do que as crianças gostam?

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DO QUE AS CRIANÇAS gostam? Pais e escola fazem um esforço conjunto para transformar os hábitos alimentares dos estudantes, incentivandoos a comer de forma mais saudável e nutritiva BÁRBARA PUSTAI T odos os dias, a mesma cena se repetia: Marina não queria comer, e não havia malabarismo que funcionasse. Levaram na em endocrinologistas e nutricionistas, e chegaram a recorrer à maltodextrina, um polímero da glicose que ajuda no desenvolvimento do corpo. Além disso, ela teve sérios ıøæØŒœ ¸ øピØ-®æ┸ æ ł- ocasionou o baixo peso. Mas isso é passado. Hoje com sete anos, Marina Scherer superou os problemas da primeira infância, que são compensados com uma alimentação balanceada e saudável. “Sempre a estimulamos a comer um prato bem colorido, mas ela não gosta muito de verduras. Em função disso, inventamos algumas estratégias, como fazer trouxinhas de alface com comida dentro”, conta José Ricardo, pai da Marina. “Eu gosto muito de chocolate, mas também 104 revista exp PRATO VERDE Mesmo fã de chocolate e sobremesas, Marina não deixa de fazer refeições saudáveis

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Reportagem sobre alimentação infantil para a disciplina de Produção em Revista.

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Page 1: Do que as crianças gostam?

DO QUE AS CRIANÇAS

gostam?Pais e escola fazem um esforço conjunto para transformar os hábitos alimentares dos estudantes, incentivando-­os a comer de forma mais saudável e nutritiva

BÁRBARA PUSTAI

T odos  os  dias,  a  mesma  cena  se  repetia:  Marina  não  queria  comer,  e  não  havia  malabarismo  

que  funcionasse.  Levaram-­‐na  em  endocrinologistas  e  nutricionistas,  e  chegaram  a  recorrer  à  maltodextrina,  um  polímero  da  glicose  que  ajuda  no  desenvolvimento  do  corpo.  Além  disso,  ela  teve  sérios  

ocasionou  o  baixo  peso.  Mas  isso  é  passado.  Hoje  com  sete  anos,  Marina  Scherer  superou  os  problemas  da  primeira  infância,  que  são  compensados  com  uma  alimentação  balanceada  e  saudável.  “Sempre  a  estimulamos  a  comer  um  prato  bem  colorido,  mas  ela  não  gosta  muito  de  verduras.  Em  função  disso,  inventamos  algumas  estratégias,  como  fazer  trouxinhas  de  alface  com  comida  dentro”,  conta  José  Ricardo,  pai  da  Marina.  “Eu  gosto  muito  de  chocolate,  mas  também  

104 revista exp

PRATO VERDE Mesmo fã de chocolate e sobremesas, Marina não deixa de fazer refeições saudáveis

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PIZZA Amanda Weck costuma optar pelos lanches da cantina

FRUTA Bruno Franzen adora os lanches oferecidos na escola

“Muitos pais seguem o raciocínio de que, pelo menos na escola, as crianças vão comer de forma saudável

CRISTIANE SCHARDONG, coordenadora pedagógica

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panorama  geral,  a  situaçãoda  alimentação  infantil  no  Brasil  está  passando  por  um  momento  delicado.  “Tem  estudos  mostrando  que  o  consumo  de  arroz,  feijão,  legumes  e  frutas  está  decaindo,  enquanto  a  ingestão  de  carboidratos  simples  e  embutidos  está  aumentando.  Eu  já  atendi  crianças  que,  no  primeiro  ano  de  vida,  ingeriam  

instantâneo  e  até    leite  de  vaca”,  lastima.  Segundo  a  nutróloga,  o  cuidado  na  hora  de  comer  é  fundamental  para  o  crescimento  linear,  para  o  desenvolvimento  intelectual  e  para  prevenção  de  doenças  na  fase  adulta.  

brincadeira  de  criança.

gosto  de  frutas  e  de  comidas  saudáveis.  Só  não  como  cogumelo  e  não  tomo  refrigerante,  não  gosto  das  bolhinhas”,  explica  a  menina.  Outra  maneira  que  a  família  encontrou  de  incluir  refeições  saudáveis  no  cardápio  foi  almoçar  aos  sábados  em  um  restaurante  ecológico,  que  trabalha  com  produtos  locais  e  sem  agrotóxicos.A  questão  da  alimentação  

naturalista  está  chamando  cada  vez  mais  a  atenção  e,  consequentemente,  as  escolas  que  oferecem  refeições  saudáveis  e  têm  uma  visão  voltada  para  a  ecologia  tornaram-­‐se  referência  no  mercado  –  e  entraram  na  lista  de  desejos  de  alguns  pais.  A  Escola  de  Educação  Infantil  e  Ensino  Fundamental  Amigos  do  Verde  é  um  modelo  a  ser  seguido  no  quesito  alimentação  consciente.  Nas  refeições  de  rotina,  os  alunos  encontram  uma  variada  gama  de  produtos  naturais,  que  se  baseiam  em  alimentos  integrais,  cereais,  frutas,  verduras,  legumes,  carne  de  frango  e  peixe.  Além  disso,  realizam  quinzenalmente  aulas  de  culinária,  quando  participam  da  preparação  de  lanches.  Crianças  agarradas  em  um  pedaço  de  mamão  não  é  cena  inusitada  na  escola,  como  comprova  Bruno  Franzen,  que  se  delicia  com  a  fruta.Os  amigos  inseparáveis  

Giovanni  Schardong  e  Gabriel  Kenji,  ambos  com  oito  anos,  costumam  gostar  das  comidas  oferecidas.  Desde  um  ano  de  idade  na  Amigos  do  Verde,  já  estão  acostumados  com  os  pratos  diferentes.  Os  alunos  que  frequentam  a  escola  há  menos  tempo,  entretanto,  podem  passar  por  algumas  

Ninguém  é  obrigado  a  comer,  mas  todos  são  incentivados  a  experimentar.  “Às  vezes  nós  fazemos  experiências,  como  lasanha  de  tofu  com  legumes,  algo  que  é  até  visualmente  diferente.  Aí  sim  muitos  dizem  que  não  gostam  e  que  nem  vão  provar”,  lamenta  a  coordenadora  pedagógica  Cristiane  Schardong.  Ela  destaca  como  é  importante  que  as  opções  saudáveis  sejam  oferecidas  também  em  casa  e,  principalmente,  que  os  outros  integrantes  da  família  as  incorporem  à  rotina.  Se  a  criança  aprende  a  importância  de  ingerir  alimentos  saudáveis  e  nutritivos,  é  essencial  que  eles  façam  parte  das  refeições  do  dia-­‐a-­‐dia.  Mas  a  

realidade  é  outra.  “Os  pais  já  não  costumam  ter  uma  alimentação  muito  balanceada,  então  os  seus  

nos  procuram  justamente  porque  temos  esse  viés  naturalista,  e  seguem  o  raciocínio  de  que,  pelo  menos  aqui,  as  crianças  vão  comer  bem”,  revela  Cristiane.Para  a  especialista  em  

psicologia  do  comportamento  alimentar  Mônica  Broilo,  a  tarefa  de  educar  quando  se  trata  de  alimentação  é  fundamentalmente  da  família,  mas  pode  ser  realizada  em  conjunto  com  o  colégio.  “Como  as  crianças  iniciam  cada  vez  mais  cedo  a  vida  escolar,  este  ambiente  

dos  hábitos  alimentares”,  

de  ensino  não  têm  programas  que  incentivam  o  consumo  de  alimentos  saudáveis,  porém,  é  

ainda  mais  atentos.  No  caso  dos  estudantes  dos  ensinos  Básico  e  Fundamental  do  Colégio  Leonardo  da  Vinci  Beta,  é  a  família  quem  decide  o  que  entra  na  lancheira.  Na  sala  de  aula  do  segundo  ano,  apenas  duas  crianças  exibiam  frutas  em  cima  das  classes.  João  Pedro  Teixeira,  sete  anos,  comia  uma  maçã  verde  e  não  parecia  estar  satisfeito.  “Se  pudesse  escolher,  traria  bolacha  recheada  todos  os  dias”,  admite.  O  lanche  preferido  é  quase  unanimidade:  pizza  de  chocolate,  comprada  na  cantina  -­‐  e  da  qual  Amanda  Weck  é  fã  incondicional.  Mas  esse  tipo  de  merenda  não  é  consumido  todos  os  dias.  Kátia  Lopes,  a  atendente  do  bar,  conta  que  sexta-­‐feira  é  o  “dia  da  porcaria”,  quando  as  crianças  são  liberadas  para  comprar  o  que  quiserem  na  hora  do  recreio.  Tem  pais,  entretanto,  que  decidem  até  mesmo  o  que  os  

um  controle  à  distância.  “Aqui  no  Alfabeta  Bistrô,  nós  temos  uma  lista  com  os  nomes  de  todos  os  alunos  pequenos  e  a  relação  de  alimentos  permitidos.  Algumas  crianças  não  podem  pegar  nem  bala,  enquanto  outras  têm  escolha  livre”,  revela.  Mesmo  com  tantas  opções  de  guloseimas  nas  gôndolas  dos  supermercados  e  na  vitrine  do  bar,  alguns  alunos  criam  uma  consciência  alimentar  diferenciada.  “Um  dia,  um  menino  esqueceu  o  lanche  em  casa,  então  veio  no  bar.  Ele  nem  precisou  pensar  muito,  logo  decidiu  que  levaria  uma  água  de  coco  e  uma  maçã.  Fiquei  

espantada!”,  admite  Kátia.A  chefe  do  serviço  de  

nutrologia  do  Hospital  de  Clínicas  e  médica  gastropediatra  Elza