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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU INSTITUTO A VEZ DO MESTRE É BRINCANDO QUE SE APRENDE: A IMPORTÂNCIA DOS RECURSOS LÚDICOS NA PREVENÇÃO E SUPERAÇÃO DOS PROBLEMAS DE APRENDIZAGEM Por: JULIANA DA SILVA GAMA Orientador: Profº Dr. Vilson Sérgio de Carvalho Co-orientadora: Profª. Narcisa Castilho Melo RIO DE JANEIRO 2013 DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

É BRINCANDO QUE SE APRENDE:

A IMPORTÂNCIA DOS RECURSOS LÚDICOS NA

PREVENÇÃO E SUPERAÇÃO DOS PROBLEMAS DE

APRENDIZAGEM

Por: JULIANA DA SILVA GAMA

Orientador: Profº Dr. Vilson Sérgio de Carvalho Co-orientadora: Profª. Narcisa Castilho Melo

RIO DE JANEIRO

2013

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

É BRINCANDO QUE SE APRENDE:

A IMPORTÂNCIA DOS RECURSOS LÚDICOS NA PREVENÇÃO

E SUPERAÇÃO DOS PROBLEMAS DE APRENDIZAGEM

Por: JULIANA DA SILVA GAMA Apresentação de monografia ao Instituto A Vez do Mestre – Universidade Candido Mendes como requisito parcial para obtenção do grau de especialista em Psicopedagogia Institucional. Orientador: Profº Vilson Sérgio Co-orientadora: Profª. Narcisa Castilho Melo

RIO DE JANEIRO 2013

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a todos

aqueles que sempre se fizeram

presentes e especiais, mediante

todo o estímulo e confiança:

meus pais Lúcia e Ginaldo e

meu marido Gabriel. Esse é

apenas o começo de uma

caminhada de sucesso, do qual

vocês certamente fazem parte

hoje e farão sempre.

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METODOLOGIA

A metodologia utilizada no presente trabalho foi a pesquisa explicativa, uma vez

que buscamos neste, a compreensão do fenômeno do fracasso escolar e os efeitos do uso

dos recursos lúdicos do processo de ensino-aprendizagem, o que exige uma profunda

reflexão e identificação de fatores que interfiram nos mesmos.

O instrumento utilizado foi o levantamento bibliográfico, que se deu por meio da

análise de livros, artigos, teses, revistas especializadas, sites, reportagens, etc., referentes a

autores e temas relacionados ao desenvolvimento, aprendizagem, fracasso e sucesso

escolar e ao uso de recursos lúdicos na sala de aula, tais como Vygotsky, Piaget, Enguita,

Pereira, Freire, entre outros teóricos.

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SUMÁRIO

• Introdução

5

• Capítulo I – Contribuições Teóricas

7

1 – Vygotsky

7

2 – Piaget

12

• Capítulo II – Fracasso Escolar: De quem é a culpa?

17

• Capítulo III – Jogos e Brincadeiras na Perspectiva Escolar

25

• Capítulo IV – Recursos Lúdicos em Sala de Aula: Evoluções e Resistências

30

Conclusão

35

Bibliografia 37

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5

INTRODUÇÃO

Apresentamos como tema do presente estudo monográfico os possíveis efeitos da

utilização dos jogos e das brincadeiras como recursos pedagógicos, tendo como hipótese da

investigação a noção de que a dimensão lúdica seja facilitadora no processo de prevenção e de

superação dos problemas de aprendizagem. Tal investigação é de relevância fundamental,

uma vez que a ocorrência de tais problemas tem sido cada vez maior entre crianças e

adolescentes em fase escolar. Uma reflexão mais profunda desta questão evidencia a

existência de difíceis barreiras entre o indivíduo e o conhecimento, barreiras essas que, muitas

vezes, refletem a utilização de uma pedagogia conservadora, desvinculada dos interesses que

são parte do universo infantil e/ou adolescente e, por isso, desmotivadora do aluno na busca

pelo saber.

A possibilidade de que novas abordagens do conhecimento, voltadas para os jogos,

contribuam para uma melhoria no rendimento dos alunos, para a produção de aulas

estimulantes e não-convencionais - e, de forma mais ampla, contribuam para uma

transformação no sistema educacional e para uma grande evolução no comportamento escolar

dos jovens em geral – é um tema que carece de uma análise minuciosa, pois mediante a

realização desta possibilidade, a escola estaria produzindo jovens pesquisadores,

desbravadores do conhecimento, protagonistas de seu próprio saber e potencializadores de

grandes mudanças sociais, políticas e científicas.

Como especificação do tema, delimitaremo-nos à análise da visão da criança e do

adolescente da rede pública de ensino em relação às aulas e atividades escolares em geral,

visando compreender as possibilidades de evolução da realidade dos alunos desmotivados e

com problemas de aprendizagem, mediante a abordagem lúdica.

Diante disso, são objetivos deste estudo compreender as possíveis causas da perda de

interesse do educando pelo aprendizado, analisar o fracasso escolar e sua possível relação

com a resistência tradicionalista em relação à dimensão lúdica da aprendizagem, compreender

de que forma a exploração desta dimensão pode promover o sucesso escolar e propor novas

abordagens, linguagens e atitudes quanto ao conteúdo formal das aulas.

Assim sendo, este estudo se dividirá em quatro capítulos. O primeiro refere-se à

análise dos conceitos de Piaget e Vygotsky, teóricos que utilizaremos como fundamentação da

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presente pesquisa. Analisaremos especialmente a noção de envolvimento entre a dimensão

cognitiva e afetiva do conhecimento presente no primeiro, e a concepção de desenvolvimento

pela interação social no segundo.

No segundo capítulo, pretendemos compreender os possíveis fatores causadores do

fracasso escolar, considerando os altos índices de evasão e de reprovação dos alunos da rede

pública de ensino e investigando as reais necessidades e expectativas destes alunos em relação

à escola.

No terceiro capítulo, analisaremos o uso dos jogos e das brincadeiras em sala de aula,

seus efeitos no que diz respeito ao rendimento dos alunos e de que maneira tal uso é capaz de

despertar uma nova postura destes em relação às aulas e ao próprio conhecimento em si,

gerando sucesso escolar, desenvolvendo o espírito científico, o prazer pela construção do

conhecimento e habilidades essenciais à formação do indivíduo.

No quarto capítulo, objetivamos evidenciar o quanto, ainda hoje, há resistência entre

os docentes quanto ao uso de recursos lúdicos, o que os leva à perda de uma importante

oportunidade de conduzir seus alunos à melhor compreensão dos conteúdos –

independentemente da disciplina em questão – e de promoção de um forte estímulo à

aprendizagem em geral.

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CAPÍTULO I

CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS

1 – Vygotsky

O trabalho de Vygostky se desenvolve a partir do pressuposto de que o processo de

desenvolvimento do ser humano tem relação direta com o contexto sócio-histórico em que se

encontra inserido. Neste processo, em seus trabalhos, o tema do aprendizado é tratado com

ênfase, uma vez que considera que o homem só é capaz de desenvolver funções mentais

sofisticadas através do aprendizado, que se dá mediante a interação social. Aprendizado,

desenvolvimento e interação são termos que se relacionam intimamente, no que diz respeito à

evolução mental do homem.

Ao nascer, o ser humano possui apenas as funções psicológicas básicas – deste modo,

o bebê possui um sistema sensório e mecanismos neurológicos, como parte do aparato

biológico de sua espécie, das funções inatas do organismo humano. Ao longo de seu

desenvolvimento, funções como percepção, atenção e memória, por exemplo, se tornam mais

complexas, por conta da internalização de conceitos, significados e formas de controle de suas

ações psicológicas, desenvolvidos culturalmente. Assim, os elementos do ambiente passam a

ser mediados pelos conteúdos culturalmente definidos, e passam a ser percebidos pela sua

utilidade, o lugar que ocupam em seu cotidiano, sua utilização costumeira, etc. Afinal, o

ambiente abrange uma infinidade de informações e a seleção daquilo que perceberemos,

atentaremos e recordaremos mais é relacionada às nossas vivências, àquilo que é considerado

mais relevante pela experiência, pelo contexto histórico-social em que nos encontramos

imersos.

O cérebro humano seria, assim, a base biológica para o desenvolvimento psicológico –

aberto, dotado de grande plasticidade e sem funções pré-definidas, ele apresenta as

possibilidades para o desenvolvimento. Através da relação do homem com o mundo, funções

psíquicas como atenção, percepção, linguagem, memória, etc. são desenvolvidas. Vygotsky

ilustra muito bem esta relação ao tratar de como as crianças, ao desenvolverem a fala

egocêntrica, conseguem solucionar problemas práticos, pois esta facilita a manipulação de

objetos, além disso, o recurso da fala egocêntrica desenvolve o autocontrole do

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comportamento pela criança. Esta modalidade de comunicação relaciona-se ao

desenvolvimento da fala social da criança, uma vez que, de acordo com Vygotsky, em várias

situações, ela é levada a comunicar a algum adulto sua incapacidade para resolver um

problema, o que torna a fala social um instrumento para sua resolução. E a fala social, por sua

vez, é internalizada em uma fase posterior do desenvolvimento do indivíduo, a linguagem

adquirindo assim uma função intrapessoal. Nas palavras de Vygotsky:

“No momento em que as crianças desenvolvem um método de comportamento para

guiarem a si mesmas, o qual tinha sido usado previamente em relação a outra pessoa, e quando elas

organizam sua própria atividade de acordo com uma forma social de comportamento, conseguem,

com sucesso, impor a si mesmas uma atitude social.” (Vygotsky, 1991, p. 23)

O funcionamento psicológico superior do indivíduo teria origem, assim, em processos

interpsicológicos, mediante os quais elementos são internalizados e passam a mediar as

atividades do indivíduo no mundo1. Isto é, o sujeito se relaciona com o mundo e com o outro

e, assim, internaliza certas habilidades desenvolvidas aí, constituindo o plano intrasubjetivo.

Assim, o homem enquanto ser biológico se transforma em ser social, pelo processo de

internalização de atividades baseadas em signos e conceitos constituídos culturalmente

(OLIVEIRA, 1993). O indivíduo, portanto, reelabora os conceitos e significados fornecidos

pelo grupo a partir de sua consciência individual, uma vez que tal aprendizado refere-se à

cultura vivenciada por ele, e a cultura, como efeito de tal reelaboração, constitui-se como um

processo de constante criação e recriação.

Deste modo, o indivíduo é ativo em seu processo de desenvolvimento, o que defende a

teoria interacionista de Vygotsky. Não se encontra submetido a processos de maturação

interna, nem às imposições do ambiente em que se insere. O indivíduo reelabora os

significados transmitidos pelo grupo cultural. Conceitos e representações são, assim,

construídos socialmente e, internalizados, formam as funções psíquicas superiores no

indivíduo. Ou seja, tais funções superiores apóiam-se nas características biológicas do ser

humano, mas é somente a partir do aprendizado que o indivíduo desenvolve tais processos, e

este só se efetiva a partir da relação do homem com seu ambiente sócio-cultural. Portanto,

estar inserido em um contexto sócio-cultural é uma parte fundamental da constituição do ser

humano, segundo Vygotsky. É o grupo e o ambiente cultural que o fornecem todos os

1 “Poder-se-ia dizer que a característica básica do comportamento humano em geral é que os próprios homens influenciam sua relação com o ambiente e, através desse ambiente, pessoalmente modificam seu comportamento, colocando-o sob seu controle.” Id., p. 38.

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elementos mediadores, a partir dos quais tais atividades psíquicas são desenvolvidas e, assim,

o homem transforma suas formas de agir no mundo. O cérebro, por ser um sistema flexível,

está preparado para realizar diversas funções, e a maneira como efetua tais funções depende

da maneira pela qual o homem está inserido no mundo. E é a partir desse “mundo”, desse

entorno no qual o indivíduo se encontra, que os processos mentais serão desenvolvidos.

Portanto, esse universo cultural determina as formas de ação do indivíduo.

É a partir da importância do âmbito social no aprendizado que se desenvolve um

conceito fundamental na teoria psicogenética de Vygotsky, o conceito de zona de

desenvolvimento proximal ou zona de desenvolvimento potencial2. Este diz respeito à

capacidade apresentada pelo indivíduo quanto a certo conhecimento ou habilidade, que

consegue desenvolver a partir da ajuda de terceiros, ou seja, ao conjunto de atividades

desenvolvidas pelo indivíduo com o auxílio do outro. A compreensão deste conceito está

intimamente relacionada à noção de desenvolvimento real, que consiste na capacidade que

um indivíduo tem, em ato, de realizar determinada tarefa independentemente, ou seja, sem

auxílio. O desenvolvimento real refere-se a etapas já alcançadas e consolidadas pelo

indivíduo. Pressupõe um nível necessário de maturação interna, uma vez que, por exemplo,

uma criança de um ano não conseguiria fazer um cálculo nem sozinha, nem com a ajuda de

alguém. O desenvolvimento potencial capta os níveis já alcançados de maturação, habilidades

cujos processos de desenvolvimento já foram desencadeados, e os níveis ainda a serem

alcançados, aqueles em que a ajuda de outrem pode alterar significativamente os resultados da

ação3.

Assim, o desenvolvimento humano, de acordo com Vygotsky, é prospectivo. Deve-se

levar em conta, na atividade de ensino-aprendizagem, as habilidades ou níveis de

desenvolvimento que estão “em semente” no funcionamento psicológico humano, para que se

possa trabalhar no sentido de sua consolidação. Nesse sentido, a escola tem um papel central

no desenvolvimento psicológico dos indivíduos, uma vez que deve funcionar como uma

entidade propulsora de novos níveis intelectuais. Para isso, precisa considerar o nível de

desenvolvimento atual do indivíduo, sua etapa de maturação e seu nível de desenvolvimento

2 Ambas as expressões aparecem na tradução para a língua portuguesa.

3 Conforme Vygotsky, “a zona de desenvolvimento proximal define aquelas funções que ainda não amadureceram, mas que estão em processo de maturação, funções que amadurecerão, mas que estão presentemente em estado embrionário. Essas funções poderiam ser chamadas de ‘brotos’ ou ‘flores’ do desenvolvimento, ao invés de frutos do desenvolvimento” (VYGOTSKY, APUD OLIVEIRA, 1993, p.60).

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potencial, com o objetivo de desenvolver novas habilidades, novos níveis de

desenvolvimento. Aqui, devem ser consideradas as vivências dos alunos – o ambiente em que

estão inseridos, os lugares que frequentam, sua cultura geral – para que sejam compreendidas

as habilidades já consolidadas e seu nível de desenvolvimento potencial. Na escola, o

professor seria a pessoa especializada em aplicar procedimentos capazes de alcançar a zona de

desenvolvimento proximal, levando o aluno a desenvolver novos níveis de conhecimento e

maturidade. O papel do professor possui, de acordo com essa linha de raciocínio, extrema

importância, pois ele seria o mediador do aprendizado. Sua intervenção é capaz de resultar na

transformação da compreensão do aluno, conduzindo-o à reflexão e levando-o a atingir novos

graus de desenvolvimento, ocorrendo desta forma, conforme sugere Vygotsky, a intervenção

na zona de desenvolvimento proximal do indivíduo e o desenvolvimento mediante a interação

social.

A ajuda de outras crianças também se revela como essencial, uma vez que, em relação

ao conhecimento, os grupos infantis são heterogêneos; assim, outras crianças também

poderiam ser consideradas mediadoras.

A visão sobre o brincar em Vygotsky

As atividades lúdicas, segundo Vygotsky, possuem funções de extrema importância na

educação, uma vez que se revelam com facilitadores do aprendizado e promotores do

desenvolvimento. O teórico afirma que, assim como a intervenção característica do ambiente

escolar, o brinquedo também cria uma zona de desenvolvimento proximal na criança. Nesse

ponto, refere-se especificamente ao jogo simbólico, à brincadeira de “faz-de-conta”: o

“brincar de escolinha”, “de casinha”, etc. Nesse tipo de brincadeira, a criança opera com os

significados das coisas no universo da brincadeira, e não com a situação real que se

apresenta4. Ao usar uma pedra como se fosse um giz, o muro como se fosse uma lousa, e as

bonecas como se fossem a classe, a criança está utilizando as representações que aqueles

objetos adquirem durante o faz-de-conta de escolinha, ou seja, de uma realidade ausente.

Além disso, a brincadeira em questão também envolve a existência de certas regras de

funcionamento: personagens que devem fazer parte daquele universo, comportamentos que

devem ser tomados, havendo assim sempre certo nível de correspondência entre a própria

4 Vygotsky considera que esta operação mental abstrata, só se dá a partir dos 3 anos aproximadamente, pois antes disso a criança não é capaz de dissociar o mundo imaginário do real.

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brincadeira e aquilo que é real. Dessa maneira, a criança aprende uma habilidade de extrema

importância: aprende a dissociar as situações com objetos concretos e situações que operam

apenas com significados.

Assim, Vygotsky considera que atividades que lidam com o imaginário infantil, tais

como as brincadeiras de faz-de-conta, podem e devem ser promovidas, pois favorecem o

desenvolvimento da criança – uma vez que são regidas por regras e, por isso, levam-na a

representar um comportamento-modelo daquilo de que está brincando, conduzindo-a, assim, a

um entendimento amplo do significado do papel que representa.

O brincar para Vygotsky deveria ser enfatizado também no processo de alfabetização

das crianças. Considera que a brincadeira de desenhar é um importante passo para a

preparação das mesmas em relação à aquisição da linguagem escrita, uma vez que ela também

possui um caráter representativo da realidade. Declara:

“(...) desenhar e brincar deveriam ser estágios preparatórios ao desenvolvimento da linguagem escrita das crianças. Os educadores devem organizar todas essas ações e todo o complexo processo de transição de um tipo de linguagem escrita para outro. Devem acompanhar esse

processo através de seus momentos críticos, até o ponto da descoberta de que se pode desenhar não somente os objetos, mas também a fala.” (VYGOTSKY, APUD OLIVEIRA, 1993, p.72).

O mecanismo da imitação, segundo Vygotsky, também é de extrema importância, pois

é considerado como uma reelaboração do comportamento observado em outros, não apenas

uma reprodução mecânica. Mediante a imitação, a criança domina o princípio envolvido em

uma atividade. Assim, este mecanismo pode ser usado como atividade coletiva, para permitir

uma elaboração de uma função psicológica que, posteriormente, será internalizada.

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2 – Piaget

Piaget foi um estudioso da evolução da inteligência humana, considerando o processo

de desenvolvimento como uma construção contínua,

“... comparável à edificação de um grande prédio que à medida que se acrescenta algo

ficará mais sólido, ou à montagem de um mecanismo delicado, cujas fases gradativas de

ajustamento conduziriam a uma flexibilidade e uma mobilidade das peças tanto maiores

quanto mais estável se tornasse o equilíbrio.” (PIAGET, 1969, p. 12).

Esta edificação ocorre através da interação do indivíduo com o meio, em que o

indivíduo é ativo e reativo sobre este, sofrendo e exercendo pressão, em um processo de

adaptação progressiva – que vai desde os seus primeiros reflexos de criança até o raciocínio

adulto. Assim, desenvolve estruturas mentais, mediante as quais é capaz de agir no e

compreender o mundo. Em um processo de constante construção e reconstrução, o indivíduo

elabora o conhecimento, incorporando novos elementos a estruturas já existentes ou

ampliando o conhecimento que já possuía.

Conceitos de central importância para a compreensão do pensamento piagetiano são as

noções de assimilação, acomodação e equilibração, processos pelos quais ocorrem as

transformações nas estruturas cognitivas do indivíduo. O conhecimento decorre dos esquemas

de assimilação, em que o indivíduo incorpora elementos ou informações, compatíveis com a

sua natureza, às suas estruturas. Por meio da assimilação, o indivíduo classifica novos

elementos do meio externo aos esquemas já existentes em sua mente, agindo sobre estes

elementos. A acomodação ocorre com a mudança dos esquemas existentes, em função da

natureza do objeto a ser incorporado. Assim, o indivíduo descobre o novo (assimila) e o

internaliza (acomoda). A equilibração consiste na posição estável alcançada pelo indivíduo

mediante tais processos, uma vez que a interação com o ambiente o desafia, “desequilibra”. É

um mecanismo de autoregulação entre o indivíduo e seu meio. A equilibração representa,

então, a passagem de uma estrutura cognitiva para outra, mais complexa.

A equilibração só ocorre quando a criança “encaixa” a informação do meio a seus

esquemas atuais de assimilação. Ela pode, nessa tentativa, deformar alguns aspectos da

informação, constituindo um raciocínio inadequado em parte, compreendendo-a parcialmente.

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Posteriormente, ao atingir o grau de maturação necessário, haverá outro processo de

equilibração, que tornará o conhecimento adquirido mais correto.

Assim, a maneira pela qual um indivíduo entende uma determinada informação

depende das estruturas já presentes nele, ou seja, de experiências anteriores, de como tais

experiências refletiram em seu intelecto e da maneira pela qual a informação é fornecida.

Piaget concluiu, além disso, que o desenvolvimento humano ocorre mediante um

processo evolutivo classificado em quatro estágios ou fases, que consideram idades mais ou

menos determinadas. Não é a idade que importa, e sim a ordem desses estágios, pois eles

envolvem a maturação biológica da criança, suas vivências e socializações. Ao longo desse

processo, a criança constitui sua adaptação em relação ao meio ambiente.

Tais períodos são o sensório-motor (do nascimento até os 2 anos de idade), o pré-

operatório (dos 2 até os 6 ou 7 anos), o operatório concreto (dos 7 aos 11 ou 12 anos), o

operatório formal ( dos 11 ou 12 até o fim da adolescência). Todo educador, no processo de

ensino-aprendizagem, deve considerar tais estágios e suas implicações para que sua atividade

seja eficaz.

No período sensório-motor, a criança começa a desenvolver o controle de suas funções

motoras e aprende a diferenciar entre os objetos do mundo e o seu próprio corpo

(permanência do objeto: compreensão de que os objetos possuem existência independente de

sua relação com os mesmos). O aprendizado desta fase se dá mediante a observação sensorial

e, a partir de reflexos elementares, o indivíduo começa a elaborar esquemas para assimilar o

meio externo. A criança interage com o ambiente explorando-o e manipulando-o. O

comportamento desenvolvido nesta fase é resultado misto de experiência e biologia, visto que,

mediante seus reflexos, desenvolve hábitos comportamentais – por exemplo, a criança já

nasce com o reflexo da sucção e, através dele, aprende a alterar o formato da boca e localizar

o mamilo.

O período pré-operatório é o estágio em que a inteligência simbólica e a linguagem

começam a se desenvolver. A criança torna-se capaz de simular, de “fazer de conta”. Porém, é

egocêntrica e não consegue se colocar no lugar do outro, pois seu ponto de vista é limitado. O

pensamento encontra-se centrado nela mesma. Possuem também o pensamento mágico e

animista, atribuindo sentimentos a objetos e eventos.

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No período operatório-concreto, o indivíduo já possui a capacidade de abstrair dados

da realidade, porém esta capacidade é limitada, uma vez que ela depende do mundo concreto

para isso. Desenvolve alguns processos de pensamento lógico, como o raciocínio silogístico e

a classificação de certas coisas, começam a seguir regras e desenvolver o senso moral. O

pensamento egocêntrico dá lugar ao pensamento operatório, que envolve a atenção e

manipulação de informações externas ao indivíduo.

No período operatório-formal, forma-se a capacidade de pensar soluções com base no

raciocínio hipotético-dedutivo e de ideias abstratas. Desenvolve-se uma linguagem complexa,

a autoconsciência, o pensamento lógico. O indivíduo neste período tende a se interessar por

religião, filosofia, política.

Os jogos na evolução da mente humana

“... os jogos não são apenas uma forma de desafogo ou entretenimento para gastar

energias das crianças, mas meios que contribuem e enriquecem o desenvolvimento

intelectual”. (Piaget, 1976, p. 160)

Com base em sua noção de desenvolvimento mediante estágios ou fases, Piaget

considera a importância e a mudança dos jogos e das brincadeiras ao longo da evolução da

mente humana. Analisa as habilidades e capacidades referentes a cada um dos estágios,

relacionando-as às formas pelas quais o brincar se dá, revelando, assim, como as crianças são

capazes de desenvolver aprendizado mediante as brincadeiras.

Piaget concede fundamental importância aos jogos e às brincadeiras no processo de

ensino-aprendizagem, pois favorecem o desenvolvimento físico, afetivo, cognitivo, social e a

aprendizagem de conceitos. Pela ação lúdica, o indivíduo manipula objetos, age sobre o

ambiente, o que é essencial ao desenvolvimento do aprendizado.

Assim, Piaget distribui os jogos em três categorias. Cada uma delas corresponde a um

tipo de estrutura mental. São eles: o jogo sensório-motor, o jogo simbólico e o jogo de regras.

O jogo sensório-motor desenvolve-se no período de mesmo nome, e nele surge o jogo

de exercício, ou jogo prático, cuja única finalidade é a satisfação que a brincadeira traz. No

início, o bebê “brinca” com seu próprio corpo, mexendo braços, mãos, dedos e pernas,

agarrando objetos, balbuciando; e explora seu ambiente, lançando objetos para longe,

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repetidamente. A repetição desses jogos, segundo Piaget, tem o objetivo de realizar o prazer

de exercitar estruturas já consolidadas, e isso confere à criança sensação de poder e de ser

causa de algo. Quando a criança começa a conhecer e manipular objetos, o jogo de pura

satisfação sensorial dá lugar a jogos de habilidades, e a criança começa a criar formas de

explorar os seus brinquedos, manipulando-os de diferentes maneiras (através de outros

objetos, puxando-os com cordões, etc.). No final da fase sensório-motora, por volta de 1 ano e

meio, a criança começa a desenvolver sua capacidade de pensar objetos e fatos que não está

observando e esta forma de brincadeira deixa de ser predominante. Porém, ela nunca

desaparece, ela ressurge em diversos momentos inclusive da fase adulta. Nesse momento,

começa a surgir a capacidade de representação e de linguagem, e isso consiste no início do

período pré-operatório, em que predominam os jogos simbólicos.

Nos jogos simbólicos, a criança passa a manipular os dados da realidade, assim como

antes manipulava os objetos. Assim, ela finge que fala com alguém ao telefone, que está

comendo alguma coisa quando não está, enfim, usa gestos imitativos, deste modo ela começa

a interpretar papéis. Assim, predominam nesta fase os jogos de simulação, o faz-de-conta,

mas de forma solitária, na maior parte das vezes. Afinal, nesta fase predomina o

egocentrismo, e diretamente de suas características derivam as formas pelas quais o brincar se

dá. Nesta fase, ao brincar, a criança assimila o mundo a seu modo, a assimilação assim

predominando sobre a acomodação – ou seja, ela não faz correspondência necessária com a

realidade. Afinal, sua interação com o objeto depende da função atribuída por ela ao mesmo, e

não necessariamente da natureza deste objeto.

Essa característica da criança nesta fase, de entrar centrada nela mesma, faz com que

ela brinque sozinha, fale sozinha, comporte-se como se estivesse em um universo particular

enquanto brinca, não estabelecendo comunicação com os demais. Em sua brincadeira, as

coisas são como ela própria estabelece, o mundo funciona como ela pensa que ele funcione.

Afinal, ela não possui ainda esquemas de ação para compreender logicamente o mundo.

O jogo simbólico tem fundamental importância para Piaget, pois através deste, a

criança constrói uma ressignificação da realidade. Assim, ela está exercitando uma habilidade

que será de extrema importância posteriormente, na vida adulta, a imaginação, que em

diversas situações precisa ser trabalhada na solução de problemas cotidianos. Este jogo é

como um miniteatro, porém sem um script, em que a criança interpreta papéis de adultos,

vivencia comportamentos diferentes dos seus, incorpora atividades e funções que imagina e

que observa, em seu cotidiano. Para Piaget, a função dos jogos simbólicos é de:

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“(...) satisfazer o eu por meio de uma transformação do real em função dos desejos: a

criança que brinca de boneca refaz sua própria vida, corrigindo-a à sua maneira, e revive

todos os prazeres ou conflitos, resolvendo-os, compensando-os, ou seja, completando a

realidade através da ficção. Em suma: o jogo simbólico não é um esforço de submissão do

sujeito ao real, mas, ao contrário, uma assimilação deformada da realidade ao eu.” (Piaget,

1969, p. 29)

Além disso, nos jogos simbólicos a criança expressa suas emoções, angústias, sonhos

e fantasias. Assim, relembra situações de extrema alegria, ou de experiências negativas, em

que alivia suas tensões e dá vazão a seus sentimentos, vive momentos que não pôde viver

(como visitar um lugar que nunca foi). Deste modo, a criança desenvolve, através desta

modalidade de jogo, a sua afetividade, realizando um sonho, “consertando” momentos ruins,

acariciando pessoas de quem sente falta, dando vida a brinquedos, enfim, criando o mundo na

sua imaginação. Através deste brincar, a criança amplia seus esquemas, assimilando as coisas

aos esquemas que já possui. Assim ela consegue, pouco a pouco, acomodar a realidade.

No período operatório-concreto, a criança começa a desenvolver certa lógica no

pensar, como a capacidade de reversão, a classificação dos objetos por sua forma e tamanho, a

compreensão dos números. O comportamento é menos egocêntrico e a criança começa a

brincar, conversar, cooperar, enfim, interagir de diferentes formas com outras crianças, agora

sendo capaz de compreender outros pontos de vista. Deste modo, começa a compreender a

existência de regras, e surge o que Piaget chama de jogo de regras. Neste, há regras comuns,

que todos devem aceitar e respeitar.

Para Piaget, o professor e a escola têm um papel central nesta evolução do

pensamento. Afinal, deve fornecer às crianças os materiais necessários ao desenvolvimento,

nesses estágios, das habilidades devidas. Isso deve ocorrer sem que as soluções dos problemas

propostos sejam dadas, mas mediante o estímulo à criatividade, à imaginação, para que a

própria criança seja capaz de resolver por si só, executando livremente seus esquemas de

ação, para que assim ocorram as assimilações necessárias e, no momento certo, a criação de

novos esquemas. A passagem de uma estrutura de compreensão a outra depende, neste

sentido, da motivação dada através de situações-problema, estímulos para a reflexão, para que

aquela informação seja de fato consolidada, através de uma postura ativa do indivíduo

mediante o conhecimento, de seu esforço cognitivo de tomar o problema para si.

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CAPÍTULO II

O FRACASSO ESCOLAR: DE QUEM É A CULPA?

Podemos afirmar que, hoje, o fracasso escolar é um dos assuntos mais discutidos e

analisados pelos educadores. Os altos índices de evasão escolar e de repetência, principais

indícios de fracasso escolar, que têm sido observados de maneira cada vez mais frequente –

em especial na escola pública – nos levam a acreditar que estamos vivendo épocas alarmantes.

Por conta disso, precisamos compreender melhor o tal fracasso escolar, como se define, o que

o envolve e como é possível pensarmos em soluções.

Podemos defini-lo como um fenômeno em que se constata a não aprendizagem dos

conteúdos escolares, ou seja, em que há mau êxito no que diz respeito ao desempenho

esperado dos alunos quanto ao aprendizado. No debate deste tema, o principal

questionamento se resume a: quem são os verdadeiros culpados pelo fracasso escolar? A

escola? Os pais? O próprio aluno? O sistema educacional brasileiro? A desigualdade social?

São inúmeras as nossas dúvidas e especulações. Em certos momentos, os profissionais da

educação e os pais consideram as crianças como as culpadas, em outros o sistema econômico,

em outros os próprios professores. Mas há, verdadeiramente, um culpado nesta situação?

Segundo Carvalho (2010), há cinco fatores principais que afetam o desempenho

escolar de nossos alunos: a família (a qualidade das relações nela presentes, valores

transmitidos e hábitos organizacionais e comportamentais), professores/escola de qualidade

(direção comprometida, professores dedicados e motivados, oferecimento de projetos e

gincanas, etc.), saúde (qualidade de vida, hábitos alimentares, prática de esportes), recursos

econômicos disponíveis (que afetam em muito a vida escolar, uma vez que, por exemplo, o

aluno de baixa renda pode ter dificuldades para freqüentar as aulas devido à necessidade de

trabalho, enquanto o aluno com um bom poder aquisitivo tem a capacidade de fazer cursos e

viagens, que ampliam a sua visão de mundo) e a própria força de vontade do aluno (e isso

depende de fatores como autoestima, disciplina, motivação, autonomia, relacionamento com

amigos, etc.). A autora considera que a presença ou ausência de algum dos fatores,

isoladamente, não tem a força de provocar sucesso ou fracasso escolar, o que desmistifica a

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ideia, compartilhada por muitos, porém carregada de preconceitos e discursos fraturados5, de

que indivíduos de baixa renda têm menos possibilidades de alcance do sucesso.

Acrescentamos a esses cinco fatores supracitados as dificuldades de aprendizagem,

muito frequentes entre nossos alunos. As crianças com distúrbios desta ordem são, na maior

parte das vezes, consideradas agitadas demais, difíceis de lidar, bagunceiras, desatentas, entre

outras classificações, o que constitui rótulos indesejáveis e prejudiciais, e causa, indubitável e

frequentemente, o fracasso escolar em suas vidas escolares.

A afirmação de que a família é extremamente importante na vida do indivíduo é uma

unanimidade entre pedagogos, educadores e psicólogos, uma vez que ela é o primeiro grupo

do qual faz parte e que, através dos ensinamentos provenientes dela, dará os primeiros passos

na construção de sua história de vida. Em relação à vida escolar, a presença familiar também

se revela de extrema relevância, posto que sua parceria com a escola pode constituir um forte

estímulo para a criança, além de ser essencial para que os pais obtenham informações a

respeito de possíveis dificuldades de diferentes ordens. Essa parceria se revela também para a

escola de grande importância, pois através dela, a escola pode obter informações sobre a

criança, que podem afetar positivamente sua postura para com a mesma.

A ausência familiar na escola constitui um fator determinante no que diz respeito à

responsabilização da família pelo fracasso escolar. Afinal, nota-se grandes diferenças entre o

desenvolvimento pessoal e intelectual de crianças oriundas de famílias estimuladoras e

preocupadas com sua aprendizagem e crianças oriundas de famílias que não têm essa questão

como prioridade, visto que os estímulos decorrentes dela são preponderantes para este

desenvolvimento. E a presença da família na escola demonstra essa preocupação. Por que será

que a família, considerada juntamente ao Estado como responsável pela educação do

indivíduo6, se ausenta da vida escolar?

5 Termo usado por Patto, em “O Fracasso Escolar como Objeto de Estudo: anotações sobre as características de um discurso” (1988). A autora refere-se a uma visão parcial a respeito do fenômeno, que ora reflete o preconceito racial e/ou social, ora enxerga apenas uma das partes envolvidas no processo educacional como responsável – o que não permite a compreensão do problema e, consequentemente, impossibilita a sua solução.

6 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: Título II, Artigo 2º: “A educação, dever da família e do estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.

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Observamos, por parte das famílias, muitos equívocos em relação ao papel da escola

na vida do educando. Vivemos uma época em que os pais cumprem longas jornadas de

trabalho e isso causa, muitas vezes, sua ausência no cotidiano das crianças. Reconhecemos o

quanto, no mundo atual, as figuras de pai e mãe ou outros responsáveis pela criança, que

trabalham, é comum e necessária, na tentativa de satisfação das necessidades familiares.

Porém, é inegável que, em alguns casos, isso gera uma transferência de papéis da família para

a escola. Ou seja, em um mundo em que a preocupação com o trabalho e as melhorias nas

condições de vida familiares tomam quase todo o tempo dos pais e responsáveis pela criança,

o que dificulta a educação familiar dos filhos, naturalmente estes acabam delegando certas

funções suas à escola, o que é um comportamento inadequado psicológica, pedagógica e

judicialmente. Afinal, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, artigo 19,

“Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e,

excepcionalmente, em família substituta”.

Portanto, as especificidades de ambas as instituições têm que ser respeitadas. É

preciso que compreendamos os limites e as possibilidades de ambas: os professores não são

cuidadores e nem extensões dos pais, bem como a escola não é a extensão da casa – ela é um

espaço de conhecimento sistematizado e de desenvolvimento do espírito crítico, forma futuros

profissionais e cidadãos conscientes, enquanto a família é responsável pela formação pessoal

do indivíduo.

Quanto à escola, é notório que há uma extrema falta de motivação por parte dos

professores, especialmente os da educação pública. Este elemento torna menor o empenho em

um bom planejamento de aula e uma boa postura de trabalho. Isto advém de vários fatores.

Um deles, de acordo com JESUS (2004), pode ser considerado a própria

hiperresponsabilização do professor no que se refere à educação dos jovens, enquanto a

família é desresponsabilizada. Além disso, a profissão docente tem sido cada vez mais

desvalorizada socialmente, diante de outras profissões. Para JESUS (2004), entre os fatores

que se destacam como os causadores de desprestígio social da profissão docente estão a

massificação do ensino, o impacto dos meios de comunicação social, a desvalorização do

“saber escolar”, o baixo salário, o elevado número de professores e a má formação de alguns.

Quanto à questão da saúde dos alunos, esta muitas vezes fica em dependência dos

recursos econômicos, pois uma alimentação de qualidade, a prática de esportes e qualidade de

vida, na maior parte dos casos, dependerá do poder aquisitivo da família do qual o aluno faz

parte. Analisando o problema econômico de forma independente da saúde, a questão da

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necessidade de trabalhar entra em primeiro plano, uma vez que, em famílias de baixa renda,

muitas vezes o adolescente auxilia no orçamento doméstico, o que compromete seu tempo

necessário de estudo e, muitas vezes, leva à evasão escolar.

O último fator citado pela autora, que é a força de vontade do aluno, muitas vezes será

uma resultante dos fatores supracitados, visto que sem a saúde em bom estado, carente no que

diz respeito à convivência familiar, em uma escola com professores desmotivados, e

necessitando trabalhar de alguma forma para auxiliar em casa, o aluno dificilmente estará

disposto a aprender. E é essa a realidade observada, na maior parte das vezes, nas escolas

públicas do Rio de Janeiro. É um desafio para a escola de hoje gerar motivação, através do

uso de recursos alternativos, de novas abordagens do conteúdo, da adoção de metodologias

que visem despertar o interesse do aluno para o conhecimento.

Quanto às dificuldades de aprendizagem, acreditamos que tal fator, como uma das

possíveis causas do fracasso escolar, remete à própria carência de profissionais capacitados na

instituição, uma vez que o professor não é habilitado para reconhecer tais distúrbios, e quando

percebe algum “traço” de possível distúrbio, não tem para onde encaminhar este aluno.

Afinal, na maior parte das vezes, a família do estudante da rede pública não dispõe de

recursos para que haja tratamento neurológico e psicopedagógico. Nesse ponto, acreditamos

que a psicopedagogia institucional muito tem a colaborar com a educação, uma vez que ela

abrange meios de prevenção dos problemas de aprendizagem, bem como métodos de

tratamento dos mesmos.

Consideramos a aprendizagem como uma questão complexa, que envolve fatores

como ambiente, organismo, relações humanas. Os autores que fundamentam a presente

pesquisa têm como máxima essa relação: segundo Piaget, o organismo amadurece para

assimilar o ambiente, em Vygotsky, o organismo modifica-se de acordo com os estímulos do

ambiente. Para ambos, o desenvolvimento do ser humano tem relação direta com o ambiente

em que se insere e o indivíduo não é um ser passivo no processo de conhecimento. Vygotsky

ressalta que o indivíduo reelabora os conceitos e significados fornecidos pelo grupo a partir de

sua consciência individual e é desse modo que se formam suas funções psíquicas superiores.

Para Piaget, o indivíduo age e reage ao ambiente, em um processo progressivo de adaptação

no qual desenvolve estruturas mentais.

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De acordo com os pressupostos teóricos de nosso trabalho, portanto, o ambiente possui

grande influência sobre o indivíduo (em questão, o ambiente escolar e todos os elementos

presentes nessa relação: pais, professores, situação sócio-econômica, etc.),

Com base na análise destes fatores, não podemos classificar culpados pelo fracasso

escolar, precisamos sim determinar de que maneira, na educação brasileira como um todo,

este fenômeno está se instaurando. De acordo com Fernandez (1994), “a culpa, o considerar-

se culpado, em geral, está no nível imaginário”, afinal existem diversos fatores atuando sobre

os alunos e os docentes, em sua prática cotidiana, que podem resultar em sucesso ou fracasso

escolar.

Um outro lado do problema...

Muitas vezes observamos alunos que apresentam uma série de dificuldades em sala de

aula, como mau comportamento, mau rendimento e desmotivação, mesmo que a maior parte

dos possíveis fatores que promovem o sucesso escolar esteja presente. O que pode estar

afetando seus resultados?

Podemos afirmar que parte da questão decorre do surgimento nas escolas das

“crianças-problema”, assim rotuladas. Estas são aquelas crianças que apresentam dificuldades

para aprender, que se distraem, que são disléxicas, hiperativas e, por conta disso, acabam

tornando o trabalho em sala de aula mais difícil. A criança, assim, passa a corresponder ao

comportamento-modelo de “criança problemática”, mesmo que muitas vezes, ao ser criado o

rótulo, não se tenha analisado ou refletido nas circunstâncias que causaram o problema

apresentado pela criança.

Este problema é agravado pelo fato de que as escolas, pela preocupação com os

resultados quantitativos e os índices anuais de reprovação7, enfatiza o caráter informativo da

educação, levando o educando à memorização dos conteúdos e não ao aprendizado efetivo

dos mesmos. Quando esta abordagem ou método não funciona com certo aluno, significa que

ele não corresponde à coletividade e, por isso, ele é penalizado.

De acordo com Enguita (1989), o papel do professor diante de sua turma passa a ser o

de estimular o comportamento daqueles alunos que mantém uma disciplina e uma ordem,

característica de todas as salas de aula ou aquilo que se espera delas, enquanto o 7 Deve-se considerar que, na educação pública, os índices de reprovação são analisados anualmente pela Secretaria de Educação, o que constitui um fator determinante para a premiação das escolas e professores de seu quadro com bonificações.

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comportamento daqueles que costumam questionar o conteúdo, sua forma e o professor, como

expressão de sua individualidade, é punido e desencorajado. Pois os alunos precisam abrir

mão dessa individualidade para, posteriormente, serem devidamente inseridos em uma

sociedade capitalista, que exige a docilidade na postura do homem.

Alunos com dificuldades comportamentais ou relativas ao próprio conteúdo, seja isso

decorrente de distúrbio de aprendizagem ou não, diante desta metodologia privilegiadora da

memorização, veem seus problemas agravado. Afinal, necessitam de acompanhamento, e não

de rótulos. Aqueles que apresentam dúvidas em relação ao conteúdo, quando diante de uma

abordagem diferenciada dos mesmos assuntos, podem progredir surpreendentemente. Os que

apresentam problemas de comportamento, muitas vezes quando apresentados ao mesmo tipo

de abordagem diferenciada dos conteúdos ministrados, sentem-se mais estimulados a aprender

e são capazes de grandes evoluções. Neste sentido é que falaremos dos recursos lúdicos no

processo de ensino-aprendizagem.

Aqueles alunos que mantêm uma postura inadequada em sala, buscando conversas e

brincadeiras com os colegas em horas impróprias, muitas vezes demonstram com estas

atitudes a falta de estímulo que sentem quanto ao trabalho de aula. A energia e vivacidade,

que apresentam em situações e momentos inoportunos, podem servir como grandes aliadas do

professor. Esses alunos podem ser aproveitados nas atividades lúdicas, atitude capaz de gerar

uma série de benefícios ao aprendizado do conteúdo: o aluno passa a se envolver mais nas

atividades, uma vez que sente maior interesse em relação à aula; seu comportamento

influencia outros alunos, pois muitas vezes este aluno é líder de turma; e o professor se sente

mais motivado, em conseqüência disso. Não é tarefa fácil, pois demanda do professor um

maior tempo de planejamento de suas atividades de classe, uma postura dinâmica e condutora,

flexibilidade. É um desafio, se queremos de fato modificar nossa abordagem e criar novos

métodos, capazes de gerar um maior interesse nos alunos em relação às matérias e satisfação

no aprendizado, buscando desempenhar a profissão de maneira mais motivada e motivadora.

É claro que somente a mudança na abordagem dos conteúdos não é capaz de mudar

todo um quadro de fracasso escolar, uma vez que, conforme analisamos acima, ela é

resultante de uma série de fatores. Mas é fato que metodologias tradicionalistas, que

privilegiam a memorização dos conteúdos, não auxiliam no aprendizado, ao contrário, o

tornam cada vez mais distante, pois com elas o aluno nada reelabora ou constrói. Precisamos

rever nossos métodos, para que possamos realizar aquilo que está ao nosso alcance, como

educadores.

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1) Evasão Escolar: Do que os alunos estão fugindo?

De acordo com o Relatório de Desenvolvimento 2012, divulgado pelo PNUD

(Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) em 14 de março deste ano, um a cada

quatro alunos que inicia o Ensino Fundamental abandona a escola antes de completar este

ciclo. É a maior taxa de evasão escolar entre os países com maior IDH (Índice de

Desenvolvimento Humano), de 24,3%. Na América Latina, apenas Nicarágua e Guatemala

têm taxas superiores. Quanto aos índices de reprovação, o Instituto Nacional de Estudos e

Pesquisas Educacionais (INEP), em maio de 2012, ano em que o país alcançou os maiores

índices desde 1999, divulgou que o número de alunos repetentes matriculados no ensino

médio chegou a 13,1%, taxa essa que inclui tanto a rede pública quando a particular.

A evasão escolar não é um fenômeno atual. Ele já vem ocorrendo há décadas no país e

pouco tem melhorado. Muito se discorre a respeito dela e muitas soluções são pensadas...

Então, por que não conseguimos solucionar esse problema?

Em 2009, foi criado em parceria entre a Secretaria Municipal de Educação do Rio de

Janeiro e a Fundação Roberto Marinho, o projeto Autonomia Carioca. Este consiste em uma

metodologia de ensino em que os alunos aprendem pela tecnologia educacional Telecurso,

com o objetivo de promover a aceleração de estudos, evitando desta forma a evasão escolar,

que tem na repetência uma de suas motivações. Na prática, ele funciona da seguinte forma:

alunos que possuem uma grande distorção idade-série, isto é, considerados portadores de

fracasso escolar, assistem videoaulas do Telecurso na presença de um professor, que atua

como orientador.

A razão para a convivência com um único professor é justificada pela necessidade de

que este consiga descobrir as reais causas da defasagem deste aluno, mesmo que este

professor tenha formação para atuar em apenas uma matéria ou habilitação para atuar em, no

máximo, três. Logo à primeira vista, este projeto nos sugere a tentativa de promoção dos

alunos às séries seguintes – posto que estes apresentaram até o momento dificuldades na

aprendizagem escolar – sem grandes preocupações com os reais problemas que talvez

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possuam. Como educadores, temos a total confiança na importância dos conteúdos que

assimilamos na vida acadêmica, como um dos componentes essenciais para o bom exercício

da profissão docente. Por mais que talvez tenhamos a habilidade de conciliar uma turma com

alunos defasados, ou seja, um grupo que exige mais de nós, a verdade é que nos

especializamos no ensino de uma disciplina, não de todas.

Assim, parece que estamos a caminhar na contramão da resolução dos problemas que

vivenciamos em sala de aula. Precisamos admitir que o fracasso escolar é uma questão que se

agrava a cada ano em nosso país, e precisamos nos questionar a respeito de nossas próprias

ações para que possamos encontrar formas de mudar esse quadro. Projetos como o Autonomia

Carioca e o Acelera Brasil não parecem apresentar soluções reais a essa situação. Afinal, a

promoção do aluno para as séries subseqüentes, na tentativa de recolocá-lo na série que

“deveria” estar de acordo com sua idade, sem preocupação com os conteúdos mínimos que

deve ter, apenas adia o problema: muitos desses alunos abandonam a escola no ensino médio,

por não possuírem a base para a compreensão dos conteúdos dessa série, ou são reprovados

novamente.

Partilhamos da noção de que a aprendizagem acontece por meio da interação entre os

indivíduos, pois estes se inserem em uma determinada cultura e reelaboram os conteúdos

pertencentes a ela. Baseamo-nos na ideia de que o indivíduo é ativo e reativo em relação ao

meio, elaborando o conhecimento em constante construção e reconstrução, reelaborando

conceitos e significados do grupo, a partir de sua própria consciência. Assim, ele não está

submetido às imposições do ambiente.

Sabemos que abordagens que privilegiam a memorização tornam a aprendizagem cada

vez mais distante, uma vez que o aluno passa a ter uma visão do conhecimento como algo

extremamente difícil, obrigatório e maçante. Ele não sente que esse conhecimento faz parte de

sua vida, que está presente em seu mundo. Pelo contrário: parece que o conhecimento, que ele

está sendo obrigado a assimilar, é completamente desvinculado de seu universo. Não é

reconstrução ou reelaboração por sua parte, uma vez que ele é considerado um mero receptor

de informações.

É uma realidade que a escola, hoje, é tida pelos alunos em variados aspectos. É um

espaço de socialização, em que encontram amigos e possibilidades de convívio agradável fora

da sala de aula, e também um espaço de cumprimento de obrigações nos momentos de classe,

momentos esses considerados extremamente desprazerosos e dos quais muitos procuram

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fugir. Na escola pública, por exemplo, em que muitas vezes vivenciamos falta de funcionários

de inspeção, é comum encontrarmos alunos fora da classe em horário de aulas. Nesse aspecto,

evidencia-se uma questão de extrema relevância: o que a escola deveria ser para nossos

alunos? Sabemos a resposta desta questão. A escola deveria ser, além de um espaço de

convívio entre amigos, um espaço de produção de conhecimento, de estímulo ao saber, de

desenvolvimento de pensamento crítico. Características que ela não tem apresentado

atualmente.

Porém, é fato que há conteúdos que são imprescindíveis e que, de uma maneira ou de

outra, o aluno necessita em algum nível, seja para sua futura atividade profissional, para o

ingresso em uma universidade ou para enriquecer seus conhecimentos do mundo. Assim,

necessitamos buscar uma metodologia que seja eficiente em relação aos conteúdos

necessários e que torne a aprendizagem prazerosa, motivadora e interessante.

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CAPÍTULO III

JOGOS E BRINCADEIRAS NA PERSPECTIVA ESCOLAR

Uma visão tradicional costuma considerar os jogos e as brincadeiras como atividades

de recreação, de relaxamento ou dispêndio de energia. Porém, atualmente, a preocupação com

o fracasso escolar e a consequente reavaliação dos métodos pedagógicos têm conduzido

professores a buscarem novas abordagens dos conteúdos. Vemos hoje a predominância de

uma metodologia de ensino em que o aluno é como um depósito de informações, que devem

ser devidamente memorizadas e reproduzidas tal qual estão nos livros-texto, o que, para nós,

não representa um aprendizado real. O aluno aprendente deve refletir naquilo que é dito pelo

professor, encontrar prazer neste aprendizado, relacionar o que aprende com aquilo que

vivencia, afinal o conhecimento adquirido faz parte de sua cultura. E a cultura é dinâmica,

está em constante produção e transformação.

Uma escola que privilegia a memorização dos conteúdos, em detrimento do

aprendizado e do desenvolvimento do prazer de aprender, tem perdido força e eficiência ao

longo dos anos. Afinal, têm-se percebido que práticas descontextualizadas e uniformizadas

têm contribuído para o fracasso escolar, uma vez que o aluno desmotivado não busca o

conhecimento e vê o aprendizado escolar como mera obrigação.

Acreditamos que esta metodologia de ensino pode se revelar como eficiente em

algumas situações, como em provas de seleção em geral, concursos, vestibulares, etc. Mas

percebemos também, no cotidiano escolar, o quanto ela pode ser negativa, uma vez que torna

a compreensão de determinados conteúdos cada vez mais distanciada do aluno, mediante o

uso de uma abordagem que sugere que este conteúdo não faz parte de seu mundo, que está

desvinculado de sua história. Desta forma, não ocorre aprendizado, o que resulta em fracasso

escolar.

Partilhamos da noção vygotskyana de que o pensamento é gerado pela motivação, ou

seja, por nossos desejos, necessidades, emoções e interesses. Para este teórico, intelecto e

afetividade não podem ser dissociados no processo de ensino-aprendizagem, pois toda

atividade humana é norteada pela vontade. Assim, o aprendizado está vinculado ao aspecto

afetivo, o que nos leva a considerar a impossibilidade de haver aprendizado de forma

automatizada, desligada, sem envolvimento real do aluno. É necessário analisarmos o quanto

uma pedagogia intelectualista e enfática quanto à memorização homogeneíza os nossos

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alunos: como se o educador estivesse diante de uma turma de autômatos, absorvedores de

uma gama de informações, e como se o conhecimento fosse um algo acabado, incapaz de ser

transformado.

A construção de um conhecimento significativo resulta do envolvimento do aluno com

os conteúdos, e para que isto ocorra, é imprescindível que os educadores considerem o

aspecto sócio-afetivo do discente. Assim, gera-se motivação e prazer pelo aprendizado, o que

leva o aluno ao interesse pelo conhecimento, a buscá-lo em seu dia-a-dia, proporcionando um

real aprendizado. Nesse ponto, muito temos deixado a desejar, uma vez que o comportamento

apático dos alunos diante do conhecimento tem sido uma entre as principais queixas dos

educadores. O ensino tem sido coercitivo e unilateral, estando o aluno na posição de

submisso, obrigado a se moldar em um padrão de absorção da informação dada pelo

professor, sem questioná-la, sem reelaborá-la ou pensá-la de maneira crítica.

Esta visão reflete uma noção tradicionalista de afetividade como desorganizadora do

funcionamento do intelecto, e de razão como a superação do afeto e da emoção. Essa

dicotomia entre razão e emoção se faz presente e dominante ainda hoje, norteando as ações

pedagógicas e os métodos de ensino, ignorando que suas relações geram novos caminhos para

o aprendizado e o despertar de novas atitudes e posturas no nosso alunado.

Uma evidência de que este tipo de metodologia se revela como insuficiente está na

própria análise do fenômeno do fracasso escolar, uma vez que o uso de abordagens

intelectualistas se mantém – ou até mesmo, ousamos dizer, se intensifica – enquanto a

repetência e as evasões continuam a crescer. O que pode haver de errado? O

negligenciamento de certos aspectos no desenvolvimento do aluno. Em primeiro lugar, a

informação dada só se torna conhecimento se processada, e isto só ocorre quando o aluno é

motivado para tal, compreendendo o quanto o conhecimento ministrado faz parte de sua vida.

Em segundo lugar, a escola visa a formação plena do educando, deve preocupar-se com

posturas, valores e desejo por conhecimento, nesse sentido a informação propriamente dita

perde importância, afinal seu papel é vazio se não é capaz de tornar-se aprendizado.

Conforme La Taille:

A afetividade seria a energia, o que move a ação, enquanto a razão seria o que possibilitaria ao sujeito

identificar desejos, sentimentos variados, e obter êxito nas ações. Neste caso, não há conflito entre as duas

partes. Porém, pensar a razão contra a afetividade é problemático porque então dever-se-ia, de alguma forma,

dotar a razão de algum poder semelhante ao da afetividade, ou seja, reconhecer nela a característica de móvel,

de energia. (La Taille, 1992, p. 65 e 66)

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Muitos alunos possuem potenciais favoráveis de aprendizagem, mas desenvolvem

baixo rendimento escolar devido à falta de interesse com a própria aprendizagem, uma vez

que não encontram razões para investimento nela. Para estes, não há sentido na aprendizagem,

pois não encontram satisfação alguma em seu processo. Encaram-na como simples obrigação

e, por conta disso, seu desempenho não será o mesmo do que aquele apresentado por crianças

que sentem prazer nas atividades escolares.

No que se refere às crianças que podem ser classificadas como afetadas pelo fracasso

escolar, é importante ressaltar que, muitas vezes, estas possuem dificuldades na aprendizagem

do conteúdo, mas não são portadoras de reais distúrbios de aprendizagem Portanto, não

podemos rotulá-las sem que haja uma análise minuciosa de seu caso, com os devidos exames

e diagnósticos. De acordo com ZORZI (2004), o termo distúrbio de aprendizagem tem sido

aplicado de forma indiscriminada e sempre com mediante a noção de que o problema está no

aprendiz. A falta de informação por parte da família e, muitas vezes, do próprio professor, e a

ausência nas escolas de profissionais qualificados para a devida diagnose desses alunos faz

com que o rótulo se torne frequente e leva a que, na maior parte das ocasiões, indivíduos

sejam qualificados como portadores de distúrbios sem o serem, ou desqualificados como

alunos desinteressados, portando distúrbios de aprendizagem.

Este assunto é um tema que suscita inúmeras complicações no cotidiano escolar,

devido à ausência de informação. Os distúrbios de aprendizagem propriamente ditos são

caracterizados por transtornos que se manifestam pela dificuldade na aquisição de habilidades

necessárias ao bom desempenho escolar, devido a uma disfunção no sistema nervoso central.

Portanto, devem ser diagnosticados por médicos especializados, e tratados com os devidos

recursos.

No que tange aos distúrbios de aprendizagem, cabe ao psicopedagogo institucional

antecipar situações que possam gerar dificuldades, elaborando planos, projetos, métodos de

prevenção. A perspectiva preventiva, que não está diretamente voltada para o fracasso escolar,

tem a psicopedagogia institucional como uma de suas formas. A psicopedagogia institucional

participa da elaboração dos conteúdos e da maneira ela qual estes são apresentados, buscando

fazer com que estes levem a uma aprendizagem real, mediante o debate com e a orientação de

professores e pais. Os benefícios para os alunos são muitos, pois resultam em aulas mais

dinâmicas e interessantes, professores mais capacitados, alunos satisfeitos, pais tranquilos.

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Importante também ressaltar que há certos casos em que problemas de aprendizagem

se fazem presentes, mas são secundários e ocorrem como consequências de distúrbios de

outra ordem, como é o caso das crianças autistas, portadoras de Síndrome de Down, Asperger,

Klinefelter, etc., deficiências visuais e auditivas. Estes não podem ser classificados como

portadores de distúrbios de aprendizagem, uma vez que suas dificuldades são causadas por

outras disfunções, o que descaracteriza tais distúrbios.

Em todos os casos supramencionados, sejam distúrbios de aprendizagem, deficiências

em geral e problemas que caracterizam ou levam ao fracasso escolar, os recursos lúdicos se

revelam como grandes facilitadores no processo de aprendizagem. Jogos e brincadeiras são

capazes de provocar o aprendizado mesmo quando outros métodos já foram empregues sem

resultados positivos, e assim se revelam como grandes aliados pedagógicos, em sua busca

pelo sucesso escolar. É o que analisaremos a partir de agora.

Sucesso escolar e os jogos

Vivemos um momento complicado na escola pública. Conforme analisamos no

capítulo anterior, os índices de evasão escolar e repetência são alarmantes, o que representa

que o fenômeno do fracasso escolar é significativo nessa realidade. Nossos alunos enfrentam

no geral, acima de quaisquer fatores, uma situação difícil: em se tratando de alunos do ensino

fundamental, percebemos a ausência da participação da família em sua vida escolar, a

carência de recursos financeiros e o analfabetismo funcional como os fatores mais marcantes;

enquanto no ensino médio muitos deles já são pais, necessitam trabalhar para auxiliar na

renda familiar e, por conta disso, não veem interesse em permanecerem na escola. Ou seja,

mesmo que em certos casos nada afete sua capacidade para aprender, a falta de oportunidades

e estímulos para se tornarem aprendizes é significativa.

A motivação, logicamente, não é o único aspecto capaz de conduzir o indivíduo ao

aprendizado, uma vez que, conforme já dito por nós, há uma gama de fatores envolvidos neste

processo. Porém, ressaltamos que toda ação humana tem um motivo, é o que a impulsiona,

implícita ou explicitamente. Se para o aluno de escola pública a motivação ambiental para o

aprendizado está, na maior parte das vezes, ausente, fazendo com que sua motivação interna

também o esteja, é necessário que a escola reflita em ferramentas que a criem.

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Estas crianças e jovens representam, portanto, grandes desafios para a educação,

principalmente diante do emprego de métodos tradicionais de ensino. Segundo ZORZI

(2004), são esses alunos que comporão as estatísticas acima de 40% dos alunos com

dificuldades de aprendizagem, com reprovações sucessivas, alta defasagem idade-série, baixo

rendimento escolar, enfim, os chamados “fracassos escolares”, que constam em programas de

aceleração da aprendizagem, como o Projeto Autonomia Carioca e o Projeto Acelera Brasil,

cuja boa parte acaba um dia evadindo da escola. A estes, considera como portadores de

“pseudodistúrbios de aprendizagem”, uma vez que, de acordo com o autor, para podermos

classificar alguém como real portador de distúrbios de aprendizagem, condições e

oportunidades efetivas para a aprendizagem devem ter sido, até então, garantidas. Sabemos

que nem sempre estas se fazem presentes, diante de suas realidades. Para estes casos, o autor

acredita ser a escola capaz de mediar a relação entre a criança e o conteúdo, ajustando suas

propostas às particularidades deste público.

É por estas razões que defendemos uma educação com base no uso dos recursos

lúdicos, uma vez que estes nos capacitam a ensinar de forma eficiente e tornam a

aprendizagem prazerosa. Ensinar por meio de jogos é capaz de motivar os alunos na busca

pelo saber, criando neles uma zona de desenvolvimento proximal, levando-os assim ao

alcance do aprendizado.

TEZANI (2006) afirma que o educador, interferindo nesta zona, contribui para

movimentar os processos de desenvolvimento das funções mentais mais complexas do

indivíduo, pois é nela que a interferência é mais transformadora. Se o desenvolvimento ocorre

pelo aprendizado, pela noção vygotskyana, o papel da educação escolar é fundamental, e é

necessário que esta ofereça as condições devidas para que o indivíduo se desenvolva, para a

construção do ser psicológico adulto.

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CAPÍTULO IV

RECURSOS LÚDICOS EM SALA DE AULA: EVOLUÇÕES E RESISTÊNCIAS

No ambiente escolar fazem-se notar, especialmente entre vários outros, a presença de

dois discursos. O primeiro é o discurso do corpo docente a respeito de seu cotidiano

profissional na escola, que sente o impacto negativo de uma abordagem tecnicista

predominante, e que reclama principalmente do comportamento de seus alunos, que reflete

sua falta de interesse no aprendizado. O segundo é o discurso do corpo discente, algumas

vezes aborrecido, outras apático, relativamente às aulas e avaliações a que se vê obrigado ou

submetido a cumprir.

A metodologia pela qual a educação escolar tem sido conduzida atualmente mostra-se

desinteressante tanto para o aluno quanto para o professor. Este último, e também os pais,

acabam criando maneiras de “motivar” o aluno a realizar as tarefas e a buscar bons resultados

pela promessa de recompensas, caso alcance sucesso, ou a ameaça de castigos caso não. O

professor o faz por meio dos disputados pontos extras e da ameaça da possibilidade de

reprovação, os pais com os presentes de fim de ano e as proibições. Deste modo, a única

motivação encontrada pelo aluno passa a ser tentar evitar o castigo ou a esperança de

conquistar algo que deseja – a satisfação paterna, o prestígio na turma, o presente prometido

no Natal. Em alguns casos, até mesmo a promessa de um futuro financeiramente satisfatório

ou a mobilidade social para aqueles que não ocupam posições sociais favoráveis podem

funcionar como um fator motivador (Enguita, 1989). Mas é dito que a nota é que o leva a tais

conquistas, a nota é sempre o que mais importa, é o meio pelo qual o aluno conquistará ou

perderá aquilo que é relevante para ele. E o que é relevante para ele está além da escola, suas

motivações são, portanto, quase sempre, extrínsecas ao aprendizado.

Professores e pais se rendem, deste modo, aos efeitos de uma metodologia ineficaz,

atendo-se à necessidade de aprovação e fazendo promessas e proibições que só corroboram

com a visão da escola como ambiente-fonte de extremo desagrado. Reclamam dos efeitos,

como a postura apática ou desrespeitosa dos alunos nas aulas, mas não buscam suas causas.

Assim, o conhecimento, capaz de diminuir os abismos entre as classes, torna-se mais uma

ferramenta para aumentá-los.

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Tal forma como agem os educadores e pais, convence aos alunos de que não se

aprende pela alegria e pela satisfação. Sendo tão desinteressante aprender, conseguir algo em

troca de tal sacrifício é a única coisa que pode justificar uma atividade tão destituída de

atrativos. Deste modo, vê-se como necessária a promessa de presentes e recompensas pelo

sucesso, pois a satisfação no aprender não há, ela está no depois. Assim, os indivíduos na

escola estão sendo devidamente preparados para o seu futuro no mercado de trabalho, onde

deverão aceitar passivamente os desmandos capitalistas, contentando-se com a “recompensa”

do ordenado no fim do mês e com a espera do final de semana, em que poderá descansar e se

satisfazer. Desta forma chega-se ao auge do consumismo, em que o trabalhador é levado a

buscar a satisfação fora do trabalho, no “happy hour” – a “hora feliz” que está lá fora, após a

jornada diária, ou no final de semana. O trabalhador renuncia a encontrar a felicidade no

ambiente de trabalho, pois este é o espaço de submissão, enquanto o mundo do consumo é o

espaço de “liberdade” do indivíduo, onde ele pode escolher o que quer e organizar o seu

tempo e do qual só pode fazer parte porque mantém o seu trabalho, ou seja, porque se mantém

submisso à rotina repetitiva diária.

É também na escola que a competição, tão característica do mercado de trabalho na

sociedade capitalista, começa a se desenvolver. No ambiente escolar, a competição se dá

principalmente pelas notas e pelos elogios conferidos pelo professor à participação do aluno,

pois é através destes que, muitas vezes, é conferida uma posição aos alunos dentro do grupo.

Assim, em um ambiente em que os indivíduos devem construir relações de amizade, talvez as

mais importantes de toda a sua vida, desenvolvendo a solidariedade e o respeito mútuo, abre-

se espaço à disputa mediante os resultados das avaliações e à padronização dos

comportamentos.

A escola, assim, é o território em que os indivíduos estão sendo “treinados” para um

mundo de submissão e de competição, quando ela deveria ser o ambiente em que eles

desenvolvem o senso crítico e produzem (e não reproduzem) o conhecimento. A sociedade

capitalista é excludente, cria camadas de favorecidos e desfavorecidos, também a escola o faz,

logicamente, em um sentido diferente. O sistema de reprovação é o primeiro momento na vida

do indivíduo, talvez, em que a exclusão se dá. E isso com grande prejuízo para o seu

desenvolvimento, uma vez que a responsabilidade pela reprovação é considerada, na maior

parte dos casos, como exclusiva do aluno, quando há uma gama de fatores envolvidos, que

devem ser considerados neste momento. O aluno reprovado entende-se e é colocado pelos

demais como inferior e incapaz. Assim, envergonha-se de sua condição, exclui-se e é excluído

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dos demais, daqueles que atingem a média estipulada pela instituição, que dita e separa

aqueles que sabem dos que não sabem. Muitas vezes, inclusive, decide abandonar a escola e

buscar um espaço no mercado de trabalho, considerando-se incapaz de prosseguir nos estudos

mediante seus baixos resultados, o que só auxilia para o aumento da desigualdade sócio-

econômica.

Sabemos que este aluno não deve ser considerado como o único responsável por sua

reprovação, uma vez que ele vive, na educação pública, uma situação economicamente

desfavorável, uma baixa qualidade no ensino, a desmotivação de seus educadores, a carência

de recursos, a pouca participação dos pais na vida escolar, entre outros fatores. Como

analisamos no capítulo II, o fracasso escolar não é o fracasso da escola, ou do aluno, ou da

família. É resultante de uma gama de fatores, que devem ser analisados cuidadosamente, para

que haja a compreensão dos casos e a elaboração de propostas que possam melhorar a

qualidade dos resultados de alunos em situação semelhante.

No geral, responsabiliza-se o aluno, pois ele é visto como o eterno errante, aquele que

precisa apenas moldar-se a sua cultura, adequar-se ao mundo em que vive, aprender qual é o

seu lugar e sufocar seu ímpeto de falar, de mover... O professor é o senhor, o dono do

conhecimento, aquele que transfere o que sabe, aquele que nunca está errado. Estamos ou não

presos a este preconceito educacional? Quantos de nós, educadores, não suportam ser

questionados, não admitem erros cometidos, se vangloriam de seus anos de estudos,

ridicularizam aqueles que não obtêm bom desempenho nas aulas e avaliações? Sejamos

francos, dificilmente reavaliamos nossas posturas. Precisamos descer de nossos tablados e

encarar a situação real. A velha metodologia do quadro-fala-livro nem sempre funciona.

Precisamos despertar nossos alunos para a importância do aprendizado e mostrar a eles o

quanto aprender pode ser atrativo.

Uma das maiores resistências em relação a uma mudança positiva da escola está no

próprio educador, que se percebe como mero transmissor de conhecimentos e se priva da

proximidade com seus alunos, considerando que a realidade destes é completamente diferente

da sua, que estes nada têm a acrescentar a si, que são seres sem vivências significativas e que

um olhar mais próximo poderia, inclusive, prejudicar a atividade pedagógica. Não

acreditamos que a solução esteja na simples proximidade com os alunos, que deve ser

entendida de forma delicada – como uma relação de respeito e compreensão mútua. Uma

possível forma de amenizar os problemas de aprendizagem, sejam a nível de distúrbios de

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aprendizagem, bem como de outros possíveis causadores de fracasso escolar, está na mudança

na perspectiva tradicionalista do ensino.

De acordo com Cavalcanti (1980), a adoção de novas diretrizes para o ensino permite

reajustes e, por consequência, enriquece e aprofunda o processo de ensino-aprendizagem.

Porém, há muitos obstáculos para tal. Em primeiro lugar porque uma inovação pedagógica,

como toda inovação, sempre traz alguma espécie de resistência, pois é necessário que haja um

envolvimento mais profundo do educador e que algumas atitudes sejam mudadas. Em

segundo lugar porque, muitas vezes, o professor define seu papel com dogmatismo, o que

dificulta ou talvez mesmo impeça que ele adeque as exigências de uma nova metodologia a

esta definição que faz de seu papel. Este dogmatismo na profissão, porém, não é coerente com

um processo efetivo de ensino-aprendizagem – uma vez que tal postura não permite o

desenvolvimento de certas habilidades e não desperta no aluno o prazer do conhecimento.

Portanto, no que diz respeito à adoção de novas abordagens do conhecimento, é

necessário que o professor esteja disposto a redefinir o seu papel como profissional da

educação, principalmente em face da democratização do uso de recursos tecnológicos (que

gera uma mudança significativa na postura do aluno) e das questões sociais que hoje afetam a

estrutura familiar. O papel de transmissor do conhecimento, predominante entre os

educadores, faz com que essa resistência seja bastante forte. A tal ponto que Piaget (1970)

constatou que as inovações pedagógicas constatadas na história da educação não foram

realizadas por educadores, e sim por filósofos, psicólogos, médicos, teólogos, entre outros.

Segundo Piaget, a razão principal para isto é, justamente, que o educador considera-se um

mero transmissor do saber.

Constitui também como uma importante razão para a resistência docente a própria

compreensão sobre a ludicidade. Muitos desconhecem o quanto os recursos lúdicos podem

facilitar o desenvolvimento, atendo-se apenas ao fato de que deverão dispor de tempo e

energia suficientes para que se envolvam neste tipo de trabalho e ignorando a possibilidade de

melhoria na assimilação dos conteúdos, o desenvolvimento de habilidades e a satisfação no

aprendizado. Geralmente, jogos e brincadeiras são considerados de forma limitada, como

meras atividades recreativas e sem objetivos educativos.

Apesar das resistências, podemos perceber grandes evoluções no uso dos recursos

lúdicos na atividade pedagógica. Um excelente exemplo é o projeto de ensino de xadrez nas

escolas públicas do estado do Rio de Janeiro. O xadrez estimula o raciocínio lógico, ativa a

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concentração, desenvolve a tomada de decisões, aguça a memória, a paciência, a capacidade

de planejamento, entre outras habilidades. De acordo com a Universidade de Hong Kong,

estudantes que jogam xadrez melhoram em 15% seu rendimento na disciplina Matemática.

Uma pesquisa do Departamento de Educação de Nova Jersey mostra que este jogo interfere

positivamente também na autoestima e confiança.

Em junho de 2008, a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro aprovou a

Lei 5264, que institui nas escolas estaduais o Programa Estadual do Jogo de Xadrez (PAX).

Este programa consiste em uma série de ações que objetivam promover o ensino do jogo de

xadrez, para o desenvolvimento intelectual.

Outra iniciativa bastante interessante é a da pesquisadora Sônia Rodrigues8, que

defende o uso do Role Playing Game – conhecido como RPG, é um jogo de representação –

para a expansão de competências cognitivas. Segundo Rodrigues, o jogo desenvolve a tomada

de decisões diante de situações-problema vivenciadas pelos seus personagens, a melhoria na

oralidade (pois os jogadores precisam verbalizar sua imaginação), a interpretação de textos

(pois o RPG digital demanda a compreensão da história), entre outras habilidades (Pereira,

2011).

8 PhD, pesquisadora do Instituto de Física da Universidade Federal Fluminense e criadora de jogos digitais.

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CONCLUSÃO

Segundo Freire, “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades

para sua criação ou sua construção.” (Freire, 1996, p. 25). Esta afirmação, se bem refletirmos,

desmistifica a ideia do professor como sábio incontestável, do conhecimento como algo

eterno e imutável e do aluno como um ser absorvedor deste conhecimento, capaz de

reproduzi-lo. O aluno é o protagonista do saber, é o sujeito da construção e reconstrução do

conhecimento, mas para que assuma este lugar, faz-se necessário que ele seja mobilizado para

tal, mediante a promoção de seu envolvimento com o objeto de estudo.

O aprendiz torna-se construtor do seu próprio saber mediante o desenvolvimento de

suas habilidades, pois a aprendizagem abrange diversos aspectos de sua estrutura orgânica,

tais como o afetivo, o cognitivo, o motor, o social, o econômico, o político. A partir disto, o

educador pode fazer uso dos recursos lúdicos em seu trabalho, incluindo neste processo a

vantagem de despertar a satisfação do aluno. O uso integrado dos jogos e das brincadeiras é

capaz de promover este envolvimento. Para resultar em aprendizado e desenvolver

integralmente as capacidades do aluno, porém, as brincadeiras devem ser orientadas,

planejadas, com o fim de proporcionar às crianças a construção do conhecimento.

Deste modo, abrindo possibilidades para o aprendizado efetivo, tais recursos atuam

como preventivos e até mesmo auxiliares no tratamento de dificuldades de aprendizagem –

possibilitando a livre expressão dos alunos e sua consequente revelação de aspectos que não

são revelados normalmente, além de permitir que o indivíduo apreenda o conteúdo por

abordagens alternativas ao convencional (que nem sempre é eficaz diante de distúrbios de

aprendizagem).

Vygotsky (1984) valoriza a brincadeira como atividade dotada de significado social e

considera o brinquedo como atividade essencial de desenvolvimento da criança. Através do

interesse e atenção que o brinquedo desperta no aprendiz, este aprende sem sequer perceber.

Aprende brincando. Além disso, o brinquedo cria uma zona de desenvolvimento proximal na

criança, tornando possível que avance para novas etapas em seu desenvolvimento.

É fato que ainda há muita resistência no que diz respeito à adoção de novos recursos

de aprendizagem, especialmente aqueles que fazem uso dos jogos e das brincadeiras, uma vez

que são mais trabalhosos, demandam energia e jogo de cintura por parte do professor. Além

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disso, muitos ainda ignoram os efeitos desses recursos na aprendizagem. Porém, percebemos

algumas iniciativas de grande importância nesse sentido, como a adoção do xadrez nas

escolas e o uso do RPG como recurso didático. Ambos despertam habilidades essenciais para

o desenvolvimento do educando e estimulam na busca pelo conhecimento, de forma que o

aprendiz não se dá conta de que está construindo o saber, apenas aproveita o momento da

brincadeira e, assim, efetiva-se uma aprendizagem significativa.

Deste modo, alunos com dificuldades de aprendizagem em diversos níveis saem

beneficiados, uma vez que encontram caminhos alternativos à construção do conhecimento e

desenvolvem habilidades que uma metodologia intelectualista não consegue. Habilidades

essas que os auxiliam a superar muitas de suas dificuldades. Metodologias que enfatizam o

papel do professor como transmissor do conhecimento e o aluno como mero receptor, como

diria Freire, um “ensino bancário” (Freire, 1974), deixam de lado habilidades de extrema

importância para o desenvolvimento do indivíduo e aprisionam sua criatividade e inúmeras

potencialidades.

O filósofo Nietzsche afirma que "Cada um, no fundo, é um gênio na medida em que

existe uma única vez e lança um olhar inteiramente novo sobre as coisas, multiplica a

natureza, cria por este novo olhar. Salvem seu gênio. É o que é preciso gritar para as pessoas.

Liberem-no, façam o possível para libertá-lo.” É nisso que acreditamos quando defendemos

uma educação integral, por meio da qual o aluno aprenda significativamente, desenvolvendo

habilidades, sendo protagonista de sua aprendizagem e, é claro, brincando.

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