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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM FACULDADE INTEGRADA PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU A AUDITORIA FORENSE E O SEU PAPEL NO COMBATE ÀS FRAUDES E À CORRUPÇÃO NO BRASIL E NO MUNDO Gabriel Marques Carvalhal ORIENTADOR: Prof. Luciana Madeira Rio de Janeiro 2016 DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEIDE DIREITO AUTORAL

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

AVM – FACULDADE INTEGRADA

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

A AUDITORIA FORENSE E O SEU PAPEL NO COMBATE ÀS

FRAUDES E À CORRUPÇÃO NO BRASIL E NO MUNDO

Gabriel Marques Carvalhal

ORIENTADOR: Prof. Luciana Madeira

Rio de Janeiro 2016

DOCUMENTO P

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UTORAL

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

AVM – FACULDADE INTEGRADA

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

Apresentação de monografia à AVM Faculdade Integrada como requisito parcial para obtenção do grau de especialista em Auditoria e Controladoria. Por: Gabriel Marques Carvalhal

A AUDITORIA FORENSE E O SEU PAPEL NO COMBATE ÀS

FRAUDES E À CORRUPÇÃO NO BRASIL E NO MUNDO

Rio de Janeiro 2016

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AGRADECIMENTOS

Aos professores e aos colegas de classe, pela

cooperação e por tudo o que aprendi com nosso

convívio e troca de experiências.

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DEDICATÓRIA

Às minhas amadas mãe e esposa, por todo o

suporte e dedicação.

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RESUMO

Objetiva-se com este estudo demonstrar a importância da aplicação

de técnicas de Auditoria Forense, para identificação e tratamento assertivo dos

responsáveis por atos fraudulentos nas empresas e organizações, bem como

esclarecer de que forma essa abordagem diferenciada de auditoria pode

contribuir na definição de estratégias de combate à fraude, não só em sua

detecção e apuração, mas também na sua efetiva prevenção.

Serão apresentados aspectos relacionados ao cenário das fraudes

no Brasil e no Mundo, conceitos básicos sobre fraudes, demonstrando como se

diferenciam e se complementam os processos da Auditoria Tradicional e da

Auditoria Forense, identificando e elaborando os procedimentos específicos

relativos à esta nova especialidade.

Através dos exemplos apresentados e de citações da literatura sobre

o assunto, pretende-se demonstrar como o aumento dos esforços para

detecção de casos de corrupção e fraudes têm influenciado na compreensão

de empresas, governos e autoridades legais sobre os benefícios da Auditoria

Forense, que irá tornar-se essencial para coleta, preservação e apresentação

em juízo das provas obtidas.

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METODOLOGIA

A pesquisa se valerá, principalmente, de referências bibliográficas

que incluem autores como Vona, Leonard W. e sua obra Fraud Risk

Assessment - Building a Fraud Audit Program, Manning, George A. com

Financial Investigation and Forensic Accounting e Singleton, Tommie W.,

corresponsável pela publicação do livro Fraud Auditing and Forensic

Accounting.

Casos veiculados na mídia através de jornais, revistas e sites na

Internet, como a investigação do esquema do “Petrolão” conduzida pela Polícia

Federal Brasileira e os principais escândalos financeiros do início do século

XXI, também serão objetos de estudo, além de gráficos, estatísticas e relatórios

sobre fraudes publicados por empresas conceituadas como a KPMG, Ernst &

Young e PwC, bem como organizações como a ACFE e o AICPA.

Outras fontes de informação incluem dissertações de Mestrado da

Universidade de Coimbra e do Instituto Politécnico de Tomar, em Portugal.

Não haverá pesquisa de campo na produção desta monografia.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I

O CENÁRIO DAS FRAUDES NO BRASIL E NO MUNDO E O SURGIMENTO

DE UMA NOVA ESPECIALIDADE 09

CAPÍTULO II

CONCEITOS BÁSICOS SOBRE FRAUDE 18

CAPÍTULO III

A AUDITORIA TRADICIONAL E A AUDITORIA FORENSE 26

CAPÍTULO IV

PROCEDIMENTOS DE AUDITORIA FORENSE 32

CONCLUSÃO 40

BIBLIOGRAFIA 41

ÍNDICE 44

ÍNDICE DE FIGURAS 45

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INTRODUÇÃO

Com os recentes escândalos envolvendo empresas públicas e

privadas no Brasil e a atuação cada vez mais constante das forças policiais em

ações de inteligência amplamente divulgadas, cresce o interesse do público em

geral por tais assuntos, bem como surgem questionamentos sobre a real

efetividade destas operações. De fato, observa-se que os métodos aplicados

nem sempre são adequados, sem garantir a coleta de provas contundentes ou

a correta preservação destas para punição dos responsáveis, criando um

clamor popular e a exigência por medidas mais efetivas.

Todos estes fatores obrigam também uma mudança de paradigma

quanto ao papel do auditor, este que passa a ter uma função central e

indispensável para combater, prevenir e erradicar as fraudes, sendo esta a

gênese da chamada Auditoria Forense. Cresce também cada vez mais a

preocupação da Justiça Brasileira com este tema, já sendo possível observar

os impactos da Lei Anticorrupção sobre as grandes empresas no sentido de se

adequarem, estabelecendo suas próprias estruturas internas de controle. Nos

Estados Unidos, há uma classe própria de profissionais especialistas no

combate à fraude.

Diante destes fatores surge a pergunta: qual é a importância da

aplicação de técnicas de Auditoria Forense para identificação e tratamento

assertivo dos responsáveis por atos de fraude nas empresas?

Com o intuito de obter as respostas, será explorado no primeiro

capítulo o cenário global das fraudes e o impacto causado por casos notórios,

passando ao segundo capítulo com a apresentação de conceitos essenciais

para entendimento deste tipo de ato delituoso, enquanto no terceiro capítulo

serão abordados os detalhes que definem e diferenciam as profissões do

Auditor Financeiro e do Auditor Forense, encerrando o estudo no quarto

capítulo com a descrição do escopo deste novo profissional focado no combate

às fraudes e na aplicação da lei.

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CAPÍTULO I

O CENÁRIO DAS FRAUDES NO BRASIL E NO MUNDO

E O SURGIMENTO DE UMA NOVA ESPECIALIDADE

O século XXI teve seu início marcado por inúmeros casos notórios

de fraude, amplamente divulgados, de forma potencializada pelos avançados

meios de comunicação. Tais episódios causaram um impacto sem

precedentes, provocando uma mudança definitiva na confiança depositada pelo

mercado e pela sociedade nas empresas privadas e órgão públicos.

São muitos os exemplos em todo o mundo, onde podemos citar alguns

casos notáveis, aqui apresentados em ordem cronológica:

2001 - Nortel (Northern Electric Research and Development): A

empresa canadense se envolveu em dois esquemas de fraude

contábil, uma relacionada a lucros e outra a receitas, com o objetivo

de atender as expectativas da bolsa de Wall Street. Em 2007,

através de acordo com a SEC (Comissão de Valores Mobiliários dos

Estados Unidos) conseguiu encerrar as acusações ao pagar uma

multa no valor de US$ 35 milhões;

2001 - Enron (Enron Corporation): A empresa dominava o setor

energético quando os efeitos da enorme fraude contábil em seus

balanços a levaram ao pedido de falência, arrastando consigo a

famosa Arthur Andersen, então responsável pela auditoria da

companhia. Estima-se que investidores e funcionários da Enron

tiveram prejuízos próximos aos US$ 60 bilhões;

2002 - Worldcom (MCI, Inc.): Era a segunda maior operadora de

telefonia de longa distância dos Estados Unidos quando admitiu ter

ocultado perdas de US$ 3,8 bilhões nos balanços de 2001 e início

de 2002. O escândalo teve efeitos consideráveis no Brasil,

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derrubando o preço das ações da Embratel, na época controlada

pela companhia americana;

2002 - Merck: Sendo a terceira maior fabricante de medicamentos

do mundo, incluiu no faturamento de uma subsidiária (Medco) um

total de US$ 12,4 bilhões que nunca foram recebidos. Os desvios

foram detectados pela SEC, que investigou os balanços de ambas

as empresas por ocasião da abertura de capital da Medco;

2004 - Parmalat: Fundada na Itália em 1961, envolveu-se em

escândalo que a levaria a falência em 2003, após ter sido

constatado que um documento informando que o Bank of America

detinha cerca de €4 bilhões de sua unidade no exterior (Bonlat) era

falso. Os auditores da Grant Thornton negaram terem escondido

perdas de seu cliente, embora funcionários da referida empresa

tenham chegado a ser presos no processo;

2010 - Banco Pan-americano: Foi identificado pelo Banco Central do

Brasil que a instituição inflava seus balanços com registros de

carteiras de créditos que haviam sido vendidas a outras instituições

como parte de seu patrimônio. O esquema, que incluía a

participação de diversos executivos, permitiu que o valor da empresa

fosse incrementado antes da abertura de seu capital. Em 2015 a

Deloitte Touche Tohmatsu foi condenado a pagar uma multa de R$

400 mil por ignorar os problemas na contabilidade, deixando passar

um rombo de mais de R$ 3,8 bilhões;

2014 – Petrobrás (Petróleo Brasileiro S.A.): O esquema denominado

de “Petrolão” foi identificado após depoimento de Paulo Roberto

Costa, ex-diretor de abastecimento da empresa, revelando que

todos os contratos da estatal tinham sido precificados com 3% extras

de propina. Foram deflagradas inúmeras operações posteriores,

conduzidas pela Polícia Federal Brasileira e que resultaram na

prisões de políticos e donos de grandes empresas.

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Como podemos observar os problemas são recorrentes, não

havendo setores ou países específicos onde se detectam operações

fraudulentas. De acordo com a ACFE (Association of Certified Fraud

Examiners) em seu Report To The Nations do ano de 2016, publicação de

referência mundial no que diz respeito às estatísticas de fraude globais, um

organização típica perde cerca de 5% de suas receitas anuais como resultado

de fraudes, com uma perde em média de 2.7 milhões por caso, reforçando a

necessidade de um olhar mais crítico sobre esta realidade por parte das

instituições, que precisam lidar com estas ameaças de forma a mitigar os riscos

envolvidos.

A tabela 1 apresentada abaixo, retirada do referido relatório,

demonstra a perda média dentro da amostra selecionada para pesquisa,

considerando a localização geográfica das organizações afetadas,

demostrando o quão alarmante é cenário atual em termos de quantidade de

casos e perdas financeiras por fraudes.

Figura 1: Localização Geográfica de Organizações Vítimas.

Fonte: Report to the Nations on Ocuppational Fraud and Abuse1, edição 2016 – ACFE

Dentre os casos notórios identificados, observa-se que em muitas

situações houveram punições severas aos profissionais de auditoria e às

empresas responsáveis pela avaliação das instituições. De modo natural, tem

sido dada cada vez mais atenção ao papel do auditor e consequentemente

crescem as exigências no que diz respeito à sua capacidade de observação e

resposta às ocorrências de fraude.

1 www.acfe.com/rttn2016/docs/2016-report-to-the-nations.pdf

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Ainda sobre este aspecto, vemos que não somente o mercado e os

órgãos reguladores, mas principalmente a sociedade passa a atribuir aos

auditores a responsabilidade pela prevenção e detecção das fraudes, muito

embora o exercício tradicional da profissão não os torne aptos para tal. Esse é

um fenômeno conhecido e estudado por diversos acadêmicos, dentre eles

Harris e Marxen (1997) que o denominam Expectation Gap, fator este que

representa basicamente a diferença de expectativas entre o que a função de

fato representa e o que é esperado dela.

Todas estas questões obrigam uma revisão sobre o papel dos

auditores, tanto internos como externos, assim como questões relacionados à

sua especialização e a adoção de novas disciplinas que permitam reduzir esse

gap, cujo resultado é o surgimento de uma nova profissão: o Auditor Forense.

No entanto, vemos que mesmo havendo avanços neste sentido

essa nova profissão não possui reconhecimento oficial em todos os países,

assim como certificação profissional apropriada a exemplo do que acontece

nos EUA. Além disso, não há nos sistemas de ensino tradicional qualquer

menção ao tema e são poucos os cursos de especialização que o abordam,

algo que também deve ser transposto, sobretudo no Brasil.

Nas empresas ainda há poucos casos onde Auditores Forenses

integram áreas internas de auditoria, ficando estas funções relegadas na

maioria dos casos a consultorias, principalmente as ditas empresas do Big

Four. Uma pesquisa realizada em 2016 por uma das integrantes deste grupo a

Ernst & Young (14h Global Fraude Survey 2016, p. 33), mostra o quão

importante é criar mecanismos no Brasil para detecção de fraudes e

consequentemente ter a disposição uma equipe de profissionais capazes de

lidar com este tipo de ocorrência, já que a nova legislação prevê punições

severas e extensíveis aos profissionais e as empresas.

Os impactos dos grandes escândalos de fraude vão além da

mudança de paradigma em torno da profissão, influenciando também na

colaboração entre países, blocos econômicos e organizações financeiras no

intuito de criar leis e normas objetivando a proteção dos seus mercado e da

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sociedade como um todo. Isto torna-se mais um desafio para o profissional de

auditoria, que se vê obrigado a acompanhar todas essas mudanças que

ocorrem a um ritmo desafiador no mundo globalizado.

No campo das leis, podemos citar a Lei Sarbanes-Oxley (ou

simplesmente SOX) e a Lei Anticorrupção no Brasil, criadas para garantir

transparência nas relações com empresas privadas e órgão públicos.

Normas amplamente aceitas traduzem também as melhores práticas

para a definição de controles internos e prevenção de fraudes, sendo dignos de

nota o COSO e seus chamados frameworks, assim como o acordo Basilea II,

este último criado para atender as necessidades do setor bancário.

Regem e garantem a aplicação destes instrumentos diversos

importantes organismos internacionais, com destaque para os EUA e Europa,

dentre os quais temos o EBA, o OLAF e a ACFE.

1.1. Organismos Internacionais

Em todo o mundo fica a cargo de organismos específicos a tarefa de

desenvolver e adequar a realidade dos meios aos quais estão inseridos e

regulamentar e fundamentar o papel do auditor e os caminho da profissão.

Alguns deles, notadamente, tem se especializado nas questões do combate à

fraude em todos os níveis e segmentos.

A começar pela Europa temos o EBA - European Bank Authority

(Autoridade Bancária Europeia), organismo independente fundado em 24 de

novembro de 2010 e que definiu um novo sistema de supervisão bancária que

une todos os estados-membros sob a coordenação do Banco Central Europeu.

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Foi responsável pela criação do chamado European Single Rulebook

cujo objetivo é criar um conjunto de regras comuns a todas as instituições

financeiras da União Europeia, proporcionando assim maior competitividade e

proteção aos investidores e consumidores.

O EBA também é responsável pelas avaliações de risco e

vulnerabilidades do setor, em especial as questões regulatórias, realizando

testes de stress regulares nas instituições.

Outro importante organismo europeu é o OLAF - Organismo

Europeu de Luta Antifraude, este criado em 1999 é único com autonomia para

detectar, investigar e tratar fraudes que envolvam fundos da União Europeia,

podendo avaliar questões que envolvam fraude, corrupção e outras ilícitos que

possam vir a afetar os interesse do bloco econômico. Estão incluídas

apurações sobre suspeitas de irregularidades graves cometidas por

funcionários ou membros de instituições da UE.

No Novo Mundo, temos os EUA como principal referência no

combate à fraude, havendo no país uma distinção clara dentro da classe

profissional no que diz respeitos às atribuições dos auditores financeiros (ou

“tradicionais”) e os especialistas no assunto, denominados Certified Fraud

Examiners (CFE), título concedido pela Association of Certified Fraud

Examiners (ACFE) a maior organização antifraude do mundo. Fundada em

1988 pelo especialista em fraudes, ex-agente do FBI e autor de inúmeros

títulos sobre o assunto, Dr. Joseph T. Wells, tem como missão a redução dos

índices de fraude e crimes de corrupção em um nível global, havendo

profissionais certificados em todo o mundo, inclusive no Brasil, representando

os “Capítulos” ligados à associação.

No entanto, mesmo havendo exemplos de brasileiros certificados

pela referida instituição estadunidense, não há no país reconhecimento social

ou institucional da profissão de Auditor Forense. O mesmo ocorre como os

demais países da América Latina, havendo também exceções na Europa,

como por exemplo em Portugal.

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Também não encontramos outros organismos que ofereçam

cerificação profissional no assunto, embora haja exemplos de iniciativas com

vistas a alcançar maior maturidade nos processos e visibilidade para a

importância deste matéria, bem como da especialização que esta exige.

No âmbito tecnológico, mais especificamente quanto a Computação

Forense, disciplina que integra os procedimentos de auditoria na coleta e

preservação das evidências digitais, temos a Associação dos Peritos em

Computação Forense (APECOF), fundada em Fortaleza – CE que tem

trabalhado na disseminação, treinamento e padronização de processos de

investigação em meios eletrônicos.

1.2. Leis e Normas

Certamente o grande marco legal responsável por mudar a forma

como as organizações em todo o mundo passaram a tratar o assunto fraude foi

a criação da já referida Lei Sarbanes-Oxley (SOX). Elaborada em 2002 após os

escândalos financeiros do início do século XXI, reúne as melhores práticas com

foco no fortalecimento dos controles internos, visando especialmente a redução

da incidência de fraudes ao mitigar os riscos ligados à oportunidade. A garantia

de sua aplicação é fiscalizada pelo PCAOB (Public Company Accounting

Oversight Board), cujos membros definidos pela SEC (Securities and Exchange

Commission) supervisionam as atividades das empresas de auditoria. Dentre

as punições pelo não cumprimento das normas estabelecidas estão previstas

multas de até 1 milhão de dólares, além de penas de prisão de até 10 anos.

Embora sua aplicação seja obrigatória apenas para as empresas

presentes no Mercado de Capitais dos EUA (o que inclui as companhias

brasileiras de capital aberto, com ações listadas na Bolsa de Valores de Nova

Iorque e NASDAQ), vemos cada vez mais a sua adoção como uma forma de

credenciar as empresas e torná-las credíveis aos potenciais investidores.

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Inspirada na SOX, destaca-se em território brasileiro a Lei

Anticorrupção (nº 12.846/2013). Em vigor desde o início de 2014, esta

legislação prevê a responsabilização objetiva nos âmbitos civil e administrativo,

de empresas que praticam atos lesivos contra a administração pública nacional

ou estrangeira. O documento, que implementa significantes correções em

lacunas existentes nas leis atuais, possui uma abrangência ainda maior que a

SOX e define regras para todas as organizações, independentemente do porte

e do segmento de atuação. Muitas das grandes empresas nacionais já

possuem estruturas próprias de Compliance, visando garantir aderência a lei.

Diante da grande importância sobre os controles internos, sobretudo

sob as óticas proativa e preventiva exigidas nos processos de Auditoria

Forense como veremos adiante, temos um importante organismo responsável

pelo desenvolvimento de frameworks que são referências internacionais no

assunto, o Committee of Sponsoring Organizations of the Treadway

Commission ou simplesmente COSO. O sistema se baseia em uma estrutura

tridimensional conhecida como o Cubo do COSO, apresentada na figura 2, que

aborda os objetivos (o que a entidade busca alcançar) os componentes (o que

é necessário para atingir os objetivos) e a estrutura organizacional da entidade

(unidades operacionais e entidades legais, entre outras).

Figura 2: Cubo do COSO

Fonte: Controle Interno – Estrutura Integrada2, Maio de 2013 – traduzido pela PwC Brasil

2http://www.iiabrasil.org.br/new/2013/downs/coso/COSO_ICIF_2013_Sumario_Executivo.pdf

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Por fim, também é importante citar o Acordo de Capital da Basileia,

conhecido como Basileia II, divulgado em 2004, em seguida compilado

juntamente com versões anteriores e publicado em 2006 pelo Comitê de

Supervisão Bancária da Basileia (BCBS, sigla de Basel Committee on Banking

Supervision em inglês).

Seu objetivo era o de avaliar de maneira mais precisa os riscos

inerentes aos grandes bancos em todo o mundo, tendo como base os

Princípios Essenciais para uma Supervisão Bancária Eficaz (Princípios da

Basileia) e três pilares fundamentais: requisitos mínimos de Fundos Próprios

(riscos de Crédito, Mercado e Operacional); processo de supervisão sobre a

avaliação da adequação de capital dos bancos e Disciplina de Mercado.

No próximo capítulo, com o intuito de entender melhor do que se

tratam efetivamente as fraudes, serão apresentados alguns conceitos

essenciais como a definição deste termo, seus tipos básicos, fatores

motivadores e o que difere este tipo de ato de um simples erro.

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CAPÍTULO II

CONCEITOS BÁSICOS SOBRE FRAUDE

De acordo com o dicionário Michaelis a palavra fraude possui as

seguintes definições:

“frau·de

sf

1. Ato de má-fé que tem por objetivo fraudar ou ludibriar alguém; cantiga, engano, sofisticação.

2. Mentira ardilosa; sicofantia.

3. Entrada ilegal de produtos estrangeiros, sem o pagamento dos tributos alfandegários.

4. Ato de falsificar documentos, marcas e produtos.”

Constata-se que tal informação vai de encontro com o pensamento

de Singleton et al (2010), segundo o qual a fraude tem várias definições

potencialmente ambíguas e é classificada de várias maneiras.

De acordo com a já referida Association of Certified Fraud

Examiners (ACFE), podemos separar as fraudes em três tipos básico, a saber:

- Fraude Interna: também chamada de Fraude Ocupacional,

ocorre quando um funcionário, gerente ou executivo comete

fraude contra o seu empregador. Embora haja uma crescente

adoção da tecnologia e de novas abordagens no que diz respeito

a realização e a ocultação destes esquemas de fraude, observa-

se que as metodologias utilizadas costumam representar

categorias claras e testadas através do tempo;

- Fraude Externa: originam-se em ambiente externo a

organização. Incluem esquemas de licitações fraudulentas,

cobrança por bens ou serviços não fornecidos e suborno de

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funcionários, assim como o uso de informações falsas por

clientes, como cheques sem fundos e devolução de produtos

roubados seguidos de solicitações de reembolso. Também

abrangem violações de segurança e roubos de propriedade

intelectual cometidos por terceiros, pirataria e fraudes fiscais, de

seguros, de saúde e fraudes de empréstimos;

- Fraude contra indivíduos: esquemas comuns incluem Roubo de

Identidade, Golpe de Ponzi (ou Pirâmide Financeira), phishing e

fraudes de antecipação de pagamentos, como o a “Carta da

Nigéria”.

Segundo Manning (2011) no que diz respeito às fraudes cometidas

contra as empresas, qualquer esquema descoberto deve ser levado à justiça,

pois a omissão nestes casos irá apenas encorajar novas fraudes. A maioria das

companhias evita processos deste tipo por medo de danos à sua imagem, o

que é um erro na concepção do autor.

Diante de um tema tão complexo, considerando as características

específicas de cada um dos tipos de fraude listados e suas diversas

ramificações, devemos ter em mente que para sua correta compreensão e a

efetiva definição de mecanismos para prevenção, detecção e tratamento, são

necessários conhecimentos em diversas disciplinas além da Contabilidade e da

Auditoria, sendo indispensáveis noções da Informática (incluindo a

Computação Forense), Psicologia (entre os seus usos, técnicas de entrevista e

detecção de mentiras), Criminologia e Investigação.

Com o objetivo de identificar claramente e delinear os esquemas

conhecidos a ACFE desenvolveu o sistema conhecido como a Árvore da

Fraude, representado na figura 3, que define a Corrupção, o Roubo de Ativos e

as fraudes nas Demonstrações Financeiras como categorias primárias.

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Figura 3: A Árvore da Fraude

Fonte: ACFE3

No Brasil, crimes como o de estelionato e outras fraudes encontram-

se tipificados nos artigos de n° 171 e seguintes do Código Penal Brasileiro.

Outras fraudes estão definidas em estatutos específicos, como fraudes fiscais,

eleitorais, comerciais, etc.

3www.acfe.com/fraud-tree.aspx

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Ainda no âmbito legal, não podemos deixar de destacar a emissão

da Statement of Auditing Standards (SAS) de n.º 99 – “Consideration of Fraud

in a Financial Statement Audit”, motivada pelos escândalos de fraude que

marcaram o início do século XXI. Este importante documento agrupou os

principais motivadores das fraudes em 3 (três) vértices do denominado

Triângulo da Fraude, apresentado abaixo na figura 4.

Figura 4: Pirâmide da Fraude de Donald Cressey

Fonte: Cressey (1973)

O modelo foi originado da seguinte hipótese de Donald Cressey,

considerado por muitos o fundador do estudo moderno sobre as fraudes e o

Crime Organizado. Em um tradução livre:

“Pessoas de confiança tornam-se violadores dessa confiança quando estes se percebem tendo um problema financeiro que não é passível de ser compartilhado, estão cientes de que este problema poderia ser resolvido secretamente por violação da posição de confiança financeira recebida, e são capazes de aplicar a sua própria conduta de modo que lhes permita ajustar a sua concepção de si mesmos como confiáveis com suas concepções de si mesmos enquanto usuários dos fundos ou bens confiados.”(CRESSEY, 1973, p. 30)

Os três vértices se denominam:

- Pressão: motivo que leva um indivíduo a cometer um ato

fraudulento. O indivíduo tem algum problema que considera não ser

possível resolver por meios legítimos, considerando então atos

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ilegais como forma de solucioná-los. Tais problemas podem estar

relacionados a pressões de fundo pessoal ou profissional. Dentro os

motivos mais comuns estão:

- Impossibilidade de pagamento de contas;

- Vício em drogas ou jogos;

- Necessidade de obter ganhos para manter a confiança de

investidores;

- Necessidade de obter produtividade para o atingimento de

metas;

- Desejo por status social e bens materiais caros, como casas e

carros de luxo.

- Oportunidade: define o método através do qual o ato será cometido

e está relacionada à percepção do indivíduo sobre a probabilidade

de cometer um ato fraudulento sem ser incriminado. É de suma

importância para o fraudador que ele possa manter o assunto em

segredo, pois a descoberta do esquema pode causar sérios danos

ao seu status social ou posição de confiança;

- Racionalização: representa a negação que o indivíduo responsável

pelo ato fraudulento geralmente utiliza para justificar para si próprio o

ato cometido. Pesquisas mostram que a maioria dos fraudadores

não possuem histórico criminal ou de envolvimento em esquemas de

fraude, assim como não se veem como ofensores.

Vona L. (2008) destaca ainda que os três elementos da fraude

coexistem em diferentes níveis dentro das organizações e que influenciam

cada indivíduo de maneira diferente. Segundo o autor a força exercida por cada

elemento ou a combinação destes pode fazer com que as fraudes ocorram.

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2.1. Diferenças entre Erro e Fraude

Diante deste tema, temos como principal referência a ISA (Padrões

Internacionais em Auditoria, definidos pelo IAASB) de número 240, nomeada –

The Auditor’s Responsabilities Relating to Fraud in a Audit of Financial

Statements (Responsabilidades do Auditor em Relação à Fraude em uma

Auditoria de Demonstrações Financeiras), onde define-se que as distorções

nas demonstrações financeiras podem ser causadas por fraudes ou erros,

sendo a intenção de causar prejuízos a linha tênue que representa a diferença

entre tais termos.

Observa-se portanto que a fraude tem como motivação e objetivo a

lesão a terceiros, muitas vezes constituídos de intenção criminosa, através de

situação de falsificação de contas, quer seja por sua classificação inadequada

ou por meio de distorção premeditada de resultados financeiros, omissão de

receitas e despesas e outros atos ilícitos.

Vona L. (2008) cita ainda que um erro pode ser camuflado através

de um Esquema de Erro Intencional, onde o fraudador insere erros que

parecem materiais ou computacionais. Estes quando detectados, são

justificados como sendo erros reais. Essa desculpa se torna possível devido a

um padrão consistente nos erros, sua frequência ou simplesmente a admissão

de sua ocorrência.

Em comum, admite-se que ambos, dependendo de sua extensão,

são capazes de alterar de forma relevante as demonstrações financeiras. O

documento explicita que embora não se trate da principal atribuição do auditor,

este tem por obrigação adotar as ações adequadas nos casos em que se

identifiquem erros ou fraudes, já que sua metodologia de trabalho costuma

detectar com frequência tais irregularidades.

Ainda de acordo com a referida ISA, o risco de não serem

detectadas distorções nas demonstrações financeiras causadas por fraudes

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tende a ser maior do que aquelas causadas por erros. Ressalta ainda que a

habilidade do auditor para detecção de uma fraude depende de fatores como a

perícia de seu autor, a frequência e a extensão da manipulação, o grau de

conluio, o tamanho relativo dos valores individuais manipulados, e o nível de

senioridade dos indivíduos envolvidos.

Diante disso, recomenda que sejam especialmente observadas as

situações nas quais ocorre a ignorância deliberada de controles existentes,

muitas vezes com a participação de gestores dos processos, facilitadas pelo

conhecimento que estes possuem sobre suas fragilidades. São citadas como

causas comuns lançamentos contábeis sem documentação suporte adequada,

omissão, antecipação ou diferenças em determinadas operações financeiras

ocorridas no período, além de alterações em registros e transações pouco

usuais, difíceis de serem detectadas.

Desta forma, percebe-se que a atividade de Contabilidade também

representa um risco em potencial, pois pode ser usada para representar fatos

inverídicos, buscando o benefício de um indivíduo ou organização em

detrimento de outros, motivo pelo qual esta classe de profissionais também

possui regulações e normas bem definidas.

Uma delas é a NBC (Norma Brasileira de Contabilidade) T 12, outro

importante referencial no assunto que trata a fraude como um termo aplicável a

“ato intencional de omissão e manipulação de transações e operações,

adulteração de documentos, registros, relatórios e demonstrações contábeis,

tanto em termos físicos quanto monetários” (Resolução CFC nº 986/03, p. 2).

A mesma norma define o erro como o resultado de “ato não-

intencional de omissão, desatenção, desconhecimento ou má interpretação de

fatos na elaboração de registros e demonstrações contábeis, bem como de

transações e operações da Entidade, tanto em termos físicos quanto

monetários” (Resolução CFC nº 986/03, p. 2).

Os erros podem ser aritméticos, como erros de digitação de valores

a maior ou a menor, podem ocorrer no processo de registro com a classificação

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incorreta de determinados itens em suas contas contábeis correspondentes, ou

originados de ignorância dos princípios contábeis (a saber: Entidade;

Continuidade; Oportunidade; Registro pelo valor original; Competência; e

Prudência). É importante ressaltar que todas essas situações só serão

consideradas erros caso tenham sido involuntárias.

Vale ressaltar que quanto mais complexas forem as transações

envolvidas, maior será a probabilidade de que ocorram erros, seja por erros de

interpretação de normas e procedimentos estabelecidos como pela repetição

de operações contínuas.

Embora não haja dolo e intenção de causar prejuízo assim como

ocorre com as fraudes, não devem ser subestimados os impactos causados

por erros que podem ir de perdas financeiras ocasionadas por lançamentos

contábeis incorretos e multas até danos à imagem e perda de mercado.

A seguir, veremos como se diferem as atividades de um Auditor

Financeiro e de um Auditor Forense, abordando os detalhes que definem

ambas as profissões e demonstrando como estas se complementam e têm a

sua importância na detecção e tratamento dos casos de fraude.

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CAPÍTULO III

A AUDITORIA TRADICIONAL E A AUDITORIA

FORENSE

Para traçarmos um paralelo entre as duas especialidades, faz-se

necessário que nos debrucemos sobre aspectos essenciais de cada uma

delas, já que esses serviços são exclusivos e possuem propósitos diferentes.

Desta forma, fica evidente o que motivou a mudança de paradigma e a criação

da profissão do Auditor Forense.

Como já foi dito, criou-se um gap de expectativas quanto às

responsabilidades do auditor devido aos inúmeros escândalos envolvendo

grandes empresas, até então tidas como idôneas, causando perdas financeiras

incalculáveis para clientes e investidores, além do impacto sobre a imagem

destas companhias e de seus parceiros. Embora a responsabilidade pela

detecção ou tratamento dessas irregularidades não deve-se ser atribuída aos

auditores, houve por parte da sociedade uma diminuição no prestígio destes

profissionais e das empresas que estes representam.

Como veremos, o papel do auditor financeiro ou tradicional

originalmente não inclui a detecção de erros ou fraudes, porém cada vez mais

é exigido que estes disponham de mecanismos que os permitam tratá-los ou

endereçá-los caso isto ocorra.

3.1. Auditoria Financeira (“Tradicional”)

No século XX e até os recentes acontecimentos que motivaram

profundas mudanças no escopo da atividade, era atribuída ao auditor a função

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primária de emitir seu parecer sobre os resultados financeiros das empresas,

sempre com o intuito de garantir que tais informações são credíveis e

fidedignas. A detecção de fraude não está inclusa nestas atividades, sendo

muitas vezes uma consequência do trabalho realizado, mas nunca uma

responsabilidade.

Podemos concluir então que Auditoria “tradicional”, exercida pelos

Auditores Externos e Internos, não pode através de sua metodologia observar

todos os aspectos relacionados às demonstrações contábeis, sobretudo

àquelas relacionadas à fraude, muito embora não seja incomum que tais

irregularidades sejam detectadas no decorrer dos trabalhos de auditoria.

O termo Auditor Financeiro se aplica a qualquer auditor de

informações financeiras ou do processo de divulgação dos resultados

financeiros. A maior parte destes profissionais estão ligados a firmas de

Contabilidade ou empresas especializadas como as já referidas integrantes do

Big Four.

Esta classe de profissionais possui conhecimentos avançados em

Contabilidade e na interpretação de Relatórios Financeiros, utilizam técnicas

orientadas pelas Normas de Auditoria Geralmente Aceitas (NAGA do inglês

GAAP - Generally Accepted Accounting Principles) e pelas IFRS (International

Financial Reporting Standards, interpretadas no Brasil para os CPC´s - Comitê

de Pronunciamentos Contábeis após as mudanças nas práticas contábeis

ocorridas em 2010), respeitando, de acordo com as NAGA os princípios de

independência, objetividade e ceticismo profissional.

Singleton et al, (2010), salienta ainda que os Auditores Financeiros

são vistos tradicionalmente como profissionais orientados a números e que

seus processos são guiados pelas trilhas de auditoria e checklists. Os

procedimentos de auditoria financeira buscam os erros que representem

materialidade, logo os auditores mantem seu foco em erros que sozinhos ou de

forma agregada são grandes o bastante para serem considerados de

materialidade relevante. Isso cria um túnel de visão que os impede muitas

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vezes de avaliar pequenas partes dos processos, que de uma forma geral são

onde se escondem as fraudes.

Outras razões incluem a dependência dos auditores sobre uma

amostra e à sua trilha de auditoria ao invés de examinarem os eventos e

atividades por trás dos documentos. Por fim, custo e tempo necessários para

ampliação do escopo e aprofundamento nos aspectos de fraude tornam-se

proibitivos para uma análise aprofundada em busca de sinais de alerta.

3.2. Auditoria Forense

Talvez a principal característica que difere os Auditores Forenses

dos Auditores “Tradicionais” seja a sua capacidade de traduzir transações

financeiras complexas e dados numéricos em termos que possam ser

facilmente entendidos por profissionais da Lei, como juízes e advogados.

Essa competência é indispensável, pois muitas vezes os casos de

fraude são levados a um julgamento, este que será decidido por tais

profissionais. Assim, observa-se que o Auditor Forense deve sobretudo possuir

vasto conhecimento sobre os aspectos legais da fraude, de modo que se torne

capaz de identificar e apresentar provas sobre seus indícios e evidências.

Trata-se de uma atividade multidisciplinar que envolve, além dos

conhecimentos inerentes à função de auditoria financeira, como a investigação

de demonstrações financeiras e os variados testes previstos na metodologia

tradicional, noções de Criminologia, Computação Forense e Informática em

geral, Técnicas de Entrevista, desenvolvimento de relatórios específicos e uma

preparação especial para atuação como Testemunha Experiente, pois como já

referido há casos onde além da apresentação dos fatos os auditores, atuando

na condição de peritos, devem traduzir questões técnicas para uma linguagem

de fácil entendimento aos seus intervenientes.

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Ainda sobre o aspecto legal da profissão, cabe ressaltar que é

imprescindível a condição de independência do auditor sobre a entidade

auditada, pois para fins legais qualquer indício de imparcialidade pode pôr em

cheque as suas declarações, invalidando o seu testemunho.

Tais profissionais tendem a estar envolvidos ativamente na

prevenção e detecção de fraudes em ambientes corporativos e as descobertas

resultantes de suas investigações costumam ter impactos diretos sobre

indivíduos e/ou companhias em termos de sua liberdade, ganhos ou perdas

financeiras. Em geral, pareceres desfavoráveis dados pelos auditores

tradicionais também podem causar perdas financeiras, porém estas costumam

ser indiretas causadas pela descrença de investidores ou pelo aplicação de

multas.

Singleton et al, (2010), defende que a abordagem forense nos

processos de auditoria é muitas vezes mais intuitiva do que dedutiva, embora

ambas as características estejam presentes e sejam importantes. Ao passo

que a Auditoria Financeira é mais procedimental em vários aspectos, não

sendo esperado que funcione efetivamente na detecção de fraudes.

O mesmo autor relaciona ainda as habilidades de um investigador

criminal com as de um Auditor Forense, considerando-as similares em alguns

aspectos. Em sua percepção, tanto o auditor como o detective buscam a

verdade: o primeiro no que diz respeito à correta contabilidade de transações

de negócio e o segundo em relação ao comportamento apropriado dos

cidadãos de acordo com a lei. Ambos precisam ter mentes curiosas e a atitude

de desafiar aquilo que parece estar errado.

Cabe ressaltar que o âmbito da Auditoria Forense extravasa a esfera

criminal, podendo as capacidades dos profissionais ser aplicadas em outros

ambientes, indo além da apuração de fraudes e atuando na solução de litígios

permitindo que duas partes os resolvam de forma mais rápida e eficiente.

Sobre os procedimentos adotados, Vona L. (2008) descreve que na

Auditoria Financeira estes são tradicionalmente desenvolvidos para testar

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controles, tendo como objetivo obter evidências diretas de que tais controles

existem e funcionam conforme esperado pela gestão, bem como evidências

indiretas de que não houveram fraudes.

Já em uma visão de Auditoria Forense os procedimentos são

direcionados à detecção do esquema de fraude, buscando especificamente

evidências diretas com relação a existência da fraude em si, por consequência

disso, obtendo evidências indiretas sobre a efetividade dos controles internos.

Logo, vemos que as diferenças entre um plano de auditoria

tradicional e um plano de auditoria forense não são indicativos de que um é

bom e o outro é ruim, apenas que estes servem melhor a objetivos específicos.

3.3. Contabilidade Forense

Uma das disciplinas dentro do contexto das atividades de uma

Auditora Forense é a chamada Contabilidade Forense, termo geralmente

utilizado para descrever qualquer investigação financeira que pode resultar em

consequências legais. O já referido serviço de suporte a litígios, por exemplo,

sempre será iniciado por um advogado em resposta a algum tipo de ação legal,

seja ela criminal ou civil. Esta atividade em si apresenta importantes diferenças

com relação aos procedimentos tradicionais de auditoria.

Em um estudo publicado em 2013 pelo TECSI5 (Imoniana, Joshua

O., Antunes, Maria T. P. e Formigoni, Henrique, 2013) é apresentado um

interessante comparativo, que nos permite visualizar de maneira mais clara

com essas atividades se complementam, embora enderecem questões

bastante específicas, conforme segue:

- Objetivo: enquanto a Contabilidade Forense serve como suporte

para a obtenção de provas de que uma fraude ocorreu em um

ambiente de negócios aparentemente propenso a riscos, temos

na Auditoria uma busca contínua pela certificação do Estado da

5 Laboratório de Tecnologia e Sistemas de Informação - FEA/USP

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Arte nos negócios em aderência às teorias de mercado

consideradas eficientes;

- Escopo: a Auditoria se propõe a opinar sobre as demonstrações

contábeis de uma empresa considerando todos os critérios

utilizados na preparação de seu parecer, em contraste com a

Contabilidade Forense que apresenta informações analíticas

específicas para suporte legal e decisões administrativas;

- Tarefas: na Contabilidade Forense são focadas em documentar

análises determinísticas e baseadas em cálculos, frente a uma

abordagem probabilística e amostral, utilizada para os pareceres

da auditoria;

- Periodicidade: auditorias cobrem todo o ano fiscal de modo a

considerar as atividades de todo o período contábil, enquanto a

Contabilidade Forense é empregada apenas quando necessária e

em situações estipuladas por um Juiz ou cliente;

- Relatórios: são investigativos e apresentam uma visão de

especialista na Contabilidade Forense, quando em Auditoria

possuem caráter gerencial, como declarações financeiras e

relatórios de auditoria.

Por fim, esclarecidos os objetivos que norteiam essa nova

especialidade de auditoria, faz-se necessário compreender o que de fato

representa o termo Forense e quais são os procedimentos a este relacionados,

assunto que será abordado em seguida.

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CAPÍTULO IV

PROCEDIMENTOS DE AUDITORIA FORENSE

O termo Forense é frequentemente associado apenas às questões

que envolvam a medicina legal e seus praticantes, porém seu significado é

muito mais abrangente. A palavra em sua origem corresponde ao termo em

latim forensis, que significa público, mas também complementa seu significado

a palavra fórum ou foro em latim, como eram chamadas as praças públicas em

Roma onde ocorriam assembleias e julgamentos.

Sendo assim, vemos que o termo está diretamente relacionado a

aplicação da lei, através da representação de um profissional capaz de auxiliar

os profissionais legais e apresentar provas em um tribunal.

Curiosamente, há áreas que adotam práticas semelhantes às da

Auditoria Forense, muitas vezes sem conhecer seus conceitos ou mesmo os

procedimentos adequados para conduzi-la. Por tratar-se de uma versão

aprimorada da auditoria tradicional, focada na obtenção de evidências que se

convertem muitas vezes em provas legais, devendo estas serem admitidas em

juízo, requer cuidados muito específicos quanto a preservação e apresentação

das provas.

De fato, não é incomum que investigações judiciais levadas a cabo

por profissionais sem os cuidados adequados sejam recusadas, quando as

técnicas empregadas para obtenção das evidências são contestadas,

invalidando peças importantes e impedindo que as provas sejam utilizadas

para tratamento assertivo dos responsáveis por atos fraudulentos.

Desta forma, constata-se que o Auditor Forense exerce atividade

similar ao perito ou detetive em seu processo de inspeção e busca por

evidências de fraude, assim como os referidos profissionais o fazem quanto a

outros crimes cometidos.

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De acordo com Vona L. (2008) os processos de Auditoria Forense

podem assumir as óticas preventiva, proativa e reativa.

A Auditoria Forense preventiva tem como objetivo a obtenção de

certificados ligados a entidades pública ou privadas (a exemplo da TAG

Certified Against Fraud, proposta pela Trustworthy Accountability Group, grupo

estadunidense antifraude atuante na área de publicidade digital) que visam

tornar as organizações reconhecidamente aptas na prevenção, detecção e

combate à fraude, através do estabelecimento de processos que suportem tais

atividades.

Na ótica proativa, como o próprio nome já diz, busca-se agir antes

que a fraude aconteça, em um cenário no qual em dado momento não há

suspeita, controles vulneráveis ou casos evidentes. O objetivo passa a ser o de

apresentar uma opinião acerca da existência de fraudes e não sobre a

efetividade dos controle internos implementados.

Por fim, a ótica reativa é aquela que mais se aproxima do ambiente

judicial, quando o Auditor Forense atua como investigador e em seguida como

Expert Witness (Testemunha Experiente), adotando técnicas específicas e

completamente distintas daquelas observadas nas óticas preventiva e proativa,

objetivando confirmar origem, autoria e uma ação efetiva sobre os

responsáveis pelas fraudes.

4.1. Como se origina uma Auditoria Forense?

Primeiramente, deve haver justificativa plausível para que seja dado

início a um processo de Auditoria Forense, pois com esta objetiva-se alguma

ação legal, seja ela trabalhista (desligamento por justa causa de um funcionário

envolvido em fraudes) cível (solução de litígios entre sócios de uma empresa)

ou penal (servindo de apoio, por exemplo, para a emissão de uma notícia

crime), devendo respeitar padrões criteriosos para que se obtenha êxito.

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Esta não pode em nenhuma hipótese ser conduzida com objetivos

pessoais ou privados, situação que invalidaria qualquer evidência ou prova

obtida, violando ainda outro importante requisito que é a proteção dos

interesses tanto dos acusados quanto das vítimas.

Em todos os casos é necessária a fundamentação e a adequada

evidenciação da fonte que objetivou a auditoria, sendo necessário ainda que o

processo seja revestido de absoluto sigilo, com acesso apenas àqueles

responsáveis pelo trabalho realizado.

A denúncia é a fonte mais comum a motivar uma investigação,

sendo muitas vezes efetuada por testemunha do ato, ocorrido dentro ou fora da

empresa ou instituição. São comumente recebidas por Canais de Denúncia,

como serviços de Ouvidoria ou mesmo através de relatos diretos aos gestores

ou membros da equipe que conduz as Auditorias Forenses. Relatos de assédio

moral ou sexual, flagrante de ações ilícitas e ou contrárias as políticas internas

são exemplos de situações que podem servir de gatilho para um processo

investigativo.

No que tange às fontes das denúncias, deve-se ter especial cuidado

com a prática do “denuncismo”, neologismo que caracteriza o uso dos canais

para falsas denúncias com o objetivo de prejudicar outrem ou mesmo de

esconder delitos, criando uma espécie de distração.

O motivo para uma Auditoria Forense também pode ser uma

suspeita com base em indícios obtidos em investigações anteriores, evidências

colhidas no decorrer de auditorias tradicionais ou alertas gerados por

processos de monitoramento contínuo, que podem revelar anomalias e

padrões de fraude em análises sobre dados.

Também podem originar-se através de solicitações judiciais, como

pedidos de sócios e advogados para solução de litígios ou denúncia penal por

fraude, além de pedidos de forças policiais ou entidades governamentais,

objetivando uma investigação a fundo para esclarecer fatos delituosos.

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4.2. Etapas de uma Auditoria Forense

Sabendo-se que a Auditoria Forense tem como principal objetivo o

apoio na aplicação da justiça, devem-se considerar em sua execução padrões

capazes de satisfazer as exigências das entidades envolvidas no processo

decisório, seja nas esferas trabalhista, civil ou penal. O resultado do trabalho

apresentado aos promotores, procuradores e juízes deve respeitar um

processo criterioso, afim de garantir sua credibilidade.

Por se tratar de uma atividade de auditoria, embora inclua várias

disciplinas específicas no decorrer do processo investigativo, segue-se em

geral as NAGA (Normas de Auditoria Geralmente Aceitas), com as devidas

alterações que buscam atender às necessidades específicas desta

especialidade focada na detecção de fraudes.

Em 1986 foi publicado nos EUA o Financial Fraud Detection and

Disclosure Act com o objetivo de garantir que atividades fraudulentas

detectadas em companhias ligadas ao governo federal fossem reportadas às

autoridades apropriadas, dando início à significativas mudanças no trabalho do

auditor. O ato definiu que os profissionais deveriam incluir procedimentos

específicos e substantivos para detecção de fraudes financeiras, como parte do

plano de auditoria. Mais tarde, com o impacto dos escândalos do início do

século XXI e a criação da SAS No. 99, tais mudanças passaram a ter uma

abrangência geral.

No entanto, Singleton et al (2010) lembra que mesmo quando a

fraude ou outros atos ilegais são descobertos, as NAGA apenas dizem que o

auditor deve informar à gestão da companhia e considerar resignar-se de um

parecer, sendo esta a sua única responsabilidade. Não há obrigatoriedade

sobre o direcionamento a autoridades governamentais ou mesmo atuação

específica em investigação forense (destacando-se que a investigação é

apenas uma das etapas de uma Auditoria Forense), sendo os procedimentos

descritos no SAS 99 sugeridos, porém não obrigatórios.

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Desta forma, define-se de maneira geral o modelo a seguir como o

ideal na integração entre os normativos, resultando em um plano completo de

Auditoria Forense conforme proposto por Gonçalo, José S. S. (2013):

1) Identificação do problema: Na fase inicial, determina-se se há

indícios suficientes para que se inicie uma Auditoria Forense. É onde

ocorre a formação da hipótese sobre a suposta fraude e se define o

direcionamento do trabalho a ser realizado. É de suma importância

nesse momento que a alta administração compreenda a

complexidade de uma auditoria deste tipo em relação ao processo

tradicional, sobretudo em termos de tempo e recursos, além de seus

possíveis impactos negativos para a organização;

2) Coleta de evidências: Nesta fase são coletadas as evidências e

ocorre o seu registro e organização em papéis de trabalho, devendo

estas serem suficientes para garantir o êxito da investigação e a

comprovação da fraude;

3) Avaliação das evidências recolhidas: Nesta fase devem ser

empregados princípios forenses para obtenção e guarda das

evidências. Constitui a investigação em si, devendo ser considerada

a coleta de evidências adicionais que sustentem a hipótese do

auditor. Também é importante que qualquer pessoa (que não os

auditores) consiga ter as mesmas conclusões ao analisar a

documentação, considerando que essas evidências irão suportar o

processo decisório no ambiente judicial.

As evidências podem ser testemunhos e documentos, obtidos pelo

auditor através de entrevistas, cartas, e-mails e outros meios formais. Devem

ser datadas e possuir a assinatura do prestador da informação, mesmo que

através de certificação digital. Também compreendem outros tipos de

documentação material ou digital, assim como fotografias.

No tocando à Sistemas de Informação a etapa de coleta de

evidências requer muitas vezes conhecimentos avançados em bancos de

dados, além da Computação Forense para recuperação de arquivos e busca

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avançada de dados. A volatilidade deste tipo de evidência requer agilidade,

pois os dados podem ser sobrescritos ou apagados de forma intencional ou

acidental;

4) Elaboração do relatório final: o documento que representará a

principal prova da fraude deve ser apropriado, preciso, imparcial,

claro, relevante e completo. Sua linguagem deve ser de fácil

entendimento por parte de promotores e juízes e suportá-los em sua

decisão.

Finda a investigação, iniciam-se as etapas complementares da

Auditoria Forense:

5) Avaliação do Risco Forense: calcula-se o risco de se emitir um

parecer inapropriado por conta de informações distorcidas, sendo

importante identificar questões chave assim como ocorre na

auditoria tradicional, como o impacto material de erros e fraudes nas

demonstrações financeiras, as fragilidades no sistema de gestão, a

integridade da administração, a existência de pressões externas ou

internas, transações pouco usuais e eventuais dificuldades na

obtenção das provas.

Respondidas tais questões, elabora-se a matriz de risco, analisando

posteriormente o quão vulneráveis são os controles internos existentes:

6) Avaliação do Risco de Fraudes: além do objetivo da investigação,

deve-se ter atenção a todos os indícios de fraude identificados,

mesmo que não haja a sua comprovação, pois estes irão influenciar

na matriz de risco. Para isso o auditor se utiliza das chamadas red

flags (bandeiras vermelhas ou sinais de alerta, em uma tradução

livre).

Singleton et al (2010) reforça a importância deste termo ao afirmar

que para haver uma maior probabilidade de detecção de fraudes, devem os

Auditores Forenses, assim como os tradicionais conhecer o máximo possível

de red flags de fraude.

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Da mesma forma, também devem possuir um conhecimento geral

sobre seus tipos e observar todos os indícios, mesmo aqueles que não estão

relacionados ao esquema específico objeto da investigação. Essas red flags

podem incluir mudanças estranhas no estilo de vida de um empregado, dicas

ou reclamações de funcionários, clientes e outros agentes externos, entre

outros sinais de alerta.

Vale ressaltar que as red flags indicam que há potencial para um

esquema de fraude, sendo um termo comum associado a identificação destas,

porém não são necessariamente uma comprovação de que uma fraude ocorreu

de acordo com Vona L., (2008).

7) Avaliação do Sistema de Controle Interno: por fim, tendo como

principal referência a metodologia COSO, são utilizados os

resultados da auditoria para identificar áreas de risco e estabelecer

ou corrigir controles, com o intuito de facilitar a identificação de

possíveis responsáveis para atos fraudulentos dentro da

organização.

4.3. O Auditor Forense enquanto Testemunha Experiente

Segundo definição do Dr. George A. Manning renomado autor sobre

o tema, em uma tradução livre:

“... Testemunha Experiente é a pessoa especialista em determinada arte, ciência, profissão ou negócio ou quem possui experiência ou conhecimento em relação a matérias comumente desconhecidas por pessoas normais.” (MANNING, 2011, p. 224)

Diz ainda o autor que a diferença básica entre uma Testemunha

Experiente e uma testemunha comum é que esta última apenas testemunhou

fatos, os quais, viu, ouviu ou observou.

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O auditor ao assumir este papel deve ser capaz de servir a corte no

estabelecimento da verdade, por meio de sua experiência e provas técnicas

apresentadas, pois através de seu depoimento será determinada a

responsabilidade de um acusado.

Por isso é de suma importância que o profissional possua completa

capacitação, demonstrando confiança ao explanar questões que abrangem as

disciplinas comuns a função do Auditor Forense, nomeadamente a

Criminologia, em especial sobre delitos econômicos e financeiros, Investigação,

Contabilidade e Computação Forense.

Este deve seguir normas e padrões rígidos, tendo especial cuidado

na coleta e preservação de evidências, pois o caso pode ser perdido se

durante a análise destas não for constatada a devida diligência com relação a

cadeia de custódia.

Além das referidas habilidades, deve possuir também excelente

comunicação oral e capacitação para entrevistar possíveis envolvidos, bem

como contornar situações comprometedoras com acusados, advogados e

juízes. Por fim, seu relatório deve possuir linguagem adequada, simples e

objetiva, para que seja facilmente interpretado pela promotoria.

Ao final de um investigação, precisa preparar-se para a

apresentação dos resultados, não simplesmente prestando um depoimento,

mas defendendo seus argumentos com autoridade ao rebater eventuais

objeções da parte contrária, uma vez que esta pode tentar fazê-lo perder o

controle e cair em contradições.

Esta etapa do trabalho do Auditor Forense é tida por Singleton et al

(2010) como fundamental na formação da mentalidade investigativa do

profissional, pois é através deste processo que os olhos do auditor são abertos,

quando representantes do lado oposto levantam dúvidas e possibilidades que

este pode não ter considerado até então.

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CONCLUSÃO

Foi possível constatar através do presente estudo, como as fraudes

financeiras tiveram impactos profundos nas mais variadas instituições, levando

a criação de normas e entidades específicas focadas na sua detecção e

tratamento, além de provocar forte influência na sociedade, resultando em uma

transformação da profissão do auditor e o surgimento de uma nova

especialidade.

A Auditoria Forense, surge e passa a ter como principal objetivo a

detecção de fraudes, necessitando de profissionais multidisciplinares, dos

quais se espera qualidades técnicas em áreas diversas, devendo estes atuar

com transparência e respeito a normas e padrões apropriados, permitindo

assim a sua efetividade nas óticas preventiva, proativa e reativa.

Voltamos então a pergunta: qual é a importância da aplicação de

técnicas de Auditoria Forense para identificação e tratamento assertivo dos

responsáveis por atos de fraude nas empresas?

Diante do apurado, fica claro que com o aumento dos esforços para

detecção de casos de corrupção e fraudes no Brasil e no Mundo, tornar-se-á a

Auditoria Forense essencial na aplicação da lei e na eliminação do gap

existente em relação ao papel do auditor.

Observa-se que há urgência em integrar técnicas formais de

Auditoria Forense aos processos tradicionais, estabelecendo um ferramental

científico de investigação nos aspectos contábeis, jurídicos e tecnológicos, com

o objetivo de torná-los capazes de responder às ameaças atuais e vindouras.

Contudo, verifica-se que a profissão do Auditor Forense para que se

estabeleça, principalmente no Brasil e à semelhança do que acontece nos

EUA, ainda terá um grande caminho a ser percorrido, desde a sua integração

como disciplina nos sistemas de ensino, até ao seu reconhecimento oficial,

regulamentação pertinente e certificação profissional.

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 02 AGRADECIMENTOS 03 DEDICATÓRIA 04 RESUMO 05 METODOLOGIA 06 SUMÁRIO 07 INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I

O CENÁRIO DAS FRAUDES NO BRASIL E NO MUNDO E O SURGIMENTO DE UMA NOVA ESPECIALIDADE 09

1.1. Organismos Internacionais 13

1.2. Leis e Normas 15

CAPÍTULO II

CONCEITOS BÁSICOS SOBRE FRAUDE 18

2.1. Diferenças entre Erro e Fraude 23

CAPÍTULO III

A AUDITORIA TRADICIONAL E A AUDITORIA FORENSE 26

3.1. Auditoria Financeira (“Tradicional”) 26

3.2. Auditoria Forense 28

3.3. Contabilidade Forense 30

CAPÍTULO IV

PROCEDIMENTOS DE AUDITORIA FORENSE 32

4.1. Como se origina uma Auditoria Forense? 33

4.2. Etapas de uma Auditoria Forense 35

4.3. O Auditor Forense enquanto Testemunha Experiente 38

CONCLUSÃO 40 BIBLIOGRAFIA 41 ÍNDICE 44 ÍNDICE DE FIGURAS 45

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ÍNDICE DE FIGURAS

Figura 1 – Localização Geográfica de Organizações Vítimas 11

Figura 2 – Cubo do COSO 16

Figura 3 – A Árvore da Fraude 20

Figura 4 – Pirâmide da Fraude de Donald Cressey 21