárias sensitivo-motoras (PHSM)

Entre as inúmeras formas de PHSM, poucas são carac-terísticas da infância.

A PHSM I, forma desmielinizante da doença de Char-cot Marie Tooth, manifesta-se na criança a partir dos trêsanos, através de comprometimento tibial anterior lenta-mente progressivo, que leva ao peculiar aspecto de pé caídoe à marcha escarvante. Gradativamente, instala-se atrofiade predomínio distal, importante deformidade dos pésbilateralmente e, mais tardiamente, fraqueza dos músculosdas mãos.

A PHSM tipo III, Doença de Déjerine-Sottas, abrangeuma rara forma congênita grave, com hipotonia proemi-nente desde o nascimento, dificuldade alimentar e respira-tória, bem como, eventualmente, artrogripose, e a formainfantil clássica, que se inicia antes dos dois anos de idadee cursa com retardo do desenvolvimento motor moderado,nunca configurando grave padrão da forma congênita,com invalidez acentuada quando a criança sobrevive.

Análises de genética molecular nestas polineuropati-as11-13 com diferentes tipos de herança evidenciaramalterações na função de duas proteínas implicadas nometabolismo da mielina, que são a proteína 22 da mielina

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periférica (PMP22), ligada ao locus 17p11.2-12, e a prote-ína zero da mielina (P0), ligada ao locus 1q22-23. Múlti-plos tipos de mutações nestes dois locus associam-se, pormecanismo de dosagem gênica, a diferentes efeitos quantoà gravidade fenotípica, sendo que a forma Déjerine-Sottas,mais grave e própria das crianças, pode ser dependente demutações em ambos os genes.

Nas PHSM, a EMG é exame essencial para detectar acaracterística diminuição da velocidade de condução, sen-do que, na atualidade, com a ajuda dos testes moleculares,a biópsia de nervo periférico é freqüentemente dispensá-vel.

Entre as polineuropatias adquiridas12, a polineuropa-tia aguda desmielinizante inflamatória, ou Síndrome deGuillain-Barré, é uma afecção de natureza auto-imune,cujo diagnóstico é relativamente comum na criança acimade 2-3 anos (1,5 a 2/10.000) e deve ser lembrado quandoocorre instalação aguda ou subaguda de paralisia de cará-ter ascendente, freqüentemente precedida por infecçãorespiratória ou gastrintestinal, e acompanhada de intensador, que pode impedir o manuseio e a deambulação dacriança. Os clássicos achados de celularidade liquóricanormal em presença de hiperproteinorraquia e de acentu-ada diminuição da velocidade de condução na EMG permi-tem estabelecer o diagnóstico com relativa facilidade eintroduzir o tratamento, que é variável de acordo com aintensidade das manifestações clínicas e com o riscopotencial de comprometimento respiratório, podendo sernecessária plasmaferese ou administração intravenosa degamaglobulina.

Eventualmente, a polineuropatia desmielinizante in-flamatória pode mostrar curso crônico lentamente pro-gressivo12,14, sem dor e com fraqueza ora de predomíniodistal, ora proximal, essencialmente semelhante ao quadrodas miopatias, porém com arreflexia mais evidente egeneralizada. O diagnóstico diferencial baseia-se na EMGmostrando diminuição da velocidade de condução, e noLCR evidenciando dissociação proteíno-citológica. O tra-tamento é com corticoesteróides ou injeções intravenosasde gamaglobulina.

Miastenia grave e síndrome miastênica congênita

A miastenia grave adquirida, de natureza auto-imune,dependente de defeito pós-sináptico da transmissão neu-romuscular, é mais comum no período puberal, emboratambém possa se manifestar no pré-escolar ou em idadeescolar. No RN, ocorre a forma transitória da miasteniagrave ou a síndrome miastênica congênita não auto-imu-ne, geneticamente determinada, com diferentes subtipos,que também pode manifestar-se no lactente .

A forma neonatal transitória acomete 10 a 15% dosRNs filhos de mãe miastênica com forma generalizada. Oinício é nas primeiras horas de vida, excepcionalmente atéo terceiro dia, e o RN apresenta choro fraco e comprome-

timento facial ou debilidade generalizada, com dificuldaderespiratória. Ptose palpebral é rara. Esta forma decorre dapassagem de anticorpos anti-receptores colinérgicos dagestante para o feto, sendo suspeitada quando já houveirmão com problema semelhante, ou quando a mãe temtaxa elevada de anticorpos circulantes. O diagnóstico éestabelecido com o uso de 0,1 ml de Tensilon (brometo deedrofônio), por via IM ou subcutânea e, se não houverresposta convincente, emprega-se prostigmina por via IM(0,05 mg) ou piridostigmina (0,3 mg). O reconhecimentodesta situação deve ser imediato, a fim de prevenir insufi-ciência respiratória através da administração de drogasanticolinesterásicas: brometo de piridostigmina (Mesti-non) por via oral, total por dia de 5 a 25mg em 4 a 5tomadas, uma hora e meia antes da alimentação, depen-dendo da resposta individual, ou brometo de neostigmina(Prostigmina) por via oral, dose total de 5 a 10mg diários.O tratamento deve ser mantido por precaução até a oitavasemana.

A síndrome miastênica congênita não auto-imune com-preende diferentes subtipos, que podem se manifestardesde o nascimento, ou serem identificados no decorrer dainfância15,16. Variados defeitos em nível pré-sináptico,sináptico ou pós-sináptico resultam em diferentes tipos dedeficiências: dos receptores colinérgicos, da acetilcolines-terase, ou dos níveis de resposta e afinidade à acetilcolina,encontrando-se esporadicamente recorrência familiar,herança autossômica dominante ou herança autossômicarecessiva. Recentemente este campo vem se tornando cadavez mais complexo, com a identificação em todos ossubtipos de mutações em diversos genes que codificamtanto alterações estruturais como funcionais da junçãoneuromuscular15,16. A maioria dos subtipos de síndromemiastênica congênita geralmente não respondem aos anti-colinesterásicos habituais, caracterizando-se por combi-nação variável de hipotonia muscular e sinais focais, taiscomo ptose palpebral ou choro fraco, por comprometimen-to da musculatura cervical, facial e bulbar. A enfermidadepode permanecer localizada ou generalizar-se no decorrerda infância. Em um dos subtipos, síndrome do canal lento,cujo curso é flutuante, com exacerbações e remissões comona forma juvenil, é referida melhora clínica e eletrofisio-lógica com sulfato de quinidina17.

Na forma juvenil ou auto-imune, é característica ainstalação aguda de fraqueza generalizada, com compro-metimento bulbar e da musculatura ocular (ptose palpebralou oftalmoplegia extrínseca completa). Eventualmente, oquadro é menos dramático, combinando, de forma variá-vel, fadiga excessiva em diferentes grupos musculares,sendo altamente sugestivo o caráter flutuante ao longo dodia. O diagnóstico pode ser feito através do teste dobrometo de edrofônio, sendo que EMG e dosagem deanticorpos anti-receptores de acetilcolina não têm a mes-ma especificidade que nos adultos. O tratamento de esco-lha é com drogas anticolinesterásicas e, dependendo docaso, podem ser utilizadas corticoterapia e outras medidas

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imunossupressoras, gamaglobulina intravenosa e, eventu-almente, timectomia.

Principais miopatias primárias geneticamente deter-minadas

Entre as doenças musculares da infância, a mais encon-trada é a DMP ligada ao sexo, forma de Duchenne, que setorna evidente e lentamente progressiva a partir dos 4 anosde idade. Além da DMP de Duchenne, as miopatiaspróprias da infância, que cursam com hipotonia muscularcongênita e fraqueza muscular precoce, são a distrofiamuscular congênita, as miopatias congênitas, as miopatiasmetabólicas e a forma congênita da distrofia miotônica(doença de Steinert congênita). Muito raramente outrasDMP, tais como síndromes de cinturas e distrofia fácio-escápulo-umeral, podem se manifestar em lactentes oupré-escolares.

Distrofias musculares

As distrofias musculares são miopatias primárias, ge-neticamente determinadas, que se caracterizam clinica-mente por intensa variabilidade do fenótipo e do grau degravidade, e anatomopatologicamente pelo encontro depadrão distrófico inespecífico na fibra muscular. A partirda década de 90, avanços contínuos na área de imunohis-toquímica e genética molecular têm permitido sua classi-ficação de acordo com o defeito molecular12,18,19. A mai-oria dos defeitos moleculares reconhecidos envolve a fun-ção do complexo distrofina-glicoproteínas associadas, queliga o citoesqueleto subsarcolemal com a matriz extracelu-lar do músculo esquelético, permitindo estabilização ereforço da membrana da fibra muscular. O déficit parcialou total das proteínas distrofina, laminina alfa-2 da matrizextracelular (merosina) e sarcoglicanas corresponde, res-pectivamente, às DMP tipo Duchenne e Becker, à formamais grave de distrofia muscular congênita clássica e auma parte das síndromes de cinturas. Há outras proteínasimplicadas, cujo déficit origina miopatias distróficas não-habituais em crianças.

Distrofia muscular congênita (DMC)

Trata-se de um grupo heterogêneo de doenças degene-rativas, primárias e progressivas, do músculo esquelético,com início intra-útero ou durante o primeiro ano de vida,assim caracterizadas20: clinicamente, por acentuada hipo-tonia muscular, fraqueza generalizada com retardo dodesenvolvimento motor, retrações fibrotendíneas intensase precoces e, freqüentemente, distúrbios respiratórios edificuldade alimentar; histologicamente, por alteraçõesdistróficas dos músculos (intensa variabilidade do calibredas fibras, proliferação dos tecidos intersticiais, grau vari-ável de necrose e degeneração das fibras musculares), naausência de anormalidades estruturais específicas.

A DMC é uma entidade de herança autossômica reces-siva ou de ocorrência esporádica, com prevalência de

1:60.000 ao nascimento, e de 1:100.000 na populaçãogeral20,21. Muitos subtipos de DMC já têm locus genéticodefinido20-24, sendo que, entre as formas de DMC commerosina normal, a ampla variabilidade clínica provavel-mente representa entidades geneticamente e bioquimica-mente distintas, ainda não identificadas20-24.

A classificação atualmente aceita inclui 4 entidades22,23:DMC clássica ou pura, com inteligência normal e semalterações estruturais do SNC, embora 40 a 50% dos casos,que são merosina-deficiente, mostrem alterações da subs-tância branca cerebral; DMC tipo Fukuyama (DMCF),com deficiência mental e alterações estruturais do córtexcerebral; síndrome Muscle-Eye-Brain (MEB), tambémchamada tipo finlandês, e Walker-Warburg (WW), comdeficiência mental, alterações estruturais cerebrais e defei-tos oculares. As três últimas formas de DMC, generica-mente chamadas de óculo-cerebrais, são graves, tantoquanto ao quadro muscular como mental; estas criançasexcepcionalmente andam sem apoio e, devido às malfor-mações cerebrais e oculares, são, em sua maioria, não-treináveis, não sobrevivendo até a idade adulta. Nas trêsformas, as malformações cerebrais pertencem ao comple-xo lissencefalia tipo II, representada por agiria na WW epaquigiria/polimicrogiria nas outras duas formas. As trêsformas apresentam anormalidades retinianas e, nas sín-dromes Muscle-Eye-Brain e WW, existem vários tipos dedefeitos da câmara anterior e microftalmia4.

Nos pacientes com a forma clássica, a maioria dospacientes merosina-positiva tem quadro clínico moderadoe é deambulante, ao passo que quase todos os pacientesmerosina-negativa têm quadro clínico mais grave e nãochegam a andar. Assim, dos nossos 40 pacientes merosina-positiva, só 1/3 não deambulam, ao passo que dos 30

Fenótipos definidos com base molecular

DMC tipo Fukuyama: locus 9q31 (fukutina)

DMC clássica merosina-deficiente: locus 6q2 (merosina)

DMC com espinha rígida precoce: locus 1p35

DMC tipo finlandês (muscle-eye-brain): locus 1p32

Família da Arábia Saudita com síndrome de cinturas e deficiênciade merosina: locus 1q

Forma hipotônica-esclerótica (Ullrich): ausência da unidade VI docolágeno (cromossomas 2? 21?)

Fenótipos à espera de uma definição

Síndrome de Walker-Warburg: forma mais grave de DMC comfenótipo altamente específico

DMC merosina-positiva: subgrupo heterogêneo, com algunsfenótipos clínicos aparentemente específicos, que podem vir aconstituir subtipos genética e bioquimicamente distintos

DMC merosina-deficiente não ligada ao 6q: com ou semdeficiência mental e alterações de neuroimagem

Tabela 7 - Classificação da distrofia muscular congênita

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merosina-negativa só dois deambulam. A maioria dascrianças merosina-positiva mostra ampla variabilidadefenotípica24: atrofia e fraqueza muscular leves ou modera-das, com padrão de predomínio proximal e retrações depredomínio distal; poucos têm retrações mais difusas ecifoescoliose, ou exibem a mesma gravidade dos merosina-negativa, embora sem dismorfismo facial tão evidente.Artrogripose é ocasionalmente relatada e, independente-mente da gravidade, o curso é não progressivo ou muitolentamente progressivo, observando-se CPK normal oupouco aumentada.

Uma parte dos pacientes merosina-positiva apresentamanifestações clínicas ou neurorradiológicas, sugerindocomprometimento associado do SNC25: deficiência men-tal em 10%; epilepsia em 25%; alterações neurorradioló-gicas, tais como atrofia cortical, alteração da substânciabranca cerebral, como nas crianças merosina-negativa,hipoplasia cerebelar e displasia cortical fora do contexto dalissencefalia tipo II.

A descoberta do déficit de merosina27 ou alfa-2 lami-nina, principal componente da matriz extracelular, que seexpressa principalmente no músculo, na célula de Scha-wnn, na pele e no trofoblasto placentário28, sendo facil-mente identificável por métodos imunocitoquímicos, im-pulsionou novos progressos em miologia infantil. Os paci-entes merosina-negativa apresentam fenótipo característi-co20,21,24,26: dismorfismo e debilidade facial bilateral (Fi-gura 4), pálato ogival, hipotonia muscular acentuada edifusa, com fraqueza muscular geralmente grau três, retra-ções fibrotendíneas generalizadas e precoces, atrofia mus-cular intensa com cifoescoliose, CPK moderadamente ouacentuadamente aumentada, inteligência normal ou limí-trofe e exames neurorradiológicos mostrando alteraçãodifusa, raramente focal, da substância branca cerebral. NoRN, pode ocorrer dificuldade alimentar e respiratória, e,no primeiro ano de vida, evidencia-se grave hipotoniamuscular e atraso do desenvolvimento motor, sendo amáxima habilidade alcançada a de sentar sem apoio. Noinício da segunda década, a cifoescoliose contribui para oagravamento das intercorrências respiratórias, que podemlevar ao óbito. Determinados tipos de mutações em 6qoriginam deficiência parcial de merosina que, em geral, seencontra associada a quadro mais brando e de início maistardio. A alteração difusa ou focal da substância brancacerebral associada à deficiência de merosina ainda é umaincógnita; porém, como a merosina já foi identificada namembrana basal dos vasos cerebrais, aventa-se que suaausência poderia estar implicada numa possível alteraçãoda barreira hematoencefálica e, conseqüentemente, dometabolismo da mielina20,21,24. O diagnóstico pré-natal épossível, pela análise imunohistoquímica da merosina nasvilosidades coriais ou pela identificação da deleção emfamílias com tipo de deleção já conhecida20,21,24.

Concluindo, apesar dos avanços em genética molecu-lar, ainda não se conhece perfeitamente a correlaçãoclínico-genética das diferentes formas de DMC, existindo

formas não-classificáveis, principalmente do tipo merosi-na-positivas.

Distrofinopatias: DMP ligada ao sexo, formas deDuchenne (DMD) e Becker (DMB)

Diferentes tipos de mutações no gene da distrofina emXp21 são evidenciáveis em dois terços dos casos de DMD,e em 75% dos casos de DMB18. Há deleções que resultamem proteína não-funcionante e em quadros mais gravestipo DMD, enquanto outras resultam em proteína detamanho e quantidade reduzida, porém ainda funcional, oque leva ao quadro mais brando e mais tardio de DMB. ADMD tem alta prevalência (3:100.000) e alta incidência(3:1.000 nascimentos de meninos), enquanto a DMB é 10vezes menos freqüente18.

As mulheres portadoras podem ser assintomáticas,com ou sem aumento de CPK, ou sintomáticas em diferen-tes graus: hipertrofia de panturrilhas, cardiomiopatia oumiopatia leve.

O quadro clínico clássico das distrofinopatias DMD eDMB é uniforme. Em linhas gerais, resumindo, a DMD semanifesta na cintura pélvica entre 2 e 4 anos de idade,sendo porém evidente, já anteriormente, a clássica hiper-trofia de panturrilhas (Figura 2a); nas fases iniciais, o sinalde Gowers ou o levantar miopático e a marcha digitígrada,com báscula da bacia, são característicos; o acometimentoda cintura escapular ocorre entre seis e sete anos, a perdada marcha entre nove e doze anos, e o óbito, por insufici-ência cardíaca ou respiratória, no final da segunda décadaou pouco além. Já a DMB manifesta-se geralmente entresete e dez anos de idade, ou mais, provoca perda da marchageralmente perto de vinte anos, ou mais, e permite sobre-vida variável, inclusive com reprodução. Deficiência men-tal ocorre em cerca de 1/3 e 1/10 dos meninos com DMDe DMB, respectivamente. Em mais da metade dos casosocorre miocardiopatia, acometendo parede póstero-lateraldo ventrículo E, e levando a comprometimento valvular edistúrbios de ritmo. Nos pacientes com DMB, devido aomelhor prognóstico, a cardiomiopatia acaba sendo maislimitante do que nos pacientes com DMD, sendo às vezesmais valorizada do que o déficit motor.

O diagnóstico das distrofinopatias, altamente sugeridopela herança ligada ao sexo, pela cronologia peculiar doquadro clínico, sobretudo na DMD, e pelos altos níveis deCPK, comumente acima de 10.000 UI/l, pode ser confir-mado por análise molecular e, se necessário, por biópsiamuscular em 1/3 dos pacientes, nos quais não se consegueidentificar a mutação. A análise da distrofina na biópsiamuscular pode ser efetuada por imunohistoquímica ou porWestern blot, sendo que a quantidade de distrofina residualé sempre o melhor indicador da gravidade do quadroclínico.

Para diagnóstico pré-natal, a análise molecular é maissegura do que a detecção imunohistoquímica de distrofina,sendo o procedimento sempre bem sucedido nos casos dedeleções já identificadas em outro irmão acometido18.

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O tratamento das distrofinopatias inclui métodos pali-ativos, tais como fisioterapia, cirurgias ortopédicas corre-tivas das retrações fibrotendíneas e da deformidade dacoluna, além de corticoterapia, sobretudo em casos deDMD; inúmeras pesquisas em andamento tentam desco-brir métodos efetivos de tratamento, como por exemplo, otransplante de mioblastos e a terapia gênica18,29.

A corticoterapia com prednisolona ou deflazacort, queapresenta menos efeitos colaterais, está sendo universal-mente empregada, para diminuir o ritmo de perda da forçamuscular, retardar de um a três anos a época do confina-mento à cadeira de rodas e a progressão da cifoescoliose.Acredita-se que o seu efeito pode se manter por três ou maisanos, e é encarada como uma forma de “comprar tempo”para o doente à espera de uma eventual terapia eficaz.Assim, o ideal é começá-la por volta de 5-6 anos, quandoo músculo está preservado e ainda não se iniciou a fase dedeclínio mais rápido da força muscular. É necessária umamonitoração cuidadosa dos numerosos efeitos colateraispossíveis, mas, de um modo geral, após ter acompanhadocerca de 80 pacientes em corticoterapia, podemos conside-rar que os efeitos colaterais são de âmbito menor, e muitoraramente obrigam à suspensão da droga.

DMP forma fácio-escápulo-umeral (sigla internaci-onal FSH)

A distrofia muscular FSH, de herança autossômicadominante e muito rara, mostra defeito molecular no locus4q, existindo relação entre o tamanho da deleção e agravidade do quadro clínico, bem como a idade de início,sendo também notado o fenômeno da antecipação, comdeleções cada vez maiores em gerações sucessivas11,18.

O quadro clínico clássico da FSH se manifesta no inícioda adolescência e associa comprometimento proximal dacintura escapular com comprometimento facial. São carac-terísticas a escápula alada e a boca de tapir. O acometimen-to da cintura pélvica é variável. O nível de CPK é em geralmoderadamente elevado, e o diagnóstico de certeza é peloestudo molecular. Formas pediátricas, de início precoce,podem ser muito graves, tanto na face, que fica pratica-mente paralisada, como nos membros, ocorrendo invali-dez já no fim da primeira década, e existindo ocasional-mente associação com surdez e síndrome de Coat, que éuma degeneração vascular oxidativa da retina18.

Miopatias congênitas (MC)

As MC são um subgrupo de afecções musculares pri-márias, geralmente hereditárias, caracterizadas clinica-mente por início precoce e curso benigno, não progressivoou lentamente progressivo e, histopatologicamente, peloencontro de anormalidades estruturais definidas à biopsiamuscular. A etiopatogenia deste tipo de miopatia não estáesclarecida, supondo-se que seja provavelmente depen-dente de anormalidades no desenvolvimento e amadureci-mento da fibra muscular.

Apesar deste conceito clássico, sua classificação édifícil e obedece a critérios puramente morfológicos30.Reconhecem-se fundamentalmente as MC estruturais enão estruturais, dependendo das anormalidades serem ounão derivadas dos componentes normais das fibras muscu-lares, e as MC mistas12.

Clinicamente, o quadro é multiforme e não obrigatori-amente benigno, podendo se manifestar formas graves, atéfatais, além de existirem formas de início tardio ou emadultos. Geneticamente, há variados tipos de herança e delocus, inclusive para a mesma forma clínica. Entre asmuitas subformas de miopatias congênitas, a central core,a nemalínica e a miotubular são as melhor definidas quantoao tipo de anormalidade estrutural.

Na miopatia tipo central core, o aspecto específico dafibra muscular consiste de focos centrais de miofibrilasanômalas, que se coram por métodos específicos. Apesarde fundamentalmente benigna, com pequeno comprometi-mento da cintura escapular e eventualmente da musculatu-ra facial, associa-se comumente à luxação congênita doquadril, necessitando eventualmente de correção cirúrgi-ca. Qualquer procedimento cirúrgico em pacientes comcentral core, deve considerar o elevado risco de hiperter-mia maligna durante indução anestésica com halotano esuccinilcolina. Predisposição a este grave fenômeno, fre-qüentemente fatal, cuja prevenção é intensivamente estu-dada de forma multicêntrica, é ligada ao locus 19 q comoa central core. O gene codifica proteínas reguladoras dometabolismo do cálcio intracelular que, quando alterado,desencadeia a cascata citotóxica, com morte celular eextensa rabdomiólise, além da hipertermia.

Na miopatia nemalínica, o aspecto específico é a pre-sença de bastonetes, que são estruturas alongadas, compos-tas principalmente de alfa-actinina e desmina, derivadasda banda Z. A herança pode ser autossômica dominante ourecessiva, existindo clinicamente um amplo espectro degravidade que inclui formas pré ou neonatais gravíssimas,formas congênitas típicas de início na infância e gravidadevariável, comprometendo freqüentemente a respiração e adeglutição, formas intermediárias entre a neonatal e acongênita e, ainda, formas tardias, mais benignas. Odismorfismo facial é comum e muito característico. Atual-mente, conhecem-se pelo menos quatro genes implicados(2q22, nebulina; 1q22, alfa-tropomiosina; 9p13, beta-tropomiosina; 1q42, alfa-actina). A acentuada heteroge-neidade clínica e genética propicia vários estudos degenética molecular31-33.

Na miopatia centronuclear, o aspecto específico é aocorrência de miotúbulos fetais, estruturas sugestivas deatraso do amadurecimento do sistema sarcotubular, dis-postos centralmente34. Distinguem-se diferentes formasclínicas. Na forma de herança recessiva ligada ao sexo, olocus genético é em Xq28, e a proteína miotubularina estáimplicada com mecanismos que afetam a miogênese tar-dia. Essa forma é extremamente grave, com dificuldadealimentar e respiratória desde o nascimento, sendo possí-

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veis o diagnóstico fetal e a identificação das portadoras.Nas formas menos graves, de herança autossômica domi-nante ou recessiva, verifica-se variabilidade do quadroclínico, que ora é grave, de início precoce com importanteretardo do desenvolvimento, ora é insidioso e apresentainício mais tardio e pouca limitação. O achado freqüente desemiptose palpebral e a eventual associação com compro-metimento do SNC (convulsões e deficiência mental) sãodados indicativos do diagnóstico.

Distrofia miotônica congênita

A distrofia miotônica, ou doença de Steinert, é devidaa uma seqüência instável anormal de DNA no locus19q35,36. Em gerações sucessivas, vai ocorrendo umaexpansão progressiva do fragmento afetado do gene, e,pelo fenômeno da antecipação, o início da sintomatologiatorna-se mais precoce, e o quadro clínico, mais grave.Assim, pacientes com a forma congênita, muito grave,exibem bandas de DNA anormal mais largas, ao passo queindivíduos adultos, com comprometimento discreto possu-em bandas pouco maiores que a dos indivíduos nor-mais35,36.

Esses avanços da genética molecular permitem o reco-nhecimento e, portanto, o aconselhamento genético dosindivíduos assintomáticos ou apenas minimamente afeta-dos, e permitem o diagnóstico fetal da forma congênita.

Dado que na forma congênita, na grande maioria dasvezes, é a mãe que está acometida, a detecção de pacientesassintomáticas ou minimamente afetadas do sexo femini-no, em idade fértil, é essencial para a prevenção deste gravequadro, embora o risco total de uma gestante nestascondições dar à luz uma criança com a forma congênitaseja relativamente baixo, da ordem de 10%. Quando agestante apresenta quadro multissistêmico grave, o risco épróximo a 80%. O quadro clínico da distrofia miotônicacongênita é grave, com início neonatal ou pré-natal, po-dendo ocorrer artrogripose múltipla congênita, natimortose polidrâmnio. Observa-se acentuada hipotonia muscularcom comprometimento predominantemente proximal e damusculatura da face, língua, faringe e diafragma, sendocomuns dificuldades alimentares, por sucção fraca ou pordisfagia, e complicações respiratórias com elevada porcen-tagem de óbitos no primeiro mês. No período neonatal, ofenômeno miotônico não é aparente, nem mesmo atravésde EMG. Quando a criança sobrevive, pode ocorrer retardoglobal do desenvolvimento neuropsicomotor e deficiênciamental, mas a doença tende a não progredir durante umlongo período, surgindo, eventualmente, deterioraçãomotora e intelectual somente a partir da segunda outerceira décadas. Na criança maior é evidente a diplegiafacial, com lábios protraídos e dificuldade de fala. Asalterações sistêmicas da doença não são observadas naforma congênita, a não ser o comprometimento cardíaco,ocasionalmente.

Miopatias metabólicas

As miopatias metabólicas ocorrem por alteração dometabolismo do glicogênio, das mitocôndrias ou dos ca-nais iônicos (canalopatias). Em geral constituem formasgraves, com início neonatal ou infantil precoce, e manifes-tações dramáticas, tais como dificuldade alimentar e respi-ratória, distúrbios metabólicos freqüentemente fatais eacometimento multissistêmico. As formas moderadas ouleves podem evoluir com quadro miopático crônico demaior ou menor gravidade ou sob forma de surtos agudos,recorrentes e reversíveis de fraqueza muscular, intolerân-cia aos exercícios, cãibras e, eventualmente, fenômenomiotônico e mioglobinúria.

Entre as glicogenoses1,38,39, a forma II, por deficiênciada maltase ácida (doença de Pompe), de herança autossô-mica recessiva, é a mais grave e apresenta um subtipo quepode estar evidente em alguns meses ou já ao nascimento,através de comprometimento multissistêmico (muscular,cardíaco e visceral, SNC e sistema nervoso periférico).

As mitocondriopatias38-41 representam um vastíssimoe complexo campo de afecções clinicamente e genetica-mente heterogêneas, dependentes de defeitos no metabo-lismo das mitocôndrias, que podem ser de diferentes tipos.Na maioria das mitocondriopatias, o comprometimentomuscular é absolutamente heterogêneo: generalizado, po-dendo ser grave e precocemente fatal; de predomínio emcinturas, fácio-escápulo-umeral, ou musculatura ocular;estático, progressivo ou em surtos de intolerância aosexercícios, com ou sem mioglobinúria e distúrbios metabó-licos. Além do quadro muscular, as mitocondriopatias sãofreqüentemente multisistêmicas, podendo afetar o SNC, aretina, o coração, os rins, o fígado, o pâncreas e o sistemaendócrino. A heterogeneidade genética se traduz por casosesporádicos, herança materna associada a múltiplas muta-ções do DNA mitocondrial, herança autossômica domi-nante, recessiva e recessiva ligada ao sexo.

Em algumas mitocondriopatias, através da biopsiamuscular (coloração Gomori modificado), identifica-seproliferação anormal das mitocôndrias, representada porfibras ragged red, que são histoquimicamente succinato-dehidrogenase (SDH) positivas. Na prática diária, casosclinicamente compatíveis com mitocondriopatia, mos-trando elevação do lactato sérico ou liquórico e biópsiamuscular com fibras ragged red, são de difícil identifica-ção bioquímica ou genética. Mesmo assim, são tentadosesquemas de tratamento, que oferecem resultados absolu-tamente inconstantes. Sobretudo nos distúrbios da cadeiarespiratória, preconiza-se administração combinada devitaminas em altas doses e co-fatores em proporções vari-áveis: succinato (2 a 6 mg/dia), vitamina K3 (20 a 80mg/dia), vitamina C (4 a 5 g/dia), coenzima Q10 (100 a150 mg/dia), riboflavina (100 a 300 mg/dia), nicotinamida(0,5 a 1 mg/dia), vitamina E (400 a 1000 UI/dia) e tiamina(200 mg/dia)38,39.

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As mitocondriopatias por defeitos do transporte e sub-seqüente oxidação dos ácidos graxos para o interior dasmitocôndrias são denominadas distúrbios da ß-oxida-ção38,39. Destes, o déficit primário de carnitina, queassocia miopatia com miocardiopatia, responde bem àadministração oral de carnitina; o déficit de carnitina-palmitil-transferase II, em crianças maiores e adolescen-tes, mostra quadro clínico benigno, semelhante ao dealgumas glicogenoses, com surtos de dor muscular apósexercícios físicos ou jejum prolongado. Nos demais defei-tos, afetando o metabolismo de diversos ácidos graxos decadeia curta, média, longa ou muito longa, o início ocorreem qualquer idade, instalando-se gradativamente debili-dade muscular de predomínio proximal e, eventualmente,comprometimento da musculatura inervada pelos nervoscranianos, polineuropatia e retinopatia. Em alguns pacien-tes, o quadro é grave, ou até fatal, com surtos precoces dehipoglicemia hipocetótica e comprometimento hepático,cardíaco e encefalopático. O tratamento baseia-se em dietapobre em gordura, utilizando triglicérides de cadeia mé-dia, que independem da carnitina para entrar nas mitocôn-drias. A biópsia muscular mostra o acúmulo de lípides nasfibras tipo I, e em alguns casos há evidente melhora comadministração de carnitina, na dose de 100 mg/kg/dia.Parte dos defeitos da ß-oxidação são diagnosticados labo-ratorialmente nos grandes centros, através do perfil bio-químico da ß-oxidação, ou de outros métodos mais sofisti-cados.

As paralisias periódicas por anormalidade dos canaisde íons nos músculos (canalopatias) são miopatias meta-bólicas raras, particularmente na infância, com quadroclínico muito sugestivo42. A forma hipercaliêmica, deherança autossômica dominante ligada ao cromossoma 17,e com diferentes tipos de mutações levando à anormalidadedo canal de sódio, é a mais observada em crianças. Benig-na, caracteriza-se por surtos de fraqueza muscular deduração de até 4 horas, em geral limitada aos membros,sem intercorrências respiratórias. Os níveis de potássioelevam-se durante a crise, porém, freqüentemente, nãoultrapassam o limite superior do normal. Repouso logoapós exercício prolongado é fator desencadeante habitual,de modo que se aconselha a prática de exercícios de formaregular, não extenuante. O tratamento preventivo consistena administração de diuréticos, tipo clorotiazida e, maisraramente, acetazolamida, que provoca maior número deefeitos colaterais. Em quadros mais graves pode seradministrada glicose EV, associada ou não à insulinasubcutânea.

Entre as miopatias adquiridas, as miosites inflamató-rias de natureza auto-imune são entidades de fácil reconhe-cimento quando manifestam os característicos curso agudoou subagudo com predomínio cervical da fraqueza, dormuscular, eritema na região malar e palpebral com edemaperiorbitário, bem como elevação acentuada dos níveis deCPK e das outras enzimas musculares. A biópsia muscularmostra, além do infiltrado inflamatório característico,

atrofia perifascicular, porque a agressão auto-imune àmicrovasculatura muscular atrofia preferencialmente asfibras mais periféricas do fascículo. O tratamento é tradi-cionalmente longo e, nos casos típicos, pode ser iniciadocom corticoterapia, mesmo antes do resultado da biópsiamuscular, adotando-se, quando necessário, outras medi-das imunossupressoras mais drásticas, tais como azatio-prina, ciclofosfamida, metotrexate e ciclosporina43. Noscasos de instalação crônica sem alterações cutâneas e semaumentos consistentes dos níveis enzimáticos, o diagnós-tico diferencial com as diferentes formas de DMP pode serdifícil, e a EMG que, dentro de um padrão miogênico dealteração, mostra alguns aspectos peculiares, bem como abiópsia muscular, devem ser efetuadas antes de introduziro tratamento.

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Endereço para correspondência:Dra. Umbertina C. ReedHospital das Clínicas - Departamento de NeurologiaAv. Enéas de Carvalho Aguiar, 255, 5o andar, sala 5031CEP 05403-900 – São Paulo, SPFone/fax: (11) 3062.0063E-mail: [email protected] [email protected]

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