do plano à política: garantindo o direito à saúde para todas as pessoas do sistema prisional
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Relatório do Projeto de Pesquisa
“Do Plano à Política: garantindo o direito à saúde para todas as pessoas do sistema prisional”
Etapa 1: 01.01.2012 a 31.03.2012
Coordenador: Prof. Dr. Martinho Braga Batista e Silva
Co-coordenadora: Profa. Dra. Maria Célia Delduque
Abril de 2012
1. Introdução
O projeto de pesquisa “Do Plano à Política: garantindo o direito à saúde
para todas as pessoas do sistema prisional” foi elaborado para ser
executado em 3 etapas: coleta e compilação de dados documentais;
instalação de um grupo de trabalho interministerial e realização de oficinas
regionais, com posterior compilação de dados registrados no grupo de
trabalho e nas oficinas; a realização de relatório final.
O então projeto de pesquisa tem como objetivo elaborar uma política
pública de saúde inédita, a Política Nacional de Saúde no Sistema Prisional.
Para tanto, deve levar em conta o conjunto de contribuições oriundas da
formulação, implantação e transformação do Plano Nacional de Saúde no
Sistema Penitenciário / PNSSP, este instituído através da Portaria
Interministerial 1.777 / 2003, do Ministério da Justiça e do Ministério da
Saúde. Por se tratar de uma política pública intersetorial, o projeto de
pesquisa deve contar não só com especialistas em saúde pública em sua
equipe, mas também estudiosos de assuntos relativos ao sistema prisional:
execução penal, inserção social, justiça e segurança pública.
Abaixo serão apresentados os resultados alcançados na primeira etapa
do projeto de pesquisa, separados em dois itens: coleta e compilação de
dados documentais sobre a revisão do PNSSP; contratação dos
coordenadores do projeto de pesquisa.
2. Etapa 1 – Coleta e compilação de dados documentais sobre a
revisão do PNSSP
O PNSSP foi implantado em 2003 com a seguinte missão: “prover a
atenção integral à saúde da população prisional confinada em unidades
masculinas e femininas, bem como nas psiquiátricas”. Os antecedentes do
PNSSP remetem ao ano de 1995, quando foi instalado um comitê técnico
na área da gestão federal em saúde voltada para a prevenção do HIV/aids,
comitê este visando formular medidas específicas para as ditas “populações
de risco” à época, entre elas a população prisional. O PNSSP surgiu em
continuidade com a assistência em saúde prevista na Lei de Execução
Penal / 1984, ou seja, com o intuito de garantir tratamento e prevenção em
saúde às pessoas presas, particularmente atendimento médico,
odontológico e farmacêutico.
Entre a LEP / 1994 e o PNSSP / 2003 algumas diferenças devem ser
destacadas:
- na primeira, anterior à Constituição Federal de 1988, o foco do
atendimento em saúde era no tratamento e nas especialidades (médico,
farmacêutico, dentista), no segundo, já tendo em vista a garantia do direito
à saúde e a diretriz no sentido do “atendimento integral” (“com prioridade às
ações preventivas, sem deixar de contemplar as assistenciais”), o foco era
na prevenção, promoção e recuperação da saúde, bem como na atenção
básica;
- na primeira fala-se de assistência em saúde, no segundo fala-se de
atenção integral, o que aponta para outra composição entre atenção básica
e especializada, na qual deve-se garantir atenção básica dentro dos
estabelecimentos penais e referenciar para a atenção especializada
(internações e exames, por exemplo) fora dos mesmos, nos próprios
hospitais, postos de saúde, ambulatórios e laboratório que compõe o
Sistema Único de Saúde / SUS.
Em 2003, quando o PNSSP foi instituído, ainda não existia um sistema
nacional de informações penitenciárias, já que o Sistema Integrado de
Informações Penitenciárias / INFOPEN só surgiria no ano seguinte, em
2004. Ou seja, quando foi formulado e implantado, o PNSSP dispunha
apenas de estimativas sobre sua população-alvo. Constavam informações
sobre o número de pessoas presas, mas não sobre o número de
estabelecimentos prisionais, por exemplo: “A população carcerária no Brasil
é de aproximadamente 210.150 pessoas, segundo dados oficiais do
DEPEN/Ministério da Justiça (Agosto/2003).”. Segundo os últimos dados
divulgados pelo INFOPEN, relativos a junho de 2011, a população
carcerária é de 513.802: ou seja, entre o lançamento do PNSSP e o então
momento o número de pessoas presas dobrou no país, em 9 anos. Ainda
segundo o INFOPEN, nesta mesma data havia 1.237 estabelecimentos
penais no Brasil e vagas para 304.702 pessoas. Estimativas mais recentes,
não divulgadas, apontam para uma população prisional de quase 570 mil
pessoas e aproximadamente 1.771 estabelecimentos penais.
O PNSSP não contempla a totalidade da população prisional, mas
apenas a dita “população penitenciária”, ou seja, pessoas privadas de
liberdade que já foram julgadas e condenadas e, destes, apenas os que se
encontram em regime fechado, deixando de fora os que estão em regime
aberto, os ditos “presos provisórios” e os que ficam nas cadeias, delegacias
e distritos policiais:
“O Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário contempla,
essencialmente, a população recolhida em penitenciárias, presídios,
colônias agrícolas e/ou agroindustriais e hospitais de custódia e
tratamento, não incluindo presos do regime aberto e presos provisórios,
recolhidos em cadeias públicas e distritos policiais.” (BRASIL, 2003: 13)
Segundo os dados do INFOPEN de julho de 2011, são presos
provisórios 169.072 dos 513 mil, de modo que a população contemplada pelo
PNSSP chega a mais de 1/3 da população carcerária, diferente da época em
que o PNSSP foi instituído, quando equivalia a ¼:
“Aproximadamente, 75% dos presos estão recolhidos em presídios e
penitenciárias, unidades destinadas a presos condenados à pena de
reclusão em regime fechado. As colônias agrícolas, industriais ou
similares recebem presos sentenciados ao cumprimento da pena em
regime semi-aberto e os hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico
(HCTP) abrigam presos em medida de segurança, ou seja, internos que,
em razão de grave transtorno mental, são incapazes de reconhecer o
caráter ilícito de suas ações. Existem ainda as casas de albergado,
destinadas a presos do regime aberto, e as cadeias públicas e distritos
policias, destinados a custódia de presos provisórios.” (idem)
Estimativas não oficiais, ligadas a levantamentos do Conselho
Nacional de Justiça / CNJ, chamam a atenção para o fato de que em 2012 o
Brasil deixou de ser o 4º país no mundo em número de pessoas privadas de
liberdade para ocupar o 3º lugar, sendo que 40% dos presos são
provisórios. Desta forma, ainda que o PNSSP alcançasse suas metas, ele só
abarcaria pouco mais da metade da população carcerária brasileira.
Logo no ano de 2003, quando o PNSSP foi instituído, 4 dos 27 estados
da federação aderiram e foram qualificados ao mesmo, sendo que em 2008
eram 18 e agora em 2012 são 23. No início da implantação apenas a região
sudeste e centro-oeste estava qualificada ao plano, ou seja, tinham em seu
território Equipes de Saúde no Sistema Peniteciário / EPEN, enquanto neste
momento também a região sul terminou o processo de qualificação. Esse é
um dos indicadores deste programa governamental, de modo que podemos
notar que nos quase 9 anos de implantação do plano houve adesão de
todos os estados da federação ao mesmo mas não finalização do processo
de qualificação ao mesmo, ou seja, 4 estados da federação ainda não
disponibilizaram atenção especializada fora dos presídios para a população
sob custódia, embora tenham interesse em implantar atenção básica dentro
deles.
Outro indicador do PNSSP é o número de EPEN no território nacional,
agora em número de 250 segundo o Cadastro Nacional de
Estabelecimentos de Saúde / CNES, localizadas em 230 dos 1.771
estabelecimentos prisionais segundo o INFOPEN, abarcando
aproximadamente 30% da população penitenciária e 10% da carcerária. O
número de EPEN cresce há anos, embora a cobertura populacional
mantenha-se constante desde 2008, entre outras razões por conta do
aumento vertiginoso da população carcerária no país, estando o Brasil
entre os países com maior população prisional no mundo.
O PNSSP, desta maneira, é um programa governamental que precisa
ser aperfeiçoado, sendo que entre os anos de 2009 e 2010 passou por um
processo de revisão no âmbito governamental.
A revisão do PNSSP mostrou que financiamento, recursos humanos e
processo de trabalho em equipe são grandes impasses:
- embora houvesse um repasse constante de recursos da união para os
estados e municípios, oriundo do Piso de Atenção Básica Variável, grande
parte do mesmo não foi gasto e nem sequer empenhado (2% dos 35 milhões
repassados até 2008);
- a maior demanda de gasto em saúde prisional por parte dos estados e
municípios é em recursos humanos (“pessoal”), embora o valor do PAB
Variável seja exclusivamente para ações e serviços de saúde dentro da
unidade prisional, como material de consumo para as equipes (“custeio”);
- as ações de atenção básica esbarram na lógica da segurança pública
predominante no sistema prisional, de modo que atividades de prevenção em
saúde bucal, por exemplo distribuição de escovas de dente, encontram
diversas barreiras para serem contínuas e regulares, pois as escovas podem
se tornar instrumentos de violação da integridade física entre os detentos.
Outros problemas encontrados dizem respeito à dificuldade de
compatibilização da lógica da segurança com a da saúde pública, bem como
de contratação de todos os componentes das EPENs (formadas 7
especialistas, médico, dentista, psicólogo, assistente social, enfermeiro, auxiliar
de enfermagem e auxiliar de consultório dentário) em alguns estados da
federação, sem falar na própria composição entre as gestões federal, estadual
e municipal na condução das ações e serviços de saúde prisional, já que a
custódia é estadual, embora no âmbito do SUS muitas dessas sejam de
responsabilidade municipal.
Nota-se que para o aumento do acesso da população prisional às ações
e serviços de saúde a exigência de uma EPEN com tantos especialistas pode,
tendo em vista as dificuldades de contratação de recursos humanos, significar
um empecilho e não um acréscimo, ou seja, colocar a contratação de 7
profissionais de saúde como ponto de partida do processo de qualificação dos
estados da federação ao PNSSP pode diminuir e não aumento o acesso à
saúde para todos aqueles que se encontram privados de liberdade.
Por outro lado, incluir apenas os especialistas previstos na Estratégia de
Saúde da Família – médico, enfermeiro e auxiliar de enfermagem – pode inibir
a intersetorialidade que marca a política de saúde prisional, já que elementos
ligados à execução penal dificilmente seriam levados em conta por equipes
sem assistentes sociais.
Esses e outros dados e questões subsidiarão as discussões nas
reuniões do grupo de trabalho interministerial saúde no sistema prisional.
3. Etapa 1 – Contratação dos coordenadores do projeto de pesquisa
O coordenador do projeto de pesquisa já foi contratado, um psicólogo
com mestrado em saúde coletiva e doutorado em antropologia social, tendo o
mesmo experiência clínica, docente, de gestão e pesquisa em saúde pública, a
de gestão justamente na saúde no sistema prisional. O coordenador é um dos
autores deste relatório.
Tendo em vista a necessidade de uma equipe multiprofissional e
interdisciplinar para conduzir o projeto de pesquisa, particularmente agregando
segmentos da saúde pública com outros da segurança pública, foram
contratados também outros dois pesquisadores: um médico com
especialização em saúde pública, familiarizado com o processo de formulação
e implantação de políticas públicas de saúde; uma advogada com doutorado
em saúde pública, familiarizada com os assuntos direito sanitário e vigilância
sanitária.
Foi solicitado também uma especialista em políticas públicas
intersetoriais e um especialistas em sistema prisional, ou seja, mais dois
pesquisadores com capacidade para colaborar na montagem do documento
final da política nacional de saúde no sistema prisional.
4. Considerações Finais
Vale dizer que alguns passos em direção à segunda etapa da pesquisa
também já foram realizados:
- além do coordenador da pesquisa, já foram contratados 2 dos 4
pesquisadores que formarão a equipe, uma advogada com doutorado em
saúde pública, especializada em direito sanitário, bem como um médico
com especialização em saúde pública, com experiência em formulação,
implantação e avaliação de políticas públicas de saúde;
- o grupo de trabalho interministerial de saúde no sistema prisional será
lançado em abril de 2012, sendo que as 4 reuniões de seu comitê técnico já
foram agendadas para maio, junho e agosto de 2012, seguindo-se às
mesmas um encontro nacional para apresentação e discussão da política
de saúde prisional em novembro do mesmo ano, substituindo os encontros
regionais anteriormente previstos;
- já foram reunidos os membros do comitê técnico, principalmente no que
tange à representação da gestão pública e da sociedade civil, estando
ainda em fase de elaboração a lista de representantes do segmento
acadêmico.
Deste modo, no próximo relatório de pesquisa já reuniremos dados
sobre este grupo de trabalho interministerial.
Brasília-DF, 9 de abril de 2012.