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REVISTA Soc. Bras. Economia Política, São Paulo, nº 31, p.97-106, fevereiro 2012 .97 Estado de Natureza, Dominium e Política Econômica no pensamento hobbesiano Fernando Ribeiro i Resumo O artigo propõe um itinerário teórico que perpassa os conceitos hobbesianos de Estado de natureza, Estado civil e política econômica. O encadeamento desses FRQFHLWRV SHUPLWH TXH VH FRPSUHHQGD D VLPXOWDQHLGDGH DQDOtWLFD HQWUH D GH¿QLomR política e jurídica da propriedade privada e a emergência da liberação do trabalho como uma força indutora da abundância do Estado. Além disso, essas considerações permitem iluminar um aspecto do pensamento hobbesiano que em geral é relegado a um segundo plano: suas contribuições para a formação da teoria do valor trabalho e, portanto, para a plena realização da Economia Política Clássica capitaneada, um VpFXOR GHSRLV SRU $GDP 6PLWK $VVLP +REEHV HPHUJH GDV ¿OHLUDV GR SHQVDPHQWR político clássico para ocupar seu lugar entre os autores econômicos que se colocam na transição do buillionismo para a teoria do valor trabalho. Palavras Chave: Thomas Hobbes, Estado de Natureza, Estado Civil, Economia Política. &ODVVL¿FDomR -(/: B 12. i Economista, Mestre em Economia Política pela PUC-SP e Doutor em Ciências Sociais (Ciências Políticas) pela PUC-SP. Professor da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuaria da PUC-SP e do INSPER. Correio eletrônico: fernandoribe@hotmail. com.

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  • REVISTA Soc. Bras. Economia Poltica, So Paulo, n 31, p.97-106, fevereiro 2012 .97

    Estado de Natureza, Dominium e Poltica Econmica no pensamento hobbesianoFernando Ribeiroi

    Resumo

    O artigo prope um itinerrio terico que perpassa os conceitos hobbesianos de Estado de natureza, Estado civil e poltica econmica. O encadeamento desses FRQFHLWRV SHUPLWH TXH VH FRPSUHHQGD D VLPXOWDQHLGDGH DQDOtWLFD HQWUH D GHQLomRpoltica e jurdica da propriedade privada e a emergncia da liberao do trabalho como uma fora indutora da abundncia do Estado. Alm disso, essas consideraes permitem iluminar um aspecto do pensamento hobbesiano que em geral relegado a um segundo plano: suas contribuies para a formao da teoria do valor trabalho e, portanto, para a plena realizao da Economia Poltica Clssica capitaneada, um VpFXORGHSRLVSRU$GDP6PLWK$VVLP+REEHVHPHUJHGDVOHLUDVGRSHQVDPHQWRpoltico clssico para ocupar seu lugar entre os autores econmicos que se colocam na transio do buillionismo para a teoria do valor trabalho. Palavras Chave: Thomas Hobbes, Estado de Natureza, Estado Civil, Economia Poltica.&ODVVLFDomR-(/: B 12.

    i Economista, Mestre em Economia Poltica pela PUC-SP e Doutor em Cincias Sociais (Cincias Polticas) pela PUC-SP. Professor da Faculdade de Economia, Administrao, Contabilidade e Atuaria da PUC-SP e do INSPER. Correio eletrnico: [email protected].

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    Introduo

    Thomas Hobbes (1588-1679) um pensador maior dentre os OyVRIRVSROtWLFRV6HFUHWiULRGH)UDQFLV%DFRQHQWUHe 1626, talvez tenha achado o empirismo demasiado limitado para a compreenso dos eventos sociais que, em meados do sculo XVII OHYDULDPD ,QJODWHUUD j*XHUUD&LYLO &RQWXGR D FRQUPDomRda razo e da existncia pela via do racionalismo de Descartes (1596- WDPSRXFR SRGHP FRQGX]LU R OyVRIR RX FLHQWLVWD VRFLDO SHORVcaminhos das dualidades e contradies to prementes na Inglaterra dos seiscentos.

    Porm, de um lado assume-se a postura metodolgica de gemetra, eventualmente consolidada aps os encontros com Galileu Galilei (1564-1642), expressa na hiptese ahistrica do estado de natureza, KLSyWHVHPDVVLPXOWDQHDPHQWHYHULFDomRHPStULFDQHFHVViULDSDUDse consolidar, pela sua nulidade mediante uma adio do seu contrrio, RVGHVHQKRVHDVVXEVWkQFLDVGRHVWDGRFLYLODQDO

    Quando algum raciocina, nada mais faz do que conceber uma soma total, a partir da adio de parcelas, ou conceber um resto a partir da subtrao de uma soma por outra; o que (se for feito com palavras) conceber as consequenciais dos nomes de todas as partes para o nome da totalidade, ou dos nomes da totalidade e de uma parte, para o nome da outra parte (HOBBES, 2004, p. 51).

    De outro lado, o materialismo que se expressa no basilar conceito de liberdade como a ausncia de impedimentos ao movimento bem como na coleo de eventos empricos relacionados nos primeiros onze captulos do Leviat. No se coloca apenas um meio caminho, desde logo esquemtico e empobrecedor, entre as possibilidades PHWRGROyJLFDV FRORFDGDVQD DXURUDGD UHYROXomRFLHQWtFDGR VpFXORXVII: materialismo e induo versus racionalismo e deduo elementos redutveis, a elevadssimos custos de preciso, Bacon e Descartes.

    +REEHV SHORV FDPLQKRV GH VXD ORVRD QRPLQDOLVWD HVWUXWXUDum sistema terico sobre o poder e sua determinao na fundao da sociabilidade objeto de inmeras exegeses. Desde logo, no se assume,

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    nas vocaes desse artigo, esse intuito. As inquietaes que mobilizaram HVVDVUHH[}HVUHODFLRQDPVHDVHJXLQWHSHUJXQWDRTXH+REEHVWHPDdizer sobre economia?

    No Leviat esse tema levantado no captulo XXIV, Da nutrio e procriao de um Estado. L se pode ver os primeiros traos da teoria do valor trabalho em lngua inglesa: A tal ponto a abundncia depende simplesmente (a seguir ao favor de Deus) do trabalho e esforos humanos (HOBBES, 2004, p. 195). A convergncia para a declarao que abre a primeira obra da cincia econmica notvel: 2trabalho anual de cada nao constitui o fundo que originalmente lhe fornece todos os bens necessrios e os confortos materiais que consome anualmente. (SMITH, 1983, p. 59).

    Porm, para que se chegue nutrio e abundncia do estado, necessrio que esse venha a existir. O Contrato Social representa e viabiliza a transio da natureza para a civitas. Dessa forma, o foco deste ensaio apresentar as possveis relaes entre os conceitos de Estado de natureza, a atribuio da soberania expressa na determinao das leis civis que regulam a propriedade e as consideraes hobbesianas VREUHSROtWLFDHFRQ{PLFDHVSHFLFDPHQWHH[SUHVVDVQRFDStWXOR;;,9do Leviat.

    Para tanto, caracteriza-se o Estado de natureza atentando especialmente para as circunstncias que inviabilizam a prosperidade sob este estado belicoso (item 2). A transio para o Estado Civil, por PHLRGR&RQWUDWR6RFLDOGHLWDROKRVHVSHFLFDPHQWHSDUDDFRQVWLWXLomRGRV GLUHLWRV GR 6REHUDQR HVSHFLDOPHQWH R SRGHU GH GHQLomR SRUmeio das leis civis da propriedade bem como da liberao da fora de trabalho como fora criadora da abundncia do Estado (item 3). Uma caracterizao da poltica econmica do pensamento hobbesiano p IRUPXODGD QR TXDUWR WySLFR GR HQVDLR H SRU P VmR DOLQKDGDV DVFRQVLGHUDo}HVQDLV

    Estado de natureza e prosperidade

    Fundamentalmente, o Estado de natureza alinha os argumentos TXH MXVWLFDP D FULDomR GR+RPHP$UWLFLDO %REELR S HSantilln, 1996, p.19). De fato, o ponto central buscar os meios de

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    preservao social do bem maior, ou seja, da vida. A ameaa vida contnua em virtude daquilo que Bobbio (1991), Santilln (1996) e %REELRH%RYHURGHQHPFRPRFRQGLo}HVREMHWLYDVHVXEMHWLYDVpresentes no Estado de natureza.

    Dentre as condies objetivas distingue-se, desde logo na igualdade, a principal causa da manuteno daquele lapso de tempo durante o qual a YRQWDGHGHWUDYDUEDWDOKDpVXFLHQWHPHQWHFRQKHFLGD+REEHVS109). Esta igualdade, por sua vez pode ser derivada em trs componentes, conforme Santilln (1996, p. 21): uma igualdade de fato, associada dotao igualitariamente natural de intelecto e de fora; uma igualdade de direito a todas as coisas, inclusive vida do outro; e uma igualdade das paixes, especialmente da tendncia geral de todos os homens [possurem] um perptuo e irrequieto desejo de poder e mais poder, que cessa apenas com a morte (Hobbes, 2004, p. 91). Uma segunda condio objetiva atenta para a escassez dos bens, o que imprime ao homem a igualdade de esperana GHDWLQJLUPRVQRVVRVQV+2%%(6S

    Se os bens so escassos, se h igualdade de fato bem como h igualdade de paixes, o igual direito a todas as coisas, expresso no direito natural, resulta em plena insegurana entre os indivduos, cujas relaes pautam-se, nestas circunstncias, por paixes relacionais: em primeiro lugar, a paixo pelo poder, associada glria em segundo lugar DFRPSHWLomRHHPWHUFHLUROXJDUDGHVFRQDQoD+2%%(6S

    Dessa forma, a racionalidade sugerida pela segunda assertiva da primeira lei de natureza - em no conseguindo garantias da busca pela paz por todos os outros, procurar e usar todas as vantagens da guerra (Hobbes, 2004, p. 114) leva os homens antecipao, ou seja, a predisposio contnua para a batalha, caracterizando o Estado de natureza como o estado de guerra de todos contra todos.

    Nestas circunstncias, a sociabilidade inexiste e isto imprime YLGDKXPDQDDVTXDOLFDo}HVGHVROLWiULDSREUHVyUGLGDHPEUXWHFLGDHFXUWD+2%%(6S$WHPRQRViTXDOLFDomRGHXPDvida pobre na concepo estrita de uma vida onde a prosperidade econmica no tem lugar, desde logo porque no h propriedade, nem domnio, nem distino entre o meu e o teu (...) (HOBBES, 2004, p. 'HVVDIRUPDDLQH[LVWrQFLDGDJXUDMXUtGLFDGDSURSULHGDGHDjustia no um atributo natural dos homens e s emerge a partir da

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    fundao do Estado Civil) no viabiliza a diviso do trabalho, uma vez que no h lugar para a instncia do mercado. Alm disso, em no havendo a constituio do Estado Civil, a abundncia inexiste, pois esta deriva, para a alm da dotao dos recursos pela vontade divina, do trabalho e esforo dos homens, os quais no sero despendidos sob o signo da plena insegurana (HOBBES, 2004, p. 195).

    H aqui uma proposio central para a apreciao do lugar do domnio econmico na constituio do corpo poltico por instituio, lugar este que, dentro da estrutura hobbesiana, est subordinado, em termos analticos, formao do soberano por meio do Pacto Social. De fato, conforme aponta Letwin (2003, p. 137) Hobbes disse pouco, quase nada, sobre economia. E isto no deve nos surpreender pelo IDWRGHTXHDORVRDSROtWLFDIRLHDLQGDpLQWHUHVVDGDHPTXHVW}HVmais abrangentes do que a organizao econmica da sociedade ou do programa econmico do Estado.

    Estado Civil, Trabalho e Propriedade

    A conservao da vida, o objetivo fundamental do homem, no repousa no clculo racional. Como objetivo fundamental torna-se vital e dotado de inrcia. A razo que orienta os movimentos dos homens no Estado de natureza a mesma que os faz perceber que a idia de conservao pode ser entendida na forma social da segurana (Polin, 2003, p. 113), ou seja, a mesma que os imprime realizao do pacto fundador do Leviat (POLLIN, 2003: p. 113). Esta permanncia GD UD]mR GHULYD GH VXD TXDOLFDomR FRPR SDUWH GD QDWXUH]D KXPDQD(HOBBES, 2002, p. 25).

    $UD]mRH[SUHVVDQDVOHLVGHQDWXUH]DDSHUFHSomRGDHFiFLDGDforma social da segurana bem como o desejo daquelas coisas que so necessrias para uma vida mais confortvel, e a esperana de consegu-las atravs do trabalho (Hobbes, 2004, p. 111) juntamente com o medo da morte, levam os homens a institurem a transferncia de seu direto a tudo (inclusive prpria vida, mas no resistncia morte), por meio do pacto social, para o Soberano (uma pessoa ou uma assemblia).

    $XQLFDomRGRVSRGHUHVDQWHVGLVSHUVRVQDJXUDGR6REHUDQR

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    cria uma invencvel massa de poder, cuja traduo em termos polticos, a violncia, viabiliza a emergncia da organizao social de uma nova fora: o trabalho. Dessa forma,

    (...) a esperana de viver bem graas ao seu trabalho substitui a esperana de conservar sua vida defendendo-a pela violncia. A abundncia de todos os bens propcios ao bem-estar dos homens depende unicamente de seu trabalho e de sua indstria. Ao lado da fora como violncia aparece ento um novo tipo de fora, o trabalho (...) (POLIN, 2003, p. 114).

    Portanto, o Pacto que representa a morte do Estado de natureza e, portanto, a extino das circunstncias que inviabilizam a diviso do trabalho, expressa tambm o nascimento de seu momento antittico, o (VWDGR&LYLOHDFRQVWLWXLomRGRRUGHQDPHQWRMXUtGLFRTXHTXDOLFDDSRVVHHDSURSULHGDGHHOHPHQWRVGHVGH ORJRDUWLFLDLVDVVLPFRPRo prprio Estado Civil, haja vista a oposio hobbesiana doutrina aristotlica do zoon politikon (HOBBES, 2002, p. 25).

    (VWHDWRYROXQWiULR DUWLFLDO WUDGXWRUGDSRVVLELOLGDGHKXPDQDGHLPLWDUDQDWXUH]DDRFULDUXPKRPHPDUWLFLDOUHVXOWDFRPRGLWRQDFRQFHQWUDomRGRVSRGHUHVGLVSHUVRVQDJXUDGR6REHUDQRUHSUHVHQWDQWHalma, do Estado. Os atos do soberano, como a essncia do Estado e da dominao por instituio, so representaes da vontade do todos aqueles que a ele transferiram seu poder (direito de natureza), por meio de pactos recprocos, de tal sorte a que o Soberano lance mo de todas as aes julgadas necessrias e cabveis para a consecuo de sua razo de ser: paz interna e defesa externa (HOBBES, 2004, p. 27).

    O imenso poder do Soberano traduz-se na soberania absoluta, cuja nica restrio a falncia na consecuo das razes de sua instituio. Dentre os diversos direitos do Soberano, interessa-nos todo o poder de prescrever as regras atravs das quais todo homem pode saber quais os bens de que pode gozar, e quais as aes que pode praticar, sem ser molestado pro nenhum de seus concidados: a isto que os homens chamam de propriedade. (HOBBES, 2004, p. 148).

    Contudo, a regulao dos direitos de propriedade est subordinada sempre a constituio prpria da Soberania cuja essncia a representatividade e reconhecimento por parte dos sditos de

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    suas vontades nas aes do soberano. Dessa forma, estende-se a caracterizao de dominium da soberania para alm do imperium. De tal sorte que o Soberano pode dispor das terras quando julgar necessrio SDUDDPDQXWHQomRGDSD]LQWHUQDHGDGHIHVDH[WHUQD$TXLFDFODUDDsubordinao no apenas analtica, mas tambm normativa no modelo hobbesiano, da ordem econmica em relao quela instncia social cuja atribuio a diminuio da insegurana: a poltica.

    Atribuies econmicas do Soberano

    A transio do Estado de natureza, no qual a prosperidade inexiste por no haver condies para a troca e conseqentemente para a diviso do trabalho, para o Estado Civil, no qual a igualdade (causa objetiva do estado de guerra) rompe-se na criao de um novo equilbrio de foras pautado na diferenciao entre soberano e sditos, liberta, na ordem social, a capacidade transformadora da fora do trabalho. Disso deriva a prosperidade do Estado ou em termos hobbesianos, a nutrio do Estado a qual consiste na abundncia dos materiais necessrios vida (HOBBES, 2004, p. 195).

    Uma vez instituda a sociabilidade pautada na razo do Estado, este ganha atribuies meramente econmicas cuja localizao terica est sempre subordinada ao esforo de unidade do poder, desde logo necessrio para a paz interna e a defesa externa. Tais atributos econmicos do Estado aparecem em Hobbes com tons claramente mercantilistas.

    Em primeiro lugar, o atributo de dominium da soberania traduz a prevalncia do Estado sobre a propriedade do sdito sobre a terra. De IDWRVHDJXUDMXUtGLFDGDSURSULHGDGHGHULYDGDVOHLVFLYLVHPDQDGDVpelo soberano e a este cabe a distribuio das terras conforme o que o soberano considerar compatvel com a equidade, a propriedade de um sdito sobre suas terras d-lhe direito de expulsar qualquer outro sdito, mas no o soberano.

    Em segundo lugar, e esta atribuio do soberano ainda mais mercantilista, institui-se o monoplio, consentido pelo soberano, s FRPSDQKLDV GH FRPpUFLR H[WHULRU GHQLQGRVH RV GHVWLQRV H RULJHQV

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    GRVX[RV GH FRPpUFLR EHPFRPRQRTXH WDLVX[RV VH FRQVWLWXHPAs razes para tanto so sempre de carter poltico. As aes privadas, pela busca do lucro, se deixadas sem a tutela do Estado, poderiam desembocar no comrcio, com os inimigos, de bens que prejudicassem o Estado.

    Cabe ao soberano, a instituio do meio circulante que viabiliza as trocas e o acondicionamento. Curioso como Hobbes atribui, de um lado, a caracterstica de reserva de valor para a moeda: (...) a reduo de todos os bens que no so imediatamente consumidos, e so reservados para nutrio num momento posterior (...) (HOBBES, 2004, p. 198). E, de outro lado, o sentido de meio de troca e de unidade de conta, todos atributos de qualquer materialidade que simbolize o valor de todas as coisas. Ao Estado, portanto, cabe a cunhagem de moeda. A circulao monetria, tambm aqui, referenciada em termos do Estado. Os canais dessa corrente sangnea de um Estado so apenas dois: os tributos e os gastos do governo. Aprender a moeda como aquilo que viabiliza XPX[RGHPDWpULDV LQGLFDDPDWXULGDGHGRSHQVDPHQWRHFRQ{PLFRe mercantilista ingls em contraposio s doutrinas metalistas do mercantilismo espanhol de um sculo antes.

    Mais ainda, conceber que a abundncia de um Estado derivada do trabalho e esforo humanos representa o incio de um conceito IXQGDPHQWDOGD(FRQRPLD3ROtWLFD&OiVVLFDTXHYDLLGHQWLFDUDULTXH]Dde uma nao, no como um estoque de metais preciosos, como no PHUFDQWLOLVPRPDVFRPRRIUXWRGHXPX[RGHWUDEDOKRGHVSHQGLGR

    Consideraes Finais

    No Estado de natureza, a igualdade e disperso dos poderes inviabiliza a emergncia prosperidade, pois no h convenes sobre propriedade e assim, a fora de cada um despendida para a consecuo da segunda assertiva da primeira lei de natureza no havendo espao para a organizao social da fora de trabalho.

    Dessa forma, apenas a criao da desigualdade entre soberano e sditos viabiliza a emergncia social da fora do trabalho como transformadora e criadora da abundncia, uma vez que se institui o

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    carter social da segurana, libertando a fora de trabalho para o fomento da abundncia, alm disso, direito do soberano por instituio regular, por meio das leis civis, a propriedade, elemento fundamental para a troca e para a conseqente diviso do trabalho.

    As proposies de poltica econmica de Hobbes, se de um lado ecoam elementos puramente mercantilistas, de outro esboam concepes modernas sobre a moeda, mas fundamentalmente sobre a FRQFHSomRGHTXHDULTXH]DGHXPDQDomRpUHVXOWDGRGHXPX[RGHtrabalho despendido ao longo do tempo, o que viria a ser postulado por Quesnay e Smith cerca de um sculo depois (QUESNAY, 1969 e SMITH, 1983).

    Abstract

    The paper proposes to analyses the theoretical concepts of Hobbesian state of nature, status and economic policy. These concepts permit to understand the simultaneity EHWZHHQ WKH DQDO\WLFDO DQG OHJDO SROLWLFDO GHQLWLRQ RI SULYDWH SURSHUW\ DQG WKHemergence of liberation from work as a binding force of the state of abundance. Furthermore, these considerations serve to illuminate an aspect of Hobbes thought that is usually relegated to the background: his contributions to the formation of the labor theory of value and therefore to the full realization of the classical political economy that reach the top, a century later, with Adam Smith. Thus, Hobbes emerges from classical political thought to take its place among the authors that arise in economic transition from buillionismo to labor theory of value..H\:RUGV: Thomas Hobbes, State of Nature, Civil State, Political Economy.

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