do penny black ao olho de boi · 2020. 9. 27. · em seu livro de memórias o velho comércio do...
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Do Penny Black ao Olho de Boi:
As finanças dos Correios brasileiros no contexto da reforma postal de 1842
Pérola Maria Goldfeder e Castro
Universidade de São Paulo – USP
Resumo:
A construção do Estado Nacional brasileiro no século XIX implicou a montagem de
uma máquina administrativa capaz de expandir a autoridade governamental por todo o
território nacional. Dada a importância dos serviços públicos para a consolidação de
mercados e Estados Nacionais, essa pesquisa busca contribuir para os estudos de
história Econômica ao analisar alguns aspectos institucionais e financeiros que
caracterizaram as reformas postais no Brasil entre 1829 e 1844. Na institucionalização
do sistema postal brasileiro estavam em competição, portanto, não apenas diferentes
experiências de administração pública, mas também diferentes concepções de
Monarquia e arranjo institucional.
Palavras-chave: Diretoria Geral dos Correios do Império; reforma tarifária postal;
século XIX.
Área Temática 1: História Econômica e Demografia Histórica
Em seu livro de memórias O Velho Comércio do Rio de Janeiro (1910),
ojornalista Ernesto Senna relata a história e o cotidiano dos principais estabelecimentos
comerciais dessa cidade na segunda metade do século XIX. Para os propósitos desse
artigo, é significativa a passagem em que o autor caracteriza Batista Luiz Garnier,
fundador da célebre livraria que levava seu sobrenome:
Metódico e econômico, Garnier, quando recebia do Correio a
correspondência, abria pacientemente as sobrecartas com uma faca
de marfim, empilhando cuidadosamente a parte em que estava
lançado o sobrescrito, para em tempo aproveitar as costas em
branco para notas dos catálogos que publicava anualmente [...]. Lia
as cartas, depois os jornais, examinando os maços antes de abrir, a
fim de encontrar algum selo sem o carimbo do Correio, e se o
encontrava, guardava-o numa caixa de charutos (SENNA, 2006, p.
49).
Os hábitos do livreiro francês descritos em tom prosaico por Senna são
reveladores de como a institucionalização dos Correios durante o período imperial
possibilitou a disseminação de objetos e materiais filatélicos tais como facas de marfim,
envelopes e selos.1 Eles também revelam estratégias utilizadas pelas pessoas daquela
época para reaproveitarem alguns desses materiais, burlando, com isso, a fiscalização.
Pode-se estimar, portanto, que, assim como Garnier, milhares de pessoas utilizavam
com regularidade desse serviço publico, sendo diretamente afetadas pelas reformas
administrativas e tarifárias nele implementadas.
Estudar os Correios como sistema de arrecadação fiscal e parte integrante do
aparelho de Estado brasileiro no Oitocentos é, com efeito, uma perspectiva de análise
promissora que, até o presente momento, não encontrou adeptos entre os historiadores
brasileiros. Isso talvez se deva ao fato de que os poucos estudos que tratam da formação
do sistema postal no Brasil o fazem segundo interesses oficiosos ou filatélicos, sendo
ainda escassas as pesquisas acadêmicas que se utilizam de fontes da administração
postal para responder questões próprias da historiografia.2 Nesse sentido, o presente
artigo busca contribuir para o avanço dos estudos sobre o tema, ao analisar as finanças
1Olhando para a Inglaterra Vitoriana, Catherine Golden relaciona as transformações ocorridas nas práticas
postais daquela época à emergência do capitalismo de consumo. Segundo a autora, “The rise of Victorian
letter writing in an age of production and consumption led to stamp collecting as a hobby (first dubbed
timbromania, now called philately) and stimulated industry, generating a variety of pens, inkwells, stamp
boxes, letter holders and clips, wafers and seals, envelopes, scales, writing manuals, and portable writing
desks, wich today we call postal products, commodities, ephemera, and artifacts” (GOLDEN, 2009, p. 5). 2Dentre as poucas iniciativas nesse sentido destaca-se a dissertação de mestrado de Mário Marcos
Sampaio Rodarte sobre a relação entre atividade postal e expansão da malha urbana em Minas Gerais no
século XIX (RODARTE, 1999).
da Diretoria Geral dos Correios por meio dos Relatórios Ministeriais da Secretaria de
Estado e Negócios do Império.
Antes, contudo, de se contemplar o estado financeiro desse órgão, faz-se
necessário observar como os Correios se constituíram ao longo do século XIX,
relacionando sua trajetória institucional aos diferentes modelos de gestão adotados em
países da Europa e Estados Unidos, bem com às diferentes conjunturas políticas vividas
pelo Império Brasileiro. Também buscar-se-á compreender as iniciativas de
uniformização tarifária empreendidas em diversos Estados nacionais, inclusive no
Brasil, durante a década de 1840. Espera-se, com isso, levantar algumas hipóteses
acerca do desempenho financeiro dos aparelhos de arrecadação dos Correios, colocando
em questão algumas preconcepções geralmente associadas a esse serviço público.
1. Projetos políticos e reformas institucionais
Os Correios contemporâneos significaram um rompimento com a estrutura
postal de Antigo Regime, essa composta, em geral, por empreendimentos particulares
diversos que tinham em comum o fato de integrarem o aparelho de censura das
monarquias absolutistas. Em contrapartida a esse modelo arcaico, diz Catherine Bertho-
Lavenir: “Les démocraties des deux derniers siècles ont façonné leurs réseaux pour
qu‟ils servent leur dessein de démocratie politique, d‟unité nationale et de maintien des
liens symboliques” (BERTHO-LAVENIR, 1997, p. 32).
Na Inglaterra, os Correios deixaram de ser uma prerrogativa real para se tornar
monopólio do Estado em 1660, com a instituição do General Letter Office. Esse órgão
regulamentava as post roads, linhas postais que conectavam Londres às principais
cidades do reino, como Bristol, Dover, Edinburgh, Holyhead, Norwich e Plymouth.
Segundo Derek Gregory, a introdução do serviço de diligências, em 1784, aumentou
significativamente a eficiência do sistema postal britânico pois, como observou o Conde
de Lichberg, diretor dos Correios ingleses na década de 1830, “in
bringingplacesmuchnearertooneanother, the rate of postage
hasbeenconsiderablyreduced” (LICHBERG apud GREGORY, 1987, p. 132).
A centralização dos serviços postais na França, por sua vez, iniciou-se em 1793,
com a criação da Agência Nacional dos Correios, órgão que permaneceu diretamente
subordinado ao Ministério das Finanças até a criação do Ministério de Correios e
Telégrafos, em 1879. Para Benoît Oger, esses fatos consagraram a opção do governo
francês pela gestão direta desse meio de comunicação, sendo justificada, segundo o
autor, pelos seguintes imperativos: “intérêtdesgouvernantspourle controle de
l‟information (avant, pendant et aprèslaRévolution) et recherche de
recettesnouvellespourleTrésor” (OGER, 2000, p. 8).
Já a institucionalização dos Correios norte-americanos, em finais do século
XVIII e início do XIX, esteve relacionada à organização do sistema político
representativo e às práticas administrativas decorridas da opção pelo arranjo federativo.
Nesse processo, a responsabilidade administrativa do Congresso foi confirmada pelo
Postal Act de 1792, documento que estabelecia o desenho institucional que os Correios
americanos teriam ao longo do Oitocentos. Não obstante isso, a influência presidencial
se fez presente nos diversos níveis da administração postal norte-americana pois, como
observa Jon Rogowski, “notonlywas the post office a highlyvisiblesymbol of the federal
government, but it was a Project for wich the federal government providedsubstantial
financial support” (ROGOWSKI, 2014, p. 9).
No Brasil, o processo de centralização administrativa dos Correios e de
regulamentação das práticas postais ocorreu pari passu às experiências francesa e norte-
americana, chegando, mesmo, a se adiantar em relação a muitos países do continente.
Em 1798, um Alvará Régio determinou a criação de um órgão que, subordinado
à Fazenda Real, seria responsável por regularizar os fluxos de correspondência entre as
capitanias brasileiras e o Correio da Corte. Esse documento também proibia o transporte
terrestre de correspondências por particulares – os chamados caminheiros – e submetia
os empregados dos Correios a uma rigorosa jurisdição (BARROS NETO, 2004, p. 25).
Com a transferência da Família Real para o Rio de Janeiro, em 1808, os serviços
postais dessa cidade tiveram de ser adaptados à condição da nova capital: por meio da
criação da Administração Geral do Correio da Corte por D. João VI no mesmo ano de
sua chegada ao Brasil, o efetivo dos Correios foi aumentado, criando-se novas linhas
postais e incrementando-se as já existentes entre as diversas províncias e a Corte.
A política de integração territorial levada a cabo durante o período joanino
continuou após a Independência, ganhando novas dimensões sob a égide do Estado
nacional: em 1828, o Secretário dos Negócios do Império, José Clemente Pereira,
apresentou uma proposta de reorganização dos serviços postais que se efetivou com a
implantação da DiretoriaGeral dos Correios, em 1829.
Esse órgão, com sede na cidade do Rio de Janeiro, tinha como função fiscalizar,
dirigir e promover a melhoria das práticas postais vigentes em todo país, além de gerir
as finanças dos Correios da Corte. Seu efetivo era encabeçado pelo Diretor Geral, ao
qual cabia “fiscalizar, promover, e dirigir a administração geral de todos os Correios;
e propôr ao Governo pela Secretaria de Estado dos Negócios do Império todos os
meios, que a prática mostrar convenientes para melhorar a mesma administração”
(IMPÉRIO DO BRASIL, 1830, p. 208).
Também foi estabelecido que, em cada capital de província, haveria um
administrador que serviria, ao mesmo tempo, de tesoureiro e chefe de repartição. Além
disso, definiu-se que todas as cidades e vilas deveriam possuir, obrigatoriamente, um
agente postal, sendo as Câmaras Municipais responsáveis pelo provimento de recursos
materiais e humanos para essa empresa.
O Regulamento de 1829 evidenciou, assim, o esforço do governo em expandir
sua autoridade de maneira racional e em manter-se institucionalmente equiparado ao
que havia de mais moderno em termos de administração postal no mundo, sem,
contudo, negligenciar as demandas das elites regionais por participação no processo de
construção dos aparelhos de Estado.
Durante a vigência da 2ª Legislatura (1831-1834), o texto original desse
documento sofreu importantes modificações, sendo o quadro de funcionários dos
Correios reestruturado nos seguintes termos: “Fica supprimido o emprego do Director
Geral dos Correios, e competido a direção e inspecção dos mesmos na Provincia, onde
estiver a Corte, ao Ministro do Imperio, e nas outras aos Presidentes” (IMPÉRIO DO
BRASIL, 1831, p. 8). Essa medida revela como alguns fundamentos da administração
pedrina eram incompatíveis com o projeto de reforma das instituições levado a cabo
pelos liberais durante o período regencial.
Os parlamentares também simplificaram o processo de incorporação de agencias
ao aparelho do Estado, transferindo para a Fazenda os custos iniciais dessa empresa:
segundo o Decreto de 1831, “Os ensaios, mandados fazer pelas Câmaras Municipais,
serão a custa da Fazenda Pública” (p. 9). Tal medida pode ser interpretada como uma
forma de desonerar os cofres municipais cujas receitas eram, na maioria das vezes,
insuficientes para arcar com despesas dessa ordem.
As bases institucionais dos Correios lançadas por D. Pedro I e modificadas pelos
liberais durante a Regência sofreram substantivas reorientações durante o Regresso
Conservador. Nesse período, que abrange a primeira metade da década de 1840 e
coincide com os anos formativos do reinado de D. Pedro II, a legislação que
regulamentava o serviço postal tornou-se mais complexa e detalhada, centrando-se na
figura do Ministro do Império e em autoridades diretamente nomeadas pelo governo
imperial. Como observa Lydia Garner, “the system established by the Conservatives
was designed to strengthen the power of the central government, of the Executive”
(GARNER, 1988, p. 647).
Um dos marcos dessa reforma foi a reinstituição da Diretoria Geral dos Correios,
pelo Decreto nº 399, de 21 de dezembro de 1844. Esse órgão tinha como função dirigir
e fiscalizar os serviços postais do Império, propondo melhorias no aparelho
administrativo das províncias, e promovendo a criação de novas agencias de Correios
no interior do país. Compunham seu quadro de funcionários, além do Diretor Geral –
cargo restaurado em março de 1842 e consequentemente incorporado à estrutura da
nova repartição – um oficial-maior, dois oficiais e dois amanuenses.
As diretrizes do projeto conservador presentes nesse documento evidenciam-se
nas formas de recrutamento para postos da hierarquia funcional. Segundo o artigo 43 do
novo Regulamento, os cargos de Diretor Geral e de administradores provinciais eram de
livre nomeação e demissão do Governo, o que significa dizer que o Ministro do Império
não precisava consultar o Conselho de Estado, tampouco o Parlamento, para decidir
sobre a sorte desses funcionários.
Se o governo imperial primava por centralizar em autoridades do poder
Executivo o controle sobre os administradores e demais funcionários dos Correios,
quando a pauta era despesas, essa lógica invertia-se: nesse caso, tratava-se de
descentralizar ao máximo os custos do serviço postal, o que significava arcar apenas
com as despesas das repartições situadas nas capitais de província, delegando aos
agentes das demais localidades a responsabilidade pelo expediente e pelas instalações
da repartição, tal como dispõe o seguinte artigo:
Art. 55. O Governo prestará EdificiosPublicos, ou a quantia
necessaria para alugar casas proprias para o Correio nas Capitais
das Provincias. Nas outras Cidades, Villas, ou lugares onde não
haja Edificio Publico que o Governo possa sem inconveniente
prestar para esse fim, será a Agencia nas casas dos respectivos
Agentes (IMPÉRIO DO BRASIL, 1844, p. 8).
A aparente improvisação que tal disposição sugere torna-se, contudo, mais
compreensível admitindo-se que, no século XIX, não havia clara distinção entre serviço
público e empreendimento privado: nos Estados Unidos, por exemplo, afirma Arthur
Hecht que “some of the private postal centers were tavernslocatedstrategically in
populatedtownshipswhere mail couldeasilybebroughtorcollected.” (HECHT, 1962, p.
423). Isso, contudo, não significa que esses espaços estivessem fora da jurisdição
governamental, pelo contrário: assim como as tavernas eram supervisionadas pelos
postmasters generals norte-americanos, no Brasil, a dinâmica dos Correios tal como foi
organizada em 1844 permitia ao governo imperial conhecer, ao menos formalmente, a
rotina administrativa das diversas repartições que compunham essa instituição.
O que todas essas mudanças denunciam, por fim, é o esforço dos dirigentes
nacionais no sentido de afinar a regulamentação postal com os princípios e práticas do
liberalismo então vigente. Nesse esforço, mudanças de cunho administrativo – como a
extinção do cargo de Diretor Geral ou sua posterior reabilitação no quadro de
funcionários – investiram-se de forte conotação política. Na reforma do serviço postal
estavam em concorrência, portanto, não apenas modelos de administração pública, mas
também projetos distintos de organização do Estado liberal brasileiro.
2. Do Penny Black ao Olho de Boi
A diversificação e a melhoria da qualidade dos serviços prestados pelos Correios
foram algumas consequências da modernização dos meios de transporte postal ocorrida
na Europa a partir da primeira metade do século XIX. De acordo com Eric Hobsbawn:
o sistema de carruagens postais ou diligências, instituído na
segunda metade do século XVIII, expandiu-se consideravelmente
entre o final das guerras napoleônicas e o surgimento da ferrovia,
proporcionando não só uma relativa velocidade – o serviço postal
de Paris a Strasburgo levava 36 horas em 1836 – como também
regularidade (HOBSBAWN, 2005, p. 26).
Contudo, inovações tecnológicas não foram suficientes para determinar o
aumento dos fluxos de comunicação postal. Isso porque, para grande parcela da
população, os Correios eram apenas um aparelho fiscal a serviço do Estado para
arrecadação de rendas. Corroboravam com essa percepção os altos valores cobrados
pelo porte das correspondências, cujo cálculo era feito com base na distancia entre os
postos de postagem e de recebimento multiplicada pelo número de folhas de papel
contidos na correspondência.
Coube à Inglaterra o pioneirismo na implantação da política de uniformização
tarifária: em 1839, o parlamento inglês aprovou um projeto apresentado por Rowland
Hill, o qual estabelecia a taxação única de 1penny para toda carta simples,
independentemente da distância percorrida pelo transportador. Essa taxa deveria ser
paga previamente pelo emissor da correspondência, sendo o pagamento identificado por
um selo – o Penny Black – posto a venda em 1840.
Em Relatório publicado no ano de coroação da Rainha Vitória, 1837, Hill já
havia exposto os argumentos que embasavam sua proposta: segundo ele, o alto custo
das tarifas postais era resultado de um arranjo administrativo complexo e ineficiente, o
qual privilegiava a arrecadação fiscal em detrimento da qualidade do serviço prestado à
população. A instauração da tarifa única a preço baixo e o pagamento prévio da mesma
eram, portanto, condições imprescindíveis para se alcançar não apenas a diminuição das
despesas de distribuição, mas também um aumento dos fluxos postais, podendo
gerarlucros para a administração dos Correios. Nas palavras do autor:
When it is considered how much the religious, moral, and
intellectual progress of the people, would be accelerated by the
unobstructed circulation of letters and of the many cheap and
excellent non-political publications of the present day, the Post
Office assumes the new and important character of a powerful
engine of civilization; capable of performing a distinguished part in
the great work of National education, but rendered feeble and
inefficient by erroneous financial arrangements (HILL, 1837, p.8).
As proposições de Hill dividiram opiniões no Parlamento e na imprensa: de um
lado, a ala Whig mostrava-se favorável aos argumentos pró-uniformização postal, por
acreditar que a tarifa reduzida contribuiria não somente para o aumento das relações
comerciais, mas também para a moralização da sociedade e o progresso da civilização.
Do outro, os parlamentares Tories, seguidos por altos funcionários dos Correios,
cerraram fileiras contra essa medida, prevendo, não sem certa dose de exagero, que sua
implementação traria ruina financeira ao serviço público postal.
Polêmica e estreitamente ligada à conjuntura social da Era Vitoriana,3 a reforma
de Hill teve efeitos contraditórios na estrutura financeira dos Correios britânicos: se o
volume de postagens aumentou consideravelmente, passando de 92.000 para 327.000
itens nos anos 1850 (Tabela 1), também é correto afirmar que houve expressiva queda
nos lucros do departamento nos anos que se seguiram à adoção da postagem reduzida.
3Catherine Golden observa que a campanha pela redução das tarifas postais esteve intimamente
relacionada a fenômenos sociais e políticos tais como abolição das CornLaws, universalização da
educação pública primária, aumento das taxas de alfabetização, expansão da rede ferroviária, entre outros
fatores característicos do processo de expansão do Império Britânico (GOLDEN, 2009, p. 24).
Em 1841, esse valor caiu pela metade se comparado ao ano anterior, registrando apenas
500.789£. Somente a partir da década de 1870, os Correios britânicos restaurariam seu
padrão de lucros pré-reforma, atingindo 1.836.387£ em 1874. Contribuiu
decisivamente, para isso, a introdução dos serviços telegráficos no cômputo da
administração postal.
Tabela 1 – Crescimento dos Correios Ingleses (1840 – 1920)
Ano Nº de objetos postais
1839 92.000
1840 169.000
1850 327.000
1860 646.000
1870 877.000
1880 1.662.000
1890 2.620.000
1900 3.723.000
1910 5.281.000
1920 5.716.000
Fonte: WILLIAMSON, F. H. Post and Postal Services (1972).
In: The Bitish Postal Museum & Archive.
Disponível em: http://www.postalheritage.org.uk/.
Acesso em: 14/11/15.
É significativo que o Brasil tenha sido o terceiro país do mundo a aderir ao
modelo inglês de uniformização tarifária, sendo precedido, apenas, pela própria
Inglaterra e pelo cantão de Zurique, cuja reforma postal ocorreu em 1840.
Em 1842, o Decreto nº 254 fixava em 60 réis o valor dos portes das cartas
conduzidas por terra cujo peso não excedesse a 4 oitavas, sendo acrescido 30 réis a esse
valor, para cada duas oitavas excedidas (Tabela 2). Esse documento também
relacionava os papéis que deveriam ser isentos de porte ou receber tarifação especial.
Um documento complementar, de nº 255, instituiu o pagamento prévio dessas taxas,
pois, até então, quem arcava com os custos da postagem não era o remetente, mas sim o
destinatário. Esse pagamento deveria ser identificado por um selo, o qual ficou
popularmente conhecido como Olho de Boi (Imagem 1).
Posteriormente, diversas medidas foram adotadas para se evitar fraudes na
produção e comércio de selos: o novo Regulamento de 1844 estipulava, por exemplo,
que esses objetos postais fossem “estampados em papel mui fino, e fixados nas cartas e
mais papeis com substancia tão glutinosa que se faça difficil sua separação sem que se
lacre” (IMPÉRIO DO BRASIL, Decreto nº 399, art. 192, 21/12/1844). Esse documento
também previa multa de 100$ e três meses de prisão para aqueles que falsificassem
selos e de 10 a 20$ para aqueles que os vendessem sem autorização do governo.
Tabela 2 – Valor de porte dos Correios brasileiros - 1842
Correio de Terra Correio de Mar
Não excedendo de 4 oitavas 60 réis 120 réis
Excedendo de 4 até 6 ditas 90 réis 180 réis
De 6 até 8 ditas 120 réis 240 réis
E assim progressivamente, acrescentando-se aos portes de terra por cada duas oitavas
trinta réis, e aos de mar sessenta réis.
Fonte: Decreto nº254, de 29 de novembro de 1842. Disponível em: http://www.planalto.gov.br
Acesso em: 14/11/2015.
Imagem 1 – Emissões de 30, 60 e 90 réis brasileiros – Série “Olhos de Boi” (1842)
Fonte: Museu Histórico Nacional. Disponível em: http://www.museuhistoriconacional.com.br
Acesso em: 14/11/15.
À semelhança dos Estados Unidos que, em 1792, haviam instituído uma tarifa
reduzida para a circulação de livros e periódicos, o Decreto nº 254 estipulava o
pagamento da quarta parte de um porte simples (20 réis) a todos os materiais impressos.
No entanto, esses benefícios somente poderiam ser válidos se todos os papéis fossem
lacrados e subscritados. Objetivava-se, com isso, um maior controle desse tipo de
correspondência por parte da administração postal e a redução de fraudes tais como a
inserção de cartas pessoais e objetos entre as folhas dos jornais.
A isenção de porte, por sua vez, contemplava, além dos ofícios e demais papeis
destinados a repartições do serviço público, “as cartas que os Colonos dirigirem às
pessoas residentes no paiz, de que tiverem emigrado” (IMPÉRIO DO BRASIL,
Decreto nº 254, art. 13º, 29/11/1842). Pode-se estimar o quanto essa disposição
satisfazia as demandas não apenas dos colonos, mas também dos empresários que os
contratavam, os quais, desejosos de atrair mais braços estrangeiros para suas lavouras,
viam nesse benefício postal um estímulo à divulgação de seus empreendimentos.
Por fim, é interessante observar que o Decreto nº 254 previa a necessidade de
aumento das tarifas postais na proporção em que os serviços dos Correios do Império se
tornassem mais dispendiosos. Segundo seu artigo 11º: “Os portes fixados nos artigos
antecedentes serão elevados até que a receita do Correio seja suficiente para sua
despesa, e modificados como mais convier”. Contudo, o que se verá adiante é que esse
ajuste fiscal, se ocorreu, não foi suficiente para fazer frente aos déficits colecionados
pelos Correios ao longo das décadas que precederam a reforma tarifária postal.
3. As finanças dos Correios nos Relatórios Ministeriais
Os dados financeiros e estatísticos dos Correios contidos nos Relatórios da
Secretaria de Estado e Negócios do Império4 permitem analisar o estado das finanças
públicas desse órgão no contexto das reformas tarifárias e institucionais empreendidas
na década de 1840. Essa documentação também revela como o governo via os serviços
postais na totalidade dos aparelhos administrativos do Estado brasileiro.
A revisão das leis e procedimentos que regulamentavam os serviços postais foi
demanda constate ao longo do século XIX, figurando nos Relatórios em questão desde o
4Os relatórios ministeriais do governo brasileiro, do período de 1821 a 1960, encontram-se digitalizados e
disponibilizados através da página virtual do Center for ResearchLibrariesda Universidade de Chicago.
Endereço: http://www-apps.crl.edu/brazil/ministerial. Acesso em: 14/11/2015.
Período Regencial: em 1837, o ministro Bernardo Pereira de Vasconcellos observava
que “postoque as principaes Administrações dos nossos Correios estejão sofrivelmente
organizadas, he contudo sabido que ellas não podem satisfazer ás necessidades das
nossas maiores povoações” (IMPÉRIO DO BRASIL, 1838, p. 42).
Nessa época, um dos principais desafios que a Administração Geral dos Correios
enfrentava era concernente às cartas que ficavam retidas nos estabelecimentos postais
da Corte, terminando incineradas, por não haverem destinatários que as reclamassem.
Na opinião de Joaquim Vieira da Silva e Souza, esse método de distribuição era
“improprio para huma cidade tão vasta” como o Rio de Janeiro, além de causar
“prejuízo considerável da Fazenda Publica”, visto que as incinerações não saíssem de
graça aos cofres do governo. Sobre esse aspecto, ainda comenta o Ministro: “Com
effeito, ainda há pouco se procedeo a hum desses consumos, conforme o Regimento, no
valor de mais de três contos de reis” (p. 32).
Em busca de soluções para esse e outros problemas, os Ministros do Império
recorrentemente voltavam seus olhares para a Europa: em Relatório de 1835, José
Ignácio Borges afirma a necessidade de um sistema de distribuição de correspondências
que funcionasse à semelhança dos correios urbanos instituídos na França em 1829,
porém reconhece que “para realizar huma tal reforma, além das dificuldades a vencer
por effeito de nossos habitos, seria preciso obter os Regulementos que por lá se seguem
a tal respeito, e aplica-los judiciosamente ao estado de nossa civilização, o que não
pode ser obra do momento” (IMPÉRIO DO BRASIL, 1836, p. 16). Sob o pretexto da
defasagem do Estado brasileiro em relação a seus congêneres europeus, protelavam-se,
assim, melhorias no sistema postal do Império.
Notícias sobre a campanha de Rowland Hill pela redução das tarifas postais na
Inglaterra logo chegaram ao conhecimento das autoridades governamentais brasileiras.
Em 1840, o Ministro Candido José de Araújo Viana informava que um representante do
governo britânico havia proposto “a adopção de certas medidas” que tinham por fim
“diminuir muito o porte das cartas”, e que desejava que essas medidas fossem
“extensivas, por meio de arranjos recíprocos, aos paizes estrangeiros” (IMPÉRIO DO
BRASIL, 1841, p. 42).
Não demorou muito para que esse projeto tomasse a forma de legislação: no ano
seguinte, a Lei do Orçamento de 1842 (nº 243, de 30 de novembro de 1841) autorizou o
governo imperial a dispender 180.000$000 com a melhoria dos serviços postais,
podendo, para isso, alterar qualquer disposição do Regulamento de 1829, inclusive as
referentes às tarifas. Esse seria o primeiro passo em direção às reformas institucionais
empreendidas na década de 1840.
No Relatório de sua segunda gestão, Araújo Viana levava ao conhecimento do
Parlamento o conteúdo do Parecer emitido pelo Conselho de Estado acerca da situação
dos Correios do Império. Segundo o documento, esse ramo do serviço público
totalizava um déficit que correspondia a mais do quíntuplo de sua receita, sendo
avaliado em 380.000$000. Várias eram as causas para esse estado de coisas:
Em primeiro lugar, destacava-se a pouca rentabilidade dos Correios marítimos
em razão das baixas tarifas neles cobradas. Anteriormente à reforma de 1842, que fixou
o valor mínimo de 120 réis para esse tipo de porte, uma carta simples dirigida da Corte
ao Pará custaria apenas 20 réis. Esse preço contrastava com as avultadas despesas dessa
desse ramo do serviço postal, as quais estavam na casa dos 200.000$000, segundo o
Parecer. Convinha, portanto, elevar as tarifas postais, pois, na opinião do Conselho: “He
razoavel que a despeza dos Correios seja feita á custa dos correspondentes, a quem
eles mais directa, e principalmente servem” (IMPÉRIO DO BRASIL, 1842, p. 48).
A deficiência da fiscalização era outro problema evidenciado no documento: no
expediente instituído pelo Regulamento de 1829, os pareceristas reconheciam ser
impossível verificar com exatidão o número de cartas recebidas e distribuídas, por
maior que fosse a atenção depositada pelos funcionários nessa tarefa. Essa limitação do
sistema escriturário dava margem a fraudes e extravios, tal como observa o contador
incumbido de examinar as finanças do Correio no Rio de Janeiro:
E se em huma Repartição, como o Correio Geral da Corte, está
sujeita semelhante operação a fé de quem a pratica, qual será o
conceito, que deve merecer a mesma operação elaborada em huma
Administração, ou Agencia, onde hum só individuo reúne as
qualidades de Administrador, Contador, e Thesoureiro! De huma
conta pois de tal natureza nenhum recurso tem o Officialdella
encarregado, se não estar pelo que se lhe apresentar, porque todas
as pesquizas serão frustadas á vista da natureza da Receita (p. 47).
O Conselho de Estado suspeitava, outrossim, da existência de “despesas
superfluas”, em função do expressivo aumento notado pelo contador nos gastos dos
Correios relativos aos anos de governo regencial, “tempos algum tanto inquietos, e em
que dominava a opinião de se satisfazerem não só ás urgências, mas até ás veleidades
do Publico” (p. 47).
A disparidade nos orçamentos das Administrações provinciais também era
assunto que chamava a atenção dos Pareceristas, os quais exemplificavam suas
declarações com o seguinte caso: “Compare-se a despesa do Correio no Piauhy com a do
Ceará: no Piauhy, que manda á Camara dos Deputados hum só Representante, custa o Correio
3.198$ réis, quando no Ceará, que he representado por oito Deputados não excede esta
despeza a 2.254$ réis” (p. 48).
Em face dessas questões, o documento sugeria a adoção de algumas medidas, a
começar pela entrega a domicílio e pelo pagamento adiantado do porte em papel selado.
Justificavam-se essas “inovações” com os seguintes argumentos:
O adiantamento dos portes, além de não aggravar mais os onus dos
contribuintes, evita abusos, e torna mais rapido o expediente dos
Correios; a distribuição das cartas nos domicilios oferece mais
alguma probabilidade de chegarem ellas ao seu destino, e poupará
muito tempo, e trabalho perdido em delongas no seu recebimento
nas Administrações do Correio. Tanto importa a taxa adiantada,
como no acto do recebimento da correspondencia. Não terão mais
os ociosos, e malignos, o poder de multar a qualquer, dirigindo-
lhes inuteis, e injuriosos papeis pelos Correios, nem se despenderá
tempo, ao entregar as cartas, na averiguação, e troco da moeda.
Apenas chegarem as malas ás Administrações, sahirão os carteiros
a entregar a correspondencia, não se demorando em cada
domicilio, senão o tempo necessario para deixar a carta, e avisar a
pessoa, a quem se vai entregar; operação esta, que, segundo as
experiencias feitas, custaria vinte e cinco vezes mais tempo, se não
fosse pago o porte; e o que muito a recomenda he que, por este
meio, não irá qualquer curioso, ou mal intencionado receber alheas
correspondências, e devassar segredos de família, honra, e fortuna.
Finalmente o novo systema do pagamento adiantado, e papel
sellado, não só faz possivela fiscalização neste labyrintho do
Serviço Publico, mas a facilita a ponto de que em dias se tomarão
contas, que, segundo o systemaactual, seria trabalho de mezes, e
frequentemente pouco satisfactorio (p. 51).
Com essa reforma dos serviços de entrega e pagamento das tarifas, tanto o
Conselho de Estado quanto o Ministério do Império estimavam elevar a receita auferida
pelos Correios de 60 contos para mais de 300.000$000, sem ser necessário acréscimo
nas despesas fixadas pela Lei do Orçamento de 1842.
A partir de 1845, os Relatórios ministeriais passaram a disponibilizar dados financeiros
e estatísticos relativos ao Correio, através dos quais é possível verificar a trajetória das rendas
desse serviço público ao longo de aproximadamente duas décadas (Tabela 3).
À primeira vista, os dados dos anos subsequentes à implantação da reforma
tarifária parecem confirmarparte da declaração feita por Joaquim Marcelino de Brito,
em 1846: “muito tem melhorado o serviço dos Correios, tanto no que diz respeito á sua
regularidade, como á sua fiscalidade” (IMPÉRIO DO BRASIL, 1847, p. 64). Porém,
se analisados com mais acuidade, eles revelam uma realidade fiscal bem mais complexa
do que a fala do Ministro faz crer.
Tabela 3. Receita e despesa dos Correios brasileiros (1839-1858)
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Fonte: Relatórios Ministeriais da Secretaria de Estado e Negócios do Império (1821 – 1860).
Disponível em: http://www-apps.crl.edu/brazil/ministerial. Acesso em: 14/11/15.
Primeiramente, observa-se que a receita orçada era sempre menor do que a
efetivamente auferida, chegando a uma diferença positiva de 76.000$000, em 1845
(Gráfico 1). Em contrapartida, o orçamento das despesas invariavelmente extrapolava o
gasto real dos Correios, a exceção do ano de 1840, quando a diferença entre esses dois
valores foi de -99.939$000 (Gráfico 2). Como explicar essas discrepâncias?
Em artigo sobre a vida financeira de municípios paulistas na primeira metade do
século XIX, Anne Hanley e Luciana Suarez Lopes alertam para os riscos de se utilizar
fontes orçamentarias para o período em questão. Segundo as autoras, os valores que
constavam nos orçamentos eram frequentemente superestimados, o que afetava o
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350,000,000
Gráfico 1. Receita dos Correios Brasileiros (1839 - 1858)
Budgeted Revenues
Collected Revenues
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100,000,000
150,000,000
200,000,000
250,000,000
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500,000,000
Gráfico 2. Despesas dos Correios Brasileiros (1839 - 1858)
Budgeted Expenditure
Effective Expenditure
provimento de bens públicos à população. Elas concluem que “the published budgets
reflected an idealized projection of municipal financial health that had little to do with
the reality of fiscal management of local government (HANLEY; LOPES, 2012, p. 5).
A diferença entre os orçamentos municipais e os dos Correios é que, enquanto
aqueles refletiam, na maioria das vezes, uma visão otimista dos edis acerca das contas
públicas, esses primavam pela prudência, subestimando, mesmo, a capacidade fiscal do
órgão em questão. Uma hipótese ainda carente de fundamentação empírica é a de que as
diferenças positivas que resultavam tanto da receita quanto da despesa orçada fossem
utilizadas para equilibrar a contabilidade dos serviços postais, diminuindo, ao menos
ficcionalmente, o déficit crônico por eles produzidos (Gráfico 3).
Outra observação pode ser feita com base nos balanços anuais: com a nova
regulamentação dos portes, percebe-se uma ascensão considerável na renda dos
Correios (47%), que chega a 135.635$859, em 1846. Contudo, esse valor não era o
bastante para cobrir as despesas do serviço público em questão, as quais são avaliadas,
nesse mesmo ano, em 176.126$941: o resultado disso é um déficit de 40.491$082
(Gráfico 4).
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Gráfico 3. Déficit orçado e efetivo dos Correios Brasileiros (1839 - 1858)
Saldo/déficit orçamento
Saldo/déficit balanço
Contrariando as expectativas do Ministro Marcelino de Brito de que o caráter
deficitário5 dos Correios viesse a desaparecer com as medidas instituídas na
administração, o que se constata é o aumento dessa diferença negativa ao longo dos
anos 1840, atingindo mais de cem contos de réis nos últimos anos do decênio seguinte.
Os primeiros anos da década de 1850 assistiram a um aumento expressivo na
capacidade de arrecadação dos serviços postais, os quais auferiram a soma de
258.191$076 em 1855. Dentre as fontes de renda, destaca-se a venda de selos pretos,
avaliada em 143.915$809, ou 55,73% das rendas totais do ano de 1855 (Gráfico 5).
5O déficit crônico não era, contudo, uma exclusividade do caso brasileiro: em estudo clássico sobre o
desenvolvimento das tarifas postais nos Estados Unidos entre os anos de 1845 e 1955, Jane Kennedy
identifica os fatores que teriam tornado os Correios norte-americanos uma instituição caracteristicamente
deficitária. Segundo a autora, “In the 1850‟s and 1860‟s, the combination of large reductions in postage
and the rapid westward expansion of the postal service brought the first large postal deficits into being,
and also the beginning of a debate that continues today: whether the Post Office should be managed on a
„business‟ basis, or whether its deficit should be resgarded as the price of its contribution to national
welfare” (KENNEDY, 1957, p. 107).
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Gráfico 4. Receita e despesa efetivas dos Correios Brasileiros
(1839-1858)
Collected Revenues
Effective Expenditure
Houve também diminuição na diferença entre receita e despesa, que tenderam a
se equilibrar, não chegando a 30 contos de réis em 1854. Esse cenário financeiro
avalizava o ministro Luiz pedreira do Couto Ferraz a declarar que “se o serviço dos
correios não é ainda feito no nosso paiz com a regularidade e perfeição que em outros
se observa, não se póde duvidar que tem progressivamente melhorado, a alguns
respeitos, nos ultimos anos” (IMPÉRIO DO BRASIL, 1854, p. 30).
Algumas mudanças, no entanto, ocorreram a partir da segunda metade da
década: nesse contexto, o valor das despesas aumentou 54%, chegando a 437,770$773,
em 1857. Nem com maior porcentagem de crescimento (55%), a receita foi suficiente
para fazer frente aos gastos expendidos, o que gerou um déficit de 132 contos de réis, o
maior da história dos Correios brasileiros até então (Gráficos 2 e 3).
Em anexo ao Relatório Ministerial de 1857, o Diretor Geral dos Correios,
Thomaz José Pinto de Serqueira, expõem de forma circunstanciada a situação financeira
e organizacional de sua repartição. Segundo ele, o avultado crescimento das despesas
para o ano em questão era motivado por vários fatores, tais como: criação de novas
linhas e agencias; necessidade de alugar imóveis para o funcionamento das
administrações; ajuste no vencimento de estafetas e carteiros e, por fim, aumento na
porcentagem concedida aos agentes, que era calculada em razão do rendimento anual
dos serviços postais nas localidades (Tabela 4).
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Gráfico 5. Fontes de renda dos Correios Brasileiros (1855 - 1859)
Black Stamps sold Blue Stamps sold Other sources
Tabela 4 – Principais despesas dos Correios (1855 – 1859)
Ordenados e
Gratificações Custeio
Estafetas e
Carteiros
Expediente
e utensílios
Vencimento
dos Agentes
Total da
despesa
1855
1856 80.806$080 28.107$182 142.222$199 19.765$869 31.613$580 297.317$514
1856
1857 86.360$034 19.911$668 192.237$455 81.656$530 31.457$802 378.139$098
1857
1858 110.858$436 23.619$373 231.134$641 91.402$268 38.864$758 437.779$773
1858
1859 119.627$217 26.812$600 258.266$398 91.016$710 46.774$186 493.579$038
Fonte: Relatórios Ministeriais da Secretaria de Estados e Negócios do Império (1821 – 1860). Disponível
em: http://www-apps.crl.edu/brazil/ministerial. Acesso em: 14/11/2015.
Com base na análise desses dados, podem-se distinguir três categoriais de
despesa: as de caráter administrativo, as infraestruturais e as manutenções em geral. A
primeira contempla todos os gastos com pessoal, tais como ordenados, gratificações e
participação dos agentes nos lucros das repartições sob sua administração. No ano de
1857, esses gastos somaram 424.667$801, o que representa 86% da despesa total dos
Correios (Gráfico 6).
Especial atenção requer a rubrica de gastos com estafetas e carteiros: de acordo
com o Decreto nº 303 de 1843, a contratação desses funcionários era competência dos
administradores provinciais, os quais deveriam informar ao Diretor Geral dos Correios e
0%
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Gráfico 6. Principais despesas dos Correios Brasileiros (1855 - 1859)
Salaries and bonuses
Expedient and utensils
Maintenance
ao Presidente de Província sobre suas decisões. Esse documento fixou, ademais, o valor
das diárias a serem pagas a esses funcionários: 800 réis para os carteiros; 1$280 réis
para os estafetas, quando em serviço e 640 para os mesmos, estando parados.
A importância dos serviços de condução de correspondências evidencia-se no
destaque conferido aos gastos públicos com esses funcionários: entre 1855 e 1858, eles
aumentaram 55%, sendo responsáveis, nesse último ano, por 52,32% da dívida total dos
Correios. Talvez esse fenômeno já fosse previsto pelos ministros da década anterior,
como José Carlos Pereira de Almeida Torres que, em 1847, sugeria a adoção do sistema
de arrematação6 como forma de desencarregar a administração pública de tal serviço.
Nas suas palavras:
A experiencia tem confirmado o quanto he vantajoso que se faça
por arremataçãoo serviço da conducção das malas; e este methodo
se tem preferido ao de administração em todas as linhas, onde
aparecem licitantes que offereção condições razoaveis e suficiente
garantia (IMPÉRIO DO BRASIL, 1848, p. 42).
As outras duas categorias de despesas, por sua vez, compreendiam a criação e
manutenção de linhas postais, o aluguel e reforma de imóveis, além de compra de
materiais necessários ao expediente nas agencias, tais como carimbos, colas, tintas,
papéis timbrados, etc. Não obstante a diversidade de tais gastos, eles representavam
apenas 23,87% da despesa anual, totalizando 117.829$310, em 1857.
Nessas circunstâncias financeiras, é presumível que os Relatórios evidenciassem
problemas na infraestrutura dos Correios, sobretudo no que diz respeito à inadequação
dos imóveis para o expediente postal. Em 1850, o Ministro José da Costa Carvalho
assim se exprimia sobre esse assunto:
Em quase todas as Provincias estão as Administrações acomodadas
em casas tão acanhadas, que mal se prestão ao trabalho que nelas
tem de fazer-se; mas sobre tudo na Corte, parece impossivel que
n’huma casa, onde ha apenas corredores com 25 palmos de largura,
se faça a tempo, sem grande confusão e transtorno, o serviço
pesadissimo de apartar, conferir e expedir em poucas horas cinco e
seis mil cartas, que então de huma só vez, ao passo que ao mesmo
6Os interessados em prestar serviço de condução de malas postais e entrega de correspondências deveriam
proceder a uma arrematação, sistema cujo procedimento era de competência das municipalidades.
Segundo Marcos Sampaio Rodarte, esse tipo de contrato perdurou por todo o século XIX, abrangendo,
em 1872, 63,09% das linhas postais que se estendiam por 4.504 quilômetros da província de Minas Gerais
(RODARTE, 1999, p. 65).
tempo se prepárão varias malas para pontos mui diversos
(IMPÉRIO DO BRASIL, 1851, p. 40).
A disparidade de financiamentos acima verificada permite a formulação de
algumas hipóteses sobre como os administradores dos Correios organizavam e
distribuíam as rendas auferidas das tarifas postais:
Em estudo sobre a provisão de bens públicos em municípios paulistas durante o
século XIX, Anne Hanley revela a insuficiência das rendas municipais em cobrir as
despesas básicas da população. Segundo a autora, as municipalidades em estado de
penúria financeira tendiam a priorizar a folha de pagamento, por ser essa a principal
fonte de patronagem politica de que dispunham. Isso implicava, muitas vezes, no corte
de investimentos em infraestrutura, de vez que esses não fossem fixos por não estarem
especificados na lei orçamentária provincial (HANLEY, 2012, p. 520).
Assim como nas municipalidades estudadas por Hanley, estima-se que o padrão
de despesas adotado pelos Correios no século XIX privilegiasse o corpo de funcionários
em detrimento das demandas infraestruturais. A razão disso era provavelmente politica,
pois, como observa Richard John para o caso dos Estados Unidos,
The existence of such a rich source of potential political patronage,
mostly in the form of mail contracts and postmasterships, made the
postal system an obvious target for ambitious public figures intent
on building a political organization that would have a life of its
own (JOHN, 1997, p. 373).
A demanda das elites regionais por participação no processo de construção do
Estado nacional talvez explique, portanto, a opção do Executivo pela conservação dos
serviços postais em todas as províncias do Império, a despeito do ônus financeiro que
essa repartição representava aos cofres públicos imperiais: era necessário prover essas
elites de um canal institucionalizado como os Correios através do qual seus membros
pudessem manter relações de patronagem e contato frequente com o governo central.
Considerações finais
Nada tem V.M.I. tanto a peito, como fazer desaparecer as
distancias, que O separão de Seus súditos, e até, se possivel fosse,
reunil-os todos em torno de Seu Throno, e a medida proposta he
não pequeno passo para atingir este Augusto empenho (IMPÉRIO
DO BRASIL, 1842, p. 49).
Com essas palavras, Candido José de Araújo Viana justificava, em 1841, o
projeto de uniformização das tarifas postais com base na pesagem das correspondências.
Segundo ele, não era justo “exigir maior imposto dos contribuintes só porque residem
mais distantes”, tal como era feito com o cálculo das postagens até então. Acresce-se a
isso o fato de que, para muitos, a postagem uniforme não traria maiores agraves, pois na
lógica do ministro, “o que demais pagarem as cartas vindas de perto, será compensado pelo
que de menos pagarão as remetidas de lugares remotos” (Idem, p. 49).
Ao refletir sobre a dimensão espacial das reformas tarifárias, Léonard Laborie
sugere que a adoção da tarifa postal uniforme nos Estados nacionais do século XIX “a
renforcéladimensionterritorialenationaleliée à la Poste” (LABORIE, 2007, p. 17).
Segundo o autor, esse tipo de reforma teria sido vista pelos contemporâneos como uma
medida de“justiça territorial”, de vez que ela permitisse que as populações mais
afastadas dos centros de poder não se ressentissem contra o governo por seu
afastamento. Nesse sentido, ele questiona: “Faut-il pour autant conclure à une
«déspatialisation» de l‟univers postal à partir de cette date?”(Idem, p. 19).
Adaptada ao caso brasileiro, essa pergunta ganha outras dimensões, as quais esse
artigo busca apenas sistematizar: primeiramente, há que se avaliar o real impacto da
reforma tarifária de 1842 na estrutura financeira dos Correios, uma vez que,
diferentemente dos países europeus que adotaram a postagem unificada, o Brasil
possuía um território de dimensões colossais. Em seguida, deve-se questionar a
transformação nas práticas postais da população brasileira do Oitocentos, visto ser essa
uma sociedade com altos índices de analfabetismo e com resultados educacionais muito
abaixo dos padrões europeus e norte-americanos (OLIVEIRA, 2014, p. 218).
Assim, pode-se concluir que ao investir na melhoria do transporte de
correspondências e, simultaneamente, reduzir os custos desse serviço para o consumidor
(mesmo que isso implicasse em déficits nas finanças dos Correios), o governo imperial
buscava afinar suas políticas públicas com as dos principais países europeus,
promovendo a integração territorial do Império via expansão dos serviços postais.
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história dos correios. São Paulo: Annablume, 2004.
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