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Lévi Strauss versus Braudel: O estruturalismo antropológico e a longa duração Carlos Prado Em 1949, Lévi-Strauss publicou um artigo na Revue de Métaphysique et Morale, intitulado “História e etnologia”, em 1958, ele retomou esse texto, inserindo-o como o capítulo de abertura do livro Antropologia estrutural. 1 No intervalo entre as duas publicações, mais precisamente em 1955, Claude Lévi-Strauss, publicou Tristes Trópicos, obra que alcançou grande destaque internacional. Essa publicação e sua repercussão positiva deram um grande impulso às ciências sociais, especialmente a antropologia e essa nova escola que surgia buscando o domínio das ciências humanas: o estruturalismo. Lévi-Strauss se consolidou nesse período como o expoente máximo dessa nova corrente de pensamento que reformulou e influenciou diferentes pensadores das ciências humanas. 1 Interessante notar que a primeira publicação não causou nenhuma discussão. Somente com essa segunda publicação a proposta Lévi- straussiana passou a ser discutida no interior das ciências sociais. De acordo com Rodrigues: “em 1949, o antropólogo ainda era relativamente desconhecido, ao passo que, no final dos anos 50, era o reconhecido autor de Tristes Trópicos – publicada em 1955 -, além de já ser lembrado para uma possível vaga no prestigado Collége de France, onde, de fato, começou a lecionar em 1960”. RODRIGUES, Henrique Estrada. Lévi- Strauss, Braudel e o tempo dos historiadores . In: Revista Brasileira de História. Vol. 29, nº 57, São Paulo, 2009, p. 171.

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Lvi Strauss versus Braudel:

O estruturalismo antropolgico e a longa durao

Carlos Prado

Em 1949, Lvi-Strauss publicou um artigo na Revue de Mtaphysique et Morale, intitulado Histria e etnologia, em 1958, ele retomou esse texto, inserindo-o como o captulo de abertura do livro Antropologia estrutural.[footnoteRef:2] No intervalo entre as duas publicaes, mais precisamente em 1955, Claude Lvi-Strauss, publicou Tristes Trpicos, obra que alcanou grande destaque internacional. Essa publicao e sua repercusso positiva deram um grande impulso s cincias sociais, especialmente a antropologia e essa nova escola que surgia buscando o domnio das cincias humanas: o estruturalismo. Lvi-Strauss se consolidou nesse perodo como o expoente mximo dessa nova corrente de pensamento que reformulou e influenciou diferentes pensadores das cincias humanas. [2: Interessante notar que a primeira publicao no causou nenhuma discusso. Somente com essa segunda publicao a proposta Lvi-straussiana passou a ser discutida no interior das cincias sociais. De acordo com Rodrigues: em 1949, o antroplogo ainda era relativamente desconhecido, ao passo que, no final dos anos 50, era o reconhecido autor de Tristes Trpicos publicada em 1955 -, alm de j ser lembrado para uma possvel vaga no prestigado Collge de France, onde, de fato, comeou a lecionar em 1960. RODRIGUES, Henrique Estrada. Lvi-Strauss, Braudel e o tempo dos historiadores. In: Revista Brasileira de Histria. Vol. 29, n 57, So Paulo, 2009, p. 171.]

Com o estruturalismo de Lvi-Strauss, as disciplinas sociais se viram diante de uma proposta audaciosa. Essa nova teoria causou furor no mundo acadmico, arrebatando diversos adeptos, como tambm adversrios. De qualquer maneira, foi difcilpermanecer indiferente diante da proposta estruturalista, que reconduziu velhas questes histria e a sociologia. Essas cincias, especialmente a histria foram levadas a se questionarem sobre o conhecimento que produziam.

Diante da teoria de Lvi-Strauss, os historiadores foram impulsionados a discusses e debates sobre a prpria produo e validade da produo historiogrfica. A principal questo que retorna ao centro das discusses de valor epistemolgico. Afinal, a histria deve se preocupar com o evento ou com o geral?O conhecimento histrico se origina da investigao que parte do singular e particular ou das generalizaes e repeties? A histria deve investigar os eventos em busca de uma estrutural social ou esse conceito no compatvel com o conhecimento histrico?

Muitas dessas questes no so novas. So problemticas que vem sendo discutidas pelos historiadores desde os debates entre a escola Metdica de Seignobos e a Sociologia de Simiand. Todavia, no final de 1950, desenvolveu-se um novo captulo desse debate que proporcionou novas reflexes e um novo avanar na construo do conhecimento histrico. De acordo com Reis[footnoteRef:3] (2008, p. 9): Estas questes reapareceram porque Lvi-Strauss ps em dvida a cientificidade da histria e at mesmo a sua possibilidade como saber. Ao buscar colocar a antropologia no centro das cincias que investigam os homens em sociedade, Lvi-Strauss desqualifica a sociologia e a histria, especialmente a segunda, pois era a cincia que ocupava uma posio mais destacada nas instituies acadmicas. [3: REIS, Jos Carlos. Histria e Estruturalismo: Braudel versus Lvi-Strauss. In: RevistaHistria da historiografia. n 1, agosto, Rio de Janeiro. 2008, p. 9.]

A resposta dos historiadores ao estruturalismo de Lvi-Strauss no tardou e veio pelas mos de Braudel, que escreveu um artigo polmico que se tornou uma leitura obrigatria para historiadores daquela gerao e das posteriores. O texto em questo recebeu o ttulo de Histria e Cincias Sociais. A longa durao, e foi publicado em 1958, na revista Annales E.S.C.[footnoteRef:4] [4: Posteriormente o artigo de Braudel foi publicado em diversas outras revistas importantes, sendo traduzido para diversas lnguas. No Brasil, ele foi publicado na Revista de Histria, nmero 62, em 1965, com traduo de Ana Maria de Almeida Camargo.]

Um dos focos centrais de Braudel discutir a relao entre a histria e as cincias sociais. Seguindo a tradio dos Annales, ele afirma estar aberto ao dilogo e ao intercambio com os pesquisadores de outras reas. Ele se coloca contra as barreiras que dividem as cincias humanas e separam seus conhecimentos. Tendo em vista superar essas divises lana o conceito de longa durao com o objetivo se constituir uma base metodolgica comum entre as cincias que estudam os homens em sociedade. Trata-se de uma categoria que busca incorporar a noo de estrutura histria juntamente com a noo de pluralidade temporal e ainda se transforma no ponto fundamental para uma unidade entre as diversas cincias sociais, mantendo a histria como disciplina predominante.

O objetivo do presente artigo discutir a repercusso do estruturalismo de Lvi-Strauss na construo do pensamento histrico, para tanto, analisaremos fundamentalmente a proposta da longa durao de Braudel. Num primeiro momento, vamos apresentar o estruturalismo antropolgico lvi-straussiano, ressaltando suas caractersticas mais marcantes e suas consideraes diante do pensamento histrico. Num segundo momento, discutiremos a resposta dos historiadores, ou seja, o conceito braudeliano de longa durao. Todo esse debate permeado no apenas por questes epistemolgicas e tericas, pois, trata-se tambm de uma disputa pela hegemonia e predomnio das disciplinas entre as cincias sociais.

A antropologia estrutural de Lvi-Strauss

A proposta apresentada por Lvi-Strauss em Antropologia estruturalevidencia que sua ambio no era pequena. Ele apresenta uma forte crtica antropologia funcionalista, principalmente Malinowski. Sua concepo da disciplina antropolgica no faz um mero questionamento escola funcionalista, trata-se de uma oposio determinada que vai alm de um mero questionamento terico, o que leva a elaborao de um novo mtodo e a fundao de uma nova corrente, uma nova escola.

O estruturalismo lvi-straussiano partilha do mtodo lingustico apreendido de Romam Jakobson, professor russo que se tornou um dos principais linguistas do sculo passado e reconhecido pelo pioneirismo na anlise estrutural da linguagem. Ambos foram colegas na dcada de 1940 na New Scholl for Social Research, em Nova Iorque.Lvi-Strauss relaciona os sistemas fonolgicos com o sistema de parentesco, pois ambos seriam resultados de elaboraes inconscientes do pensamento.

O que nos interessa mais precisamente a postura do estruturalismo lvi-straussiano diante da produo e validade do conhecimento histrico.Parece que o pesquisador francs, em um primeiro momento, reconhece a pertinncia e a necessidade dos estudos histricos, ao considerar que histria e etnologia devem trabalhar juntas, de forma indissocivel.[footnoteRef:5] Todavia, coexiste a percepo de que a hegemonia que a histria possui entre as cincias sociais era prejudicial para a antropologia. Na perspectiva lvi-Straussiana, esse privilgio da histria sob as demais disciplinas era injustificvel e se traduzia num preconceito contra os homens primitivos, considerados sem histria.Assim, na avaliao do antroplogo, a histria tem seu valor reconhecido, mas ao mesmo tempo, preciso ter certa cautela diante do seu olhar diacrnico, que tem sido supervalorizado. [5: Lvi-Strauss, num primeiro momento de paz, contesta estas distines e oposies, pois acredita que histria e etnologia podem e devem trabalhar juntas: o conhecimento da estrutura no significa renncia a conhecer a sua evoluo, a anlise estrutural e a pesquisa histrica fazem bom casamento, preciso ultrapassar o dualismo entre evento e estrutura (...) e, citando Febvre e Bloch, afirma que toda boa obra histrica etnolgica. Neste momento de brandura, Lvi-Strauss prope a pesquisa interdisciplinar entre histria e etnologia ao defender a possibilidade de uma histria estrutural REIS, Jos Carlos. Histria e Estruturalismo: Braudel versus Lvi-Strauss. Op, cit., p. 10.]

Em sua crtica ao conhecimento histrico, Lvi-Strauss aponta que a produo dos historiadores superficial, pois, para ele, o que a histria faz reconstruir os fatos de forma abstrata e genrica. O historiador escolhe, seleciona e recorta os fatos de forma parcial, o que impossibilita a construo de uma viso totalizadora ou real do fato histrico que narrado. Assim, na viso lvi-straussiana a descrio construda pelo historiador nunca verdadeira, no consegue dar conta do que realmente aconteceu. O conhecimento diacrnico parcial, se mostra insuficiente e aparente, permanecendo na descrio do evento e nunca penetrando na estrutura das sociedades.

A essa crtica, se acrescenta o questionamento da noo evolucionista que, para Lvi-Strauss, uma caracterstica marcante, sempre presente nas narrativas histricas. Para o estruturalista os fatos no podem ser concebidos sempre de forma contnua e progressiva, seguindo uma linearidade. Pois dessa forma, os historiadores acabam por abortar as descontinuidades, no dando conta das rupturas que so evidentes em diversos momentos.

Lvi-Strauss afirma que a histria e a etnologia tm o mesmo objeto de pesquisa; a vida humana em sociedade, e o mesmo objetivo; compreender o homem. O que diferencia ento as duas disciplinas so seus olhares sobre as relaes humanas. Para ele, a histria se caracteriza por apresentar um conhecimento diacrnico e eventual, enquanto que a etnologia apresenta o conhecimento sincrnico e estrutural.

Enquanto uma disciplina valoriza a temporalidade e a continuidade, a outra valoriza a cultura, suas crenas, hbitos e costumes; enfim, as condies inconscientes da vida social. Enquanto a histria organiza seus dados em relao s expresses conscientes, a etnologia indaga sobre as relaes inconscientes da vida social.[footnoteRef:6] Este seria o ponto central da discrdia.So nessas atividades inconscientesque o antroplogo encontra a chave para uma melhor compreenso das soc