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DO PROJETO AO GURI – UMA ANÁLISE DE AÇÕES

SOCIOEDUCATIVAS DESENVOLVIDAS PELO PROJETO GURI – UM PROGRAMA DE EDUCAÇÃO MUSICAL E PRÁTICA

COLETIVA DE MÚSICA STAVRACAS, Isa - UNINOVE - SP [email protected]

Eixo Temático: Políticas Públicas, Avaliação e Gestão da Educação Agência Financiadora: Bolsa UNINOVE Resumo A educação não formal é uma área de conhecimento de aprendizagens e saberes que tem sido, cada vez mais, utilizada como estratégia no enfrentamento das questões sociais, tendo como eixo a formação para a cidadania, a inclusão sociocultural e a emancipação dos indivíduos. Neste cenário, são encontradas diferentes parcerias que atuam no apoio financeiro e institucional às associações e entidades, além de políticas públicas que buscam travar alianças na gestão de projetos. Sendo assim, o objetivo desta pesquisa constitui-se na análise de ações socioeducativas desenvolvidas no interior do Projeto Guri – um projeto de educação musical e prática coletiva de música, criado pela Secretaria de Estado da Cultura e administrado pela AAPG – Associação Amigos do Projeto Guri e pelo Guri Santa Marcelina. A pesquisa nesta área se justifica pela necessidade de obter uma análise problematizadora de ações socioeducativas a fim de se avaliar se promovem a inclusão sociocultural como o proposto em seus documentos , e de se fomentar outros estudos nas áreas que se confluem: educação não formal, educação musical e políticas públicas, fornecendo subsídios para novas pesquisas. Esta pesquisa faz um estudo qualitativo da atuação do Projeto Guri e está embasada na análise crítico-social, tendo como referencial teórico as concepções de Gohn, Honneth, Touraine, Boaventura, Castells, Paugan, Freire, Libâneo, sobre educação não formal, educação formal, inclusão social, emancipação, redes sociais, cidadania, políticas públicas, educação musical, além de outros autores. A pesquisa encontra-se em andamento, sendo disponibilizado para consulta o quadro teórico, as referências bibliográficas e a contextualização do Projeto. Palavras-chave: políticas públicas, educação não formal, educação formal e educação musical.

Introdução

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A temática da aprendizagem musical na educação formal e não formal e a

importância que lhe é atribuída pela sociedade atual chama minha atenção há alguns

anos, praticamente desde que entrei em contato com pesquisas dessa área ao realizar um

Trabalho de Conclusão de Curso sobre o tema, e, posteriormente, minha dissertação de

Mestrado. Já naquela época, algumas questões começaram a se delinear envolvendo não

só a utilização da música em práticas docentes e sua presença no currículo, como

também, o aumento do número de projetos e programas sociais voltados para o

aprendizado musical. Quanto mais aprofundava meus estudos, mais observava que,

diante das mudanças que se operavam na sociedade, cresciam as políticas públicas em

diferentes áreas, principalmente educação e cultura, assim como, os programas e

projetos sociais ampliavam seu foco de atuação. A educação musical era recorrente em

muitos deles, sendo apontada por profissionais de diferentes áreas como promotora de

transformação social e, necessária, para o desenvolvimento de crianças e jovens.

Durante o processo de elaboração de minha dissertação de mestrado, cujo

objetivo era analisar qual papel desempenha a música na educação infantil, ampliei

minhas leituras e pesquisas sobre o tema, fazendo crescer o interesse pela educação não

formal, uma área de conhecimento de aprendizagens e saberes, destinada a formação

dos indivíduos para a cidadania e emancipação social. Ao constatar que a educação

musical estava presente em programas e projetos sociais da educação não formal, além

de ser parte de uma política pública de grande extensão do Governo do Estado de São

Paulo, comecei a me interessar pelo assunto, buscando trazer elementos para compor

meu projeto de pesquisa de doutorado.

Observei que, a possibilidade de transformar a realidade de uma população mais

carente e excluída através de ações socioeducativas, é uma concepção presente em

diversos setores da sociedade brasileira que buscam o enfrentamento desses desafios

através da implementação de programas sociais. Por meio dessa premissa, muitas

intervenções têm sido realizadas, principalmente no âmbito das políticas públicas e dos

projetos sociais, visando os processos de aprendizagem coletivos e a inclusão

sociocultural na perspectiva de criar novas oportunidades de acesso para os grupos

menos favorecidos. É o caso do Projeto Guri, criado a partir de uma política pública da

Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo e objeto de estudo desta pesquisa.

Desenvolvimento

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Ao longo das últimas décadas, com as transformações ocorridas no Brasil,

decorrentes do processo de globalização e do avanço das novas tecnologias, a educação

passou a ser vista como um instrumento de democratização, capaz de promover

conhecimento e informação necessários para incluir o indivíduo no mundo do trabalho.

Entretanto, a realidade aponta para uma sociedade em crise, marcada pela política

neoliberal que, ao mesmo tempo em que busca combater as injustiças sociais e acabar

com as desigualdades, se depara com graves problemas em todas as áreas, inclusive a

educação. Ao não conseguir atender as exigências que se criam, busca apoio em outros

segmentos da sociedade na tentativa de combater, ou pelo menos diminuir, as

dificuldades resultantes do seu próprio sistema capitalista, gerando novas formas de

intervenção social. A educação formal já não consegue absorver as carências de um

mercado marcado pela competitividade e pelo individualismo havendo, cada vez mais, a

necessidade de os governos, por meio das políticas públicas, buscarem travar parcerias

no atendimento a essas novas demandas que se criam. É neste cenário que a educação

não formal passa a se destacar, pois se configura como um campo de aprendizagens e

saberes que vem como um elemento compensatório e complementar para as pessoas

menos favorecidas. A educação não formal por estar presente em diversos campos da

sociedade civil, tem servido como ferramenta para levar a educação e a cultura para a

população de baixa renda, tendo como meta tornar os indivíduos capazes de construir

conhecimentos que os capacitem não só para o mundo do trabalho, mas para exercerem

sua cidadania, buscando a igualdade de direitos e a justiça social. A educação não

formal visa a aprendizagem de habilidades por meio da prática social, realizada na

interação entre os indivíduos em um processo de trabalhos coletivos.

Um dos supostos básicos da educação não-formal é o de que a aprendizagem

se dá por meio da prática social. É a experiência das pessoas em trabalhos

coletivos que gera um aprendizado. (GOHN, 2005, p. 103)

Ao mesmo tempo em que são criados programas sociais buscando suprir as

carências na área da educação, o formal abre suas portas para o não formal,

possibilitando que seus espaços sejam compartilhados com atividades de lazer e

associativismo à comunidade.

Os programas desenvolvidos, tanto pelas políticas públicas, quanto pelas

organizações da sociedade civil, como as Organizações Não Governamentais (ONGs),

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as Associações, as Organizações Sociais, o Terceiro Setor etc., tem como função

colaborar no atendimento às populações de baixa renda em diversos campos da vida

social, em especial a educação e a cultura. A educação e a cultura, até então, oferecidas

de forma precária, passam a representar o caminho para as mudanças, sendo, portanto,

campos explorados pelos programas sociais, pois representam um meio de resolver

problemas que antes se restringiam aos patamares políticos e econômicos. Ao mesmo

tempo, a cultura é vista por muitos autores como um espaço de resistência e luta social,

pois se apresenta como uma área de conflitos e busca pela identidade coletiva.

Com a globalização da economia, a cultura se transformou no mais

importante espaço de resistência e luta social. Segundo alguns autores, o

conflito social central da sociedade moderna ocorre na área da cultura.

(GOHN, 2005, p.8-.9).

Dentre esses programas, como já foi dito, as práticas musicais têm sido

utilizadas por muitas sociedades com o objetivo de oportunizar a integração social e

atendimento as necessidades formativas de seus alunos, além de ser oferecida de forma

gratuita e coletiva por muitos deles, como o Projeto Guri, que oferece a aprendizagem

musical para crianças e jovens de 6 a 18 anos.

Em 1995, ano em que foi criado, o Projeto Guri tinha por finalidade tender

crianças e jovens em situação de risco. Atualmente, o Projeto Guri atende um público

diversificado, sendo administrado por duas organizações sociais: a AAPG – Associação

Amigos do Projeto Guri que, em 1997, passa a iniciar suas atividades, sendo

responsável pela captação de recursos e pelos pólos do litoral e do interior, e o Guri

Santa Marcelina, responsável desde 2008 pelos pólos localizados na capital paulista.

O Projeto Guri apresenta mais de 360 pólos distribuídos em, aproximadamente, 300

municípios do Estado de São Paulo, sendo vários deles pólos situados na Fundação

Casa.

Pela dimensão do Projeto, pelas suas propostas e pelas inúmeras parcerias com

prefeituras, entidades sociais, patrocinadores, apoiadores e demais segmentos, o Projeto

merece um olhar diferenciado e uma análise de suas atividades. Por isso, aspectos que

compõem as suas ações socioeducativas estão sendo analisados, sendo escolhidos dois

contextos nos quais os pólos estão inseridos, com características bem diversificadas,

para avaliar o impacto dessas ações nos atores envolvidos e suas famílias. Estão sendo

investigadas também, as ações complementares incorporadas ao Projeto e o trabalho de

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profissionais que atuam em diferentes áreas, como pedagogia, comunicação social,

psicologia e serviço social, buscando dar assistência, administrar os conflitos e

acontecimentos que emergem no dia a dia dos pólos.

Por caracterizar-se como um espaço de formação, visando à aprendizagem de

saberes voltados para a vida em grupo, o exercício da cidadania, o desenvolvimento de

habilidades, a inclusão sociocultural, o preparo para a vida profissional, o Projeto Guri

caracteriza-se como uma prática de educação não formal, esta que ocorre fora das

instituições formais de ensino.

A educação não formal representa um campo da educação que está se

consolidando e demanda mais pesquisas empíricas e maior aprofundamento teórico. A

educação não formal:

É um processo sociopolítico, cultural e pedagógico de formação para a cidadania, entendendo o político como a formação do indivíduo para interagir com o outro em sociedade. Ela designa um conjunto de práticas socioculturais de aprendizagem e produção de saberes, que envolve organizações/instituições, atividades, meios e formas variadas, assim como uma multiplicidade de programas e projetos sociais. (GOHN, 2010, p.33).

Por este motivo, ao longo do trabalho, são apresentadas as características e

diferenças que abarcam cada tipo de educação – formal, não formal e informal, além de

serem apresentadas e analisadas as categorias de trabalho que demarcam os espaços da

educação não formal. Dentre essas categorias estão a formação para a cidadania, a

inclusão e a emancipação social, que se apresentam não só como objetivos da educação

não formal, mas também, como missão do Projeto Guri.

Para esta análise, está sendo feito um estudo qualitativo da atuação histórica do

Projeto Guri, procurando analisar as transformações proporcionadas nos sujeitos sociais

e a intervenção que se dá no campo socioeducativo. Como já citado, serão investigados

dois pólos onde ocorre o ensino musical, a fim de delimitar o universo da pesquisa,

Inicialmente, a ideia é desenvolver a pesquisa em um pólo que esteja presente dentro de

uma instituição pública de ensino e o outro em um espaço diferenciado do primeiro,

como uma associação de bairro ou uma igreja. Também será levada em consideração

para escolha dos pólos, a localização, para que possam ser comparadas as demandas. Os

pólos escolhidos, ainda serão definidos de acordo coma suas características, permitindo

que as informações levantadas contribuam para delinear o impacto do projeto nos

grupos atendidos. A ideia de analisar um pólo localizado dentro de uma instituição

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pública de ensino nasce da necessidade de se verificar como ocorre a articulação entre

os processos de aprendizagem não formal com o formal, uma vez que atuam de forma

complementar e a comparação entre elas é quase inevitável.

Sobre a educação musical presente na educação formal, estudiosos do tema

afirmam que os conteúdos curriculares relativos à educação musical e contidos nos

documentos oficiais, como os Parâmetros Curriculares Nacionais, só conseguirão

transpor os limites da escola e atingir a sociedade como um todo se os docentes

proporcionarem aos educandos conhecimentos musicais que promovam a participação,

a socialização, a criticidade, a cultura, a liberdade do processo criativo e de expressão,

além de outros conhecimentos que permeiam o processo de musicalização e contribuem

para a formação do aluno, auxiliando-o na compreensão dos valores que orientam seus

modos de agir e a pensar dentro de um contexto coletivo. Conhecimentos esses que já

estão inseridos em muitos espaços de educação não formal e atendem a uma parcela

significativa de crianças e jovens.

Na educação formal, o retorno da música à grade curricular foi garantido a

partir da Lei nº 11769, sancionada em 18 de agosto de 2008 pelo presidente da

República, na qual determina que deverá ser conteúdo obrigatório em toda a educação

básica, devendo as escolas incluí-la em seus currículos até 2011. Esta lei altera a Lei

9.394, de 20 de dezembro de 1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educação, para dispor

sobre a obrigatoriedade do ensino da música. Entretanto, apesar de sua obrigatoriedade

foi vetado, do projeto original, o artigo que determinava a qualificação específica do

professor.

A música tem provocado uma revolução na história da humanidade por sua

capacidade de representar diferentes culturas e de possibilitar um olhar mais crítico e

reflexivo acerca das questões sociais.

A música está aberta á interpretação de cada pessoa. Ela pode ser apreciada por ouvintes de diferentes povos, culturas, e, inclusive, de diversas épocas. Por isso, muitas vezes ela têm sido qualificada como linguagem universal. (COLL e TEBEROSKY, 1999, p. 103).

As práticas musicais estão presentes no cotidiano de qualquer grupo social,

tendo um lugar significativo na construção de suas identidades culturais, artísticas e

estéticas. Vários autores (GOMES, BIANGIONE, VISCONTI, 1998, p.15;

PFUTZENREUTER, 1999, p.5) afirmam que trabalhar com a música melhora a

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sensibilidade, o raciocínio lógico, a concentração, a disciplina, a expressão corporal e

desenvolve o sentido de valorização e respeito ao próximo. Correntes teóricas ressaltam

o valor socializador, cognitivo e emocional da música e enfatizam sua importância na

formação de crianças e jovens. Por esses e outros motivos, pode-se afirmar que a música

merece especial atenção e uma investigação das suas aplicações e resultados na

educação não formal, para que seja repensada à luz de novos paradigmas.

Objeto e Problema

Na atualidade, os problemas que emergem em todos os setores da sociedade

apontam a necessidade de mudanças políticas, econômicas e sociais que contribuam

para a melhoria da qualidade de vida da população. Nessa perspectiva, são impostos

novos desafios à educação, que se apresenta como um espaço de conhecimentos de

aprendizagens e saberes destinado à formação global do cidadão.

Como já visto, a educação não se restringe mais aos espaços formais de ensino e

os novos espaços nos quais se apresenta, buscam suprir as carências e exigências que o

processo de globalização impõe à sociedade, uma vez que, as instituições formais não

conseguem suprir a demanda. Dessa forma, cada vez mais, o terceiro setor e as políticas

públicas passam a atuar na elaboração de programas e projetos sociais voltados para a

formação de indivíduos, tendo como meta prepará-los para o mundo do trabalho e para

o exercício da cidadania. Entretanto, na ausência de um trabalho mais elaborado, estes

programas e projetos sociais acabam sendo utilizados apenas como instrumentos de

transformação de práticas, atitudes e comportamentos, reduzindo seu caráter educativo a

práticas utilitaristas.

“... os Projetos Sociais precisam ser qualificados pelos seus objetivos, práticas e processos de aprendizagens construídos. Vê-los apenas como instrumentos, como ferramentas para desenvolver práticas que formem ou mudem atitudes e comportamentos, é reduzir o processo educativo que eles contêm a processos utilitaristas, tecnocráticos, pragmatistas e empiricistas.” (GOHN, 2010, p. 79).

No interior desses questionamentos delineou-se o objeto desse estudo de

doutoramento: as ações socioeducativas do Projeto Guri – que tem como principal

ação a educação musical e a prática coletiva de música, além de outras ações

complementares incorporadas ao Projeto e formada por profissionais que atuam em

diferentes áreas, como: pedagogia, comunicação social, psicologia e serviço social. O

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problema é verificar se e como esse Projeto, desenvolvido fora dos espaços formais de

ensino, consegue contribuir de forma positiva para mudanças na vida dos guris e suas

famílias.

Justificativa

O tema da presente pesquisa originou-se de duas vertentes que compilaram minha vida

profissional e acadêmica. A primeira versa sobre as experiências e práticas como

docente nas escolas de Educação Infantil e do Ensino Fundamental que, ao longo dos

anos, instigaram-me na busca por um trabalho mais consistente envolvendo a educação

musical. A falta de formação inicial e continuada para atuar com esta área do

conhecimento corroborou para a realização de estudos sobre o tema culminando em um

Trabalho de Conclusão de Curso, desenvolvido no Programa PEC – Municípios, e em

uma pesquisa realizada no curso de Mestrado em Educação. A segunda versa sobre um

olhar direcionado para o campo da educação não formal que, cada vez mais, amplia seu

universo de atendimento a diferentes segmentos da sociedade. O conhecimento mais

detalhado sobre o tema deu-se no contato com minha orientadora de Mestrado e

Doutorado e nas pesquisas e discussões realizadas no grupo de pesquisa em educação

não formal do qual faço parte. Foi no aprofundamento acerca das questões que

envolvem este campo da educação e suas ações sociais que caminhei rumo à construção

de um projeto de pesquisa para o doutorado. Pareceu-me pertinente que a pesquisa

adentrasse um campo da educação pouco explorado, ao mesmo tempo em que estivesse

em consonância com as novas demandas educativas e sociais. Dessa forma, ao ser aceita

no curso de Doutorado em Educação, começaram a se consolidar as ideias presentes no

projeto de pesquisa, visando à análise de um Projeto de educação musical criado a partir

de uma política pública.

Uma das principais justificativas para a realização desta pesquisa está na

necessidade de se avaliar os resultados do Projeto junto aos atores que dele participam,

verificando se as ações socioeducativas desenvolvidas promovem a inclusão

sociocultural conforme anunciam em suas metas. Muitas avaliações são realizadas não

com o intuito de investigar o impacto dos projetos junto ao atores envolvidos, ou como

forma de dimensionar seu alcance social, mas apenas como uma maneira de buscar

financiamentos ou apresentar resultados que promovam a imagem das empresas

parceiras. Outro motivo que justifica a realização desta pesquisa e a de se fomentar

outros estudos nas áreas que se encontram entrelaçadas no mesmo Projeto: a educação

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não formal, a educação musical e as políticas públicas, fornecendo subsídios para

futuros leitores e pesquisadores que pretendam realizar pesquisas nesses campos. Há

uma carência de estudos que tenham um aprofundamento crítico-analítico, pois muitos

trabalhos realizados acabam reproduzindo o senso comum, sem que ofereçam uma

analisem real da dimensão dos projetos na construção individual e coletiva dos grupos.

A sociedade contemporânea demanda novos espaços. Ou seja, reclama espaços

cujos programas educativos promovam o acesso aos direitos de cidadania e aos valores

culturais, possibilitando ao indivíduo desenvolver suas potencialidades. Em suma,

procurar compreender as dimensões que atingem a educação não formal a partir de

ações socioeducativas de um Projeto e avaliar seu impacto na vida dos atores

envolvidos tem sido uma necessidade cada vez mais premente, uma vez que as políticas

de inclusão fazem parte da vida de muitos brasileiros.

Objetivos e hipótese

Esta pesquisa tem como objetivo fazer uma análise de ações socioeducativas

desenvolvidas pelo Projeto Guri e o que estas ações representam para os atores

envolvidos. O nome da tese “Do Projeto ao Guri” traz justamente a opção de uma

análise da trajetória do Projeto desde a sua criação e elaboração das suas ações

socioeducativas até o atendimento ao guri. Para isso, além da revisão bibliográfica sobre

os temas que permeiam as principais ações socioeducativas do Projeto, um dos

componentes da pesquisa será a análise da pesquisa de campo a fim de se obter dados

que permitam dimensionar sua atuação na vida dos guris e suas famílias. Os

- conhecimentos teóricos adquiridos durante o curso em sua prática cotidiana.

- Identificar as principais dificuldades que enfrentam para a condução e

permanência no Programa.

- Levantar informações sobre a relação estabelecida entre guris e professores,

analisando se as ações formativas previstas pelos idealizadores do curso concretizam-se

ou não de acordo com o planejamento prévio.

- Elencar os maiores desafios enfrentados pelos profissionais que atendem

diretamente ao Guri.

- Levantar as mudanças mais significativas ocorridas no Projeto desde a sua

criação e os motivos que pautaram tais mudanças.

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- Averiguar se é possível articular um processo de educação musical formal com o

não formal obtendo-se resultados positivos a partir da presença de um pólo dentro de

uma escola pública.

Partindo da premissa de que a aprendizagem musical transforma positivamente a

realidade de uma população e a atuação dos projetos tem sido marcada pela concepção

de que as práticas musicais podem construir novas oportunidades de vida, formula-se a

hipótese de que as práticas musicais realizadas por meio de projetos sociais tornaram-se

importantes ferramentas para o acesso a bens culturais, à produção de oportunidades e

novas realidades sociais para jovens e crianças mais pobres ao mesmo tempo em que

passaram a ser encaradas como um meio de combater os embates produzidos pelo

mesmo processo neoliberal, configurado na lógica de ‘transformação social pela

música’ (ou ‘inclusão social pela música’). Dessa maneira, temos um panorama em que

o neoliberalismo tanto produziu adversidades pautadas na desordem social e na

violência quanto abriu espaço para os projetos sociais e as práticas musicais dentro

deles como parte desse mesmo espaço, por meio de suas políticas de terceirização das

funções do Estado.

Referencial teórico

Para que seja possível buscar respostas para questões relativas às ações

socioeducativas desenvolvidas pelo Projeto Guri, este estudo identifica as categorias de

trabalho consonantes com o objeto de pesquisa, bem como o referencial teórico

adequado para a investigação.

A partir da definição das categorias de trabalho “educação não formal”,

“educação musical”, “políticas públicas”, “inclusão social”, “cidadania”,

“emancipação”, “educação formal” e “redes sociais”, estão sendo utilizados vários

autores que abordam os referidos temas e dão suporte para uma análise crítico-social.

Para proceder a essa investigação as categorias analíticas deles decorrentes foram

selecionadas no início, mas há a possibilidade de agregar novas, em função do que

apresentar a análise dos dados.

O referencial teórico, portanto, está pautado, à luz da perspectiva de Gohn

(2005), em conceitos sobre educação, educação não formal, cidadania, inclusão e

emancipação social, além de outros autores como José Carlos Libâneo, Jaume Trilla,

Boaventura de Sousa Santos, Alex Honneth, Alain Touraine, Manuel Castells, Moacir

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Gadotti, Paulo R. Freire, Paugan, etc. Serão utilizadas como referência ainda, as

concepções de autores sobre educação musical como Violeta H. Gainza, Murray

Schafer, Teca Alencar de Brito, Lucy Green, e outros na área das políticas públicas.

Metodologia

A primeira decisão que cabe ao pesquisador, refere-se à definição da

metodologia a ser utilizada: quantitativa, qualitativa ou mista?

Segundo documento da National Science Foundation (2002) há uma crença de que

os dados obtidos por métodos quantitativos são mais objetivos e trazem informação

mais acurada, já que se utilizam de métodos estandartizados e podem ser analisados

a partir de técnicas estatísticas sofisticadas, sendo adequados em avaliações

somativas. Outra crença, segundo a mesma instituição, é de que os métodos

qualitativos são mais adequados em avaliações formativas. Essa distinção, contudo,

é extremamente simplista, já que as duas abordagens podem ou não satisfazer ao

rigor científico. Além disso, faz-se necessário observar que está crescendo o

reconhecimento de que todo conjunto de dados - quantitativo ou qualitativo - opera

em um contexto social e é afetado, em alguma extensão, pelas percepções e crenças

dos investigadores e coletores de dados. Nesse sentido, a definição sobre a

metodologia a ser utilizada estará pautada em outros elementos, além da suposta

objetividade dos fatos.

Partindo desses pressupostos, a avaliação de ações socioeducativas do

Projeto Guri está sendo realizada por meio de uma metodologia qualitativa, que

enfatiza o uso dos seguintes instrumentos de coleta de dados: observação estruturada

dos documentos relativos ao Projeto, entrevistas semi-estruturadas com os

idealizadores do programa e com os formadores e questionários fechados para os

professores, guris e famílias que participaram do Projeto.

A metodologia está pautada da seguinte forma:

.Universo de Análise

Dois pólos do Projeto Guri

•Amostra: Alunos, familiares e profissionais que atuam no Projeto Guri.

•Instrumentos de Coleta de Dados: Observação e Registro em Caderno de

Campo; Entrevistas; Recursos audiovisuais; entrevistas, pesquisas bibliográficas,

pesquisa documental, consultas a sites, etc.

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Para isso, serão percorridas as seguintes etapas: Análise do Contexto, Análise de

Documentos e Registros, Pesquisa de Campo e Sistematização e Análise.

Considerações Finais

Até o momento, os resultados obtidos estão pautados na análise do histórico do Projeto,

de documentos e registros e na pesquisa bibliográfica, assim como na consulta a sites. A

pesquisa de campo ainda não foi realizada, portanto, os resultados são parciais e

necessitam da coleta de dados para que se obtenham resultados conclusivos que

justifiquem a realização desta tese.

REFERÊNCIAS

COLL, César; TEBEROSKY, Ana. Aprendendo Arte - Conteúdos essenciais para o Ensino Fundamental. São Paulo: Ática, 1999. GOHN, Maria da Glória Marcondes. Educação não-formal e cultura política: impactos sobre o associativismo do terceiro setor. 3ª ed. São Paulo: Cortez, 2005. ___________________________Educação não formal e o educador social: atuação no desenvolvimento de projetos sociais. São Paulo: Cortez, 2010.

GOMES, N. R.; BIAGIONI, Maria Zei; VISCONTI, Márcia. A criança e a música. 2ªed. São Paulo: Fermata, 1998. NATIONAL SCIENSE FOUNDATION. An overview of quantitative and qualitative data collection methods. Disponível em: www. nsf.gov. Acesso em 15/09/2007.

PFUTZENREUTER, P. A. “Experiências Musicais”. Revista do Professor. Porto Alegre, CPOEC, vol.15, nº.59, jul./set. 1999. p.5-11.