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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
AVM FACULDADE INTEGRADA
OS LIMITES E POSSIBILIDADES NA ÓTICA DO CONSELHO ADMINISTRATIVO DE RECURSOS FISCAIS: A QUESTÃO DO PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO
Jacqueline Barbosa Correia
Orientadora
Profa. Gisele Leite
Rio de Janeiro
2016
DOCUMENTO PROTEGID
O PELA
LEI D
E DIR
EITO AUTORAL
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
AVM FACULDADE INTEGRADA
OS LIMITES E POSSIBILIDADES NA ÓTICA DO CONSELHO ADMINISTRATIVO DE RECURSOS FISCAIS: A QUESTÃO DO PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO
Apresentação de monografia à AVM Faculdade Integrada
como requisito parcial para obtenção do grau de
especialista em Gestão e Planejamento Tributário.
Por: Jacqueline Barbosa Correia
3
AGRADECIMENTOS
Ao meu marido pela presença constante,
força e o total amor demonstrado ao longo
desta jornada, incentivando os meus sonhos.
4
DEDICATÓRIA
Ao meu marido, mãe, amigos e familiares pelo
carinho e paciência.
5
RESUMO
O objetivo geral do presente estudo é definir os limites da liberdade dos contribuintes em organizar seus negócios de forma a manter os efeitos tributários, surgidos a partir dos eventos societários, como oponíveis ao Fisco. Para alcançar o objetivo pretendido, apresentam-se os fundamentos teóricos que sustentarão a análise, especialmente o que se entende por planejamento tributário, reorganizações societárias, vícios do negócio jurídico e seus efeitos e consequências na elaboração e execução do planejamento tributário. A importância da pesquisa transcende o interesse acadêmico, pois ao trazer a estudo os julgados do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, buscando demarcar a fronteira entre o permitido e o proibido em questões relativas ao planejamento tributário, certamente trará muitos benefícios, destacando-se a segurança jurídica, obtida através da diminuição do risco do negócio jurídico ser desconsiderado pelo Fisco. Palavras-chave: Planejamento tributário. Reorganizações societárias. Vícios do negócio jurídico. Segurança jurídica.
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METODOLOGIA
Para o desenvolvimento do trabalho foi utilizado levantamento de dados
através de textos teóricos redigidos por especialistas e livros didáticos voltados ao
assunto de auditoria. A metodologia utilizada foi a qualitativa, pois descreve qual é a
importância do planejamento tributário.
Foram realizadas leituras de livros, artigos e sites especializados onde
buscou-se encontrar embasamento na opinião dos autores para demonstrar a
importância do contexto que envolve o planejamento tributário. O estudo, portanto,
foi realizado através das referências teóricas e análise dos textos encontrados sobre
o assunto.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 8 2 PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO ............................................................................ 10 2.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS .............................................................................. 10 2.2 DELIMITAÇÃO DO PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO ......................................... 12 2.3 PRINCÍPIOS NORTEADORES ........................................................................... 16 2.3.1 Liberdade fiscal ................................................................................................ 16 2.3.2 Função social do contrato ................................................................................ 17 2.4 FIGURAS CORRELATAS AO PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO ......................... 18 2.4.1 Elisão, Evasão e Elusão Fiscal ........................................................................ 18 2.4.2 Opções fiscais .................................................................................................. 22 2.4.3 Substituição jurídica – negócio jurídico indireto ................................................ 23 2.5 VÍCIOS DO NEGÓCIO JURÍDICO ...................................................................... 23 2.5.1 Simulação ......................................................................................................... 24 2.5.2 Abuso de direito ............................................................................................... 26 2.6 REORGANIZAÇÃO SOCIETÁRIA ...................................................................... 28 2.6.1 Fusão ............................................................................................................... 29 2.6.2 Incorporação .................................................................................................... 29 2.6.3 Cisão ................................................................................................................ 29 3 CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO FISCAL FEDERAL ...................................... 31 3.1 PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL: CONSIDERAÇÕES GERAIS ........... 31 3.2 PROCESSO E PROCEDIMENTO ...................................................................... 32 3.3 CONSTITUIÇÃO E FORMALIZAÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO ................... 33 3.4 ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO................................................................... 34 3.4.1 Delegacia da Receita Federal do Brasil de Julgamento ................................... 36 3.4.2 Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF)..................................... 37 3.5 PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO E QUALIFICAÇAO JURÍDICA DOS FATOS: FASES DO DEBATE QUANTO À OPONIBILIDADE AO FISCO .............................. 41 CONCLUSÃO ............................................................................................................ 44 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 47
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INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como objetivo investigar o limite de legalidade aceito pelo
Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), relativo a planejamento
tributário instrumentalizado através de reorganização societária, cujo resultado é
uma economia de tributos.
Sabe-se que a relação fisco-contribuinte é por natureza conflituosa,
colocando-se, de um lado, o contribuinte que vê o Estado imiscuindo-se no seu
patrimônio e, de outro, este mesmo Estado enxergando o tributo como instrumento
indispensável para a realização de seus fins institucionais. Aparece, nesse contexto,
o planejamento tributário, visto como um conjunto de medidas lícitas, realizadas em
conformidade com o direito, portanto existentes de fato e desprovidas de vícios,
adotadas pelos contribuintes (pessoas físicas ou jurídicas) com vistas a alcançar
uma legítima economia de tributos.
Parte-se do princípio de que o contribuinte tem a liberdade para conduzir suas
atividades econômicas do modo que melhor lhe aprouver, podendo, assim,
estruturar seus negócios com a formatação que lhe proporcione uma economia de
tributos. Isto é, ninguém é obrigado a optar por forma organizacional que
representará maior ônus tributário.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT, 2014),
a carga tributária brasileira vem crescendo continuamente. Em 1986 ela era de
22,39% do Produto Interno Bruto (PIB), passando para 29,91% em 1990, para
30,03% em 2000, para 34,22% em 2010, para 36,02% em 2011 e para 36,27% do
PIB em 2012.
A busca constante de redução dos custos empresariais, através de
permissivos legais que autorizem o planejamento de práticas organizacionais as
quais resultem em redução, postergação ou até mesmo inexistência de tributação
em suas operações, são alternativas eficazes, tendo em vista a elevada carga
tributária do país.
Por outro lado, o artigo 421 do Código de Processo Civil estabelece que a
liberdade de contratar tem como razão e limite a função social do contrato. No artigo
422 do mesmo código consta que os contratantes devem seguir os princípios de
probidade e boa-fé. Portanto, os contratos realizados devem ser revestidos de forma
e substância, cuja justificativa e suporte surgirão da própria atividade econômica,
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isto é, a formalidade jurídica adotada deve retratar fielmente a realidade fática.
Assim, o contribuinte somente poderá se auto-organizar, tanto na vida privada como
na empresarial, se o fizer de acordo com os parâmetros impostos pela função social
da propriedade e dos contratos.
Passada a Seção 1 de Introdução, em termos metodológicos, para alcançar o
objetivo pretendido, na Seção 2 serão apresentados os fundamentos teóricos que
sustentarão este trabalho, dedicando-se ao que se entende por planejamento
tributário, reorganização societária, diferenças entre elisão e evasão fiscal e a
relação existente entre elisão fiscal e planejamento tributário, bem como os vícios do
negócio jurídico e seus efeitos e consequências na elaboração e execução do
planejamento tributário. Na Seção 3, tratar-se-á do conceito de processo e
procedimento, apresentando-se as principais diferenças, e do contencioso
administrativo fiscal, sua estrutura, funcionamento e o papel do Conselho
Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) dentro do macro sistema de constituição
e julgamento do crédito tributário. Por fim, na Seção 4, a análise dos julgados do
Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, proferidos no período compreendido
entre 1º de janeiro de 2011 e 31 de dezembro de 2014, relativos a planejamento
tributário instrumentalizado através de reorganização societária.
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2 PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO
Procura-se, nesta Seção, apresentar os fundamentos teóricos que
sustentarão este trabalho, dedicando-se ao que se entende por planejamento
tributário e reorganização societária. Inicialmente, serão trazidas considerações
gerais envolvendo a relação existente entre a carga tributária brasileira e a
competitividade empresarial; o conceito de planejamento tributário, pontuando-se as
diferentes concepções; os princípios norteadores e as figuras correlatas ao
planejamento tributário, bem como as diferenças entre elisão, elusão e evasão fiscal
e a relação existente entre elisão fiscal e planejamento tributário. Em sequência, o
significado de reorganização societária e suas formas. Por fim, serão tratados os
vícios do negócio jurídico, entre eles o instituto da simulação (absoluta e relativa) e
seus efeitos e consequências na elaboração e execução do planejamento tributário.
2.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS
Como é cediço, o pagamento de tributos é compulsório e definido em lei,
decorrente da subsunção entre a hipótese abstrata prevista na norma tributária e a
ocorrência do fato gerador. Da conjugação desses dois fatores surge a obrigação
tributária que, após o lançamento, faz nascer um crédito em favor do Fisco (Sujeito
Ativo) e uma obrigação para o contribuinte (Sujeito Passivo). Assim, o pagamento de
tributo significa uma transferência de parte do patrimônio do particular para o
Estado, titular do crédito tributário. Destarte, é razoável pensar que o contribuinte
(pessoa física ou jurídica) busque alternativas para não pagar ou ao menos diminuir
suas obrigações perante o Fisco.
É voz corrente que uma das dificuldades do Brasil para atrair investimentos é
o que se convencionou chamar de “Custo Brasil”, que, simplificadamente, significa o
preço que se paga para criar e manter negócios no Brasil. Como se sabe, a
tributação da atividade econômica exerce um forte efeito na rentabilidade dos
negócios. Também, que um dos elementos formadores desse custo é a carga
tributária, pois os tributos (impostos, contribuições e taxas) são elementos
importantes na formação do custo das empresas. Por essa razão, as decisões de
investimento e escolhas de modelos de negócios acabam sendo condicionadas, em
grande parte, por questões tributárias que necessitam ser devidamente
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equacionadas. Assim, nada mais natural que as empresas atuem no sentido de
reduzir estes custos, promovendo a economia fiscal (RIBEIRO, 2008, p. 89).
Como visto na Introdução, segundo o IBPT (2014) a carga brasileira vem
crescendo continuamente. Este comportamento da receita tributária faz com que as
empresas criem modelos organizacionais capazes de reduzir o impacto dos tributos
em seus negócios, resultando em ganhos que permitem assegurar sua
competitividade no mercado. Portanto, a redução dos custos tributários, através de
permissivos legais que autorizem o planejamento de práticas organizacionais as
quais resultem em redução, postergação ou até mesmo inexistência de tributação
em suas operações, é medida que se impõe às empresas para estas continuarem
competitivas e, por conseguinte, permanecerem no mercado. Desse modo, conhecer
os limites, legais e jurisprudenciais, nos quais os contribuintes podem atuar, uma vez
que os interesses dos contribuintes e do fisco, não raras vezes, são conflitantes,
sendo os primeiros orientados pela busca da menor onerosidade fiscal possível e o
segundo voltado ao alcance de maior eficácia na aplicação da lei, com a finalidade
de alcançar maior arrecadação, é de suma importância para o planejamento
organizacional, pois uma gestão fiscal eficiente resultará em redução de custos e
maior rentabilidade.
Com efeito, o planejamento tributário tem como objetivo principal promover
uma diminuição dos custos das empresas, através de uma redução legal de tributos
a serem pagos (MARINS, 2002, p. 33). Não menos verdade é dizer que a carga
tributária brasileira é alta e que o país possui um sistema tributário complexo e caro.
Assim, sem maior esforço intelectual, considerando-se que o mundo onde as
empresas gravitam é altamente competitivo, pois se vive hoje em um sistema de
economia global, claro está que o elemento tributação na formação do custo das
empresas é bastante relevante.
Diante da situação acima exposta, para se manterem competitivas, as
empresas precisam criar modelos que permitam uma redução de custo, sendo o
planejamento tributário um dos meios para atingir esse desiderato. Desse modo, o
planejamento tributário tornou-se peça importante na estratégia da empresa, seja
para continuar existindo, seja para ser lucrativa, devendo ser estudado em todos os
seus aspectos, principalmente quanto à sua oponibilidade frente ao Fisco. Dizendo
de outro modo, existem limites que devem ser observados por ocasião da
elaboração de um planejamento, pois de nada adianta uma sociedade empresarial
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elaborar um planejamento tributário, produzindo-se a desejada economia fiscal, e
este ser desconsiderado pelo fisco, trazendo como consequência a cobrança exigida
de ofício dos tributos que deixaram de ser pagos, acrescida dos encargos legais
pertinentes. Portanto, delimitar com a clareza possível a fronteira entre o permitido e
o proibido em questões relativas ao planejamento tributário trará maior segurança
jurídica aos contribuintes.
Por outro lado, tem-se um Estado que é demandado pela sociedade que
clama por gastos e investimentos públicos, seja na área de infraestrutura, seja em
educação, saúde, previdência, assistência social, entre outras. É certo que a
tributação é a maior fonte de receita do Ente Público, sendo o motor propulsor na
promoção do bem comum, necessária, então, para que o Estado cumpra seu papel
definido na Constituição. Entretanto, o sistema jurídico pátrio, integrante dos
sistemas constitucionais modernos, fundado nos princípios da igualdade e
solidariedade, exige que a escolha daqueles que sofrerão o gravame do tributo
tenha como fundamento os valores esculpidos na constituição, isto é, a ordem
constitucional assegura aos administrados garantias e direitos que devem ser
observados pelo poder tributante (SHOUERI, 2010, p.13).
2.2 DELIMITAÇÃO DO PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO
Antes de apresentar o conceito de planejamento tributário, mister se faz
esclarecer que existem inúmeras divergências entre os doutrinadores quanto à
denominação adotada e ao seu significado. Com o intuito de exemplificar, somente
para nominar “planejamento tributário”, encontram-se diferentes termos usados
pelos estudiosos, como elisão fiscal, elisão lícita, gestão tributária, planejamento
fiscal, economia tributária, engenharia tributária, evasão lícita, elusão, entre outros.
Não muito diferente, quando se busca estabelecer as fronteiras na qual se
situa o planejamento tributário, o fenômeno se repete. Em razão disto, deve-se
estabelecer com precisão o conceito dos institutos que serão adotados no presente
trabalho. Neste diapasão, importante reproduzir a lição de Marco Aurélio Greco
(2011, p. 85):
Não existe nenhuma obrigação, nem erro de raciocínio, ou heresia científica
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ao utilizar esta ou aquela palavra para designar determinado fenômeno em exame. Qualquer palavra é boa para designar qualquer coisa desde que haja uma convenção prévia quanto ao que está sendo examinado e à palavra que vamos utilizar.
Assim, com o propósito de trazer as diferentes concepções acerca do
planejamento tributário, seja no que se refere à denominação utilizada ou ao seu
significado, colacionam-se a seguir o entendimento de alguns dos renomados
doutrinadores.
Conforme Marins (2002, p. 33), denomina-se planejamento fiscal ou tributário
lato sensu:
A análise do conjunto de atividades atuais ou dos projetos de atividades econômico-financeiras do contribuinte (pessoa física ou jurídica), em relação ao seu conjunto de obrigações fiscais com o escopo de organizar suas finanças, seus bens, negócios, rendas e demais atividades com repercussões tributárias, de modo que venha a sofrer o menor ônus fiscal possível.
Com efeito, o planejamento tributário comporta uma infinidade de formas para
se alcançar a economia de impostos, tais como: escolha do sistema mais
conveniente de tributação, seja Lucro Real, Presumido ou SIMPLES, tributação
cumulativa ou não cumulativa das contribuições, o uso de reorganização societária,
o aproveitamento de incentivos fiscais, dentre outras (MARINS, 2002, p. 33).
O mesmo autor (2002, p. 34) anota que:
Integra-se também ao conjunto de medidas relacionadas com o planejamento fiscal a recuperação de possíveis créditos fiscais, escriturais ou em moeda, ou mediante pedidos de repetição ou mesmo compensação de tributos pagos a maior ou indevidamente, e até mesmo a administração e a redução do passivo tributário por meio do aproveitamento de remissões, anistias e parcelamento. Também o manejo dos instrumentos processuais, como a discussão judicial ou administrativa de tributos que estejam onerando indevidamente o contribuinte se inclui entre as medidas de planejamento lato sensu.
Na mesma linha de entendimento, Marcus Abraham (2007, p. 277-278),
define planejamento fiscal como “um conjunto de atos concatenados que levam a
um resultado efetivo, seguindo um roteiro de métodos pré-determinados”. Segundo o
autor, não se trata apenas de encontrar falhas na legislação ou realizar
malabarismos societários, contratuais ou financeiros para se obter vantagens fiscais,
sendo que uma das maneiras mais seguras de implementar um planejamento
tributário é buscar no próprio ordenamento jurídico, dentre as opções fiscais
oferecidas pelo sistema, aquela que se amolda com o seu ramo de atividade e
oferece o menor custo tributário.
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Por sua vez, para o doutrinador português José Luís Saldanha Sanches
(2006, p. 21) o planejamento tributário legítimo deve ser entendido como
[...] uma técnica de redução da carga fiscal pela qual o sujeito passivo renuncia a certo comportamento por este estar ligado a uma obrigação tributária ou escolhe, entre as várias soluções que lhe são proporcionadas pelo ordenamento jurídico, aquela que, por ação intencional ou omissão do legislador fiscal, está acompanhada de menos encargos fiscais.
Para o Conselheiro (1ª Seção do CARF) Alexandre Antônio Alkmim Teixeira
(BRASIL, 2014b), planejamento tributário pode ser assim entendido:
Não se olvida que o direito entende que o planejamento tributário consiste na prática de condutas lícitas, permitidas pelo direito, adotadas pelo contribuinte, e que tem como efeito a redução ou não pagamento do tributo que, caso não tivesse havido o planejamento, seria devido. Nesse sentido, o planejamento tributário é antes de tudo e nada mais além do que um planejamento. Trata-se de um pensar com antecedência, um se organizar, um planejar, tendo em mente que, para se alcançar determinado resultado negocial, existe uma alternativa ou outro negócio jurídico lícito que, se realizado, levará à redução ou não pagamento de tributo. Neste sentido, quando se está diante de um planejamento tributário, pressupõe-se a existência de um negócio normal (não planejado) que enseja uma determinada carga de tributação, e um negócio jurídico alternativo (planejado), que tem por efeito a redução ou não pagamento de tributos pelo contribuinte.
Na visão de Heleno Taveira Tôrres (2003, p. 175), o “planejamento tributário é
expressão que deve servir para designar, tão só, a técnica de organização
preventiva de negócios, visando a uma lícita economia de tributos”. No seu
entendimento, planejamento tributário deve ser analisado sob os aspectos do
“processo” e do “produto”. Estas foram as suas considerações:
A noção de planejamento tributário comporta uma análise sob a díade “processo” e “produto” para sua melhor explicação. Uma coisa é o procedimento de planejar e outra, bem distinta, o produto desse procedimento, seu resultado, o respectivo conteúdo, o ato planejado. Enquanto procedimento, “planejar” é trabalho de preparação para qualquer empreendimento, segundo roteiro e métodos determinados, por etapas e com bases técnicas de objetivos definidos. [...]
E como ato, o planejamento corresponde à orientação que é dada à conduta
humana, na constituição dos atos jurídicos, a partir do plano elaborado para otimizar
os custos com as obrigações tributárias, pela identificação e organização das
melhores e mais econômicas alternativas de formação dos negócios jurídicos
permitidos pela legislação, reduzindo as possibilidades de conflitos com o fisco.
Por sua vez, Luciano Amaro (1995, p. 115-116), aborda o planejamento
tributário dentro do planejamento global da organização, relacionando-o com as
decisões a serem tomadas com vistas à otimização do lucro, objetivo primeiro da
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empresa. Entre as decisões estão a escolha do setor, do produto, da matéria-prima,
do fornecedor, da região, além da opção pela verticalização ou horizontalização da
produção, bem como a forma societária a ser adotada. Em razão disso, de acordo
com seu entendimento, é reservado à tributação um papel importantíssimo, campo
onde se insere o planejamento tributário.
Em outro caminho, Marco Aurélio Greco (2011, p. 104; 120; 123), ensina que
a figura das opções fiscais, caracterizadas pelas alternativas oferecidas pelo
ordenamento jurídico e colocadas à disposição dos contribuintes, está fora do
campo de estudo do planejamento tributário:
Elas estão fora do âmbito do planejamento, pois correspondem a escolhas que o ordenamento positivamente coloca à disposição do contribuinte, abrindo expressamente a possibilidade de escolha. O ordenamento indica dois caminhos e deixa ao contribuinte a escolha de seguir um ou outro, sendo que eventualmente um deles pode ser mais oneroso do que o outro. Nas opções estamos sempre perante hipóteses em que há uma escolha expressa que o ordenamento coloca à disposição do contribuinte, hipótese clássica de lei dispositiva. (GRECO, 2011, p. 104).
Para esse autor, o planejamento tributário existe quando o contribuinte
constrói o pressuposto de fato, através de uma montagem ou substituição jurídica,
que poderá ou não ser eficaz perante o Fisco. Assim, a questão fundamental que
cerca o planejamento tributário consiste em saber, frente a uma situação concreta
ou conjunto delas, se os efeitos tributários são oponíveis ou não ao Fisco. Isto é, a
análise deve se dar tanto na licitude dos atos quanto na sua eficácia. Portanto, os
atos ou negócios jurídicos além de lícitos devem ser eficazes perante a Fazenda
Pública. Para o autor, “o núcleo do tema é a eficácia fiscal dos atos ou negócios
jurídicos realizados, vale dizer, não basta ser lícito, é preciso ser eficaz perante o
Fisco” (GRECO, 2011, p. 120). O autor assim resume seu entendimento:
[..] quando mencionamos planejamento tributário, estamos falando do conjunto de condutas que o contribuinte pode realizar visando buscar a menor carga tributária legalmente possível. Ao dizer “legalmente” estou falando de atos lícitos. Mas não estou me referindo apenas à licitude no sentido de não haver agressão a nenhuma norma específica; “conduta legal” neste contexto tem um sentido mais amplo por dizer respeito às condutas que estejam de acordo com a lei (preceitos específicos) e com o Direito (que abrange, além das leis, os princípios e os valores prestigiados pelo ordenamento). (GRECO, 2011, p. 123).
Como visto, são vários os conceitos de planejamento tributário encontrados
na doutrina, o que nos leva a esclarecer que, para fins deste estudo, planejamento
tributário é um conjunto de medidas lícitas, realizadas em conformidade com o
direito, portanto existentes de fato e desprovidas de vícios, adotadas pelos
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contribuintes (pessoas físicas ou jurídicas) com vistas a alcançar uma legítima
economia de tributos, incluindo-se as opções fiscais previstas no ordenamento
jurídico. Desse modo, o critério a ser usado para considerar válido um planejamento
tributário, no caso concreto, é a licitude dos atos e negócios jurídicos e sua eficácia
frente ao Fisco.
2.3 PRINCÍPIOS NORTEADORES
Como é sabido, o Brasil é uma República Federativa que se constitui em
Estado Democrático de Direito (BRASIL, 1988), facultando ao contribuinte o direito
de planejar suas atividades e optar pelo encargo tributário que lhe seja menos
oneroso. Também, que o contribuinte é livre para organizar seus negócios da forma
que melhor lhe aprouver, podendo se colocar em uma situação na qual incida uma
carga tributária menor. Ainda, a Constituição Federal apresenta uma série de
princípios que deverão ser atendidos tanto pelo legislador quanto pelos profissionais
do direito. Tarefa esta difícil quando se sabe que a Assembleia Nacional
Constituinte, por ocasião do embate entre as correntes que defendiam, por um lado,
a existência de um Estado Liberal não Intervencionista e, por outro, um Estado
Social Intervencionista, optou por contemplar as duas posições, conforme as
palavras de Greco (2011, p. 51):
[...] o texto aprovado (a Constituição de 1988) resulta da fusão das duas linhas ideológicas, dando vida a essa figura híbrida que é o Estado Democrático de Direito. Como nenhuma das duas concepções ideológicas foi rejeitada, o resultado prático dessa decisão de compromisso tomada no âmbito da Assembleia Constituinte, foi a Constituição de 1988 consagrar postulações de ambas as visões.
Diante disso, a questão que se apresenta é saber em quais fundamentos se
sustentam os contribuintes para defender uma carga fiscal menos onerosa e qual o
limite à sua auto-organização.
2.3.1 Liberdade fiscal
Depreende-se da interpretação da Constituição Federal (1988) que a busca
do contribuinte pela menor carga fiscal encontra guarida nos artigos 1º, inciso IV e
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170 caput (livre iniciativa); no artigo 170, inciso VI (livre concorrência) e nas
liberdades dispostas no artigo 5º.
De acordo com Greco (2011, p. 124), o ordenamento constitucional consagra
uma liberdade para o cidadão que, a partir de então, permite nascer o planejamento
tributário, isto é, montar sua estrutura negocial visando a menor carga fiscal
possível.
2.3.2 Função social do contrato
É sabido que todas as atividades econômicas (empresas) possuem um
objetivo social e que são criadas, em regra, para perpetuarem. Assim, não se
concebe que uma empresa inicie e encerre suas atividades no mesmo dia sem que
nenhuma operação tenha se realizado, seja uma compra ou venda, intermediação,
prestação de serviços ou outra operação qualquer, conforme seu ramo de atividade,
e ainda, diante dessa situação, entender que seu contrato social restou cumprido.
Nesse ponto, importante registrar que o artigo 421 do Código de Processo
Civil estabelece que “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites
da função social do contrato” (BRASIL, 2002). No artigo 422 do mesmo Código
consta que os contratantes devem seguir os princípios de probidade e boa-fé.
Assim, o contribuinte somente poderá se auto-organizar, tanto na vida privada
como na empresarial, se o fizer de acordo com os parâmetros impostos pela função
social da propriedade e dos contratos (ABRAHAM, 2007, p. 558). Sobre o tema,
assim se manifestou Marcus Abraham:
[...] hoje, muito mais do que um código civil que apenas regula juridicamente a forma do cidadão dispor individualmente sobre a sua vida privada, temos um estatuto voltado para a realização da justiça social, através de um conjunto de princípios e regras, ética e moralmente justos.
Portanto, os contratos realizados devem ser revestidos de forma e substância,
cuja justificativa e suporte surgirão da própria atividade econômica, isto é, a
formalidade jurídica adotada deve retratar fielmente a realidade fática.
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2.4 FIGURAS CORRELATAS AO PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO
Estudam-se, aqui, as figuras relacionadas à ocorrência do fato gerador,
importantes na demarcação dos limites de eficácia do planejamento tributário frente
ao Fisco.
Busca-se delimitar o que se deve entender por condutas lícitas ou ilícitas na
elaboração e execução do planejamento tributário e a nomenclatura a ser adotada
neste estudo, uma vez que diferentes estudiosos nem sempre utilizam os termos
elisão, evasão e elusão com a mesma acepção. Importante registrar que
planejamento tributário e elisão fiscal, nas palavras de Marco Aurélio Greco (2011, p.
85), “são conceitos que se reportam à mesma realidade, diferindo apenas quanto ao
referencial e à tônica que atribuem a determinados elementos”. Quando se
menciona planejamento, volta-se para a conduta de alguém (o contribuinte),
destacando-se a conduta e seus elementos (liberdade contratual, licitude, momento
etc.). Ao se reportar a elisão, o foco de análise é o resultado da conduta em relação
à incidência e cobrança de tributo (capacidade contributiva, isonomia etc.).
2.4.1 Elisão, Evasão e Elusão Fiscal
De acordo com Hiromi Higuchi (2012, p. 680), existe consenso na doutrina no
sentido de que elisão corresponde à forma lícita de se obter economia de tributos e
evasão é ato praticado com o mesmo intuito, porém com violação de lei, o que é
repelido pelo ordenamento jurídico brasileiro. Isto é, elisão fiscal é a prática de ato
com total observância de leis, para evitar a ocorrência do fato gerador. Em sentido
oposto, na evasão fiscal o fato gerador já ocorreu e esse acontecimento é
acobertado com roupagem jurídica simulada ou dissimulada.
Assim, resumidamente e de forma geral, conforme leciona Lívia De Carli
Germano (2013, p. 47-50), a maioria da doutrina brasileira adota dois critérios para
caracterizar a diferença entre evasão e elisão: o da licitude e o temporal. Nessa
concepção, a elisão é lícita, podendo ser comissiva ou omissiva, e tem por objetivo
eliminar, reduzir ou suprimir o tributo devido, impedindo ou retardando a ocorrência
do fato gerador, através da prática de atos ou negócios jurídicos que produzem o
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mesmo resultado originalmente previsto, porém antes do surgimento da obrigação
tributária ou com menor ônus tributário. Já a evasão é sempre ilícita e se configura
na prática de condutas fraudulentas, realizadas após a ocorrência do fato gerador,
representadas, principalmente, nas figuras da sonegação e simulação, com o
objetivo de não pagar o tributo devido.
No entanto, alguns doutrinadores divergem, no todo ou em parte, da
classificação acima exposta.
No entendimento de James Marins (2002, p. 30-32) elisão fiscal é conduta
lícita, omissiva ou comissiva, praticada pelo contribuinte, cuja finalidade é evitar ou
retardar o pagamento do tributo, uma vez que evitam licitamente a prática do fato
imponível da obrigação tributária. Em outro sentido, a evasão fiscal ocorre quando o
contribuinte se utiliza de meios proibidos pelo ordenamento jurídico para diminuir,
deixar de pagar ou retardar o pagamento de tributos. É, portanto, economia ilícita ou
fraudulenta de tributos, porque sua realização passa necessariamente pelo
descumprimento de regras de conduta tributária ou pela utilização de fraudes. Para
o autor, a licitude ou a ilicitude da conduta é o principal critério para distinguir a
elisão da evasão fiscal.
De maneira diferente, Hugo de Brito Machado (2005, p. 143) entende que a
diferença de significado dos dois termos em questão deve ser interpretada de forma
inversa, ou seja, a evasão é uma conduta lícita e a elisão é uma conduta ilícita.
Explica que a palavra evasão, assim como a palavra elisão, podem ser utilizadas em
sentido amplo como em sentido restrito. Em sentido amplo, evasão e elisão, lícitas
ou ilícitas, correspondem a toda forma de fuga ao tributo. Entretanto, em sentido
restrito, significam a fuga ao dever jurídico de pagar o tributo cujo comportamento
deve ser considerado ilícito. O autor resume seu entendimento no parágrafo abaixo
transcrito:
Com efeito, elisão é ato ou efeito de elidir, que significa eliminar, suprimir. E evasão é o ato de evadir-se, a fuga. Tanto se pode dizer elisão fiscal, no sentido de eliminação ou supressão do tributo, como evasão fiscal, no sentido de fuga ao imposto. Elisão e evasão têm sentidos equivalentes. Se tivermos, porém, de estabelecer uma diferença de significado entre esses dois termos, talvez seja preferível, contrariando a preferência de muitos, utilizarmos evasão para designar a conduta lícita, e elisão para designar a conduta ilícita. Realmente, elidir é eliminar, ou suprimir, e somente pode eliminar, ou suprimir, o que existe. Assim, quem elimina ou suprime um tributo, está agindo ilicitamente, na medida em que está eliminando ou suprimindo a relação tributária já instaurada. Por outro lado, evadir-se é fugir, e quem foge está evitando, podendo a ação de evitar ser preventiva. Assim, quem evita pode estar agindo licitamente. (MACHADO, 2005, p. 143).
20
Por sua vez, Ricardo Lobo Torres traz um novo entendimento para as figuras
em estudo. Para o autor, “evasão lícita e a elisão [lícita ou ilícita] precedem a
ocorrência do fato gerador. A sonegação e a fraude [= evasão ilícita] dão-se após a
ocorrência daquele fato” (TORRES, 2013, p. 8-9). Desse modo, a economia de
imposto obtida através da evasão é aquela em que o sujeito deixa de praticar o fato
gerador, portanto é sempre lícita. No entanto, a elisão pode ser lícita ou ilícita, sendo
no primeiro caso a economia de tributos alcançada por interpretação razoável da lei
tributária e no segundo a economia é obtida pela realização de negócio jurídico cuja
forma não se subsume a descrição abstrata da lei.
Já Heleno Taveira Tôrres traz em seu estudo, além dos conceitos de elisão e
evasão, já tratados, a figura da elusão fiscal, descrevendo-a do seguinte modo
(TÔRRES, 2003, p. 189):
É o fenômeno pelo qual o contribuinte, mediante a organização planejada de atos lícitos, mas desprovidos de “causa” (simulados ou com fraude à lei), tenta evitar a subsunção de ato ou negócio jurídico ao conceito normativo do fato típico e a respectiva imputação da obrigação tributária. Em modo mais amplo, elusão tributária consiste em usar de negócios jurídicos atípicos ou indiretos desprovidos de "causa” ou organizados com simulação ou fraude à lei, com a finalidade de evitar a incidência da norma tributária impositiva, enquadrar-se em regime fiscalmente mais favorável ou obter alguma vantagem fiscal específica.
Assim, na elusão o sujeito se aproveita de atos ou negócios jurídicos indiretos
que, isoladamente, são considerados lícitos, porém desprovidos de causa,
simulados ou com fraude à lei, praticados com o objetivo de economizar tributos. Na
elisão, os atos são lícitos e o objetivo também é a economia fiscal, porém são
praticados sem violação aos dispositivos legais. No entanto, na evasão, o sujeito
age dolosamente para escapar do pagamento do tributo (TÔRRES, 2003, p. 170-
178).
Também, Paulo Caliendo (2009, p. 237-242) agrega em seus estudos
relacionados à tributação das atividades econômicas a definição de elusão fiscal.
Para o autor, a distinção entre as figuras da evasão, elisão e elusão tributária
obedecem a quatro critérios. São eles:
a) Cronológico – Refere-se à ocorrência do fato gerador: se realizado
anteriormente é caso de elisão; se posterior é evasão;
b) Causal – Refere-se à causa do negócio jurídico: se a causa for lícita, trata-
se de elisão; se a causa for falsa, ilícita ou ausente, tem-se a elusão;
21
c) Econômico – Refere-se ao sentido econômico da operação: se a operação
possui um sentido econômico (substância negocial) tem-se a elisão e na ausência a
elusão;
d) Sistemático – Refere-se à estrutura do negócio jurídico (forma, conteúdo e
finalidade): se a forma usada for dotada de uma finalidade negocial, isto é, se
coerente com a organização dos negócios, tem-se um caso de elisão, entretanto se
houver manipulação artificiosa da estrutura negocial estará configurada a elusão.
No entendimento de Caliendo, evasão, elisão e elusão tributária consistem
em:
Evasão - É a conduta de má-fé do contribuinte, por ação ou omissão, de descumprimento de direito, total ou parcial, das obrigações ou deveres tributários. Elisão – É o planejamento lícito de negócios, realizado conforme os princípios constitucionais que orientam a livre-iniciativa e a livre concorrência, com o objetivo de obter o menor impacto fiscal. Elusão – É um modo particularmente relevante de compreensão de condutas ilícitas por manejo da ocorrência do fato gerador, ocultando, dificultando ou impedindo a sua ocorrência de modo ilegítimo. (CALIENDO, 2009, p. 237).
Conclui o autor que o modo elisivo se traduz na conduta do contribuinte em
organizar seus negócios de modo a, mantendo a causa do negócio, reduzir seu
efeito fiscal. Na evasão ocorre o descumprimento direto da norma impositiva e na
elusão os negócios jurídicos são realizados de acordo com estruturas válidas que
impedem a ocorrência do fato gerador, porém se utiliza de fraude ou abuso ao
ordenamento jurídico-tributário.
Na verdade, a questão terminológica não parece ter tanta relevância. Afigura-
se importante, porém, investigar a conduta do contribuinte, se lícita ou ilícita, quando
pratica atos ou negócios jurídicos visando economizar tributos. Portanto, para fins
deste estudo, seguindo o entendimento de James Marins (2002, p. 30-32),
considerar-se-ão tão somente as figuras da elisão como meio lícito de economia
fiscal e a evasão como forma ilícita. Desse modo, o principal critério para distinguir a
conduta do contribuinte será a licitude ou ilicitude.
Assim, pode-se dizer que elisão corresponde ao uso de mecanismos lícitos ou
não defesos em lei, utilizados pelo contribuinte na organização de seus negócios,
com vistas a obter vantagens fiscais, seja através de meios que impeçam a
ocorrência do fato gerador, seja por meios que o retardem ou ainda que reduzam o
quanto de tributo a pagar. Portanto, a licitude é o elemento identificador por
excelência da elisão, é de sua essência. Deve, pois, integrar a definição do instituto.
22
Desse modo, para a conduta do contribuinte se situar no campo da elisão
fiscal os meios utilizados devem ser lícitos ou não vedados pelo Direito. Portanto,
elisão fiscal pode ser caracterizada como a prática de condutas lícitas, sejam
omissivas ou comissivas, que tenham por finalidade evitar a ocorrência do fato
gerador, reduzir o montante de tributo a pagar ou postergar seu cumprimento. De
modo contrário, a evasão fiscal se caracteriza pela prática ilícita da conduta do
contribuinte. Trata-se de figura não admitida pelo ordenamento jurídico e, como tal,
deve ser reprimida e combatida pelas instituições estatais. A conduta se efetiva pela
utilização de meios vedados pelo legislador. Desse modo, evasão fiscal pode ser
definida como a prática de condutas visando à redução, à postergação ou ao não
pagamento do tributo devido, porém proibidas pelo ordenamento jurídico. É,
portanto, economia tributária ilícita ou fraudulenta, concretizada pelo
descumprimento de regras de conduta tributária ou pela utilização de fraudes. Isto é,
o fato imponível é praticado, fazendo nascer a obrigação tributária, entretanto o
contribuinte se nega a satisfazê-la.
2.4.2 Opções fiscais
As opções fiscais são alternativas criadas pelo próprio ordenamento jurídico e
colocadas à disposição dos contribuintes para que delas se aproveitem conforme
sua conveniência. Isto é, a opção fiscal estrutura uma hipótese de conduta
positivamente autorizada pelo sistema jurídico. Têm-se, como exemplos, a tributação
com base no lucro presumido ou no SIMPLES Nacional como alternativa ao Lucro
Real, a tributação cumulativa ou não cumulativa das contribuições, o uso do
desconto padrão na tributação do Imposto de Renda da Pessoa Física, entre outras.
As opções fiscais como espécies de planejamento tributário não são
consenso na doutrina, sendo incluídas no conceito por alguns e excluídas por
outros. Para Marins (2002, p. 33), as opções fiscais integram o instituto do
planejamento tributário. No mesmo sentido, Abraham (2007, p. 278) entende que
“uma das maneiras mais seguras de se implementar um planejamento fiscal é
buscar as opções que a própria lei oferece”. Em sentido contrário, Greco (2011, p.
104) defende que as opções fiscais estão fora do âmbito do planejamento tributário.
23
2.4.3 Substituição jurídica – negócio jurídico indireto
Utiliza-se, no negócio jurídico indireto, uma figura negocial típica para atingir
objetivos que não lhe são próprios, sem que haja efetiva intenção de prejudicar
terceiros.
De acordo com Lívia de Carli Germano (2013, p. 108-113), a doutrina
costuma identificar como negócio jurídico indireto aquela categoria de negócios que
são utilizados para alcançar resultado diverso daquele para o qual foram instituídos.
Para a autora, no negócio jurídico indireto as partes desejam todas as
consequências jurídicas do negócio jurídico adotado, embora seja apenas um meio
para atingir um resultado outro. Portanto, é um negócio sério, real, efetivamente
querido pelas partes.
Nas palavras de Abraham (2007, p. 221) “no negócio indireto, usa-se uma via
oblíqua, em lugar da via normal; usa-se um negócio típico fora de seu fim específico,
porém este é de fato perseguido, embora não dentro da normalidade”.
Para Alberto Xavier (2002, p. 59), denomina-se negócio indireto “o negócio
jurídico que as partes celebram para através dele atingir fins diversos dos que
representam a estrutura típica daquele esquema negocial”. Ensina o autor que a
característica essencial do instituto está na utilização de um negócio típico, usado
para realizar um fim distinto daquele para o qual foi criado. Trata-se, portanto, de
uso de meios que não são comuns para aquele tipo de negócio, porém o resultado
não é contrário ao direito.
2.5 VÍCIOS DO NEGÓCIO JURÍDICO
No tocante aos vícios do negócio jurídico relacionados ao instituto do
planejamento tributário, considerando-se o objeto do presente estudo, têm-se as
figuras da simulação e abuso de direito.
24
2.5.1 Simulação
O termo “simulação” tem sua origem no latim, significando disfarce,
fingimento, artifício, simulacro, hipocrisia, impostura. É simulada a situação jurídica
caracterizada pela realização de negócio discrepante da realidade, mediante acordo
entre as partes, estabelecendo divergência intencional entre a vontade e a
declaração, com o intuito de enganar terceiro (FERREIRA, 2012).
O Ministro José Carlos Moreira Alves, do Supremo Tribunal Federal (STF)
ensina que (ALVES, 2003, p. 13):
O negócio jurídico simulado é aquele que cria uma aparência querida pelas partes. É uma aparência que se cria, ou com a finalidade de apenas criá-la, sem se querer ocultar algo que realmente se deseja, ou então se cria essa aparência para ocultar o que realmente se deseja.
Sobre as características do negócio simulado, o Ministro do STF (ALVES,
2003, p. 13) assim explica:
Para que haja simulação, é preciso, primeiramente, que exista divergência entre a vontade interna e a vontade manifestada. A vontade interna na simulação absoluta, por exemplo, é aquela, no exemplo dado, de livrar uma parcela do nosso patrimônio do confisco. Já a vontade manifestada é a da aparente transferência do direito de propriedade daquilo que continua no nosso domínio. Em segundo lugar, é preciso que o acordo simulatório ocorra entre as partes, havendo, portanto, necessidade de um acordo. Consequentemente, ambas as partes sabem exatamente o que estão fazendo. Finalmente, esse negócio simulado há de ter por objetivo enganar terceiros estranhos a esse ato simulado.
A simulação, no entendimento de James Marins (2002, p. 34), é:
Instituto de Direito Civil e compreende a realização de atos ou negócios jurídicos através de forma prescrita ou não defesa em lei, de modo que a vontade formalmente declarada no instrumento oculte deliberadamente a vontade real dos sujeitos da relação jurídica, desde que com a finalidade de prejudicar terceiros.
Marins classifica a simulação em absoluta e relativa. Na absoluta dá-se um
acordo simulatório em que do negócio simulado não se espera qualquer espécie de
resultado jurídico. Na simulação relativa (denominada por parte da doutrina de
dissimulação) a prática do ato ou negócio simulado é o caminho encontrado para a
obtenção de um resultado jurídico, esse sim verdadeiro e desejado (MARINS, 2002,
p. 35).
Para o Procurador da Fazenda Nacional Marcus Abraham (2007, p. 220),
entende-se por simulação:
A prática de um ato volitivo, cujo objetivo é produzir efeitos diferentes do que externamente se apresenta, para encobrir o que realmente se pretende
25
fazer. Há algo oculto que se quer realizar e algo ostensivo que não se quer, mas este último serve de disfarce para o intento desejado. Encontra-se na sua essência o seu objetivo final: enganar terceiros. O ato simulado é o que se apresenta perante terceiros, enquanto o dissimulado é o verdadeiro ato que se pretendia realizar, mas está oculto sob o manto da simulação.
A simulação apresenta as seguintes características, segundo Abraham (2007,
p. 220-221): incompatibilidade entre a manifestação e a verdadeira intenção; acordo
entre as partes; e objetivo de enganar terceiros. Na simulação, as partes fingem um
ato que é mera aparência, sem conteúdo negocial por detrás. Na dissimulação, há
um negócio aparente (simulado) que esconde outro, o dissimulado (oculto).
Na concepção de Alberto Xavier (2002, p. 52-54), a simulação consiste na
divergência entre a vontade real e a declarada, que surge com o acordo entre o
declarante e o declaratário, com o intuito de prejudicar terceiros. Tem como
elementos essenciais a intencionalidade, o acordo simulatório e o intuito de enganar
terceiros. Classifica a simulação em absoluta e relativa. Na absoluta, aparenta-se
celebrar um negócio jurídico, quando na realidade não se quer fazer negócio algum.
Na relativa, as partes celebram efetivamente um contrato, porém o ocultam
com outro distinto do primeiro pela sua natureza ou pelas suas cláusulas e
condições. Conclui dizendo que, enquanto na simulação absoluta existe apenas um
negócio jurídico correspondente à vontade declarada (contrato simulado), na
simulação relativa existem dois negócios jurídicos: o negócio simulado,
correspondente à vontade declarada enganadora, e o contrato por baixo dele, oculto
ou encoberto (o negócio dissimulado), correspondente à vontade real dos seus
autores.
Já Marco Aurélio Greco (2011, p. 190-193) trilha caminho diferente para situar
o negócio simulado no contexto do planejamento tributário. Para o autor, a
simulação deve ser vista como vício da causa ou do motivo do negócio jurídico, que
se configura sempre que houver discrepância entre o motivo aparente e o motivo
real ou entre a causa do negócio e o perfil com que ele se apresenta. Isto é, o
elemento-chave é a causa (ou o motivo) do negócio jurídico e não a vontade.
Questiona-se até que ponto as causas reais coincidem com as causas
aparentes, portanto não é mais uma confrontação entre vontade real e vontade
aparente, mas entre causa real e causa aparente ou negócio aparente.
Hodiernamente, a simulação é instituto de Direito Civil, disciplinada no artigo
167, §1° do Código Civil (BRASIL, 2002):
26
Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma. §1° Haverá simulação nos negócios jurídicos quando: I – aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem; II – contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira; III – os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados.
Assim, a simulação compreende a realização de atos ou negócios jurídicos
através de forma prescrita ou não defesa em lei, mas de modo que o contrato
aparente ou não existe no mundo dos fatos (simulação absoluta) ou esconde outro
(simulação relativa), com a finalidade de prejudicar terceiros. Pode-se dizer, então,
que a simulação ocorre quando as partes, intencionalmente, contratam determinado
negócio jurídico, entretanto almejam efeito diferente daquele demonstrado, visando
fraudar terceiros ou a lei, sendo que a fraude é elemento indicador da simulação.
2.5.2 Abuso de direito
Para melhor compreender esse instituto, é importante trazer a lume a
compreensão de que o Direito vem caminhando no sentido de valorizar a ética e a
solidariedade nas relações sociais. Observa-se significativa mudança naquela
postura que até então considerava lícito tudo aquilo que não contrariava a lei. Vê-se
que o Direito exige um novo modo de agir, onde os valores da boa-fé, dos bons
costumes e dos interesses sociais devem se fazer presentes para que se possa
considerar lícito o ato praticado. Tal compreensão se contrapõe ao modelo
egocêntrico no uso do direito individual. Assim, os princípios da autonomia da
vontade e o do fim social da propriedade devem ser ponderados. Nesse sentido,
pode-se entender o Direito como um instrumento que deve ser usado como meio
para que objetivos individuais e coletivos sejam alcançados (GRECO, 2011, p. 24;
46; 65-71).
Relevância maior ganhou esse instituto por ocasião da entrada em vigor da
Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (BRASIL, 2002), que em seu artigo 187
dispôs que “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo,
excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela
boa-fé ou pelos bons costumes”. Corroborando esse entendimento, traz-se à
colação a lição de Diogo de Figueiredo Moreira Neto (1992, p. 87):
27
[...] ordenamentos jurídicos de todo o mundo vêm ampliando a sua dimensão ética para exigir que a conduta humana, além de legal, seja também legítima, vale dizer, adequada à realização de um Estado de Justiça.
Para Marco Aurélio Greco (2011, p. 201-217) a interpretação e aplicação do
direito, na constância de um Estado Democrático de Direito, supõem uma
conjugação entre os valores típicos do Estado de Direito (liberdade negativa,
legalidade formal, proteção à propriedade) com aqueles próprios do Estado Social
(igualdade, liberdade positiva, solidariedade), sem que as garantias fundamentais da
pessoa humana sejam abandonadas. O autor leciona que é preciso distinguir entre
critérios ligados à existência do direito e critérios ligados ao seu uso ou exercício, e
aduz que:
Neste passo, tem pertinência o tema do “abuso do direito”, categoria construída para inibir práticas que, embora possam encontrar-se no âmbito da licitude (se o ordenamento positivo assim tratar o abuso), implicam, o seu resultado, uma distorção no equilíbrio do relacionamento entre as partes, (i) seja pela utilização de um poder ou de um direito em finalidade diversa daquela para a qual o ordenamento assegura sua existência, (ii) seja pela sua distorção funcional, por implicar inibir a eficácia da lei incidente sobre a hipótese sem uma razão suficiente que a justifique. De qualquer modo, seja o ato abusivo considerado lícito ou ilícito a consequência perante o Fisco será sempre a sua inoponibilidade e de seus efeitos. (GRECO, 2011, p. 203).
Greco defende que a teoria do abuso de direito pode ser aplicada em matéria
tributária, sendo que “sua aplicação não se volta a obrigar ao pagamento de maior
imposto, mas inibir as práticas sem causa, que impliquem em menor tributação”
(GRECO, 2011, p. 2013). O autor diz que “o abuso de direito em matéria fiscal
caracteriza-se por implicar ‘inoperância’ ou ‘ineficácia’ do ato em relação ao Fisco,
independente de ser ilegal ou ilícita a operação” (GRECO, 2011, p. 217).
Na mesma linha de Greco, Ricardo Lobo Torres (2006, p. 128-132) se
posiciona favoravelmente à doutrina do abuso de direito, reconhecendo a liberdade
do contribuinte para planejar seus negócios na busca do menor ônus tributário.
Entretanto, ressalva que ao ultrapassar os limites da razoabilidade e
proporcionalidade na utilização de formas do Direito Privado, o contribuinte estará
cometendo abuso. Assim se posiciona o autor:
Não pode ultrapassar os limites da razoabilidade, aproveitando-se da zona cinzenta e da indeterminação dos conceitos e ofendendo valores como os da justiça e da segurança jurídica e princípios como os da unidade da ordem jurídica, da interação entre direito tributário e economia, da capacidade contributiva e da legalidade democrática do Estado de Direito. (TORRES, 2006, p. 130).
28
Conclui o autor ensinando que o pluralismo metodológico, com fundamentos
na jurisprudência dos valores e no pós-positivismo, aceita o planejamento fiscal
como forma legítima de economizar tributos, desde que ausente o abuso de direito.
Por seu turno, Alberto Xavier (2002, p. 106-109) entende que não pode haver
a transposição da doutrina civilista do abuso de direito para o Direito Tributário. Isso
porque ela conduz a um grau de subjetivismo na aplicação da lei tributária, tornando-
se incompatível com a segurança jurídica. Também, porque a doutrina do abuso de
direito é cientificamente equivocada, pois transplanta para as relações de Direito
Público entre indivíduo e Estado conceitos aplicáveis exclusivamente às relações
entre particulares. Xavier defende que a referida doutrina pressupõe direitos e
relações paritárias, situadas no mesmo plano, objetivando vedar que o exercício de
um direito subjetivo de um particular atinja o direito de outro. Ademais, as relações
entre particular e Estado não são relações paritárias, nem o Estado é titular de
direito subjetivo passível de ser lesado pelo exercício de um direito subjetivo pelo
particular.
Para fins deste trabalho, considera-se que o Direito não pode assumir
posições que o qualifiquem como um fim em si mesmo, mas um meio para que
indivíduo e coletividade possam alcançar seus objetivos. Significa dizer que inexiste
direito absoluto no ordenamento jurídico pátrio.
2.6 REORGANIZAÇÃO SOCIETÁRIA
Resumidamente, reorganização societária consiste em estruturar toda a
organização empresarial, em um modelo negocial que atenda as necessidades das
sociedades envolvidas, em razão de economia de custos, aumento de eficiência,
melhor posicionamento no mercado, entre várias outras. Destaca-se, pela natureza
deste estudo, a busca das empresas pela economia fiscal através das formas de
reorganização societária, como a fusão, cisão e incorporação. Apresentam-se, a
seguir, os conceitos das modalidades de reorganização societária que são
empregadas na elaboração de um planejamento tributário.
29
2.6.1 Fusão
De acordo com o disposto no art. 228 da Lei nº 6.404/76 (BRASIL, 1976),
fusão “é a operação pela qual se unem uma ou mais sociedades para formar
sociedade nova, que lhes sucederá em todos os direitos e obrigações”. Caracteriza-
se pelo desaparecimento das sociedades que se fundem, nascendo uma nova
sociedade que assumirá toda e qualquer obrigação, ativa e passiva, das sociedades
fusionadas.
2.6.2 Incorporação
A incorporação, segundo o art. 227 da Lei n. 6.404/76 (BRASIL, 1976), “[...] é
a operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que lhes
sucede em todos os direitos e obrigações.” Na operação de incorporação
desaparece a sociedade incorporada, entretanto permanece inalterada a
personalidade jurídica da incorporadora, ocorrendo modificações em seu estatuto ou
contrato social, onde deverá constar a indicação do aumento do capital social e do
seu patrimônio.
2.6.3 Cisão
A cisão está definida no art. 229, da Lei n. 6.404/76 (BRASIL, 1976), nos
seguintes termos:
Cisão é a operação pela qual a companhia transfere parcelas do seu patrimônio para uma ou mais sociedades, constituídas para esse fim ou já existentes, extinguindo-se a companhia cindida, se houver versão de todo o seu patrimônio ou dividindo-se o seu capital, se parcial a versão.
A operação de cisão implica na extinção total ou parcial de uma empresa, dando
origem a duas ou mais sociedades. No caso de cisão total, extingue-se a sociedade
cindida e duas ou mais sociedades se formam na proporção do patrimônio
transferido, assumindo os direitos e obrigações referentes à determinada porção do
patrimônio que foi transferida. Destarte, reorganizações societárias são eventos
promovidos pelas organizações visando otimizar seu funcionamento, sendo a cisão,
fusão e incorporação as formas existentes.
30
Encerra-se, aqui, este Capítulo desta monografia. Tratar-se-á, a seguir, do processo
administrativo fiscal na esfera federal, sua estrutura, funcionamento e o papel do
Conselho Administrativo de Recursos Fiscais dentro do macrossistema em que se
situa o contencioso administrativo fiscal.
31
3 CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO FISCAL FEDERAL
Compõem esta Seção, além de considerações gerais relacionadas ao
processo administrativo fiscal na esfera federal, o conceito de processo e
procedimento, apresentando-se as principais diferenças, e o contencioso
administrativo fiscal, sua estrutura, funcionamento e o papel do Conselho
Administrativo de Recursos Fiscais dentro do macrossistema de constituição e
julgamento do crédito tributário.
3.1 PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL: CONSIDERAÇÕES GERAIS
O Processo Administrativo Fiscal, cunhado pela sigla PAF, também tratado
como Processo Administrativo Tributário, formalizado em razão de exigência de
crédito tributário, além de consultas à legislação tributária e de outros procedimentos
previstos em regulamentos, não tratados aqui por não se incluírem no escopo do
presente trabalho, é regulado pelo Decreto nº 70.235 (BRASIL, 1972), de 6 de março
de 1972 (tem hierarquia de lei ordinária). Subsidiariamente, aplicam-se as
disposições da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999 (BRASIL, 1999) e do Código
de Processo Civil. Importante registrar que o Decreto nº 7.574, de 29 de setembro
de 2011, consolidou em regulamento a legislação que trata do processo de
determinação e exigência de créditos tributários da União.
É cediço que a Administração Pública, para legitimar sua atuação definida na
Constituição Federal, deve buscar a efetivação da justiça. Nesse contexto, o
processo administrativo fiscal é um instrumento à disposição do Estado para, no
caso concreto, aplicar a Lei e o Direito nas disputas entre Fisco e contribuinte
relacionadas à exigência de crédito tributário (BRASIL, 1964). É, também, um meio
de controle de legalidade pela própria Administração, consoante disposto no artigo
53 da Lei nº 9.784/99 em que explicita que “a Administração deve anular seus
próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo
de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos” (BRASIL,
1999).
Com relação ao administrado (contribuinte) é um instrumento que assegura o
pleno exercício do direito à ampla defesa e o contraditório, conforme dispõe o art. 5º,
32
inciso LV, da Constituição Federal, onde consta expressamente que aos litigantes
em processo administrativo são garantidos o contraditório e a ampla defesa, bem
como os meios e recursos a ela inerente (BRASIL, 1988). Tenha-se, também, que o
sistema constitucional brasileiro consagra o princípio do devido processo legal (art.
5º, LIV, da CRFB/88), projetando-se tanto na esfera judicial quanto na administrativa.
No magistério de Eduardo Arruda Alvim (2004, p. 31), o princípio do devido
processo legal pode ser entendido em sua acepção processual, mas também
repercute no plano do direito material.
Não se olvide que um dos grandes desafios da Administração Fazendária é
resolver com celeridade as controvérsias envolvendo Fisco e contribuinte,
alcançando, assim, a desejada eficácia do sistema arrecadatório federal.
3.2 PROCESSO E PROCEDIMENTO
Entende-se como importante fazer-se a distinção entre processo e
procedimento, também na seara do contencioso administrativo fiscal federal, pois
não raras vezes os termos e institutos jurídicos são utilizados em sentido diverso.
Nas palavras do jurista Hugo de Brito Machado (2005, p. 443-444), a
expressão “processo administrativo fiscal” pode ser usada em sentido amplo e em
sentido restrito. Em sentido amplo, designa o conjunto de atos administrativos
tendentes ao reconhecimento de uma situação jurídica pertinente à relação fisco-
contribuinte. Em sentido restrito, designa a espécie do processo administrativo
destinada à determinação e exigência do crédito tributário.
Em sua acepção genérica, o termo “processo” representa a atividade
dinâmica de qualquer fenômeno. O vocábulo deriva do latim (procedere, ir de um
lugar para outro) e significa a sequência de atos, interligados entre si, realizados
dentro de um sistema lógico, objetivando alcançar um fim específico. Transportando
o conceito para o Direito Administrativo, o processo caracteriza-se pela atuação de
interessados ante a Administração Pública, com intuito de obter determinada
providência ou reconhecimento de um direito. Todavia, se a matéria postulada frente
à Administração Pública versa sobre exigência de crédito tributário, dentre outras
matérias de mesmo cunho, tem-se o processo administrativo fiscal. Por sua vez,
procedimento é um método para que se concretize o processo. Assim, processo e
33
procedimento se diferenciam quanto aos seus conteúdos jurídicos: o primeiro retrata
a relação jurídica específica e o segundo define o desenrolar dos atos e fatos que
configuram o caminho que se pretende percorrer para chegar ao ato final (NEDER;
LÓPEZ, 2004, p. 28-29).
Para Fabiana Del Padre Tomé (2008, p. 278-279), não se pode confundir
processo com procedimento administrativo tributário, pois este tem por finalidade
preparar o ato de lançamento, mediante o qual se formaliza a exigência do crédito
tributário, e aquele surge tão somente após a resistência do contribuinte à pretensão
do Fisco. Resumidamente, para a autora, procedimento é o caminho perseguido
para a realização do ato de lançamento ou de aplicação de penalidade, configurando
processo a composição administrativa dos conflitos fiscais. Ainda, o procedimento
administrativo tributário é marcadamente fiscalizatório e apuratório, visando preparar
o ato constituidor da obrigação tributária, enquanto que o processo somente aparece
em momento posterior ao nascimento do crédito tributário, mediante impugnação do
ato da autoridade fiscal.
Por sua vez, José dos Santos Carvalho Filho (2013, p. 152; 970-971; 1099),
ensina que procedimento administrativo “é a sequência de atividades da
Administração, interligadas entre si, que visa a alcançar determinado efeito final
previsto em lei” (p. 152). É, portanto, atividade contínua em que os atos e operações
se colocam de maneira ordenada para se chegar a um fim predeterminado. Com
relação ao processo, o autor o define como “a relação jurídica integrada por algumas
pessoas, que nela exercem atividades direcionadas para determinado fim” (p. 970).
Isto é, a ideia de processo reflete função dinâmica, em que os atos e os
comportamentos de seus integrantes se apresentam em sequência ordenada com o
objetivo a que se destina o processo.
3.3 CONSTITUIÇÃO E FORMALIZAÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO
O crédito tributário, de acordo com o Código Tributário Nacional (BRASIL,
2014a), “decorre da obrigação principal e tem a mesma natureza desta”. No
entendimento de Hugo de Brito Machado (2005, p. 180), o crédito tributário é o
34
[...] vínculo jurídico, de natureza obrigacional, por força do qual o Estado (sujeito ativo) pode exigir do particular, o contribuinte ou responsável (sujeito passivo), o pagamento do tributo ou da penalidade pecuniária (objeto da relação obrigacional).
A constituição do crédito tributário é da competência privativa da autoridade
administrativa, concretizando-se pelo lançamento, que é um procedimento
administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador, identificar o sujeito
passivo, determinar e calcular a matéria tributável e aplicar penalidade, se cabível
(MACHADO, 2005, p. 180-181). Sua exigência é formalizada por auto de infração,
distinto para cada tributo ou penalidade (BRASIL, 1972).
Cientificado o contribuinte da exigência fiscal, formalizada através de auto de
infração, abrem-se as seguintes possibilidades: pagar (parcelar) o valor devido;
impugnar o ato administrativo ou não fazer nada (revelia). Para este estudo vai
interessar a segunda alternativa, impugnar o lançamento, estabelecendo-se, assim,
o litígio entre a Fazenda Pública e o contribuinte. De acordo com o artigo 14 do
Decreto nº 70.235, de 1972, “a impugnação da exigência instaura a fase litigiosa do
procedimento”.
O contribuinte possui o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da ciência do auto
de infração, para apresentar impugnação junto à Delegacia da Receita Federal do
Brasil de seu domicílio fiscal, autoridade preparadora que encaminhará o processo à
Delegacia da Receita Federal de Julgamento, órgão julgador de primeira instância.
No caso de decisão desfavorável, pode o contribuinte recorrer no prazo de 30 (trinta)
dias da ciência do acórdão que julgou improcedente a impugnação, apresentando
recurso ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, órgão julgador de segunda
e última instância.
3.4 ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO
A estrutura jurídica adotada no Brasil para solução de litígios tem origem em
dois principais sistemas, sendo o sistema francês composto de dupla jurisdição
(Judiciário e Executivo) e o sistema inglês em que a jurisdição é una. O primeiro se
caracteriza por ser a função jurisdicional compartilhada com a Administração Pública
que, além das funções executivas tradicionais, também julga. Quanto ao segundo, a
35
jurisdição é única e a solução das controvérsias entre os particulares e a
Administração ou entre os vários órgãos desta é da competência do Poder
Judiciário. No Brasil, sob a influência do sistema inglês, prevaleceu o princípio da
universalização de jurisdição, isto é, existe uma reserva absoluta de jurisdição aos
órgãos do Poder Judiciário, proibindo-se a atribuição jurisdicional a órgãos de outros
Poderes, bem como a exclusão da apreciação do Poder Judiciário de quaisquer
lesões de direitos (NEDER; LÓPEZ, 2004, p. 23-24).
A legitimidade da existência de órgãos jurisdicionais administrativos se
encontra na Constituição Federal (BRASIL, 1988), notadamente no artigo 5º, incisos
XXXIV, alínea “a”, LIV e LV, que expressamente garantem o direito de petição aos
Poderes Públicos, o direito ao devido processo legal e o contraditório e ampla
defesa aos litigantes em processos administrativos (BRASIL, 2014b). Todavia, deve-
se atentar para a existência do princípio da inafastabilidade da jurisdição, exarado
no inciso XXXV do art. 5º da CRFB/88, dispondo que “a lei não excluirá da
apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Destarte, não significa
dizer que a Administração Pública não detém o poder de rever os seus próprios
atos, pelo contrário, o art. 53 da Lei nº 9.784 de 1999, dispõe que “a Administração
deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode
revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos
adquiridos”.
Assim, há órgãos administrativos dotados de competência específica que
decidem litígios. Contudo, as decisões dos órgãos administrativos não são
detentoras da definitividade própria das decisões do Judiciário, sujeitando-se à sua
revisão, desde que provocadas.
Os órgãos administrativos de julgamento, no âmbito dos litígios que envolvem
questões tributárias e o contribuinte, atuam primordialmente no controle de
legalidade do ato administrativo, notadamente o lançamento, ato pelo qual a
autoridade administrativa constitui o crédito tributário (BRASIL, 2014a), visando à
solução de controvérsias dele decorrente. Compõem-se pelas Delegacias da
Receita Federal de Julgamento, órgão julgador colegiado de primeira instância e
pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, órgão colegiado paritário, de
segunda instância de julgamento, composto por representantes da Fazenda
Nacional e dos contribuintes.
36
Importante registrar que o contribuinte, não resignado com a exação imposta
pelo Fisco, que buscou a via administrativa para a solução do litígio, pode a qualquer
tempo desistir desta opção e buscar no Poder Judiciário o desfecho da controvérsia.
3.4.1 Delegacia da Receita Federal do Brasil de Julgamento
As Delegacias da Receita Federal do Brasil de Julgamento (DRJ) são órgãos
colegiados, constituídos por turmas de no mínimo 03 (três) e no máximo 07 (sete)
integrantes, todos Auditores Fiscais da Receita Federal, denominados “Julgadores”,
nomeados por ato do Secretário da Receita Federal para mandato de 03 (três) anos,
renováveis, com a competência de julgar processos administrativos fiscais, em
primeira instância de julgamento, envolvendo litígios entre a Fazenda Pública
Federal e o contribuinte. Atualmente são 14 (quatorze) unidades, todas com
jurisdição nacional, localizadas nas principais cidades do País.
De acordo com o disposto no art. 233, da Portaria MF nº 203, de 14 de maio
de 2012 (BRASIL, 2012), alterada pela Portaria MF nº 512, de 2 de outubro de 2013
(BRASIL, 2013), estas são as atribuições das DRJs:
Art. 233. Às Delegacias da Receita Federal do Brasil de Julgamento - DRJ, com jurisdição nacional, compete conhecer e julgar em primeira instância, após instaurado o litígio, especificamente, impugnações e manifestações de inconformidade em processos administrativos fiscais: I - de determinação e exigência de créditos tributários, inclusive devidos a outras entidades e fundos, e de penalidades; II - de infrações à legislação tributária das quais não resulte exigência do crédito tributário; III - relativos à exigência de direitos antidumping, compensatórios e de salvaguardas comerciais; e IV - contra apreciações das autoridades competentes em processos relativos à restituição, compensação, ressarcimento, reembolso, imunidade, suspensão, isenção e redução de alíquotas de tributos, Pedido de Revisão de Ordem de Incentivos Fiscais (PERC), indeferimento de opção pelo Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte (Simples) e pelo Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Simples Nacional), e exclusão do Simples e do Simples Nacional. §1º O julgamento de impugnação de penalidade aplicada isoladamente em razão de descumprimento de obrigação principal ou acessória será realizado pela DRJ competente para o julgamento de litígios que envolvam o correspondente tributo. §2º O julgamento de manifestação de inconformidade contra o indeferimento de pedido de restituição, ressarcimento ou reembolso, ou a não homologação de compensação, será realizado pela DRJ competente
37
para o julgamento de litígios que envolvam o tributo ao qual o crédito se refere.
A decisão é formalizada por acórdão, assinada pelo Relator e pelo
Presidente, sendo cientificado o sujeito passivo, facultando a interposição de recurso
ao Conselho Administrativo de Recursos no prazo de 30 (trinta) dias, no caso de
improcedência, total ou parcial, da impugnação interposta pelo sujeito passivo.
3.4.2 Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF)
O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), órgão colegiado
paritário, vinculado à estrutura do Ministério da Fazenda, composto por
representantes da Fazenda Nacional (Auditores Fiscais da Receita Federal) e dos
contribuintes (Advogados indicados por lista tríplice, elaborada pelas confederações
representativas de categorias econômicas de nível nacional), tem a responsabilidade
de julgar, em segunda e última instância, os litígios de natureza fiscal (processos de
exigência de crédito tributário, de compensação de prejuízos fiscais, de restituição,
de compensação, entre outros) envolvendo a Fazenda e os contribuintes, conforme
se constata dos excertos do Decreto nº 70.235, de 1972, abaixo colacionados
(BRASIL, 1972).
Art. 25. O julgamento do processo de exigência de tributos ou contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal compete: II – em segunda instância, ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, órgão colegiado, paritário, integrante da estrutura do Ministério da Fazenda, com atribuição de julgar recursos de ofício e voluntários de decisão de primeira instância, bem como recursos de natureza especial. § 1º O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais será constituído por seções e pela Câmara Superior de Recursos Fiscais. § 2º As seções serão especializadas por matéria e constituídas por câmaras. § 3º A Câmara Superior de Recursos Fiscais será constituída por turmas, compostas pelos Presidentes e Vice-Presidentes das câmaras. Art. 37. O julgamento no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais far-se-á conforme dispuser o regimento interno. [...] § 2º Caberá recurso especial à Câmara Superior de Recursos Fiscais, no prazo de 15 (quinze) dias da ciência do acórdão ao interessado: [...] II – de decisão que der à lei tributária interpretação divergente da que lhe tenha dado outra Câmara, turma de Câmara, turma especial ou a própria Câmara Superior de Recursos Fiscais.
38
O Regimento Interno do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais
(RICARF), instituído pela Portaria MF nº 256, de 22 de junho de 2009 (BRASIL,
2009), define as competências do Colegiado, a saber:
Art. 1° Compete aos órgãos julgadores do CARF o julgamento de recursos de ofício e voluntários de decisão de primeira instância, bem como os recursos de natureza especial, que versem sobre tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil. [...] Art. 9° Cabe à Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF), por suas turmas, julgar o recurso especial previsto no inciso II do art. 64, contra decisões de Câmara, de turma ordinária ou de turma especial, observada a seguinte especialização: I - à Primeira Turma, os recursos referentes às matérias previstas no art. 2°; II - à Segunda Turma, os recursos referentes às matérias previstas no art. 3°; III - à Terceira Turma, os recursos referentes às matérias previstas no art. 4°. Art. 10. Ao Pleno da CSRF compete a uniformização de decisões divergentes, em tese, das turmas da CSRF, por meio de resolução. § 1° Ao Pleno da CSRF cabe, ainda, por proposta do Presidente, dirimir controvérsias sobre interpretação e alcance de normas processuais aplicáveis no âmbito do CARF. § 2° As resoluções de que trata este artigo vincularão as turmas julgadoras do CARF.
O CARF está estruturado em 03 (três) Seções, especializadas por matéria,
formadas por Câmaras que são compostas por Turmas Ordinárias e Especiais e
pela Câmara Superior de Recursos Fiscais, esta composta por três turmas e pelo
Pleno, cuja finalidade é uniformizar a interpretação da legislação tributária federal
(BRASIL, 2009).
À Primeira Seção cabe processar e julgar recursos de ofício e voluntário de
decisão de primeira instância que versem sobre aplicação da legislação de IRPJ;
CSLL; IRRF (quando se tratar de antecipação do IRPJ); SIMPLES; Penalidades pelo
descumprimento de obrigação acessória pelas pessoas jurídicas, relativamente aos
tributos acima referidos, empréstimos compulsórios e matéria correlata não incluídos
na competência julgadora das demais Seções.
À Segunda Seção cabe processar e julgar recursos de ofício e voluntário de
decisão de primeira instância que versem sobre aplicação da legislação de IRPF;
IRRF; ITR; Contribuições Previdenciárias e Penalidades pelo descumprimento de
obrigações acessórias pelas pessoas físicas e jurídicas, relativamente aos tributos
aqui mencionados.
À Terceira Seção cabe processar e julgar recursos de ofício e voluntário de
decisão de primeira instância que versem sobre aplicação da legislação de
39
PIS/PASEP; COFINS; IPI; Crédito Presumido de IPI para ressarcimento da
Contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS; CPMF; IOF; CIDE; II; IE;
Contribuições, taxas e infrações cambiais e administrativas relacionadas com a
importação e a exportação; Classificação tarifária de mercadorias; Isenção, redução
e suspensão de tributos incidentes na importação e na exportação; Vistoria
aduaneira, dano ou avaria, falta ou extravio de mercadoria; Omissão, incorreção,
falta de manifesto ou documento equivalente, bem como falta de volume
manifestado; Infração relativa à fatura comercial e a outros documentos exigidos na
importação e na exportação; Trânsito aduaneiro e demais regimes aduaneiros
especiais, e dos regimes aplicados em áreas especiais, salvo a hipótese prevista no
inciso XVII do art. 105 do Decreto-Lei n° 37, de 18 de novembro de 1966; Remessa
postal internacional, salvo as hipóteses previstas nos incisos XV e XVI, do art. 105,
do Decreto-Lei n° 37, de 1966; Valor aduaneiro; Bagagem; e Penalidades pelo
descumprimento de obrigações acessórias pelas pessoas físicas e jurídicas,
relativamente aos tributos mencionados neste parágrafo.
Com relação à Câmara Superior de Recursos Fiscais, competem à Primeira
Turma os recursos referentes às matérias relativas à Primeira Seção; à Segunda
Turma, os recursos referentes às matérias relativas à Segunda Seção e, à Terceira
Turma, os recursos referentes às matérias relativas à Terceira Seção. Importante
registrar que as decisões finais proferidas pelo Conselho Administrativo de Recursos
Fiscais, isto é, aquelas que não mais admitem recurso algum, quando julgadas
favoravelmente ao contribuinte, convertem-se em decisões definitivas, conforme
dispõem os artigos 42 e 45 do Decreto nº 70.235, de 1972 (BRASIL, 1972).
Entretanto, quando julgadas em desfavor do sujeito passivo, pode-se buscar a tutela
do Poder Judiciário no sentido de reverter a situação contrária aos interesses do
contribuinte.
Assim como ocorrido na doutrina, a jurisprudência do CARF acerca da
validade do planejamento tributário sofreu alterações ao longo do tempo.
No Acórdão nº 1401-001.059 – 4ª Câmara / 1ª Turma Ordinária (BRASIL,
2014b), o Conselheiro Relator Alexandre Antônio Alkmin Teixeira, destaca a
evolução do entendimento do CARF acerca da qualificação do planejamento
tributário, tendo como ponto de partida o entendimento do antigo Conselho de
Contribuintes que considerava a licitude dos negócios jurídicos como suficiente para
validá-lo, chegando-se aos dias atuais em que além da licitude dos negócios deve
40
ser verificada a realidade dos fatos, conforme se pode observar do excerto a seguir
colacionado.
Observando a jurisprudência administrativa reinante no extinto Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda, identificamos que a verificação da licitude negocial era feita na análise do negócio jurídico realizado pelo contribuinte (planejado), de forma a identificar se o mesmo se coadunava com o direito, sendo certo que “aquilo que não era proibido, era permitido” segundo o princípio da liberdade negocial que rege o mundo privado. Neste prisma, a análise do negócio planejado era suficiente, por si só, para dizer se se estava diante de uma elisão fiscal, cujos efeitos de redução tributária deveriam ser respeitados pela Fazenda Pública, ou se se estava diante de um negócio jurídico ilícito, cujos efeitos tributários deveriam ser afastados pelo Fisco. No entanto, com a evolução da jurisprudência administrativa, principalmente a partir de 2006, cresceu o entendimento de que não basta o negócio jurídico realizado ser tido por lícito. É necessário verificar-se a realidade do negócio praticado, pois é dessa realidade (evento) que se extrai o fato jurídico tributário. (BRASIL, 2014).
Por sua vez, o Conselheiro Relator Ricardo Marozzi Gregório, voto vencido no
julgamento de que trata o Acórdão nº 1102000.982 – 1ª Câmara / 2ª Turma
Ordinária (BRASIL, 2014), explica que a jurisprudência do CARF mudou seu
entendimento quanto à análise de validade do planejamento tributário, passando de
uma visão focada unicamente na autonomia privada para uma posição em que a
análise objetiva da causa do negócio jurídico reserva papel preponderante quanto à
validade do planejamento tributário. Veja-se o excerto extraído do referido voto.
É cediço que esta Casa, até praticamente a virada do século passado, manteve uma posição bastante firme no sentido de que se as operações engendradas pelos contribuintes fossem conformadas com os trâmites formais previstos no direito privado a autoridade fiscal não poderia desconsiderá-las para efeitos tributários. Somente em caso de simulação, o Fisco estaria autorizado a refutar os atos e negócios praticados com a finalidade de evitar ou reduzir a incidência tributária. [...] O que importa é perceber que a jurisprudência administrativa desta Casa mudou sua orientação no que diz respeito ao enfrentamento dos casos em que ocorrem os chamados planejamentos tributários. De uma postura permissiva unicamente focada na autonomia privada (liberdade, salvo simulação por vício de vontade), partiu para uma posição mais sintonizada com o plano internacional, na qual aquela autonomia é temperada pela análise objetiva do propósito preponderante dos negócios jurídicos engendrados (liberdade, salvo simulação por vício de vontade ou por vício de causa). Essa mudança teve efeito mesmo sem a edição da lei ordinária reclamada pela norma geral positivada pela Lei Complementar nº 104/01. Tudo foi feito com base na adesão ao conceito amplo de simulação e na possível reinterpretação jurisprudencial do conceito aberto prescrito no Código Civil. Com a mudança do status de “defeito do negócio jurídico”, no Código de 1916, o qual ensejava mera anulação e maiores questionamentos sobre a ação do Fisco, para o status de “hipótese de invalidade do negócio jurídico”, no Código de 2002, o qual enseja a nulidade e sua indubitável inoponibilidade ao Fisco, maior razão emergiu para a consolidação dessa construção jurisprudencial. Nada obstante a eficácia do reconfigurado conceito de simulação para o tratamento das situações concretas
41
concernentes aos planejamentos tributários, a doutrina recorre a outros conceitos que poderiam também ser utilizados para o enfrentamento do tema. Neste sentido, fala-se na fraude à lei (frau legis) e no abuso de direito. A fraude à lei, a meu ver, pode também ser um eficaz instrumento para confrontar o assunto. Sobretudo, quando se percebe que ela desfruta do mesmo status de “hipótese de invalidade do negócio jurídico” no novo Código Civil (artigo 166, VI). Por outro lado, o abuso de direito parte de pressupostos que me parecem insuperáveis diante da concepção filosófica que adoto para a teorização dos conflitos normativos. Entretanto, este não é o espaço adequado para tais digressões. A exposição supra já é suficiente para os propósitos do presente voto. (BRASIL, 2014).
Finalizada esta Seção, far-se-á, a seguir, a análise dos julgados do Conselho
Administrativo de Recursos Fiscais, do período compreendido entre 01 de janeiro de
2011 e 31 de dezembro de 2014, relativos a planejamentos tributários em que a
ênfase é a reorganização societária. Busca-se identificar um padrão que permita
concluir qual o limite entre o permitido e o proibido, na perspectiva do CARF, nas
referidas operações, tendo como resultado uma economia fiscal.
3.5 PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO E QUALIFICAÇAO JURÍDICA DOS FATOS: FASES DO DEBATE QUANTO À OPONIBILIDADE AO FISCO
O ordenamento jurídico brasileiro consagra uma liberdade para o contribuinte
de montar seu negócio de maneira a pagar o menor tributo possível, considerando-
se as perspectivas da legalidade, efetividade e legitimidade (GRECO, 2011, p. 124).
Continuando, o autor assim se manifesta:
Não há dúvida de que existe essa liberdade individual. A questão não é esta. O ponto é saber se a simples existência da liberdade é suficiente para justificar qualquer substituição ou montagem jurídica ou se o ordenamento impõe limites ao seu exercício. (GRECO, 2011, p. 124).
Por outro lado, têm-se outros valores constitucionais (princípios) que devem
ser considerados na qualificação jurídica de um planejamento tributário, dentre eles
se encontra o princípio da legalidade, isto é, dentro da matéria consagrada
constitucionalmente como passível de tributação, reservou-se ao legislador a
competência para estabelecer àquela que dará azo à incidência tributária
(SCHOUERI, 2010, p. 14-15).
Nessa perspectiva, na visão de Marco Aurélio Greco (2011, p. 130-135; 194-
203; 319-329), é possível identificar três fases no debate do tema planejamento
tributário, apresentando-se três diferentes visões das questões jurídicas a serem
42
enfrentadas no que tange aos limites à liberdade do contribuinte de organizar seus
negócios.
A primeira fase pode-se nominar de “fase da liberdade salvo simulação”, cujo
tema central era tão somente a simulação na compreensão dada pelo Direito Civil.
A segunda fase equivale a “liberdade salvo patologias dos negócios jurídicos”,
em que são examinados outros temas, como a fraude à lei, o abuso de direito e o
abuso de forma.
A terceira é a fase da “liberdade com capacidade contributiva”. Prosseguindo
em sua análise, assim se posiciona Greco (2011, p. 133):
[...] é importante sublinhar que todas as fases principiam pelo elemento “liberdade”. Esta não pode ser aniquilada nem substituída pelos valores sociais os quais – apesar de relevantes – devem ser compostos com ela e não sobrepostas a ela.
Na primeira fase, tanto doutrina quanto jurisprudência, em sua maioria,
compreendem o relacionamento entre Fisco e contribuinte tendo como base uma
liberdade absoluta do indivíduo, na qual pode agir a seu livre arbítrio para dispor de
seus negócios, salvo se os atos forem ilícitos, realizados depois do fato gerador ou
com vício simulatório. Tem como sustentação teórica o entendimento de que no
relacionamento entre contribuinte e Estado aquele preexistiria a este e o tributo era
visto como uma agressão ao patrimônio do particular, portanto o cidadão precisava
se defender da invasão do Estado. O autor afirma que o modo de pensar desta
primeira fase decorre de uma visão particular de relacionamento entre cidadão e
Estado. Para ele, “o tema central é o significado da tributação para o contribuinte e
como ele deve se comportar perante ela” (GRECO, 2011, p. 134).
O axioma dessa primeira fase pode ser sintetizado na expressão “tudo o que
não é proibido é permitido”, isto é, a norma tributária só alcança o contribuinte se a
conduta por ele praticada estiver expressamente definida no texto legal. Assim
Marco Aurélio Greco (2011, p. 138) cunhou sua impressão sobre o debate desta
primeira fase:
[...] se o Fisco só pode cobrar mediante tipicidade fechada e legalidade estrita, então tudo aquilo que não estiver a elas submetido será uma área não alcançada pela lei tributária, portanto de lacuna. Assim, quando o contribuinte se conduzir dentro de uma área de lacuna poderá agir tranquilo, pois o Fisco nada poderá objetar.
Destarte, os principais argumentos utilizados na primeira fase do debate
acerca da qualificação jurídica do planejamento tributário podem ser resumidos na
43
defesa da (i) liberdade absoluta; (ii) legalidade estrita; (iii) tipicidade fechada; (iv)
proibição da analogia e (v) lacuna, vista como vazio legislativo.
Em outros termos, trata-se do modelo clássico de estado liberal. Na segunda
fase do debate a abranger a qualificação jurídica do planejamento tributário, além da
figura da simulação, outras patologias do negócio jurídico ganham destaque, como o
abuso de direito e a fraude à lei. A presença de uma destas patologias traz como
consequência, assim como na primeira fase do debate, a desconsideração do
negócio jurídico, tornando-o inoponível ao Fisco. A base teórica desta fase do
debate se encontra nos fundamentos do Estado Democrático de Direito, em que na
interpretação e aplicação do Direito a conjugação e compatibilidade entre valores
próprios do Estado de Direito (liberdade negativa, legalidade formal e proteção à
propriedade) como àqueles inerentes ao Estado Social (igualdade, liberdade positiva
e solidariedade) devem se fazer presentes, mantendo-se as garantias e direitos
fundamentais da pessoa humana. Isto é, a inclusão de outras limitações ao
planejamento tributário, caracterizadas pelas patologias acima citadas, é a
manifestação da percepção de um novo modelo de relação entre o Estado e o
indivíduo, cuja origem é a CRFB/1988, que introduziu novos valores. Assim, se na
primeira fase do debate preponderavam os valores próprios do individualismo
(direito absoluto de se auto-organizar), na segunda fase outros valores passaram a
ser considerados, como o da igualdade (artigo 5º caput), solidariedade (artigo 3º, I) e
justiça social (artigo 3º, I). Assim, a eficácia do planejamento tributário passa a ser
analisado “não apenas sob a ótica das formas jurídicas admissíveis, mas também
sob o ângulo da sua utilização concreta, do seu funcionamento e dos resultados que
geram à luz dos valores básicos igualdade, solidariedade social e justiça” (GRECO,
2011, p. 202).
Na terceira fase do debate, além dos elementos tratados na primeira e
segunda fase, acrescenta-se o princípio da capacidade contributiva, o qual, por ser
um princípio constitucional tributário, concorre com o da liberdade individual que até
então reinava absoluto na questão do planejamento tributário. Segundo as palavras
de Greco (2011, p. 319):
Ou seja, mesmo que os atos praticados pelo contribuinte sejam lícitos, não padeçam de nenhuma patologia; mesmo que estejam absolutamente corretos em todos os seus aspectos (licitude, validade), nem assim o contribuinte pode agir da maneira que bem entender, pois sua ação deverá ser vista também da perspectiva da capacidade contributiva.
44
Ressalta o autor que, ao contrário daquela visão da primeira fase em que o
tributo era percebido como uma agressão ao patrimônio do cidadão, passa agora a
ser visto como instrumento a viabilizar o custeio do Estado. Isto é, o planejamento
tributário ultrapassa o “formalismo fiscal”, aquele em que se dá maior importância à
licitude das formas do negócio jurídico em cada etapa do planejamento, alcançando-
se o “realismo fiscal”, onde a substância, conteúdo e finalidade do negócio jurídico
como um todo devem ser analisados.
Portanto, a partir dessa fase, o quesito liberdade deve ser compatibilizado
com o da solidariedade social. Assim, o debate sobre o planejamento tributário deve,
simultaneamente, considerar e conjugar tanto a liberdade quanto a solidariedade.
CONCLUSÃO
Buscou-se, no decorrer deste estudo, trazer elementos que permitissem ao
leitor demarcar a fronteira entre o permitido e o proibido, na compreensão do
Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, em matéria de planejamento tributário,
instrumentalizado através de reorganizações societárias, de tal forma que fosse
possível estabelecer critérios mínimos de oponibilidade ao Fisco. Assim, uma
operação estruturada como a que ora está sendo examinada indica a existência de
um objetivo único, predeterminado à realização de todo o conjunto, indicando,
também, uma causa jurídica única. Em situações como a descrita, cumpre examinar
se há motivos autônomos, pois, se inexistente, o fato a ser enquadrado é o conjunto
deles e não cada uma das etapas.
Com relação à “causa do negócio”, não basta saber que esta tem importância
capital na qualificação de um planejamento tributário como oponível ao Fisco. Faz-
se necessário investigar quais as circunstâncias que levam um Conselheiro a
considerar que determinado negócio é “provido de causa”. No entanto, não se trata
de questão fácil, pois, conforme já mencionado, a análise dos julgados mostra a falta
de uniformidade na aplicação dos institutos de direito que fundamentam a
45
desconsideração do negócio jurídico, permitindo-se a aplicação da legislação
tributária ao caso concreto. Por outro lado, observava-se, também, que casos
semelhantes tinham o mesmo desfecho, muito embora a fundamentação fosse
diferente.
Assim, dos recursos impetrados pelos contribuintes e julgados improcedentes
pelo CARF, constata-se que em 90% dos casos as operações eram realizadas entre
empresas vinculadas, submetidas a uma única vontade, pois realizadas dentro do
mesmo grupo empresarial, cujos eventos societários (em 86% dos recursos) eram
realizados em sequência, em curto espaço de tempo. Outro fator relevante adotado
para considerar inoponível ao Fisco um negócio jurídico (em 68% dos recursos) é a
existência ou não de um motivo autônomo, isto é, se a realização de cada etapa da
reorganização societária tem uma razão autônoma ou se ela só faz sentido existindo
a etapa anterior. Ou ainda, deve ser verificado se o conjunto de operações tem
como objetivo um único fim específico, cujo resultado já se sabia de antemão.
Portanto, o conjunto dessas etapas (criação da empresa; integralização de
capital mediante entrega de imóveis avaliados pelo valor contábil, sem nenhum fluxo
financeiro; alteração do objeto social da empresa; utilização de empresa veículo sem
nenhuma outra atividade operacional e finalmente a vendas de todos os bens
imóveis e distribuição integral do lucro líquido para os seus sócios) corresponde
apenas a uma pluralidade de meios para atingir um único fim: a redução da
incidência tributária sobre o ganho de capital apurado na venda dos bens imóveis
dos sócios da empresa (dentre os quais figurava o Supermercado, ora recorrente).
Por outro lado, dos recursos julgados favoravelmente aos contribuintes,
constata-se que, em geral, são oponíveis ao Fisco os planejamentos tributários em
que os negócios jurídicos são realizados entre partes independentes, os providos de
“causa negocial” e aqueles em que houve o efetivo dispêndio de recursos.
À República Federativa do Brasil, aclamada como Estado Democrático de
Direito, cabe garantir aos indivíduos os direitos relativos à liberdade, à justiça e ao
desenvolvimento econômico e social.
Notoriamente, a carga tributária brasileira é altamente árdua e neste sentido
deve estar sempre à vista dos gestores das empresas e demais interessados, sendo
de suma importância a correta aplicação da legislação tributária, tanto as obrigações
principal e acessória, objetivando, inicialmente, a não criação de litígios fiscais.
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Atingido o primeiro objetivo, todos os interessados devem buscar no
ordenamento jurídico que rege as práticas tributárias, formas lícitas que possam
visar à economia de tributos, o que vai proporcionar aumento da margem de lucro ou
diminuição dos preços de venda para os consumidores.
A busca da sinergia entre os objetivos apresentados acima será forte na
apresentação de uma melhor gestão tributária, visando sempre a diminuição dos
custos dos produtos de forma geral, acarretando aumento de capital de giro,
investimentos etc.
Compreendeu-se que o contribuinte tem a liberdade para conduzir suas
atividades econômicas do modo que melhor lhe aprouver, fundado nos valores da
livre iniciativa e no princípio da propriedade privada expressos na Constituição
Federal de 1988, podendo, assim, estruturar seus negócios com a formatação que
lhe proporcione uma economia de tributos. Também, que esses valores não são
absolutos, mas colocados em uma ordem que contempla tanto os aspectos
econômicos quanto os sociais, tendo como fim a construção de uma sociedade
justa, livre, solidária, sem pobreza e com um mínimo de desigualdade social.
Constatou-se que o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, para
considerar um determinado planejamento tributário como oponível ao Fisco, busca
identificar no mundo dos fatos aquele que realmente ocorreu, atribuindo-lhe a
qualificação jurídico-tributária. Portanto, além da licitude do negócio jurídico, quando
analisado em suas etapas, o que realmente importa é se a operação efetivamente
se concretizou e se ela se coaduna com a atividade empresarial do contribuinte.
Assim, não obstante o prestígio que possui a corrente positivista formalista,
não se pode deixar de lembrar que a sociedade evoluiu e com ela a compreensão
de Direito, o que conduz à fixação de novos parâmetros para o estudo relativo à
tributação. Nessa toada, mesmo inexistindo alteração legislativa capaz de sustentar
uma mudança de entendimento, a jurisprudência do Conselho Administrativo de
Recursos Fiscais passou a não aceitar determinadas estruturas negociais
engendradas pelos contribuintes com a finalidade de reduzir ou eliminar a incidência
tributária.
Destarte, resumidamente, pode-se dizer que os critérios adotados pelo CARF
para considerar oponível ao Fisco um planejamento tributário, implica verificar, entre
outras coisas, se a finalidade da reorganização societária foi exclusiva e
predominantemente tributária, isto é, analisar a existência de um propósito negocial,
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compreendido como a vontade objetiva final do negócio jurídico. Assim, verificada a
divergência entre a realização prática aferida objetivamente (causa objetiva) e a
causa típica do negócio jurídico (conteúdo formal), tem-se um planejamento
tributário inválido, sendo os efeitos dos negócios jurídicos realizados inoponíveis ao
Fisco.
Por fim, pode-se dizer que o critério mais importante adotado pelo CARF para
considerar oponível ao Fisco um planejamento tributário, implica verificar se existe
uma “causa negocial”, compreendida como a vontade objetiva final do negócio
jurídico.
Portanto, um planejamento tributário montado a partir de uma reestruturação
societária, para ser oponível ao Fisco, deve ser dotado de real objetivo societário, o
que pressupõe a existência do afecttio societatis, que, simplificadamente, significa o
desejo dos sócios de constituir uma sociedade que tenha um mínimo de duração
capaz de realizar seus objetivos sociais.
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